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MAR - MUSEU DE ARTE DO RIO

Conselho do MAR Diretor de projetos e gestão


Márcio Fainziliber Tiago Cacique
Hugo Barreto
Diretor administrativo-financeiro
Ronald Munk
Pedro Paulo Carvalho Teixeira Luiz Guimarães
Luiz Chrysostomo Gerente administrativo-operacional
Pedro Buarque Hollanda
Roberta Kfuri
Conselho do Instituto Odeon Gerente de comunicação
Afonso Henrique Borges Ferreira Hannah Drumond
Éder Sá Alves Campos
Monica Bernardi Gerente de conteúdo
Edmundo Novaes Clarissa Diniz
Eloisa Elena
Fernando Ladeira Gerente de educação
Diretor-presidente
Carlos Gradim Janaina Melo
Diretora executiva
Adriana Karla Rodrigues Gerente de produção
Diretor cultural Daniel Bruch
Paulo Herkenhoff
© Éditions Macula, 1982 e 2014 para a sexta edição revista, corrigida e aumentada
Título original: Invention de l’hystérie: Charcot et liconographie photographique de la Salpêtrière

Direitos adquiridos para o Brasil por Contraponto Editora Ltda.

Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios, sem
autorização da Editora.

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Museu de Arte do Rio (MAR)


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Coordenação editorial e preparação de originais: Cesar Benjamin


Revisão técnica: Tadeu Capistrano
Revisão tipográfica: Tereza da Rocha
Capa e projeto gráfico: Aline Paiva e Andréia Resende
Diagramação: Aline Paiva

Coleção dirigida por Tadeu Capistrano


ESCOLA DE BELAS ARTES / UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

1a edição: novembro de 2015


Tiragem: 2.000 exemplares

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D553i
Didi-Huberman, Georges, 1953-
Invenção da histeria : Charcot e a iconografia fotográfica da Salpêtrière / Georges Didi-
Huberman ; tradução Vera Ribeiro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Contraponto, 2015.
504p. : il. ; 23cm (ArteFíssil)
Tradução de: Invention de l’ hystérie: Charcot et l’ iconographie photographique de la
Salpêtrière
Apêndice / Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7866-115-1
1. Arte e doença mental. 2. Iconografia. I. Ribeiro, Vera. II. Título. III. Série.
15-26765
CDD: 779
CDU: 77.049
A Coleção ArteFíssil se propõe a pensar a
experiência estética no mundo contemporâneo,
refletindo sobre as condições e as forças históricas,
políticas e culturais que marcam seus caminhos. A
coleção publicará textos que contribuem para a
análise das práticas artísticas na atualidade,
enfatizando a influência das novidades conceituais,
tecnológicas e midiáticas. O caráter interdisciplinar
desta proposta visa a ampliar o campo da história da
arte, priorizando diálogos cada vez mais intensos
com a filosofia, a literatura, os estudos de mídia e as
teorias da imagem.
Programa MAR na Academia

O Museu de Arte do Rio desenvolve o Programa MAR na Academia por


meio de sua Escola do Olhar. O objetivo é estimular a participação da
universidade no projeto do MAR de promover a inscrição da arte na esfera
pública, no âmbito da região metropolitana do Rio de Janeiro. A ênfase
desta ação recai nas relações entre museu e educação e no fortalecimento da
cidade como centro de reflexão teórica. Entre seus valores, estão a liberdade
de expressão e o respeito à autonomia universitária, o processo de
emancipação cultural e a independência das atividades da crítica e da
historiografia em relação ao Estado e ao mercado.
Em torno de uma agenda prioritária comum, o programa objetiva o
intercâmbio nacional e internacional e a cooperação entre os centros de pós-
graduação em arte, estética e cultura visual. Os seminários, colóquios,
conferências, cursos, exposições e mostras audiovisuais do programa
incentivam a colaboração de professores e estudantes universitários em
projetos da área curatorial e educacional do MAR.
O programa desdobra-se ainda em publicações que integram a linha
editorial do MAR e são lançadas no contexto de seminários internacionais
realizados em conjunto com a universidade. O enfoque são versões inéditas
em português de textos críticos escritos em outros idiomas. Para tanto, o
museu estabelece parcerias de coedição. Por meio de uma parceria iniciada
em 2013, a Contraponto Editora, com o apoio da Fundação Roberto
Marinho, já coeditou dez obras que integram a Coleção ArteFíssil, dirigida
por Tadeu Capistrano. Esta publicação é mais um fruto desse acordo.
Livros lançados
A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby
Warburg, de Georges Didi-Huberman. Tradução Vera Ribeiro.
A renovação da Antiguidade pagã. Contribuições científico-culturais para a
história do Renascimento europeu, de Aby Warburg. Tradução Markus
Hediger.
Aby Warburg e a imagem em movimento, de Philippe-Alain Michaud.
Tradução Sibylle Muller e Vera Ribeiro.
As distâncias do cinema, de Jacques Rancière. Tradução Estela dos Santos
Abreu.
Imagem, ícone, economia. As fontes bizantinas do imaginário contemporâneo,
de Marie-José Mondzain. Tradução Vera Ribeiro.
Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da
memória, de Andreas Huyssen. Tradução Vera Ribeiro.
Aparições espectrais: o idealismo alemão, o romance gótico e a mídia óptica,
de Stefan Andriopoulos. Tradução Vera Ribeiro.
Possuídos: Crimes hipnóticos, ficção corporativa e a invenção do cinema, de
Stefan Andriopoulos. Tradução Vera Ribeiro.
Filme: por uma teoria expandida do cinema, de Philippe-Alain Michaud.
Tradução Vera Ribeiro.
A semelhança informe, ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille, de
Georges Didi-Huberman. Tradução Caio Meira, Fernando Scheibe e
Marcelo Jacques de Moraes.
Sumário

Argumento
I. A evidência espetacular
Os desatamentos
O espetáculo
Invenção
O desatamento das loucas
Belas almas
Hipocrisia
O desatamento das imagens
O cristal da loucura
Moral do brinquedo
Desastres da eficácia
Saberes clínicos
O teatro dos crimes
Descida ao inferno
Veni - vidi
Emporium - imperium
Dar nome à histeria
A arte de pôr os fatos para trabalhar
A vida patológica, a natureza morta
A autópsia antecipada no sintoma
Exercício da clínica
Dramaturgia das convocações
Casos
Quadros
Observações, descrições
Curiosidades
Olhadelas, cliques
Lendas e legendas da fotografia
“Eis a verdade”
O museu, suplência do real
A grafia
A “verdadeira retina”
O iconográfico, a previsão
A mínima falha
Exageros do estilo
Traços de loucura
Primeiras provas
Gamação pelas imagens
Salpêtrière, serviço fotográfico
A lenda da memória
A lenda da superfície, a fácies
A lenda da identidade e seus protocolos
Paradoxo da evidência
Exatidão?
Facticidade!
Sujeito?
Traição!
Semelhança?
Vide!
Mil formas, sob nenhuma
“Eis a louca”
O bicho-papão [La bête noire]
A parte vergonhosa
A intratável
Malum sine materia
Paradoxos da causa
Paradoxos do foco
Paradoxo da evidência espetacular
Suspeitas: o sintoma como mentira
“Mas não impede que isso exista”
Extirpar uma forma, ainda assim
Passagem de uma silhueta
Traços de mulheres
II. O encantamento de Augustine
Auras
Quase rosto
A sombra e a lentidão
Pose, espectro, lateralidade
Aura, risco da distância
Contatos da distância
Véu, revelação
Iconografia da aura
Oráculos fotográficos
Aura hysterica
Os três nós
Dissimulação e dissimilação
A expectativa como método (“temporização”)
Um segredo logo visível
Sintoma-tempo (a narrativa impossível)
Tempo de exposição
A expectativa
“Não tenho tempo” (o entreato)
Perder os sentidos (a teatralização)
Ataques e poses
Um quadro clássico
Augustine como obra-prima
O momento escultórico (a contratura)
A mão-morta
O afeto, como algo projetado no alto
O olhar torto da histérica
Medição do olhar, à vontade
Sonhos (teatros, fogo, sangue)
Visões
Êxtases
O esposo infernal
A mulher alterada
Poses do prazer (um corpo duplo)
Gestos afetados
A cena primária, “como uma bofetada em cheio no rosto”
Recalcamentos e ressacas da cena primária
Conversões da cena primária
Lembranças encobridoras da cena primária
Posterioridades
Atentados
Retalhos obstinados de imagens (paradoxos da visibilidade)
Adornos e desvios
A parceria com a solidão
O desejo de cativar
A imposição de seduzir
“Desejar: minha glória” (como a histérica fazia o médico enamorar-
se)
Repetições, encenações
Olhares e toques
Sensibilidades “especiais”
Corpos experimentais
Corpos de sonho
A hipnose comparece - corpos sutis
“Per via diporre” - máquinas sublimes
Manipulações - prodígios dos corpos
Pinceladas - corpos galvanizados
“Estátuas expressivas”
Ofuscar e ensurdecer - quadros vivos
Escaladas, induções, “transferências”
Retratamento dos delírios
O chamariz (a arte de fascinar)
Pavana oculta
O auge do teatro
A repetição ideal
No limiar do crime perfeito
Bela alma, monopólio do espetáculo
O exibidor de coisas passadas
O milagreiro
“Confiem em mim, a fé alivia, orienta, cura...”
Teatro contra teatro
Beleza
Contrato
A cena a não fazer
A paciência extrema
O teatro em chamas
Os ganchos do espetáculo
Gritos
Sobressaltos
Máscara
Tormentos
Cravos, cruzes
Sacrifício
Sangue: segredos
Secreções
Simulacro e tormento
Fuga
O desconcerto e a imagem devolvida
Posfácio
Imagens e doenças
Imagem - sintoma
Sintoma - sublimação
Sublimação - símbolo
Símbolo - síntese
Síntese - mal-estar
Mal-estar - sintoma
Sintoma - imagem
Apêndices
O “museu patológico vivo”
As aulas clínicas de Charcot
A consulta
Prefácio a Revista fotográfica dos hospitais de Paris
Prefácio a Iconografia fotográfica da Salpêtrière, v. I
Prefácio a Iconografia fotográfica da Salpêtrière, v. II
O estrado, o apoio para a cabeça e o tripé fotográficos
A “observação” e a fotografia na Salpêtrière
A “ficha fotográfica” na Salpêtrière
Técnica da fotografia judiciária
O véu do retrato, a aura
O autorretrato “auracular”
A aura hysterica (Augustine)
Explicação do quadro sinóptico do grande ataque histérico
O “escotoma cintilante”
Curar ou experimentar
Gesto e expressão: o automatismo cerebral
Um quadro vivo de catalépticas
Delírios provocados: relatório de Augustine
Sugestões teatrais
Escrita sonambúlica
Até onde vai a submissão hipnótica?
Bibliografia (textos citados)
Argumento

No último terço do século XIX, a Salpêtrière foi o que sempre tinha sido:
uma espécie de inferno feminino, uma città dolorosa que encerrava 4 mil
mulheres incuráveis ou loucas. Um pesadelo em Paris, bem perto da sua
belle époque.
Foi precisamente lá que Charcot redescobriu a histeria. Como? Tentamos
descrevê-lo aqui, em meio a todos os procedimentos clínicos e
experimentais, através da hipnose e das espetaculares apresentações de
doentes em crise no anfiteatro das célebres “aulas das terças- -feiras”.
Descobrimos com Charcot do que é capaz um corpo histérico: pois bem,
parece um prodígio. Parece um prodígio, ultrapassa a imaginação e até
“qualquer expectativa”, como se costuma dizer.
Que imaginação, que expectativa? Tudo consiste nisso. O que as histéricas
da Salpêtrière exibiam de seus corpos decorria de uma extraordinária
conivência entre médicos e pacientes. Uma relação de desejos, olhares e
saberes. É isto que interrogamos.
Restam-nos hoje as séries de imagens da Iconografia fotográfica da
Salpêtrière. Está tudo ali: poses, crises, gritos, “atitudes passionais”,
“crucificações”, “êxtases”, todas as posturas do delírio. Tudo parece estar
presente, pois a situação fotográfica cristalizava idealmente a ligação entre a
fantasia histérica e uma fantasia do saber. Instaurou-se uma reciprocidade
da sedução: médicos com um insaciável apetite de imagens da “histeria”,
histéricas dando pleno consentimento, exagerando até nas teatralidades do
corpo. Assim, a clínica da histeria transformou-se em espetáculo, em
invenção da histeria. Identificou-se até, sub-repticiamente, com algo como
uma arte. Muito próxima do teatro e da pintura.
Mas o movimento sempre exagerado de encantamento produziu uma
situação paradoxal: na medida em que a histérica se deixava livremente
reinventar e ser cada vez mais colocada em imagens, uma dor como que se
ia agravando. Num dado momento, o encanto se rompeu e o consentimento
transformou-se em ódio. É essa virada que interrogamos aqui.
Freud foi uma testemunha desorientada dessa imensa discussão da
histeria a portas fechadas e dessa fabricação de imagens. Sua desorientação
não há de ter sido insignificante para os primórdios da psicanálise.
Paul Regnard, “Ataque: fase epileptoide”, fotografia, lâmina XVII, em Bourneville e Regnard,
Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès médical & Delahaye, 1877.
I. A evidência espetacular
Os desatamentos

O espetáculo

No fundo, tento reabrir uma indagação: o que terá significado a palavra


“espetáculo” na expressão “espetáculo da dor”? Creio que se trata de uma
indagação infernal, aguda, estridente.
Em nossa abordagem das obras, das imagens, de que maneira já se acha
como que projetada uma relação com a dor? De que modo ela, a dor, entra
em ação, qual seria a forma, a temporalidade de sua vinda, ou de sua
reaparição, e isto diante e dentro de nós mesmos, do nosso olhar? E há
também a pergunta: por que meios uma dor verdadeira nos faz aceder,
calados, mas ainda assim aceder, à questão das formas, dos significantes?
No fim, eu só poderia dar o nome de dor a esse acontecimento, a histeria.
E na própria passagem de sua atração terrível (que foi onde se abriu
inicialmente a pergunta).
Interrogo este paradoxo da atrocidade: a histeria, em todos os momentos
de sua história, foi uma dor forçada a ser inventada, como espetáculo e
como imagem; chegou até a inventar a si mesma (sua imposição era sua
essência), quando fraquejou o talento dos fabricantes patenteados da
Histeria. Uma invenção: um evento dos significantes. Mas, no próprio evento
das dores, das dores histéricas por demais evidentes, eu gostaria de falar do
sentido de sua extrema visibilidade.

Invenção

Inventar pode ser entendido em três acepções:


Imaginar; imaginar a ponto de “criar”, como se costuma dizer. Depois,
fabricar, isto é, abusar da imaginação, supercriar; em suma, mentir por
engenhosidade, se não por talento. Usa-se “fabricar” [controuver], embora
erroneamente, no dizer de Littré - mas assim mesmo se usa -, no sentido de
desmentir. Inventar, enfim, é achar, topar em boa hora com o choque da
coisa, da “própria coisa”, chegar até ela, invenire - e desvelá-la, quem sabe?
Inventar é uma espécie de milagre (aquele pelo qual a Cruz de Cristo foi
desenterrada do templo de Vênus que se erguia sobre o Santo Sepulcro e
depois, entre outras cruzes, foi “reconhecida” por Santa Helena, milagre este
que é celebrado como a liturgia da chamada “invenção e exaltação da
verdadeira cruz”. Entre corpo venéreo e crucificações de dores, o que se
tentará é, precisamente, abrir parágrafos concernentes à reinvenção tardia de
um “corpo cristão”...). Um milagre sempre envenenado, que abrange aqui,
muito simplesmente, o criar, o imaginar, o abusar das imagens, o mentir e o
desmentir - e o choque, enfim.
Envenenado por quê? Eis o que escreve Nietzsche: “É assim que agimos,
mesmo na presença dos acontecimentos menos comuns: inventamos a
maioria deles e mal somos capazes de não assistir na condição de
‘inventores’ a um fenômeno qualquer. Tudo isto significa que,
fundamentalmente e desde sempre, estamos habituados a mentir. Ou, para
me exprimir em termos mais virtuosos e hipócritas, em suma, em termos
mais agradáveis, somos muito mais artistas do que pensamos.”1 Pois bem,
quatro páginas adiante, a questão de que se trata são os “acordos negociados
com o perigo que ameaça a pessoa por dentro”...2
Eu gostaria de interrogar esses acordos e essa ameaça, quando, em se
tratando da histeria, um médico mal consegue não assistir como artista à
dor como que luxuosa de um corpo entregue a seus sintomas. Eu mesmo
não escapo a esse paradoxo de atrocidade, quase obrigado a considerar a
histeria, tal como foi fabricada na Salpêtrière no último terço do século XIX,
como um capítulo da história da arte.
O desatamento das loucas

Mas houve, de fato, uma extraordinária pregnância das imagens. Charcot já


trabalhava sob a égide do quadro de Fleury3 que exibe, em primeiro plano,
os mesmos ferros e utensílios que expõem o acorrentamento das loucas da
Salpêtrière e sua “libertação” por Pinel (figura 1): ali aparece a guinada, ou,
melhor, o quiasmo decisivo que, segundo dizem, ele operou na mitologia da
loucura.4 Esse quiasmo foi, a princípio, o de um conceito de loucura que
Hegel havia formulado, declarando-se, justamente, em total dívida para com
Pinel: a loucura não deve ser tida como uma perda abstrata da razão, mas
apenas como um simples desarranjo, “uma simples contradição no interior
da razão”. Ou seja, em princípio, a louca deve ser considerada, deve ser
pressuposta, escreve Hegel, como um ser racional,5 pura e simplesmente.
Esse quiasmo foi também o de uma nova relação, filantrópica, com a
loucura: uma indignação democrática diante da miséria daquela classe
desafortunada da humanidade, as loucas e os loucos - e o quadro de Fleury
também foi pintado para revelar isso. E, por fim, foi com o projeto principal
de tratar a loucura que se abriu a Salpêtrière de Pinel como asilo, no sentido
moderno. Curabilidade calculável em números, inclusive: inaugurava-se
uma ciência, uma ciência terapêutica: “... há uma espécie de probabilidade,
0,93, de que o tratamento adotado na Salpêtrière seja acompanhado de
sucesso, se a alienação for recente e não tratada em outros locais.”6
No entanto, esse foi apenas um quiasmo: cruzamento, porém simetria.

Belas almas

Pinel decerto as libertou, as loucas da Salpêtrière; retirou-as de seu puro


sequestro e as ofereceu a uma coexistência (sobretudo a do trabalho); mas
essa abertura foi também uma inserção: ele inventou o asilo como um
“pequeno governo”, dizia, com seu “chefe de polícia interno” e, como
sempre, seus “alojamentos”, “celas”, “calabouços”, “celas acolchoadas de
isolamento” e “enxovias”... E não foi como médico, mas como supervisor que
Esquirol ingressou na Salpêtrière em 1811.
Em suma, o “quiasmo” filantrópico há de ter estreitado outras ligações - as
da culpa asilar, que isola de novo a loucura, de outra maneira. Tratar
resumiu-se em internar, com a justificação propícia de que uma pessoa não
se “submete” à organização asilar - simplesmente ingressa nela. Ingressa
como quem entra no próprio funcionamento do cotidiano, um
funcionamento infinitesimal e, ao mesmo tempo, ilimitado. A ternura banal
do Estado. E a particularidade desse quiasmo se nos afigura então como a
permanência simetrizada de uma divisão: não terá sido a “consciência
psiquiátrica” vivida no infortúnio de uma cisão entre a garantia de seu saber
imediato e o fracasso desse saber na prática?
Figura 1. Tony Robert-Fleury (1838-1911), O dr. Philippe Pinel ordena a remoção das correntes das
alienadas (detalhe), Biblioteca Charcot, Paris, Hospital da Salpêtrière.
O fracasso consistia nisto: a loucura mudava de forma, até em 93% dos
casos, se quisermos (ver a histeria), mas nunca era inteiramente curada, na
Salpêtrière nem em outros locais.
Ora, acaso uma ciência que fracassa na prática não tem todas as razões
para gerar seus cientistas como angustiados, principalmente se seu objeto for
a loucura, que, seja qual for o conceito que buscamos dela, não para de se
manifestar, e se manifestar como efeitos de fala, isto é, como uma coisa
incoercível? Por outro lado, não dizem que o louco é meio parecido
conosco? Pode um médico da loucura se recusar a ver nela a derrelição da
própria imagem e semelhança? Essa recusa certamente se dá. É vital, em
termos existenciais e epistemológicos. A “consciência psiquiátrica” só podia
recusar-se a ser uma consciência dilacerada, ou, no mínimo, uma
consciência infeliz. Terá feito questão de preservar sua certeza como
universalidade, terá até preferido recusar a ação, ou inventar ações
adequadas à sua certeza; nesse risco de angústia, há de ter recusado
conspurcar o esplendor de sua certeza, de sua genialidade.
E nisso há de ter-se mostrado artista, realmente. Mas artista no sentido de
uma religião estética, no sentido da bela alma hegeliana.

Hipocrisia

Também podemos dar a isso o nome de hipocrisia: hipocrisia, aquilo que faz
passar por ato, ou até por decreto na realidade, um simples julgamento e
que, ainda que obscuramente, está bem ciente disso.7 Hipocrisia, o
deslocamento ambíguo, Verstellung, da consciência íntima de uma falsa
verdade para a assunção, diante de todos, de uma simulação de verdade - e o
desprezo por esse próprio deslocamento. A hipocrisia decerto caracteriza
um problema de ética, mas convém interrogá-la segundo esta extensão: em
que uma ciência que procurava fundamentar sua eficácia, sem dúvida, terá
encontrado na hipocrisia um princípio constitutivo da própria exigência
metódica? Digo que tudo que aconteceu na Salpêtrière, essa grande epopeia
da clínica, decorreu da hipocrisia, se admitirmos entender nessa palavra a
complexidade das práticas que ela designa e se aceitarmos não desmontar
essa complexidade.
Hipocrisia é o ato da escolha, da decisão, da triagem; é distinguir, separar
e resolver. É explicar. Mas é fazer de tudo isso um pouco, ou então fazê-lo
por baixo (hypós), secretamente. O verdadeiro hipócrita (o da tradição
grega, hypokriter) é, antes de tudo, aquele que sabe discriminar, mas de
maneira discreta (no direito, é o que dirige a investigação), e é aquele que
sabe dar uma resposta interpretativa: adivinho e terapeuta, é o explicador de
nossos sonhos; humildemente, empresta sua pessoa à voz da verdade e a
recita, é seu rapsodo. Ou seja, é também o ator. A hipocrisia é a arte grega, a
arte clássica do teatro: recitar a verdade pelos recursos cênicos - portanto,
feitos, falsificados e fingidos - da resposta interpretativa.
“Ele é um hipócrita, um virador de olhos, ele me virou os olhos, agora
tenho os olhos virados, agora vejo o mundo com outros olhos”, dizia uma
mulher sobre seu amado, uma mulher à beira da loucura.8
É que a hipocrisia, como teatro e como resposta interpretativa, comporta
um extraordinário benefício epistêmico: o amor. Pinel havia permitido o
“desvario” livre e público das loucas,9 e estas se encarregaram, em troca, de
uma imensa dívida amorosa para com ele. Ora, foi o efeito conjugado da
permissão e da dívida que permitiu a Pinel entrever a possibilidade de
manipular a loucura em sua totalidade. E é essa mesma hipocrisia, como
direção cênica, que interrogarei em Charcot: um estratégico deixar ser, uma
resposta que finge permitir que a fala do outro se prolongue no seu ritmo,
mas uma resposta sempre já interpretativa, portanto, oracular. É a hipocrisia
como método, um ardil da razão teatral em suas pretensões de inventar a
verdade.

O desatamento das imagens


Deveremos julgar seu fracasso com todo o rigor. Mas o fenômeno nem por
isso terá sido menos deslumbrante e até eficaz: um desatamento das imagens
- eficaz, terrivelmente.
Insisto no fato de que Charcot foi como que obrigado a adotar esse
método: condenado à imaginação e, antes de tudo, à imaginatio plastica,
aquela que representa a intuição no espaço,10 no dizer de Kant, para fins de
transmissão. Essa era, sempre renovada, a grande promessa clínica e
pedagógica de Charcot:
“Essa dor, eu os farei, por assim dizer, pôr o dedo nela, dentro de um
instante; farei com que os senhores reconheçam todas as suas
características” - como? -, “apresentando-lhes cinco doentes” - e as mandava
entrar no palco de seu anfiteatro11 (talvez se lembrando, nesse ponto, do
“postulado escópico” de Claude Bernard: “Para aprender como vivem o
homem e os animais, é indispensável ver morrer um grande número
deles...”).12
Figurar e encenar, mas sempre no limite de uma falsificação: essa é a
própria fábrica (o método) experimental, um sólido recurso da moderna
“conquista do mundo como imagem concebida” - “die Zeit des Weltbildes”.13
Mas o método não podia escapar de um problema, o problema figurativo que
obseda toda clínica médica: o da ligação, do vínculo fantasmático entre ver e
saber, e entre visão e sofrimento. Como foi que se produziu todo o fogo das
imagens da Dor? - Este é um problema fenomenológico crucial: o da
aproximação do corpo do outro e da intimidade de sua dor. - É um
problema político: o do interesse espetacular com que o observado paga pela
“hospitalidade” (a capitalização hospitalar) da qual se beneficia, na condição
de doente. É também o problema da violência do ver, em sua pretensão
científica de experiência com os corpos. E não há dúvida de que essa
experiência com os corpos é feita para deles tornar visível alguma coisa: a
sua essência. Então por que já pressupor que Charcot foi compelido a ir para
a imagem, ou para o imaginário?
É que o visível é uma modalidade tortuosa.
E, para começar, o visível tem uma forma bem própria de entrelaçar o
indelével das angústias com a própria dominação delas. Além disso, Charcot
não estaria sozinho em seu debate prático com o visível: as loucas também
tinham uma prática não menos sofisticada com a inelutável modalidade do
visível.

O cristal da loucura

É por isso que a pergunta é de uma complexidade inaudita - nunca se reduz


a uma relação redonda, sem arestas, do ver com o ser visto. Como abordá-
la?
Jogar no chão um cristal?
No correr de uma investigação da ideia de instância psíquica, Freud já
imaginou isto a respeito da relação - como dizer?, cristalina, clivada,
despedaçada - da loucura com o olhar:

Ali, onde a patologia nos mostra uma brecha ou rachadura,


talvez haja normalmente uma clivagem. Se jogarmos no
chão um cristal, ele se quebrará, não de um modo qualquer,
mas de acordo com suas linhas de clivagem, em pedaços
cuja delimitação, embora invisível, terá sido determinada de
antemão pela estrutura do cristal. Essa estrutura fendida é
também a dos doentes mentais. Diante dos dementes,
conservamos um pouco do medo respeitoso que eles
inspiravam nos povos da Antiguidade. Esses doentes
desviaram-se da realidade externa, e é justamente por isso
que sabem mais do que nós sobre a realidade interna e
podem revelar-nos certas coisas que, sem eles,
permaneceriam impenetráveis. Dizemos de uma categoria
desses doentes que eles sofrem do delírio de ser vigiados.
Queixam-se de ser incessantemente observados por forças
desconhecidas - que, sem dúvida, não são, no fim das
contas, nada além de pessoas; imaginam ouvir essas pessoas
enunciarem aquilo que observam: “Agora ele vai dizer tal
coisa, ele está se vestindo para sair etc.” Essa vigilância,
embora ainda não seja a perseguição, aproxima-se muito
desta. Os doentes assim observados creem que os outros
desconfiam deles, que esperam surpreendê-los praticando
uma má ação pela qual deverão ser castigados.

O que aconteceria se esses delirantes tivessem razão?...14

Deixo aí, em suspenso, a estranha pergunta de Freud, paciência.

Moral do brinquedo

Voltando ao nosso assunto: construiu-se na Salpêtrière algo como uma


grande máquina óptica para decifrar os lineamentos invisíveis de um cristal:
a grande máquina - territorial, experimental, mágica - da histeria... E, para
decifrar o cristal, era preciso quebrá-lo, fascinar-se com sua queda, quebrá-
lo de novo, inventar máquinas propícias a uma queda mais visível, mais
regulada, e quebrá-lo outra vez, só para ver o que acontecia!
Assim, o saber psiquiátrico do século XIX deve ser interrogado muito
além de suas afirmações, designações e descobertas, porque ele é também
como que a prodigiosa difração de seu próprio discurso em condutas
amiúde contraditórias; organiza-se de acordo com clivagens,
incompatibilidades, transgressões desconhecidas pela bela alma. Se a
eficácia da psicologia continua tão mal fundamentada, e em todas as partes
do seu método,15 talvez também seja por ela não ter conseguido impedir-se,
muitas vezes, de fazer com outros o gesto mortífero de um terrível garotinho
curioso demais - e perdoável por isso, é claro, pois ele só queria saber,
simplesmente saber... Vejamos então esta passagem, como epígrafe:

A maioria dos garotos quer sobretudo ver a alma, uns ao


cabo de certo tempo de esforço, outros imediatamente. É a
invasão mais ou menos rápida desse desejo que responde
pela maior ou menor longevidade do brinquedo. Não me
sinto com coragem para censurar essa mania infantil: ela é
uma primeira tendência metafísica. Depois de se
encasquetar na medula cerebral da criança, ela lhe enche os
dedos e as unhas de uma agilidade e uma força singulares.
A criança vira e revira o brinquedo, o qual arranha, sacode,
atira nas paredes, joga no chão. De quando em quando,
precisa recomeçar seus movimentos mecânicos, às vezes em
sentido inverso. A maravilhosa vida cessa. A criança, assim
como o povo ao sitiar as Tulherias, faz um esforço supremo,
e por fim entreabre o brinquedo, é mais forte que ele. Mas
onde está a alma? É aí que começam o pasmo e a tristeza.
Há outros que quebram imediatamente o brinquedo, mal
lhe põem as mãos, mal o examinam; e, quanto a estes,
confesso desconhecer o misterioso sentimento que os leva a
agir. Será que são tomados por uma cólera supersticiosa
contra esses pequenos objetos que imitam a humanidade,
ou será que os submetem a uma espécie de prova ritual
maçônica, antes de introduzi-los na vida infantil? -
“Puzzling question!”16

Seria essa uma introdução ao método experimental em psicologia?

Desastres da eficácia

Cabe retraçar, portanto, os protocolos experimentais dessa grande máquina


óptica da Salpêtrière. Convocar, ao mesmo tempo, uma preocupação com
suas falhas, por mais ínfimas que sejam - a soberania do acidental: invocar o
próprio desastre como horizonte de sua eficácia.
E que aura terá sido a “gota de crueldade” difundida por toda essa vontade
de conhecer,17 esse sangue das imagens?
Mas fiquemos desde já à escuta destas comoções significantes: Salpêtrière,
o grande asilo das mulheres - a antiga fábrica de pólvora -, o equívoco
histórico de 1792 (um “complô feminino” que teria estado associado ao
“complô das prisões”) - e o Terrível massacre de mulheres do qual a História
nunca deu outro exemplo...18 (figura 2).

Figura 2. Anônimo, Terrível massacre de mulheres do qual a História nunca deu outro exemplo, 1792,
água-forte, Paris, Biblioteca Nacional da França.

Notas

1
F. Nietzsche, Par-delà Bien et Mal, in Oeuvres complètes VII, Paris, Gallimard, 1971, p. 105 [Além do
bem e do mal, ver dados completos na Bibliografia. (N.T.)].
2
Ibid., p. 109.
3
Sob a égide, pelo menos, de um retrato de Philippe Pinel. Cf. S. Freud, “Charcot”, in Gesammelte
Werke, I, 1893, p. 19 (coletânea doravante citada como GW) [“Charcot”, ver Bibliografia].
4
Cf. M. Foucault, Histoire de la folie à Page classique, Paris, Gallimard, 1972, p. 483497 [História da
loucura na idade clássica, ver Bibliografia], e M. Gauchet e G. Swain, La Pratique de l’esprit humain.
L’institution asilaire et la révolution démocratique, Paris, Gallimard, 1980, p. 68-100.
5
F. G. W. F. Hegel, Encyclopédie des Sciences philosophiques en abrégé, Paris, Gallimard, 1970, p. 376-
377 [Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio, ver Bibliografia]; M. Foucault, Histoire de la
folie à l’âge classique, op. cit., p. 501 [História da loucura..., op. cit., ver Bibliografia].
6
P. Pinel, Traité médico-philosophique sur l’aliénation mentale ou la manie, Paris, Richard, 1809, p. 437.
7
Cf. G. W. F. Hegel, La Phénoménologie de l’esprit, Paris, Aubier-Montaigne, 1947, v. II, p. 193, 195 e
168 [Fenomenologia do espírito, ver Bibliografia].
8
Cf. S. Freud, “L’Inconscient”, in Métapsychologie, Paris, Gallimard, 1968, p. 113 [“O inconsciente”, ver
Bibliografia].
9
P. Pinel, citado em M. Gauchet e G. Swain, op. cit., p. 131.
10
Cf. E. Kant, Anthropologie du point de vue pragmatique, Paris, Vrin, 1970, p. 52-53 [Antropologia de
um ponto de vista pragmático, ver Bibliografia].
11
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. I, p.
321.
12
Cf. Bernard, Introduction à l’étude de la médecine expérimentale, Paris, Baillière, 1865, p. 173. Grifo
meu.
13
Cf. M. Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris, Gallimard, 1980, p. 123.
14
S. Freud, Nouvelles conférences sur la psychanalyse, Paris, Gallimard, 1971, p. 80-81 [Novas
conferências introdutórias sobre psicanálise, ver Bibliografia].
15
Cf. G. Canguilhem, “Qu’est-ce que la psychologie?”, in Études d’histoire et de philosophie des sciences,
Paris, Vrin, 1968, p. 365.
16
Ch. Baudelaire, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1975-1976, v. I, p. 587 [A frase em inglês no
original traduz-se por “Pergunta intrigante!” (N.T.)].
17
Cf. F. Nietzsche, Par-delà Bien et Mal, op. cit. [Além do bem e do mal, op. cit., ver Bibliografia], p.
148.
18
Cf. G. Guillain e P. Mathieu, La Salpêtrière, Paris, Masson, 1925, p. 48.
Saberes clínicos

O teatro dos crimes

Salpêtrière: a meca do grande encarceramento. Localidade conhecida como


“pequeno Arsenal”. E o maior asilo da França. Com seu “pátio dos
massacres”. Suas “mulheres devassas”, convulsionárias de São Medardo,
“anormais constitucionais” e outras “criminosas natas”, todas encerradas ali:
outra Bastilha.1 Foi o hospital geral das mulheres, ou, melhor, de todo o
rebotalho feminino. “Até os médicos do Hôtel-Dieu eram proibidos de
recolhê-las e lhes prestar cuidados”: é que somente na Salpêtrière “acolhiam-
se” portadoras de doenças venéreas, entre outras mulheres. Elas eram
açoitadas logo na admissão, recebiam a “Certidão de Castigo” preenchida e
eram internadas.2 O maior asilo da França, um asilo de mulheres. Cabe- -
nos imaginar, ou tentar imaginar, que a Salpêtrière, bem dentro de Paris, foi
esse lugar inimaginável da feminilidade - digo, uma cidade de mulheres, a
cidade das mulheres incuráveis.
Três mil, a partir de 1690! Três mil indigentes, vadias, mendigas,
“mulheres caducas”, “velhas fiandeiras”, epilépticas, “mulheres na infância”,
“inocentes aleijadas e disformes”, moças incorrigíveis - loucas. E em 1873
eram 4.383 pessoas, dentre elas 580 empregadas, 87 “em repouso”, 2.780
“administradas”, 853 “alienadas” e 103 crianças.3 Grande centro da morte de
mulheres, em 275.448 metros quadrados (figura 3), em cujo centro ficava
uma esplêndida igreja de projeto cruciforme.4
Em 1863, o diretor da Administração Geral da Assistência Pública, sr.
Husson, apresentou ao senador e prefeito do Sena, sr. Dupont, seu volumoso
Relatório sobre o serviço de alienados do departamento do Sena no ano de
18625 - o mesmo ano em que Charcot ingressou na Salpêtrière. Estatísticas
interessantes: um médico para cerca de quinhentas pacientes. Três regimes
alimentares: alienadas com duas porções diárias, alienadas com uma porção,
alienadas em jejum. Cento e cinquenta e três crises epilépticas por ano.
Índice de cura estimado em 9,72%. Duzentos e cinquenta e quatro óbitos de
mulheres em 1862, por “causas presumidas de alienação”. Que causas,
exatamente? O sr. Husson recenseou sessenta delas: 38 causas físicas (dentre
estas onanismo, escrófula, pancadas e ferimentos, devassidão e libertinagem,
o cólera, a erotomania, o alcoolismo, o estupro); 21 causas morais (entre as
quais o amor, a alegria, as “más leituras”, a nostalgia e a miséria...); e uma
que reunia todas as “causas desconhecidas”.6
Figura 3. Planta da Salpêtrière, com anotações de Charcot.

A histeria ainda não aparece nesse vocabulário.


Melhorias da gestão do sr. Husson na Salpêtrière em 1862: uma parte do
pátio foi transformada em jardim e se comprou um piano.7

Descida ao inferno

Mesmo assim, parecia um inferno.


As imagens, aliás, não se enganaram quanto a isso (figura 4). Houve as
compaixões literárias dos admiradores de Charcot, que iam “visitar” a
Salpêtrière e “assistir” às célebres aulas das terças-feiras, como testemunha
este texto de Jules Claretie (ninguém menos que um membro da Academia
Francesa):

Atrás dessas muralhas vive, fervilha e se arrasta, ao mesmo


tempo, toda uma população especial: pessoas idosas,
mulheres pobres, repousantes que esperam a morte nos
bancos, dementes que berram seu furor ou choram sua
tristeza no pátio das agitadas ou na solidão da cela. Os
muros grossos e cinzentos dessa città dolorosa parecem
haver conservado, em sua vetustez solene, o caráter
majestoso de um bairro do tempo de Luís XIV, esquecido
na Paris dos bondes elétricos. É como que o Versalhes da
dor.8

Tal texto (intitulado Charcot, o consolador), na verdade, visava apenas isto:


nessa cidade das dores, Charcot não era somente um Rei Sol e um César,
mas também um apóstolo - aquele que “dominou seu tempo e o consolou”.9
E que também foi identificado com Bonaparte.
Figura 4. Daniel Vierge, Le Préau des femmes à la Salpêtrière [O pátio das mulheres na Salpêtrière],
desenho publicado na revista Paris illustré, 24 de setembro de 1887.

Acima de tudo, porém, com a “bela fronte pensativa”, o “rosto sombrio”, as


“sobrancelhas severas”, os “olhos perscrutadores, profundamente encravados
na sombra das órbitas”, os “lábios habituados ao silêncio”, a “cabeça
modelada à moda antiga”, Charcot foi identificado com Dante, o próprio
Dante da Descida ao Inferno...10 “Lasciati ogni speranza voi ch’intrare...”
“Desse profundo sono fui tirado / Por hórrido estampido, estremecendo /
Como quem é por força despertado. / Ergui-me, e, os olhos quietos já
volvendo, / Perscruto por saber onde me achava, / E a tudo no lugar sinistro
atendo. / A verdade é que então na borda estava / Do vale desse abismo
doloroso, / Donde brado de infindos ais troava”: primeiro círculo, limbo...11
Os hagiógrafos de Charcot não omitiram o fato de que, durante anos, ele
se confrontou com essas mulheres infernais, que mostravam os seios
pendurados e os vestidos abertos, contorciam-se e, como uma grande
manada de vítimas oferecidas, arrastavam atrás dele um longo mugido.12
Mas esses autores insistiram sobretudo em que isso não era culpa dele: foi
“sem querer” que Charcot “viu-se mergulhado em plena histeria” - um acaso
administrativo! (Mas cujas consequências epistêmicas viriam a se mostrar
realmente decisivas...)

O acaso fez com que, na Salpêtrière, o prédio Sainte-Laure


se achasse em tal estado de decrepitude, que a
administração hospitalar teve de mandar evacuá-lo. Esse
prédio pertencia ao Serviço de Psiquiatria do dr.
Delasiauve. Era ali que ficavam hospitalizadas as epilépticas
e as histéricas, misturando-se com as alienadas. Os
administradores aproveitaram a evacuação do prédio para
finalmente separar das alienadas as epilépticas não alienadas
e as histéricas, e, como essas duas categorias de pacientes
apresentavam crises convulsivas, eles julgaram lógico reuni-
las e criar para elas um setor especial, sob o nome de “Setor
das epilépticas simples”. Sendo Charcot o mais antigo dos
dois médicos da Salpêtrière, esse novo serviço foi-lhe
automaticamente confiado. Foi assim que,
involuntariamente, por força das circunstâncias, Charcot
viu-se mergulhado em plena histeria.13

Veni - vidi

Portanto, Charcot desceu aos infernos. E não se sentiu muito mal por lá.
É que essas quatro ou cinco mil mulheres infernais foram um material
para ele: de fato, mergulhado desde 1862 no inferno, Charcot teve a
sensação agradável e científica - como se diz, calorífica, soporífica ou
honorífica, onde o “-fica” aparece como uma derivação factitiva muito,
muito forte14 -, teve a agradável sensação, dizia eu, de penetrar num museu,
pura e simplesmente. Ele próprio o disse bem: um museu patológico vivo,
com seu “acervo” antigo e seu novo “acervo”... (cf. Apêndice 1).
Quando também lhe deu o nome de “grande empório das misérias
humanas”,15 foi para acrescentar prontamente que, graças a ele, organizou-se
um catálogo, e que o empório, o entreposto sob seus cuidados, tornou-se “a
sede de um ensino teórico e clínico realmente útil”.16
É que o que estava em jogo era um desafio de saber. Em 1872, Charcot foi
nomeado professor de anatomia patológica, mas isso não era o bastante para
a verdadeira abertura de um novo saber. Para tanto, houve necessidade do
seu amigo Gambetta, que fez o parlamento aprovar, em 1881, uma verba de
200 mil francos para a criação de uma “cadeira de clínica das doenças
nervosas” na Salpêtrière - invenção de Charcot. Será que isso não tem uma
amplitude diferente da compra de um piano e de uma verba para a
jardinagem?

Emporium - imperium

O “cesarismo da Faculdade”:17 foi assim que o próprio Leon Daudet julgou


dever qualificar a postura de Charcot, com quem, no entanto, tinha relações
de familiaridade, decerto através de seu pai, Alphonse. Com Charcot
ampliou-se, de fato, a figura médica que desde então se tornou muito tenaz,
a figura do Chefe. Talvez esta haja constituído, na época, apenas a dimensão
espetacular de uma imanência do poder médico (respaldado, entre outras
coisas, pela lei de 1892 sobre o monopólio do exercício da medicina), mas,
ainda assim, sua magnificência nos deixa perplexos.
Essa foi a grande época de uma medicina de estilo próprio, que convém
interrogarmos - a medicina da Belle Époque.
Charcot: imensidades e magnificências dos campos percorridos - o
reumatismo crônico, a gota, as doenças dos idosos, a claudicação
intermitente, a paraplegia dolorosa dos cancerosos, as hemorragias
cerebrais, as escaras nas nádegas, o bócio exoftálmico, a esclerose lateral
amiotrófica, dita doença de Charcot, a amiotrofia, chamada doença de
Charcot-Marie, a esclerose em placas, a tabes e as artropatias tabéticas, as
localizações medulares, a afasia, uma teoria das localizações cerebrais, um
avanço considerável na anatomia patológica etc. Com muita rapidez,
Charcot tornou-se um autor clássico: a partir de 1877, os estudantes de
Oxford fizeram toda uma versão dele para o exame do “Degree of Bachelor
of Medicine” [bacharelado em medicina], no mesmo patamar que
Hipócrates e Celso.
Seus livros foram traduzidos em todas as línguas: a inglesa, a russa, a
alemã (Freud, em especial, empenhou-se nesse trabalho em 1886 e 1892-
1894), a portuguesa, e por aí vai.
Um grande diagnosticador. Uma clientela particular internacional e
famosa - grão-duques da Rússia, filhos do bei da Tunísia, um imperador do
Brasil, um ministro das Finanças (o banqueiro Fould, seu primeiro cliente
importante, desde 1853-1855), e assim por diante.
Um fundador de escola e de movimento pensante - “a Escola da
Salpêtrière”, com inúmeros discípulos! Um mestre e censor esclarecido:
“Nenhum de seus alunos jamais publicou um trabalho de certa importância
sem que ele o houvesse relido e corrigido de próprio punho. E como
saíamos ganhando com suas correções!”18
Aulas magistrais das sextas-feiras, lições das terças. Recepções noturnas às
terças-feiras, na mansão particular no n.° 217 do bulevar Saint-Germain;
altas rodas, é claro: a nata da medicina, políticos (Waldeck-Rousseau),
pintores e escultores os mais famosos (Gérôme, Rochegrosse, Dalou,
Falguière), arquitetos (Charles Garnier), “literatos” (os Daudet, Mistral, T.
de Banville, Burty, Claretie), colecionadores de arte (Cernuschi), chefes de
polícia (Lépine) e até cardeais (Lavigerie).
Acima de tudo, porém, Charcot ficou conhecido como o fundador da
neurologia. Quatrocentas e sessenta e uma páginas de homenagens
prestadas no centenário de seu nascimento,19 e ainda continuavam a
homenageá-lo em 1955, por ter aberto caminho para a psiquiatria de hoje, a
nossa: “Do ponto de vista terapêutico, ele preconizou com toda a justiça,
antes dos tempos atuais, o isolamento dos doentes, a persuasão, os agentes
físicos, a eletrização.”20
E, no caminho, redescobriu a histeria.

Dar nome à histeria

No artigo necrológico que lhe dedicou em 1893, Freud comparou Charcot, o


que é estranho, a uma estátua: a de Cuvier, no Jardim Botânico (por ele estar
petrificado, em meio a espécies a que ele mesmo dera lugar e posição, será?).
Em seguida, numa lógica da estranheza, Freud emendou com esta outra
comparação: Charcot era como Adão, um Adão diante de quem Deus teria
feito desfilarem as entidades nosológicas, a fim de que ele lhes desse
nomes...21
Charcot realmente redescobriu a histeria (e sua obra é fundadora nesse
aspecto - mas fundadora de quê, exatamente? A questão é toda essa). Ele
deu nome à histeria. Separou-a, distinguiu-a em especial da epilepsia e de
todas as outras alienações mentais, em suma, isolou-a como objeto nosológico
puro. Porventura isso significa que compreendeu suas causas e deduziu um
procedimento terapêutico? Não exatamente. Então o que mais ele fez ou
quis fazer com a histeria, o que fez da histeria? Ou, ainda, o que aconteceu
entre o momento exemplar em que Charcot afirmou que a palavra “histeria”
não significava nada, afinal,22 e o “desmembramento” da histeria, ou seja,
antes de tudo, a tentativa de assassinato da palavra, quando da morte do
mestre, pelos próprios discípulos?23

A arte de pôr os fatos para trabalhar

Não estarei sendo injusto? Devo dizer também que há na obra de Charcot
uma imensa tentativa de compreender o que é a histeria. Certo. E essa
tentativa foi metódica, com um método honesto.
Mas, como o método fracassou (por funcionar demais, bem ou mal), a
tentativa tornou-se forçada; depois, de certa maneira, ignóbil. E o que foi
esse método, para começar? O que queria Charcot, o que esperava do
método, em princípio? - Queria que nascesse nele uma ideia: um conceito
exato da “vida patológica”, a do sistema nervoso, no caso. Pierre Janet teve
razão em insistir no fato de que Charcot “prendia-se à teoria, à interpretação
dos fatos, pelo menos tanto quanto à descrição deles”.24 E como esperava
fazer nascer essa ideia? - Provocando sua observação, sua visibilidade
regulada.
Isto formula, estritamente, a definição do método experimental, tal como
fornecida por Claude Bernard. Volto a ela, portanto. O método
experimental não é a observação, escreve Bernard, mas uma observação
“provocada” - o que quer dizer, primeiramente, a arte de obter fatos e, em
segundo lugar, a arte de fazê-los trabalhar.25
A observação, na medida em que é “posta para trabalhar”, é a experiência.
E convém, diz Claude Bernard, aprender a não mais acreditar senão na
experiência, porque ela está fora das doutrinas.26
Ora, já toco aí, precisamente, numa espécie de borda doutrinai - e,
portanto, denegadora - da exposição desse método: eis que ele só se refere a
fatos, nunca a palavras;27 que é livre de qualquer ideia e sabe “fugir das
ideias fixas”;28 que oferece, por fim, uma garantia contra a aporia dos “fatos
contraditórios”.29 Falo em negação porque, na clínica charcotiana relativa à
histeria, tudo traz a marca de uma ideia fixa, justamente, e que talvez
decorra de um debate quase desesperado - o debate de um saber com
corpos, atos e “observações” que, apesar de “postos para trabalhar”,
continuam petrificados e repletos de contradições.
Mas ocorre que o método experimental foi feito para desafiar essas
contradições e que, como “arte de pôr os fatos para trabalhar”, decorre
igualmente de uma estética e de uma ética do fato.

A vida patológica, a natureza morta


Conhecer a “vida patológica” de outra maneira que não em seus restos
cadavéricos também levantava para o método experimental um problema
para o qual conhecemos a resposta decisiva, trazida por Claude Bernard:

Se quisermos atingir as condições exatas das manifestações


vitais no homem e nos animais superiores, realmente não
será no meio cósmico externo que convirá procurarmos,
mas no meio orgânico interno [...]. No entanto, como
conhecer esse meio interno do organismo, tão complexo no
homem e nos animais superiores, a não ser como que
descendo e penetrando nos corpos vivos, por meio da
experimentação aplicada? Isto quer dizer que, para
analisarmos os fenômenos da vida, é preciso,
necessariamente, penetrarmos nos organismos vivos, com a
ajuda de métodos de vivissecção.30

Para conhecer a vida, é preciso vivisseccioná-la. Pessoalmente, Charcot


viu-se diante de um problema muito mais atemorizante: é que não se pode,
não se pode mesmo, pôr à flor da pele todos os nervos de um doente dos
nervos, para ver como eles funcionam - e menos ainda se pode penetrar na
“vida patológica” das circunvoluções cerebrais de um espírito perturbado,
sem matar essa vida. Teria o investigador que se restringir a observar sem
tocar, e a observar apenas a superfície?
Certamente não, porque a patologia, nesse ponto, devia fazer tudo para
ultrapassar tanto o simples reconhecimento dos sintomas quanto até um
puro ponto de vista da anatomia patológica; era sob a forma de uma
“patologia das regulações funcionais”,31 acima de tudo, que o estudo das
doenças do sistema nervoso deveria ser conduzido. Não que conviesse
subordinar toda patologia à investigação fisiológica, mas, ainda assim, “a
observação clínica deve aliar-se às ciências gerais e se aproximar cada vez
mais da fisiologia, para dar origem a uma medicina realmente racional”.32 E
era no prolongamento do ponto de vista funcional, de seus esquemas
neuromotores e de suas regulações fisiológicas, que a região psicopatológica
se abriria para a própria possibilidade de uma representação: “Minha
explicação talvez lhes pareça difícil e forçada. Compreendo que o
entendimento dela exija estudos mais ou menos aprofundados, que não
estão ao alcance de todos. Talvez convenha nos habituarmos um pouco a
isso, porque, em matéria de doenças nervosas, existe a psicologia, e o que
chamo de psicologia é a fisiologia racional do córtex cerebral.”33
Vinte anos antes, isso era dito assim:

Senhores, resta-nos determinar as relações que devem


existir atualmente entre a patologia e a fisiologia [...].
Embora reconhecendo que os seres vivos apresentam
fenômenos que não se encontram na natureza morta e que,
por conseguinte, pertencem propriamente a eles, a nova
fisiologia recusa-se peremptoriamente a considerar a vida
como uma influência misteriosa e sobrenatural, que agiria
ao sabor de seus caprichos, libertando-se de qualquer lei.
Ela chega até a crer que as propriedades vitais serão
reduzidas, um dia, às propriedades de ordem física.34

A autópsia antecipada no sintoma

De fato, Charcot foi obrigado a idealizar seu método, isto é, a desrealizá-lo,


de certo modo: a idealização seria próxima à sublimação, porém é distinta
dela;35 tem um papel eminentemente defensivo; é um compromisso. E o
“método anatomoclínico”, tal como promovido por Charcot, era realmente
algo assim:
Uma conciliação quanto à meta fisiológica e existencialista do estudo das
doenças nervosas: não se pode ver um cérebro funcionar, mas é possível
identificar no corpo sintomático os efeitos provocados pelas alterações desse
funcionamento, e, portanto, prejulgá-lo.36
Uma conciliação quanto ao tempo da observação posta para trabalhar; é
que Charcot estaria obrigado exatamente a isto: estudar (“metodicamente”,
“com precisão”) os sintomas apresentados por um doente; estudar, em
seguida (isto é, após a morte do referido paciente), o “foco” das lesões
constatadas; repetir esses estudos num grande número de casos e confrontá-
los, a fim de estabelecer com certeza esse “foco real” das lesões que
houvessem tido como consequência determinados sintomas. Era a doutrina
das “localizações cerebrais”, que seria motivo de fama para Charcot.
Ela decorre, portanto, de uma temporalização como que paradoxal do
olhar clínico: antecipa no ser vivo os resultados de uma autópsia - e se
vangloria disso, batizando-se de “anatomia” (anatemnein: dilacerar, abrir um
corpo, dissecar) “do vivo”.37

Exercício da clínica

Pois bem, era no “invariante da clínica” que “a medicina viria a atar a


verdade e o tempo”:38 a clínica em si afirmou-se como “a era absoluta” da
medicina, a era de um saber absoluto. Ao mesmo tempo, Charcot já
reconheceu nela como que sua limitação: tratava-se de uma prática pura,
um puro exercício. Essencial, no entanto, por ser o próprio exercício da
“arte” e o exercício do “poder” (médicos, terapêuticos): “Mas afirmo que,
nesse concerto, o papel preponderante, a jurisdição suprema, deverá sempre
pertencer à observação clínica. Com esta declaração, coloco-me sob a égide
dos líderes da Escola Francesa, nossos mestres imediatos, cujo ensino lançou
um brilho vivíssimo sobre esta grande Faculdade de Medicina de Paris a que
tenho a honra de pertencer.”39
(“Mas afirmo...” - não seria essa uma formulação do que chamei de
compromisso?)
O fato é que a dificuldade metodológica evocada há pouco transita ou é
trocada por uma escalada colossal de protocolos clínicos: não apenas as
aulas tradicionais das terças e sextas-feiras (cf. Apêndice 2), mas também a
criação de uma “policlínica”, de um serviço de consultas “externas” dos
pacientes: “Esta adquire dia a dia uma extensão mais considerável e,
segundo os números levantados pelo sr. Georges Guinon, podemos avaliar
em 5.000 o número das consultas que ali fazemos a cada ano. É de supor
que, em tamanha quantidade, devam-se encontrar numerosos casos
interessantes.”40
E assim era o protocolo: triagem, exibição, triagem, comparações,
olhadelas, diagnóstico, instruções terapêuticas:

Ele se senta junto a uma mesa vazia e manda vir


prontamente o doente a ser estudado. Este é completamente
despido. O interno lê uma observação, o professor escuta
atentamente. Segue-se um longo silêncio, durante o qual ele
olha e torna a olhar o paciente, tamborilando na mesa com
uma das mãos. Os espectadores, amontoados de pé,
aguardam, ansiosos, uma palavra que os esclareça. Charcot
permanece calado. Depois disso, ordena que o doente
execute um movimento, manda-o falar, pede que
examinemos seus reflexos, que exploremos sua
sensibilidade. E vem novamente o silêncio, o misterioso
silêncio de Charcot. Por fim, ele manda vir um segundo
doente, examina-o como o anterior, solicita um terceiro e,
sempre sem dizer palavra, compara-os entre si.

Essa observação minuciosa, sobretudo visual, está na


origem de todas as descobertas de Charcot. O artista que
nele caminha de mãos dadas com o médico não fica alheio
a esses achados.

Soa o meio-dia, ele se levanta. Algumas instruções a seus


internos e, em passos curtos, acompanhado por sua equipe,
ele se dirige a seu veículo, dá um tapinha amistoso nos
cavalos do landau de aluguel e faz uma rápida saudação aos
que o cercam. E vai embora.41 (cf. Apêndice 3)

Dramaturgia das convocações


Um olhar que observa e se abstém, ou finge abster-se de intervir. Um olhar
mudo, sem gestos. Finge ser puro, ser o “olhar clínico” ideal, dotado apenas
disto: a compreensão de uma linguagem no espetáculo que lhe é “oferecido”
pela vida patológica.42 Mas haveria espetáculo sem montagem cênica?
E, se existe uma fronteira entre clínica e experimentação, bem, certamente
Charcot a terá transgredido, e com frequência: obscurecendo-a. Haverá
quem continue a dizer: a culpa não era dele, mas das doenças - neuroses! -
com as quais lidava, essas doenças que, justamente, “fazem experimentos”
com o corpo a serviço de uma “ideia fixa”, como se costumava dizer. Será
então que o “olhar clínico”, tal como praticado por Charcot, foi como que
forçado por seu objeto a não ser expurgado de toda intervenção
experimental? Não teria havido uma contribuição de Charcot?
Ora, a narrativa de Souques e Meige leva a crer que Charcot quase podia
prescindir das perguntas clássicas - “O que você tem?”, ou “Está sentindo
alguma dor?” - porque parecia sempre já ter visto.
Avaro na fala, mas tão eficaz que parece, em retrospectiva, ter sido o
grande diretor teatral dos sintomas, os quais, em contrapartida, falavam com
ele por si mesmos! E nessa dramaturgia silenciosa o sintoma se tornava sinal:
ao que parece, bastava a Charcot “ordenar um movimento ao doente”, ou
fazer vir para seu lado um segundo e um terceiro enfermos, para que, na
mesma hora, a visibilidade da convocação dos pacientes se transfigurasse
numa visibilidade de explicação. Num sinal. Um sinal, isto é, a circunscrição
temporal das criptografias lábeis e lacunares do sintoma. “O sinal anuncia,
prognostica o que vai acontecer; anamnésico, anuncia o que aconteceu;
diagnóstico, o que se desenrola no momento atual.”43

Casos

E como circunscrever a atualidade ou o presente do sintoma, justamente?


Como encenar sua convocação catastrófica e, portanto, singular? -
Instituindo-o, primeiramente, como caso.
O “caso” fornece o “gênero” original da clínica e já desenha toda a sua
“estilística”. Decorre, em primeiro lugar, de uma preocupação com a
integridade: deixar que se manifeste a individualidade do corpo doente
como tal, e não desprezar seu valor sempre possível de contraprova.
Mas isso não passa de um artifício da razão! É que a clínica, na verdade,
quer - melhor dizendo, Charcot quer - poder prever tudo, inclusive as
próprias estupefações nosológicas. Quer prever o “profundo assombro” de
um caso extraordinário, e para isso até o apela, o convoca. Isto é científico: a
ciência interpela e desafia os desafios à ciência.
Dentre todos esses casos, há um em particular que é digno de atenção [e]
que será objeto de nossa primeira conversa: trata-se, se não me engano, de
um exemplo legítimo de uma afecção rara, raríssima, e cuja própria
existência é contestada pela maioria dos médicos. Não convém desdenhar,
senhores, do exame dos casos excepcionais. Eles nem sempre são um
simples chamariz para uma curiosidade vã. Muitas vezes, na verdade,
fornecem a solução de problemas difíceis. Nesse aspecto, são comparáveis às
espécies perdidas ou paradoxais que o naturalista busca com cuidado,
porque elas estabelecem a transição entre os grupos zoológicos, ou
permitem elucidar um ou outro ponto obscuro da anatomia ou da fisiologia
filosóficas.44
(Excepcional e paradoxal - mas legitimado, ainda assim: tratava- -se, com
certeza, de um caso de histeria...)
A clínica, portanto, convoca o excepcional, tanto por uma preocupação
com a integração quanto por “integridade”, pois a multiplicidade, uma vez
inteiramente explorada (o que é o momento ideal visado), se apagará por si,
como multiplicidade e como contingência, e se integrará no próprio trajeto
da exploração. E as exibições barrocas do caso não passam de um artifício
da razão classificatória, deixando aberta a questão do estilo.

Quadros
A classificação configura a desordem e a multiplicidade dos casos,
transforma-os em quadros. E o que é um quadro? (Um quadro não possui
um ser, possui apenas quase seres; mas também não possui um ter... - O que
não é uma resposta.) - Ele faz as vezes disso. E prolifera. Todavia, responde a
algo como a preocupação com uma organização do simultâneo. A medicina
girava, já fazia muito tempo, em torno da fantasia de uma linguagem-quadro
- sua linguagem própria: integrar o “caso”, sua sucessividade, e, sobretudo,
sua disseminação temporal, a um espaço bidimensional, simultâneo, a uma
tabulação, a um traçado, até, sobre uma base de coordenadas cartesianas;
essa tabulação seria um “retrato” exato “da” doença, na medida em que
exporia, muito visivelmente, o que a história de uma doença (com suas
remissões e suas causalidades concorrentes ou percorrentes) tendia a
ocultar.
E, quando se sonha dessa maneira como uma linguagem-quadro, a
medicina dedica-se a seu propósito, ao desejo de resolver uma aporia dupla:
aporia da forma das formas, para começar. O “tipo”, segundo Charcot, é
justamente a forma da “totalidade” dos sintomas a partir da qual uma
doença passa a existir como conceito nosológico; é “um conjunto de
sintomas que dependem uns dos outros, que se dispõem numa hierarquia,
que podem ser classificados em grupos bem limitados, e que, sobretudo, por
sua natureza e suas combinações, distinguem-se de maneira evidente das
características das outras doenças vizinhas”.45 Isto é crucial, em se tratando
da histeria, porque todo o esforço de Charcot almejava trazer o mais
categórico desmentido à célebre definição de histeria formulada por Briquet
(retomando as de Galeno e Sydenham): “Um Proteu que se apresenta sob
mil formas e que não pode ser apreendido sob nenhuma.”46
Aporia da forma dos movimentos temporais, em segundo lugar. Se uma
gramática do visível é sonhada dessa maneira, é para transformar
completamente o sintoma em sinal, mais exatamente, em sinal
probabilístico: gerir espacialmente temporalidades esparsas. É que o tempo
instável do “caso” se tornaria o elemento ínfimo de um grande
procedimento narrativo-tabular, no qual seriam simultaneamente
configurados a história, o diagnóstico e o prognóstico: um verdadeiro sonho
à moda de Condillac...47
Mas acaso não era isso conceder uma espantosa confiança à forma?

Observações, descrições

Há uma coisa que não cansa de me surpreender (dizia Freud): como foi
possível nascerem nos autores as observações consequentes e precisas dos
histéricos?

Na realidade, os doentes são incapazes de fazer descrições


similares de si mesmos. É certo que podem fornecer ao
médico informações suficientes e coerentes sobre tal ou
qual época de sua vida, mas segue-se então outro período
sobre o qual os dados que eles fornecem tornam-se
superficiais, deixam perceber lacunas e enigmas. E então,
mais uma vez nos vemos diante de períodos inteiramente
obscuros, que nenhum dado utilizável esclarece. As
relações, mesmo aparentes, em sua maioria são desconexas,
e a sucessão dos diferentes acontecimentos é incerta.48

É que o tempo se aferra às criptografias do sintoma; continua a se inflectir,


a se dobrar e redobrar, mas, de certo modo, permanece empacado. E como o
faz na histeria!
Uma linguagem-quadro é feita para desconhecer tanto o obstáculo quanto
o sentido dessas inflexões. Caso e quadro culminam na observação, no ato
de vigilância - o grande gênero psiquiátrico. Ora, em Charcot, pelo menos, a
observação menos tendia para uma narratividade íntima da história
patológica (e como não teria ele intuído essa trava do tempo na histeria?) do
que para uma descrição bem-feita dos estados do corpo. Fabricava para eles
uma sucessividade, é certo, mas admitia implicitamente seu teor hipotético:
ele a reinventava.
O que precisava salvar a qualquer preço era a forma. O que se escrevia a
partir do caso, e com o propósito de inscrevê-lo por inteiro, era como que
um alfabeto do visível dos corpos. Ver tudo, saber tudo. Circunscrever (e
não escrever). Fazer o olho discorrer (e não falar, nem escutar de verdade,
aliás): o ideal da descrição exaustiva.
“Os senhores sabem que há numa descrição bem-feita uma notável força
de propagação. Num dado momento, a luz é tanta que atinge os espíritos
menos preparados; o que até então havia permanecido no nada começa a
viver, e é uma grande coisa, uma coisa importantíssima na patologia, a
descrição de uma espécie mórbida antes desconhecida.”49

Curiosidades

Um passo é sub-repticiamente dado nesse texto, no qual a experiência


clínica vem identificar-se com algo como uma “bela sensibilidade”, é claro.
Uma sensibilidade “concreta”, ou, se preferirmos, um saber “sensorial”;50 e
uma estética, em todo caso, uma estética científica (a citada bela alma).
E não há um só biógrafo de Charcot que não tenha insistido em sua
“competência” e seus “gostos” artísticos, e até em sua vocação para a
pintura.51
Freud, em seu artigo de 1893, também insistiu nessa vocação figurativa:

Ele não era um homem de reflexão, um pensador: tinha


natureza de artista; para empregar suas palavras, era um
visuel, um homem que via. Eis o que ele mesmo nos
ensinou a propósito de seu método de trabalho. Ele fitava
repetidamente as coisas que não compreendia, para
aprofundar, dia após dia, a impressão que elas lhe deixavam,
até de repente lhe vir a possibilidade de compreendê- -las.
Então, para o olhar de seu espírito, o aparente caos
representado pela repetição contínua dos mesmos sintomas
dava lugar à ordem [...]. Podia-se ouvi-lo dizer que a maior
satisfação que um homem podia ter era ver uma coisa nova,
isto é, reconhecê-la como nova; e ele não parava de chamar
atenção para a dificuldade e o valor desse tipo de “visão”.
Sucedia-lhe perguntar por que, na medicina, as pessoas só
viam o que tinham aprendido a ver. Dizia que era
maravilhoso constatar como se era capaz, subitamente, de
ver coisas novas - novos estados de uma doença -, as quais,
provavelmente, deviam ser tão antigas quanto a raça
humana [...].52

Não ter sossego, estar sempre enxergando o novo: uma curiosidade


incansável. A curiosidade (diga-se de passagem) é, segundo Burke, o
primeiro passo no caminho para o sublime.53
Cura e curiosidade: raiz idêntica, pululação de sentidos, como se
delimitassem o próprio debate de Charcot com a histeria. Não convém
esquecermos que “cura” é uma palavra quase fundadora da psiquiatria:54 a
cura é um cuidado, uma preocupação, um tratamento, mas é também um
encargo, uma direção, um poder, portanto; ela é o próprio efeito desse
poder, conjugado como cuidado médico: uma limpeza de fora a fora (na
língua erótica dos latinos, cura também designa o objeto do cuidado, da
curiosidade ou até da limpeza, ou seja, o sexo). E haverá indiscrição mais
essencial do que essa curiosidade transformada em poder?
Pois bem, eu gostaria de interrogar o que, na cura e na curiosidade,
decorreria de um sentido mais fundamental, que é o cuidado: cura, a
inquietação. Minha pergunta seria: qual era a inquietação que trazia em si,
em Charcot e por toda parte na Salpêtrière, essa compulsão de sempre “ver o
novo”? Qual teria sido sua estase temporal? E o que, no visível, no cara a
cara cotidiano de Charcot, teria exigido intimamente essa estase?

Olhadelas, cliques
“Ver o novo” é uma protensão temporal do ver; tanto decorre de um ideal (a
visão científica, o prognóstico clínico: ver é prever) quanto, penso eu, de
uma inquietação oculta, na qual ver seria pressentir - a instabilidade
fundamental do prazer de ver, do Schaulust, entre memória e ameaça.
Seu ideal é a certeza; no tempo do ver, sempre intersubjetivo, ela só advém
como furtada e como antecipada;55 isto quer dizer que também nega o
tempo que a gera, nega a memória e a ameaça, inventa a si mesma como
uma vitória sobre o tempo (a supracitada bela alma).
Ela inventa para si uma instantaneidade e uma eficácia do ver, ao passo
que o ver é de uma duração terrível, apenas um momento de hesitação na
eficácia.
E qual é o fruto de sua invenção? - Uma ética do ver. Isto é chamado,
inicialmente, de olhadela, relance de olhos, e também é da alçada da “bela
sensibilidade” com que se identifica o olhar clínico; é um “exercício dos
sentidos” - um exercício, uma passagem ao ato do ver: olhadela, diagnóstico,
tratamento, prognóstico. A olhadela clínica, portanto, já é um contato, ao
mesmo tempo ideal e percuciente; é uma flechada que vai direto ao corpo
do doente, quase o apalpa.
Pois bem, Charcot foi “mais longe” na percussão em linha reta, no contato
ideal e na instantaneidade da flecha; armou seu olhar para uma percussão
mais sutil, menos tátil, pois debatia com a neurose, entrelaçamento íntimo e
específico do fundo com a superfície.
Muniu-se da Fotografia.

Notas

1
Cf. G. Guillain e P. Mathieu, La Salpêtrière, op. cit., 1925, p. 41.
2
Deliberação do Hospital Geral, 1679, citada em M. Foucault, Histoire de la folie à l’âge classique, op.
cit. [História da loucura..., op. cit., ver Bibliografia], p. 97.
3
Cf. J. Losserand, “Épilepsie et hystérie. Contribution à l’histoire des maladies”, Revue française de
psychanalyse, Paris, PUF, 1978, p. 429.
4
Cf. J. Sonolet, Trois siècles dhistoire hospitalière. La Salpêtrière, exposição, Langres, L’Expansion
scientifique française, 1958, passim.
5
Cf. A. Husson, Rapport sur le service des aliénés du département de la Seine pour 1’année 1862, Paris,
Dupont, 1863, passim; cf. também A. Husson, Étude sur les hôpitaux considérés sous le rapport de leur
construction, de la distribution de leurs bâtiments, de l’ameublement, de lhygiène et du Service des salles
de malades, Paris, Dupont, 1862, passim.
6
Ibid., p. lvi-lvii.
7
Ibid., p. 11.
8
J. Claretie, “Charcot, le consolateur”, in Les Annales politiques et littéraires, XXI, n.° 1.056, 1903, p.
179-180.
9
Ibid., p. 179.
10
Cf. A. Souques, Charcot intime, Paris, Masson, 1925, p. 3-4; L. Daudet, Les Oeuvres dans les
hommes, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1922, p. 205; G. Gilles de la Tourette, “Jean-Martin
Charcot”, in Nouvelle iconographie de la Salpêtrière, 1893, p. 245 (doravante citada como NIS).
11
Dante, Oeuvres complètes, trad. A. Pézard, Paris, Gallimard, 1965, p. 900-901.
12
C. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 20, “Don Juan aux Enfers”.
13
Marie, citado em G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, Paris, Masson, 1955,
p. 134-135. Grifo meu.
14
Cf. E. Benveniste, Problèmes de linguistique générale, Paris, Gallimard, 1966-1974, v. II, p. 248-249
[Problemas de linguística geral, ver Bibliografia].
15
J. -M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. I, p. 2.
16
Ibid.
17
Cf. L. Daudet, Les Morticoles, Paris, Charpentier & Fasquelle, 1894, passim; L. Daudet, Les Oeuvres
dans les hommes, op. cit., p. 197-243.
18
G. Gilles de la Tourette, “Jean-Martin Charcot”, op. cit., p. 249.
19
Cf. Revue neurologique, “Centenaire de Charcot”, Paris, Masson, 6 (1925), p. 7311192.
20
G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, op. cit., p. 143.
21
S. Freud, “Charcot”, GW, I, 1893, p. 13 [“Charcot”, op. cit., ver Bibliografia]; J. Nassif, “Freud et la
science”, in Cahiers pour l’analyse, Paris, 9, 1968, p. 155; F. Laplassotte, “Sexualité et névrose avant
Freud: une mise au point”, in Psychanalyse à Puniversité, Paris, PUF, v. 3, 10 (1978), p. 220-225.
22
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, Paris, Progrès Médical
& Lecrosnier & Babé, 1888-1889, p. 37.
23
Cf. J. Babinski, Oeuvre scientifique, recueil des principaux travaux, Paris, Masson, 1934, p. 457-527.
24
P. Janet, “J.-M. Charcot. Son oeuvre psychologique”, Revue philosophique, 39, 1895, p. 573.
25
C. Bernard, Introduction à Pétude de la médecine expérimentale, op. cit., p. 24.
26
Ibid., p. 382-396.
27
Ibid., p. 322-332.
28
Ibid., p. 63-71.
29
Ibid., p. 304-313.
30
Ibid., p. 170-171.
31
G. Canguilhem, Le Normal et le pathologique, Paris, PUF, 1966, p. 142 [O normal e o patológico, ver
Bibliografia]; cf. J.-M. Charcot, La Médecine empirique et la médecine scientifique, Paris, Delahaye,
1867, p. 4-5.
32
J.-M. Charcot, La Médecine empirique..., op. cit., p. 21; cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit.,
v. III, p. 9 (citando Claude Bernard).
33
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888, p. 115.
34
J.- M. Charcot, La Médecine empirique... , op. cit., p. 17. Grifo meu.
35
Cf. S. Freud, “Pour introduire le narcissisme”, in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1977, p. 99 [“Sobre o
narcisismo: uma introdução”, ver Bibliografia].
36
Cf. J.-M. Charcot & A. Pitres, Les Centres moteurs corticaux chez l’homme, Paris, Rueff, 1895, p. 17.
37
Cf. H. Meige, “Une révolution anatomique”, in NIS, 1907, p. 97.
38
M. Foucault, Naissance de la clinique. Une archéologie du regard médical, Paris, PUF, 1972, p. 54 [O
nascimento da clínica, ver Bibliografia].
39
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 22.
40
J.- M. Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, 1892-
1893, v. I, p. ii.
41
A. Souques e H. Meige, citados em G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, op.
cit., p. 51.
42
Cf. M. Foucault, Naissance de la clinique..., op. cit., p. 107-108 [O nascimento da clínica, op. cit., ver
Bibliografia].
43
Ibid., p. 89.
44
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 277.
45
P. Janet, “J.-M. Charcot. Son oeuvre psychologique”, Revue philosophique, 39, 1895, p. 576.
46
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, Paris, Baillière, 1859, p. 5; cf. J.-M.
Charcot, prefácio a Richer, Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéroépilepsie, Paris, Delahaye &
Lecrosnier, 1885, p. VII.
47
Cf. M. Foucault, Naissance de la clinique..., op. cit., p. 95-97, 105 [O nascimento da clínica..., op. cit.,
ver Bibliografia].
48
S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1979, p. 8-9
[Fragmento da análise de um caso de histeria, ver Bibliografia].
49
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtriêre. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 231.
50
Cf. M. Foucault, Naissance de la clinique..., op. cit., p. 121-123 [O nascimento da clínica..., op. cit.,
ver Bibliografia].
51
Cf. A. Souques, Charcot intime, op. cit., p. 24-30; G. Guillain, J.-M. Charcot (18251893). Sa vie.
Son oeuvre, op. cit., p. 10-11, 26-30, passim.
52
S. Freud, “Charcot”, op. cit., p. 12-13 [“Charcot”, op. cit., ver Bibliografia]; J. Nassif, “Freud et la
science”, op. cit., p. 154-155; J. Nassif, Freud - Linconscient. Sur les commencements de la psychanalyse,
Paris, Galilée, 1977, p. 58, 62.
53
Cf. E. Burke, Recherche philosophique sur l’origine de nos idées du sublime et du beau, Paris, Vrin,
1973, p. 55-57.
54
Cf. M. Foucault, Histoire de la folie à Rage classique, op. cit., p. 326-342 [História da loucura..., op.
cit., ver Bibliografia].
55
Cf. J. Lacan, Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 197-213 [Escritos, ver Bibliografia].
Lendas e legendas da fotografia

“Eis a verdade”

Eis a verdade. Eu nunca disse outra coisa; não tenho o


hábito de expor coisas que não sejam experimentalmente
demonstráveis. Os senhores sabem que tenho por princípio
não levar em conta a teoria e deixar de lado todos os
preconceitos; se os senhores quiserem enxergar com
clareza, será preciso acolherem as coisas como elas são.
Parece que a histeroepilepsia só existe na França, e eu até
poderia dizer, como já disseram algumas vezes, que só na
Salpêtrière, como se eu a houvesse inventado, pela força de
minha vontade. Seria realmente maravilhoso se eu pudesse
criar doenças dessa maneira, ao sabor de meu capricho e
minha fantasia. Mas, na verdade, neste ponto sou,
absolutamente, apenas o fotógrafo: inscrevo aquilo que
vejo...1

E isso parecia dizer tudo.


Aos detratores, aos caviladores que o censuravam por “cultivar” a histeria
na Salpêtrière, ou até por inventá-la, Charcot retrucava que, primeiro, isso
seria maravilhoso demais, portanto, era mentira, era uma ficção (mas
veremos que o maravilhoso ultrapassa a ficção, realizando-a apesar dela).
Segundo e principalmente, Charcot respondia com uma notável negação da
teoria, acrescida de uma alegação de “roteiro”: uma inscrição-descrição
(uma fantasia da escrita) entendida como registro, como o imediatismo do
registro: inscrevo aquilo que vejo.
Argumento formulado para que todo o seu projeto continuasse imune aos
ataques do implicante eventual: não estou inventando, [já que] tomo as
coisas como são, [porque] as fotografo. E não se tratava de uma metáfora.

O museu, suplência do real

Ou, melhor, sim, ainda era uma metáfora, mas erguida sobre a realidade. Era
o conluio de uma prática com seu valor metafórico (seu valor da época, ou
seja, do primeiro meio século da história da fotografia). Era, na verdade,
como que a declaração princeps de que o ideal de um olhar clínico absoluto e
de uma memória absoluta das formas estava em vias de se tornar real.
Aliás, acaso a fotografia não nasceu num momento em que se esperava
não apenas o fim da história,2 mas o advento de um saber absoluto? Hegel
morreu quando Niepce e Daguerre estavam quase em seu segundo ano de
associação.
Quanto a Charcot, quando imaginou sua famosa “cadeira de clínica das
doenças do sistema nervoso” (que ainda existe), ele não descuidou de
sublinhar, pessoalmente, a coerência epistemológica e prática de uma fábrica
de imagens, com seu tríplice projeto, científico, terapêutico e pedagógico:
Tudo isto forma um conjunto cujas partes se concatenam logicamente e
vêm complementar outros serviços conexos. Possuímos um museu
anatomopatológico ao qual estão anexados um ateliê de moldagem e de
fotografia, um laboratório de anatomia e de fisiopatologia bem equipado [...],
um consultório de oftalmologia, complemento obrigatório de um Instituto
neuropatológico; o anfiteatro de ensino no qual tenho a honra de recebê-los
e que, como os senhores estão vendo, é provido de todos os aparelhos
modernos de demonstração.3
Imiscuição e moldagem da metáfora na realidade. Eu disse que Charcot,
ao ingressar na Salpêtrière, tinha-se vivenciado sobretudo como visitante, ou
até como novo guarda de um museu - e eis que, passados vinte anos, como
conservador-chefe de um verdadeiro museu, ele erguia seu brinde de
inauguração.
(O século XIX foi uma grande época dos museus de medicina. Charcot
guardava deles numerosos catálogos: Pathological Museum of St. George’s
Hospital [Museu de Patologia do Hospital São Jorge, Londres], Museum of
the Royal College of Surgeons [Museu do Real Colégio de Cirurgiões,
Londres], museus Orfila e Dupuytren... Havia também o museu itinerante
do [charlatão] dr. Spitzner, que ia de feira em feira expondo, como sua peça
de número 100, um grupo que representava uma “Aula do professor
Charcot”4 em tamanho natural!)
Portanto, a fotografia deve ter sido para ele, a um só tempo, um processo
experimental (um instrumento de laboratório), um processo museológico
(arquivo científico) e um processo de ensino (instrumento de transmissão).
Foi bem mais que isso, na realidade, mas retenhamos ao menos a ideia de
que a fotografia, a princípio, foi uma instância museológica do corpo
enfermo, a instância museológica de sua “observação”: a possibilidade
figurativa de generalizar o caso como quadro. E sua modalidade significante
foi inicialmente contemplada apenas como um estado “intermediário” da
marca, entre o traço (um esquema, uma anotação clínica), sempre lacunar, e
a moldagem in vivo, muito praticada, porém sempre muito lenta (figuras 5-
6).

A grafia

A fotografia proveio, inicialmente, do gráfico. Em termos muito exatos, é o


desenvolvimento e a complementação dele, a acreditarmos em Marey, que
havia justamente promovido esse famoso “método gráfico”: toda uma
profusão de aparelhos extraordinários, pantógrafos, odógrafos, miógrafos,
pneumógrafos e por aí vai - uma profusão de ferramentas de escrita,
gravadores instantâneos!
O “método gráfico” de Marey visava, precisamente, afastar os dois
“obstáculos da ciência” que são, de um lado, a mediatidade da linguagem
(aqui reduzida a uma ponta e um fio, mais ou menos) e, de outro, a
imediatidade, dispersa e defeituosa demais, dos “nossos sentidos”.5 O
“método gráfico” de Marey começou por se apropriar da foto segundo a
extensão do ponto de vista espacial da escala dos movimentos a registrar -
pouco antes de se abrir por completo para o célebre projeto cronográfico.
Voltarei a ele, mas, por ora, vejamos o que diz Marey: “Quando o corpo em
movimento é inacessível, como um astro cujo deslocamento queremos
seguir; quando ele executa movimentos em sentidos diversos, ou de tão
grande extensão que não possam ser diretamente registrados numa folha de
papel, a fotografia substitui os processos mecânicos com enorme facilidade:
reduz a amplitude do movimento ou então o amplia para a escala mais
conveniente.”6
Figuras 5-6. Dois procedimentos museológicos da doença. No alto, fotografia extraída de um dossiê
clínico de Charcot. Embaixo, molde em cera do mesmo “caso”.
A “verdadeira retina”

Fotografia: “The Pencil of Nature” (Talbot, 1833) - “the Photographer needs in


many cases no aid from any language of his own, but prefers rather to listen,
with the picture before him, to the silent but telling language of Nature” (H. W.
Diamond, primeiro fotógrafo da loucura, 1856).7 Tudo na fotografia já é
objetivo, inclusive a crueldade: nela podemos ver, segundo dizem, “até a
mínima falha”. Já é quase uma ciência: a humildade feita ausência de
linguagem. Essa mensagem sem código,8 portanto, sempre diria muito mais
que a melhor descrição; e, em se tratando de medicina, pareceria realmente
haver realizado o próprio ideal da “Observação”, reunindo caso e quadro.
Por isso ela se tornou, no século XIX, o paradigma da “verdadeira retina” do
cientista.
Vejamos as palavras de Albert Londe, que nos anos 1880 dirigiu o Serviço
Fotográfico da Salpêtrière:

A chapa fotográfica é a verdadeira retina do cientista. [...]


Para começar, ela se destina a complementar a observação,
essa peça criada pelos cuidados do médico e que encerra
todas as informações acerca dos antecedentes e do estado
atual do enfermo. Se nem sempre a fotografia é necessária,
revela-se de utilidade indiscutível, ao contrário, quando as
manifestações da doença se traduzem por deformações
externas que afetam a totalidade ou tal ou qual parte do
indivíduo. Podemos até dizer que, em muitos casos, uma
simples prova que fala aos olhos diz mais do que uma
descrição completa.9

O fotográfico, portanto, teria produzido uma inflexão histórica do ver, de


tal sorte que “não se pode ter a pretensão de haver realmente visto alguma
coisa antes de havê-la fotografado”.10 Mas por quê?

O iconográfico, a previsão
Talvez porque vê-la assim armada torne-se não apenas probatório quanto ao
que é visto, e até quanto ao que seria invisível, ou apenas vislumbrado no
tempo normal, mas também quanto ao susceptível de previsão.
A imagem fotográfica tem valor de indício, no sentido de prova judicial;11
aponta o culpado pelo mal, antecipa sua detenção. É como se a fotografia
nos desse acesso à origem secreta da enfermidade; ela quase decorreria de
uma teoria microbiana da visibilidade (é sabido que, na medicina, “a teoria
microbiana das doenças contagiosas decerto deveu uma parte não
desprezível de seu sucesso ao fato de conter uma representação ontológica
da doença. O micróbio, ainda que seja necessária a complicada
intermediação do microscópio, de corantes e culturas, é algo que podemos
ver, ao passo que seria impossível ver um miasma ou uma influência. Ver
um ser já é prever um ato”).12
O valor de previsão do fotográfico prende-se também a sua
“sensibilidade” muito especial: “Sabemos que a chapa fotográfica não é
sensível aos mesmos raios que nossa retina; portanto, em alguns casos,
poderá dar-nos mais do que o olho, mostrar-nos o que este não teria como
perceber. Essa sensibilidade particular tem um valor todo especial e, em
nossa opinião, não é a menos importante das propriedades da fotografia.”13
E é justamente a partir desse valor probatório (diagnóstico, pedagógico) e
“previsor” (prognóstico, científico) da fotografia que convém compreender,
primeiramente, o que se chamou de impulso iconográfico do trabalho de
Charcot:

Ciente de que as imagens falam mais vivamente ao espírito


do que as palavras, ele deu às imagens um lugar de
destaque. Publicou, com Paul Richer, Os disformes e as
doenças na arte; criou a Nova Iconografia da Salpêtrière [...].
Esse impulso iconográfico transmitiu-se, posteriormente, a
todos os ramos da medicina. Para nos darmos conta disto,
basta abrir um tratado publicado em 1880 e compará-lo
com nossos tratados atuais.14
Ver e prever, antecipar o saber no ver; certo. Mas resta alguma coisa, uma
espécie de dúvida. Por exemplo, será que essa antecipação também não foi
eficaz por perder de vista, por invocar, talvez, outra eficácia, aquela que é
própria do ver como presença? E por inverter os movimentos afetivos, de
algum modo? - algo como o que Freud chamava de Verkehrung ins
Gegenteil, a inversão no contrário?

A mínima falha

Até aí, isso não passa de uma hipótese, mas ela me retém. Continuo a
pensar, estupidamente, diante de todas essas fotografias, no que devia ser
uma angústia de médico-fotógrafo. (Lembro-me - será que é oportuno? - da
história de Jumelin, um famoso moldador de anatomia daquela época, que
um dia moldou o fígado recém-retirado de um homem que sofria de
“avariose”* e, sem se angustiar minimamente e até meio distraído, assoou o
nariz no pano que envolvia o órgão a ser “reproduzido”; e assim, também ele
morreu da avariose, vítima de sua arte e de uma jovial recusa a se angustiar
com a dissecação de corpos alheios, de corpos enfermos...) Mas resumamos.
A partir de 1860, a fotografia fez uma entrada triunfal, triunfalista, no
museu da patologia. Ela, que mostra até a mínima falha. E foi uma
verdadeira explosão de crescimento - a endoscopia fotográfica! A mais
secreta anatomia, enfim, revelada, tal e qual! O próprio foco das doenças
nervosas, enfim, ao alcance da visão, e em pessoa!

Exageros do estilo

A Revista fotográfica dos hospitais de Paris tornou-se, em 1869, a grande


revista, sublinho, da patologia cirúrgica, oftalmológica, dermatológica etc.
Com suas estrelas, suas anônimas estrelas teratológicas.
Na apresentação que dela fizeram Montméja e Rengade (cf. Apêndice 4),
certamente não constava a palavra “horror” (havia, antes, a “honra de
oferecer ao público” - “médico”, vale destacar - o espetáculo verdadeiro, o
verdadeiro espetáculo dos “casos mais interessantes” e mais “raros” da
patologia; havia também nesse prefácio palavras como “verdade”,
“benefícios”, “magnífico”, “pleno sucesso” etc.). Mas, para nós, seres sensíveis
(e que não somos “do ramo”), trata-se de um verdadeiro catálogo de
horrores; isto é da ordem da evidência, mas não perdoa que o
negligenciemos. Porque é gritante, justamente.
Ao segurar tais livros nas mãos, também nos impressionamos com os
realces, hoje gretados, de pintura e tintas coloridas, que “esclarecem” e
“enfeitam” certas imagens fotográficas. E não menos impressionante é, vez
por outra, encontrarmos nelas uma assinatura, grandioso retorno da
tradição pictórica - por exemplo, “A. de Montméja - Ad naturam phot. e
pinx”15
Há também a definição de uma disposição de página que viria a se tornar
canônica - em especial, deixando um grande espaço para a legenda. Há uma
prática de uso do close-up que tende a isolar o órgão monstruoso: o espaço
da imagem fica imprensado na redução da profundidade do campo; o
prodígio e a abominação, a incongruência agressiva, são duplamente
enquadrados. A mesma incongruência em que Bataille teria buscado o
elemento exato de uma “dialética das formas”:

Qualquer “fenômeno” de feira provoca uma impressão


positiva de incongruência agressiva meio cômica, porém
muito mais geradora de mal-estar. Mal-estar que está
obscuramente ligado a uma profunda sedução. E, se está em
questão uma dialética das formas, é evidente que convém
levar em conta, em primeiro lugar, os desvios pelos quais,
apesar de quase sempre definidos como antinaturais, a
natureza é incontestavelmente responsável. Na prática, essa
impressão de incongruência é elementar e constante: é
possível afirmarmos que se manifesta, em certa medida, na
presença de qualquer indivíduo humano. Mas pouco se faz
sentir. Por isso é preferível fazer referência aos monstros
para determiná-la [...]. Sem abordar aqui a questão dos
fundamentos metafísicos de qualquer dialética, é lícito
afirmar que a determinação de um desenvolvimento
dialético de fatos tão concretos quanto as formas visíveis
seria, literalmente, perturbadora [...].16

Ora, às vezes um “estilo” exagera na própria abordagem, no parergo do


fotografado (porque o sujeito teratológico, mesmo vivo, já é uma obra, uma
peça de museu); exagera e vem a produzir redundâncias arriscadas - mas
será que são sempre arriscadas? - naquilo com que, por outro lado, tenta
circunscrever a abominação. É o caso do debate de Bourneville com a
incrível contorção de uma perna: por pouco ele não se perdeu numa
definição por demais retorcida do fenômeno (“os fêmures são
consideravelmente curvados, com a concavidade voltada para dentro e a
convexidade olhando para fora. Os ossos das pernas oferecem curvaturas de
sentido invertido, isto é, de concavidade externa e concavidade interna
[...])”;17 depois, como se a própria perna não bastasse para sua exibição, ele
confirma o prodígio mediante o apoio adventício de uma cadeira de pés não
menos retorcidos (figura 7)...

Traços de loucura

Passemos às loucas. O problema de sua representação não há de ter sido


menos intricado. Primeiro, trata-se de um problema fisiognomônico. Como
se os retratistas de loucas não parassem de buscar um traçado adequado à
expressão das paixões delas (figuras 8-10).
A “expressão das paixões” é um problema clássico da pintura: Le Brun
consagrou-lhe uma conferência em 1668, além de toda uma série de figuras.
É que o problema era realmente colocado em termos de notação gráfica
(tendo por referência uma trama, um sistema de coordenadas que quase
decorria da pauta musical) - notação gráfica dos movimentos, digo,
movimentos da alma no corpo: sua expressão era definida, com efeito, como
a “parte que marca os movimentos da alma, o que torna visíveis os efeitos da
paixão”; e, mais adiante: “A paixão é um movimento da alma que reside na
parte sensível, movimento que é feito para seguir o que a alma pensa ser
bom para ela ou para fugir do que pensa lhe ser nocivo, e, comumente, tudo
que causa paixão à alma leva o corpo a praticar uma ação.”18 Le Brun via
nessa ação, pertinentemente, uma espécie de sintoma, o código visível das
paixões. Mas contou apenas até 24, quem sabe assustado com essa
matemática transfinita - na verdade, essa matemática dos sintomas em que
ele pusera a ponta do dedo; e, por isso, ficou em um alfabeto.19
Lavater certamente ampliou esse alfabeto, e outros também.20 Já na
década de 1820 (época da nova edição, pela editora Moreau, da obra de
Lavater: 10 volumes), Esquirol havia pedido a Gabriel, desenhista e
discípulo do grande fisiognomonista, que lhe fizesse esboços de algumas
loucas e loucos: “O estudo da fisionomia dos alienados não é um objeto de
curiosidade fútil”, escreveu; “essa coisa ajuda a desemaranhar o caráter das
ideias e das afecções que mantêm o delírio desses doentes [...]. Mandei
desenhar mais de duzentos alienados, com esta intenção. Um dia, talvez
publique minhas observações sobre este tema interessante [...].”21 (figura 9).
Será que o fracasso desse projeto deveu-se ao fato de o alfabeto ainda não
ser inteiramente o da “silent but telling language of Nature”?**
Figura 7. “Raquitismo, n.° 1”, lâmina XVIII, em Revue photographique des hôpitaux de Paris, 1871.
Figura 8. Gaspar Lavater, “Fisionomia de louca”, em L’Art de connaítre les hommes par la physionomie,
reprodução retirada da edição de 1835.
Figura 9. Georges François-Marie Gabriel, Cabeça de alienada, desenhada por Étienne Esquirol
aproximadamente em 1823.
Figura 10. Ambroise Tardieu, Fisionomia de alienada, gravura de Étienne Esquirol, lâmina VIII, em
Des Maladies mentales considérées sous le rapport medical, hygiénique et médico-légal, Paris, Baillière,
1838.
Figura 11. Fotografia de Hugh W. Diamond.

Figura 12. Reconstituição gravada da fotografia ao lado, publicada sob o título Melancholy passing into
Mania [Melancolia passando para a mania] em The Medical Times, 1858.

Primeiras provas

As primeiras fotografias da desrazão foram os retratos das loucas do


Manicômio do Condado de Surrey, em Springfield - calótipos feitos a partir
de 1851 pelo dr. Hugh W. Diamond, militante e arauto da “silent but telling
language of Nature”, fundador e presidente da Real Sociedade de Fotografia
de Londres (1853), diretor do Photographic Journal etc. etc.
Dessas imagens extraordinárias, indicarei apenas isto: a passagem para o
traço, ou criação de uma gravura a partir da fotografia, continuou a ser a
operação necessária para a utilização, a transmissão dos clichês. Isso talvez
pareça espantoso, na medida em que a própria técnica do calótipo (negativo
sobre papel) visava, precisamente, resolver os problemas de
reprodutibilidade do clichê (porque é possível extrair de um negativo um
número ilimitado de provas, o que é impossível com o daguerreótipo).
Pois bem, nessa passagem, alguma coisa era sempre esquecida, desviada,
apesar da paixão pela exatidão que Diamond havia alegado. O mesmo se
dava com respeito à posição. Essa mulher, por exemplo (figura 11), plantada
do lado de fora, sem dúvida, num pátio, para receber mais luz, e atrás da
qual se pendurou uma cortina (já seria para tentar abstrair essa situação?),
não está em parte alguma na gravura - então como não se mostraria insano
o seu olhar, aqui desenhado e privado de espaço e de destinação? É só uma
pergunta. E o mesmo se dá com uma clivagem entre o que seria essencial, ou
significativo, e o que seria apenas acessório. Nas imagens dessa mesma
mulher (figura 12), seu vestido estampado, por exemplo, torna-se
“uniforme” na gravura. (Ora, será que essa própria confusão de cores não
teria sido como que um significante em sua loucura propriamente dita, que
era, segundo nos dizem, a melancolia passando para a mania? Pura
hipótese...) Assim se dá também com a postura, graficamente inclinada, ou
mais endireitada para fornecer significações mais comprobatórias - como as
mãos postas, por exemplo, simetrizadas, de uma mulher afetada, justamente,
pela “loucura religiosa” (figuras 13-14). E assinalo, por fim, que a legenda
dessas gravuras menos designava um atributo do referente (“melancólica”)
do que um conceito (“melancolia”), do qual o referente - refiro-me a essa
louca em particular - não seria mais que um atributo.
Figura 13. Fotografia de Hugh W. Diamond.

Figura 14. Restauração em gravura da fotografia ao lado, publicada sob o título Religious Mania
[Mania religiosa] em Medical Times, 1858.

Gamação pelas imagens

Pois bem, nada disso - refiro-me à fotografia - foi o capricho extravagante de


um homem só: estava no ar, como se costuma dizer. Teria uma arte nascente
feito os psiquiatras compreenderem sua penúria nosológica quanto aos
sinais visíveis desta ou daquela loucura? O certo é que, mais ou menos por
toda a Europa, as loucas e os loucos passaram a ter que posar; suas
fotografias eram tiradas, umas rivalizando com outras.
Hoje nos restam algumas coleções prodigiosas: a do Bethlem Royal
Hospital de Beckenham (onde o pintor Richard Dadd, internado por
parricídio, foi assim fotografado), ou a do Hospital San Clemente, em
Veneza (um imenso registro clínico e administrativo das loucas, com
milhares de imagens)22 (figuras 15-16) etc.
Na França, tentou-se pensar no método: foi o caso, entre outras, de uma
dada sessão da Sociedade Médico-Psicológica de Paris, convocada em 27 de
abril de 1867 para discutir o tema “A aplicação da fotografia ao estudo das
doenças mentais”, da qual participaram, em especial, Moreau de Tours,
Baillarger, Morel etc. Pensar no método, nesse caso, menos significava uma
interrogação sobre o interesse epistêmico da fotografia - já que esse interesse
afigurava-se evidente a todos, evidente demais - do que lançar as bases
protocolares de uma transmissão das imagens: o problema da
reprodutibilidade e do tratamento livresco das fotografias, portanto, estava
na ordem do dia.
Assim, nessa época, os tratados psiquiátricos foram reforçados por
lâminas, imagens-prova das nosologias correntes: os idiotas de Baillarger e
Bourneville, os lipemaníacos de Dagonet, as loucas estênicas de Voisin, os
degenerados de Magnan e Morel, e alguns outros.23
Assim, posso falar aqui numa verdadeira gamação [engouement] pela
fotografia, para recorrer à dubiedade íntima desse termo,*** pois dizer que a
psiquiatria apenas se apaixonou pela fotografia estaria certo, é claro, mas
não daria conta da profunda complexidade do fenômeno. Gamar significa
amar loucamente e, com isso, “entupir-se até a goela”, como se costuma dizer,
devorar e engolir até não poder mais. E aí a pessoa sufoca: a gamação é a
obstrução, o estrangulamento por excesso de amor.

Salpêtrière, serviço fotográfico

Mas a grande fábrica de imagens continuou a ser a Salpêtrière. Ali a


fabricação foi metódica e quase teorizada; tornou-se realmente canônica (o
livro de Tebaldi, por exemplo,24 publicado em Verona em 1884, reproduziu
exatamente o dispositivo tipográfico das ilustrações da Salpêtrière).
Tudo isso foi instituído a partir do momento em que um fotógrafo
“dedicado e habilidoso”, Paul Regnard, pôde instalar-se ali em caráter
permanente e exercer sua predação em qualquer momento oportuno. Ao que
parece, o álbum que ele produziu em 187525 levou Charcot a patrocinar uma
publicação clínica, ordenada em torno desse corpus de imagens e redigida
por Bourneville. Essa publicação veio à luz em 1876 e 1877: primeiro
volume da Iconografia fotográfica da Salpêtrière (cf. Apêndice 5), seguido
por um segundo volume, menos artesanal quanto ao processo de tiragem
(cf. Apêndice 6), e por um terceiro, em 1880.
Figura 15. Ficha clínica do Hospital San Clemente, em Veneza, 1873.

Depois disso, mais nada. Um silêncio de quase dez anos, durante os quais
Bourneville e Regnard como que desapareceram dessa circulação de
imagens. Na verdade, foram substituídos em suas funções por Albert Londe,
muito mais formalista na organização e que tirou proveito dos recursos que
lhe foram conferidos pela abertura oficial da cátedra de Charcot.
Estranho silêncio de Londe sobre seus predecessores;26 terão sido as
fotografias deles tão mais bonitas que as suas? - Simples hipótese. Depois,
em 1888, saiu o primeiro volume de uma Nova iconografia da Salpêtrière,
esta publicada, sempre sob o patrocínio de Charcot, por Gilles de la
Tourette, Paul Richer e o próprio Londe.
Foi assim que a prática fotográfica acedeu por completo à dignidade de
um serviço hospitalar.27 Ou seja, um território: ateliê envidraçado,
laboratório escuro e laboratório claro28 (figura 17). Um dispositivo
protocolar: estrado, cama, biombos e cortinas de fundo, pretas, cinza-
escuras, cinza-claras; apoios para a cabeça, tripés (figura 18 e Apêndice 7).
Uma tecnologia fotográfica mais e mais sofisticada, como tão bem se diz:
multiplicação dos tipos de objetivas e câmeras (figuras 19-20), emprego de
luzes artificiais,29 “fotocronografia”30 e todos os aperfeiçoamentos da
revelação...31 E, por fim, os procedimentos clínicos e administrativos de
arquivamento: todo um encaminhamento das imagens, desde a “observação”
até o fichário (cf. Apêndices 8 e 9).
Serviço, no entanto, é uma palavrinha terrível; nela já estão servidão e
sevícia. Minha pergunta não é apenas: para que serviu a fotografia?, mas
também: quem ou o quê, na Salpêtrière, terá ficado escravizado às imagens
fotográficas?

A lenda da memória

Essas imagens, supostamente, deveriam servir à memória. A uma fantasia de


memória, melhor dizendo - uma memória que seria absoluta, pura e
simplesmente: no instante em que é tirada, a fotografia é absolutamente
imediata, “exata e sincera”;32 por outro lado, ela dura: é, “como todas as
representações gráficas, uma memória fiel, que conserva inalteradas as
impressões que recebeu”.33 Digo que isso é fantasia, primeiro porque o
problema técnico da permanência das imagens nunca foi, na verdade, de
clareza cristalina; e os primeiros cinquenta anos da fotografia foram
marcados por uma grande inquietação, mais ou menos formulada: a
inquietação com a viragem e o apagamento das provas; todos os esforços
visavam aperfeiçoar o calótipo ou associar a técnica litográfica - feita com
tinta e carvão, tidos como inalteráveis - à reprodução fotográfica. E os
primeiros tempos da Iconografia fotográfica da Salpêtrière foram marcados
por esse esforço, por essa inquietação. Alguns anos depois, o discurso de
Albert Londe já ostentava o triunfalismo de uma memória fotográfica
absoluta: é que por trás dele estava o nascimento dos processos
fotomecânicos, da fotocolografia, da fotogliptia, da heliogravura, da
similigravura etc.34
Figura 16. Registro do Hospital San Clemente, em Veneza, 1873 (página dupla seguinte).
O mesmo se aplica à Fotografia, com F maiúsculo, ou seja, a seu ideal:
registro incontestável, incontestavelmente fiel, duradouro, transmissível. A
Fotografia, bem mais que os aide-mémoires do cientista,35 tinha o dever de
ser a própria memória do saber, ou, melhor, seu acesso à memória, seu
domínio da memória. “Com efeito, trata-se de preservar o registro
duradouro de todas as manifestações patológicas, sejam elas quais forem,
capazes de modificar a forma externa do enfermo e de lhe imprimir um
caráter particular, uma atitude, uma fácies especial. Esses documentos
imparciais e rapidamente colhidos dão às observações médicas um valor
considerável, no sentido de porem diante dos olhos de todos a imagem fiel
do sujeito estudado.”36
E o que a Fotografia devia permitir era, por fim, cristalizar, memorizar
para todos numa imagem, ou numa série de imagens, todo o tempo de uma
investigação, e, portanto, de uma história (“obter fotografias anteriores: assim
se disporá da prova de que as anomalias existentes são, de fato, consequência
da doença, e não existiam antes”).37
Logo, ela devia cristalizar o caso como um Quadro: não um quadro
extenso, mas um quadro em que o Tipo se condensaria numa imagem
única, ou numa série unívoca de imagens - a fácies.
Figura 17. Planta baixa do Serviço Fotográfico da Salpêtrière. [Nas legendas da imagem, A: Ateliê
envidraçado; B: Laboratório escuro; C: Laboratório claro; D: Entrada em zigue-zague do laboratório
escuro.]

Figura 18. Louis Poyet, Albert Londe na Salpêtrière, gravura reproduzida em La Nature, 1883.
Figura 19. Câmera estereoscópica, em Albert Londe, La Photographic médicale: application aux
sciences médicales et physiologiques, Paris, Gauthier-Villars, 1893.
Figura 20. Câmera com múltiplas objetivas, em Albert Londe, La Photographie médicale: application
aux sciences médicales et physiologiques, Paris, Gauthier-Villars, 1893.

Determinar a fácies própria de cada enfermidade, de cada afecção, colocá-


la perante os olhos de todos, é isto que a fotografia pode fazer. Em alguns
casos duvidosos ou pouco conhecidos, a comparação de provas obtidas em
diversos locais ou em épocas distantes permitirá ter certeza da identidade da
moléstia, em diferentes sujeitos que não tenham estado à mão ao mesmo
tempo. Esse trabalho foi feito com pleno sucesso pelo sr. Charcot, e a fácies
própria de tal ou qual afecção dos centros nervosos é hoje bem conhecida.
Com as provas assim obtidas, seria fácil repetir a experiência de Galton e
obter, por superposição, uma prova compósita, fornecedora de um tipo no
qual as variações individuais desapareçam, para deixar à luz as modificações
comuns.38
Que é uma fácies? É aquilo que se obstina em resumir e generalizar o
caso, é o que se obstina em possibilitar sua previsão, e isto, sob a aparência
de um rosto.

A lenda da superfície, a fácies

Fácies significa, ao mesmo tempo, o ar singular de um rosto, a


particularidade de seu aspecto, e também o gênero ou a espécie em que esse
aspecto deve ser incluído. A fácies seria, portanto, um rosto atribuído à
ligação sintética do universal com o singular: o rosto atribuído ao regime da
representação, no sentido hegeliano.39
Por que o rosto? Porque é nele, idealmente, que a superfície corporal vem
tornar visível algo dos movimentos da alma; isto é válido para a ciência
cartesiana da expressão das paixões; e será que também nos explicaria por
que a fotografia psiquiátrica se documentou desde logo como arte do
retrato?
Afinal, foi muito peculiar essa arte do retrato em que “rosto” era
entendido como “fácies”. Foi uma arte dos territórios superficiais - porém
sempre à procura de uma localização mais íntima, de uma circunvolução
concomitante... Herança, sem dúvida, da estranha ciência territorial ou
tconfigurativa, digamos, que foi a frenologia de Gall. Esse homem se
apaixonava por um dado rosto de mulher, por exemplo, e chegava até a
tomar entre os dedos aquela cabeça delicada - mas seu afago buscava, na
verdade, a região, a bossa ou a dobra encefálica própria de certa monomania
da referida dama; e, em paralelo, em sua outra mão ele segurava uma
caveira, digo, um crânio, para fazer a comparação (figura 21). E falo em
herança porque a frenologia tinha-se postado rapidamente como base
teórica de toda a psicologia de bandeira positivista;40 as localizações
cerebrais de Charcot foram como que associadas a ela.
Ela foi também uma arte do detalhe, da tenuidade, do fragmento - da
comissura dos territórios -, mas sempre em busca de uma lei que
prescrevesse suas diferenças minúsculas. Bourneville fotografava idiotas e,
com base em sua galeria de retratos, procurava um conceito da Idiotia em
ínfimas referências anatômicas de aberturas bucais, comissuras dos lábios,
formas das bochechas, arcos do palato, gengivas e dentes, úvulas, abóbadas
palatinas etc.41 Duchenne de Boulogne também procurava a comissura
muscular diferencial de cada emoção, cada páthos, cada patologia42 (figura
22); e Darwin, generalizando a mesma pesquisa em todo o reino animal,
aproveitou para construir sua grande história filogenética da expressão das
emoções...43
Assim, o rosto subsumido como fácies permitia uma lógica e uma
etiologia de seus próprios acidentes. E como, afinal? Através de uma arte
sutil e constante do recobrimento das superfícies, sempre buscando, nas
tramas ou camadas peliculares que ele dispunha, uma profundidade, só que
conceitual: a profundidade do Tipo. Galton foi o virtuose dessa arte do
recobrimento: produzia o Tipo pela superposição ordenada de retratos
colecionados. Que a fácies obtida fosse indistinta, não vinha ao caso -
mesmo assim, ela constituía uma probabilidade figurativa, rigorosa em si, e,
portanto, um retrato científico44 (figura 23).
E Albert Londe, na Salpêtrière, buscou exatamente isto: a rigorosa
probabilidade figurativa, adequada para transformar em lei o tempo e as
diferenças de um rosto:

O estudo das fácies, na patologia nervosa, foi feito de


maneira admirável pela Escola da Salpêtrière e, sem ir longe
demais, podemos afirmar que a Fotografia não foi de ajuda
insignificante nessa situação. Algumas modificações do
rosto, que em si não poderiam constituir, isoladamente, um
sinal evidente de alguma afecção, adquirem enorme
importância quando sempre as reencontramos em
pacientes similares. A menos que existam, ao mesmo tempo
e por acaso, pacientes que apresentem essas fácies
características, muitas vezes elas podem passar
despercebidas. Ao contrário, com fotografias aproximadas
umas das outras, é possível fazer comparações de
numerosos espécimens e deles deduzir as modificações
típicas que constituem tal ou qual fácies [...], criar, por
superposição, tipos compostos nos quais, apagando-se
todas as particularidades individuais, somente as
características comuns persistam, e assim determinem a
fácies própria de tal ou qual afecção.45
Figura 21. Frenologia, estampa, Paris, Museu de História da Medicina.

“Este resultado é importante, porque o tipo, uma vez definido, permanece


gravado na memória e, em alguns casos, pode ser precioso para o
diagnóstico.”46
Assim, a aparência do rosto, subsumida na fácies, abria-se para um estado
muito codificável, muito registrável, da significação: abria-se, mediante o
exercício de uma investigação atenta das formas, para algo como uma
descrição física detalhada.

A lenda da identidade e seus protocolos

Os médicos da Salpêtrière, portanto, foram como que “policiais científicos”


em busca de um critério da diferença, entendido como principium
individuationis: um critério adequado para fundamentar a “descrição física”,
isto é, um reconhecimento, uma atribuição de identidade; e isto, a “polícia
científica”, não é uma simples fábula.
É que foi requintada, tácita e impecável a conivência entre a Salpêtrière e a
chefatura de polícia: as técnicas fotográficas de ambas eram as mesmas, e
traziam as mesmas esperanças (ora, essas técnicas também decorriam de
uma arte: as primeiras fotografias de identidade foram adornadas em
medalhões ovais como retratos de família, e, acima de tudo, em um dado
momento, parece-me que tem a ver com arte qualquer paixão pelas formas e
configurações. De que maneira a Salpêtrière e a chefatura de polícia terão
sido auxiliadas em seus esforços pela Escola de Belas-Artes é algo que
convirá interrogar).
Figura 22. Guillaume Benjamin Duchenne de Boulogne, fotografia no frontispício de Mécanismes de
la physionomie humaine ou analyse électro-physiologique de l’expression des passions, Paris, Baillière,
1876.
Figura 23. Francis Galton, Specimens of Composite Portraiture, lâmina fotográfica no frontispício de
Inquiries into Human Faculty and its Development, Londres, MacMillan, 1883. [Dentro da lâmina:
Espécimens de retratos compósitos / Pessoas e famílias / Alexandre, o Grande. De seis moedas
diferentes / Duas irmãs / De 6 membros da mesma família, masculinos e femininos / saúde / doença /
criminalidade / 23 Casos. Real Engenharia. 12 Oficiais. 11 Soldados rasos / 6 Casos / 9 Casos /
Doença tubercular / 8 Casos / 4 Casos / 2 dos muitos tipos criminais / tuberculose E outras moléstias /
20 Casos / 36 Casos / 56 Casos. Cocompósitos de I & II / Casos consumptivos / 100 Casos / 50 Casos
0 Casos / 36 Casos / 56 Casos. Cocompósitos de & / Casos consumptivos / 00 Casos / 50 Casos
/ Não consumptivos]

O desenvolvimento da fotografia psiquiátrica no século XIX, de qualquer


modo, constituiu-se no mesmo movimento da evolução da fotografia
forense.47 Uma disciplina transicional, aliás, ocupou nisso uma eminente
posição estratégica: a antropologia criminal, que tanto se interessava por
retratos fotográficos de criminosos e alienados quanto por seus crânios
(figuras 24-25).
Aliás, certo [Ernest] Lacan, ao expor os milagrosos progressos da
Fotografia, não hesitou em incluir no mesmo capítulo “a imagem acusatória”
dos criminosos e o “trabalho científico do dr. Diamond”:

Que condenado pela justiça poderia escapar à vigilância


policial? Quer escape dos muros em que o castigo o retém,
quer viole, uma vez libertado, a proibição que lhe prescreve
uma residência, seu retrato estará nas mãos da autoridade;
ele não poderá fugir: será forçado a se reconhecer, ele
mesmo, nessa imagem acusatória. E que estudos, do ponto
de vista da fisiognomonia, haverá nas coleções em que a
natureza do crime for inscrita ao lado do rosto do culpado!
Como poderíamos ler a história das paixões humanas nesse
livro, no qual cada rosto seria uma página, e cada traço,
uma linha eloquente! Que tratado de filosofia! Que poema,
o qual somente a luz poderia escrever! Se passarmos das
doenças da alma para as do corpo, encontraremos
igualmente a fotografia pronta para desempenhar um
importante papel. Tenho diante dos olhos uma coletânea de
quatorze retratos de mulheres de idades diferentes. Umas
sorriem, outras parecem sonhar, todas têm algo de estranho
na fisionomia: é o que se compreende à primeira olhadela.
Se as contemplarmos por muito mais tempo,
entristeceremos, a despeito de nós mesmos: todos esses
rostos têm uma expressão extraordinária e incômoda. Basta
uma palavra para explicar tudo: trata-se de loucas. Esses
retratos fazem parte de um trabalho científico do dr.
Diamond [...].48

Resumamos. Dessa sutil cumplicidade médico-policial, reterei apenas isto,


por ora: uma concepção de identidade foi elaborada, como seria inevitável, a
partir do funcionamento conjunto das demandas científicas ou judiciárias e
de suas respostas técnicas, fotográficas. Mais, até: a fotografia foi o novo
mecanismo de uma lenda: o ter de ler uma identidade na imagem.
Esse ter de ler encontrou sua “base teórica”, até mesmo sua “filosofia”, na
pena de seus praticantes: refiro-me a Alphonse Bertillon, falecido em 1914,
criador da antropometria signalética, cujo “sistema” foi adotado por todas as
polícias do mundo ocidental a partir de 1888; ele foi diretor do serviço
fotográfico da chefatura de polícia de Paris (o primeiro do mundo, criado
em 1872 por certo Bazard).49
As “considerações teóricas sobre a sincronização”,50 de Alphonse
Bertillon, partiram de uma reflexão sobre a natureza e os meios de uma
“análise descritiva da figura humana”, e sobre as “regras matemáticas” da
“misteriosa distribuição das formas” e da “distribuição das dimensões na
natureza”;51 em seguida, abriram-se para o estabelecimento dos recursos
técnicos da identificação e da classificação antropométrica dos indivíduos:

Quer se trate de um recidivista perigoso, dissimulado sob


um nome falso, quer do cadáver de um desconhecido,
depositado no necrotério, ou de uma criança pequena que
alguém tenha perdido intencionalmente, ou de um alienado
detido na via pública e que, por temores imaginários,
obstine-se em ocultar sua personalidade, ou, ainda, de um
pobre infeliz, atingido na rua por uma paralisia repentina e
impossibilitado de enunciar seu nome e seu endereço, o
objetivo visado é sempre uma questão de identificação, e o
meio de ação é a Fotografia.52
Antes de tudo, portanto, esse ter de ler foi uma exigência de eficácia do
ver: definia-se em seus protocolos. E quais eram estes? Para começar,
protocolos uniformes da pose e do modo de tirar a fotografia (devendo a
uniformidade dos protocolos permitir a garantia de um referencial muito
mensurável das diferenças):53 “E é também desejável que a fotografia
anexada à descrição física aproxime-se, tanto quanto possível, do tipo
uniforme e bem definido que foi adotado pelo Arquivo Central do Serviço
de Identificação, seguindo indicações minhas.”54 Assim, Bertillon mandou
pôr em funcionamento, entre outras coisas, uma espécie de “cadeira de pose,
para garantir mecanicamente a uniformidade da redução entre as fotografias
de frente e de perfil”;55 era preciso sujeitar bem os indivíduos ao tipo de
imagem exigido, a uma dada foto de frente e de perfil, para visar neles uma
especificidade regulamentada dos índices fisionômico-criminais (figura 26 e
Apêndice 10). Arte de policial. E então só restava arquivar - problema
dificílimo - essa multiplicidade de imagens e indicações: poder encontrar
um dado suspeito de determinado crime nas cerca de 90 mil fotografias
tiradas no serviço de identificação da chefatura de polícia entre 1882 e
1889,56 de acordo com o processo oportunamente denominado de
“bertillonagem”.
Figura 24. Retratos de criminosas alemãs [1878], lâmina XIV, reproduzida em C. Lombroso, LHomme
criminel - Atlas, Paris, Alcan, 1895.
Figura 25. Crânios de criminosas [1878], lâmina XXV, reproduzida em C. Lombroso, LHomme
criminel - Atlas, Paris, Alcan, 1895.

Voltando ao meu assunto, Albert Londe: em sua escala (a Salpêtrière, uma


quase cidade, com seus bairros mal-afamados e seus serviços de
vigilância...), ele deve ter formulado perguntas análogas, e deve ter
inventado protocolos análogos para regular as condições de visibilidade dos
corpos sintomáticos, a fim de que eles produzissem sinais e descrições
pormenorizadas. Regular as condições da exibição, ou do advento das
diferenças, para fazer delas um conceito único e adotar, sem risco de
surpresa, uma conduta “curativa” programável. Exemplo: “Para a fotografia
dos pés, será necessário elevar o sujeito sobre uma mesa ou um apoio
qualquer, a fim de que ele seja colocado na altura do aparelho. Tanto num
caso como no outro, e principalmente quando se tratar de modificações que
digam respeito às dimensões desses membros, será recomendável fotografar
ao mesmo tempo uma fita métrica, ou as mãos e os pés de uma pessoa
normal. Desse modo, a comparação será bem mais demonstrativa.”57
Veremos que ao rosto se aplicava a mesma coisa que aos pés: ele devia ser
colocado na altura e à disposição da câmera. Foi assim que o “rosto da
loucura” tornou-se a “fácies patológica da doença nervosa” - ou seja, perdeu
sua aura.
Mas voltemos a minhas vacas frias, Bourneville e Regnard: por quantos
anos, antes de Londe, eles ainda teriam, como direi, hesitado? Ativeram-se a
protocolos mais aleatórios; sua predação das imagens, no tocante às
histéricas, ainda foi marcada por algo de aventureiro, e os retratos tirados
por eles ainda dão margem a uma aura, ou seja, a um teor temporal das
imagens que é muito mais complexo, dúbio, inquietante. E isso, sem dúvida,
a despeito de si mesmos.
Bourneville, por exemplo, compensou bem suas hesitações, mais tarde,
em termos da bertillonagem e da polícia, ao fotografar/medir as crianças de
seu serviço do Hospital Bicêtre (figuras 27-30).
Figura 26. A “bertillonagem” na chefatura de polícia de Paris, 1893.

Mas Regnard e Bourneville, na Salpêtrière, ainda continuaram expostos


ao risco de um paradoxo mais íntimo da prática fotográfica. Certamente hão
de ter buscado a fácies nos rostos; com certeza terão tentado negar neles
qualquer efeito de paradoxo, mas só o conseguiram muito parcialmente. Por
isso suas imagens, mais do que outras, continuam enigmáticas e
perturbadoras para nós. Nelas, a fácies ainda não existe inteiramente como
um policiamento da imagem, como uma detenção do sujeito sob custódia;
ainda se dá, diria eu, como espetáculo (outro significado de facies em latim),
nunca verdadeiramente aprisionada em encenações fixas. Ainda se dá como
um ato, um factitivo (o que “faz de” - facit - algo isto ou aquilo), um evento
de retrato.

Paradoxo da evidência
Mas o que é esse paradoxo? Vou chamá-lo de paradoxo da evidência
espetacular.
Primeiramente, ele é o paradoxo de um saber que foge de si mesmo, a
despeito de si; uma fuga infindável do saber, muito embora o objeto do
saber permaneça sob custódia fotograficamente, fixado na objetividade.
Depois, é exatamente o paradoxo da semelhança fotográfica, que, no entanto,
não é a essência da fotografia, mas desejaria sê-lo, e que, no fim das contas,
continuará sendo apenas estase, efeito, drama temporal de seu fracasso
repetido. Mas, talvez por isso, o paradoxo é justamente o do Parecer.
Cada convocação das imagens da Iconografia fotográfica da Salpêtrière nos
confrontará com esse paradoxo. Mas farei alguns esclarecimentos em
matéria de seus princípios.

Exatidão?

Baudelaire já dava conta de um paradoxo ao esbravejar contra a exatidão da


fotografia, tratando-a não como um efeito material, um “puro efeito” do ato
fotográfico, mas como o credo de uma “multidão” da qual Daguerre seria o
“messias”.58 Na fotografia, o que todos chamavam de evidência, Baudelaire já
o chamava de crença. E ia mais longe: qualificava essa crença com atributos
de adultério, imbecilidade, narcisismo, obscenidade, da Dissimulação e da
Fatuidade modernas, até de cegueira - e, sobretudo, vingança: uma vingança
imbecil da indústria contra a arte.59 Grande, inesgotável briga entre a arte e
a ciência.
Mas, arte ou ciência, arte ou sentido,60 a querela só mereceria ser abolida,
ultrapassada. Talvez a fotografia nunca tenha deixado de tender,
efetivamente, para uma superação, Aufhebung, da arte,61 para uma
superação da ciência e, por conseguinte, para uma superação dos modos de
coexistência das duas. Essa superação manifestou- -se, inicialmente, como a
invenção de meios tortuosos, inéditos, da figuratividade dos saberes. Ora, a
fotografia não é um sistema representativo como os outros. Quando ela nega
ser autorrepresentativa, autorreferente, ou mesmo fechada, bem,
continuamos perfeitamente prontos a confiar nela. Por mais que ela conote,
falseie, faça poses, estetize, desligue-se de seus referentes, exagere a sintaxe
do visível e invente novas qualidades, como a “fotogenia” e tudo o mais,
ainda assim ela continua a merecer crédito como verdade. Qual verdade? Não
a verdade do sentido (justamente por sua capacidade de desenvoltura
conotativa), mas a verdade da existência: a fotografia é sempre tida como
autenticando a existência de seu referente, e já é dessa maneira que sempre
nos concede um saber, e sempre tem razão em poder apontar em si algo
como um “isto existiu”.62 Certo. Será essa a sua “exatidão”?
Figuras 27-30. Désiré-Magloire Bourneville, “Biografia diagnostica” de crianças, fotografias feitas no
Hospital Bicêtre.

Facticidade!
Mas o que acontece com esse saber “exato”? Será que a fotografia tem razão
em algum lugar (mas onde?) aquém até daquilo em que pode fazer crer por
meio de seus truques, pontos de vista, suas fabricações de beleza? Ao
contrário, em que exatamente ela leva a acreditar, ou o que leva a imaginar,
daquilo cuja existência atesta, no entanto?
Há outra maneira de enunciar esse paradoxo da evidência: a fotografia é
uma prática de facticidade. Facticidade: a dupla qualidade daquilo que existe
de fato (irrefutável, ainda que contingente) e daquilo que é factício. Um
paradoxo da irrefutabilidade mentirosa, se me permitem dizer.
E que acontece, então, com o retrato fotográfico? É aí que está todo o meu
problema. Retomemos de Ernest Lacan este excerto da história:

O retrato é a mais antiga aplicação da fotografia. Desde que


foram divulgados os processos de Daguerre, vimos
elevarem-se por toda parte, nos andares superiores das
casas, frágeis construções envidraçadas, muito parecidas
com estufas, nas quais o público vinha posar com louvável
paciência, sob os raios ardentes do sol; posava-se então por
até cinco minutos e, no começo, ainda era preciso deixar
que o rosto fosse coberto por uma camada de branco de
Espanha, para que a imagem obtida fosse satisfatória.63

Que o retrato fotográfico, portanto, tenha precisado de estúdios,


maquiagem (como que para ajudar a luz a se tornar completa!), e também
de apoios de cabeça, fixadores de joelhos, cortinas e objetos decorativos, já é
uma boa indicação do teor do paradoxo: autenticava-se uma existência, mas
por recursos cênicos. Revejamos a história: a fotografia nunca deixou de
atestar presenças e, ao mesmo tempo, nunca deixou de ritualizar essa
atestação. Dizemos a nós mesmos: como é que ela não desafiaria qualquer
ideia de gênero (o do retrato, no caso), ela que se cola tão humildemente à
configuração e à “existência” próprias de seu referente? Então como não
suspeitar de alguma distorção em seu protocolo, ao nos apercebermos de
que ela acede ao gênero e chega até a se imobilizar no gênero? Como que por
um movimento muito íntimo, talvez uma negação de sua milagrosa
potencialidade técnica (a de grafar hic et nunc o hic et nunc do visível), a
fotografia não parou de se desejar como um formalismo. Através daquilo
que permitia inauguralmente - a simples exibição dos corpos como imagem
- ela quis dar mostras de Formalidade, de Ideal, até de Moral: ao mesmo
tempo que os mostrava, ela solenizava os corpos, destinava-os a um rito
social e familiar - e, portanto, refutava-os, por uma espécie de teatralidade.
Uma espécie de despedaçamento dos corpos, despedaçamento encenado,
encenação que visa ao saber, saber que visa a um o que dos corpos (mais do
que um “quem?”)... Com isso, a fotografia entrou no campo da certeza
antropológica,64 embora talvez tenha sido um meio de abalá-la.
E foi assim - com o despedaçamento e sua encenação - que a fotografia
incorporou também o Texto, a Legenda: uma didascália de suas montagens
cênicas. Não apenas uma escrita de canto de imagem, porém uma legenda,
um ter de ler, uma explicação: sua dramaturgia, enfim. Sua dramaturgia?
Quero dizer seu prospecto. Sua perspectiva própria e seu projeto, ao qual
ela tenta submeter cenicamente um aspecto. Negando essa própria tentação.
Sua dramaturgia é fazer objetos representativos a partir, sim, a partir das
diferenças singulares do “modelo” fotografado. Esse fazer pressupõe e impõe
uma identidade concebida, uma analogia julgada ou prejulgada, oposições
ou semelhanças já imaginadas. E é assim que a fotografia inventa para si
cientificidade, objetivo, generalidade - embora não passe, no começo, de um
ato exemplar da contingência.
E a fotografia passa a se imaginar detentora de uma força de símbolo: mas
essa, de fato, é apenas uma entrada ainda mais solene, mais desenfreada,
talvez, no imaginário. Refiro-me ao imaginário como ato, à facticidade.

Sujeito?
Então isso designaria uma ancoragem da fotografia na ficção? É pior, na
verdade.
E eis o pior: a máquina fotográfica, no fundo, é apenas um aparelho
subjetivo, um aparelho da subjetividade. Haveria nisto, com certeza, razão
para fazer alguém como Albert Londe dar voltas no túmulo. Mas, diga-se de
passagem, será que Albert Londe ignorava que a própria óptica, com suas
leis mais perenes, já funciona de acordo com uma relação, certamente
regulada, entre o espaço real e o que conviria chamar de espaço imaginário,
ou seja, um lugar psíquico?
Eu diria até que a máquina fotográfica é de fabricação inteiramente
filosófica: é um instrumento do cogito.
Chuva de metáforas. Desafios: universalidades. Valéry já comparava a
câmara escura à caverna platônica.65 E não terá a fotografia realizado,
finalmente, a “semelhança indiscreta”, aquela que não deixa subsistir
nenhuma “distância” entre retrato e retratado, e que ocupa na problemática
da certeza, em Descartes, uma posição tão decisiva? Convém notar,
entretanto, que a própria certeza cartesiana entre “ego sum” e “larvatus
prodeo” segue apenas desvios de facticidades, encenações, truques de
exposição, imitações ilusórias da realidade, figurações, máscaras e retratos:
sempre semelhanças impossíveis.66 A máquina fotográfica mais seria,
portanto, o aparelho de um cogito já insatisfeito com sua certeza, caotizado,
dilacerado.
Por fim, é num capítulo intitulado “A regressão” que ela aparece, na
Traumdeutung, para ilustrar uma concepção de lugar psíquico no sonho;67
mas a analogia não foi totalmente satisfatória, sendo simples demais ou
complexa demais como máquina metafórica, e também inadaptada, sem
dúvida, às vertigens próprias a que nos condena a máquina fotográfica, a
nós, sujeitos. Essas vertigens implicam, eminentemente, a dialética freudiana
do sujeito, diríamos, porém talvez menos em termos de tópica, de lugares
psíquicos, do que em termos econômicos ou dinâmicos. Em todo caso, ou
pelo menos, elas são como que vertigens de uma traição do sujeito a si
mesmo, uma autotraição experimental.

Traição!

Tradire - transmitir, entregar, em todos os sentidos - e também trair!


Uma historinha, de passagem: na primavera de 1921, foram instaladas em
Praga duas dessas chamadas cabines de foto instantânea, que haviam
acabado de ser inventadas no exterior e que, numa folha de papel, fixavam
dezesseis expressões diferentes do sujeito, ou talvez até mais. E Janouch disse
a Kafka, em seu tom divertido e filosófico: “Essa máquina é o conhece-te a ti
mesmo automático!” E Kafka: “Você, sem dúvida, quer dizer o engana-te a ti
mesmo” (com um sorriso matreiro, naturalmente). Janouch protestou um
pouco: “Mas como, como assim? Ora, a fotografia não mente!”, e Kafka
retrucou: “Quem, quem lhe disse que ela não mente?” Em seguida, escreveu
Janouch, Kafka inclinou a cabeça para o ombro.68 Todas as cabeças
inclinadas dos retratos fotográficos, cabeças submetidas à imagem.
A fotografia nos entrega, e em todos os sentidos, disse eu: entrega nossa
imagem, entrega-nos à imagem, multiplica, repete a transmissão e, na
exatidão dessa passagem, nossa tradição moderna, na exatidão de suas
facilitações figurativas, ela trafica e trai nossa história. Seu esplêndido mito
“materialista”, a produção pelicular do duplo,69 constitui, na verdade, uma
passagem para o limite da evidência. Exasperada, multiplicada, ampliada, a
evidência transmite um simulacro.
O próprio Albert Londe foi levado a mostrar, do retrato fotográfico, o teor
fantástico essencial: é o caso do personagem triplicado, três vezes presente na
mesma imagem, por assim dizer - retratista, retratado e retrato -, e talvez
tríplice autorretrato, ou, pelo menos, mistura do autorretrato com o retrato
(figura 31)...

Semelhança?
A fotografia, portanto, seria afinal uma técnica “pouco segura”,70 lábil - e
também mal-afamada. Ela põe corpos em cena: labilidade. E, em tal ou qual
momento sutil, desmente-os (inventa-os), submete-os, antes, a uma espécie
de extorsão figurativa. Como figuração, ela continua a enunciar o enigma de
um “jazer do corpo inteligível”,71 enquanto dá a entender alguma coisa e
enquanto esse entendimento é sufocado.
Um retrato fotográfico (“Semelhança garantida”, lia-se nos anúncios de
daguerreótipos), portanto, nunca terá apresentado “como tal” o seu
“modelo”, como dizem; já o terá representado, já complicado,72 já entalhado
sobre outra coisa, talvez um ideal, talvez um enigma, talvez ambos -
identidade de “modelo” essencialmente dissociada, distorcida e, por isso,
terrivelmente perturbadora. Essa perturbação seria a mesma que a da
evidência do Parecer: evidente demais (com um risco de esvaziamento) para
não ser teatralizada, a semelhança “ex-ato” passa ao ato, ao ato de
facticidade, ao ato de mímica (imitação da própria evidência). Ou seja, passa
à invenção de uma temporalidade diferente, alterante, da pose; “adiantando-
se aqui, rememorando ali, no futuro, no passado, sob uma falsa aparência de
presente”73 (por que essa frase do mímico exige tão imperiosamente seu
pensamento, seu repensar?)...
E, quando chegamos a nos formular, diante de uma fotografia, perguntas
paradoxais - Com quem se parece esse rosto fotografado? De quem é,
exatamente, um rosto fotografado? Uma fotografia, no fundo, não se parece
com qualquer um?74 -, ora, nem por isso afastamos a seleção como um
problema mal formulado; antes, apontamos o dedo para o Parecer como
movimento temporal instável, vão, fantasmático. Interrogamos um drama
evidentemente imaginário.
Figura 31. Albert Londe, o “retrato múltiplo”, em La Photographie moderne. Pratique et applications,
1888.

É que parecer, ou o Parecer, dá nome a uma grande inquietação quanto ao


tempo, no visível. É justamente isso que expõe qualquer evidência
fotográfica à angústia e, por meio dela, às encenações, aos compromissos, às
distorções do sentido, aos simulacros. E é assim que se contorna a fotografia
- em seu sacrilégio: ela blasfema contra a própria evidência porque a
evidência é diabólica. Ela destrói a evidência, de um teatro.

Vide!

“Me vide!” - exclamava-se, justamente, nos antigos palcos da comédia. Olhe


para mim! Era uma fórmula consagrada para expressar algo como “Tenha
confiança!”. Mas acaso não sabemos que a confiança sempre foi feita para ser
traída, sobretudo nos palcos teatrais?
O mesmo se dá com a fotografia. A evidência fotográfica: seu tesouro é a
confiança depositada na existência do referente; ela saqueia esse tesouro à
vontade; e, muitas vezes, alguma coisa fica inteiramente devastada. No lugar
dessa devastação, por tênue que seja (espetadela, furo, mancha ou pequeno
corte: punctum), dá-se uma espécie de implosão, o efeito sempre insituável
de uma fulguração no vazio [vide], de uma exorbitação.75 Também eu corro
atrás do tempo dessa maculação da imagem em alguns retratos de loucas. É
qualquer coisa do olhar, ou, melhor, algo de crucificado entre o olhar e a
representação; é alguma coisa do tempo, a imobilização excessiva de um
desejo, ou uma contralembrança, ou uma fuga alucinatória, ou a retenção
alucinatória de um presente fugidio, ou sei lá o quê.
E é assim, com suas coisas do olhar e do tempo, que a fotografia inventa
para si uma proximidade muito real da loucura.

Notas

1
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888, p. 178.
2
Cf. H. Damisch, “Agitphot. Pour le cinquantenaire de la ‘Petite histoire de la Photographie’ de Walter
Benjamin”, in Les cahiers de la photographie, 3, 1981, p. 25.
3
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. III, p. 5-
6.
4
Cf. Cires anatomiques du XIXe siècle. Collection du Docteur Spitzner, exposição, Paris, Centre
Culturel de la Communauté française de Belgique, 1980, p. 28, 33.
5
Cf. E. J. Marey, La Méthode graphique dans les sciences expérimentales et principalement en
physiologie et en médecine, Paris, Masson, 1885, p. 1.
6
E. J. Marey, Le Développement de la méthode graphique par la photographie, Paris, Masson, 1885, p. 2.
7
H. W. Diamond, “On the application of photography to the physiognomic and mental phenomena of
insanity” [1856], in The face of Madness. H. W Diamond and the origin of psychiatric photography,
Nova York, Brunnel & Mazel, 1976, p. 19. [O título de Talbot é O Lápis da natureza e o trecho citado
diz: “Em muitos casos, o fotógrafo não necessita da ajuda de nenhuma linguagem própria, antes
preferindo escutar, com a imagem à sua frente, a silenciosa mas reveladora linguagem da natureza.”
(N.T.)]
8
Cf. R. Barthes, “Le message photographique”, Communications, n.° 1, 1962, p. 128.
9
A. Londe, La Photographie moderne. Traité pratique de la photographie et de ses applications à
l’industrie et à la science, Paris, Masson, 1896, p. 546, 650.
10
É. Zola, citado em S. Sontag, La Photographie, Paris, Seuil, 1979, p. 102 [Sobre fotografia, ver
Bibliografia].
11
Cf. W. Benjamin, “L’Oeuvre d’art à l’ère de sa reproductibilité technique”, in L’Homme, le langage, la
culture, Paris, Denoel, 1974, p. 153 [“A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, ver
Bibliografia].
12
G. Canguilhem, Le Normal et le pathologique, op. cit., p. 12 [O normal e o patológico, ver
Bibliografia].
13
A. Londe, La Photographie dans les arts, les sciences et l’industrie, Paris, Gauthier- -Villars, 1888, p.
8.
14
A. Souques, Charcot intime, op. cit., p. 32-34.
15
A. Hardy e A. de Montméja, Clinique photographique de lHôpital Saint-Louis, Paris, Chamerot &
Lauwereyns, 1868, lâmina não numerada.
16
G. Bataille, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1970-1979, v. I, p. 229-230.
17
D.-M. Bourneville, “Notes et observations sur quelques maladies puerpérales. V. Deux cas de
déchirure du périnée”, Revue photographique des Hôpitaux de Paris: 1871, p. 137.
18
C. Le Brun, “Conférence sur l’expression générale et particulière”, Nouvelle Revue de Psychanalyse,
21, 1980, p. 95. Grifo meu.
19
Cf. H. Damisch, “L’Alphabet des masques”, Nouvelle Revue de Psych analyse, 21, 1980, p. 123-131.
20
Cf. G. Lavater, L’Art de connaítre les hommes par la physionomie, Paris, Depélafol, 1820, v. VII, p. 1-
71, v. VIII, p. 209-282.
21
E. Esquirol, citado em J. Adhemar, “Un dessinateur passionné pour le visage humain: Georges-
François-Marie Gabriel (1775-c. 1836)”, in Omagiu lui George Oprescu, Bucareste, Academia
Republicii, 1961, p. 1-2.
22
Cf. F. Cagnetta e J. Sonolet, Nascita della fotografia psichiatrica, exposição no Ca’ Corner della
Regina, Veneza, 1981, p. 44-45, 65-66.
23
Cf. as lâminas de B. A. Morel, Traité des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales de
Pespèce humaine, et des causes qui produisent ces variétés maladives, Paris, Baillière, 1857; H. Dagonet,
Nouveau traité élémentaire et pratique des maladies mentales, Baillière, Paris, 1876; A. Voisin, Leçons
cliniques sur les maladies mentales professées à la Salpêtrière, Paris, Baillière, 1876; A. Voisin, Leçons
cliniques sur les maladies mentales et sur les maladies nerveuses, Paris, Baillière, 1883; J. Grasset, Traité
pratique des maladies du système nerveux, Montpellier, Coulet e Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1886; J.-
G.-F. Baillarger, Recherches sur les maladies mentales, Paris, Masson, 1890; V. Magnan, Recherches sur
les centres nerveux. Alcoolisme, folie des héréditaires dégénérés, paralysie générale, médecine légale, Paris,
Masson, 1876-1893; D.-M. Bourneville, Album de photographie d’idiots de Bicêtre, Biblioteca Charcot,
Paris, s.d. etc.
24
Cf. A. Tebaldi, Fisionomia ed espressione studiate nelle loro deviasioni con una appendice sulla
espressione dei delirio nell’arte, Verona, Drucker e Tedeschi, 1884, lâminas.
25
Iconographie photographique de la Salpêtrière, coletânea não publicada, Biblioteca Charcot,
Salpêtrière, 1875, passim.
26
Cf. especialmente A. Londe, La Photographie moderne. Pratique et applications, Paris, Masson,
1888; A. Londe, La Photographie moderne. Traité pratique... , op. cit., passim.
27
Cf. A. Londe, Le Service Photographique de la Salpêtrière, Paris, O. Doin, s.d., passim.
28
Cf. A. Londe, La Photographie moderne. Pratique et applications, op. cit., p. 212; A. Londe, La
Photographie médicale: application aux sciences médicales et physiologiques, Paris, Gauthier-Villars,
1893, p. 12-16.
29
Cf. A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p. 131-135; A. Londe, La Photographie à l’éclair
magnésique, Paris, Gauthier-Villars, 1905, passim; A. Londe, La Photographie à la lumière artificielle,
Paris, O. Doin, 1914, passim.
30
Cf. A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p. 105-115.
31
Cf. A. Londe, Traité pratique du développement. Étude raisonnée des divers révélateurs et de leur
mode d’emploi, Paris, Gauthier-Villars, 1889, passim; A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p.
53, 63.
32
A. Londe, La Photographie dans les arts, les sciences et l’industrie, op. cit., p. 9.
33
É.-J. Marey, Le Développement de la méthode graphique par la photographie, Paris, Masson, 1885, p.
3.
34
Cf. A. Londe, La Photographic dans les arts, les sciences et l’industrie, op. cit., p. 6-7, 26-40; A. Londe,
La Photographie médicale..., op. cit., p. 176-212; A. Londe, La Photographie moderne. Traité pratique... ,
op. cit., p. 456-512.
35
Cf. A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p. 6; A. Londe, Aide-mémoire pratique de la
photographie, Paris, Baillière, 1893, passim.
36
A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p. 64.
37
Ibid., p. 77.
38
A. Londe, “L’Évolution de la photographie”, in Association Française pour l’avancement des
sciences, Paris, 1889, p. 15.
39
Cf. G. W. F Hegel, La Phénoménologie de l’esprit, op. cit., v. II, p. 244 [Fenomenologia do espírito, ver
Bibliografia].
40
Cf. A. Comte, “Considerations generales sur l’etude positive des fonctions intellectuelles et morales,
ou cerebrales (45e leçon du Cours de Philosophie positive, 1837)”, in Philosophie première, Paris,
Hermann, 1975, p. 846-882.
41
Cf. D.-M. Bourneville, Album de photographie d’idiots de Bicêtre, op. cit., passim; D.- M.
Bourneville, “Memoire sur la condition de la bouche chez les idiots, suivi d’une etude sur la medecine
legale des alienes, à propos du Traite de Medecine legale de M. Casper”, in Journal des connaissances
médicales et pharmaceutiques, 1862-1863, p. 7-13.
42
Cf. G. B. Duchenne de Boulogne, Mécanisme de la physionomie humaine ou analyse électro-
physiologique de l’expression des passions, Paris, Renouard, 1862, passim.
43
Cf. C. Darwin, L’Expression des émotions chez l’homme et chez les animaux, Paris, Reinwald, 1877,
passim \A expressão das emoções no homem e nos animais, ver Bibliografia].
44
Cf. F. Galton, Inquiries into Human Faculty and its Development, Londres, Macmillan, 1883, passim.
45
A. Londe, La Photographie moderne. Traité pratique..., op. cit., p. 654; A. Londe, La photographie
médicale..., op. cit., p. 77 (citando Galton).
46
A. Londe, La Photographie dans les arts, les sciences et l’industrie, op. cit., p. 24; A. Londe, La
Photographie médicale..., op. cit., p. 5.
47
Cf. A. Londe, La Photographie moderne. Pratique et applications, op. cit., p. 165-171; A. Londe, La
Photographie moderne. Traité pratique..., op. cit., p. 636-648; A. Gilardi, Storia sociale della fotografia,
Milão, Feltrinelli, 1976, p. 231ss; F. Cagnetta & J. Sonolet, Nascita della fotografia psichiatrica, op. cit.,
p. 45-48.
48
E. Lacan, Esquisses photographiques, à propos de l’Exposition universelle et de la guerre d’Orient,
Paris, Grassart, 1856, p. 39-40.
49
Cf. F. Cagnetta e J. Sonolet, Nascita della fotografia psichiatriea, op. cit., p. 47.
50
Cf. A. Bertillon, La Photographie judiciaire, Paris, Gauthier-Villars, 1890, p. 81-111.
51
Ibid., p. 81.
52
Ibid., p. 3.
53
Ibid., p. 6-25, 60-74.
54
A. Bertillon, Identification anthropométrique - Instructions signalétiques, Paris, Gauthier-Villars,
1890-1893, p. 129.
55
Ibid., p. 133.
56
Cf. A. Bertillon, La Photographie judiciaire, op. cit., p. 26-45, 104-106.
57
A. Londe, La Photographie moderne. Traité pratique..., op. cit., p. 655.
58
C. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. II, p. 617.
59
Ibid., p. 617-618.
60
Cf. R. Barthes, “Le message photographique”, op. cit., p. 133.
61
Cf. W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, in L’Homme, le langage. la culture, Paris,
Denoel, 1974, p. 74; H. Damisch, “Agitphot. Pour le cinquantenaire de la ‘Petite histoire de la
Photographie’ de Walter Benjamin”, in Les cahiers de la photographie 3, 1981, p. 24.
62
Cf. R. Barthes, La Chambre claire. Note sur la photographie, Paris, Cahiers du Cinéma- -Gallimard,
1980, p. 54, 119-122, 134-135 [A câmara dara, ver Bibliografia].
63
E. Lacan, Esquisses photographiques, op. cit., p. 125.
64
Cf. M. Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, op. cit., p. 145.
65
Cf. P. Valéry, “Centenaire de la Photographie (1939)”, in Vues, Paris, La Table ronde, 1948, passim.
66
Cf. J.-L. Nancy, Ego sum, Paris, Flammarion, 1979, p. 61-94.
67
Cf. S. Freud, L’Interprétation des rêves, Paris, PUF, 1967, p. 455 [A interpretação dos sonhos, ver
Bibliografia].
68
Cf. G. Janouch, Conversations avec Kafka, Paris, Les Lettres nouvelles, 1978, p. 191 [Conversas com
Kafka, ver Bibliografia].
69
Cf. P. Lacoue-Labarthe, Portrait de Partiste, en général, Paris, Bourgois, 1979, p. 61.
70
Cf. R. Barthes, La Chambre claire, op. cit., p. 36 [A câmara clara, op. cit., ver Bibliografia].
71
J. L. Schefer, Le Déluge, la Peste, Paolo Uccello, Paris, Galilée, 1976, p. 12.
72
Cf. C. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. II, p. 456, “De l’idéal et du modèle”.
73
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1945, p. 310, “Mimique”.
74
Cf. R. Barthes, Barthes par lui-même, Paris, Seuil, 1975, p. 40; P. Lacoue-Labarthe, op. cit., p. 24; R.
Barthes, La Chambre claire, op. cit., p. 160 [A câmara clara, op. cit., ver Bibliografia].
75
Cf. W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, op. cit., p. 62; R. Barthes, La Chambre claire,
op. cit., p. 47-50, 73-95, 141-143 [A câmara clara, op. cit.].

* Antigo nome popular da sífilis. [N.T.]


** “A silenciosa mas reveladora linguagem da natureza”. [N.T.]
*** Dubiedade relativa à acepção figurada do verbo engouer e seus derivados (embeiçar-se, gamar por
alguém ou algo, ficar vidrado, fissurado etc.) e sua acepção médica de engasgar, sofrer uma
obstrução da garganta e a consequente sufocação ou asfixia. [N.T.]
Mil formas, sob nenhuma

“Eis a louca”

Eis a louca que passa dançando enquanto se lembra vagamente de alguma


coisa. As crianças a perseguem a pedradas, como se fosse um melro. Os
homens a perseguem com o olhar. Ela agita um bastão e finge persegui-los,
depois retoma seu rumo. Largou um pé de sapato no caminho e não
percebeu. Patas compridas de aranha circulam por sua nuca; nada mais são
que seus cabelos. Seu rosto já não se parece com o humano, cremos ver por
um instante, e ela solta gargalhadas como a hiena. Deixa escapar retalhos de
frases nas quais, se recosturadas, pouquíssima coisa teria um significação
clara; mas quem haveria de recosturá-las? Seu vestido, rasgado em mais de
um lugar, faz movimentos bruscos em volta das pernas ossudas e
enlameadas. Ela segue adiante em seu caminho, como a folha de choupo,
carregada, ela, sua juventude, suas ilusões e sua felicidade passada, que ela
revê através do turbilhão das faculdades inconscientes. Seu andar é ignóbil e
seu hálito recende a aguardente. Por que, apesar disso, nos apanhamos
achando-a bonita?
A louca não faz censura alguma, é orgulhosa demais para se queixar, e
morrerá sem revelar seu segredo aos que se interessam por ela, mas os quais
proibiu de lhe dirigirem a palavra, se bem que os chame, entretanto, com
suas poses extravagantes. As crianças a perseguem a pedradas, como se fosse
um melro.1 Os homens a perseguem com o olhar.

O bicho-papão [La bête noire]


O que os homens perseguiram na histeria foi, antes de qualquer outra coisa,
uma espécie de bête noire; foi assim, em francês no texto, que Freud o
escreveu exatamente.2
Vinte e nove anos antes, o que é pouco, Briquet havia começado seu
grande tratado “clínico e terapêutico” da histeria, insistindo na verdadeira
repulsa que “esse tipo de doentes” lhe inspirava. Ele escreveu:

Por desencargo de consciência, tive de voltar toda a minha


atenção para esse tipo de doentes, para o qual não me atraía
o meu gosto pelo estudo das ciências positivas. Tratar de
doenças que todos os autores concordavam em ver como o
tipo característico da instabilidade, da irregularidade, da
fantasia, da imprevisibilidade, como não sendo governadas
por nenhuma lei, nenhuma regra, e não sendo ligadas entre
si por qualquer teoria séria, era a tarefa que mais me
repugnava. Resignei-me e pus mãos à obra.3

Enquanto representou para todos um grande medo, a histeria foi, durante


muito tempo, um tempo longuíssimo, o bicho-papão dos médicos: é que
aporia gera sintoma.
Ora, dito sem rodeios, tratava-se do sintoma de ser mulher, e todos sabem
disto até hoje: hustéra, aquilo que está totalmente atrás, no fundo, no limite -
a matriz. A palavra “histeria” apareceu pela primeira vez no trigésimo
quinto aforismo de Hipocrates, que diz: “Na mulher atacada de histeria, ou
que atravessa um parto trabalhoso, o acesso de espirros que sobrevém é
favorável.”4 Isto significa que espirrar recoloca o útero em sua posição, em
seu lugar certo; o que significa que o útero é dotado de deslocamento. O que
significa que essa espécie de “membro” da mulher é um animal.
E seus menores sacolejos (sacudir [branler] é mover-se e se agitar)* não
são menos assustadores que os apetites lúbricos, as sufocações, as síncopes e
as “verdadeiras aparências de morte”:
Quando digo mulher, falo de um sexo tão frágil, tão variável, tão mutável,
tão inconstante e imperfeito, que a Natureza me parece (falando com toda a
honra e reverência) ter-se perdido do bom senso com que havia criado e
formado todas as coisas, ao construir a mulher. E, havendo pensado nisto
centenas e centenas de vezes, não sei o que concluir, a não ser que, ao forjar
a mulher, ela levou em consideração o deleite social do homem e a
perpetuidade da espécie humana, mais do que a perfeição da muliebridade
individual. Platão decerto não sabe em que categoria deve colocá-las, se a
dos animais racionais, se a das feras brutas. É que a Natureza lhes pôs no
interior do corpo, em local secreto e intestino, um animal, um membro que
não existe nos homens, no qual às vezes são gerados certos humores sujos,
nitrosos, boracinosos, acres, mordentes, lancinantes, que fazem comichar
terrivelmente, por cuja picada e tremelicação dolorosas (pois que esse
membro é muito nervoso e de vivo sentimento) todo o corpo é sacudido,
todos os sentidos são arrebatados, todas as afecções, ratificadas, todos os
pensamentos, confundidos. De modo que, se a Natureza não lhes houvesse
regado a fronte com um pouco de vergonha, vós as veríeis como que
desenfreadas a fazer a vida nas ruas, de modo mais espantoso do que jamais
fizeram as pretides, as mimalônides ou as tíades de Baco no dia de suas
bacanais. Pois esse animal terrível coliga-se a todas as partes principais do
corpo, como fica evidente na anatomia. Eu o chamo de animal seguindo a
doutrina tanto dos acadêmicos quanto dos peripatéticos. Pois, se o
movimento próprio é índice certeiro de coisa animada, como escreve
Aristóteles, e tudo que se move por si é chamado animal, com acerto Platão
o denominou de animal, reconhecendo nele movimentos próprios de
sufocações, precipitação, crispação, indignação, ou tão violentos que, muita
vez, por eles é tolhido na mulher qualquer outro sentido e movimento,
como se houvesse uma lipotimia, síncope, epilepsia, apoplexia e verdadeira
aparência de morte.5

A parte vergonhosa
Dez mil vezes a histeria foi denominada, desdenominada e redenominada
(Janet, que já não acreditava numa histeria uterina, ainda assim achava
“doloroso renunciar” a essa palavra tão aristotélica).6 Eis um breve excerto
do catálogo:
Entre os franceses: histeria, histericia, histerismo, histeralgia, espasmo
histérico, paixão histérica, espasmos, doenças dos nervos, ataques de nervos,
calores, madre-assanhada, asma das mulheres, melancolia das virgens e das
viúvas, sufocação uterina, sufocação da matriz - Jorden dizia “sufocação da
madre” -, epilepsia uterina, estrangulamento uterino, exalações uterinas,
neurose uterina, metroneuria, neurose métrica, metralgia, ovarialgia,
uterocefalia, encefalia espasmódica etc.7
Mas o que Histeria quer dizer, o que se queria dizer com essa palavra, essa
palavra tão batida, ora, isso foi silenciado com frequência, inclusive num
século em que, decididamente, tudo era decretado enunciável; testemunha
disto seria, por exemplo, a ilustre figura de Rougon, contemporâneo de
Charcot:

Rougon, por sua vez, bradava contra os livros. Acabara de


ser lançado um romance, em especial, que o deixou
indignado: uma obra da mais depravada imaginação, que
pretextava uma preocupação com a verdade exata e
arrastava o leitor para os excessos devassos de uma
histérica. A palavra “histeria” parece ter-lhe agradado,
porque ele a repetiu três vezes. Como Clorinde lhe
perguntasse o sentido do termo, ele se recusou a indicá-lo,
tomado de grande pudor.

- Tudo pode ser dito - continuou -, só que há uma


maneira de tudo dizer.8

O bicho-papão era segredo, ao mesmo tempo que era excesso devasso; o


bicho-papão era uma desdita do desejo feminino, sua parte mais
vergonhosa. Paracelso chamava a histeria de chorea lasciva - dança,
coreografia da lascívia. Histeria: quase nunca isso deixou de dar ao feminino
o nome de culpa.

A intratável

Cuidar de uma histérica? - Mandar o animal-útero para o lugar conveniente,


ou seja, o mais baixo possível. Ambroise Paré - e este é apenas um exemplo -
ensina-nos que “a madre, por um instinto natural e uma faculdade peculiar,
foge das coisas fétidas e se compraz com as odoríferas”;9 dedução
terapêutica: fazer a mulher aspirar pelo nariz os piores odores - betume,
óleos de enxofre e de petróleo, penas de galinhola, pelos de homem e de
bode, unhas, chifres de animais, pólvora, panos velhos e todos queimados! -,
porque isso “faz descer” (repulsa, para baixo); e, inversamente, “manter o
colo do útero aberto com o auxílio de uma mola” e, com a ajuda de um
instrumento fabricado expressamente para esse fim, praticar suaves
fumigações na vagina (atração, para baixo); secundariamente, gritar bem
alto nos ouvidos da paciente durante essa operação (para que ela não dê o
golpe do desmaio), e “puxar o cabelo das têmporas e da nuca, ou, antes, o
das partes pudendas, a fim de que não apenas ela desperte, porém, mais
ainda, para que, pela dor provocada embaixo, a emanação que sobe e causa a
sufocação seja retirada e novamente puxada para baixo, por revulsão”.10
Mecânica sutil. E este é apenas um exemplo.
No século XIX, também Briquet, como todo o mundo, buscou muitas
soluções. Excitantes, antiflogísticos, estupefacientes, revulsivos, e por aí
vai.11 Achou até que devia experimentar o arsênico como medicação ideal
para a histeria.12 Mas o tratado de Dubois, por sua vez, abriu seu capítulo de
“terapêutica” com a seguinte constatação, disfarçada de provérbio: “In
therapeiâ maximè claudicamus”...13 Seria a histeria efetivamente incurável?
A teoria era muito simples, porém: será que não se extirparia a histeria ao
extirpar, ao limpar bem, a causa? E Briquet também não citou seu provérbio,
este verdadeiro - “Sublata causa, tollitur effectus”?14 E não seria a cura o
meio ideal para praticar a ablação das causas mórbidas? Não era ela o
verdadeiro substituto da panaceia, ela, cujo objetivo era suprimir não apenas
toda a doença, mas qualquer doença?
Cabe realmente perguntar por que, então, as medicinas da histeria
tornaram-se, na realidade, por força dos fracassos farmacêuticos e
cirúrgicos, terapêuticas do pôr em observação...

Malum sine materia

O problema é que nunca se pôde descobrir, de verdade, onde se aninhava a


causa da histeria. Nunca se chegou sequer a descobrir, realmente, onde se
aninhava ela, a histeria.
Convulsões, é claro. Ânimos superaquecidos, ímpetos recíprocos e a
“mulher nervosa” explodia, agitava-se em todos os sentidos: espasmos,
movimentos pudicamente chamados de “irregulares”. Calores, com certeza;
neles a histeria se especificava por seu “temperamento bilioso melancólico”,
acompanhado por alguma coisa que não corria bem no útero - mas o quê?
Classificar, distribuir a histeria em categorias histéricas? A “venenosa”, a
“clorótica”, a “menorrágica”, a “febril”, a “visceral”, a “libidinosa”?15 E daí?
Todo o esforço da anatomia patológica parece haver consistido, no século
XIX, não apenas em configurar a doença, a distribuição dos sintomas, como
também e principalmente em subsumir essa configuração - localizar a
essência da moléstia -, com o que o próprio sinal da doença passava a ser, a
partir daí, menos sintoma que lesão.
Portanto, a doença devia definir-se por seu foco. Mas, “infelizmente”,
desse ponto de vista, a histeria ainda fazia parte do campo das neuroses, ou
seja, dessas doenças sine materia, ou cuja “matéria”, pelo menos, ainda estava
por ser identificada. As autópsias das histéricas que haviam sucumbido, quer
diretamente a ataques de espasmos ou à anorexia, quer a afecções
intercorrentes, não revelavam, à parte as lesões próprias das doenças
acrescidas, nada de palpável, de orgânico, em uma palavra.16 O próprio
Charcot admitiu que a histeria e as doenças vizinhas, como a epilepsia e a
coreia, “oferecem-se a nós como um punhado de esfinges que desafiam a
mais penetrante anatomia”.17 Não apenas a histeria parecia poder escapar
das legiferações do método anatomoclínico e da citada “doutrina das
localizações”, como também, explicou Charcot, só fazia intervir nelas
“perigosamente”, isto é, como causa de erros.18
Causa de erros, sim. É que a histeria, essencialmente, era uma grande
bofetada de paradoxos assentada na inteligibilidade médica. Não era uma
doença de “sedes”, mas de percurso, de localizações múltiplas. Não uma
doença de “causa”, mas de quase causas, de estatutos temporais antitéticos,
de quase causas disseminadas, e cuja eficácia mais seria a do próprio
paradoxo, isto é, a gênese em ato, sempre em ato, da contradição.
Mas a inteligibilidade médica não desistiria nem da “causa” nem do “foco”.
Portanto, não temeria enfrentar os paradoxos. O movimento histórico dessa
busca e dessa negação forçadas é algo que apenas esboçarei.

Paradoxos da causa

Se você tiver a bondade de admitir por um instante que o útero não é um


animal, ou seja, algo que se move por si, será preciso incriminar alguma
coisa noutro lugar. - Mas onde? A histeria não seria loucura? Mas então era
problema da sensação ou problema da alma? Do humor? Doença da
paixão? Ah, talvez: a paixão (uma das seis coisas “não naturais”, segundo a
tradição galenista) oferecia como que uma providencial “superfície de
contato” entre alma e corpo;19 talvez, mas isso não bastava inteiramente;
também era preciso intrometer o conceito de irritação: “A faculdade que os
tecidos possuem de se mover pelo contato com um corpo estranho”;20
assim, “as mulheres histéricas sentem-se inicialmente atormentadas por uma
sensação de calor e aspereza nos órgãos sexuais; muitas vezes, apresentam
flores brancas (corrimentos, fluxos brancos), têm regras irregulares, o colo
uterino arde e, se levantarmos o útero com o dedo, será comum fazermos
renascer a sensação de sufocamento e de ascensão de uma bola para a
garganta”...21 Aspereza dos órgãos!
Depois, houve quem se enrolasse com distinções sutis ou sutilíssimas das
causas longínquas ou próximas, específicas ou concomitantes,
persemelhantes ou intercorrentes, predisponentes ou determinantes, físicas
ou psíquicas ou morais, ou imaginárias, ou isto, ou aquilo.
Depois, Briquet admitiu o caráter confuso desse saco de guardados da
causalidade;22 em seguida, não encontrou muito mais para dizer, embora
alegasse que, se a “disposição” histérica não era propriamente “genital”, nem
por isso deixava de ser efeito de um “modo especial de sensibilidade” - a
sensibilidade feminina, muito simplesmente.23 Feminilidade: saco de
guardados causal, circulus vitiosus.
E depois veio Charcot. As causas foram reorganizadas em “agentes
provocadores” e “fatores predisponentes”, certamente atribuindo-se a
primazia à hereditariedade - mas, assim mesmo, continuaram a ser um
grande saco de guardados etiológico: eram as “impressões morais”, os
“medos”, “o maravilhoso”, as “práticas religiosas exageradas”, as “epidemias”, a
“imitação”, as “práticas intempestivas de hipnotização”, os “traumas” ou
“choques nervosos”, os “tremores de terra” e o “raio”, a “febre tifoide”, a
“pneumonia”, a “escarlatina”, a “gripe”, o “reumatismo articular”, o “diabetes”,
o “impaludismo”, a “sífilis”, com certeza, a sífilis, a “clorose”, a “fadiga”, as
“hemorragias”, o “onanismo”, os “excessos venéreos”, mas também a
“continência”, as “intoxicações”, o “tabaco”, a “cânfora”, algumas “profissões”,
algumas “raças”, os “israelitas”...24
Caótico e fantástico saco de guardados das causas, de novo, de novo.
Disseminação da causalidade. Circulus vitiosus: mas não será ele o mesmo,
específico e como que estratégico, que a temporalidade histérica?

Paradoxos do foco
Se ao menos se encontrasse alguma coisa em algum lugar! Mas não. É que as
histéricas eram tudo ao mesmo tempo - paradoxo clínico! -, afetadas pelos
mais graves sintomas, e, ainda assim, incólumes! Incólumes em termos de
lesões concomitantes. Histeralgia ou ovarialgia: procurava-se no útero, nos
ovários, nada; desfalecimentos ou delírios: procurava-se no crânio, nada.
Os paradoxos do foco da histeria: o que se conta neles é toda a história da
histeria. É a história de um grande debate, tão inútil quanto encarniçado:
exploradores do útero contra inquisidores do encéfalo, diria eu, para resumir
(os mais refinados foram os teóricos das trocas entre a cabeça e o sexo da
mulher: nelas o cérebro desempenhava o papel de um intermediário, um
“distribuidor” visceral). As “teorias uterinas”, velhas como a eternidade,
eram duras de matar, digo, foram muito duradouras. Landouzy, em 1846,
ainda definiu a histeria como uma “neurose do aparelho reprodutor da
mulher”; “permaneceremos convencidos”, postulou, “de que o aparelho
genital é, com frequência, a causa e sempre o foco da histeria”.25
(“Neurose do aparelho reprodutor da mulher”? Ou seria neurose de um
imenso aparelho discursivo, que gerou “a mulher” como imagem
especificada e compatível da histeria?)
Não, retrucou Briquet, alguns anos depois: “para mim, a histeria é uma
neurose do encéfalo, cujos fenômenos aparentes consistem, principalmente,
na perturbação dos atos vitais que servem para a manifestação das sensações
afetivas e das paixões”.26 Arauto da tradição número dois (que remonta a
Sydenham, Baglivi e muitos outros), Briquet sustentou que a histeria era
uma doença da impressão, da impressionabilidade: “Existe no eixo
encefalorraquidiano uma divisão do sistema nervoso consagrada a receber
as impressões afetivas, isto é, a ação das causas que, vindas de fora ou da
intimidade dos órgãos, produzem o prazer ou a dor, tanto físicos quanto
psíquicos. [...] Podemos considerar a histeria como produto do sofrimento
da porção do encéfalo destinada a receber as impressões afetivas e as
sensações.”27
Aliás, não tinha Voisin “verificado”, não havia ele “aberto”, como dizia,
algumas histéricas, sem discernir nada nas cavidades pélvicas, e acreditado
ver um foco da loucura histérica numa substância cinzenta?28 (O que não o
impediu de afirmar, em outro texto, a pura espiritualidade da alma e sua
imortalidade...)29
Nota bene, convém repetir: “A mulher, para cumprir sua missão
providencial, tinha que apresentar essa susceptibilidade num grau muito
superior ao do homem”;30 sendo tudo questionado como obra do útero, a
histeria realmente continuou, portanto, a ser apanágio feminino, e Briquet
logrou êxito na violência de fazer dela, ao mesmo tempo, uma doença
feminina e uma doença dessexualizada, uma doença sentimental.31
A histeria, contudo, não é apenas um evento sentimental; nela os afetos se
tornam catástrofes corporais, espacialidade enigmática e violenta. Se houve
um recurso ao útero e ao encéfalo, foi porque ambos também eram cadinhos
de fantasias onde a ignorância e o desamparo médicos iam buscar
informações. Quando a causa escapava, era por causa do útero ou então de
alguma obscuridade central da parte posterior da cabeça. Sim, a histeria era
um prodígio e um drama das profundezas, e assim iam-se buscar seus
meandros na cabeça (substância cinzenta de infinitas circunvoluções, por
trás dos traços do rosto) e nos recônditos do sexo, que é o outro do rosto e,
por isso, conivente com ele.
Mas a histeria insistia em desafiar qualquer conceito de foco, qualquer
ideia de monomania (loucura local). Sua extrema visibilidade guardava
consigo um segredo, uma invisibilidade e uma labilidade, uma liberdade de
manifestações absolutamente intratáveis: uma imprevisibilidade irredutível.
A histeria obrigava a pensar em paradoxos - aqui era uma porosidade
integral do corpo, ali uma dinâmica de emanações e simpatias, acolá os
obscuros caminhos dos “nervosismos”. Só que os caminhos próprios do
pensamento médico obscureciam-se na mesma proporção.
Paradoxo da evidência espetacular

Assim, “é impossível dar uma definição nosológica precisa da histeria, não


apresentando essa neurose lesões conhecidas nem sintomas constantes e
patognomônicos”.32 A única definição viável seria uma “definição clínica da
histeria baseada nas características comuns dos acidentes dessa neurose”.33
Evidente retorno para a obscuridade de encaminhamentos cuja evidência
era o sintoma. Volta dos sintomas para a obscuridade das lesões. A histeria
como que obrigou a medicina a se deter em sua evidência. E quando digo
deter-se, não digo parada, mas estase, suspensão, dialética do desejo, tal
como a própria histeria parece fomentar; essa detenção é, para o médico, a
ânsia sempre em suspensão de penetrar mais a fundo.
E essa suspensão nomearia um tempo lógico - alguma coisa da ordem de
um without [um sem, uma falta] que se repete... A ataxia histérica, como se
dizia no século XIX (ataxia: desordem, confusão, abandono de posto ou
deserção das fileiras), é uma conflagração espetacular de todos os paradoxos
em um único gesto, grito, sintoma, risada, olhar. Inversão da evidência:
como a inversão das chamas. É uma fogueira de paradoxos, paradoxos de
todas as qualidades: as histéricas são, com efeito (e sempre com exagero),
quentes e frias, úmidas e secas, inertes e convulsivas, dadas a síncopes e
cheias de vida, abatidas e radiantes, fluidas e pesadas, estagnantes e
vibratórias, fermentadas e ácidas etc. etc. O corpo das histéricas era um
insulto para Cuvier, digo, uma afronta a qualquer submissão de um órgão à
função: “A histérica parece estar sempre fora da regra: ora seus órgãos agem
de maneira exagerada, ora, ao contrário, suas funções tornam-se lentas a
ponto de às vezes parecerem eliminadas.”34 O corpo das histéricas vivia,
enfim, de acordo com uma temporalidade sempre assombrosa, feita de
intermissões, “propagações”, influências, crises agudas, e resistia durante
anos a todas as tentativas de tratamento, até que, um dia, sem que ninguém
soubesse por quê, a histérica se curava sozinha...35
O corpo das histéricas chegava até a oferecer o espetáculo total de todas as
doenças ao mesmo tempo. E, contraditoriamente, pouco lhe importava. E
sempre sem lesão. É esse, portanto, o paradoxo da evidência espetacular: a
histeria oferecia todos os sintomas, uma profusão extraordinária de
sintomas - porém eles não se prendiam a nada (não tinham qualquer base
orgânica).

Suspeitas: o sintoma como mentira

Então será que a histeria decorreria de uma força realmente abissal e secreta,
ainda não violada após séculos de investigações perseverantes? Ou
decorreria de uma farsa? De um puro fenômeno superficial? Como? O
sintoma histérico não passaria de uma mentira [mensonge]? (... palavra que,
até o século XVII, era feminina,** talvez, no dizer dos etimólogos, sob a
influência de sonho [songe]...).
Uma mentira!... Que o louco seja aquele que perdeu o sentido de sua
verdade, que as leis do mundo lhe escapem, inclusive as leis da sua essência,
isso ainda é concebível. Mas que uma mulher faça o próprio corpo mentir!
Como pode a medicina continuar a ser honestamente exercida, se os corpos
se puserem a mentir? Todo mundo mente, mas, em situações comuns, o
corpo de cada um deixa transparecer e “acusa” a verdade, na ponta de um
nariz, na rosácea de uma bochecha. Então como é possível uma traição
transformada em corpo e sintoma, ultrapassando qualquer intencionalidade
concebível do sujeito? Mas como pode uma febre ser mentira?
E aí está de novo o paradoxo da evidência espetacular, até em seu ponto
crucial: uma visibilidade sintomática (sua “apresentação”) pode não passar
de representação, máscara ou fictum, encenação farsesca de um sintoma
orgânico “verdadeiro”. O sintoma pode ocorrer, mas ser falso: pseudo-
hemiplegia, pseudo-hipertrofia etc. A histérica pode ser espontaneamente
atacada por “estigmas”, por uma gangrena cutânea, por exemplo, e nada se
opõe a que morra disso; mas Charcot diria: desconfiem, é uma
pseudogangrena, uma “sósia” da afecção orgânica “que precisamos saber
desmascarar”.36 E a morte: será que também era uma sósia, uma sósia da
morte “de verdade”?

“Mas não impede que isso exista”

Historinha famosa: um dia, um espírito jovem fez a Charcot uma objeção


formalista sobre a concomitância da hemianestesia e da hemianopsia na
histeria; o mestre retrucou: “Teoria é bom, mas não impede que isso exista.”
Esta frase imprimiu-se para sempre nessa mente jovem. Tempos depois,
Freud - pois era dele que se tratava - traduziu as Aulas das terças-feiras, de
Charcot, contou a história e acrescentou esta notinha: “Ah, se ao menos
soubéssemos o que existe!”37
Freud não se cansaria de formular essa pergunta (a existência disto ou
daquilo) - pergunta crucial, em se tratando da histeria: ela formulava,
justamente, o paradoxo da evidência. Freud dizia que o caráter mais
impressionante da histeria era ser ela regida por pensamentos “eficientes,
embora inconscientes”,38 e que essa era a própria eficiência de uma
“reprodução dramática”: facticidade, paradoxo do desejo como
representação, no qual a histérica mostra, até põe em ato, precisamente
aquilo que não pode realizar.
Charcot não formulou o problema nesses termos: exigiu o descritível, com
o risco de obnubilar, ou até de fazer desaparecer, o ser da doença; não
separou o realizado e o mostrado; foi um clínico perfeito. E, afinal, sua
célebre frase não me diz quase nada, a não ser que ele desejava intensamente
que a histeria, a seu ver, existisse.

Extirpar uma forma, ainda assim

Para isso, também era preciso que, diante de uma histérica, ele não
formulasse a pergunta existencial - Quem é o ser, aí? -, nem qualquer outra
do gênero. Era preciso negar qualquer paradoxo e qualquer fictum (isto é,
guardá-los, apesar de tudo, num canto escuro do pensamento, como
maldades: malefícios vigilantes). E, sobretudo, era preciso postular,
“enunciar como fato”, como se diz nas chamadas ciências exatas.
“Não se trata de um romance: a histeria tem suas leis.” E se submete a
elas! E eu lhes afirmo que terá “a regularidade de um mecanismo”.39
O notável é que Charcot quase cumpriu sua palavra: forneceu da histeria
uma forma, um quadro. Começou por dar um passo decisivo: formulou
diagnosticamente a diferenciação entre histeria e epilepsia - o que Landouzy,
aliás, havia empreendido antes dele.40 Disse que os epilépticos tinham
“acessos”, e as histéricas, “ataques”; comparou a gravidade recíproca dos
sintomas; decretou que a epilepsia era mais “verdadeira” (porque mais
“grave”) do que a histeria - e formulou até seu modelo figurativo: a histeria
imita a epilepsia. Era o que Charcot via diariamente em seu serviço na
Salpêtrière.
Depois, como todos os grandes médicos, ele formulou seu conceito
nosológico, a histeroepilepsia, ou hysteria major [grande histeria], em prol do
qual teve de erigir toda uma combinação de “crises mistas” e “crises
separadas”,41 daquilo que pertencia propriamente a tal ou qual afecção num
dado sintoma complexo etc. Queria forjar o conceito de uma histeria que
não mentisse, uma grande histeria.
Essa combinação, exigida por um diagnóstico sempre complicado
(exemplo: “Em resumo, trata-se aqui de uma neurite ciática provocada pelo
uso da máquina de costura, [...] depois generalizada para todo o membro
[...] com complicação de histeria”),42 requeria, por sua vez, uma espécie de
compromisso teórico quanto à dialética das formas nosológicas: Charcot
sustentava, por um lado, a “doutrina da fixidez das espécies mórbidas”43 e,
por outro, reconhecia “complexos nosológicos” tais que “não representam na
realidade formas híbridas, produtos variáveis e instáveis de uma mistura, de
uma fusão íntima, e sim o resultado de uma associação, de uma justaposição
em que cada componente preserva sua autonomia”.44 É que era
absolutamente necessário isolar a histeria, porque, justamente, ela tendia a
contaminar (não apenas imitar) todos os referenciais nosológicos; assim, a
histeria “complicava” a epilepsia, mas não devia, no dizer imperativo de
Charcot, “fundir-se” com ela.45
Isolar a histeria também significava isolá-la na teoria, ou seja, do ponto de
vista da anatomia e da fisiologia patológicas. Assim, apesar do “sine
materia”, Charcot teria fomentado um conceito de lesão histérica: lesão da
casca, não do centro, “lesão dinâmica”, dizia ele, fisiológica e não anatômica,
“fugaz, lábil, sempre susceptível de desaparecer”.46
Puro efeito de traço, então? Nada disso. O indício do caráter forçado dessa
explicação teórica da histeria, diria eu, fica bem marcado na persistência, em
toda essa história, do ideal anatomoclínico. Como se tudo não passasse de
um acordo e uma espera, mesmo assim, de uma “matéria” da histeria: “É
importante sabermos que a histeria tem suas leis, seu determinismo,
exatamente como uma afecção nervosa com lesão material. Sua lesão
anatômica ainda escapa a nossos meios de investigação, mas se traduz de
maneira inegável para o observador atento [...].”47 Ao dizer isso, Charcot
abriu caminho para todo o espaço de inteligibilidade da neurologia e lançou
as bases da moderna psicofisiologia;48 digo que ele explicitou a histeria, no
sentido de haver antecipado um conceito por cálculo e tática de visões
prévias: o oposto diametral de uma “captação virgem”. Uma invenção.

Passagem de uma silhueta

Poderia eu esquecer, em toda essa história, a passagem discreta de um jovem


estudante triste? Era solteiro, estrangeiro, casto e muito pobre. Passou uma
temporada de dezenove semanas em Paris, de 13 de outubro de 1885 a 28 de
fevereiro de 1886, dividindo seu tempo entre o Louvre (a Vênus de Milo, a
Gioconda), o teatro (Sarah Bernhardt) e a Salpêtrière (as loucas histéricas).
Durante muito tempo ele havia sonhado com Paris.
Nessa época, nunca se impedia de pensar que era um asno. Era
constantemente devorado por remorsos absurdos: julgava-se preguiçoso,
resignado, incapaz; resignava-se, por outro lado, a suas enxaquecas
perpétuas. Cometia “lapsos”.49 Um dia, compreendeu que, em Paris, tornara-
se “neurastênico”50 (nessa época, a neurastenia era concebida como uma
verdadeira degenerescência; diziam que era incurável).
Mas o que o havia atraído a Paris era, de qualquer modo, “o grande nome
de Charcot”.51 Em Viena, ele havia conseguido preparar belos cortes
coloridos de cérebros e queria mostrá-los ao “chefe”, como dizia. Também
gostaria muito de lhe emprestar alguns cérebros de crianças para serem
examinados de perto. Mas, na Salpêtrière, as loucas é que ocupavam todo o
centro do palco.
Assim, preferiram oferecer-lhe o corpo de Joséphine Delet..., morta em
decorrência de sua “atrofia cerebral” e sua “epilepsia parcial”, e retratada
pouco antes por Regnard para a Iconografia fotográfica (figura 32).52
Portanto, ele fez a necropsia. Assistiu às aulas das terças-feiras e foi
testemunha de obscenidades, contorções, vagidos histéricos e coisas ainda
piores.
Emitiu esta opinião: “Charcot, que é um dos maiores médicos que há e
cuja razão beira a genialidade, vem demolindo, muito simplesmente, minhas
concepções e meus planos.”53 Imaginou que Charcot lhe daria um beijo na
testa.54 Em vez disso, recebeu de presente uma foto com dedicatória (figura
33). Foi convidado três vezes à casa de Charcot; com “um pouquinho de
cocaína para soltar minha língua”,55 disse, ia frequentar, feliz e infeliz, as
recepções mundanas do bulevar Saint-Germain. Pediu à noiva que bordasse
dois ou três “panos votivos” em homenagem a Charcot.56 Tempos depois,
deu a seu filho o prenome do médico francês, Jean-Martin. Dizia-se, perto
de Charcot, radiante de alegria.
No entanto, a coisa não ia muito bem. Ele não parava de hesitar entre sair
e não sair de Paris. Desconfiava até da própria colcha, que um dia submeteu
a uma análise química, para ter certeza de que ela não continha arsênico,
porque estava amarela.57 Regressou a Viena cocainômano e deprimido.
Depois, ele traduziu Charcot, já o traindo (modificou títulos, acrescentou
notas);58 adiante, começou até a criticar as concepções de Charcot;59 mais
tarde, escreveu sobre ele um belo necrológio...60
E, posteriormente, reabriu o espaço que Charcot dedicara tantos anos a
preencher. Charcot havia forçado a histeria a se avassalar no campo
neuropatológico. Graças à escuta de Freud, ela tornou a fazer estremecerem
as bases epistêmicas da neuropatologia.61 Mas foi preciso Freud passar pelo
grande teatro da histeria, na Salpêtrière, antes de se entregar à escuta e de
inventar a psicanálise. Houve necessidade do espetáculo e de sua dor, e de
primeiro encher os olhos com eles.
Figura 32. Paul Regnard, “Atrofia cerebral: epilepsia parcial” [Josephine Delet, autopsiada por Freud
na Salpêtrière em 1886], fototipia, lâmina III, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique
de la Salpêtrière, Paris, Progrès Medical & Delahaye, 1878.
Figura 33. Retrato fotográfico de Charcot, oferecido com dedicatória a Freud em 1886.

Traços de mulheres
Encher os olhos de quê? Esta é toda a minha pergunta. De corpos de
mulheres, em todos os seus estados.
É claro que “a histeria no homem não é tão rara quanto se supõe”,62 e as
“policlínicas” de Charcot estavam cheias de homens histéricos, basta ver o
célebre caso do chamado Pin... Foi até uma grande “coragem” de Charcot a
sua “descoberta”63 da histeria masculina...
Ocorre que a Iconografia fotográfica da Salpêtrière, entre 1875 e 1880, não
nos dá um único retrato de homem. Os homens só entraram na Salpêtrière,
na condição de doentes, a partir de 21 de junho de 1881, data de
inauguração da chamada “consulta externa”.64 Mas foi preciso esperar até
1888 para poder contemplar os traços fotografados de um homem
histérico.65
Mesmo assim, trata-se de uma tática de diferenciação entre os sexos. O
fato de se elevar a histeria ao nível de um “temperamento” não modifica
nada, muito pelo contrário: como “temperamento feminino transformado
em neurose”, conforme ainda diziam os dicionários em 18 8 9,66 essa histeria
permitia circunscrever ainda melhor as sexualidades nômades dos
“efeminados” de todos os gêneros. Por outro lado, a histerização instituída,
se não institucionalizada, do corpo da mulher persistiu e até voltou a ser
fabricada no século XIX; aí o asilo se redefiniu, por exemplo, como a
inversão medicalizada da casa de tolerância (... porque da histérica à
prostituta havia apenas um passo, e simples: transpor os muros da
Salpêtrière e se descobrir na rua...); em suma, todos os processos de
invenção generalizada de uma sexualidade de época67 ainda compreendiam
a histeria como uma posse de feminilidade.
Assim, é preciso registrar o fato de que essas imagens da Iconografia
fotográfica da Salpêtrière, antes de tudo, extraem traços, extraem traços de
mulheres.
Aliás, a palavra estrela [vedette] só é dita no feminino. Diderot escreveu
que “quando se escreve sobre mulheres é preciso molhar a pena no arco-íris
e lançar sobre a linha a poeira das asas da borboleta...”68 Mas onde foi
molhada a pena de Bourneville? E o passarinho de Regnard?
E, para começar, como veio a se prender o alfinete nas asas da borboleta?

Notas

1
Cf. Lautréamont, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1970, p. 136-137.
2
S. Freud, “Hystérie”, in Standard Edition, I, p. 41 (doravante citada como SE) [“Histeria”, ver
Bibliografia].
3
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p. v.
4
Citado em I. Veith, Histoire de Thystérie, Paris, Seghers, 1973, p. 19.
5
F. Rabelais, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1955, p. 445-446.
6
P. Janet, État mental des hystériques. Les stigmates mentaux, Paris, Rueff, 1893, p. 300.
7
H. Landouzy, Traité complet de Thystérie, Paris, Baillière, 1846, p. 14; cf. F. Dubois, Histoire
philosophique de l’hypocondrie et de Thystérie, Paris, Baillière, 1837, p. 13-14.
8
E. Zola, Son Excellence Eugène Rougon, 1876, p. 114.
9
A. Paré, citado em P. Morel e C. Quetel, Les Fous et leurs médecines de la Renaissance au XIXe siècle,
Paris, Hachette, 1979, p. 42.
10
Ibid., p. 43.
11
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Thystérie, op. cit., p. 605-717.
12
Ibid., p. 706.
13
F. Dubois, Histoire philosophique de l’hypocondrie et de l’hystérie, op. cit., p. 455.
14
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Thystérie, op. cit., p. 632 [“Eliminada a causa,
desaparece o efeito”, diz o provérbio (N.T.)].
15
Cf. Boissier de Sauvages, citado em I. Veith, Histoire de l’hystérie, op. cit., p. 166-168.
16
G. Gilles de la Tourette, Leçons de clinique thérapeutique sur les maladies du système nerveux, Paris,
Plon-Nourrit, 1898, p. 154-155.
17
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. III, p.
15.
18
J.-M. Charcot e A. Pitres, Les Centres moteurs corticaux chez l’homme, Paris, Rueff, 1895, p. 27.
19
Cf. M. Foucault, Histoire de la folie à Tâge classique, op. cit., p. 243-250 [História da loucura..., op.
cit., ver Bibliografia]; J. Starobinski, “Le passé de la passion. Textes médicaux et commentaires”,
Nouvelle revue de psychanalyse, 21, 1980, passim.
20
F. J. V. Broussais, De Tirritation et de la folie, ouvrage dans lequelles rapports du physique et du moral
sont établis sur les bases de la médecine physiologique, Paris, Baillière, 1828, v. I, p. 3.
21
Ibid., v. II, p. 348.
22
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Thystérie, op. cit., p. 164-165.
23
Ibid., p. 51.
24
G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de Thystérie, d’après l’enseignement de la
Salpêtrière, Paris, Plon-Nourrit, 1891-1895, v. I, p. 576; cf. ibid., p. 37-127; G. Guinon, Les Agents
provocateurs de l’hystérie, Paris, Progrès Médical & Delahaye & Lecrosnier, 1889, passim; A. Pitres,
Leçons cliniques sur Vhystérie et Vhypnotisme, Paris, Doin, 1891, v. I, p. 13-46.
25
H. Landouzy, Traité complet de Vhystérie, op. cit., p. 230; cf. ibid., p. 211-213; cf. J.-B. Louyer-
Villermay, Traité des maladies nerveuses en vapeurs et particulièrement de Vhystérie et de l’hypocondrie,
Paris, Méquignon, 1816, passim.
26
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., p. 3.
27
Ibid., p. 600-601.
28
Cf. A. Voisin, Leçons cliniques sur les maladies mentales professées à la Salpêtrière, Paris, Baillière,
1876, p. 348-359.
29
Ibid., p. xiii.
30
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., p. 600.
31
Ibid., p. vii.
32
A. Pitres, Leçons cliniques sur Vhystérie et Vhypnotisme, op. cit., v. I, p. 2.
33
Ibid., p. 11.
34
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1879-1880, p. 3 (doravante citada como IPS, III);
35
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., p. 490-604; P. Richer,
“Observation de contracture hystérique guérie subitement après une durée de deux années”, in NIS,
1889, p. 208 etc.
36
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, Paris, Progrès Médical &
Lecrosnier & Babé, 1888-1889, p. 522.
37
S. Freud, “Préface et notes à la traduction de Charcot: Leçons du mardi, 1887-1888”, in SE, I, p. 139
[“Prefácio e notas de rodapé à tradução de Aulas das terças-feiras, de Charcot”, ver Bibliografia]; cf. S.
Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1979, p. 86 [Fragmento
da análise de um caso de histeria, ver Bibliografia]; S. Freud, Ma vie et la psychanalyse, Paris,
Gallimard, 1968, p. 17-19 [Um estudo autobiográfico, ver Bibliografia].
38
S. Freud, “Note sur l’inconscient en psychanalyse”, in Métapsychologie, Paris, Gallimard, 1968, p.
179 [“Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise”, ver Bibliografia]. Grifo meu.
39
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 277, e v. III, p. 15.
40
Cf. H. Landouzy, Traité complet de Vhystérie, op. cit., p. 236-238.
41
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris, Progrès Médical
& Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888, p. 121-122; cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in
Cinq psychanalyses, op. cit., p. 142 (nota crítica sobre a histeroepilepsia) [Fragmento da análise..., op.
cit., ver Bibliografia].
42
J.-M. Charcot, Clinique dês maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, 1892-1893,
v. I, p. 177. Grifo meu.
43
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 178-179.
44
Ibid., p. 151.
45
Ibid., p. 252.
46
J.-M. Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, op. cit., v. I, p. 362; cf. J-M. Charcot,
Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 113.
47
J.-M. Charcot, “Préface”, in A. Athanassio, Les Troubles trophiques dans Phystérie, Paris, Progrès
Médical & Lecrosnier & Babé, 1890, p. 3. Grifo meu.
48
Cf. P. Sollier, Genèse et nature de Phystérie. Recherches cliniques et expérimentales de psycho-
physiologie, Paris, Alcan, 2 v., 1897, passim; G. Haberberg, De Charcot à Babinski. Étude du rôle de
Phystérie dans la naissance de la neurologie moderne, tese de medicina, faculdade de Créteil, 1979,
passim.
49
Cf. S. Freud, Correspondance, Paris, Gallimard, 1966, p. 183-185, 191, 195-197, 214, 220.
50
Ibid., p. 212-213.
51
S. Freud, “Bericht über meine mit Universitàts-Jubilàums Reisestipendium unternommene
Studienreise nach Paris und Berlin”, in SE, I, p. 5 [“Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim”,
ver Bibliografia].
52
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1878, p. 22-27 e lâmina III (doravante citada como IPS, II).
53
S. Freud, Correspondance, op. cit., p. 197.
54
Ibid., p. 206.
55
Ibid.
56
Cf. E. Jones, La Vie et l’oeuvre de Sigmund Freud, Paris, PUF, 3 v., 1970, v. I, p. 75 [A vida e a obra de
Sigmund Freud, ver Bibliografia].
57
Ibid., p. 201.
58
Cf. S. Freud, prefácio a “Neue Vorlesungen über die Krankheiten des Nervensystems insbesondere
über Hysterie”, in SE, I, p. 21 [“Prefácio à tradução das Conferências sobre as doenças do sistema
nervoso, de Charcot”, ver Bibliografia]; S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq
psychanalyses, op. cit., passim [Fragmento de análise..., op. cit., ver Bibliografia].
59
Cf. S. Freud, “Esquisses pour la ‘Communication préliminaire’ de 1893”, in GW, XVII, 1892, p. 151
[Esboços para a “Comunicação preliminar” de 1893, ver Bibliografia].
60
Cf. S. Freud, “Charcot”, in GW, I, 1893, passim [“Charcot”, op. cit., ver Bibliografia].
61
Cf. J. Nassif, “Freud et la science”, in Cahiers pour l’analyse, Paris [9, 1968], p. 161; J. Nassif, Freud -
L’Inconscient. Sur les commencements de la psychanalyse, Paris, Galilée, 1977, p. 78; J. A. Miller, “Some
aspects of Charcot’s influence on Freud”, Journal of the American Psychoanalytic Association, 2, 1969,
p. 608-623, passim; L. Chertok e R. de Saussure, Naissance du psychanalyste. De Mesmer à Freud, Paris,
Payot, 1973, p. 114-129; J.-B. Pontalis, “Entre Freud et Charcot: d’une scène à l’autre”, in Entre le rêve et
la douleur, Gallimard, Paris, 1977, p. 15-17 [Entre o sonho e a dor, ver Bibliografia].
62
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 253.
63
G. M. Debove, “Éloge de J.-M. Charcot”, Bulletin Médical [103, 1900], p. 1.390.
64
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 3 (nota de Bourneville).
65
Cf. G. Gilles de la Tourette, “L’Attitude et la marche dans l’hémiplégie hystérique”, in NIS, 1888, p. i-
ii.
66
Dictionnaire encyclopédique des sciences médicales, Paris, Masson/Hasselin/ Houzeau/ Labé, 1864-
1889, 4a série, XV, p. 331; cf. também P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p.
VII.
67
Cf. M. Foucault, Histoire de la sexualité. 1 - La volonté de savoir, Paris, Gallimard, 1976, p. 11, 137-
139, 201-204 [História da sexualidade, I: A vontade de saber, ver Bibliografia]; G. Wajeman, “Psyché de
la femme: note sur l’hystérique au XIXe siècle”, in Romantisme [13-14, 1976], passim.
68
D. Diderot, “Sur les femmes”, in Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1951, p. 956.

* Na linguagem coloquial, branler também significa masturbar. [N.T.]


** No francês moderno, mensonge é um substantivo masculino, como songe (sonho). [N.T.]
II. O encantamento de Augustine
Dizia Augustine:

O que o senhor entende de medicina? [...] Não quero senti-lo


perto de mim! [...] Não vou descruzar as pernas! [...] Ah, o
senhor me machucou muito... não, não vai conseguir! [...]
Socorro! [...] Tratante! Grosseirão! Ordinário! [...] Desculpe!
Desculpe, meu senhor! Deixe-me... [...] É impossível! [...]
Você não quer mais? De novo! [...] Então, suma com essa
cobra que você tem dentro das calças! [...] Você queria que eu
pecasse primeiro, mas você já pecou...

(Ela abre a boca e nela introduz a mão, como se fosse tirar


alguma coisa.)

Eu te confio segredos. [...] As palavras vão embora, os textos


ficam... [...] Escute, tudo isso não passa de roletas que não
valem nem... Isso não significa nada. [...] É assunto resolvido,
em suma. [...] Acho que você está tentando arrancar isso de
mim... [...] Por mais que você diga sim, eu digo não. [...] Não
vou descruzar as pernas. [...] É impossível. [...] Não tenho
tempo... (bis).

Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Medical &


Delahaye, 1878, v. II, p. 146-164.
Auras

Quase rosto

Uma palavra de lado, no canto da imagem, para a qual chamo atenção. Uma
pergunta, melhor dizendo. A dama que os senhores veem aqui - terá seu
meio sorriso curado o mal que seu olhar lançava?1 Que mal? Mas deixem de
lado esta pergunta, mais uma vez. E olhem (figura 34). Esta é Augustine. Seu
caso predileto, senhores.2 Será que sua curiosidade, sua curiosidade
sacrílega e “mexeriqueira”, como escreveu Baudelaire, estaria em condições
de ficar satisfeita? Pois aqui está Augustine, tal e qual ela é, graças à
Fotografia; e eis, portanto, o retrato do seu chamado “estado normal” e
“atual”.
Mas notem bem: a perfeição do gesto fotográfico teria sido, sem dúvida,
surpreender “seu modelo” Augustine, não? E até surpreendê-la sem ela
saber... Não é o caso aqui. Aqui, “nosso modelo” posa. Imobilidade de busto,
olhar de esguelha, braço rígido. Corpo fazendo pose.
E, por outro lado, vejam, Augustine não se apresenta totalmente de frente.
É um detalhe, com certeza. Mas será que esse ligeiro viés de seu “faire-
visage” [mostrar o rosto] (é assim que o francês antigo chamava a
apresentação) não é, para mim, indício de que a “matéria do retrato” consiste
apenas num “quase rosto”?3 E que curiosidade, uma cara tão... tão neutra,
será que ela poderia mesmo ser satisfatória? De que drama subjetivo essa
neutralidade poderia ser o suporte? É verdade. Tal neutralidade desprovê,
para começar. Desprovê a imagem de algo que seria um sentido, uma
história, um drama que, no entanto, a imagem supostamente ilustraria.
Nessa lâmina XIV da Iconografia fotográfica da Salpêtrière, Augustine é mais
ou menos parecida com qualquer pessoa. E é por isso que, a princípio, dela
nos chega apenas um quase rosto.
É também por isso que a Iconografia nos propõe uma disposição serial das
imagens, série esta, por sua vez, presa a outra disposição que a fundamenta:
uma narratividade completa, o roteiro do caso: suplência e explicitação das
imagens, comentário, legenda do que seria, no fundo, seu teor enigmático
essencial - embora se supusesse, justamente, que essas imagens deveriam
apenas ilustrar, esclarecer e provar a veracidade do discurso clínico. Pequeno
círculo vicioso, no que concerne ao saber: em cada caso, a legenda e a
imagem estão ali para vir em socorro do outro, que está sempre em risco -
em risco de quê: de ficção?
Figura 34. Paul Regnard, “Histeroepilepsia, estado normal”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XIV (detalhe), em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la
Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.

Mas o fato é que o comentário desenvolve aqui (quanto a esta foto) algo
completamente diferente da explicitação de uma coisa à flor da imagem. E,
talvez para suprir a neutralidade do rosto, ele vem contar-nos, antes, a
história de um personagem: Augustine “é loura, grande e forte para sua
idade, e oferece todo o aspecto de uma menina púbere. É ativa, inteligente,
afetuosa e impressionável, mas é caprichosa, e gosta muito de chamar
atenção. É vaidosa, empenha muito cuidado em sua toalete, em arrumar os
cabelos, que são abundantes, ora de um jeito, ora de outro; as fitas,
sobretudo de cores vivas, são sua grande alegria”4 (figura 34).
E não se admirem com o fato de já estarem vasculhando embaixo da
roupa, para além do retrato - porque isto diz respeito à histeria. Augustine,
portanto, “é grande, bem desenvolvida (pescoço meio grosso, seios
volumosos, axilas e púbis cobertos de pelos), decidida no tom e nos modos,
de humor inconstante, barulhenta. Já não tendo mais nada dos modos
infantis, exibe quase o aspecto de uma mulher feita, mas nunca menstruou.
Foi internada por uma paralisia da sensibilidade do braço direito e por
ataques de histeria grave, precedidos por dores no baixo-ventre, à direita”.5
Tinha quinze anos e meio.
É essa a “apresentação” de Augustine. Ao longo das páginas e ilustrações,
no correr de observações, cenários, medidas e registros, o mais íntimo de
sua história, de sua doença, nos é prometido numa exposição às claras - a
Iconografia está aí justamente para isso. Mas digo que Augustine nunca
ficará para nós senão como um quase, um quase rosto, quase corpo, quase
história. E direi que seu próprio nome permanecerá como quase: cientistas
tarimbados como Bourneville e Regnard, tão cuidadosos com a avaliação
dos protocolos clínicos, nem sequer conseguiram denominá-la como “uma”,
hesitando constantemente entre “Augustine”, “Louise”, “X.”, “L.”, “G.”.6
E eu mesmo não terei escrito senão sobre uma quase Augustine.

A sombra e a lentidão

Tanto que sua figura nunca vai além de emergir das trevas. Como ver, por
exemplo, o que Bourneville nos afirma dela: que era loura?
O grande problema, assim como a qualidade de todas essas imagens, eu
diria que é sua lentidão. Isto remete, para começar, ao problema fotográfico
da preparação sensível, como se costuma dizer. Regnard trabalhava com
placas em que aplicava colódio úmido: lentidão do preparado, lentidão do
processo, lentidão da pose e da exposição, lentidão da revelação; e imagens
sempre como que obscurecidas (assim que possível, na época da Nova
iconografia, essas placas foram substituídas pelas que usavam
gelatinobrometo de prata). As fotografias de Regnard, para destacar e
ilustrar a histeria, não foram, portanto, predações inteiramente instantâneas
do visível; foram como que intervalos - infaustos, no fundo, desejos quase
fracassados de instantaneidade.
O escurecimento desses retratos, portanto, não é algo que eu possa
considerar como simples falta de luz; nele encontro, antes, uma demora da
revelação fotográfica, portanto, uma retirada temporária da luz, uma
suspensão do manifesto naquilo que, no entanto, é manifestação por
excelência. E essa retirada, essa suspensão tenebrosa, indica-me algo como
um ser-aí, como o que diz Heidegger sobre a ironia de um “domínio estático
da declosão e da retirada do ser”.7
Mas que nome dar ao tipo de eficácia que emana dessas imagens, a tudo
que delas nos “impressiona” como um aquém da sua própria organização
figurativa? Repito: “A sombra não é um efeito da luz e tampouco um duplo
inquietante; é, como no teatro, uma verdadeira trave interna de todo palco.”8
Repito: essas imagens são de uma época em que ainda era preciso esperar a
luz.

Pose, espectro, lateralidade

E a qualidade de sua “grafia” tinha magia ainda maior nessas placas lentas.
Mas quem estava esperando? Quem esperava, de verdade? Regnard? Ele se
atarefava, principalmente; desfrutava de um tempo da visão, do
enquadramento e da “focagem”, do posicionamento do corpo; com certeza,
esperava, durante o tempo da tomada, por longos segundos, ou até minutos,
para que “a coisa se fizesse”, essa grafia de luz.
Augustine, por sua vez, esperava, mas não estava apta - adolescente e
histérica, ainda por cima, e objeto da imagem - a saber o que estava
esperando. Assim, no meu entender, ficava realmente na expectativa.
Tramava-se alguma coisa em torno do seu corpo como visibilidade. Se ela
oferecesse um olhar (como nessa lâmina XIV), decerto ele não seria
verdadeiramente retribuído (com Regnard camuflado, escondido sob seu
véu preto de fotógrafo). Até a pose, suponho, e já pelo simples enigma de
sua finalidade, podia ser para ela uma angústia.
Observe bem que Nadar não hesitou em qualificar a pose fotográfica de
“doença do cérebro”, e se atreveu a descrever as “ondas de pavor” de todos os
seus modelos; com uma piscadela para Balzac, chamou de “espectros” os
corpos ao serem fotografados.9
Posar é como a espera de um momento, aquele em que se bate a
fotografia, sobre o qual quase nada se sabe, exceto que deve ser o momento
“certo”. É uma espécie de urgência, muito simples e muito obscura: a
urgência de ter que se parecer consigo mesmo num dado momento, e esse
momento vai chegar, e sempre chega quase agora, sempre já, já, sempre com
o risco de um tarde demais ou um cedo demais. Ora, ter que se parecer
consigo mesmo torna-se rapidamente o requisito de um corpo pronto,
aprontado, portanto, para a imagem. Posar equivale a inventar para si, e
mesmo a contragosto, um corpo de reposição, o lugar propício para um resto
futuro da semelhança; posar, nesse sentido, é uma “microexperiência da
morte”; quando poso, sim, “torno-me realmente um espectro”,10 torno-me
eu mesmo, como fotografado, prestes a virar aparição espectral.
Aliás, foi justamente a uma espécie de teoria espectral dos corpos
fotografados que Nadal chegou: cada um, escreveu ele, “seria composto por
uma série de imagens fantasmáticas, superpostas em camadas até o infinito,
cobertas por películas infinitesimais”.11
Bourneville, digo-o de passagem, teria tomado a precaução de nos
apresentar o retrato de Augustine, de saída, como a sobrevivente de sete
fantasmas, sete mortos: o pai e seis irmãos e irmãs.12
Seria mais por uma espécie de lateralidade na imagem que eu qualificaria
qualquer obsessão temporal da pose. A título de indicação, há o próprio fato
de que o corpo de Augustine nunca se decidiu a se apresentar unicamente de
frente, exceto quando ela era hipnotizada; também a título de indicação, há
sua mão na têmpora - aqui, na temporalidade pensativa ou contraída do
retrato.
Mas ela continua difícil de pensar, essa obsessão temporal. Recapitulo. Ela
atesta um momento de captura, esta imagem entre minhas mãos, e, em
termos mais centrais, um ser-aí de pose. É que a fotografia me obriga a um
afeto, a um afeto diferente, digo: não mais relativo a uma simples ficção de
corpo e aos trinta centímetros que separam meu olho da superfície da prova,
desta prova em minhas mãos, porém a um corpo de outra pessoa,
autenticado e, portanto, talvez autêntico. Um brilho totalmente diverso entra
então na palavra prova. Os corpos de terceiros assombram, e o fazem de um
modo diferente do cara a cara ortogonal das superfícies; são uma espécie de
ação imaginária vinda de todos os azimutes, e é como se lateralizassem a
própria visão. Quero dizer, simplesmente, que eles a infectam ao afetá-la,
com uma ação, talvez uma carne, talvez uma morte. E a “carne” da imagem
seria, portanto, como que um investimento lateral, pelo qual corremos
grande risco de obnubilação imaginária.

Aura, risco da distância

Risco da fascinação. Quase rosto, neutralidade, aparência, dissolução da


definição da imagem: é justamente tudo isso que fascina, porque subsiste ao
mesmo tempo um contato, a autenticidade incontornável do Parecer. Fascina
porque manifesta a intimidade por excelência dos rostos, e porque essa
intimidade está sempre no ato de se retrair. Pois esse contato é a própria
experiência de um movimento em direção ao contato, isto é, de uma
distância. O rosto fotografado permanece sempre na suspensão sem repouso
dessa alternativa. Nela, a distância é sempre exorbitante, o encontro, sempre
iminente. Estamos destinados a ele, de acordo com um tempo sempre
intervalar, sempre entremeado de manifestação e apagamento, do próximo e
do longínquo, pois aqui o distanciamento encontra-se no âmago da coisa. É
por isso que a semelhança não tem mais nada a que se assemelhar, embora o
Parecer seja emitido e problematizado em toda fotografia.
Estou falando de um perigo a que a fotografia teve meios de recorrer,
exemplarmente, como manipulação temporal - e que também teve meios de
aniquilar como técnica de reprodutibilidade dessa mesma manipulação.
Walter Benjamin chamou-o de aura. Trata-se de alguma coisa que se trama
na imagem; escreveu ele: “Uma trama singular de espaço e tempo: aparição
única de uma distância, por mais próxima que seja”;13 a aura seria aquilo
pelo qual esperamos diante das coisas visíveis: “que o instante ou a hora
participe de sua manifestação”.14

Benjamin acrescentou:

Com a fotografia, o valor de exposição começa a empurrar


para o segundo plano, em todas as ordens, o valor de culto.
Este último, todavia, não cede sem resistência. Seu último
reduto é o rosto humano. Não há acaso algum em que o
retrato tenha desempenhado um papel central nos
primórdios da fotografia. No culto da memória dedicado
aos entes queridos, afastados ou desaparecidos, o valor
cultual da imagem encontra seu último refúgio. Na
expressão fugidia de um rosto de homem, as antigas
fotografias dão lugar à aura pela última vez. É isso que lhes
confere a beleza melancólica que não se pode comparar a
mais nada.15

E Benjamin fala de imagens cercadas de silêncio, portadoras de “lonjuras


funestas”,16 mas também, justamente diante de um retrato de mulher,
detém-se no “algo que é impossível reduzir ao silêncio e que reclama com
insistência o nome daquela que viveu ali, que ali ainda é real, e que jamais
passará inteiramente para a arte”.17 E isso está bem no cerne da minha
questão.
A aura daria nome, portanto, àquilo pelo qual o tempo queima, e embebe,
e atordoa a imagem. E nos destina, para nossos riscos e perigos, ao que
Benjamin chamava de “inconsciente da visão”:18 o punctum, punctum
coecum, o ponto cego do contato e da distância no visível.

Contatos da distância

Mas aura também designava, no século XIX, certo problema técnico da


fotografia, e não dos menores; problema que, no fundo, de maneira meio
oblíqua, concerne exatamente àquilo de que Benjamin quis falar.
Trata-se do problema das auréolas e dos “véus” - todos os fenômenos
luminosos ou paraluminosos que, acidentalmente, sem que se soubesse
ainda muito bem por quê, aureolavam um dado tema fotografado.19 Estaria
esse problema relacionado com um excesso de entrada do longínquo na
imagem? Às vezes, era o que se pensava, buscando razões para esse excesso:
“por que o longínquo emerge demais na fotografia?”,20 perguntava-se.
Havia também todo o problema da espectralidade fotográfica, problema
da “trama” e da revelação para além do véu, ou seja, todo o caráter mágico,
já diabólico e blasfematório21 da fotografia. Havia, enfim, o problema do
contato à distância, cujos dados eram todos desordenados pela fotografia,
visto que, com ela, os pontos ou marcas de luz já não eram palavras vãs. E
ilustrarei isto detendo- -me por um momento no livro do dr. Hippolyte
Baraduc. É que esse livro singularíssimo, muito restrito, em certo sentido,
ainda assim já me parece exemplar, mas exemplar na loucura, pelo
movimento que interrogo a propósito da Iconografia fotográfica da
Salpêtrière: a discreta ultrapassagem do limite - discreta, mas assombrosa -
pela qual uma prática médica relativa à histeria transforma-se em invenção
figurativa, graças ao diabólico instrumento do saber que é a máquina
fotográfica.
No caso de Baraduc, mais que invenção, delírio. No entanto, ele era um
seriíssimo “especialista”, como dizem, em “doenças nervosas”. Interessou-se,
a princípio, pelo que Charcot teria chamado, em relação à histeria, de
sugestão, imitação ou epidemia psíquica. Mas Baraduc já chamava isso de
contato - o que diz tudo.
Por outro lado, essa paixão pelo contato ilustrou-se, em termos
instrumentais, pela elaboração de um método intravaginal de compressão
ovariana (introduzir os dedos indicador e médio na vagina da histérica
durante o ataque, “para capturar o ovário”, no dizer de Baraduc, repô-lo no
lugar, como Ambroise Paré, e com isso deter o “estado de mal”).22 Em
seguida, ele preconizou, sempre com vistas a uma terapêutica da histeria,
“contatos” mais sutis, como a eletricidade e o magnetismo, a utilização da
energia das tempestades, a hipnose e a autossugestão, bem como o que
batizou de “eletrossuasão”, misto de eletroterapia e hipnotismo.23
Com base nisso, Baraduc ocupou-se com “duchas estáticas cerebrais”, ou
com luminosas - pequenas panaceias mecânicas das doenças do cérebro...24
Cientista louco? Máquinas isoladas? Nada disso; ele trabalhava numa
direção quase paralela à que, poucos anos antes, Charcot havia tomado;
aliás, Baraduc estabelecera relações muito cordiais, se não profissionais, com
os mais eminentes membros da chamada “Escola da Salpêtrière”, como
Charles Féré.
Por que Baraduc se interessou pela histeria? - Porque a histeria (nesse
ponto, ele seguiu a definição que dela fornecera Briquet) era uma doença do
contato, da impressão.25

Véu, revelação

Ora, as crianças, não menos que as mulheres nervosas, são seres


“impressionáveis”. Um dia, Baraduc fotografou seu filho. Sucede que,
naquele exato momento, o menino segurava entre as mãozinhas um faisão
morto, morto pouco antes. Quem lhe pusera o cadáver no colo, sobre isso o
papai não nos diz palavra, mas o fato é que a imagem saiu velada, por assim
dizer (figura 35).
O psiquiatra Baraduc viu nisso véu e vento do estado de espírito, grafados
na placa por uma luz diferente... E foi assim que a aura revelou-se a seus
olhos pela primeira vez. A partir desse dia, ele não teria sossego enquanto a
aura não lhe fosse inteiramente revelada.
Diferenciou-a experimentalmente dos “ventos elétricos” e outros
magnetismos passíveis de impressionar a placa.26 Tentou uma descrição de
acordo com a forma do traçado. Chamou-a de “força curva”. Reconheceu
nela a explicação de todas as inexplicabilidades, influências ocultas, visões
místicas, auréolas, “impressões inconscientes” e por aí vai.27 Identificou-a
com o “Enormon” de Hipócrates, com o Corpo Glorioso da Igreja e com o
éter newtoniano. Invocou em seu socorro Aristóteles, Descartes, Leibniz,
Kant, Mesmer, Maxwell, Éliphas Levy, todos misturados. Subsumiu a aura
como categoria dos “movimentos” e “luzes da alma”; movimento anímico
porque era a alma que permitia o movimento sem percurso, logo, a distância
sem separação, logo, o contato à distância;28 luz da alma porque era
intrínseca, sombreada e invisível - mas fotografável!29 (desde que lhe fosse
apresentada uma placa muito sensível...)
Então voltemos à prova velada. Ela não era obra, portanto, de um simples
“velamento” da luz visível; era uma aura, “véu de vida”, “espírito” e algo que
fazia “involuir a forma”30 (e será que isso não era uma espécie de inversão
muito estranha, uma involução possibilitada pela própria especificidade do
modo de existência técnico da fotografia e, portanto, pela especificidade de
suas possíveis maquinações metafóricas, como uma involução do paradigma
da vera icona? Não seria uma espécie de ultrapassagem do limite do que
fora inventado, figurativamente, com o véu de Verônica, ou, melhor, do que
seria reinventado, justamente graças ao meio fotográfico, em torno do Santo
Sudário de Turim: a revelação de uma forma imprimida de maneira invisível
e à distância? É que o traço do Sudário, longe de ser a estampagem do
corpo, é o modelo de sua “emanação à distância”, segundo dizem; é isso que
“explicaria” a própria forma das marcas, e é o que foi “provado” pelo
negativo de uma foto obtida por Pia com um tempo de exposição de vinte
minutos, nada menos)...

Figura 35. Hippolyte Baraduc, Psychod: OD, força vital atraída pelo estado de espírito enternecido de
um menino, reprodução de uma fotografia sem eletricidade, com Dmáquina fotográfica, prova I,
p ç g q g p
extraída do livro do dr. H. Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et l’iconographie de
l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896.

Iconografia da aura

Não é indiferente que Baraduc tenha optado por chamar de Iconografia, e,


noutro ponto, de Radiografia,31 a faculdade que a aura possui de se
manifestar nas provas - ao mesmo tempo que a técnica experimental, a
síntese dessa faculdade. A “Iconografia” decorria, de fato, de uma
instrumentalização científica, segundo Baraduc, do mesmo modo que os
“métodos gráficos”, como o de Marey, por exemplo. Tratava-se de registrar
movimentos e contatos cada vez mais sutis - e isso constituiu, portanto, não
o avesso do mito epistêmico da total inscritibilidade-descritibilidade, e sim
sua realização, sua extrema realização. Baraduc apresentou todos os seus
trabalhos, aliás, às sociedades mais “científicas” de que era membro, sempre
honorabilíssimo. “Submetia suas descobertas” esclarecendo: “Hoje em dia, a
placa fotográfica permite a todos vislumbrar essas forças ocultas, e com isso
ela submete o maravilhoso a um controle irrecusável, fazendo-o entrar no
campo natural da física experimental.”32
E seu método foi, efetivamente, da mais pura ortodoxia experimental: sua
captura iconográfica da aura, isto é, de uma luz invisível, foi um flerte
regulado, muito progressivo, com o que era intrínseco na luz. A saber, a
treva.
Por outro lado, é notável que essa abordagem tenha concernido, em seus
protocolos, a uma modulação estratégica do tempo revelador, isto é, para
começar, do tempo de exposição.
Baraduc reeditou, em primeiro lugar, sua experiência “originária”: um
retrato fotográfico “afetado” pelo tempo crítico. Para “tornar a obter os
eflúvios vitais” infantis, reuniu dois meninos diante da câmera, esperou e,
quando seus pequenos modelos se cansaram, impacientaram-se e
começaram a fazer bagunça, ou a dar gargalhadas, pronto, ele “os fez parar
imediatamente com a brincadeira, mediante uma ordem seca”, e vieram a
imobilidade instantânea e o clique da foto... Ora, ora, eis que “se produziu
um véu que os ocultou e cobriu o clichê”, véu este do qual ele estudou
calmamente o “tecido luminoso, como um tricô de malhas e nós”33 (figura
36 e Apêndice 11). Aura: trama luminosa do tempo, luz intrínseca do afeto
do sujeito fotografado.

Figura 36. Hippolyte Baraduc, experiência sobre a “vibração da força vital cósmica” no retrato de dois
meninos, reprodução de duas fotografias feitas sem eletricidade, com uma máquina fotográfica, prova
XXXVIII, extraída do livro do dr. H. Baraduc, L’Âme humaine, ses mouvements, ses lumières et
l’iconographie de l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896.

Portanto, a luz visível, extrínseca, tornou-se rapidamente supérflua para


ele. Depois das histéricas e das crianças, Baraduc persuadiu um abade, sem
dúvida, impressionável, e inclinou sua câmera acima da cabeceira da cama
dele, durante seu sono, no escuro. E a “nuvem negra” que obteve na prova,
como que por acaso, levou-o a compreender que se tratava, de fato, da “aura
de um pesadelo”34 (figura 37). E foi assim que ele constituiu toda uma
iconografia fotográfica
e auracular, digamos, do recolhimento (branca, horizontal), da vontade
(“cintilação perolada” ou “linhas de forças” verticais) etc. etc.
Por fim, Baraduc pôde prescindir da própria câmera: bastava-lhe
apresentar diante de seu modelo, no escuro, uma simplíssima placa sensível
e, ó Verônica!, a grafia da alma do modelo efetuava-se espontaneamente:
uma dada “tempestade” das formas de certa aura, por exemplo, equivalia a
uma “cólera refreada”35 (com certeza, já que era uma cólera invisível)... E a
“Iconografia” pôde também mediatizar-se, ou, melhor, mediunizar-se, quer
por contato, por um afago leve ou por um simples roçar da mão - “o mais
nobre órgão depois do cérebro” e “espelho da alma”36 - na placa, durante o
banho revelador: revelador da “elevação do espírito”, por exemplo, ou de
qualquer outra qualidade do operador, até de sua “obsessão” (figura 39)...
Sua obsessão? Baraduc alheava-se metodicamente, com efeito, em sua
obsessão com o contato à distância. Procurava, procurava cada vez mais
fundo o vestígio de auras mais e mais sutis.
Lembra-se dos espectros de Balzac ou Nadar? Pois bem, Baraduc foi à
casa de Nadar para encontrá-los. A quinquagésima lâmina de seu livro A
alma humana, seus movimentos, suas luzes e a iconografia do fluídico invisível
foi assinada por Nadar: trata-se do “fantasma luminoso”, ou “alma sensível”,
ou “semifantasma” de certa dama, imersa numa catalepsia hipnótica e que
por isso havia conseguido externalizar “seu duplo”, sua aura ou emanação
luminosa intrínseca, e fazê-lo posar para a foto a seu lado, no escuro. Os
acidentes ocasionais, manchas ou “bolinhas luminosas” sobre a prova foram
reconhecidos por nosso psiquiatra como “pontos hipnógenos” no rosto da
dama, enquanto um perfil do “duplo” se deixou reconhecer, como todos
poderão ou não verificar (figura 38).
Posteriormente, Baraduc transpôs outras fronteiras, em sua obsessão
infindável; trabalhou no “Dia de Finados”, por exemplo, feliz por ver revelar-
se a “assinatura” de algum fantasma de verdade...37

Oráculos fotográficos

O corpo do próprio Baraduc veio a se histerizar em contato com a prática, a


louca prática fotográfica. Curiosa reviravolta. O corpo do fotógrafo
transfigurou-se, involuiu em seu desejo de imagem (ou, melhor, aura: a
imagem feita “assinatura” do tempo). Ele pediu que seus traços fossem
fotografados (por Nadar) e os enquadrou diante do próprio “psiquicone”,
imagem de seu pensamento pensando em si mesmo, o “pensamento do meu
eu” transformado em grafia, autografia auracular (figura 40 e Apêndice 12).
Seu cogito histerizado, impressionável, procurava a si mesmo com a
aparência de um espectro, e ele se autorretratava como fantasma.
Figura 37. Hippolyte Baraduc, Nuvens branca e preta de força vital dissociada, penetrando uma na
outra, reprodução de uma fotografia feita sem eletricidade, com máquina fotográfica, prova XXXV,
extraída do livro do dr. H. Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et l’iconographie de
l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896.
Figura 38. Nadar, Bolinhas luminosas, pontos hipnógenos externos do corpo de L. [uma mulher imersa
num estado de hipnose], reprodução de uma fotografia feita sem eletricidade, com máquina
fotográfica, no ateliê Nadar, prova V, extraída do livro do dr. H. Baraduc, LÂme humaine, ses
mouvements, ses lumières et l’iconographie de l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896.
Figura 39. Hippolyte Baraduc, Psiquicones: projeção do estado anímico, imagem de obsessão,
reprodução de uma fotografia feita sem eletricidade e sem máquina fotográfica, prova XXIII, extraída
do livro do dr. H. Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et l’iconographie de l’invisible
fluidique, Paris, Carré, 1896.
Figura 40. Hippolyte Baraduc, seu retrato fotográfico (feito por Nadar F°) e seu “psiquicone”, prova
XXVIII, extraída do livro do dr. H. Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et
1’iconographie de l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896.

E o que obsedava Baraduc era o tempo, com certeza. Ele, que ia tão longe
na interpretação literal do tempo de exposição como prae-sens,* isto é, como
iminência38 - iminência revelada na placa sensível no próprio momento em
que o visível, captado, se vela -, ele que intitulava suas provas fotográficas de
“sinais providenciais” ou “apelo a alguma coisa”,39 pois bem, ele procurava
ver alguma coisa do tempo, pura e simplesmente, reconhecer a grafia de
uma assinatura temporal nas falhas da luz visível. A alma humana, seu
tratado técnico da fotografia das auras, encerra-se num capítulo dedicado à
profecia. Nele, Baraduc defende uma “síntese” da ciência experimental, de
algo que seria um êxtase do tempo na aproximação do visível, e define a
Fotografia como uma modalidade do “Verbo” - a Profecia.40
E seu retorno quase histérico à histeria, essa espécie de contorno do
objetivo pelo qual ele mesmo se transformou em espectro, o próprio Baraduc
o formulou como uma espécie de inversão delirante de seu engajamento no
saber neuropatológico: como psiquiatra, mas psiquiatra infectado por
tamanha paixão fotográfica, ele exigiu verificar, ou seja, ver e confirmar o que
se vê num delírio: a hiperestesia histérica tornou-se sua meta epistêmica: “Os
resultados obtidos são dos mais convincentes, e, portanto, cabe à
neuropatologia refazer o tratado das alucinações, porque a retina
hiperestesiada é capaz de perceber formas que a Iconografia demonstra
serem reais.”41
Tudo isso, é claro, foi refutado por fotógrafos e psiquiatras como um
produto duvidoso (embora ignorado) da revelação fotográfica.42 Mas tudo
estava longe de ser marginal, tanto nos conhecimentos quanto nas práticas
da fotografia e da neuropatologia da época. A teratologia científica é eficaz
no próprio campo da ciência.

Aura hysterica

Ora, de que poderia o retrato de Augustine ser o oráculo? A relação do


visível com aquilo de que ele é a assinatura, sua “luz intrínseca”, é
incomparável aqui, afinal, com o que propunha a Iconografia de Baraduc.
Aqui, a invisibilidade não é objeto de captura e convocação, mas de negação.
O que é outra maneira de dar nome a sua eficácia.
Você está à procura de um segredo da imagem? Pois então, volte a
examinar a lâmina XIV (figura 34): seu segredo está escrito abaixo dela, até
mesmo em letras maiúsculas: é sua legenda, “Histeroepilepsia”, o que já
significa que Augustine, aos quinze anos e meio, estava reclusa no inferno
das “Incuráveis” da Salpêtrière; significa que acordava “em ataques” -
espasmos, convulsões, perdas da consciência -, e isto, 1.293 vezes em um
ano, somadas a outros três ataques especiais, chamados “epileptiformes”...43
Também já significa que seu braço direito, torne a olhar para ele, não fez
mais do que tentar uma pose combinada, porque, na época, na maior parte
do tempo, Augustine era inteiramente incapaz de utilizar esse braço, de lhe
dar ordens. “Ela foi internada”, somos informados, “por uma paralisia da
sensibilidade do braço direito” e por contraturas ou anestesias que afetavam
todos os órgãos da metade direita do corpo.44
Nesse sentido, a legenda e o comentário escritural deixam passar sem
querer (pois sua meta era o esclarecimento) um sopro ou uma lufada de
aura nessa imagem. Uma suspeita. E o admitem ao negá-lo, isto é, ao
reservarem o sentido da palavra, da palavra aura.
É que a palavra em si resolveria muito bem as coisas: refiro-me a sopro e
lufada porque aura significa vento, brisa, aragem. A aura é o ar, o ar que
sopra num rosto ou através de um corpo; é o ar do páthos, ou seja, do evento
que se imporá; é a prova e seu sopro, ou seja, sua iminência, brisa leve antes
da tormenta. Aura, palavra grega, é uma fórmula comprovada na medicina
desde Galeno: um sopro que “atravessa o corpo” no momento em que ele
está prestes a mergulhar no sofrimento e na crise. Pois bem, Charcot
chamava de aura hysterica o pródromo do ataque histérico.
Em sua manifestação sempre exibida, esse fenômeno seria, talvez, a
característica distintiva da própria histeria, porque uma “aura epiléptica”,
por exemplo, ainda que exista, nunca é exibida: Charcot diz que ela é curta
demais, deixando-se ultrapassar rapidamente pelo ataque em si; ao
contrário, a aura exibida, paciente, indica a histeria, e indica que a histeria
sabe esperar a hora da crise.45 E sabe jogar com essa espera, inclusive na dor
extrema.

Os três nós

Aura hysterica, sensação de queimação ácida em todos os membros,


músculos contorcidos e como que em carne viva, sensação de ser de vidro e
quebrável, um medo, uma retração diante do movimento, uma confusão
inconsciente da marcha, dos gestos, dos movimentos. Uma vontade que se
esforça perpetuamente para executar os gestos mais simples. A renúncia ao
gesto simples. Uma fadiga assombrosa e central, uma espécie de fadiga de
morte.46 Uma sensação de onda: Augustine dizia que era como se um sopro
lhe subisse dos pés até a barriga e da barriga até o pescoço.47
A fala entrecortada, o olhar perdido, a palpitação nas têmporas, um sibilar
de inconcebíveis estridências íntimas nos ouvidos. Bourneville esclarece
que, nesses momentos, Augustine era “indelicada, irritadiça”...48
A aura é igualmente descrita como subida de três “nós”, três dores e
crispações intensas que refluem por todo o corpo: a primeira é o ovário
lancinante, a segunda, dita “epigástrica”, sobe feito uma “bola”,
enlouquecendo o coração e a respiração, e a terceira, chamada de
“laringismo”, contrai o pescoço inteiro, como que por efeito de um
estrangulador invisível49 (ver Apêndice 13). É nesses momentos que a
própria Augustine reclama em altos brados a camisa de força.50
É que ela “sente a língua se imobilizar e se contorcer, com a ponta para
cima, encostada no palato. Não consegue mais falar, porém escuta; uma
névoa lhe desce sobre os olhos e, ao mesmo tempo que seu entendimento se
embota, ela sente a cabeça virar para a direita e as mãos se crisparem,
dolorosamente. Nesse mesmo momento, a dor no ventre, na cavidade
epigástrica e na cabeça atinge seu ápice. A sufocação é extrema e ela logo
perde a consciência”.51 Seu pensamento então se dispersa e involui como dor
pungente e crispação dos órgãos. Ela já não suporta o menor toque, e a
contratura de todo o seu corpo oferece “uma resistência quase invencível”.52
Charcot admitiu isto: a aura implica a definição de uma dor complexa e
específica da histeria, feita de “irradiações ascendentes” e constrições nodais
dolorosas: “Ela se revela com características específicas, por assim dizer. Não
se trata de uma dor banal, pois é uma sensação complexa.”53

Dissimulação e dissimilação
Qual seria uma razão, ou, pelo menos, um aspecto dessa complexidade?
Lembre-se da suspeita da mentira, lembre-se do próton pseudos hystericon,54
a “primeira mentira histérica” atrás da qual Freud começou a correr.
Os médicos observavam as histéricas e seus espetáculos de dores,
clamadas como lancinantes, ou de estrangulamentos e convulsões
espontâneas, e ficavam assombrados, procurando ajustar o pincenê diante
do que Freud chamou, citando Charcot, a “bela indiferença das histéricas”.55
A desconfiança voltava quando eles avaliavam o seguinte paradoxo, que não
deixava de lhes evocar certo paradoxo da atriz: as histéricas falavam de sua
dor e a atuavam, entregavam-se a encenações de auras e sintomas, embora,
um minuto antes, houvessem estado vivas, belas, livres de qualquer afeto e
qualquer angústia, e, um minuto depois do ignóbil ataque, retornassem
alegres, livres de qualquer angústia. Em 1926, Freud confessou ainda saber
muito pouco sobre esse paradoxo, que era um paradoxo da intermitência.56
Essa desconfiança só faz acentuar o enigma do retrato de Augustine, de
sua “bela indiferença”, sua neutralidade, seu quase sorriso. A Iconografia
fotográfica da Salpêtrière, aliás, forneceu muitas outras imagens de histéricas
a respeito das quais talvez Breuer revisse sua referência ao livro ilustrado sem
imagens...57 É o caso dos retratos de “Th.”, logo nas primeiras lâminas da
Iconografia, cuja fácies durante o ataque desfrutava, digamos, da mesma
“reserva” de sua “fisionomia normal”, exceto pela camisa de força: de olhos
abertos ou fechados, ela continuava, segundo a confissão de seus fotógrafos
e de observadores tarimbados, a ser “dissimulada”.58 Ou então, numa série
de imagens de “Geneviève”, aquilo que é legendado como aura,
“aproximação do ataque” ou “início do ataque” (figuras 4142) só se
manifestava como visibilidade por uma espécie de inflexão simples dos
olhares, que eu chamaria, talvez, de paciência.
Em todo caso, essas jovens parecem mostrar que não são o que aparentar
ser. As imagens tiradas delas já nos forçam a um ceticismo em relação às
imagens, o que é um efeito dos seus quase rostos. Isso dá nome à aura, ao
farfalhar de plumas e ao voo de sua actio in distans, e a tudo que delas nos
atrai por essa razão. É desvio, dissimulação que vela, suspensão de qualquer
oposição decidível entre a verdade e a inverdade da imagem, é o enigma
velado de uma proximidade imediata.
Ora, esse efeito de dissimulação, ninguém mais sabe como poderia
extinguir-se. A suspeita de simulação pesava e continuaria a pesar,
justamente por causa dessa neutralidade dos rostos. A aura significa que o
ataque temporal de Augustine, ao posar para o fotógrafo e esperar - o quê:
uma crise, aquela que a legenda já nos indica? -, significa que esse ataque,
essa tormenta do tempo, destina Augustine ao recuo e à ação de uma
dessemelhança: à dissimilação.59
Quer a própria Augustine se dissimulasse e se “dissimilasse”, quer não,
resta-nos a indicação de que ela estava perto do desastre. O quase rosto de
seu retrato, próximo do que se manifestaria como aura hysterica, mas não se
manifestando na imagem, ainda não, esse quase corpo continua a ser para
nós, como foi para Bourneville e Regnard, mais do que aparência e menos
do que fenômeno. Algo como um fenômeno-índice, talvez:

Assim, fala-se de “fenômenos [-índice] patológicos”.


Entendemos por isso eventos corporais que se manifestam e
que, na e através de sua manifestação, “indicam” algo que
não se manifesta por si. O aparecimento de tais eventos, sua
manifestação, caminha de mãos dadas com a existência de
distúrbios que não se manifestam por si. O fenômeno,
portanto, como fenômeno-índice de alguma coisa, não
significa, simplesmente, aquilo que se manifesta por si,
porém o anúncio de algo que não se manifesta através de
alguma coisa que se manifeste. Ser indicado por um
fenômeno-índice é não se manifestar. Essa negação,
entretanto, não deve confundir- -se de modo algum com a
negação privativa que determina a estrutura da aparência.60

A expectativa como método (“temporização”)


Que faz a medicina diante de um fenômeno-índice? Ela espera; observa. Isso
se deixa denominar expectativa, conceito que encontramos notadamente em
Pinel. Ora, Charcot lhe dedicou, precisamente, sua tese do concurso para o
magistério superior, em 1857. E, aqui e ali, não parou de recorrer a esse
conceito, quando fazia a si mesmo perguntas difíceis diante das histéricas,
perguntas do tipo: “Um dia ela ficará curada, mas quando?”61
A expectativa é a “metodologia terapêutica” - quando não se sabe tratar
uma doença, quer por ela ser extremamente benigna (desinteressante), quer
por ser incurável. Trata-se da chamada metodologia da “temporização”,62
palavra esplêndida. E esse método comporta, além disso, a extrema
vantagem científica de constituir um meio de estudo da “evolução natural
das doenças”.63 Portanto, fica a meio caminho da experimentação e,
possivelmente, é apenas uma experimentação imóvel, uma promessa de
resposta à incapacidade terapêutica, não? Sim e não, dizia Charcot, em
síntese, porque “a arte é uma só, e tem por base a observação, a experiência e
o raciocínio”...64
Figura 41. Paul Regnard, “Aproximação do ataque” (aura hysterica), fotografia de Geneviève, lâmina
XIV, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical
& Delahaye, 1877.
Figura 42. Paul Regnard, “Início do ataque”, fotografia de Geneviève, lâmina XV, em Bourneville e
Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1877.
Ou seja, diante do fenômeno-índice, e por lhe escapar fatalmente alguma
coisa, o médico espera, espia, aguarda, perscruta, augura, mantém-se à
espreita: “observa” ou “põe em observação”. Sua esperança seria mais ou
menos o que escreveu Baudelaire a propósito das “promessas de um rosto”,
justamente: negras madeixas, logo em seguida cabeleira desgrenhada, depois
a abertura de uma fenda, e logo “noite sem estrelas”...65 “Temporizar”
também é isso.
A expectativa é uma indagação ao tempo, transformada em indagação ao
visível: o que se escondeu, o que se esconde, o que corre o risco de se
esconder nas mais ínfimas rugas desse rosto? A expectativa é a desconfiança
de uma história, até de um destino, transformada em arte da descrição, arte
do detalhe:

Se entramos nos detalhes minuciosos sobre a infância das


doentes que mantemos em observação, sobre as
circunstâncias que produziram a histeria convulsiva,
decerto não é com o intuito de desenvolver numa medida
exagerada fatos suficientemente interessantes, a fim de
eliminar tudo o que for supérfluo. É, antes, porque
desejamos destacar as características que distinguem as
histéricas, para permitir reconhecê-las antes do aparecimento
das crises convulsivas; é também a fim de mostrar de
maneira evidente as causas que exerceram influência [...].66

É por isso que nenhum detalhe da história de Augustine deveria escapar


ao leitor da Iconografia. (No entanto, você verá que o futuro do ver está
sempre prestes a tomar o rumo errado...)

Um segredo logo visível

A expectativa como método e até, aqui, como iconografia, como divulgação,


só fica satisfeita quando desvenda segredos. É a esperança instrumentalizada
de uma visibilização do segredo.
De fato, ela é a implementação, o cultivo forçado e a fabricação figurativa
do que a deontologia chama de “sigilo médico”. É um exercício tal do olhar
que o sigilo se transforma na coisa, na própria obra do médico: “Para nós, o
segredo é não apenas aquilo que nos foi confiado, mas o que vimos, ouvimos
e compreendemos por ocasião de nossas funções médicas. O segredo de
nosso cliente é tão nosso, de nós, médicos, que ele, cliente, muitas vezes
ignora sua existência ou sua extensão, e não pode liberar-nos do sigilo
porque ele próprio desconhece aquilo de que nos desobriga.”67 E é preciso
assinalar isto: os elementos ou campos fundamentais do sigilo médico, tal
como codificados por Brouardel em 1887, concernem, para começo de
conversa, à parcela de vergonha das doenças (“as afecções venéreas,
chamadas vergonhosas ou secretas na linguagem popular, todas as moléstias
tidas como hereditárias”, das quais a histeria faz parte, segundo Charcot) e,
em segundo lugar, ao próprio componente temporal de toda doença grave,
ou, mais precisamente, ao “futuro, [ao] prognóstico”,68 que só deve ser
revelado, com todo o rigor, aos parentes próximos.
Nesse sentido, a Iconografia fotográfica da Salpêtrière é uma obra
escandalosa (exceto por ser reservada a um público prevenido, mas
prevenido de quê?), uma iconografia de segredos médicos, um esforço de
tornar visível algo dessas partes vergonhosas que a própria histeria, aliás,
parece ampliar; e talvez até pelo fato de ela as ampliar. A Iconografia, como
série de imagens fotográficas dispostas de acordo com uma legenda,
também é uma manipulação do tempo, inclusive no sentido de o tempo
fornecer “a determinação positiva das coisas na medida em que elas não
existem”,69 na medida em que permanecem caídas e silenciadas nas
profundezas, na invisibilidade, num passado, num futuro.
A aura de Augustine, nesse retrato que abre a série, é um halo de
visibilidade extemporânea; e esta menos é imaginária, como presença no
ausente ou do ausente, do que presença da visibilidade iminente de uma
latência, de um segredo.
Sintoma-tempo (a narrativa impossível)

Essa restrição da visibilidade fotográfica à iminência é a própria restrição da


visibilidade do corpo histérico à intermitência do sintoma.
Razão por que situar o sintoma como narrativa icônica, ou seja,
“representação de um momento-instante narrativo disposto em forma de
modelo de inteligibilidade atemporal”,70 beira o impossível. Veja, por
exemplo, as lâminas gravadas por Restout para o extraordinário livro de
Carré de Montgeron sobre as Convulsionárias de Saint- -Médard71
(intitulado A verdade dos milagres... etc.; Charcot apaixonou-se por ele,
colecionando suas várias edições): o sistema figurativo dessas lâminas já
requer uma página dupla, um “antes” e um “depois”, como mínimo de
inteligibilidade desses milagrosos aparecimentos-desaparecimentos dos
sintomas “convulsionários”. E é um mínimo, realmente, porque a
temporalidade do sintoma torna-se hierática, transfixa-se e até se
emblematiza; nunca é, verdadeiramente, a de um aparecer. Lembre-se, por
outro lado, do que Lessing escreveu sobre a pintura como narrativa icônica:
“A pintura, em razão das características ou dos recursos de imitação que lhe
são próprios e que ela só pode combinar no espaço, tem que renunciar
completamente ao tempo; as ações progressivas como tais não podem,
portanto, fornecer material à pintura, e esta deve contentar-se com ações
simultâneas, ou com corpos que, por suas atitudes, sugerem uma ação
contínua.”72 (Deixo esse texto dormitar, por enquanto, já que ele convida a
uma discussão sobre a Renúncia e o Contentamento da pintura.)
Quanto à fotografia, ela lida, em seu ato - o clicar da foto -, com o isto, das
Diese: o aqui e agora.73 E do aqui a fotografia não restaura nem rememora
narrativa alguma. Só fornece dele uma espécie de atestado e até, digamos, de
“ressurreição” pontual; nisso reside sua faculdade terrivelmente
perturbadora, sua intensidade: uma força constativa de tempo, dilacerante,
aguda como um bisturi. O passado de uma fotografia é tão agudo e tão
“seguro”, infelizmente, quanto o presente do meu olhar, intensivo como um
ponto doloroso, uma agulhada do tempo, e não extensivo como uma
história que se conta. É justamente isso que confunde. É nisso que a
fotografia é muito mais constativa do tempo que de seu modelo ou “sujeito”,
ou até “objeto”, e chega a aprofundar a distância entre seu modelo e o tempo.
Por quê? Porque esse próprio tempo já está como que minado: é algo que
tem a ver com um instante, mas escavado pela duração. A duração desmedida
da pose.

Tempo de exposição**

Veja, por exemplo, o vento de pavor que parece passar pelo rosto de outra
histérica da Iconografia, denominada “Ler... Rosalie” (figura 43); pois bem,
não há nada de passageiro nisso, mas, antes, uma espécie de transfixação,
uma duração intensiva, uma verdadeira “contratura do rosto”, “mais ou
menos persistente”,74 e que permite a relativa nitidez da imagem, para um
tempo de exposição que era fatalmente longo.
A grande preocupação de Regnard, com suas placas de colódio úmido,
devia ser sempre esta: dados certa luz (o emprego da luz artificial só viria a
se instaurar alguns anos depois), certa objetiva, certo diafragma, certa
“agitação” do sujeito, certa distância, sem falar ainda no revelador, como
obter uma “boa prova”?
Nessa época, o ato fotográfico ainda era um risco quanto ao tempo, uma
aposta no tempo de exposição. E, mesmo mais tarde, Albert Londe não se
livrou com muita facilidade da questão desse tempo, “uma das questões
mais delicadas da fotografia”.75 Sabemos que o primeiro modelo a posar para
um fotógrafo ficou imóvel diante da objetiva durante oito horas seguidas, e
era, graças a Deus para ela, uma natureza já morta. Depois, a história da
fotografia desejou saber-se escandida como um progressivo “arrancar do
tempo”. Fez-se do instante a essência do fotográfico, também querendo
esquecer que o instante traz em si ausência e retraimento (dizia-se instante,
pensava-se em síntese temporal). Assim, era preciso cortar a duração,
sempre excessiva, da exposição (excesso que me oferece aqui como que a
contraescansão dessa história): o reforço de guilhotinas, obturadores
circulares mais rápidos, cálculos do “tempo útil” de exposição (que reduzia o
“tempo total”), piscadelas das lamínulas, refinada supersensibilidade de
películas cada vez mais impressionáveis, flashes de magnésio, tudo servia
para reduzir esse tempo, esse verdadeiro tempo de incômodo.
(E note que “incômodo” significava, em primeiro lugar, humilhação,
tortura e confissão. Bossuet empregou essa palavra para dizer Inferno.)
Figura 43. Paul Regnard, “Contratura do rosto”, fotografia de “Ler... Rosalie”, lâmina VIII, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1877.
De qualquer modo, “quando se trata de reproduzir doentes”, escreveu
ainda Albert Londe, “de fato há um evidente interesse em diminuir tanto
quanto possível o tempo de exposição, quer por estarmos lidando com
sujeitos que dificilmente conservam a imobilidade, quer por trabalharmos
em salas de hospitais, em geral mal iluminadas. O aumento da rapidez dos
preparativos fotográficos foi decisivo, portanto, do ponto de vista da
aplicação às ciências médicas”.76
Pois bem, o que a fotografia, logo chamada de “instantânea”, queria negar
e reduzir, no tocante a isso, era meio parecido com sua matriz temporal, ou
seja, sua temporalidade-madre,*** algo que estivera no ponto fundamental
de seu nascimento. Trata-se da pose. Palavra que já convém escutar:
– A partir de ponere, isto é, postar um personagem, colocá-lo de pé,
“posicioná-lo”, pô-lo no lugar. Olhe de novo para Augustine, nem que
seja para sua verticalidade, sua verticalidade provisória, que é
“iconografada” como significante de uma espécie de ideal de conceito
clínico, seu chamado “estado normal”.
– A partir de pausa (a paúsis grega), a paralisação, a cessação, a pausa.
Refiro-me à paralisação, sim, à paralisação pela qual se constitui a pose
fotográfica, como retenção num ritmo, retenção de um ritmo.
– Pausa é também o nome da “estação” numa procissão, uma penitência
na Via Crúcis, e os corpos fotografados já são, para nós, corpos gloriosos
e mártires, em razão mesmo de terem sido entregues à imagem e
retidos (pela câmera) “na fronteira ambígua entre a execução e a
representação, entre a câmara de tortura e a sala do trono”.77
– Tornemos a escutar ponere, pôr, depor: é estender no leito fúnebre, é
acalmar para sempre, até mesmo destruir, é sepultar, dispor das
relíquias. Os cadáveres, escreveu Barthes, nunca são mais vivos que na
fotografia,78 porque a fotografia é uma prática das relíquias mais
paradoxais que há: momentos de vida.
– Pela última vez, preste atenção na palavra: ela significa depositar, ou
seja, investir. E da retenção (detenção e cessação) relança-se uma
espécie de protensão que é, ao mesmo tempo, um ato de desviar
(pauein, em grego): investimento e desvio, ou subtração, ou aposta num
futuro, especulação. Quero dizer, sobretudo, que a pose é um
movimento íntimo de expectativa. A propósito dos antigos retratos
fotográficos, Benjamin escreveu: “Durante a longa duração da pose,
eles [os ‘modelos’] como que se instalavam no interior da imagem”;79 e
essa instalação era investimento, protensão, expectativa, pois “o que
devia parecer desumano, diríamos até mortal, no daguerreótipo era que
ele obrigava a olhar (por um longo tempo, aliás) para um aparelho que
recebia a imagem do homem sem retribuir seu olhar. Pois não há olhar
que não espere, isto é o que importa, não há olhar que não espere uma
resposta do ser a que ele diz respeito”.80

A expectativa

Expectativa é uma palavra do olhar e uma palavra do tempo. Seria algo da


visibilidade que quase se priva e se entrega a um tempo de espera - havendo,
da expectativa à espera, uma espécie de lacuna tênue, mas radical, um
distanciamento comparável, talvez, àquilo que na angústia vira as costas ao
medo próximo demais.
Não posso dizer que as imagens possuem temporalidade, o que seria uma
formulação, como direi, timorata, até supersticiosa, muito fraca diante do
que é esperado nas imagens. As imagens não “têm” temporalidade, nem
como posse nem como predicação. Elas são durações, durações e tempos
sublógicos de atenção a modulações: de ritmos de retenções (de passados
que ainda não passaram, ou não passaram verdadeiramente) e de protensões
(de futuros que já não deverão vir); de batimentos, como os de cílios e
pálpebras, de aberturas e fechamentos; de durações de Augenblick, de
piscadelas e olhadelas; de durações de “oliocêntricos”, como escreveu
Joyce,81 de “etereografias” e sabe-se lá mais o quê.
A fotografia parece não ter futuro, porque “reflui da apresentação para a
retenção”,82 é claro; porque um presente da imagem só nos atinge como
atraso indefectível; ainda que a imagem fosse dotada de movimento, esse
atraso não se deixaria compensar.
É que ali termina um gesto. Tempo de suspensão, com certeza. Mas,
justamente, a expectativa chama essa suspensão de presença, isto é, repito,
de iminência, de urgência, a urgência do que está ali diante de mim, prae-
sens, que me olha cara a cara e que de repente me advirá como evento
absoluto - mas estou falando da fábrica fotográfica do evento, estou falando
da facticidade.
Mesmo assim, cada detalhe fotográfico tem valor de elemento ameaçador.
E cada parcela de ameaça afunda nosso imaginário na perspectiva de uma
carne ou já de uma morte, sempre muito, muito reais. Há nos retratos
fotográficos, talvez a despeito deles, um “precursor sombrio”83 que vigia, de
certo modo; ele sempre espera, espera uma fulguração, uma comoção, uma
catástrofe. E essa espera se faz imagem, e a imagem se faz na espera: insone.
Eu deveria interrogar aqui o que se costuma chamar de fantasia originária.
Isto porque um atraso que se faz antecipação, apesar de suas voltas ou seus
desvios, apesar de sua protensão, continua a ser atraso. E nisso, aliás, ele só
faz anteriorizar-se como atraso. Algo da própria protensão, portanto, fica
para trás - não: melhor dizendo, o que estava atrás torna-se a lateral do
olhar, uma fantasia. Pela qual sou grato. Como originariamente.
E a expectativa também dá nome a essa destinação ao futuro muito
anterior. É a postura de contornos delineados, sempre entregue ao paradoxo,
à contorção do futuro muito, muito anterior. Veja mais uma vez o retrato de
Augustine: é como se nele contemplássemos um destino, justamente porque
esse retrato apresenta ao vivo um atraso em relação à morte de Augustine -
porque Augustine, para nós, está morta há muito tempo, morta e enterrada.
Seu rosto, para seu retrato, é passado, até falecido, e para nós, durante esse
tempo, muito latente, muito iminente é sua morte.
Assim seria a prova fotográfica como imposição da expectativa: ela extrai
de seu “sujeito” um “traço vivo” e, a partir dessa extração ou tratamento (o
próprio pour-traire**** como se dizia antigamente), dessa tração lenta, com o
tempo exato de uma pose, destina seu sujeito a uma existência paradoxal de
still life [natureza-morta]. Um silêncio de vida, uma natureza que logo estará
morta. Portanto, ela é como que uma suspensão do luto, a antecipação
imaginária de um luto.
“No tempo de uma prova cujo benefício ou cujo resto será tua imagem, a
imagem de teus ‘traços vivos’, tua morte se enfeita, minha bela: si vis vitam,
para mortem,84 prepara tua morte, deixa que te façamos um adorno, uma
fotografia; conservemos tudo em imagens, e assim te pouparemos de
qualquer perda, com esses duplos peliculares de ti que são teus retratos,
nossos retratos...” Isto é o que poderia ter dito o fotógrafo a “sua” Augustine
subjugada.
Pois existem o fotógrafo e o fotografado: um prepara e adorna, o outro é
coagido a uma paciência que é padecimento e drama. O drama da pose, isto
é, o debate do sujeito com a imagem que dele se extrai, sujeitando-o à
semelhança de um quase rosto, como que por um quase assassinato, esse
drama seria figurado aqui pela incidência perturbadora de um sintoma
“apresentado” por Augustine justamente na época em que tiraram todas
essas fotografias suas: ela havia deixado de enxergar as cores; via tudo em
preto e branco.85

“Não tenho tempo” (o entreato)

E ela também dizia (talvez até se atordoando, de tanto repetir): “Não tenho
tempo (bis).” E depois: “Estou te dizendo que esta noite eu não posso [...] ele
me declarou que me mataria...”86
Realmente creio que a prova fotográfica (sua imposição da expectativa)
tenha-se beneficiado de uma coincidência, uma verdadeira sorte para uma
fábrica de imagens: o tempo da histérica já é culpado. Já é culpado e, em sua
relação simples com a visibilidade, recorta sua silhueta como no teatro de
sombras.
Traduziríamos o grego hystériké por: aquela que está sempre atrasada, a
intermitente. Sim, intermitente e histérica, ela é a intermitente por seu corpo;
vive no risco e na infelicidade de se enganar constantemente quanto à posse
de seu corpo, vive a experiência de que ele talvez não seja seu, chega até a
tentar, muitas vezes, tomar o corpo de outrem como o próprio corpo, e esse
risco é uma hesitação infindável, bem como uma tentativa reiterada de pôr
termo à hesitação, um questionamento incansável da infelicidade: onde
colocar este corpo, onde?
Ao temporalizar o sentido de acordo com essa hesitação, com esse risco e
essa intermitência, a histérica talvez experimente uma espécie de fora de si
da relação com o tempo, o fora de si que deixa um rastro, deixa traços e
sintomas no visível: adornos e rodeios da histérica no ser, uma relação do
tempo com o ser-aí: talvez seja este, bem aí, o “questionável” por excelência.
Esse rastro poderia ser a aura, um sopro a lhe acariciar o cabelo e a levar à
sua mente como que ruídos estranhos.87 Um desejo, alguma coisa do futuro
que afeta a representação e na qual um sujeito, uma louca, autodetermina
todo o seu poder.88 Uma infelicidade, já aquela, muito simplesmente, de um
“rumo incerto e cambiante dos acontecimentos” - o próprio sentido da
palavra grega aura.
Tal infelicidade afeta o retrato de Augustine (lâmina XIV) nos seguintes
termos: essa imagem, em si, não passa de uma intermitência; é, muito
exatamente, um entreato, um tempo de repouso no “estado patológico
histérico”, pois, no dizer de Charcot, “a contratura é sempre iminente nas
histéricas”,89 porque, “no estado patológico histeroepiléptico, de tempos em
tempos há momentos de trégua, uma espécie de entreatos durante os quais
as convulsões e o delírio se interrompem momentaneamente”.90 Esse retrato
corresponde a um ataque e uma pressa: esperou-se por essa trégua no
sofrimento de Augustine para fazê-la subir rapidamente no estrado, talvez,
penteada e vestida, entre uma cortina escura e o véu preto do fotógrafo, para
então tirar dela, com toda a pressa, uma “fisionomia normal”. Logo, é
provável que esse tenha sido o entreato de cenas violentas e gestos teatrais...

Perder os sentidos (a teatralização)

Por fim, quero dizer que talvez, nesse retrato, Augustine esteja prestes a
perder a consciência. Como posso me expressar? Próxima de um estado
corporal que é um estado, e de um estado que já não o é, e diante do corpo,
mas do outro lado, paralela a ele, porém do outro lado, ainda se sobressalta a
consciência, como membro de um ser esquecido, e a consciência é um teatro
em que um dia houve alguma coisa, dava para sentir, acho que se sentia isso,
como o membro esticado de um ser no auge do paroxismo, mas a cabeça é
parte disso, já não há cabeça nem ser, nem paroxismo nem auge, e em
frente, mas do outro lado, paralelo a ela, como ela esteve paralela a ele, já
não se encontra senão o corpo, despojado de sua consciência, mais vivo
ainda por estar morto,91 e o corpo já não pertence, não pertence mais a
Augustine.
Figura 44. Paul Regnard, “Histeroepilepsia, estado normal”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XIV, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris,
Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 45. Paul Regnard, “Início do ataque, grito”, fotografia de Augustine reproduzida em fototipia,
lâmina XV, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès
Médical & Delahaye, 1878. [O editor optou por respeitar a disposição original (posicionamento como
retrato ou como paisagem) das imagens provenientes das páginas da edição de referência da
Iconographie photographique de la Salpêtrière.]
E o corpo de Augustine já nem sequer nos resta como imagem,
exatamente; não nos resta senão como intermitência de duas imagens: veja a
simples transposição de uma página - da lâmina XIV para a lâmina XV
(figuras 44-45).
Lâmina XV: um grito, uma camisa de força, os retoques de guache
necessários a uma prova toda estragada, a prova das convulsões de
Augustine, num leito que ela viraria de cabeça para baixo, se não estivesse
entravada; um acontecimento que teria feito tremer a própria imagem, e
talvez até pusesse em perigo a integridade da máquina fotográfica, se a
jovem não tivesse sido amarrada...
E há entre essas duas imagens a intermitência, sem descanso para nós, de
alguém que já quase não se parece nada consigo. Pois bem, essa perda
transtornadora, de uma página e uma imagem para outra, esse verdadeiro
golpe teatral, nada mais é que o vento do sintoma na imagem: a crise, o
ataque, como diziam, está apenas começando:

Início do ataque. A respiração é irregular, a opressão,


evidente, a fala fica entrecortada; sentindo o ataque
iminente, L. tenta conter-se: “Minha... respiração... está...
di... difícil... Não... vou... passar... mal... para... não ter... que
tomar... nitrito de amila.” Há movimentos de elevação do
ventre; mastigação intermitente; as narinas se dilatam, a
testa se franze, as pálpebras palpitam rapidamente, o olhar
torna-se fixo, as pupilas se dilatam, os olhos voltam-se para
o alto, a doente perdeu a consciência.92

Notas

1
Cf. S. Mallarmé, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1945, p. 115, “Photographies”.
2
Cf. IPS, II, p. 123-186 e lâminas XIV-XXX; IPS, III, p. 187-199 e lâminas XIII-XVIII; P. Richer,
Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie, Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1885, passim.
3
J.-P. Sartre, L’lmaginaire. Psychologie phénoménologique de i'magination, Paris, Gallimard, 1940, p.
104 [O imaginário: psicologia fenomenológica da imaginação, ver Bibliografia].
4
IPS, II, p. 127-128.
5
Ibid., p. 125.
6
Ibid., p. 124, 133 etc.
7
M. Heidegger, Chemins qui ne menent nulle part, Paris, Gallimard, 1980, p. 146.
8
J. L. Schefer, L’Homme ordinaire du cinéma, Paris, Cahiers du Cinéma / Gallimard, 1980, p. 85.
9
Nadar, Quand j’étais photographe, Paris, Flammarion, 1900, p. 7, 8 e passim.
10
R. Barthes, La Chambre claire. Note sur la photographie, Paris, Cahiers du Cinéma / Gallimard,
1980, p. 30 [A câmara clara, ver Bibliografia].
11
Citado em S. Sontag, La Photographie, Paris, Seuil, 1979, p. 174 [Sobre a fotografia, ver Bibliografia];
cf. R. Krauss, “Tracing Nadar”, in October, 5, 1978, passim.
12
Cf. IPS, II, p. 124.
13
W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, in LHomme, le langage, la culture, Paris, Denoel,
1974, p. 70.
14
Ibid.
15
W. Benjamin, “L’Oeuvre d’art à l’ère de sa reproductibilité technique”, in LHomme, le langage, la
culture, op. cit., p. 152 [“A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, ver Bibliografia].
16
W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, op. cit., p. 61.
17
Ibid., p. 60.
18
Ibid., p. 62.
19
Cf. A. Guébhard, “L’Auréole photographique”, in Moniteur de la Photographie, ‘29, 1890, passim.
20
A. Guébhard, “Pourquoi les lointains viennent trop en photographie”, in Photo-midi, 1, 1898, p. 3.
21
W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, op. cit., p. 58-59.
22
Cf. H. Baraduc, Double prolapsus ovarien chez une hystérique. Compression ovarienne intravaginale
produisant le transfert, Paris, Parent-Davy, 1882, passim.
23
Cf. H. Baraduc, La Force vitale. Notre corps vital fluidique, sa formule biométrique, Paris, Carré,
1893, p. 197.
24
Ibid., p. 169.
25
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, Paris, Baillière, 1859. p. 600-601; H.
Baraduc, Double prolapsus ovarien..., op. cit., passim.
26
Cf. H. Baraduc, Méthode de radiographie humaine. La force courbe cosmique. Photographie des
vibrations de l’éther. Loi des Auras, Paris, Ollendorff, 1897, p. 3, 6, 12-14 etc.
27
Ibid., p. 33, 49.
28
Cf. H. Baraduc, La Force vitale..., op. cit., p. 220.
29
Cf. H. Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et Ficonographie de ^invisible
fluidique, Paris, Carré, 1896, p. 4-5, 51-52 etc.
30
Ibid., p. 109.
31
Cf. H. Baraduc, Méthode de radiographie humaine..., op. cit., passim.
32
Ibid., p. 49-50.
33
H. Baraduc, LÂme humaine..., op. cit., explicação da prova XXXVIII; ver H. Baraduc, Méthode de
radiographie humaine..., op. cit., p. 14 e figura 6.
34
H. Baraduc, LÂme humaine, op. cit., explicação da prova XXXV; cf. H. Baraduc, Méthode de
radiographie humaine..., op. cit., p. 21 e figura 9.
35
H. Baraduc, Méthode de radiographie humaine..., op. cit., p. 21, 27 e figuras 11-12.
36
H. Baraduc, LÂme humaine..., op. cit., p. 121.
37
Ibid., explicação da prova XIV.
38
Cf. E. Benveniste, Problèmes de linguistique générale, Paris, Gallimard, 1966-1974, v. I, p. 134-135
[Problemas de linguística geral, ver Bibliografia].
39
H. Baraduc, LÂme humaine, op. cit., provas XLIX e LII.
40
Ibid., p. 285-299.
41
Ibid., p. 111.
42
Cf. E. Azam, Hypnotisme et double conscience, Paris, Alcan, 1893, p. 348-349; A. Guébhard, “Sur les
prétendus enregistrements photographiques de fluide vital”, in La vie scientifique, n. 106, 108 e 110,
1897, passim; A. Guébhard, “Petit manuel de photographie spirite sans ‘fluide’”, in La photographie
pour tous, 1897-1898, passim.
43
IPS, II, p. 167.
44
Ibid., p. 125.
45
Cf. J.-M. Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, 1892-
1893, v. II, p. 389; P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p. 197-203.
46
Cf. A. Artaud, Oeuvres complètes, v. 1*, p. 58.
47
Cf. IPS, II, p. 134-135.
48
Ibid., p. 133.
49
Ibid., p. 129, 143; cf. IPS, III, p. 190-191.
50
Cf. IPS, II, p. 143.
51
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 29. Cf. também p. 22.-23.
52
Ibid., p. 22.
53
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. I, p.
325; J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 381.
54
Cf. S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, in La Naissance de la psychanalyse, Paris,
PUF, 1973, p. 363-367 [“Projeto para uma psicologia científica”, ver Bibliografia].
55
S. Freud, “Le refoulement”, in Métapsychologie, Paris, Gallimard, 1968, p. 60-61 [“Repressão”, ver
Bibliografia]; J. Breuer e S. Freud, Études sur l,hystérie (1893-1895), Paris, PUF, 1973, p. 106 [Estudos
sobre a histeria, ver Bibliografia].
56
Cf. S. Freud, Inhibition, symptôme et angoisse, Paris, PUF, 1978, p. 31 [“Inibições, sintomas e
ansiedade”, ver Bibliografia].
57
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur lhystérie (1893-1895), op. cit., 1973, p. 21 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
58
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtriere, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1876-1877, p. 6 e pranchas I -III (doravante citada como IPS, I).
59
Cf. P. Lacoue-Labarthe, Le Sujet de la philosophie: Typographies 1, Paris, AubierFlammarion, 1979,
p. 106-109; P. Lacoue-Labarthe, Portrait de l’artiste, en général, Paris, Bourgois, 1979, p. 24.
60
M. Heidegger, LÊtre et le Temps, Paris, Gallimard, 1964, p. 46. Grifo meu [Ser e tempo, ver
Bibliografia].
61
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 390.
62
J.-M. Charcot, De l’expectation en médecine, tese de concurso para o magistério superior, Paris,
Baillière, 1857, p. 43. Grifo meu.
63
Ibid., p. 45.
64
Ibid., p. 43.
65
Ch. Baudelaire, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1975-1976, v. I, p. 163, “Les promesses d’un
visage” [As promessas de um rosto].
66
IPS, II, p. 167. Grifo meu.
67
P. Brouardel, Le Secret Médical, Paris, Baillière, 1887, p. 240.
68
Ibid., p. 241-242.
69
F W. J. von Schelling, citado em H. Maldiney, Aitres de la langue et demeures de la pensée, Lausanne,
L’Âge d’homme, 1975, p. 38.
70
L. Marin, Détruire la peinture, Paris, Galilée, 1977, p. 70.
71
Cf. L.-B. Carré de Montgeron, La Vérité des miracles opérés à ^intercession de M. de Paris et autres
appelans, démontrée contre M. VArchevêque de Sens, s.e., 3 v., 1737, passim.
72
G. E. Lessing, Laocoon, ou des frontières de la peinture et de la poésie, Paris, Rermann, 1964, p. 109
[Laocoonte, ou Sobre as fronteiras da pintura e da poesia..., ver Bibliografia].
73
Cf. G. W. F Hegel, La Phénoménologie de l’esprit, Paris, Aubier-Montaigne, 1947, v. I, p. 83-92
[Fenomenologia do espirito, ver Bibliografia].
74
IPS, I, p. 22 e lâmina VIII.
75
A. Londe, La Photographie moderne. Pratique et applications, Paris, Masson, 1888, p. 78.
76
A. Londe, “L’Évolution de la photographie”, in Association Française pour l’avancement des sciences,
Paris, 1889, p. 14.
77
W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, op. cit., p. 66.
78
Cf. R. Barthes, La Chambre claire, op. cit., p. 123 [A câmara clara, ver Bibliografia].
79
W. Benjamin, “Petite histoire de la Photographie”, op. cit., p. 64.
80
W. Benjamin, citado em P. Lacoue-Labarthe, op. cit., p. 55. Grifo meu.
81
Cf. J. Joyce, Finnegans Wake, fragmentos adaptados por André du Bouchet, Paris, Gallimard, 1962,
p. 61, 72. [As traduções de eyegonblack (oliocêntrico) e fadograph (etereografia) são de Afonso
Teixeira Filho, em “A noite e as vidas de Renatos Avelar - Considerações sobre a tradução do primeiro
capítulo de Finnegans Wake, de James Joyce”, tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês, do Departamento de Letras Modernas da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2008. (N.T.)]
82
R. Barthes, La Chambre claire, op. cit., p. 140 [A câmara clara, ver Bibliografia].
83
Cf. G. Deleuze, Différence et répétition, Paris, PUF, 1968, p. 152, 156, 162-163 [Diferença e repetição,
ver Bibliografia].
84
Cf. S. Freud, “Considérations actuelles sur la guerre et la mort”, in Essais de psychanalyse, Paris,
Payot, 1968, p. 267 [“Reflexões para os tempos de guerra e morte”, ver Bibliografia. Diz a citação
latina: “Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte.”].
85
Cf. IPS, II, p. 129.
86
Ibid., p. 161.
87
Cf. A. Rimbaud, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1972, p. 12, “Ophélie” [Ofélia].
88
Cf. E. Kant, Anthropologie du point de vue pragmatique, Paris, Vrin, 1970, p. 109. “De la faculté de
désirer” [Antropologia de um ponto de vista pragmático, ver Bibliografia].
89
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IV, p. 322-323.
90
J. M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, Paris, Progrès Médical &
Lecrosnier & Babé,1888-1889, p. 69.
91
A. Artaud, Oeuvres complètes, v. XIV, p. 245.
92
IPS, II, p. 143.

* O neologismo prae-sens, homófono de présence, joga com as acepções de presença e de algo anterior
ao sentido, pré-significado. [N.T.]
** No francês, convém lembrar, temps de pose tanto expressa a ideia (técnica) do tempo de exposição
fotográfica quanto a ideia do tempo durante o qual um “modelo” posa para uma fotografia. E há
ainda as considerações sobre a pose na histeria, que o autor desenvolve adiante. [N.T.]
*** O autor parece jogar aqui com as acepções de “madre” como mãe e útero. [N.T.]
**** No francês antigo, traçar as primeiras linhas, delinear grosseiramente, adumbrar, esboçar,
tracejar, bosquejar. [N.T.]
Ataques e poses

Um quadro clássico

Se a doente perde a consciência, que resta à consciência para captar o ser da


doença? - Resta o espetáculo da doença.
Espasmos, convulsões, síncopes, simulacros de epilepsia, catalepsias,
êxtases, comas, letargias, delírios: mil formas em alguns instantes. A
“genialidade” de Charcot terá consistido, repito, não apenas em ele chegar a
uma descrição de tudo isso, mas também em cotejá-la com um tipo geral que
podia receber o nome de “grande ataque histérico”, ao qual alguns
acrescentavam “completo e regular”.1 Este se desenrolaria em quatro fases ou
períodos: o epileptoide, que imita ou “reproduz” um ataque epiléptico
padrão; o clownismo, que é a fase de contorções ou dos chamados
“movimentos ilógicos”; as “poses plásticas” ou “atitudes passionais”; e, por
fim, o delírio, chamado delírio terminal: a penosa fase durante a qual as
histéricas “começam a falar”, fase durante a qual tentava-se deter o ataque
por todos os meios.
Bem, tudo isso já é como que uma grande vingança da narrativa icônica
sobre as intermitências e os paradoxos da evidência do corpo histérico: olho
por olho. Charcot domesticou a mais barroca das teatralidades, logrou o
golpe de força, de força mesmo, de fazer dela não apenas um quadro clínico,
mas um quadro clássico. Vingança da academia contra a profusão de formas
heterodoxas: a classificação delas, finalmente.
Sejamos precisos: Charcot mais foi o empresário, o patrocinador de um
tipo narrativo e icônico que seu conceito de histeria e sua meta
epistemológica exigiam por princípio. O mestre de obras, o verdadeiro
homem infatigável, o ourives meticuloso, esse foi Paul Richer, o interno
favorito do serviço, (por ser?) um desenhista muito talentoso, por boas
razões: era professor de anatomia artística da Escola Nacional Superior de
Belas-Artes de Paris.
Assim, munido de seu grafite, Richer fez o percurso de todo o “grande
ataque histérico completo e regular”, em 86 figuras; e, das “principais
variedades” ou variações, precisou fornecer apenas nove figuras, o que
mostra a perfeição do modelo. O retoque final da empreitada ele deu ao
reunir toda essa sequência figurativa num único quadro sinóptico, que
apresentava, na horizontal, “a reprodução esquemática do grande ataque em
seu perfeito desenvolvimento” e, na vertical, para cada fase, uma amostra
das “variedades”, digamos, justamente mais clássicas2 (figura 46 e Apêndice
14). Sinopticamente: com uma única e abrangente olhadela.
E o quadro efetivamente equivalia à mais rigorosa e mais concisa das
descrições, ainda que fatalmente longa; ou, melhor, ao permitir a existência
e a validade metodológica dos traços pertinentes, ele permitia que uma
descrição fosse possível e, ainda assim, concisa.3 Portanto, um padrão
figurativo permitiu então discriminar, na histeria, formas “completas”,
formas “médias” e formas “rudimentares” ou “frustras”.4
É também nesse sentido que o quadro foi clássico: constituiu-se como
autoridade. Todos partiram dele.5 À sua maneira, cada um lhe rendeu
homenagens ou se definiu em relação a ele: assim, os alemães Andree e
Knoblauch fizeram pelos histéricos do sexo masculino, os traumatizados de
guerra, o que Richer havia feito, ao representar em seu quadro - será que isto
foi observado? - apenas um tipo feminino.6 Quanto ao professor Rummo, ele
não hesitou, em sua clínica em Pisa, em mandar editar uma Omaggio al prof.
J.-M. Charcot: uma série de setenta fotografias, setenta posturas e posições,
como catálogo vivo “da” crise histérica (a malha listrada e recorrente deixa-
nos uma impressão quase cinematográfica), um catálogo em que o próprio
real, fotograficamente autenticado, viria a homenagear a racionalidade dos
conceitos nosológicos e dos tipos figurativos da Salpêtrière7 (figuras 47-48).
Desse valor de homenagem, ou seja, também de vassalagem, há ainda
uma espécie de confissão, uma confissão implícita na Iconografia: a certa
altura de uma página, Bourneville chega a nos sugerir que as fotografias
apresentadas assemelham-se aos tipos definidos por Charcot, “visto que”, em
suas palavras, Charcot fora seu idealizador (seu mentor intelectual? Será que
essas imagens pensam?):
“Os ataques de A. assemelham-se, quanto à sucessão dos períodos, aos
ataques das doentes de que falamos até aqui. Vamos limitar- -nos a assinalar
que neles encontramos todas as características que o sr. Charcot descreveu
nas aulas que acaba de dar na Salpêtrière. É muito natural que seja assim, já
que foi com base em seus conselhos e suas indicações que se empreendeu a
tarefa que realizamos ao publicar a Iconografia.”8 Perfeitamente natural, de
fato. É da natureza das imagens clássicas, e constitui toda a sua eficácia,
obrigar o real a se assemelhar ao racional.

Augustine como obra-prima

E Augustine? Nessa fabricação figurativa e taxonômica, Augustine foi uma


espécie de pérola, uma obra-prima, a própria perfeição - ou seja, o álibi
perfeito.
Charcot fala dela como “um exemplo muito regular, muito clássico”,9 e
Richer capricha nas tintas, como sempre, ao escrever que ela “é aquela,
dentre nossas doentes, em quem essas poses plásticas ou atitudes passionais
têm mais regularidade”.10 Aliás, acaso não se nota que é sobretudo o rosto de
Augustine que, no grande mapa de Richer, ilustra, “faz a sinopse” da
histérica típica?
E Augustine - porém referimo-nos mais à série magnífica e regular de
suas poses (e, quanto a mim, estou falando do que resta dela, da magnífica
sequência de lâminas da Iconografia) -, Augustine teria sido, portanto, a
estrela dos modelos de todo um conceito de histeria, a ponto, por exemplo,
de Moebius, o mais misógino de todos os psiquiatras da época, não ter
podido prescindir de “figurá-la” em seu tratado das doenças nervosas.11
Além disso, Augustine não parecia ser muito cheia de astúcias. Tinha
quinze anos e meio ao ingressar na Salpêtrière e, nessa idade, ainda não se
está decidida a imitar fraudulentamente a “coreia rítmica”, por exemplo, da
qual ela sofria, aliás. Assim, era considerada, de certa maneira, uma
histeroepiléptica sincera, nem “farsante” nem “estilosa”12 - regular, portanto.
Tinha quinze anos e meio ao ingressar na Salpêtrière, e foi sob o olhar e a
ternura de seus médicos que se “tornou mulher”, ou seja, ficou regrada,
como não se esquecem de nos dizer.13
Figura 46. Paul Richer, quadro sinóptico do grande ataque histérico, completo e regular, com posições
típicas e variações; água-forte, lâmina V, reproduzida em Études cliniques sur la grande hystérie ou
hystéro-épilepsie, Paris, O. Doin, 1881.
Figuras 47-48. Gaetano Rummo, duas lâminas extraídas da Iconografia fotografica del grande Isterismo,
dedicada a Charcot, Nápoles, Clinica Medica Propedeutica di Pisa, 1890.

Mas, repito, o que fez de Augustine uma das grandes estrelas da


Iconografia fotográfica da Salpêtrière foi, antes de tudo, uma espécie de
desenrolar temporal, sempre muito bem delineado, de “repousos” e
“entreatos” de seus ataques: a espécie de recorte dramatúrgico de seus
sintomas em atos, cenas e quadros - a chamada intermitência plasticamente
regular. Assim, seu corpo fazia de si uma doação rigorosa, em a minúsculo, b
minúsculo, c minúsculo.14 E parecia deixar esquecer que a representação,
como forma do tempo, esquece certa infelicidade do tempo.
O momento escultórico (a contratura)

Há um momento, escreve Hegel, em que a estátua, que é o “repouso


perfeitamente livre”, pede para se tornar um Eu vivo: é assim que “o homem
se coloca no lugar da estátua”, faz-se “obra de arte viva”. E então, diz Hegel, o
homem se torna o “movimento perfeitamente livre”,15 e tudo é festa.
Uma histérica pode ser uma obra de arte viva, e insistirei em falar de
Augustine como obra-prima - a obra-prima e a “coisa” de seus médicos -,
mas, em certo sentido, a histérica permanece como estátua, por lhe faltar essa
perfeita liberdade de movimentos de que fala Hegel. Quando ela se mexe,
mesmo com violência, mais parece uma marionete - porém marionete de
quem?
Talvez isso se deva a ela estupefazer a si mesma, por ser uma obra para
terceiros, e a não poder, talvez por essa razão, deixar algo como um “manter-
se imóvel” da fantasia. Ora, mas isso é uma bênção para o fotógrafo, quando
o tempo de exposição é longo para ele.
Chama-se a isso contratura histérica. E este não é um conceito totalmente
simples. Alguns alegam tratar-se de um fenômeno muscular paradoxal, que
poderia ser formulado da seguinte maneira: um músculo é passível de entrar
em estado de contração (até mesmo permanente) pelo simples fato de seus
pontos de fixação se aproximarem, ou, dito de outra maneira, pelo simples
fato de seu relaxamento. Charcot criticou essa ideia de paradoxo muscular,
que vinha de Westphal, entre outros, enunciando que a contratura histérica,
mesmo permanente, “encontra sua causa na tensão brusca do grupo
muscular antagonista”.16 Charcot chamava de “diátese de contratura” o
conceito geral da “predisposição especial do músculo a entrar em
contratura”.17
Mas persistem alguns paradoxos inexplicados. O que Briquet chamava de
“perversão da contratilidade”18 se manteria, a princípio, como uma espécie
de terra de ninguém nosológica, entre paralisia e contorção, entre
imobilidade e movimento.19 A contratura histérica é uma impotência
motora, a rigidez involuntária e persistente de um membro, porém não é
uma paralisia no sentido clássico, pois a textura da fibra muscular em si
permanece inalterada, assim como a estrutura dos centros motores. Seu
paradoxo reside em sua natureza exclusivamente local (sem lesão
concomitante), em seu caráter extraordinariamente móvel; e, além disso,
acima de tudo, ela é intermitente. Seu paradoxo está em ser o detalhe (local)
ou o interlúdio (uma fase em si) dos ataques convulsivos da histeria,
constituindo apenas um fio na meada de todos os problemas motores que
devastavam e quase desconjuntavam o pobre corpo de Augustine:
“espasmos”, “tremores”, “cãibras”, “saltos” e “sobressaltos”, e por aí vai.20
Eram imprevisíveis as suas contraturas: de repente, o pescoço se torcia, e
com tal violência que o queixo ultrapassava o ombro e se juntava à
omoplata; a perna enrijecia-se subitamente, como a de um coxo, numa flexão
tal que “o calcanhar encosta no períneo”; os dois braços viravam para trás,
de repente, e executavam muitas vezes seguidas esse movimento cruel, e
depois ficavam totalmente rígidos: “O corpo inteiro enrijece; os braços ficam
duros, executando ou não um movimento mais ou menos perfeito de
circundução, e em seguida é comum se aproximarem um do outro na linha
mediana do corpo, unindo os pulsos pela face dorsal”21 (figura 49).
Isso descreve o paradoxo e as próprias agonias do tétano: um corpo
entregue a contraturas inimagináveis e recorrentes, porém imprevisíveis,
intermitentes. Richer dava a isso o nome de “imobilidade tônica”.22

A mão-morta

Repito que isso foi uma bênção para Regnard, porque o tétano constituía, ao
mesmo tempo, uma trégua do movimento, a viabilização da pose e,
portanto, a possibilidade da nitidez da imagem - e era, ao mesmo tempo, o
sinal mais convincente da gesticulação totalmente desregulada do corpo
histérico durante o ataque: era, portanto, um momento fixo da contorção, ou
mesmo da convulsão. O momento escultórico de uma espécie de
motricidade, só que completamente aquietada. Uma estátua de dor viva.
E isso não deve ser entendido como uma metáfora, porque as contraturas
histéricas, em especial as das mãos e dos pés, forneceram a mais generosa
matéria-prima a um museu de moldes que Charcot também havia criado na
Salpêtrière - outro eminente “laboratório” de predação das formas
patológicas (hoje quase totalmente destruído). Com efeito, era muito fácil
jogar gesso numa dada “mão torta” ou noutro “pé equinovaro”, muito fácil
misturar o gesso e recobrir os membros atados de dor, muito fácil deixar
secar o gesso e obter um belo molde dos poros e dobras mais ínfimos, as
dobras do próprio ataque histérico! Era fácil porque significava apenas
confirmar o estado vigente, a contratura; provavelmente prolongá-la só um
pouquinho, vez por outra - mas isso não tinha importância: o corpo
histérico engessado era ainda mais digno de atenção, de ciência e de ternura,
quem sabe (figura 51).
Neste momento, penso numa palavra, mão-morta, que designa uma
prática que você talvez suponha obsoleta: o direito de um senhor dispor dos
bens de um vassalo quando da morte deste. Assim, o ateliê de moldagem e o
ateliê de fotografia foram como que instrumentos de uma espécie de direito
de mão-morta figurativa sobre os corpos das histéricas. O corpo era o único
bem que elas possuíam, e suas contraturas foram, notadamente, uma espécie
de doação ao grande museu parisiense da patologia. Refiro-me mais a um
direito do que a um saber porque isso nem sempre explicava grande coisa do
mecanismo em si da contratura histérica.23 Mas já fazia as vezes, e
esplendidamente, da melhor descrição ou do melhor esquema.24
Será mesmo? Nada é simples, e uma coisa, pelo menos, não nos deve
escapar: nem os moldes nem as fotografias suplantaram realmente, nos
processos de figuração e transmissão, a prática do esquema. Paul Richer
serviu-se, de fato, da fotografia de Augustine tetanizada (figura 49) para
gravar alguma coisa da chamada “primeira fase” - a “epileptoide” - do ataque
histérico25 (figura 50). Essa é uma operação fundamental, porque recompõe
a imagem fotográfica e, ao fazê-lo, finalmente a atribui a um relato clínico, e
esse era todo o desafio.
Figura 49. Paul Regnard, “Tetania”, fotografia de Augustine reproduzida em fototipia, lâmina XVI, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1878.
Assim, a própria gravura assume o direito de mão-morta sobre a
fotografia: compõe com ela uma coerência significante a posteriori, com base
no “bem” visível deixado pela prova fotográfica. Compare as imagens:
pernas desnudadas, com uma nova contratura, como revelação da parte
inferior de uma fotografia que não mostrava o bastante; um exagero
absolutamente “expressivo” da crispação dos ombros; seios um pouco mais à
mostra; uma espuma bem nítida saindo da boca; desaparecimento das
correias de atamento ao leito; e até a cabeleira Richer nos torna mais
“expressiva”, como uma torrente desordenada de paixão.

O afeto, como algo projetado no alto

É claro que Richer não extraiu nenhum esquema da lâmina seguinte da


Iconografia (figura 52), embora ela exibisse uma legenda idêntica, “tetania”,
acrescida desta especificação (será que o é mesmo?): “Atitude da face.” É que,
nesse ponto, a prova fotográfica não contava nada, nada de realmente
descritível: era apenas rosto e olhar. Cercados de sombra. Apenas parecem
estar às voltas com algo projetado no alto.
Com essa fotografia, cai-nos de novo nas mãos o que continua a ser um
enigma da contratura histérica, e que sua esquematização, sua descrição ou
sua moldagem não desfazem. É o enigma, repito, de sua temporalidade, de
sua intermitência, ou seja, da pergunta: essa contratura, tal como “de repente
atingiu o auge”, será permanente? Desaparecerá de maneira “súbita” e
“espontânea”? Não deveria “levar-nos, naturalmente, a suspeitar da
iminência nela de uma tempestade histérica”?26 Ou o que mais?
Com essa fotografia, compete-nos, de fato, a questão da relação entre a
contratura histérica e o que ela esconde, e que talvez a fundamente. Ora, o
elemento projetado no alto e que obseda essa imagem talvez seja um afeto.
Kant falava de emoções que “têm a particularidade de paralisar o objetivo a
que se propõem. São o sentimento repentino de que um mal é uma afronta,
mas a violência delas é incapaz de afastar esse mal”.27 É curioso, a respeito
disso, ver Kant referir essa definição, imediatamente, a um enigma, a uma
suspeita que concerne, justamente, a algo como uma projeção da iminência
na visibilidade: “O que devemos temer mais: aquele que uma cólera violenta
faz empalidecer ou aquele que ela faz enrubescer?”28 Somos incapazes, é
claro, de ver alguma coisa dessa ordem no rosto de Augustine, mas, ainda
assim, de minha parte, pressinto nela toda a pregnância de um afeto. E
nenhum texto da Salpêtrière jamais poderá realmente me servir de atestação
nesse ponto, pois há apenas descrições de sintomas “físicos”.
Figura 50. Paul Richer, Fase de imobilidade tônica ou tetania, lâmina gravada com base na fotografia
anterior, lâmina II, reproduzida em Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie, Paris, O.
Doin, 1881.
Figura 51. Molde em gesso feito “ao vivo” para o museu de moldes da Salpêtrière, chamado Museu
Charcot.

Freud, no entanto, já em 1888 questionou as paralisias e as contraturas


histéricas, inclusive em francês, e dentro da ortodoxia - de Charcot? Ele
tentou. Mas, passadas algumas páginas, não pôde mais seguir Charcot até o
fim, ou seja, até o modelo teórico da famosa “lesão dinâmica”: tomou as
coisas de maneira mais “ingênua”, constatando que “a histérica se comporta,
em suas paralisias e outras manifestações, como se a anatomia não
existisse”.29
Então, para sair da aporia (por que, na contratura, o órgão é uma “massa
morta”, por que se faz de morto, quando está intacto e até muito sensível?),
Freud pede clemência: “Para isto, apenas solicito permissão para passar ao
terreno da psicologia”,30 escreveu, quase como um prisioneiro que pedisse
ao diretor um visto para fora do país.
E, antes de se decidir realmente pela fuga, ele se pôs a dar exemplos
retirados dos mitos e da antropologia; falou em “associação” e em “valor
afetivo”: “O órgão paralisado ou a função abolida empenha-se numa
associação subconsciente provida de grande valor afetivo, e é possível
mostrar que o braço se liberta assim que esse valor afetivo é apagado [...].
Nas paralisias histéricas, a lesão não consiste senão na inacessibilidade da
concepção do órgão ou da função para as associações do eu consciente.”31
Esse valor de associação de que Freud suspeitou é crucial: já não poderia
guiar-nos pelo extraordinário percurso das contraturas de Augustine? “[...]
Contratura da mandíbula e da língua. Não se consegue deslocar a
mandíbula.” Ainda assim, abriu-se a boca da paciente.

Vê-se a língua no fundo da boca, totalmente curvada num


semicírculo, com a ponta invisível; é como se a doente fosse
engolir sua língua [...]. Às vezes, L., usando a camisa de
força, tenta esfregar o olho direito, a pretexto de que ele está
espremido, de que “quer se juntar ao olho esquerdo”. Talvez
se trate de uma contratura do músculo direito interno, é
muito provável. L. está surda há 45 minutos. Alega ter “uma
aranha na orelha direita”, sem dúvida, para traduzir as
sensações que experimenta.32
Figura 52. Paul Regnard, “Tetania, atitude da face”, fotografia de Augustine reproduzida em fototipia,
lâmina XVII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès
Médical & Delahaye, 1878.
O olhar torto da histérica

Que um afeto pudesse pairar no alto e se impor ao olhar foi o que


Bourneville recusou-se a pensar, no tocante a Augustine. Se ele constatou,
com razão, alguma ligação entre os problemas da visão e a contratura
histérica, foi para registrar o fato de que isso era unicamente, ou quase
unicamente, uma questão de músculos.
Já havia nisso um ódio ao olhar. Mas havia também, é claro, uma paixão
de examinar, de perscrutar o interior das pupilas, íris ou retinas das
histéricas. Uma forma de negociar um enfrentamento da histeria de maneira
vantajosa para a ciência. E Charcot se vangloriou em alto e bom som: “É
possível que eu tenha examinado milhares de vezes o campo visual das
histéricas”;33 foi assim que lhe sucedeu entrar no assunto.
Paixão também por uma exaustividade, ou, melhor, pela exaustão: montar
quadros de todos os “sintomas oculares” da histeria, esgotando-os (e a
exaustão não os esgota no cara a cara, mas fazendo o cerco). Resumindo,
paralisias do aparelho motor do olho, espasmos das pálpebras, micropsias,
macropsias, encolhimentos concêntricos do campo visual e as mais diversas
discromatopsias (prejuízos no sentido das cores), ainda que, “com bastante
frequência, a ideia do vermelho seja a única a persistir”, segundo a
constatação de Charcot;34 as histéricas podiam ver o mundo, por exemplo,
como “numa pintura em matizes de cinza, ou numa aquarela sépia”,35 e
assim por diante.
Durante muito tempo, a grande palavra foi “funcional”: todos esses
distúrbios eram funcionais, nem mais, nem menos, porque, mais uma vez,
não eram acompanhados, no fundo do olho, por nenhuma alteração
visível}36
Outra coisa que continuava muito improvável, mas persistia, era a
chamada lei dos “fascículos ópticos”,37 que se deixava achincalhar sem a
menor vergonha pela “visão histérica”. Esta zombava de toda a anatomia ou
de toda a fisiologia ocular; ficava torta ou retorcida. Na maioria dos casos,
pelo menos, era dissimétrica: assim, Augustine sofria de uma grande
redução da acuidade visual do lado direito, mas, do lado esquerdo, gozava
de uma visão “mais do que normal”;38 era principalmente do lado direito
que ela era discromatóptica: confundia vermelho com azul, verde com
laranja, ou ficava inteiramente acromatóptica, e, nessas horas, via tudo como
que numa fotografia...39
Figura 53. Albert Londe, “Blefarospasmo” [piscadela histérica], fotografia reproduzida em fototipia,
lâmina XVII, em Nouvelle iconographie de la Salpêtrière, Paris, Lecrosnier & Babé, 1889.
Figura 54. Albert Londe, “Blefarospasmo histérico” [fotofobia histérica], fotografia reproduzida em
fototipia, lâmina XIX, em Nouvelle iconographie de la Salpêtrière, Paris, Lecrosnier & Babé, 1889.
Os psiquiatras da Salpêtrière prestavam rigorosa atenção a esses
fenômenos de assimetria do olhar. A midríase, isto é, a dilatação anormal da
pupila (amiúde acompanhada por uma persistência de imobilidade da íris),
era considerada um estigma histérico,40 ou neuropático, de modo geral.
Charles Féré, grande especialista em todas as formas de criminalidade e
“degenerescência”, também escreveu um belo artigo sobre “a assimetria
cromática da íris, considerada um estigma neuropático”.41
(Divulgo, de passagem, uma pequena fofoca: o próprio professor Charcot
era afetado por essa marca vergonhosa; paira sobre isso certo silêncio, mas
você poderá observar, por exemplo, que seus retratos fotográficos indicam,
na maioria das vezes, uma firme recusa a posar de frente.)
E, quando se fotografavam histéricas afetadas por distúrbios oculares, era
preciso, de qualquer modo, para identificar com exatidão a menor
dissimetria, plantá-las numa posição bem perpendicular à câmera. Albert
Londe exigia, além disso, um olhar que fosse “natural e normal, na direção
geral da figura”, e exigia que a pessoa “olhasse, e não fixasse o olhar”, porque
fixar, dizia ele, trazia uma “dureza” excessiva.42 Assim, ele nos deixou na
Nova iconografia da Salpêtrière alguns retratos que são clássicos do gênero,
como o da jovem afetada por uma contratura espasmódica da pálpebra (a tal
ponto que, quando se “procurava levantá-la, sentia-se uma resistência que,
embora não fosse considerável, ainda assim era muito apreciável”),43 jovem
esta que ficava afônica quando seu médico, Gilles de la Tourette, tentava
suprimir essa piscadela permanente e afrontosa (figura 53). Ou então o
retrato de “Jeanne Ag., 26 anos”, cujos olhos eram “sede de uma hiperestesia
requintada”44 - e saiba que, na medicina, a palavra “requintada” não
comporta nenhuma conotação de aprovação. Na verdade, qualquer luz era
um tormento para essa jovem (mas Londe precisou de luz para fazer sua
foto e, no retraimento do rosto e nas pálpebras abaixadas da paciente, fica
visível para nós a dor da experiência de posar). Aliás, um médico bem-
intencionado havia seccionado os nervos suborbitários dessa fotofóbica - e
dos dois lados, o que não é insignificante - antes mesmo de ela ingressar na
Salpêtrière, pouco antes, portanto, de Gilles de la Tourette vir a reconhecer,
talvez com certo despeito nosológico, uma “origem psíquica” desse
sintoma45 (figura 54).

Medição do olhar, à vontade

Psíquico, na Salpêtrière, queria dizer psicofisiológico, ou, melhor,


neuropatológico. Foi como “complemento obrigatório de um instituto de
neuropatologia”46 que Charcot decidiu mandar construir, em 1881, todo um
“laboratório” de oftalmologia, ao lado do estúdio de fotografia e do museu
dos moldes. Havia ali uma verdadeira indústria de padronização e medidas
de todos os atos de percepção, imagináveis ou inimagináveis. Ali se media à
vontade o olhar torto das histéricas. Montavam-se cartografias, sobretudo
dos campos visuais, em formulários-padrão a serem “preenchidos” e
coloridos.
Sim, avaliar também significa olhar, mas de que maneira! E de qual
maneira? - esta é minha pergunta. Quero assinalar desde já que os
protocolos dos exames de vista decorriam quase que de uma pulsão, cujo
objeto seriam todas as visões dos outros (as visões doentes, mais
precisamente): era uma pulsão escópica, a pulsão escópica como destinada a
gozar de todas as outras pulsões, a pulsão escópica totalitária.
Pois bem, a histeria se prestava, realmente, se prestava para isso. Suas
intermitências, suas auras passageiras em que um dado sentido das cores
vinha a se converter inteiramente,47 qualquer transfiguração sintomática em
geral tornava-se propícia para Charcot e a clínica “verem o novo”.
Freud, por seu lado, indicou que os distúrbios da visão na histeria
decorriam, de fato, de uma dissociação do processo perceptivo, entre as
pulsões sexuais e as pulsões do eu, no dizer dele. Consequência desse efeito
dissociative: é quando tendem a ver no inconsciente que as histéricas ficam
cegas, inopinadamente. É que o ver é passível de recalcamento, no qual um
“grupo de representações” sofre uma espécie de Urteilwerfung - um “juízo
condenatório”,48 nas palavras de Freud. Ora, o sintoma em si tem como
“precondição” o fracasso do recalcamento.49 O que significa isso? Significa o
olho estar condenado a uma situação impossível: a de “servir a dois senhores
ao mesmo tempo”, como escreveu Freud.50 E assim, de uma atração, por
exemplo, de um encanto, Reize, surge infalivelmente uma “irritação”, Reize,
uma infecção, uma dissociação da visibilidade.
Ora, tudo isso existe porque, bem no cerne do ver, existe a culpa.51 Não
estou longe de pensar que, no recinto da Salpêtrière, um dos dois “senhores”
em questão possa muito bem ter-se chamado “Charcot”, por exemplo.
“Charcot” como instância no cerne da própria síndrome histérica. Também
imagino Charcot e seus colegas (seus cúmplices?) vendo “o novo” cada vez
mais, à medida que “suas” histéricas ficavam mais e mais intimamente
culpadas, de uma culpa da qual chego a imaginar que a Salpêtrière fosse
como que o território de gestão.
Ademais, essa era a oportunidade para que Charcot levasse cada vez mais
longe o seu próprio Schaulust [gozo de olhar], e ele derivava para essa
direção, chegava a querer enxergar dentro da mais fugaz e inconsciente visão
dessas jovens, de olhos incompreensivelmente irritados, destinadas a residir
em seu serviço. Sim, sedução e irritação realmente caminhavam de mãos
dadas.
Por exemplo, Charcot mostrava uma preferência pelo escotoma cintilante,
a evanescente “figura luminosa” que ofuscava a visão por ocasião das
“enxaquecas oftálmicas” ou outros sintomas mais característicos da histeria;
fez questão de descrevê-lo, de contá-lo como cena ou história, de convocá-lo
como esquema figurativo, e, assim, de produzir dele um croqui52 (figura 55).
Muitas vezes, aliás, tentou arrancar das pacientes que o consultavam
descrições conformes à sua, conformes a seu esquema figurativo (ele
mesmo, segundo dizia, “às vezes” ficava sujeito a escotomas, e talvez por isso
desejasse ainda mais analisá-los), porém sem obter outros resultados que
não alguns paradoxos, como um “resplandecer” de trevas, formulação
inadmissível para ele. Charcot via no escotoma “uma fortificação”, dizia, até
mesmo “à la Vauban”53 (cf. Apêndice 15).

Figura 55. Diferentes fases do escotoma cintilante, segundo Huber Airy (as
letras indicam as cores), em Oeuvres complètes de J.-M. Charcot. Leçons sur
les maladies du système nerveux, reunidas e publicadas pelos srs. Babinski,
Bernard, Féré, Guinon, Marie e Gilles de la Tourette, Paris, Progrès Médical
& Lecrosnier & Babé, 1890, v. III, p. 76.
Outro exemplo, ligado a essa paixão de penetrar pelo olhar na intimidade
da visão do outro, e até na intimidade do seu não ver, é um caso de
“supressão brusca e isolada da visão mental de signos e objetos, formas e
cores”;54 alguém até parecido com Charcot, com o que me refiro a um
homem dotado de gosto pelas formas e de uma memória visual
extraordinária, foi procurá-lo por estar experimentando uma perda
completa de qualquer ideação da forma e da cor; já não conseguia fazer
nenhuma “representação figurada” para si e esquecia os rostos de todos os
que lhe eram próximos, até mesmo o seu, o qual não reconhecia no espelho.
Sonhava sem imagens, o pobre infeliz.55 Não sabemos se esse caso estranho
e anônimo foi curado, mas serviu justamente de material para que Charcot
elaborasse conceitos inteiramente dominados pela função da imagem: um
conceito da palavra como “complexo” de imagens (“imagem comemorativa”,
“imagem auditiva”, “imagem visual”, “imagem motora de articulação”,
“imagem motora gráfica”); uma teoria das amnésias e da memória em geral
como pregnância de imagens; e até uma ciência dos sonhos, como ciência de
imagens íntimas...56
As desgraças da visão, ao menos para ele, eram uma oportunidade de ver
o novo.

Sonhos (teatros, fogo, sangue)

Lembra-se dos sonhos com fogo, com caixas de imagens ou de joias, sonhos
com pinturas, com a Madona Sistina? Freud escandiu a fala de Dora, que lhe
desfiou uma meada de dois sonhos, e o que compreendeu? Desde logo, que
havia uma cisão do corpo histérico e do sonho histérico (o sonho com um
corpo erótico, totalmente erótico, mas no fundo não simbolizado,
cristalizado como imagem);57 Freud entendeu isso como uma não direção da
representação, o que o obrigou a seguir os significantes não apenas por suas
pistas, mas também pelas modulações de desvios - e isso era interpretar.58
Quanto a Charcot, ele estava em busca de uma unidade dramática, não de
uma cisão. Mais do que interpretar, criava uma cenografia, de acordo com a
unidade de lugar e tempo de uma representação muito “clássica”. Precisava
ter tudo na mesma cena, uma espécie de recinto de visibilidade, para seu
olhar unificado. Era surdo aos ruídos dos bastidores, aos ruídos da rua às
suas costas. Não imaginava a existência de outra teatralidade, de outro estilo
- o de um “teatro privado”, por exemplo, talvez privado de espectadores. É
que Charcot exigia assistir a tudo. Refutava de antemão a ideia de “outra
cena” (isto é, de uma cena absolutamente inatingível pelo olhar).
Indico de passagem que ele foi leitor de Hervey de Saint-Denys, autor de
uma espécie de manual de direção cênica, um pequeno guia dos meios de
dirigir os próprios sonhos.59 Um capítulo inteiro do livro era dedicado à
analogia entre sonho e fotografia (os “clichês- -lembranças”);60 um
frontispício fornecia até um esquete “típico” de sonho (mulher nua, olhares
de homens, um pintor etc.) e a representação de alguns lindos escotominhas
coloridos (figura 56).
Quanto a Bourneville, podemos dizer que ele fez uma tentativa honesta de
contar tudo que Augustine sonhava. Contar a clínica (de kliné, o leito), se
não a chave de seus sonhos. Sonhos com fogo também.61 Sonhos de não
estar mais aprisionada na Salpêtrière, de sair e assistir “a uma peça teatral
em que representassem uma revolução”.62 Sonhos com sangue. “Sonhos
pavorosos, sobre os quais a doente se recusa a fornecer detalhes”, muitas
vezes.63
Augustine também desfiava outras palavras, mas para a escuta de quem?
“A pessoa imagina que sonhou”, dizia, “quando simplesmente ouviu uma
conversa.”64 E não saberemos muito mais a respeito disso, porque nisso,
justamente, Bourneville não insistia muito.

Visões

Augustine, ao contrário, ouvia vozes e tinha visões, de forma irreprimível,


e uma espécie de segredo não apenas se libertava nelas, mas era realmente
encenado, e como que num primeiro plano exagerado.
Então, o lábio úmido, ela sabia a ciência de perder no fundo de um leito a
antiga consciência,65 e de demonstrá-lo através de uma centena de gestos!
Ficava claro que, nessas horas, deixava-se dominar por “visões imaginárias
que só têm o corpo como causa”, puras ilusões, por tanto.66 E, do ponto de
vista da medicina legal, havia uma grande preocupação de denunciar as
“falsas alegações de histéricas alucinadas”.67
Figura 56. Léon d’Hervey de Saint-Denys, Os sonhos, lâmina no frontispício de Les Rêves et les moyens
de les diriger, Paris, Amyot, 1867.

Na maioria das vezes, eram visões de estupros, sangue, mais incêndios,


pavores e ódios dos homens. Pavores, com certeza. Mas, ainda assim, uma
sorte danada para um saber psiquiátrico inteiramente movido pela paixão
dramatúrgica.
Repito que, com essas “visões histéricas”, uma representação era posta em
primeiro plano68 - justamente aquela que indiquei ser passível de
recalcamento. Mas o recalcamento, nesse caso, estava condenado ao
fracasso, e de modo tão radical que a identidade-Augustine repelia-se por
completo da realidade; e o recalcado fazia um retorno fulminante, como
chamas, na mundanidade de Augustine - algo como uma projeção, no
sentido forte da palavra, uma projeção totalmente focalizada numa imagem,
uma imagem especular. “Visões”, portanto: o ataque a todo o ser-aí de
Augustine por uma imagem “em ato”, gesticulada.
O fato de uma “visão”, a mais íntima e imediata, ter sido representada e
posta em prática, como a ampliação em público de um espetáculo de si
mesma, do eu, era o que permitia que se tirassem fotos (figuras 57-58), ainda
mais porque sucedia a Augustine tetanizar-se no próprio ato de imagem
constituído por sua “visão” (figura 52).
“Gritos de pavor, de dor, lágrimas contidas; X. se agita, levanta-se, agacha-
se sobre os calcanhares, exprimindo ameaça na atitude e na fisionomia; as
lâminas XVII (figura 52) e XVIII (figura 57) representam essa fase em dois
ataques diferentes.”69 O que Bourneville já silencia é o sentido dessa ameaça,
seu tema, pois nas imagens Augustine tanto parece sofrer (figura 58) quanto
fazer sofrer (figura 57) com a ameaça.
Portanto, há aspectos silenciados no comentário, embora Augustine, ao
entregar sua “visão” no aparecer de uma gesticulação, quase se condenasse a
uma narrativa, a um relato muito ligeiramente mediatizado de sua
experiência delirante. Como que para justificar a imagem dela “a ser
publicada” na Iconografia, a própria paciente forneceu uma legenda de seus
gestos. E com certo prazer.
(Razão pela qual ela nunca chegaria ao ponto em que Rimbaud deixou
seus passos: “Inumeráveis são as alucinações. É bem a que sempre tive: não
mais confiança na história, esquecimento dos princípios. Calarei: poetas e
visionários ficariam enciumados. Sou mil vezes mais rico, sejamos avaros
como o mar.”)70
Figura 57. Paul Regnard, “Atitudes passionais, ameaça”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XVIII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 58. Paul Regnard, “Atitudes passionais, ameaça”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XXVII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 59. Paul Regnard, “Atitudes passionais, alucinações auditivas”, fotografia de Augustine
reproduzida em fototipia, lâmina XXIV, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la
Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Sua fisionomia “exprimia” a ameaça, portanto, ou talvez fosse pelo fato de
sua boca proferir, ao mesmo tempo, quase de imediato, no texto
acrescentado por Bourneville: “‘Seu porco imundo! Grosseirão!... Isso é
permitido?...’ Ela esconde o rosto com as mãos, cruza os braços, ameaça com
a cabeça: ‘Ele me deixa atormentada!... Vou assim que puder... Você está me
fazendo engolir sapos.’ Abre a boca e nela introduz a mão, como se fosse
retirar alguma coisa.”71
Mas daí, aparentemente, não havia recuo algum. Ao contrário, alguma
coisa desembestava, uma infecção alucinatória de todo o espaço, de todo o
tempo. Fala desvairada, órgãos desvairados. Em toda parte ela via bichos
negros, “parecidos com ratazanas”, ou então “chatos, pretos, com conchas”.72
Vez por outra, o mundo inteiro se coloria de estranhos reflexos. Fantasmas
povoavam a vida de Augustine. Ela se achava mergulhada no coração de
dramas que já tinha vivido, ou sobre os quais lera em romances.73 De
repente, os mortos “se enfureciam”, e diz Bourneville (sem se sentir
minimamente implicado): “Quando os homens em volta dela falam, de suas
bocas saem chamas.”74
Mesmo quando Augustine tinha simples alucinações auditivas, nunca
deixava de ligar os gestos a essa fala (ou a essa música) vinda de outro lugar.
E a foto só se tornava mais convincente75 (figura 59).
Foram inúmeros os pavores sexuais.76 Mas não “iconografados” - por
quê? Já no delírio histérico, que tanto brinca com um fogo de Unheimlich, o
pavor, muitas vezes, tornava-se como que um destino obrigatório...
Mas Charcot, imbuído de suas descrições clínicas e cheio dos problemas
taxonômicos que se colocavam na época, não estava preocupado em
problematizar a angústia ou o desejo. Sua atenção voltava-se para efeitos
como o de as histéricas alucinarem proporcionalmente à estrutura territorial
de suas estesias perversas, digo, pervertidas (assim, Augustine só conseguia
alucinar beijos no lado direito de seu corpo hemianestesiado).77 Quanto a
Richer, ele julgou fornecer em seu famoso quadro a estrutura íntima de
todas essas chamadas “atitudes passionais”, ordenando-as de acordo com a
sofisticadíssima distinção entre uma “fase triste” e uma “fase alegre”.78 Mas
não nos disse a que convinha referir, intimamente, o “apelo” de Augustine
(figura 60).

Êxtases

Apelo, talvez oração. Cujo texto, no fundo, estaria inteiramente


desmembrado. Como visão louca, louca demais, talvez, ela estrangulava a
fala, assombrava o olhar de Augustine.
Um êxtase. Extasis, raptus, excessus mentis, dilatatio mentis, mentis
alienatio - formas atestadas, tradicionais, de uma fronteira entre a loucura e
a... mística. Certo, Augustine olha para o alto, une as mãos etc. Bourneville
não se cansou de evocar e até convocar as grandes místicas cristãs para
explicar, descrever e justificar, na história, a reunião do escândalo e da
beleza nos êxtases histéricos; para contar a história de “Geneviève”, ele
contava a de Maria Alacoque: “Diante dos olhos ela mantinha
ininterruptamente o objeto invisível de seu amor. Contemplava-o, escutava-
o; vivia sob o encanto de uma visão perpétua que a fazia gozar com seu
celeste esposo.”79
Foi também assim que Augustine se tornou, ela mesma, a forma atestada,
clássica, uma forma típica da histeria, em seus chamados “ataques de
êxtase”.80 É realmente crucial o momento em que uma “grande forma”
nosológica (que também encontramos em Ribot, Janet e muitos outros) vem
a nascer como que pela transfiguração de uma “grande forma” da mais
“clássica” iconografia religiosa, ou deveriamos dizer “barroca”? - Paciência.
Com isso quero apenas indicar a conivência fundamental de uma prática
clínica com paradigmas figurativos, plásticos, literários. E a Salpêtrière
revela-se, nesse aspecto, um enclave de experimentação e uma fábrica de
“modelos vivos”, para um museu imaginário que talvez se imaginasse
ultrapassado, mas não estava. Veja você mesmo (figuras 61-64).
Apelos, orações, talvez: mãos postas elevando-se para aquele que ela não
podia estreitar, mas que existia e que era separado por um espaço.81
Orações, súplicas, talvez luto. Mas não. “Súplica amorosa”, vejamos. É
evidente. Um homem - o apelo se dirigia a um homem! “X. faz psiu, psiu;
fica meio sentada, vê um amante imaginário a quem chama.”82 E depois, e
depois?
Figura 60. Paul Regnard, “Atitudes passionais, apelo”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XIX, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris,
Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Ele atende, X. se deita, colocando-se do lado esquerdo da
cama e mostrando o espaço vazio que deixou para ele no
leito. Fecha os olhos, sua fisionomia denota a posse, o
desejo saciado; os braços se cruzam, como se ela estreitasse
junto ao peito o amante dos sonhos. Às vezes se observam
leves movimentos de embalo; outras vezes, ela aperta o
travesseiro. Em seguida, pequenas queixas, sorrisos,
movimentos da bacia; palavras de desejo ou de
encorajamento. Ao cabo de menos de um minuto - sabemos
que tudo ocorre depressa nos sonhos -, X. se levanta, senta-
se, olha para cima, une as mãos como suplicante e diz em
tom choroso: “Não queres mais? De novo... [encore]!”83
(figura 61)

O esposo infernal

Ainda [encore] significa: de lá [hanc] até [ad] a hora atual [hora].* É a


palavra, talvez, que designa uma busca antiquíssima, temporal, insondável, e
que se extravasa no gozo [jouissance].84
Escreveu Artaud, a propósito do êxtase, que nele uma penetração
ultrapassa seus próprios limites.85 Não num recuo [retrait], antes numa
atração [attrait], mas para fora de si. Os recônditos mais profundos, ou até a
burrice, são arrancados e se tornam sublimes. E uma não relação fica
inteiramente abalada.86 Ou, então, escute também o desfalecimento
[pâmoison], com um eco de espasmo [spasmos], o ato de puxar para fora, de
atrair para algo, o ato de dilacerar, de devorar, de arrancar em espasmos
quase uma morte.87
Mas nós, os que compartilhamos um destino comum, temos por esse
movimento apenas um fascínio extremo, às vezes meio duvidoso. Por
exemplo, os surrealistas não encontraram nada melhor para fazer do que
comemorar o “Cinquentenário da Histeria” em 1928, reproduzindo esses
mesmos êxtases fotografados de Augustine, essas fotos do êxtase, e
começaram por este lema: “Nós, surrealistas, fazemos questão de celebrar
aqui o cinquentenário da histeria, a maior descoberta poética do fim do
século XIX. [...] Nós, que de nada gostamos tanto quanto dessas jovens
histéricas, cujo tipo perfeito nos é fornecido pela observação relativa à
deliciosa X. L. [Augustine]...”,88 e assim por diante. Isso ainda equivalia a
anexar a histeria a um “meio de expressão”, a uma “arte”, era continuar a
encher os olhos das gesticulações tão dolorosas da pobre estrela Augustine.
Sem dúvida, um êxtase só pode fascinar, transfigurar em espectador a
testemunha, ou o parceiro estupefato com o de novo, até porque o apelo
excessivo sempre se dirige a algo além dos presentes. Provoca-os, sem
dúvida, mas se dirige a um Ausente - ao futuro muito anterior.
Figura 61. Paul Regnard, “Atitudes passionais, súplica amorosa”, fotografia de Augustine reproduzida
em fototipia, lâmina XX, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 62. Paul Regnard, “Atitudes passionais, erotismo”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XXI, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris,
Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 63. Paul Regnard, “Atitudes passionais, êxtase”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XXII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris,
Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 64. Paul Regnard, “Atitudes passionais, êxtase (1878)”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XXIII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 65. Paul Regnard, “Atitudes passionais, zombaria”, fotografia de Augustine reproduzida em
fototipia, lâmina XXVI, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
O Ausente, objeto do mais [encore], está sempre muito perto, invisível,
iminente, e perdido para sempre. Certo amante de “Geneviève”, por
exemplo, morreu; ela fugiu por uma janela e, durante a madrugada, tentou
exumar o corpo; teve uma “crise” no próprio cemitério; ficou “parecendo
um cadáver”;89 anos depois, o amante voltou como uma aparição; e, no dizer
de Bourneville (cujo presente do indicativo quase esquece o fictum), “eles
mantêm relações sexuais repetidas, nas quais ela garante sentir-se como
outrora; fica toda suada e com as partes genitais úmidas” (nesse ponto, o
presente do indicativo é do seu ato de verificação: ele verifica a eficácia do
fictum);90 “Geneviève” veio a alucinar um aborto, mas o sangue foi
abundante, realmente abundante.91 Fascinante, não?
Charcot, Bourneville e os outros, na realidade, puseram esse fascínio para
“trabalhar”, tirando proveito de todos os cantos; assim, convocaram o êxtase
religioso para explicar o êxtase histérico e, em troca, explicaram o êxtase
religioso, seus estigmas de toda sorte e até sua história como manifestações
histéricas de puros delírios eróticos. Isso permitiu, entre outras coisas,
reduzir a existência do Ausente à pura ausência, e reduzir o fazer amor da
“parceria com a solidão”92 a uma “abolição do sentido genesíaco”,93 porque
as histéricas não fazem amor com coisa alguma, logo, como “sentiriam”
alguma coisa? Chamo a isso uma redução, sobretudo porque o apelo
histérico, em sua relação com o nada, continua, justamente, a ser uma
provocação.94
E também porque o Ausente invocado é muito, muito eficaz: diabólico.
Rimbaud escreveu exatamente isso, em 1873, emprestando estilo à delirante
por um momento:

Sou escrava do Esposo infernal, aquele que perdeu as


virgens loucas. É esse demônio mesmo. Não é um espectro,
não é um fantasma. Porém a mim, que perdi a sabedoria,
que estou condenada e morta para o mundo, - não me
matarão! - Como descrevê-lo a vós! Já nem mesmo sei falar.
Estou de luto, choro, tenho medo. [...] Suas misteriosas
delicadezas me seduziram. Esqueci todo o meu dever
humano para segui-lo. Que vida! A verdadeira vida está
ausente. Não estamos no mundo. Vou aonde vai ele, é
preciso. E, muitas vezes, ele se enfurece contra mim, contra
mim, esta pobre alma.

O Demônio! - É um demônio, vós o sabeis, não é um


homem.95

A mulher alterada

E assim ela vivia na inextinguível embriaguez (flagelo social!) de um


encontro fantasmagórico, “alfin son tua, alfin sei mio” - enfim sou tua, enfim
és meu (é a valsa lenta, o dueto de fantasmas de Lucia di Lamermoor). Mas
isso não se prendia a Nada. Tudo que ela fazia, pobre infeliz, era deteriorar
seu prazer ao encontrá-lo, o que é a própria definição dada por Kant dos
“vapores” histéricos que “consomem” as mulheres, nas palavras dele.96
Porque é destino das mulheres, como também se diz, que “cem vezes seja
enganada a sua expectativa”.97
O ataque histérico, de qualquer modo, seria “desencadeado” como que
pelo efeito literalmente catastrófico (descontinuidade repentina evidente,
visível) de um estado de crise, isto é, de ameaça, que seria gerado pela
expectativa como que transfinita de um gozo: é que um Ausente o traria.
Assim, gozar se tornaria êxtase num mais além, ou seja, num vazio absoluto
e sem predicados, numa alteridade radical. Perda, perda pungente,
tetanizada.
Persiste nela um estado amoroso que talvez a torne vivível, um estado
amoroso anima essa expectativa, embora a expectativa destine a pobre alma
à imobilidade. Essa dupla coerção, expectativa e amor, já não poderia ser
inventada como pose, como cenografia? Como “atitudes passionais”? Mas o
amor, como quer que seja, continua impotente, narcísico, ainda que, ainda
que no fundo seja recíproco.98
É que perda, exclusão, dilaceração também indicam, reciprocamente, algo
como um gozo suplementar, algo que parece existir ali adiante, violento,
excessivo, porém muito íntimo, algo que dá sinal às testemunhas da cena,
alguma coisa que, segundo parece, supre a real impossibilidade de uma
relação, da “relação sexual”, no êxtase.99 Se nossa Augustine sofre de uma
“abolição do sentido genesíaco” e, em especial, de uma anestesia completa de
todo o lado direito da vulva, e se, apesar disso, em suas “atitudes passionais”,
todos a vemos gozar, descarregar, segregar,100 não seria, caro colega, porque
ela goza com outra coisa? - Ora, é claro que sim, meu caro colega.
- Ah, isso, caro colega, isso é bem próprio das mulheres.
Mas esse suplemento, senhores, em que consiste? Num mistério?
- É todo o mistério de um significante, do qual a histérica,
imperativamente, cenicamente, revela-se a súcuba.
Ora, entre o espetáculo da perda, da alteração, e a desconfiança do
suplemento, de um gozo enigmático, um saber da histeria em si mesmo, ao
ficar fascinado, só pode enlouquecer a qualquer momento - ainda que o
modelo neurofisiológico de um gozo como descarga de pressão seja feito de
encomenda para negar essa tensão, alteração, que é de espécie inteiramente
diversa.101
O saber, portanto, diante da própria evidência de um espetáculo de gozo,
também o saber se altera. E, em especial, fica sedento de desejo, excita-se
mais, causa a si mesmo desejos irrealizáveis. O que quer a mulher? - A
pergunta permaneceria intacta, ainda que, histérica, essa mulher parecesse
realizar continuamente um ataque, um acesso, uma posse, uma invasão de
desejo. Ela mesma vivenciava a cisão entre a experiência e o saber;102 como
lhe seria possível enunciá-la?
“Desconheço como se fabrica!!! a jubilação - mas, por mim, eu a filtro
através de uma placa para abismo”...103 É claro que ele nunca teria atribuído
essa enunciação a Augustine. Mas repito que ela, como era central para a
própria plasticidade “clássica” de suas poses, mantinha a bochecha
encostada na placa, isto é, o rosto suspenso no abismo de uma culpa
dissimulada que, como seria inevitável, lançava discórdia sobre todas as suas
euforias, seus festins de imagens, todas as suas exultações, todos os seus
sorrisos.
E talvez, no fundo, algo como isto: “Não tenho a menor preocupação com
você. É por mim que temo, tenho medo de logo deixar de amar certa pessoa.
É provável que aos olhos dela eu seja culpada de algum erro muito
importante... Mas desconheço do que sou culpada, e é aí que está todo o
meu infortúnio... E se agora se descobrir que isto é verdade? Mas o que será
que é verdade? Eu me pergunto, no entanto, se ele também não tem alguma
coisa a ver com isso...”104

Poses do prazer (um corpo duplo)

Não consigo imaginar que essa culpa, já cisão, e que a outra cisão entre
perda e suplemento, no gozo, não consigo imaginar que tudo isso não afete o
espetáculo.
Como? - Para começar, cindindo os corpos em dois. No plano temporal,
uma pose é extirpada de um movimento, de uma tensão; uma pose é uma
intermitência, há nela uma divisão interna da imagem do corpo.

A reprodução dessas cenas, tão variadas quanto


imprevistas, será feita com alguma dificuldade pela
Fotografia, convém dizer, porque elas se sucedem com
rapidez. Será preciso estar sempre pronto para operar e
captar a atitude interessante no momento desejado. Nessa
hipótese, como de resto nas anteriores, o emprego da
câmera de corpo duplo será totalmente recomendável,
porque a doente se desloca constantemente, e não seria
possível fazer o ajuste de foco pelos processos comuns.105
(E assim até a câmera obscura, o órgão predador das paixões histéricas, foi
como que obrigada a ter um corpo duplo.)
Isso dá nome, acima de tudo, a uma cisão fundamental entre o ser e a
identificação, com todo o ardor da palavra. Porque a identificação é muito
lábil na histeria.
Uma espécie de instabilidade geral das imagens só pode ser uma sequela
disso. Um efeito de pura crueldade. Nos momentos de tomada das fotos,
todas as cisões se ligaram, foram afiveladas, pregadas vivas, hieratizadas em
algumas poses. Nelas o prazer ficou condenado a representações, o que era
toda a lei do gênero.
Mas aqui, tratando-se da histeria, as representações eram exageradas,
particularmente hiperintensas, no dizer de Freud; assim, em contrapartida,
toda pose obedecia a elas, alienando-se nessa intensidade. As consequências
psíquicas eram incalculáveis, talvez ininteligíveis.106
Ora, a representação, sobretudo na economia freudiana, não “reproduz”
um objeto (um objeto de desejo): produz a ausência dele e dinamiza sua
perda. Ao produzi-la, dá-lhe um valor de “suplemento”, e valor, eu diria, não
de clareza, mas de clarão. A representação, na histeria, seria o próprio gozo
transformado em perda, no que a perda se torna evento, evento visível, até
evento movimentado.
E o corpo duplo é isto: o evento, ao mesmo tempo aberto, oferecido e
indecifrável, dos gozos histéricos; depois a invenção, nessa aporia, de um
espetáculo, um semblante.

Gestos afetados

A histeria talvez seja ininteligível. Na histeria, a manifestação não sabe


extirpar-se da aparência. Põe em movimento algo da mimese, mas que não
sabe extirpar a arte da natureza, ou, inversamente, o agere do facere. Nela, os
afetos são gestos, e os gestos, aparências.
Gesto vem de um verbo latino, gerere, que significa produzir, mas também
fazer aparecer, representar um personagem (gerere aliquem), assim como
realizar alguma coisa, num sentido muito real. Talvez esse verbo nos fale
bem da facticidade. Significa, enfim, passar o tempo.
Pois bem, o gesto histérico é realmente afetado, e em todos os sentidos; é
como que crucificado entre afetação e afeto - e aflição, ou seja, ataque,
aflição do tempo.
Existe afeto, portanto, mas o que vem a ser isso? A Escola da Salpêtrière
admitiu um “estado mental” histérico, no qual a sensibilidade emotiva era
frequentemente associada à chamada “degenerescência mental”.107 Breuer e
Freud, na mesma época, foram mais longe. Tentaram, é claro, estabelecer
um vínculo entre a visibilidade de uma emoção e as mais íntimas “excitações
tônicas intracerebrais”; esperavam formular, talvez formalizar o afeto em
termos de quantidades; falavam na expressão motora dos afetos como um
“reflexo”.108 Mas seu conceito de ab-reação também tendia claramente a dar
conta da motricidade afetiva segundo conceitos como “estado de desejo” ou
“associação subconsciente”.109 Já então, linguagem e representação estavam
inteiramente implicadas na história: “O ser humano encontra na linguagem
um equivalente do ato, equivalente graças ao qual é possível ab-reagir ao
afeto. [...] É assim que o ser normal consegue, através dos afetos da
associação, fazer desaparecer o afeto concomitante.”110 Ora, é exatamente
isso que a histérica não sabe fazer: toda aflição, atravessada na garganta, vai-
se disseminando por todos os órgãos e permanece “fresca”, isto é, sempre
renovada em sua crueldade, e vai infectando todas as representações, que se
tornam patogênicas. “Por isso podemos dizer que, se as representações que
se tornaram patogênicas mantêm-se assim com todo o seu frescor, e sempre
tão carregadas de afeto, é porque lhes fica impedido o desgaste normal que
se deve a uma ab-reação e a uma reprodução em estados em que as
associações não são inibidas.”111
E há também o tempo. A persistência do afeto preso às representações é
uma retenção, um trabalho da memória.
“Barreiras de contato” muito frágeis.112 Breuer e Freud ofereceram esta
formulação pioneira: “Os histéricos sofrem principalmente de
reminiscências.”113 E o próprio conceito de facilitação da dor foi em busca
de sua ideia psíquica.114
Por fim, há o movimento, como, por exemplo, essa facilitação da dor,
justamente nas “atitudes passionais” do ataque histérico: também nesse
ponto Breuer e Freud arriscaram a hipótese de que esses movimentos
exprimem a lembrança, ainda que, em suas palavras (ou talvez por isso),
“permaneçam parcialmente inexplicáveis”.115
Encontrar-se num estado de extrema agitação, esclarecida pela
irrealidade, numa espécie de perda súbita do sentido dos movimentos, ao
mesmo tempo que eles se desatrelam, tudo isso toca a histérica como um
afeto, como a efetividade de um drama muito virtual (mas que, nesse
sentido, está longe de se opor ao real), um drama que lhe é devolvido pela
memória, como seriam devolvidos um impacto ou uma pancada.

A cena primária, “como uma bofetada em cheio no rosto”

Um drama virtual: muito distante, passado, esquecido, de certa maneira;


muito, muito próximo, iminente, repetindo-se sem parar.
Charcot utilizou desde cedo a expressão “histeria traumática”. Estudou,
por exemplo, os efeitos psicopatológicos dos desastres de trens, catástrofes
da época, e tentou formular uma teoria da relação causal entre o que
chamava de “choque nervoso” e os sintomas posteriores, neurastênicos (nos
homens) ou histéricos (nas mulheres, mais “impressionáveis”).116
(Em 1898, com base, sobretudo, nessa ciência do choque, uma lei sobre os
acidentes de trabalho propôs-se indenizar alguns “traumatizados” - sim, ser
traumatizado foi enfim inteiramente anexado a ser doente.)
Vejamos o estilo Salpêtrière dos traumas: eram cenas bastante simples.
Um dia, o contínuo do anfiteatro levou ao laboratório, para ser
fotografada, a cabeça de uma doente que havia sucumbido às consequências
do avanço de um tumor enorme, que tinha ocasionado uma deformidade
considerável. Como W. se houvesse introduzido sub-repticiamente no
laboratório, não houve tempo para cobrir essa cabeça, donde se deu uma
impressão violenta, que a imaginação dela reproduziu nos ataques.117
(E como não teria a doente perdido a cabeça, se ela própria tirava retratos
para a Iconografia exatamente no mesmo lugar?)

Em certa época, A. trabalhava numa fábrica de seda na rua


do Inferno, e frequentava a escola à noite. O patrão estava
satisfeito com ela. Num dia do mês de abril (?) de 1875,
uma máquina da fábrica explodiu ao lado dela. Embora
ninguém se ferisse, A., que estava menstruada, ficou
assustadíssima; foi tomada por um acesso de riso e, ao cabo
de alguns minutos, por ataques histeroepilépticos...118

E a paixão pelo pitoresco chegaria a este ponto: Charcot mandava alguns


de seus doentes desenharem sua cena traumática mais pessoal, como o
relâmpago depois do qual um homem ficara muito nervoso, e até
histericamente louco, e em seguida mandava regravar essa cena, para
publicação em suas Aulas das terças-feiras.119
O ataque surdo dos dramas familiares era menos caro ao seu espírito
“vidente”. Mas estava ali, inelutável. Então ele o considerou assim mesmo,
porém com uma espécie de desapego (e você verá, adiante, que ele teorizou
e instrumentalizou esse desapego), às vezes até, diria eu, com certo humor:

(Uma pessoa acompanhava uma jovem de dezesseis anos.)

Sr. Charcot: O que a senhora é dela?

Resposta: Sou amiga.


Sr. Charcot: Muito bem, e a mãe dela?

Resposta: A mãe dela morreu. Ela tem madrasta, mas não


pode morar com ela.

Sr. Charcot: Sabe, entre as origens da coreia é preciso


situar as madrastas. Aqui, a madrasta pode ser uma das
causas ocasionais.120

Muitas vezes, porém, ele também só podia ficar perplexo: certa mulher
deu o mais corriqueiro dos tapas em seu filho pequeno, e eis que ficou
totalmente paralisada; por quê?121 Seria possível chamar de trauma uma
coisa insignificante, ou algo que por pouco não tinha acontecido, ou mesmo
algo que estava apenas na imaginação das histéricas?122
Por fim, a frequente discrepância entre os efeitos e a suposta causa
traumática (um choque aqui, um sintoma ali) levou Charcot, entre outras
razões, a considerar o acontecimento, o “golpe”, apenas como um simples
“agente provocador” da histeria;123 a causa determinante continuava a ser o
fator hereditário.
Pois bem, essa mesma discrepância, essa “desproporção”, foi o que
manteve Freud perto da histeria, justamente.124 Ele anotou as descrições do
ataque histérico feitas por Charcot, referindo a “atitude passional” a um
efeito não do trauma, porém da lembrança do trauma; simplesmente
transpôs, de certo modo, para começar, o determinismo “físico” enunciado
por Charcot para o “campo psíquico”.125
E, além disso, foi pela palavra que ele tomou a histérica. Compreendeu
que uma simples frase podia ser “como uma bofetada em cheio no rosto”,126
ou seja, uma pancada, de qualquer modo, uma verdadeira pancada, e da
qual era bem possível que o rosto trouxesse a marca, de uma forma ou de
outra. Freud viu que algumas contraturas histéricas - em Elisabeth von R.,
por exemplo, o fato de ela se descobrir “pregada num lugar” - podiam ser,
digamos, a imagem- -ato de antigos pavores.127 Ele não refutou a
temporalidade invertida da eficácia dos traumas nem refutou sua facticidade
sempre possível; ao contrário, interrogou tudo isso como a estranheza de um
funcionamento da memória.128 Também tentou compreender a capacidade
não menos estranha de convocação dos traumas na atualidade dos sintomas
histéricos.129
Em suma, mesmo quando o reconhecia como um fragmento referido ao
real, Freud interrogava o trauma de acordo com seus efeitos de sentido, seus
deslocamentos na memória.
Portanto, o trauma como incidente130 já se prestava, em seu conceito, ao
jogo a que se prestava a matriz de sua significação; é que em incidente há o
incidere, com i breve, que é in-cado, cair por acaso, abater-se sobre, ou
sobrevir, ou tornar-se a presa súbita de alguma coisa (incidere in furorem et
insaniam: enlouquecer); mas há também o incidere, só que com i longo, que
é in-caedo, verbo do entalhe, da incisão: corte e gravura ao mesmo tempo, a
violência de uma ferida - perenidade de um estigma, de uma escrita, de uma
frase. Freud interrogava o trauma como evento significante.

Recalcamentos e ressacas da cena primária

Há um sujeito para o tempo, não o inverso; o que entrega o sujeito a uma


efetividade é uma lembrança; é a própria lembrança que libera o
intempestivo, a intempestividade de um sintoma, por exemplo.131
Que a histeria seja uma doença da memória pode significar isto, para
começar: a memória é falha na histeria. O pequeno artigo 42 das Paixões da
alma, de Bergson - “Como encontrar na memória as coisas que se deseja
lembrar”132 -, fica em dificuldade, assim como o “ajuste do foco fotográfico”
memorizador no estilo bergsoniano.133 Charcot debruçou-se muitas vezes, é
claro, sobre casos de “amnésias retrógradas” decorrentes de “choques
nervosos”; chegou até a considerar a “amnésia anterógrada” (a
impossibilidade de “registrar” na memória os fatos atuais) como um sintoma
típico da histeria, porque, em suas palavras, “essa amnésia, na realidade, é
apenas aparente”.134 Aparente, mas eficaz. Diante da extrema labilidade das
amnésias histéricas, Charcot recorreu a um conceito “territorial” da
memória, proveniente de Gall e Ribot, um conceito bem de acordo com a
anatomoclínica: o de “memórias parciais”, relativamente independentes,
ligadas a “centros” concomitantes no cérebro, centros que se esperava poder
localizar até a mínima circunvolução, quem sabe...135
Mas há também os hipermnésicos, para quem a repetição é como que
uma erótica. Há também, na histeria, excessos da memória. Assuntos
entregues à memória, à efetividade, à efetividade intempestiva. “Atitudes
passionais”: violentas ressacas da “cena primária” reencenada.
É notável que o excesso e a falta não tenham sido compreendidos por
Freud como aquilo que os dois constituem, clinicamente falando: uma
contradição. Ele os relacionou com um único conceito (não clínico): o
recalcamento. Desde o Projeto, compreendemos que tanto a obsessão quanto
a amnésia histéricas são dois efeitos, sempre deslocados, do mesmo
recalcamento, e “é lícito pensar”, escreveu Freud, “que o enigma reside no
mecanismo desse deslocamento”.136
É por isso, afinal, que as representações continuam tão “frescas” na
histeria, “hiperintensas”, muito “eficazes”, ainda que sejam inacessíveis ao
eu.137 As representações, na histeria, são como que fatais, são destino e
castigo para um sujeito,138 ao mesmo tempo despojam e satisfazem uma
lembrança.

Conversões da cena primária

A “cena primária”, dita “traumática”, já é, portanto, por se deslocar, um


evento significante. Um significante vem atingir o sujeito em sua inteireza,
seu corpo, sua fala, seu passado, tudo o que adveio de seu destino. Um algo
que se desloca. Que escapa.
A histérica diz non memini, como quem dissesse “Eu me lembro de tê-lo
ignorado no passado”,139 mas, relembrada, essa ignorância pungente torna a
sobrevir, como uma perda, para a histérica, do simples sentimento de seus
gestos, muito embora eles se efetivem, extenuando-a, como “atitudes
passionais”.
A “cena”, portanto, em certo sentido, também seria uma espécie de “ideia”,
no sentido em que as ideias não se dão sem membros, e aí já não são ideias,
mas membros, membros que guerreiam entre si, porque o mundo do mental
nunca foi senão o que resta de um pisotear infernal de órgãos...140
Imensa aporia do “orgânico” e do “psíquico”. Todo sintoma histérico
exibia, ostentava, punha em exposição essa aporia, diante de um médico
frequentemente calado. Quase farsa, chacota infernal, desafio maldoso do
não saber ao saber.
Nessa aporia, Charcot tentou um desenho, um traçado de fronteiras,
tentou uma recomposição territorial. Tinha necessidade de dobrar os corpos
à sua espacialidade do conceito (ou de recortá-los nela). Freud correu um
risco teórico totalmente diferente. Lançou uma palavra, “conversão”, e
depois correu atrás dela por muito, muito tempo. Correu “atrás” da
conversão, como se costuma dizer, e sua obra encerra nada menos que três
conceituações dela.141
É que toda tentativa de enunciar uma cadeia causal, no que tange à
histeria, é arriscada, denuncia a si mesma. Sem dúvida, o “trabalho” de
formação dos sintomas histéricos deixa-se repetir em alguns mecanismos,
algumas operações analisáveis, como “regressões”, “condensações”,
“subtrações” (da consciência), “desligamentos” e “inervações” (dos
“símbolos mnêmicos”).142 Sem dúvida. Mas alguma coisa continua indizível:
os mil e um percursos da “conversão”, suas intermitências, toda uma
embrulhada de visibilidades que se atém ao fato bruto, essencial, mas muito
enigmático, de que uma pulsão vem apresentar-se: as “atitudes passionais”.
Toda uma misturada de espacialidades, nem totalmente reais, nem
totalmente imaginárias.
“Conversão” é, na verdade, o nome de um paradoxo causal. Como se
“causa” a visibilidade histérica? Veja, a respeito disso, a prudência e a espécie
de fragilidade de certa metáfora freudiana, a da guirlanda: “Suponho que
aqui se trate de pensamentos inconscientes, estendidos sobre relações
orgânicas prefiguradas, comparáveis a guirlandas de flores estendidas sobre
um fio de ferro, de tal modo que é possível encontrar, em outro caso, outros
pensamentos entre os mesmos pontos de partida e de chegada.”143

Lembranças encobridoras da cena primária

E então? Onde estaria o centro, o cerne, o núcleo do Es de uma guirlanda?


É verdade que muitos histéricos relatam sua “cena primária”, com toda a
simplicidade e a retidão das palavras, com o que é chamado de riqueza de
detalhes. A própria narração extrai dessa riqueza um efeito de choque. Um
delírio preciso demais, ao que parece, para ser apenas um delírio.
Bourneville camuflou sua indecisão ao atribuir o relato de uma “cena
primária” concernente a Augustine à categoria das “informações
complementares” (e ali não citou todas as suas fontes); tratava-se do estupro
de Augustine, aos treze anos e meio, por “C.”, seu patrão, em cuja casa ela
morava e que era, ainda por cima, amante de sua mãe.

C., depois de lhe encher os olhos com toda sorte de


promessas, de lhe oferecer vestidos bonitos etc., ao ver que
ela não queria ceder, ameaçou-a com uma navalha;
aproveitando-se do seu pavor, obrigou-a a tomar um licor,
despiu-a, jogou-a na cama e teve relações completas. No dia
seguinte, L. não se sentia bem; havia perdido um pouco de
sangue, sentia dor na região genital e não conseguia andar.
No outro dia, ela desceu e, como se recusasse a dar um beijo
em C., como era de costume, e tendo empalidecido
completamente ao vê-lo, a sra. C. desconfiou. Durante a
refeição, C. não parou de lhe lançar olhares ameaçadores,
para lhe impor silêncio. Prosseguindo o mal-estar [da
menina], acreditou-se que se tratava do primeiro
surgimento das regras. L. voltou para a casa dos pais.
Vomitava, sentia dores na barriga. Um médico foi chamado
e, sem nenhum exame, também acreditou na chegada da
menstruação. Dias depois, deitada em seu quarto, L. sentiu
medo ao ver os olhos verdes de um gato que a olhava;
soltou gritos, a mãe foi vê-la e a encontrou terrivelmente
assustada e sangrando pelo nariz. Depois eclodiram os
ataques..144

Cabe tentar compreender como foi que Bourneville, em relação a um


conceito clássico da fabulação histérica, chegou a ter alguma ideia da
veracidade dessa cena.
Diante de todas as alegações de Augustine (proferidas principalmente na
fase delirante do ataque), ele deve realmente ter-se formulado, em algum
momento, uma pergunta simples: É verdade? Não é verdade? Por mais que o
sintoma histérico tivesse sido reconhecido por Charcot como específico,
persistia o problema de um sujeito simulador, e toda fala histérica exigia, em
termos metodológicos, o teste de uma suspeita prudente.145 Os médicos
sempre desconfiaram da fabulação, considerada típica na histeria, repito, e
nessas ocasiões tornavam-se investigadores, interrogando pais e
testemunhas para verificar. Verificar um estupro já antigo é difícil. Se fosse
verdade, não explicaria a natureza dos sintomas (apenas o conteúdo de tal
ou qual delírio). Se fosse mentira, aguçava-se o problema: uma persistência
inelutável dos efeitos traumáticos.
Verificar um passado absoluto é difícil. Mas Augustine tranquilizava seus
médicos quanto à exatidão de sua “cena”, porque a imagem proposta (tal
como se propõe uma tese de defesa num julgamento) era coerente: a
“qualidade da imagem” servia de prova. Merecia crédito.
Entretanto, peçamos mais que isso ao advogado do diabo. Freud, nesse
aspecto, teria complicado a tarefa de todo buscador da veracidade. Fala-nos
de lembranças que são as mais precisas e coerentes que há, fala-nos de
imagens perfeitamente “focadas”, com uma profusão de detalhes - e nos fala
delas como telas (palavra que só em 1864, e, sem dúvida, graças à extensão
da fotografia, viu-se dotada de um sentido inteiramente novo: superfície
sobre a qual era possível reproduzir uma imagem projetada).
“Lembrança encobridora”:** trata-se da hipótese de uma imagem
estranhamente estratégica na memória: ela emerge totalmente distinta,
formada, precisa, quando na verdade almeja apenas, no dizer de Freud,
escamotear, deturpar, deslocar. É que ela não “emerge”, de fato - forma-se, o
que também quer dizer que modifica formas. Visa fazer com que o
“essencial” (de uma realidade, de uma “cena primária”) possa ser
esquecido.146 Seja essa imagem “verdadeira”, seja “falsa”, o problema já não
está aí: trata-se de um problema da verdade, não da veracidade.
Ela é uma solução de compromisso transformada em figuração, um
deslocamento dos afetos e das intensidades para uma imagem “não
essencial”; portanto, exibe toda uma manipulação temporal, faz-se
retrógrada e antecipatória, alternadamente; é como que uma simetria muito
astuciosa da amnésia histérica; é um engodo da memória, mas, ainda assim,
é memória; é, como escreve Freud, “a chave para compreender a formação
dos sintomas”.147
É a imagem feita legenda,148 a legenda muito precisa (exageradamente
precisa) do sintoma; por isso convinha perfeitamente ao estilo de uma
Iconografia. Mas é totalmente alienada no sintoma: uma fantasia de sua
exposição, ou até de sua explicitação, uma guirlanda meramente imaginária.

Posterioridades

Eis-me, portanto, depois de um desvio, diante de um paradoxo, o mesmo: a


mais evidente visibilidade, aquela em que trazer uma legenda revelava-se
quase um “ser desnecessário dizer”, a visibilidade evidente das “atitudes
passionais” (figuras 57-65), era justamente aquela que, no presente, parecia
desarticular qualquer saber, qualquer desejo de veracidade.
É que as imagens decerto eram coerentes, portadoras de sentido - e que
sentido! -, mas sua estabilidade escamoteava um deslocamento que, no
entanto, as fundamentava; essa era toda a sua estratégia, e, por conseguinte,
sua coerência comportava algo de abusivo, de ambíguo, de capcioso. Como?
À maneira de um rébus, talvez? Se o sintoma lança mão de imagens e
atitudes na histeria, é porque ele mesmo se comporta, no dizer de Freud,
como uma imagem, uma imagem mnêmica.149 O sintoma, escreveu ele
noutro lugar, mas a apenas uma centena de páginas de distância, o sintoma é
como um símbolo.150
Revejamos, portanto, um paradoxo causal da formação do sintoma
histérico, tal como Freud foi levado a considerá-lo, quase
contemporaneamente à morte de Charcot: a “cena primária” (o “trauma”,
enfim) só é eficaz ao desfilar, primeiramente, por uma cadeia inextricável de
lembranças, ao fazer associações múltiplas, ao simbolizar-se.151 E a imagem -
refiro-me neste momento à ostentação sintomática das “atitudes passionais”
- revela-se uma instância de sobredeterminação, isto é, de um “trabalho”
muito “complexo”, diz Freud, dos significantes na lógica de um tempo.152 Ela
é levada por uma multiplicidade e está fadada à multiplicidade, torna
inteiramente trêmulo o tempo de sua manifestação.
“Cena primária”: toda difratada, portanto, toda fraturada. Adeus à
unidade de lugar e à unidade de tempo. Assim, restaria certo mistério
quanto ao sentido das “atitudes passionais” de Augustine. Mistério que
poderia ser, no fundo, o deste evento: uma “atividade que se fundiu com uma
representação”, “uma representação do desejo”.153
Desejo, representação, atividade: essa “fusão”, portanto, abalaria tudo à sua
passagem, em sua “facilitação”. Desejo: Freud teria sido como que forçado a
dialetizá-lo para além de Hegel, e a difratar cada vez mais a unidade
representativa das “cenas primárias”, das quais as “atitudes passionais” são
reencenações, de qualquer modo. Freud deu o nome de fantasia à lógica
dessa difração e dessa “fusão” entre ato, desejo e representação. A ideia de
sintoma foi totalmente perturbada por ela: “Os sintomas histéricos nada
mais são do que as fantasias inconscientes que encontram forma figurada,
por ‘conversão’.”154
Se a “cena” é primária, é porque seu drama (ato, desejo e representação),
antes de tudo, já é uma economia pulsional. Se a “atitude passional” frustra,
ultrapassa e desvirtua sua legenda, é, antes de tudo, porque sua dramaturgia
se cristaliza (concretizada, petrificada, estilhaçada, difratada); em
contrapartida, é a irrupção de uma fantasia inconsciente que, através do
evento simbólico do retorno, assinala o real dilacerante de um ataque
histérico.
Irrupção: havemos de lembrar que, já em 1892, Freud enunciava com
muita precisão o caráter central das “atitudes passionais” no ataque histérico;
dizia que todo o sentido do sintoma encontrava-se nelas, dizia que o sentido
das “atitudes passionais” se revelava por uma “regressão da memória”.155
Cristal: “O que torna o ataque incompreensível”, escreveu ele, dezessete
anos depois, “é que ele confere uma figuração simultânea a diversas fantasias
no mesmo material, ou, em outras palavras, procede a uma condensação.”156
Desvirtuamento: “Uma deturpação absolutamente extraordinária deve-se
à inversão antagônica das inervações, análoga à transformação de um
elemento em seu contrário, que é habitual no sonho; no ataque, por
exemplo, um abraço é representado desta maneira: os braços são
convulsivamente puxados para trás, até as mãos se juntarem acima da
coluna vertebral. [...] A inversão da cronologia no interior da fantasia
figurada mal chega a provocar menos confusão e erros; essa deturpação, por
sua vez, encontra sua réplica exata em mais de um sonho, dos que começam
pelo fim da ação para terminar em seu começo.”157
Portanto, se uma cena é dita “primária”, é porque o evento absolutamente
não se confunde com qualquer efetuação na realidade: a “origem” da histeria
já seria, apesar de próton, um pseudos, ou seja, não uma falsidade, mas uma
invenção - simplesmente um só depois: “Uma lembrança recalcada”, diz
Freud, “só depois se transforma em trauma.”158
E o presente da imagem, na “atitude passional”, talvez seja apenas, por sua
vez, a posterioridade de uma posterioridade. Sua “regularidade plástica”,
pelo menos, por mais que seja indutora de sentido, não passa, para nós, de
um cristal muito, muito capcioso.

Atentados

E, no entanto, evidentemente, muito violento, violentíssimo. Braços e pernas


inteiramente retorcidos, dores estridentes... Bourneville chamava isso de
exacerbações.159 Quanto a Augustine, ela continuava presa de incessantes
delírios de estupro: “Porco! Porco!... Vou contar ao papai... Porco! Que você
é pesado!... Você está me machucando [...]. O C. me disse que ia me matar...
O que ele me mostrou, eu não sabia o que aquilo queria dizer... Ele abriu
minhas pernas... Eu não sabia que era um bicho que ia me morder”160 - e,
apesar disso, desses momentos, convém repetir, nenhuma fotografia foi
considerada digna de ser tirada, ou, pelo menos, publicada.
Todavia, Augustine reencenava sua violação, reencenava-a num só-depois.
Mas o que quer dizer reencenar? E qual é a eficiência própria de um só-
depois?
Reencenar já é pontuar, é sublinhar, de certo modo, é exagerar, aumentar,
forçar os espectadores da cena a “dar nome aos bois”, o que não é muito fácil,
afinal, porque leva a pensar que “pour faire une omelette, il faut casser des
oeufs” [para fazer uma omelete, é preciso quebrar ovos]...161 Em suma, isto
significa que, para fazer uma Augustine “plasticamente regular”, é preciso
haver pelo menos uma cena primária, para que, diante de todos, no palco,
diante da objetiva, se reencene essa “ação vergonhosa”, esse “affaire”, esse
“abuso”, essa “aventura”, para que, diante de todos, ela continue a ser o que
foi ou deveria ter sido, “batalha”, “brutalidade”, “dança baixa” e por aí vai162 -
ou seja, no caso, um estupro.
(E como não pensar que, através da lembrança desses atentados,
Augustine devia sentir como aterrorizantes, a seu redor, todos aqueles rostos
de um público que tornava a despir cada uma de suas “atitudes passionais”?)
Freud chegou ao mesmo tempo ao sentimento de que nisso jazia toda a
especificidade causal da histeria: uma experiência precoce e cruel de
atentado sexual,163 simbolizado164 e reencenado, mas “convertido” no
ataque.165
E Charcot? Ele teria pensado a mesma coisa, porém sem jamais dizer
nada; é o que sugere a célebre história de um aparte entre ele e Brouardel
numa recepção, surpreendido pelos ouvidos aguçados do jovem Freud.
Charcot murmurou: “Mas, em casos como esses, é sempre a coisa genital,
sempre... sempre... sempre...” E Freud contou: “Ao dizer isso, ele cruzou os
braços sobre o peito e se pôs a saltitar com a vivacidade habitual. Lembro-
me de ter passado um instante estupefato e de ter perguntado a mim
mesmo, ao me recompor: se ele sabe disso, por que nunca o disse?...”166
Charcot nunca o disse porque sua vontade de saber, que era a vontade de ter
diante dos olhos algumas “regularidades plásticas” definitivas, talvez fosse
também uma vontade de evitação.
Então como fez ele para evitar um sentido que Augustine não parava de
vociferar pelas salas do asilo: “Tire essa cobra que você tem dentro das
calças... Isso é pecado”167 etc. etc.?
É que a histérica repete incessantemente sua desgraça. Não apenas
reencenando-a, mas também sempre reconvocando sua ocorrência. A
histérica inventa então um atentado generalizado, que já é um atentado
contra todo pudor: “Dirigindo-se a um dos assistentes, ela se inclinou
bruscamente para ele e disse: ‘Beije-me!... Dê-me... Olhe, tome a minha...’ E
seus gestos acentuavam mais a significação de suas palavras”,168 enquanto
Bourneville, taquigrafando a cena, hesitava em tomar notas e escrevia suas
reticências, por decência ou “etiqueta”, diriamos, talvez chocado com os
obscenos salamaleques - que às vezes chamava de “saudações”169 - dos quais,
num ou noutro dia, com certeza devia ter sido o mártir, o premiado.
De qualquer modo, revelou-se a espécie de prodígio representado por um
ataque histérico, e em torno do qual esvoaçava e se agitava todo um saber
psiquiátrico, às vezes se inquietando, comumente se acalmando; é que nessa
repetição do infortúnio sexual, do estupro, Augustine não apenas
desempenhava o “próprio” papel, que seria de dor ou apenas “passividade”,
mas também combinava num só movimento o seu sofrimento e o ato
agressivo, encenava também o corpo agressor,170 e seu pavor revezava-se,
enfim, com uma espécie de satisfação intensa, uma satisfação...
autoerótica!171 E fascinante.
Essa combinação era um verdadeiro prodígio de plasticidade, um
verdadeiro prodígio de teatralidade: dois corpos em um, corpos em que “a
mulher se acha não apenas internamente unida ao homem, mas
horrendamente visível, agitados os dois num espasmo de histérica, por uma
risada aguda que lhes convulsiona os joelhos e as mãos”, como escreveria
Proust.***
A histérica, portanto, não tem um papel próprio. Assume todos, como
oniatriz de sua memória, e está longe, muito longe, de ser a imagem da
inocência.

Retalhos obstinados de imagens (paradoxos da visibilidade)

No entanto, todo o seu destino, como já sugeri, é um castigo de imagens.


Um ato a que ela é obrigada, uma realização indesejada de todos os
movimentos em todos os membros, e com vista a uma representação da qual
ela desconhece tudo (trata-se de uma representação inconsciente),172 mas
que se serve obstinadamente de imagens, de “atitudes passionais”. É essa a
espécie de castigo que ela carrega consigo.
Por mais que ela preste atenção, em todos os momentos, à aparência de
seu corpo, a encenação tortuosa e violenta da fantasia passa por cima de
qualquer especulação, qualquer fala; e essa encenação, a “linguagem motora”
do ataque, persiste teimosamente no cerne de uma visibilidade, mas nos
limites do analisável.
A própria inquietação do corpo histérico, a incessante inquietação
motora, permanece como uma obstinação plástica, embora sempre
fragmentada, embora sempre culpada, embora dolorosa. E assim, de
qualquer modo, essa inquietação atrai para si o olhar.
Portanto, ela convoca o olhar pelo próprio paradoxo de visibilidade.
Paradoxo: a “atitude passional” elaboraria um gozo através de todas as
reencenações de uma tortura; reencenaria, muito precisamente, o que a
histérica teme sofrer e tornar a sofrer, deslocando loucamente os órgãos, os
membros, o espaço inteiro! Sempre haveria uma tentativa de relação sexual,
mas apenas com o Ausente, e então só restariam, dispersos, alguns cacos de
prazer. Todo gozo permaneceria em suspenso, apesar de e por ser figurado, e
o sintoma em si finalmente constituiria um lucro cruel, como a renda
duvidosa dessa suspensão.
Mais um paradoxo: toda “atitude passional” é profundamente “ilógica”;173
nela seria apenas sonhado um corpo coerente, que sempre derivaria de
ritmos para catástrofes, e tornaria a partir das metonímias, dos desejos e
sonhos de outro corpo, coerente e habitável. É um espaço imaginário que é
habitado por esse corpo entregue a exacerbações; mas imaginário não
significa não realizado, nesse caso, uma vez que efetivamente ocorrem
gestos; imaginário quer dizer que a pulsão não pode atualizar-se como tal e
que a fantasia não é representável em si. Nisso residem a dilaceração e a
desgraça da visibilidade histérica.
A histérica, escreveu Freud, procura fugir “continuamente, por suas
associações, para o campo da significação contrária”.174 E aí está,
plasticamente, o paradoxo que então se constrói, que se atua e que agita um
corpo inteiro: “Num caso que observei, a doente apertava o vestido contra o
corpo com uma das mãos (como mulher), enquanto, com a outra, tentava
arrancá-lo (como homem). Essa simultaneidade contraditória condiciona,
em grande parte, o que há de incompreensível numa situação tão
plasticamente representada no ataque, e por isso se presta perfeitamente à
dissimulação da fantasia inconsciente que está em ação.”175
Paradoxo da evidência, portanto, paradoxo da temporalidade, porque é a
memória que distorce o tempo, que o faz tremer entre o indicativo e o
desiderativo, que faz coincidirem séries temporais absolutamente
heterogêneas;176 é uma estratégia capciosa da memória, que faz de tudo isso,
ainda assim, um espetáculo levado ao cúmulo, isto é, perfeito, isto é,
distorcido e exausto.

Adornos e desvios

Espetáculo levado ao cúmulo. Isto também significa que o corpo histérico


exige (e não utiliza) uma forma teatral que a própria arte do teatro tremeria
ao abordar, a tal ponto se estigmatiza nela, em carne viva, uma forma
pungente da essência do teatro. Levada ao cúmulo dessa essência. Portanto,
uma arte se precipita, impacienta-se loucamente, passa pela experiência de
uma ausência de fim e se torna ociosa na própria extremidade de seu ato.177
Lembre-se também: “A cena ilustra apenas a ideia, não uma ação efetiva,
num himeneu (de onde provém o Sonho) vicioso, mas sagrado, entre o
desejo e a realização, a perpetração e sua lembrança, avançando aqui,
rememorando ali, no futuro, no passado, sob uma falsa aparência de
presente.”178
A facticidade. Mesmo desocupada, a facticidade. É a espécie de antinomia
temporal de uma imitação ao extremo. Da Darstellbarkeit [figurabilidade]
freudiana, ou “aptidão para a encenação”, dramatizando inteiramente toda
dor real como ficção de cena primária, impelindo o corpo da dor para o
corpo cruel e transfinito de um corpo- -ator (Diderot desconfiava dessa
“contraditória simultaneidade” das temporalidades no delírio histérico. “A
mulher”, escreveu, “carrega dentro de si um órgão suscetível de espasmos
terríveis, que dispõe dela e suscita em sua imaginação toda sorte de
fantasias. É no delírio histérico que ela retorna ao passado, que se atira no
futuro, que todos os tempos se lhe fazem presentes”).179
Gilles de la Tourette, pelo lado da Salpêtrière, escreveu em seu grande
tratado este axioma absolutamente histórico: “Nada pode imitar a histeria
que é sintoma da própria histeria.”180 Mimese, sintoma histérico por
excelência. A histeria considerada como “toda uma arte”, a arte e a maneira
do “teatralismo”, como ainda se diz na psiquiatria, e que nenhuma
teatralidade teria forças para igualar em cabotinismo.
Ao mesmo tempo, um histrionismo e uma trágica máscara transformada
em carne. Ao mesmo tempo, véu, dissimulação; ao mesmo tempo, dom
ingênuo, sincero, de identificações multiplicadas.
A histérica repete tudo que se diz a seu redor,181 a histérica deseja ser todo
o mundo, ou, melhor, quereria ser o ser de cada um. Mas terá apenas a
aparência de querê-lo, numa distração perpétua, num estilhaçamento de
todos os papéis. Freud tentou compreender esse desvio obstinado e infausto
das identificações: na histeria, elas são terrivelmente parciais, são a regressão
e a “tomada de lugar” de um “pendor erótico” inicial, nas palavras dele, mas
é apenas uma “tomada” incoerente, que vai-se disseminando, sempre
antagônica (seria de esperar, em vez disso, uma coerência dos papéis na
identificação, já que é assim que supostamente se organiza a
“personalidade”).182
Uma atriz nunca irá tão “longe” e tão “fundo” quanto uma histérica, seja
na pele de que papel for. O sangue brota por si (uma chaga se abre dentro do
corpo!) nas mãos de uma histérica que “represente” uma santa marcada por
estigmas. Mas a histérica, visto que um único papel de modo algum lhe é
suficiente, quer representar tudo, ou representar demais. E por isso nunca
mais será digna de crédito.
Por fim, uma desventura da identidade se aprofunda para sempre em
todos esses jogos de superfícies perpassadas por identificações desgastantes
e múltiplas. É exatamente isso, escreve Freud, “que torna o ataque
impenetrável”.183
Contudo, a “atitude passional” é um dom absoluto, aberto. Um dom de
imagens, por certo, mas tão generoso que alguma coisa mais se abandona.
Bourneville expressava a ostentação de dores de Augustine escrevendo que
ela “oferecia” tal sintoma, depois tal outro etc.184
Augustine simulava “a sério”. Um paradoxo de atriz que quase a
desmembrou. Seu corpo era como que um penitente dessa própria simulação
[feinte], e por isso era como que já pintado [peint], ou seja, ausentado,
embora aparente. Ou seja, fotografado. Porque todos os seus retratos foram
produzidos na medida e na eficácia certas tanto dessa simulação quanto
dessa falta.
Talvez eu esclareça a palavra simulação [feinte] a partir da palavra
maquiagem [fard]. “Tudo que enfeita a mulher”, escreveu Baudelaire - à
guisa de elogio? -, “tudo que serve para ilustrar sua beleza, faz parte dela”; e,
algumas linhas adiante, elogiando a maquiagem: “O nada embeleza o que
existe.”185
Como se a maquiagem fosse não apenas visibilidade, mas tempo, duração,
destino, isso mesmo, destino de mulher (lembre-se de Os demônios: “Era
visível que a srta. Lebiadkine usava maquiagem e pintava a boca [...]. Sabe, é
assim que ela passa dias inteiros sentada, totalmente sozinha, sem se mexer;
pondo cartas ou se olhando no espelho”).186 Será que maquiar-se seria o
fazer (a etimologia de “maquiagem” designa justamente um “fazer”, apenas
um “fazer”), o fazer mulher? O fazer histérica? A própria confusão é
sumamente expressiva.
E quanto a Augustine:
Tudo nela, além disso, anuncia a histérica. O cuidado que ela dedica a sua
toalete; a arrumação do cabelo, as fitas com que ela adora se enfeitar. Essa
necessidade de adornos é tão viva que, quando ela está num ataque, caso se
produza uma remissão, ela a aproveita para prender uma fita na camisola;
isso a distrai, lhe dá prazer: “Quando fico entediada”, diz, “é só eu dar um nó
vermelho e ficar olhando para ele...” É escusado dizer que a visão dos
homens lhe é agradável, que ela gosta de se mostrar e deseja que se ocupem
dela.187
Que significa esse “além disso”? Basta ler o parágrafo anterior: “Os
antecedentes de X. nos mostram quanto sua infância foi negligenciada. A
conduta de sua mãe, as relações que o irmão estabeleceu entre sua irmã e
seus amigos, isso explica, em parte, a conduta... leviana da paciente.”188
Será que isso não é uma espécie de recuo moral do médico diante daquilo
que constitui sua mina iconográfica, a vocação histérica para os adornos?
Recuo moral ou simples perplexidade “científica”, uma perplexidade do
saber diante do desejo da histérica? De fato, o que visa ela ao se enfeitar? De
que gozo a imagem que ela oferece (as “atitudes passionais”) seria resto, ou
ortopedia, ou desvio?
E por que o extremo narcisismo histérico oscila entre os acessos de riso e a
dor, os espasmos, às vezes a morte? Seria o adorno um desvio da morte?

A parceria com a solidão

E eu, onde fico? As “atitudes passionais” me deixaram adiando tudo diante


dessas fotografias, diante de uma complexidade temporal cristalizada, diante
da complexidade dessas relações de gestos (contraditórios) com fantasias
(múltiplas) e com a figuração (paradoxal).
O que invoca ela, a fantasia histérica, em sua gesticulação convertida em
deboche e sempre transformada em espetáculo? Será que não invoca a
própria situação do espetáculo, justamente, sua intersubjetividade escabrosa,
sempre no limite do escândalo, como deboche, provocação, proximidade,
mas sempre ou quase sempre mantida dentro dos limites de uma
visibilidade fotograficamente enquadrável, ou seja, de uma distância, de uma
separação regulável?
Minha hipótese é que a situação fotográfica, durante algum tempo, foi tão
providencial para a fantasia histérica quanto foram as “atitudes passionais”
para as fantasias iconográficas de Bourneville e Regnard. Certa
proximidade, certa separação. Uma moldura, um atavio (preparativo, matiz,
ornamento, delimitação).
Augustine quase dançava diante de Bourneville e Regnard. Piscava o olho
para as próprias contorções. Mas encobria a eclosão de seu delírio, à qual
talvez assistisse. Contudo, também encenava essa dissimulação, não é?
Embora se esforçasse por ser um modelo da verdade (a verdade de um
conceito de Charcot, a “histeroepilepsia”). Embora condenada a uma
imitação identificatória muito parcial, muito lábil. Embora condenada à dor
pura e simples de um sintoma verdadeiro.
Cadeia perpétua de aparências que supriam, que lembravam sua
verdadeira desdita: a impossibilidade de qualquer relação sexual, a não ser
com um Ausente, ou seja, o Nada. Cadeia e adorno das aparências, única
parte suportável de sua infelicidade: existir para o outro, ao menos como
espetáculo.
Augustine procurava na mimese um remédio para a mimese, para sua
incredibilidade: paradoxo de uma atriz que não sabia de que era modelo,
manequim, estrela [vedette] (em vedette, aliás, você encontrará o ver, de
vedere, e também o velar, de veletta, vela).
Ela forçava, curvava todo o seu corpo a uma espécie de trivialidade da
aparência: a aparência como fulgor e brilho; a aparência como aparecer, o
“ad-parence”; a aparência como ilusão.189 O que não impedia que tudo isso
fizesse uma aparição, ou seja, que alguma coisa tivesse lugar a cada vez, que
sacudisse, aturdisse o espaço inteiro. Evento de imagem, impossível de
apaziguar, cujo sentido não podia ser desenvolvido porque sempre escapava,
bem ali, diante do fotógrafo, embaixo do seu nariz. Evento ambíguo, com a
duplicidade inapaziguável do velamento e de uma nudez cruel, da qual
nunca se soube o que fazer.
Por exemplo, “Geneviève” inventava uma rival (em relação a seu amante
ausente) e chegava até a lhe escrever cartas: “Salpêtrière, 28 de dezembro de
1878. Senhora, ah, minha senhora! Oxalá um dia possa me perdoar, pois é
grande mesmo a minha culpa a respeito de si; porque vejo que a senhora
sabe de tudo. Serei franca, vou confessar-lhe tudo. Lembra-se da noite de 15
de agosto, da mulher velada que a senhora viu sair do seu quarto, a quem
deu passagem? Pois bem, era eu...”190 Em seguida, “Geneviève” despia-se
completamente e fazia amor com um fantasma, “afirmando depois que o sr.
X. é que havia tirado sua camisola”.191 E depois, diante da câmera de
Regnard, tornava a se cobrir com o longo véu preto de suas “tristezas”, como
diziam.192
Movimento obstinado, imutável. Que era ele senão um movimento do
desejo? Bourneville falava do “olhar brilhante” das histéricas, da “espécie de
excitação particular”193 que se apossava delas sem trégua, até virem as crises,
as síncopes, os delírios.
O espetáculo da “atitude passional” seria, portanto, uma espécie de
formalismo do desejo, o evento significante de uma relação com o Outro.
De início, ele é separação: não reciprocidade (a histérica se cobre de um
véu em seus fragmentos de papéis, enquanto o psiquiatra, observando-a na
sombra, pergunta a si mesmo: “Ela me mostra isso, mas o que quer?”);
adornos e divisão (parcialidade enigmática das identificações), e, por fim,
“torção no retorno”:194 a alienação da qual Augustine se fazia um espetáculo
e desfilava diante de seus médicos, essa alienação se oferecia como dialética
viva dos olhares. Interrogava fatalmente o olhar de quem observava,
interrogava cruamente o sentido fantasioso, sim, fantasioso, de sua posição
“científica”.
Talvez seja essa toda a estratégia da histérica quanto ao espetáculo que ela
oferece de seus sintomas, generosamente: ela desafia o desejo do espectador,
consagra e desafia o domínio dele. Como se apontasse um foco (um refletor)
para o espectador que, até esse momento, julgava-se seguro nas trevas
aveludadas de sua cadeira na plateia; mas ela só faz explicar-lhe, com gestos
insólitos, que a qualidade da própria dor se fará ao bel-prazer do desejo
figurativo dele. Mas o efeito desse explicare [desdobrar] continua a ser muito
cruel, no fundo.
Ela se aliena inteiramente no espetáculo, exigindo que cada espectador
seja um verdadeiro diretor cênico. Com estardalhaço e convulsões, exige
sustentar o desejo do outro. Mas o clamor dessa exigência ressoa, é claro,
como desafio, farsa, maldade, zombaria.195
E é assim que a terrível solidão das “atitudes passionais” torna-se uma
solidão parceira, não menos terrível num sentido: parceira do olhar ali
presente do outro.
A histérica chamaria um Ausente, decerto, mas também estaria em busca,
na ostentação de seu sorriso dirigido a ninguém, de um “bônus de sedução”,
Verlockungsprãmief196 que faz de seu sorriso infeliz um sorriso para alguém,
afinal. Até sua zombaria permaneceria nesse interstício - a quem se dirigia,
afinal? (figura 65).
Pois ei-lo aqui, esse prazer suplementar: um olhar. Não é absolutamente
nada, é claro, mas é um tesouro somado ao Nada da relação tentada nas
crises e nos infortúnios. Assim, “a histérica se coloca como sinal de alguma
coisa em que o Outro poderia crer; mas, para constituir esse sinal, ela é
muito real, e é preciso a qualquer preço que o sinal se imponha e marque o
Outro”.197 Por exemplo, Augustine se oferecia, impunha-se o gozo, gozava, e
seu gozo no vazio difratava-se por todos os gozos dos outros (inclusive nós,
para além de sua morte) ao vê-la gozar, ou ao vê-la entregar-se a uma (farsa
de) paixão masoquista.
De qualquer modo, é como que uma estrutura de combinação imaginária
da histérica com seu médico tirador de fotos.
A “atitude passional”, portanto, é um drama cênico que visa duplamente a
relação impossível: ou há uma relação, mas com o Nada (com o Ausente), ou
o presente, a testemunha, Regnard, por exemplo, permanece ali como um
espectador no suspense de se tornar ou não o jovem protagonista de sua
prima donna, ainda sozinha no palco.

O desejo de cativar

A histérica, de certo modo, fomenta o desejo do Outro.198 Mas o alucina, ata


o reconhecimento do desejo ao próprio desejo de reconhecimento e se ilude
naturalmente (captação neurótica) quanto ao sentido do desejo do outro.
Assim, permanece amarrada às redes da enfatuação, da lei do coração, do
narcisismo, porque toda a sua estratégia especula com hipóteses
imaginárias.199
E ela permanece cativa de uma situação: o espetáculo (o de seu corpo) em
que acredita poder, pela coreografia das convulsões, das “atitudes
passionais”, incorporar todos os olhares, todas as “libido spectandi” possíveis e
imagináveis, e em que acredita tornar-se “uma espécie de ídolo, estúpida,
talvez, mas deslumbrante, encantadora, retendo os destinos e as vontades
presos a seus olhares”,200 e, com o próprio olhar, sonhando criar para si um
olhar-mestre à sua imagem... Em suma, ela se sonha como o ídolo feminino
com que todos os homens sonhariam.
Portanto, e apesar de captada, alienada, ilusória, essa estratégia funciona, é
eficaz, muitas vezes. Sucede à histérica ser a mulher fatal para seu médico,
sucede-lhe cativá-lo.
É que suas intrigas são refinadas e terrivelmente inteligentes. Ela tem
prática como perita no dar a ver, parece conhecer a arte de trançar a
evidência de um espetáculo de seu corpo com a desconfiança do que ela de
fato quer esboçar, isto é, seu apelo a ser tudo, sim, todo o objeto do desejo do
outro. Portanto, ela conhece a ciência de se objetificar para o outro.
Mas, ao se objetificar, seu eu dilacera sua presença e seu gesto se
transforma em acting-out, no sentido pleno: um ato fora de si. E é nisso que
a imprensa seu apelo a ser amada. Um infortúnio da identidade.
A imposição de seduzir

É incontestável que o amor sexual desempenha na vida um


imenso papel, e que, nas alegrias amorosas, a conjunção de
satisfações psíquicas e físicas constitui um dos pontos
culminantes desse prazer. Excetuando alguns fanáticos
amalucados, todos os seres humanos sabem disso e
conformam sua vida a essa ideia. Somente a ciência ainda
tem escrúpulos de confessá-la. Por outro lado, quando uma
mulher implora o amor de um homem, é muito penoso
para este rechaçá-la e se recusar. Além disso, a despeito da
neurose e da resistência, emana da nobre criatura que
confessa sua paixão um encanto incomparável. A tentação
não é provocada por uma grosseira solicitação carnal, que
só pareceria chocante e mais deveria suscitar um
sentimento de tolerância, por se tratar de um fenômeno
natural. São as mais refinadas efervescências do desejo,
aquelas que são inibidas quanto ao objetivo, que trazem o
risco de levar o homem tentado por tal aventura a esquecer
as leis da técnica e o dever médico.201

Viveria no risco a medicina da histeria? No risco de uma sedução?


Sedução, sim. No inferno da Salpêtrière, as histéricas não paravam de
piscar os olhos para seus médicos. Era uma espécie de lei do gênero, não
apenas a lei da fantasia histérica (desejo de cativar), mas também a lei de
toda a própria instituição asilar. E eu diria que esta possuía uma estrutura de
chantagem: de fato, era preciso que cada histérica desse mostras, e com
regularidade, de seu “caráter histérico” ortodoxo (amor pelas cores,
“leviandade”, êxtases eróticos etc.), para não ser transferida para o “setor”
duríssimo das simples “alienadas” ditas incuráveis.202
A sedução, portanto, era como que uma tática obrigatória, e o Inferno da
Salpêtrière distribuía suas pobres almas carregadas por círculos mais ou
menos apavorantes - entre os quais o Serviço das Histéricas, com seu lado
“experimental”, era mais ou menos como um anexo do Purgatório.
Assim, a situação de chantagem era mais ou menos esta: ou você me seduz
(e por isso mesmo se demonstra histérica) ou eu a considero uma Incurável,
e nesse caso, para sempre, você não mais será exibida, mas escondida no
escuro.
Para as histéricas, portanto, seduzir consistia em confirmar e tranquilizar
cada vez mais os médicos quanto a seu conceito de Histeria. Seduzir era
também, inversamente, uma tecnologia de domínio científico, na qual todos
contribuíam (com uma energia enorme) para a própria despossessão de fala
e de corpo. Seduzir talvez fosse, para a histérica, levar o mestre pelo beiço -
mas levá-lo até onde, senão a ser cada vez um pouco mais mestre? Logo, por
uma estranha inversão, seduzir era, para a histérica, uma violência cada vez
mais cruel a praticar contra si mesma, contra a própria identidade, já tão
infeliz.
Assim, na Salpêtrière, a histeria já não devia parar de se agravar, cada vez
mais demonstrativa, carregada nas tintas, sempre mais submetida a roteiros
(mais ou menos até a morte de Charcot). Prevalecia uma espécie de fantasia
masoquista, conforme seu traço demonstrativo (fazer-se ver sofrer) e
conforme seu caráter eminente de pacto, e também de conivência.
“(Conivência, de connivere, significa, ao mesmo tempo, eu pisco o olho,
dou uma piscadela, fecho os olhos.)”203
E essa conivência, apesar de forçada, era uma relação quase amorosa,
porque a sedução se operava, era até um motor (embora “ilusório”) eficiente,
eficaz, de toda a operação.

“Desejar: minha glória” (como a histérica fazia o médico enamorar-se)

Freud admitiu desde cedo que, quando um médico estuda a histeria, isso
“lhe toma um tempo considerável e pressupõe nele um grande interesse pelos
fatos psicológicos, além de muita simpatia pessoal pelos doentes de quem
trata. Eu não conseguiria imaginar-me estudando em detalhe o mecanismo
psíquico de uma histeria num sujeito que me parecesse desprezível e
repugnante, e que, uma vez mais conhecido, viesse a revelar-se incapaz de
inspirar qualquer simpatia humana!”.204 Tempo tomado, sedução, tempo
para ocorrer a transferência.
Na Salpêtrière, porém, “sedução” e “simpatia” não eram processos que se
deixassem confinar num consultório burguês, em meio a divãs, veludos e
objetos artísticos. “Encanto” e “simpatia” eram uma algazarra de bordel, com
todas as mulheres misturadas, proferindo interjeições ao interno de plantão
ou de passagem, esfalfando- -se em interpelações crassas, fazendo strip-
teases, digamos, insignes, “grosseiras solicitações carnais”.205 Seriam
seduções, ainda assim?
Podemos ao menos dar a isso o nome de transferências, no sentido
freudiano. Mas convém compreender que, nesse caso, as transferências eram
repetições, no sentido do ensaio teatral, e teatro no sentido pesado da
obscenidade.
“Que são essas transferências? São reedições, cópias das tendências e
fantasias que devem ser despertadas e tornadas conscientes pelo progresso
da análise, e cujo traço característico é substituir uma pessoa anteriormente
conhecida pela pessoa do médico.”206 Ora, esse movimento da fantasia para
sua reprodução podia chegar a se perder, escreveu Freud, numa verdadeira
servidão sexual.207 E o que caracteriza a histeria, desse ponto de vista, é sua
incansável criatividade transferenciai, incessantemente renovada208 e que,
por sua vez, reveza-se com a incansável criatividade (sim, criatividade) dos
sintomas.
E a demanda de amor das histéricas era sintoma, tanto quanto o sintoma
era demanda de amor. Desenfreada.
Que fazer? Que fazer, perguntou-se Freud diante do “desnudamento do
corpo” de uma dada paciente?209 Abster-se? “Deixar subsistirem as
necessidades e os desejos?”210 Suores frios. Em todo caso, pensava ele,
visando as “mulheres de paixões elementares”, uma “necessidade tão
incoercível de amor” impelia o tratamento para um “fracasso inevitável” (do
ponto de vista terapêutico; mas seria esse o único ponto de vista, em toda a
prática da Loucura?), e assim “[era] preciso bater em retirada”.211 Que fazer?
Freud tentou encontrar uma solução, outro pacto, nessa alternativa ética
ou erótica. Era preciso, escreveu, “manter a transferência, tratando-a como
algo irreal”, sem esquecer jamais que o amor da histérica é “alienado”, que ela
“se acha impossibilitada de dispor livremente de sua faculdade de amar”.212
Porém isto soa um pouco como uma utopia. Amar já é menos uma
faculdade (controlável) do que algo como uma precipitação da existência,
talvez; e o amor da histérica, ainda que atiçado pela ilusão, é muito violento,
muito veraz (ao menos por algum tempo; teria o médico que especular
sobre o tempo, sobre a fidelidade de sua paciente em transferência?). Como
existir em face de um amor voraz e vociferante, implacável, especulando
sobre ele, irrealizando-o, quando, por meio de gestos teatrais e toda sorte de
atuações, ele não para de se manifestar, e de forma ultrajante?
A transferência é de uma consistência louca. E é como a distância
(gritante, na Salpêtrière) necessária para que os corpos fiquem em condições
de finalmente se tocar.213 E só é consistente e persistente assim por ser
benéfica para todos.
Para a histérica, ela é, de fato, o único “lucro da doença”:214 um bônus de
sedução oferecido pelo sintoma aos olhos do médico. Nela um desejo é
representado, posto em cena, deixa-se transparecer (se não escutar) e, apesar
de infeliz, existe aos olhos de todos. Como um modo de afirmação.
Para o médico, na transferência, a histérica se cria inteira à imagem do seu
desejo de saber. À imagem do conceito de “histeria” que um dado médico
possa haver tentado formular, diante da incoerência de “mil formas sob
nenhuma”. E isso funciona. Ou parece funcionar, ao menos por algum
tempo, mas com intensa esperança, para o médico, de que perdure. Dupla
sedução, portanto: Augustine não apenas oferecia seu corpo a Bourneville e
o chamava, quem sabe fazendo “psiu, psiu”, por seu prenome providencial,
“Désiré Magloire”, como também produzia “atitudes passionais” de seu
desejo. Como poderia Bourneville não adorá-la como ídolo de toda a sua
ciência?
E foi assim, talvez, que ele veio a se enamorar de sua histérica, nem que
fosse por isto: a permanência da transferência assegurava a perenidade de
sua fantasia científica, e a permanência da transferência devia realizar a
perenidade de seu conceito de histeria. Digo bem: devia. Em todos os
sentidos. A histérica devia “permanecer para ele”, continuar a ser (sua)
histérica, isto graças à transferência.
É assim que podemos até imaginar Bourneville, Charcot ou outros,
idealmente ou não, secretamente ou não, se adonizando215 (Adônis como
caçador quase sádico de desejos, ou Adônis morrendo nos braços de Vênus),
talvez se embriagando com a própria mentira das histéricas.
(Ah! “Deixa meu coração embriagar-se com uma mentira, / Mergulhar em
teus belos olhos como num belo sonho, / E dormitar por muito tempo à
sombra de teus cílios!” - “Mas não basta que sejas a aparência / Para alegrar
um coração que foge da verdade?”)216
Seria este, talvez, o continente negro da “bela sensibilidade” e do tato
médico: uma adoração. Ora, a adoração nada mais é, justamente, que uma
demanda idólatra, e passa inteira por uma operação figurativa. Formulo a
hipótese de uma paixão de Bourneville (ou Regnard, não sei) por Augustine,
no sentido em que a paixão seria a consagração extemporânea de um corpo
como quadro, segundo a modalidade temporal de um puro “passado
simples”, como escreveu Roland Barthes.217 Você entende o porquê do fraco
de um médico por esse objeto tão feminino da ciência, e entende por que
esse médico retribuiria a transferência com práticas cênicas e fotográficas?
Note bem uma consequência da minha hipótese: o juramento de
Hipócrates - “eu me proibirei qualquer ato voluptuoso” etc. -, na Salpêtrière,
ficaria meio atordoado. A menos que encontrasse na transferência, o que é
outra hipótese, uma espécie de reformulação de seu mito de origem (porque
a primeira paciente de Hipócrates foi a sedutora Avlavia, cuja doença vinha
resistindo aos cuidados de seu pai, também médico; Hipócrates ordenou
delicadamente à jovem que fosse consultar o oráculo de Delfos, que então
expressou o seguinte: ama, ama esse jovem e belo médico, e ficarás curada; e
os dois se casaram...). Mas enfim.
Toda interpretação implica-se numa história de transferência, ou seja,
numa história de amor que, no fundo, está sempre prestes a dar mau
resultado. Seria a transferência o não teorizável da relação do saber com a
loucura?218 Não sei. A verdade é que, na Salpêtrière, sob a orientação de
Charcot, essa questão foi tão pouco pensada (apesar de e em virtude de ter
sido utilizada, instrumentalizada) que a transferência retirou de cada
histérica a intenção de renunciar a sua doença.219
E era assim que a histeria, na Salpêtrière, vivia sempre se repetindo.

Notas

1
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 1886-1893, v. I, p.
367-385, 435-448; P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie, op. cit., p. 1-
168; G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, d’après l’enseignement de la
Salpêtrière, Paris, Plon-Nourrit, 1891-1895, v. II, p. 1-76.
2
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 1-338.
3
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 435-448 (descrição redigida por Richer).
4
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 367-385.
5
Cf. S. Freud, “Bericht über meine mit Universitats-Jubilaums Reisestipendium unternommene
Studienreise nach Paris und Berlin”, in SE, I, p. 10-11 [“Relatório sobre meus estudos em Paris e
Berlim”, ver Bibliografia]; S. Freud, “Hystérie”, in SE, I, p. 41-43 [“Histeria”, ver Bibliografia].
6
Citados e reproduzidos em J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889,
Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 1888-1889, p. 425-430.
7
Cf. G. Rummo, Iconografia fotografica del Grande Isterismo - Istero-Epilessia, omaggio al Prof. J.-M.
Charcot, Nápoles, Clinica Medica Propedeutica di Pisa, 1890, passim.
8
IPS, II, p. 200-201.
9
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 396; cf. D.-M. Bourneville, Recherches cliniques et
thérapeutiques sur lépilepsie et Phystérie, compte-rendu des observations recueillies à la Salpêtrière de
1872 à 1875, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1876, p. 100-101.
10
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 90.
11
Cf. P. J. Moebius, Allgemeine Diagnostik der Nervenkrankheiten, Leipzig, Vogel, 1886, p. 110 (figura
33); P. J. Moebius, De la débilité mentale physiologique chez la femme, Paris, Solin, 1980, passim.
12
IPS, II, p. 184.
13
Ibid., p. 132-133, 137 etc.
14
Ibid., p. 130-131, 169-173 etc.; cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 75-
76, 186.
15
G. W. F Hegel, La Phénoménologie de lesprit, op. cit., v. II, p. 239-240 [Fenomenologia do espírito, ver
Bibliografia].
16
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 456. Grifo meu. Cf. também J.-M. Charcot,
Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 347-366.
17
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 447; cf. P. Richer, “Diathèse de contracture”, in
NIS, 1891, passim.
18
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p. 477-478.
19
Cf. A. Pitres, Leçons cliniques sur l’hystérie et lhypnotisme, Paris, Doin, 1891, v. 1, p. 377-481; G.
Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., v. I, p. 433-485, e v. III, p. 1-
157; P. Richer, Paralysies et contractures hystériques, Paris, Doin, 1892, p. 2-3 etc.
20
Cf. IPS, II, p. 183.
21
Ibid., p. 134, 135, 137, 139, 144.
22
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie... , op. cit., p. 44.
23
Cf. M. Noica, “Le mécanisme de la contracture chez les spasmodiques, hémiplégiques ou
paraplégiques”, in NIS, 1908, p. 36.
24
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 99-100; J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la
Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 350.
25
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., lâmina II, p. 39-68 (especialmente p.
61-62).
26
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 41-42; Cf. Bourneville e Voulet, De la contracture
hystérique permanente, Paris, Delahaye, 1872, passim; P. Richer, “Observation de contracture
hystérique guérie subitement après une durée de deux années”, in NIS, 1889, passim.
27
E. Kant, Anthropologie du point de vue pragmatique, op. cit., p. 115 [Antropologia de um ponto de
vista pragmático, ver Bibliografia], grifo meu.
28
Ibid.
29
S. Freud, “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques
et hystériques”, in GW, I, 1888-1893, p. 50-51 [“Algumas considerações para o estudo comparativo das
paralisias motoras orgânicas e histéricas”, ver Bibliografia].
30
Ibid., p. 52.
31
Ibid., p. 53, 54.
32
IPS, II, p. 142.
33
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888, p. 294.
34
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 163.
35
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 429 (redigido por Bourneville).
36
Ibid.; cf. G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de Phystérie, op. cit., v. I, p. 321-
432.
37
Cf. C. Schaffer, “De la morphologie des contractures réflexes intrahypnotiques et de l’action de la
suggestion sur ces contractures”, in NIS, 1893, e NIS, 1894, passim.
38
IPS, II, p. 129, 136.
39
Ibid.
40
Cf. C. Lafon e M. Teulières, “Mydriase hystérique”, in NIS, 1907, passim.
41
Cf. C. Féré, De Pasymétrie chromatique de l’iris considérée comme stigmate névropathique (stigmate
iridien), Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1886, passim.
42
A. Londe, La Photographie moderne. Traité pratique de la photographie et de ses applications à
l’industrie et à la science, Paris, Masson, 1896, p. 290.
43
G. Gilles de la Tourette, “De la superposition des troubles de la sensibilité et des spasmes de la face
et du cou chez les hystériques”, in NIS, 1889, p. 111.
44
Ibid., p. 129.
45
Ibid., p. 186-187.
46
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 6.
47
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 430.
48
Cf. S. Freud, “Le trouble psychogène de la vision dans la conception psychanalytique”, in Névrose,
psychose et perversion, Paris, PUF, 1978, p. 168-169 [“A concepção psicanalítica da perturbação
psicogênica da visão”, ver Bibliografia].
49
Ibid.
50
Ibid., p. 171.
51
Ibid., p. 168.
52
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 74-75.
53
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 69. [Sébastien
Le Prestre Vauban (1633-1707) foi um engenheiro militar francês que revolucionou a construção de
fortificações. (N.T.)]
54
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 178-192.
55
Ibid., p. 182, 187 etc.
56
Ibid., p. 188-192.
57
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1979, p. 46-83
[Fragmento da análise de um caso de histeria, ver Bibliografia].
58
Ibid., p. 8.
59
L. d’Hervey de Saint-Denys, Les Rêves et les moyens de les diriger. Observations pratiques, Paris,
Amyot, 1867, passim.
60
Ibid., p. 18-33.
61
Cf. IPS, II, p. 131.
62
IPS, III, p. 189-190.
63
IPS, II, p. 135.
64
IPS, III, p. 199. Grifo meu.
65
Cf. Ch. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 159.
66
Cf. R. Descartes, Oeuvres et lettres, Paris, Gallimard, 1953, p. 706.
67
Cf. A. Pitres, Leçons cliniques sur Phystérie et l’hypnotisme, op. cit., v. II, p. 34-47.
68
Cf. S. Freud, “Les psychonévroses de défense. Essai d’une théorie psychologique de l’hystérie
acquise, de nombreuses phobies et obsessions et de certaines psychoses hallucinatoires”, in Névrose,
psychose et perversion, Paris, PUF, 1978, p. 11-13 [“As neuropsicoses de defesa”, ver Bibliografia].
69
IPS, II, p. 162.
70
A. Rimbaud, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1972, p. 100, “Une saison en enfer” [Uma
temporada no inferno]. Grifo meu.
71
IPS, II, p. 147.
72
Ibid., p. 129; cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 29; P. Richer, Études cliniques sur
la grande hystérie..., op. cit., p. 9.
73
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 11.
74
IPS, II, p. 132.
75
Ibid., p. 164; cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hysteric..., op. cit., p. 10.
76
Cf. IPS, II, p. 147-151 etc.
77
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 432-433; P. Richer, Études cliniques sur la
grande hystérie..., op. cit., p. 10.
78
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 89-116 e lâmina IV.
79
IPS, II, p. 220.
80
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 211-222.
81
Cf. S. Mallarmé, Pour un Tombeau d’Anatole, org. J.-P Richard, Paris, Seuil, 1961, p. 110.
82
IPS, II, p. 162.
83
Ibid., p. 162-163; cf. também p. 135, 140, 145-146, 164; IPS, III, p. 189-190; P. Richer, Études
cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 121-123, 134-135, 211-222, 226229.
84
Cf. A. Artaud, Oeuvres complètes, v. I*, p. 235, “Extase”.
85
Ibid.
86
Cf. J. Lacan, Le Séminaire, XX. Encore, Paris, Seuil, 1975 (seminário de 1972-1973), p. 11, 18, 68
[Mais, ainda, ver Bibliografia].
87
Cf. R. Descartes, Oeuvres et lettres, op. cit., p. 751, “De la pâmoison”.
88
L. Aragon e A. Breton, “Le cinquantenaire de l’hysterie”, La Révolution surréaliste, n.° 11, 1928, p.
20.
89
IPS, I, p. 151.
90
IPS, II, p. 203.
91
Ibid., p. 207.
92
J. Lacan, “Letourdit”, in Scilicet, 4 (1973), p. 23 [“O aturdito”, ver Bibliografia].
93
IPS, I, p. 72.
94
Ibid., p. 70-7l.
95
A. Rimbaud, Oeuvres complètes, op. cit., p. 102-103, “Une saison en enfer”, “Delires I”, “Vierge folle”.
96
Cf. E. Kant, Anthropologie du point de vue pragmatique, op. cit., p. 98 [Antropologia de um ponto de
vista pragmático, ver Bibliografia].
97
D. Diderot, “Sur les femmes”, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1951, p. 950.
98
Cf. J. Lacan, Le Séminaire, XX. Encore, op. cit., p. 12-13 [Mais, ainda, ver Bibliografia].
99
Ibid., p. 44, 68.
100
Cf. IPS, II, p. 123, 153 etc.
101
Cf. M. Safouan, LÉchec du principe de plaisir, Paris, Seuil, 1979, p. 60-61, 64 [O fracasso do
princípio do prazer, ver Bibliografia].
102
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur Phystérie (1893-1895), Paris, PUF, 1973, p. 132 [Estudos sobre a
histeria, ver Bibliografia]; S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique” [“Projeto para uma
psicologia científica”, ver Bibliografia], in La Naissance de la psychanalyse, Paris, PUF, 1973, p. 336-
338, “L’epreuve de la satisfaction” [A experiência de satisfação].
103
A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. XIV**, p. 56.
104
F. Dostoievski, Les Demons, Paris, Gallimard, 1955, p. 291-292 [Os demônios: romance, ver
Bibliografia].
105
A. Londe, La Photographie médicale: application aux sciences médicales et physiologiques, Paris,
Gauthier-Villars, 1893, p. 102.
106
Cf. S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, op. cit., p. 359-360 [“Projeto para uma
psicologia...”, op. cit., ver Bibliografia].
107
Cf. G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., v. I, p. 486-555.
108
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur Vhystérie (1893-1895), op. cit., p. 152-161, 165166 [Estudos...,
op. cit., ver Bibliografia]; S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique” [“Projeto...”, op. cit., ver
Bibliografia], p. 315-317.
109
Cf. S. Freud, “Quelques considerations pour une étude comparative des paralysies motrices
organiques et hystériques”, op. cit., p. 53-54 [“Algumas considerações para o estudo comparativo...”, op.
cit., ver Bibliografia]; S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, op. cit., p. 339-340
[“Projeto...”, op. cit., ver Bibliografia].
110
J. Breuer e S. Freud, Études sur lhystérie (1893-1895), op. cit., p. 5-6 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
111
Ibid., p. 8.
112
Cf. S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, op. cit., p. 318-322 [“Projeto...”, op. cit., ver
Bibliografia]; J. Breuer e S. Freud, Études sur l’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 128, 231 [Estudos..., op.
cit., ver Bibliografia].
113
J. Breuer e S. Freud, Études sur l’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 5; cf. também p. 172-178
[Estudos..., op. cit., ver Bibliografia].
114
Cf. S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, op. cit., p. 326-327 [“Projeto...”, op. cit., ver
Bibliografia], “L’épreuve de la souffrance” [A experiência do sofrimento].
115
J. Breuer e S. Freud, Études sur l’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 11 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
116
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 131-139; E.
H. M. Thyssen, Contribution à l’étude de Vhystérie traumatique, Paris, Davy, 1888, passim.
117
IPS, III, p. 33.
118
IPS, II, p. 189.
119
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 439 e
figura 95.
120
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 251.
121
Ibid., p. 111.
122
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 527-535
(redigido por Dutil).
123
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IV, p. 323.
124
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur l’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 2 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
125
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1979, p. 137
[Fragmento da análise..., op. cit., ver Bibliografia]; S. Freud, Cinq leçons sur la psychanalyse, Paris,
Payot, 1968, p. 21 [Cinco lições de psicanálise, ver Bibliografia].
126
J. Breuer e S. Freud, Études sur lhystérie (1893-1895), op. cit., p. 142 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
127
Ibid., p. 119.
128
Ibid., p. 97; cf. S. Freud, “L’Étiologie de l’hystérie” , in Névrose, psychose et perversion, op. cit., p. 92-
94 [“A etiologia da histeria”, ver Bibliografia].
129
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur 1’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 138 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
130
Ibid., p. 1.
131
Cf. J. L. Schefer, L’Invention du corps chrétien. Saint-Augustin, le dictionnaire, la mémoire, Paris,
Galilée, 1975, p. 128-129.
132
Cf. R. Descartes, Oeuvres et lettres, op. cit., p. 715-716.
133
Cf. H. Bergson, Oeuvres, Paris, PUF, 1959, p. 276-277.
134
J.-M. Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical e Babé, 1892-1893,
v. II, p. 266.
135
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 178, 518-519.
136
S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, op. cit., p. 363 [“Projeto...”, op. cit., ver
Bibliografia].
137
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur l’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 8 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia]; S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 9-10 [Fragmento de análise...,
op. cit., ver Bibliografia]; S. Freud, Inhibition, symptôme et angoisse, Paris, PUF, 1978, p. 92 [“Inibições,
sintomas e ansiedade”, ver Bibliografia].
138
Cf. S. Freud, Inhibition, symptôme et angoisse, op. cit., p. 15 [“Inibições,...”, op. cit., ver Bibliografia].
139
J. L. Schefer, L’Invention du corps chrétien. Saint-Augustin, le dictionnaire, la mémoire, op. cit., p. 24.
140
Cf. A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. XIV**, p. 48. Grifo meu.
141
Cf. M. David-Ménard, Pour une épistémologie de la métaphore biologique en psychanalyse: la
conversion hystérique. Tese, Université de Paris VIII, 1978, p. 283-284 e passim.
142
C. S. Freud, “Les psychonévroses de défense. Essai d’une théorie psychologique...”, op. cit., p. 4-5
[“As neuropsicoses...”, op. cit., ver Bibliografia]; S. Freud, “Le refoulement”, in Métapsychologie, Paris,
Gallimard, 1968, p. 60-61 etc. [“Repressão”, ver Bibliografia].
143
S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 62 [“Fragmento...”, op. cit., ver
Bibliografia].
144
IPS, II, p. 126-127.
145
Cf. G. Wajeman, “Théorie de la simulation”, in Ornicar? - Analytica, 22, 1980, passim.
146
Cf. S. Freud, “Sur les souvenirs-écrans”, in Névrose, psychose et perversion, op. cit., passim
[“Lembranças encobridoras”, ver Bibliografia]; S. Freud, Psychopathologie de la vie quotidienne, Paris,
Payot, 1979, p. 51-59 [A psicopatologia do cotidiano, ver Bibliografia].
147
S. Freud, “Sur les souvenirs-écrans”, in Névrose, psychose et perversion, op. cit., p. 118
[“Lembranças...”, op. cit., ver Bibliografia].
148
Cf. S. Freud, Psychopathologie de la vie quotidienne, op. cit., p. 56 [A psicopatologia..., op. cit., ver
Bibliografia].
149
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur Vhystérie (1893-1895), op. cit., p. 240-241 [Estudos..., op. cit.,
ver Bibliografia].
150
Ibid., p. 143-144.
151
Ibid., p. 140.
152
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 19 [Fragmento da análise..., op. cit., ver
Bibliografia]; S. Freud, “Les fantasmes hystériques et leur relation à la bisexualité”, in Névrose, psychose
et perversion, op. cit., p. 152-153 [“Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade”, ver
Bibliografia].
153
S. Freud, “Les fantasmes hystériques et leur relation à la bisexualité”, op. cit., p. 151 [“Fantasias...”,
op. cit., ver Bibliografia]. Grifo meu.
154
Ibid.
155
S. Freud, “Esquisses pour la ‘Communication préliminaire’, de 1893”, in GW, XVII, 1892, p. 152
[“Esboços para a ‘Comunicação preliminar’ de 1893”, ver Bibliografia]; cf. S. Freud, “Les fantasmes
hystériques et leur relation à la bisexualité”, op. cit., p. 150 [“Fantasias...”, op. cit., ver Bibliografia].
156
S. Freud, “Considérations générales sur l’attaque hystérique”, in Névrose, psychose et perversion, op.
cit., p. 161 [“Algumas observações gerais sobre os ataques histéricos”, ver Bibliografia].
157
Ibid., p. 162.
158
S. Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique”, op. cit., p. 366 [“Projeto...”, op. cit., ver
Bibliografia].
159
IPS, I, p. 78. Grifo meu.
160
IPS, II, p. 139, 161.
161
S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 34-35; em francês no texto [Fragmento...,
op. cit., ver Bibliografia].
162
Cf. P. Guiraud, Dictionnaire historique, stylistique, rhétorique, étymologique de la littérature
érotique, Paris, Payot, 1978, p. 15-23 (as 1.300 palavras do coito).
163
Cf. S. Freud, “L’Hérédité et l’étiologie des névroses”, in Névrose, psychose et perversion, op. cit., p.
53-55 [“A hereditariedade e a etiologia das neuroses”, ver Bibliografia]; S. Freud, “Nouvelles remarques
sur les psychonévroses de défense”, in Névrose, psychose et perversion, op. cit., p. 62-66 [“Novas
observações sobre as neuropsicoses de defesa”, ver Bibliografia]; S. Freud, Trois essais sur la théorie de
la sexualité, Paris, Gallirnard, 1962, p. 45, 157-159 [Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, ver
Bibliografia].
164
Cf. S. Freud, L’Interprétation des rêves, Paris, PUF, 1967, p. 298 [A interpretação dos sonhos, ver
Bibliografia].
165
Cf. S. Freud, “Consídératíons générales sur l’attaque hystéríque”, op. cit., p. 164-165 [“Algumas
observações gerais...”, op. cit., ver Bibliografia].
166
S. Freud, “Contribution à l’histoire du mouvement psychanalytíque”, in Cinq leçons sur la
psychanalyse, op. cit., p. 78 [“A história do movimento psicanalítico”, ver Bibliografia].
167
IPS, II, p. 151, 161; cf. p. 150, 152-153.
168
IPS, I, p. 70-71.
169
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 388-390.
170
Cf. IPS, II, p. 133, 139, 147 etc.
171
Cf. S. Freud, “Considérations générales sur l’attaque hystérique”, op. cit., p. 163-165 [“Algumas
observações gerais...”, op. cit., ver Bibliografia].
172
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 33 [Fragmento da..., op. cit., ver
Bibliografia].
173
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 69-78, especialmente p. 76.
174
S. Freud, “Les fantasmes hystériques et leur relation à la bisexualité”, op. cit., p. 155 [“Fantasias
histéricas...”, op. cit., ver Bibliografia].
175
Ibid. Grifo meu.
176
Cf. H. Maldiney, Aitres de la langue et demeures de la pensée, Lausanne, L’Âge d’homme, 1975, p.
18-20; M. David-Ménard, Pour une épistémologie de la métaphore biologi que en psychanalyse... , op.
cit., p. 33-36.
177
Cf. M. Blanchot, L’Espace littéraire, Paris, Gallimard, 1955, p. 227-234, “Le regard d’Orphée” [O
olhar de Orfeu].
178
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, op. cit., p. 310, “Mimique” [Mímica].
179
D. Diderot, “Sur les femmes”, op. cit., p. 952. Grifo meu.
180
G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., v. I, p. 111.
181
Cf. IPS, III, p. 22 etc.
182
Cf. S. Freud, “Psychologie collective et analyse du Moi”, in Essais de psychanalyse, op. cit., p. 128-
129 [“Psicologia de grupo e análise do ego”, ver Bibliografia].
183
Cf. S. Freud, “Considérations générales sur l’attaque hystérique”, op. cit., p. 162 [“Algumas
observações gerais...”, op. cit., ver Bibliografia].
184
IPS, II, p. 135 etc.
185
Ch. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. II, p. 714, “La femme” [A mulher], e p. 715, “Éloge du
maquillage” [Elogio à maquiagem].
186
F. Dostoievski, Les Démons, op. cit., p. 150-151 [Os demônios, ver Bibliografia].
187
IPS, II, p. 168.
188
Ibid., p. 167-168.
189
Cf. M. Heidegger, Introduction à la métaphysique, Paris, Gallimard, 1967, p. 109 [Introdução à
metafísica, ver Bibliografia].
190
IPS, II, p. 214.
191
Ibid., p. 215.
192
Ibid., p. 206, lâmina XXXIX.
193
IPS, III, p. 7-
194
Cf. J. Lacan, Le Séminaire, XI. Les quatre concepts fondamentaux de la psychanaIyse, Paris, Seuil,
1973 (seminário de 1964), p. 194-195 [O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise, ver Bibliografia]; J. Lacan, Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 843-844 [Escritos, ver Bibliografia].
195
Cf. J. Lacan, Le Séminaire, XI. Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse, op. cit., p. 38-
39 [Os quatro conceitos..., op. cit., ver Bibliografia].
196
Cf. S. Freud, “Les fantasmes hystériques et leur relation à la bisexualité”, op. cit., p. 80-81
[“Fantasias histéricas...”, op. cit., ver Bibliografia].
197
J. Lacan, Séminaire sur ^identification (1961-1962), Nova York, International General, s.d., p. 315-
316 ; cf. J. Lacan, Écrits, op. cit., p. 221-222 [Escritos, op. cit., ver Bibliografia].
198
Cf. J. Lacan, Séminaire sur l’identification, op. cit., p. 362.
199
Ibid., p. 281; cf. J. Lacan, Écrits, op. cit., p. 99, 165-166, 170-177, 524 etc. [Escritos, op. cit., ver
Bibliografia].
200
Ch. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. II, p. 713, “La femme” [A mulher].
201
S. Freud, “Observations sur l’amour de transfert”, in La Technique psychanalytique, op. cit., p. 128-
129 [“Observações sobre o amor transferencial”, ver Bibliografia]. Grifo meu.
202
Cf. G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, Paris, Masson, 1955, p. 134-135.
203
R. Barthes, Fragments d’un discours amo^reux, Paris, Seuil, 1977, p. 79 [Fragmentos de um discurso
amoroso, ver Bibliografia].
204
J. Breuer e S. Freud, Études sur rhystérie (1893-1895), op. cit., p. 213 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia]. Grifo meu.
205
Cf. IPS, I, p. 70-71 etc.
206
S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 86-87 [Fragmento da análise..., op. cit., ver
Bibliografia].
207
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur 1’hystérie (1893-1895), op. cit., p. 245 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
208
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 87 [Fragmento da análise..., op. cit., ver
Bibliografia].
209
S. Freud, “Observations sur 1’amour de transfert”, op. cit., p. 128 [“Observações sobre o amor...”, op.
cit., ver Bibliografia].
210
Ibid., p. 123.
211
Ibid., p. 125.
212
Ibid., p.124, 128.
213
Cf. D. Sibony, Le Nom et le corps, Paris, Seuil, 1974, p. 194.
214
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 30 [Fragmento da análise..., op. cit., ver
Bibliografia].
215
Cf. Ch. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 546, “Choix de maximes consolantes sur
l’amour” [Seleta de máximas consoladoras sobre o amor].
216
Ibid., p. 41, “Semper Eadem”, e p. 99, “L’Amour du mensonge”.
217
Cf. R. Barthes, Fragments d’un discoursamo^reux, op. cit., p. 227-229 [Fragmentos de um discurso
amoroso, ver Bibliografia].
218
Cf. O. Mannoni, Un Commencement qui nen finit pas. Transfert, interpretation, théorie, Paris, Seuil,
1980, p. 13-55; D. Sibony, Le Nom et le corps, op. cit., p. 179.
219
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, op. cit., p. 30 [Fragmento da análise..., op. cit., ver
Bibliografia].

* Convém lembrar que o advérbio francês corresponde, em português, além do ainda, a mais
[conotando intensidade], a de novo [repetição] e a diversas construções que indicam a continuação
de uma ação no tempo, como “ele continua a trabalhar” (il travaille encore), ou “continua a chover”
(il pleut encore). [N.T.]
** A Deck-Erinnerung freudiana traduz-se em francês por souvenir-écran, ou “lembrança-tela”, se
vertida ao pé da letra. [N.T.]
*** Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, v. 4, Sodoma e Gomorra, trad. Mário Quintana, 3ª ed.
rev. por Olgária Chaim F. Matos, notas e resumo de Guilherme Inácio da Silva, posfácio de Regina
Salgado, São Paulo, Globo, 2008. [N.T.]
Repetições, encenações

Olhares e toques

Uma sedução terrível, portanto, ia-se repetindo.


Como? - A sedução é um ardil da visibilidade: uma determinada histérica
fingia constituir a coisa toda do saber e da escopofilia psiquiátricos: poses,
fotografias. E acreditava nisso. Recíproca da sedução: das “atitudes
passionais” de “sua” histérica o médico fazia uma obra-prima, a imagem viva
de um conceito nosológico, e quase a glorificava como imagem; sedução, o
passarinho do fotógrafo. Augustine enfeitiçava seus médicos como uma
aparição ideal, e eles, em contrapartida, eram como seus gênios bondosos.
Será?
De qualquer modo, era exemplarmente pelo meio fotográfico que a
histérica se oferecia para ser tocada, e pelo mais sutil, o mais refinado dos
contatos.
A Iconografia fotográfica da Salpêtrière, entretanto, continuou a ser, em
um sentido, uma negação do tato, do contato. Tudo era feito para fabricar
uma aparência de “vida” e, portanto, de independência da imagem: as
histéricas, de lâmina em lâmina, pareciam divertir-se com toda a liberdade
em suas fantasias ou fantasmagorias - e digo mesmo: “pareciam”. “Lâmina”*
me indica, aliás, que de qualquer modo havia protocolos de poses, estrados,
uma opressão discreta, caixas para enquadrar a imagem. A Iconografia
fotográfica da Salpêtrière não mostrava nada da maneira como eram tocadas
as histéricas. Apenas mostrava, isto é, tentava provar que não se tocava nele,
no prodigioso corpo da histérica, e que “aquilo” acontecia sozinho (assim
como Marey amarrava com barbante os seus pássaros, para “cronofotografá-
los” levantando voo, em verdadeiras imitações ilusórias da partida).
Ilusão de uma distância neutra. De olhar que não toca (ora, não mais que
pelo tempo de exposição, e não era indiferente essa distância encurtada,
quase tátil, entre a máquina fotográfica e o sujeito).
E como esquecer que não apenas o olhar clínico e sua “bela sensibilidade”
foram inteiramente dominados por uma metáfora incurável do tato1 como
também tocar a histérica foi, desde sempre, a única maneira de obter dela
uma... Uma resposta?
E não estou falando apenas de Galeno ou de Ambroise Paré. Em 1859,
Briquet ainda polemizava com alguns métodos utilizados para conter o
ataque histérico - o que significa que tais métodos ainda eram utilizados.
Briquet chegou a dar exemplos de sua eficácia (só que seu propósito era
ligeiramente diferente: na verdade, ele polemizava com um conceito de
histeria que justamente a eficácia desses métodos havia conseguido
fundamentar). Compressões do útero, toda sorte de “esfregaduras das áreas
genitais”, masturbações - sejamos francos, até não mais poder (a histérica
extenuada, inteiramente suada, acalmava-se) - e até receitas de prática do
coito.2 Briquet havia tentado, é claro, mas disse que nada disso funcionava;
seria por não estar sinceramente interessado? Pelo menos, ele nos confessou
sua repugnância por práticas que, com razão, aliás, julgava muito pouco
“inocentes”.3
Pois bem, Charcot reatou um pouco com a tradição. Não hesitava em
mergulhar o punho na virilha das histéricas, em instrumentalizar uma
chamada “compressão ovariana”, em receitar, em alguns casos, a cauterização
do colo uterino.4 Reprovava a histerectomia como terapia específica da
histeria, mas, nesse aspecto, colocava-se como vanguarda, porque a
histerectomia continuou a ser praticada, a despeito dele, durante todo o
século XIX.5
O tato convertia-se em tormento: speculum - bisturi, cautério. Como é que
eu ouso remeter isso a uma dialética da sedução?
Essa é a questão. O paradoxo da atrocidade. E o movimento que interrogo
é este: como é que a relação de um médico com sua paciente, num asilo de 4
mil corpos “incuráveis”, como é que essa relação, que, em princípio, era
praticamente a única, ao lado do casamento, a autorizar, a instituir até, a
palpação dos corpos,6 como é, repito, que essa relação podia tornar-se
servidão, propriedade, tormento? Como foi que o corpo das pacientes veio a
pertencer ao corpo médico, e como pôde operar-se essa despossessão no que
a própria histeria nos obriga a chamar de sedução?
Minha hipótese diz respeito à função mediadora da imagem, da
fabricação das imagens, no movimento paradoxal que vai do toque ao
tormento, passando pela sedução. Mas o paradoxo continua a ser lancinante:
como será que um corpo se tornou, para terceiros, um objeto experimental,
por ser propício à criação de imagens, e como terá esse corpo consentido
nisso a tal ponto? É uma palavra muito forte: consentir é amar, em certo
sentido, amar loucamente, e as histéricas da Salpêtrière realmente
consentiram, sim, numa grande simulação do desejo, em montagens
extraordinárias.
(Nota: esta não foi minha interrogação principal, mas adveio de uma
suspeita, no percurso meio fascinado e embasbacado dessa estranhíssima
sarabanda de imagens da Iconografia fotográfica da Salpêtrière. Uma espécie
particular de punctum, muito tangencial ao visível, porque só existia em
relação à sequência inteira das imagens...)
Mas esse movimento certamente foi negado na Iconografia, onde
Bourneville e Regnard dissimularam sua ação. Assim, nunca os divisamos
no enquadre, na chapa fotográfica. Por muitos detalhes, sentimos que havia
uma intenção de apagar os toques, as carícias coniventes ou as brutalidades.
O braço de um enfermeiro, segurando firme o de uma histérica em fuga, que
posava para mostrar seu “remorso”, foi “corrigido” para publicação - a
gravura obtida a partir do clichê omitiu o “toque” desse verdadeiro guarda
prisional.7 Outro exemplo, leve, mas significativo: em 1887 (quando já fazia
muitos anos que não trabalhava na Salpêtrière), Regnard publicou toda uma
série de gravuras extraídas das lâminas da Iconografia fotográfica, mas entre
elas havia algumas inéditas; teriam sido impróprias para sua função de
prova? Teria sido essa a especificidade fotográfica?8 E o que vemos nelas? -
O corpo, o corpo do próprio médico! Por exemplo, transpassando com uma
agulha comprida o braço de uma moça dominada por ele, do alto da
estatura negra de seu paletó. Ora, e o sorriso! O sorriso “entendido” da
jovem histérica: o consentimento, o quase recolhimento na seriedade da
situação, no saber da experimentação em seu corpo “anestesiado”, acrescido
do protocolo da pose fotográfica (figura 66).
Figura 66. Paul Regnard, “Anestesia histérica”, gravura baseada numa fotografia do autor, extraída de
Les Maladies épidémiques de l’esprit - Sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des grandeurs, Paris,
Plon, 1887, p. 75.

Sensibilidades “especiais”
Com certeza, o corpo histérico é todo um mistério de sensações.
“Perversões da sensibilidade”, escrevia Briquet.9 Isso significa, em primeiro
lugar, as anestesias. Pele, músculos, ossos, órgãos dos sentidos, “membranas
mucosas”10 e tutti quanti. Depois, secundariamente, as hiperestesias, ou
“hiperalgesias”: exatamente o inverso das primeiras, mas, de qualquer modo,
em toda parte e de todas as espécies: “dermalgias”, “mialgias”, “cefalalgias”,
“epigastralgias”, “raquialgias”, “pleuralgias”, “celialgias”, “toracalgias”,
“mielalgias”, “artralgias”, “nevralgias”, “hiperestesias laringobrônquicas”,
“asfixias pseudocrupais”, “hiperestesias das vias digestivas”, “nefralgias”,
“cistalgias”, “histeralgias” etc.11 Cada órgão do corpo histérico, portanto,
teria sua dor própria.
A Escola da Salpêtrière levou a descrição muito além do simples
recenseamento. Esboçou-se uma teoria geral, psicofisiológica; por exemplo,
a afirmação de que a própria emotividade histérica, a “impressionabilidade”
em geral da histérica, “é apenas uma fraqueza congênita ou adquirida da
resistência dos centros vasomotores”.12 Ora, o que era preciso para o
estabelecimento dessa teoria era uma verificação experimental: antes de
tudo, tirar a medida de todas as sensibilidades histéricas.
No protocolo clínico, para começar, era preciso ordenar toda essa
fenomenologia dispersa num quadro das chamadas “sensibilidades
especiais”. Eis um pequeno resumo:
Sensibilidade especial. O tique-taque de um relógio encostado na orelha
esquerda mal chega a ser percebido; é ouvido a dez centímetros da orelha
direta. Visão: W. só distingue o vermelho, do lado esquerdo; no direito, tem
noção de todas as cores, com exceção do violeta. Olfato: abolido à esquerda,
um pouco diminuído à direita. Paladar: sal, açúcar, pimenta e colocíntide
não são percebidos de um lado nem do outro. Sentido genital: as relações
sexuais não produzem sensação alguma; ela é acusada de frigidez; tudo
acontece na cabeça.13
Figura 67. Esquema das zonas de anestesia histérica, em Nouvelle iconographie de la Salpêtrière, Paris,
Lecrosnier & Babé, 1888.

E Charcot tratou de definir como uma característica sintomatológica


distintiva da histeria aquilo que chamava, justamente, de “obnubilação dos
sentidos especiais” 14
Mesmo ordenada, essa fenomenologia guardava em si algo de improvável.
Portanto, era preciso “implementá-la”, instrumentalizá-la.
Cabia identificar as organizações locais, as morfologias, sobretudo as
simetrias. Definir, não. Antes, tratava-se de cartografar, cartografar os corpos
- “faces dorsais”, “faces ventrais”, linhas medianas, zonas, pontos
“histerogênicos”, fronteiras bem nítidas.15 Depois, esquemas-padrão, como
formulários a serem preenchidos pelo clínico modelo (figura 67).
Figura 68. Regnard e Richer, inscrição pneumográfica (aparelho de Marey) da respiração “costal
superior” de Augustine em estado de crise, em Revue mensuelle de médecine et de chirurgie, Paris,
1878.

Como no caso de Augustine, lembre-se: todas as anestesias, contraturas,


ideias de posição, distúrbios da audição, da visão, do olfato, do “sentido
genital”, e assim por diante, tudo se ligava e se organizava de acordo com
uma linha insidiosa, mas precisa, que atravessava seu pobre corpo cindido:
todos os sintomas lhe eram hemialguma coisa.16
Assinalo que o estudo das simetrias, correlativamente, foi como que uma
metodologia da suspeita: permitia, por exemplo, opor a medida espacial ao
distúrbio funcional sentido, muito lábil, talvez até “simulador”; uma dada
síndrome de hipertrofia muscular não resistia às medições em centímetros
dos perímetros (pernas, coxas), e até à olhadela ortogonal, demonstrativa,
possibilitada por uma fotografia bem tirada (por Albert Londe): “pseudo-
hipertrofia”, portanto, já que, visivelmente, de acordo com as medições, era
desprezível.17
Paixão pelas medições - até do próprio movimento, do espasmo, da
convulsão, do “estertor”. Apelo aos “métodos gráficos”, à moda de Marey.18
Assim, Augustine não parava de mergulhar em suas crises toda carregada de
sensores, miografada, pneumografada - o traçado do seu mais ínfimo
suspiro já era uma espécie de perfil da própria “grande forma histérica”19
(figura 68).
Mediam-se as febres retais, “T.R.”, e vaginais, “T.V.”.** Mediam- -se as
sensibilidades térmicas, até mesmo os gritos causados sob as chamas do
álcool usado nos “termocautérios”.20
Cronometravam-se os delírios! Conte calmamente os de Augustine: 18
segundos de “ameaça”, depois 10 segundos de “apelo”; em seguida, 14 de
“lubricidade”, 24 de “êxtase”, 22 de “ratos” (isto é, visões de ratos; Richer já
não se dava o trabalho de distinguir a percepção da realidade da percepção
alucinatória), e 19 de “música militar”; de repente, 13 segundos de
“zombaria”, seguidos por 23 de “lamentações” et cetera, et cetera.-”’21

Corpos experimentais

Cronometrar. Talvez isso tenha sido inventar uma espécie de ritualização


tecnológica da expectativa, método matriz em que Charcot tinha visto o
lugar de origem de toda uma “escola de observadores atentos”22 - sim, à
espera de um “x algébrico”, como disse certo Requin, à espera de uma
instância de decisão numa alternativa crucial: “respeitar” ou “provocar”?23
Charcot forçou a alternativa por meio de uma resposta clara, usando Pinel
como alegação: era preciso experimentar.24 Isso significava, note-se,
substituir a metafísica da essência e das causas da doença por uma
metafísica dos fatos, talvez no estilo de Condillac, tendo ao fundo o que isso
pressupunha: a saber, uma complementação, um acréscimo, como se não
fosse nada, “do que era preciso” para fazer ou refazer um fato, quando
faltava o sentido de sua origem. Certa frivolidade, portanto.25
Todo o estilo de Charcot, bem como seu ensino, recorreu à
experimentação: não como meio, tampouco como objetivo confesso, mas
como ética científica. A histeria fazia da repetição, até da obsessão, uma
necessidade, e suas manifestações aleatórias obrigavam a ética a se fazer
estética - justamente para não perder a “produção de ciência”...

Pois bem! Esta doente nos servirá para demonstrar aos


senhores o que estou enunciando. Mas quero dizer-lhes
que, embora estejamos quase seguros do resultado
anunciado, as coisas do organismo não são tão precisas
quanto as da mecânica, e não me surpreenderia que nossa
operação não lograsse êxito. Dizem, às vezes, que as
experiências com animais, quando feitas em público, não
obtêm tanto sucesso quanto no laboratório; o que é verdade
nesse caso também o é, por razões mais fortes, no tocante às
experiências de clínica que fazemos aqui. Se não
obtivermos o sucesso que desejamos, nem por isso deixará
de haver aqui um ensinamento para os senhores.26

Como não teria ele suspeitado da virtude fundadora dos fatos de que é
dotada a montagem cênica? Será que a esqueceu, adiante, ao escrever, ou,
melhor, ao se dirigir a seu público, falando de uma paciente, bem na frente
dela (que não era surda): “Os senhores têm aqui pontos histerogênicos,
podem servir-se deles, nem que seja com um objetivo experimental”?27
Fez-se uma acusação a Charcot: o senhor não trata, o senhor
experimenta.28 Seus discípulos ergueram uma barreira, tomaram da pena e
tentaram responder. Bem estranhas respostas. Argumentos simplistas (“bom
remédio é o que cura”) ou ambíguos, denegatórios (“ele que, na terapêutica,
nunca recuou diante de experimentação alguma”)29 (cf. Apêndice 16). Mas a
questão ia além. A questão concernia à ideia ou à ideologia de um “avanço”
da ciência médica nesse campo; concernia também a uma concepção
psiquiátrica da verificação: entre outras coisas, como viriam a se verificar
todos os temas que serviam de princípio à psicofisiologia, sua ideia de
determinismo, seus esquemas fundadores, estímulo e reação, e assim por
diante?
A questão ainda ia além. Dizia respeito ao fato de que um empirismo do
corpo suscitava ou até fabricava um empirismo do sujeito. Assim, Augustine,
como “histeroepiléptica”, seria um sujeito empírico; este era tramado e
inventado ao longo dos quase rostos e quase poses de Augustine, no
movimento da transferência. Ao se inventar, o empirismo do sujeito passava
para uma modalidade estética de existência, celebrada (muito sexualmente,
no fundo) por toda a organização institucional e tecnológica da Salpêtrière...

Figura 69. Albert Londe, “Sono histérico”, em La Photographie médicale: application aux sciences
médicales et physiologiques, Paris, Gauthier-Villars, 1893.

Para o corpo da histérica no asilo, isso era consequência de ficar entregue


à transferência: um consentir na experiência. Corpo autômato, ora inerte,
ora se debatendo todo, maleável, enfim, por ser convocado, convocado por
uma legenda!
Convocado por carícias, até apalpações, eletrochoques, penetrações. Uma
moral do brinquedo faria as delícias dele, suas obras, seus estilos, seus
prodígios.

Corpos de sonho

Um dia, Augustine propôs por si mesma a situação sonhada de um corpo


totalmente entregue à moral do brinquedo, isto é, inerte e, ao mesmo tempo,
funcionando ao gosto de cada um. “Um dia, ela caiu num sono que durou
até a manhã seguinte e do qual foi impossível fazê-la sair, quaisquer que
fossem os excitantes empregados, mecânicos ou elétricos. Ela estava em
decúbito dorsal, rosto corado, membros em completo relaxamento
muscular, pálpebras cerradas e trêmulas, e globos oculares convulsionados
para baixo, com tendência ao estrabismo interno. A respiração estava muito
fraca e irregular: resp. 14. Pulso 100.”30
Assim, com o corpo inteiramente oferecido, ela se tornou uma espécie de
bela adormecida. Ora, o sono vinha como que de um deslocamento da
crença, segundo escreveu Artaud: um abraço se relaxava e se estreitava ao
mesmo tempo.31
O que há de prodigioso no chamado “sono histérico” é que ele simula um
sono fisiológico, de acordo com modalidades extremamente lábeis, de fato:
muitas vezes, rigidez muscular em vez de relaxamento, no paradoxo de ser,
ao mesmo tempo, mais profundo que qualquer sono normal (“tão profundo
que nem o barulho do gongo, nem a inspiração de amônia, nem a intensa
faradização da pele ou dos músculos, até dos próprios troncos nervosos, são
capazes de produzir o despertar”)32 e, ainda assim, alerta; ou seja, o sono
histérico é uma crise contida, ou, melhor, indefinidamente retardada. Era
assim mesmo que Charcot o entendia: o “ataque de sono” constituía uma
transformação do ataque “clássico”, isto é, convulsivo, cujos fenômenos, aliás,
continuavam a se manifestar nele, de forma intermitente, “como que em
fragmentos”, dizia Charcot,33 “com isso fazendo lembrar, embora em ponto
pequeno, a história da Bela Adormecida, a qual, em suma, cá entre nós, não
passa da história, embelezada pela arte, de uma histérica procurada por um
príncipe jovem e meio desmiolado”.34 Vamos adiante.
O importante é que todo o beneficio dessa suspensão coube ao príncipe:
ao observador, ao “espectador”. Sua predação da imagem, tal como no caso
da tetania, tornava-se um verdadeiro deleite, porque ele dispunha de “todo o
tempo do mundo” para contemplar sua beldade como que marmorizada
(enquanto para ela ia passando, transfinita, a espera de um Contato e de
uma Sedução diferentes). O espectador dispunha de todo o tempo (do
tempo dela, na verdade) para ajustar com toda a circunspecção a imagem
(figura 69).
Aqui, mais uma vez, a expectativa foi atestada e autenticada como método
iconográfico. Quando a oportunamente denominada “Eudóxia H.”,*** célebre
caso da Iconografia de Bourneville e Regnard,35 mergulhou num sono dessa
natureza, ninguém pensou em salvá-la do que talvez fosse um torpor de
pesadelo; em vez disso, sua maca fazia entrada, ou, melhor, entrava em cena
no anfiteatro das aulas das terças-feiras, então completamente entregue à
curiosidade do público e aos comentários “de espectador” do senhor do seu
sono:

A doente que acaba de ser colocada diante dos seus olhos é,


segundo a linguagem costumeira neste hospício, o que
chamamos de uma dormidora. De fato, essa doente está
dormindo - se é que isso ainda pode ser chamado de
dormir - desde 1° de novembro último, ou seja, há doze
dias. Na realidade, desde então ela não parou de dormir, à
sua maneira, é claro, dia e noite, sem jamais despertar, e há
bons motivos para crer que não acordará tão cedo. Neste
serviço, no qual ela vive há muito tempo, deixamos as coisas
seguirem seu curso como lhes apraz, sem procurar provocar
o despertar, sabendo por experiência que, neste caso, isso
seria inútil, quaisquer que fossem os meios empregados; e,
esclarecidos pelo que já aconteceu anteriormente, em
numerosas crises similares, assistimos sem ansiedade e sem
emoção a esse espetáculo singular, com o qual estamos há
muito familiarizados, vivendo na nítida convicção de que
um belo dia, mais cedo ou mais tarde, tudo voltará
espontaneamente à ordem.36

Em suma, o “ataque de sono” era um ataque histérico momentaneamente


estatuificado e apresentável, com a fantástica bênção de que, muitas vezes (a
despeito da afirmação de Charcot nesse texto), o “momentâneo” era, se não
controlável, ao menos manipulável. Receita: a seu critério, você pode deixar
prosseguir, pode interromper ou pode precipitar o ataque: com a
“compressão ovariana”, isso funcionava muito bem.37
De fato, os fenômenos sintomáticos do sono das histéricas foram, de
maneira mais geral, já uma via real para o “conhecimento” da histeria. Mas
conhecimento significava, nesse sentido, tomar notas, com exatidão, de uma
encenação do sono.
Temos aí dois fenômenos fundamentais: o sonambulismo e o
vigilambulismo - momentos pantomímicos em que uma histérica
gesticulava, fazia poses, encenava seu sono.38 Uma atuação [acting-out]
insciente dos pesadelos e dos sonhos. Os chamados estados “secundários”,
nos quais a cisão do pobre corpo empírico manifestava-se plasticamente,
mais uma vez. Nos quais o “segundo” do sujeito se fazia presente como um
delicioso autômato.

A hipnose comparece - corpos sutis

Só que... Todo deleite é ambíguo. E nas ciências, nas positividades, acaso o


ambíguo não é uma espécie de continente negro? Então: “Com efeito, parece
haver na ciência coisas de que não se deve falar, em cuja exposição o homem
prudente não se aventura jamais, assuntos perigosos de que nunca é
proveitoso nos ocuparmos. O sonambulismo [...] certamente pertence a essa
categoria.”39
Nesse aspecto, portanto, Charcot correu um risco bastante radical, com
certeza: apresentar perante todas as autoridades acadêmicas, em 1882, todos
os fenômenos da somniação e, além deles, da hipnose como objetos de
ciência.40
Terá ele acreditado que o positivismo estava vacilando? Não, porque
Charcot apresentou esses fenômenos como decorrentes de puro soma:
estados fisiológicos suscitados por algumas excitações, ponto final. Nisso
residiram sua argúcia e seu risco, talvez inconscientes - sua vitória e seu
erro.
Ele incluiu a hipnose em seu programa “pessoal” (oficioso) de ensino a
partir de 1878. E alegou naquele momento, e a partir de então, toda a
prudência expectante do clínico:

Com efeito, realizei alguns novos estudos sobre os estados


sonambúlicos e catalépticos, cujo desenvolvimento se dará
progressivamente. Ajo com prudência, avançando apenas
passo a passo, e me coloco estritamente no ponto de vista
da clínica. De fato, quero que esses estudos sejam levados o
mais longe possível, porque, a meu ver, o avanço da
patologia nervosa está implícito neles.41

Com isso, considerou-se que ele havia concedido credenciais de nobreza a


essa prática de charlatães: fazia dela uma prática regulada, delimitada, um
“hipnotismo científico”, em síntese, inteiramente “submetido à descrição
científica”.42
Mais do que um “sono nervoso” ou um fenômeno de “dupla
consciência”,43 o hipnotismo foi inicialmente repensado, segundo as virtudes
da anatomoclínica, como uma forma intensificada, apropriadamente
designada por “grande hipnotismo” - e menos repensado como fenômeno
sintomático do que como um protocolo experimental.44
Nisso residiu toda a esperteza de Charcot. É claro que não escapou a
ninguém a relação da hipnose com os estados paradoxais do sono histérico
“espontâneo”, mas essa relação de analogia45 foi sub- -repticiamente
desviada, nos seguintes termos: primeiro, o sonambulismo era um estado
doentio, uma neurose em miniatura;46 segundo, o hipnotismo era uma
técnica passível de provocar experimentalmente todos os fenômenos do
sonambulismo;47 terceiro, portanto, o hipnotismo devia ser considerado um
estado neurótico por excelência, uma histeria experimental, uma histeria de
síntese.
Prodígio clínico! Observe-se que a maior parte do volume III da
Iconografia foi dedicada, com ilustrações de apoio, a todos os fenômenos
provocados de “Hipnotismo, magnetismo, sonambulismo”.48
Prodígio teórico: em quarto lugar, o hipnotismo, como protocolo
experimental regulado, veio a fornecer o próprio paradigma conceitual (!)
de qualquer compreensão da histeria: tornou-se um modelo da Histeria. E
foi assim que, com toda a razão, a Histeria de Charcot deixou,
definitivamente (ou quase, quase), de ser um Proteu da ciência, em mil
formas sob nenhuma, et cetera.
Era apenas mais um paradoxo.

“Per via diporre” - máquinas sublimes

Uma histeria experimental: a hipnose tornou-se, portanto, como que um


modelo, um padrão da histeria, porém, devo esclarecer, menos
epistemológico do que técnico, prático. Na realidade, a hipnose foi,
sobretudo, uma receita de histeria.
Charcot a considerava um estado totalmente fora de série, porque
constituía um distúrbio completo do funcionamento do organismo, e um
distúrbio passível de ser desencadeado à vontade, logo, excepcional para a
observação:

Entre o funcionamento regular do organismo e os


distúrbios espontâneos que a doença traz para ele, a
hipnose torna-se uma espécie de caminho aberto para a
experimentação. O estado hipnótico não é outra coisa senão
um estado nervoso artificial ou experimental, cujas
múltiplas manifestações aparecem ou desaparecem
conforme a necessidade do estudo, a critério do
observador.49

Assim, o estado hipnótico foi providencial para o que se poderia chamar


de “patologia experimental”. Mas Charcot permaneceu meio ambivalente
entre aquilo que delimitava metodologicamente - seus princípios pudicos - e
o que de fato conseguia realizar cotidianamente, ou seja, prodígios.
Ele admitia, por um lado, que a “patologia experimental” só podia “imitar
os sintomas” e apenas “fazê-los aparecerem isoladamente, um a um”;50 um
simulacro, nada mais...
(No entanto, será que isso não se pareceria com uma definição, no estilo
Charcot, da própria síndrome histérica, como mimetismo parcial das
afecções orgânicas? - Guardemos isto num canto da memória.)
... E, por outro lado, ele defendia seus fantásticos sucessos experimentais
(uma cataléptica que, no tablado, diante do público, desmanchava-se em
inúmeros sintomas, em estrita obediência a ele) para afirmar uma espécie de
onipotência da hipnose: “O que temos diante dos olhos é, realmente, em
toda a sua simplicidade, o homem- -máquina sonhado por La Mettrie.”51
Observo que La Mettrie, por sua vez, não escondia que, se o homem era
uma máquina, os médicos seriam os senhores, porque a medicina seria a
única a poder “modificar os espíritos e os costumes, juntamente com o
corpo”.52
E é fato que Charcot modificava intensamente seus “sujeitos”, os quais
metamorfoseava de corpo e alma. Fracassou, é claro, no desejo de fazer disso
uma teoria, numa misturada neurofisiológica de belas “comissuras que ligam
as chamadas regiões motoras do córtex cerebral com a medula”, de “fibras do
feixe piramidal” e outras “excitabilidades espinhais”: uma misturada da qual
ele próprio mal conseguia se livrar.53 Mas se mostrou excepcional, ao
contrário, ao descrever e extrair as consequências práticas do instrumento,
sim, do instrumento hipnótico.
Vejamos, em especial, o que ele compreendeu muito depressa, o que se
orgulhava de comprovar vez após outra, e que desde logo nos parece, como
pareceu a ele, totalmente capital: a sugestão hipnótica lhe permitia fazer,
refazer ou desfazer algo à vontade, e de maneira absolutamente equivalente,
isto é, reversível. Provocar um sintoma, suprimi- -lo e tornar a provocá-lo,
isto era possível e exigia uma operação perfeitamente idêntica. A hipnose
era a tal ponto um instrumento, que se podia modulá-lo - fugato, crescendo,
stringendo, a piacere, ad libitum!
“A paralisia que houvermos produzido por meio da sugestão, poderemos
modificar seu grau a nosso critério, modificar suas características, até certo
ponto, e, por fim, desfazê-la, igualmente por sugestão.”54
Charcot interpretava a histeria, certamente. Porém o fazia mais como um
maestro. A piacere. Morendo: indo até a morte, quem sabe.
Há outra analogia, esta proveniente de Freud e que insiste num ponto
fundamental: que a técnica da hipnose dava a Charcot a liberdade de
intervenção de um artista, um pintor (!), num “material” totalmente
entregue a ele. A sugestão hipnótica, escreveu Freud, era comparável à arte
da pintura, no sentido em que Leonardo a opunha à escultura; ela trabalhava
per via di porre:55 depositava (assim como o pintor coloca seu pigmento),
suplementava, projetava, lustrava, emoldurava.
A hipnose teve para Charcot, desde o começo, um valor figurativo:
constituía, em suas palavras, uma técnica “ideal”, passível de redesenhar (ou
seja, reorganizar, discriminar) o quadro sintomático da histeria,
demasiadamente profuso quando “espontâneo”. Graças a essa técnica, os
estados do corpo histérico enfim puderam ser “perfeitamente desenhados e
separados”.56
Perfeitamente! Nesse ponto, Charcot tocou na sublimidade de um gênero,
como ele mesmo dizia. Assim é que confidenciou, no curso de certa paralisia
histérica: “Poderíamos reproduzi-la artificialmente, em certas
circunstâncias, o que é a sublimidade do gênero e o ideal, de fato, da
fisiologia patológica. Poder reproduzir um estado patológico é a perfeição,
porque é como se possuíssemos a teoria, quando temos nas mãos o meio de
reproduzir os fenômenos mórbidos.”57
Poder reproduzir todos os estados, todas as posturas de um corpo-
máquina; poder “possuir”, enfim, “produzir” toda a sua teoria; poder
inventar e ter sempre a confirmação dos fatos. Sublime descoberta. A
hipnose foi o grande estilo de Charcot, nesse aspecto. Olhadelas, toques
sutis. Poderes.

Manipulações - prodígios dos corpos

A hipnose foi toda uma arte do contato. Per via di porre.


Cem métodos. Passes, carícias, olhares fixos, corpos brilhantes: os olhos
da paciente tornavam-se “vagos”, ficavam “injetados”, “úmidos de lágrimas”,
depois se fechavam, e pronto. A partir desse momento, ela era toda dele.58
Havia o método comum, chamado método de Deleuze; “as magnetizações
pela cabeça”; o chamado método de Faria.59 Mãos nas mãos, um roçar das
pálpebras, confiança. Mandar fixar os olhos num objeto, em geral oblongo
ou luminoso, uma varinha de condão. Ou então puro gestual de dominação,
simples sinais, sem nada tocar, e funcionava: “Os senhores têm aqui uma
paciente com muita experiência, que se hipnotiza rapidamente: bastará,
porém, subitamente a mão em sua cabeça para que ela caia, como que
atingida por um raio”60 (figuras 70 a-d).
Em suma, a mulher histérica ia de chofre para sua completa despossessão,
para a submissão hipnótica, tão complacente em se deixar fascinar quanto
uma avezinha diante da cobra que a enlaçará para comê-la: predação ideal
(figuras 71-73).
(Em 1895, Freud confessou “já não saber prescindir dele, hoje em dia”, a
tal ponto esse método lhe era “cômodo” e “evocador”: “Sempre descubro o
que procuro, mediante essa pressão da mão...”61)
Predação ideal: uma provocação de ternura. Como era prodigiosa essa
ternura! Tornava-se a provocar à vontade todos os tipos de sono e de
sonambulismo, como em belas adormecidas. Augustine fez maravilhas, mais
uma vez. E todos chegavam a ganhar com isso até o mais precioso dos
tesouros: o amor. “X. diz que, no sono provocado, ela não tem sonhos, mas
experimenta sentimentos afetuosos pelo experimentador, qualquer que seja
ele, ainda que antes tenha nutrido sentimentos de ódio por essa pessoa.”62
Não era animador? Deveras. Assim, mediante “massagens, fricções ou
simples pressões” hipnóticas, ou mesmo “percussões”, fazia- -se com que se
“reproduzissem” contraturas histéricas de todos os tipos, dolorosas ou não
(isso não vinha ao caso); fazia-se com que elas se revezassem
constantemente, parassem e recomeçassem em outros pontos:
“Friccionando de leve, com a ponta dos dedos, os músculos flexores dos
dedos e antebraços, determina-se uma contratura artificial dos dois
membros superiores [figura 74] [...]. Para fazer cessar a contratura, basta
massagear os músculos contraídos ou friccionar de leve os músculos
antagonistas, tomando o cuidado de não excitá-los além de certa medida,
para não substituir uma contratura na flexão por uma contratura na
extensão.”63 Delicada Augustine: manipular seu corpo exigia quase um
virtuosismo...
Figuras 70 a, b, c, d: Désiré-Magloire Bourneville, esquemas de passes hipnóticos, em Bourneville e
Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-
1880, p. 164-166 e 168.
Figura 71. Paul Regnard, “Um galo hipnotizado”, gravura baseada numa fotografia do autor, extraída
de Les Maladies épidémiques de l’esprit - Sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des grandeurs,
Paris, Plon, 1887, p. 241.
Figura 72. Paul Regnard, “Procedimento para fazer cessar o estado cataléptico e reconduzir à
somniação”, gravura baseada numa fotografia do autor, extraída de Les Maladies épidémiques de l’esprit
- Sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des grandeurs, Paris, Plon, 1887, p. 283.
Figura 73. Paul Regnard, “Procedimento para produção da catalepsia”, gravura baseada numa
fotografia do autor, extraída de Les Maladies épidémiques de 1’esprit - Sorcellerie, magnétisme,
morphinisme, délire des grandeurs, Paris, Plon, 1887, p. 257.

(Contudo, você deve ter-se apercebido de que, com isso, tornava- -se a
provocar, quando elas não se davam espontaneamente, as mesmas
contraturas em razão das quais, já cinco anos antes, Augustine fora “tratar-
se” na Salpêtrière.)
... Um virtuosismo e uma moral do brinquedo, portanto. Tudo era bom
para reproduzir - as acromatopsias, os estigmas, as crises, os delírios, as
auras!64 Todos artificiais, como se dizia. É que o corpo histérico, nesse
ponto, era investido de pelo menos duas qualidades prodigiosas.
Para começar, ele era um corpo desencadeador. Alguém comprimia,
ordenava, e a coisa vinha (nem sempre: sucedia que uma mesma fricção da
pele hipnotizada surtia efeitos opostos, contrações ou relaxamentos, mas,
enfim, de qualquer modo eram efeitos...).65
Ele era ainda articulável à vontade, dotado de uma incrível submissão
plástica (e essa submissão era também o que permitia a Regnard ajustar bem
suas objetivas, seus diafragmas, suas distâncias focais e seus tempos de
exposição):

- Ou completamente rígido: “X. voltou a adormecer. Sua


cabeça é apoiada no espaldar de uma cadeira, em seguida se
massageiam os músculos das costas, das coxas e das pernas,
e os pés são colocados sobre uma segunda cadeira: o corpo
rígido permanece nessa posição [figura 75] durante um
tempo bem longo (nunca prolongamos a experiência por
mais de 4 ou 5 minutos); é possível pôr um peso de 40
quilogramas sobre o ventre, sem fazer o corpo dobrar-se.”66

- Ou completamente flexível: “X. foi adormecida de


surpresa. [...] O corpo pode ser disposto em arco [figura 76]
etc.”67

E sim, et cetera, et cetera, como diria Monsieur Loyal.****


Figura 74. Paul Regnard, “Letargia, contratura artificial”, fotografia de Augustine, lâmina XIII, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Pinceladas - corpos galvanizados

Essa submissão plástica também permitiu uma verdadeira transformação do


próprio fenômeno hipnótico num quadro, à imagem exata do modelo
fabricado para dar conta do ataque histérico.
Transformação em quadro e disposição em períodos, em fases. Uma lei
dos “três estados”, como dizia Charcot, grande leitor de Comte. Toda uma
descrição icônica da catalepsia, depois seguida pela letargia e pelo
sonambulismo. É notável que esse modelo de progressão tripartite fosse, ao
mesmo tempo, como que a narrativa exata da transmissão dos poderes do
olhar para o movimento (a espécie de “linguagem motora” da hipnose), ou
seja, em certo sentido, a descrição (supostamente) exata do próprio mistério
da conversão histérica. Do sujeito mergulhado na catalepsia, os olhos
permaneciam abertos, a fisionomia e os gestos já mantinham relações de
influência muito constantes e reversíveis; na letargia, os olhos se fechavam;
no sonambulismo, escreveu Charcot, evocando Azam, “o sentido muscular
[...] parece [...] substituir a visão”.68
Mas criar um quadro per via di porre não era somente ordenar séries. Era
também jogar com o tema, experimentar as morfogêneses, as
singularidades, até os mínimos detalhes.
Assim, na Salpêtrière, tentou-se abordar a hipnose segundo uma
verdadeira sintaxe de elementos distintos. E isto, em especial, com base no
notabilíssimo fenômeno da hiperexcitabilidade neuromuscular durante a
fase letárgica. Era o auge do corpo desencadeador: dava-se um toque e o
músculo, sozinho, por menor que fosse, independentemente de todo o resto
do corpo, respondia, contraindo-se! O mesmo se dava com os tendões e os
nervos.69
Insisto no aspecto verificador e sintático dessa problemática instrumental.
Tratava-se de trazer à luz, de “utilizar”, diria Claude Bernard, e dominar as
leis “elementares” da relação causal entre o simples toque de um músculo e a
contratura específica que se inferia daí (figura 77). Tratava-se, outrossim, de
medir tudo isso - por exemplo, fazer a miografia de cada inflexão muscular.
Método tipicamente “experimental”, ortodoxo: Claude Bernard tinha feito
a mesma coisa com os nervos faciais de alguns coelhos.70
Figura 75. Paul Regnard, “Letargia, hiperexcitabilidade muscular”, fotografia de Augustine, lâmina
XIV, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical
& Delahaye, 1879-1880.
Figura 76. Paul Regnard, “Catalepsia”, fotografia de Augustine, lâmina XV, em Bourneville e Regnard,
Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-1880.
Havia até, vez por outra, recorrido a um toque mais refinado que a
simples fricção mecânica, utilizando, para as “contraturas experimentais” em
si mesmo, “pinças elétricas” extremamente precisas e lancinantes.71
Mas o mestre de todo esse gênero sintático, como o próprio Charcot se
comprazia em dizer, foi Duchenne de Boulogne. Este se havia munido do
“reóforo”, utensílio muito sutil que, ligado a um “aparelho voltafarádico”,
permitia eletrizar localmente a pele e, desse modo, permitia “ver
desenharem-se sob o instrumento as mais ínfimas radiações dos
músculos”.72 E esse foi, para Duchenne de Boulogne, o instrumento ideal de
uma “verdadeira anatomia viva”, porque a contração dos músculos pelo
pequeno reóforo elétrico revelava “melhor a direção e a posição deles do que
poderia fazer o bisturi do anatomista”73 (figura 22).
Por outro lado, a eletricidade tornou-se uma panaceia. Duchenne de
Boulogne pretendia curar as histéricas (!) com seus pequenos reóforos, ou,
pelo menos, pretendia curá-las de todas as “afecções musculares”, paralisias,
contraturas e até “distúrbios da fonação”.74 Foi assim que o próprio Charcot
prescreveu “o emprego da eletricidade estática na medicina”75 - sendo a
Salpêtrière investida, a partir de então, de inúmeros “banhos eletrostáticos”,
“máquinas de Holtz-Carré” e toda sorte de métodos “galvânicos”, e por aí
vai. Assim, nessa época, a espécie de ateliê, ou espécie de pequena indústria
dos corpos em que precursores dos eletrochoques eram ministrados em
série, não se esvaziava nunca, impulsionada pelo dr. Vigouroux (figura 78)...
Elaborou-se toda uma técnica, profusamente, em todos os sentidos.
Aqueles foram anos dourados (como se dera com a fotografia). A
eletricidade foi combinada com centenas de magnetismos possíveis e
imagináveis. Criou-se uma indústria, um comércio! Veja, por exemplo, este
quase anúncio de uma “máquina de indução” oferecida na Revista
fotográfica dos hospitais de Paris, em 1874:

Este aparelho compõe-se de um ímã de ferradura diante de


cujos polos gira um eletroímã movido por duas polias e
uma correia de transmissão. A intensidade dos choques
pode ser facilmente graduada, aproximando ou afastando
dos polos do ímã um contato de ferro doce; afastando-se
esse contato, obtém-se o efeito máximo, que se traduz por
espasmos insuportáveis. Este aparelho de indução tem
aspecto gracioso, e seu preço módico o coloca ao alcance de
todos os clínicos: a administração de nossa Revista pode
obtê-lo pelo preço de trinta francos.76
Figura 77. Albert Pitres, Efeitos da excitação mecânica de alguns músculos da mão de Marie-Louise F.
em estado cataleptoide, lâmina IX, extraída de Leçons cliniques sur l’hystérie et l’hypnotisme faites à
l’hôpital Saint-André de Bordeaux, Paris, Doin, 1891, v. II.

Parabéns pela inocentíssima crueldade do conluio de duas palavras:


“gracioso” e “insuportáveis”. Por fim, constatamos que Charcot, como
Duchenne de Boulogne, chamava de “pincel elétrico” o pequeno utensílio
milagroso que há pouco chamei de reóforo.77 É evidente.

“Estátuas expressivas”

O que interrogo é a extensão de uma evidência. Para além da evidência


experimental, que é, por sua vez, uma extensão regulada das evidências
clínicas.
Ora, para além das problemáticas da anatomia “ao vivo” e da terapêutica
de algumas síndromes neuromusculares, a grande preocupação de
Duchenne, seu desejo, eu deveria dizer, concernia exatamente a uma
questão clássica da pintura, ou até da antropologia, já evocada: a do alfabeto
das paixões. Duchenne buscava no estudo hiperdetalhado das reações
musculares superficiais “as leis que regem a expressão da fisionomia
humana”; portanto, buscava uma lei da relação entre “a alma” e sua
“expressão”, através das mais ínfimas variações da “ação muscular”;
procurava definir a “ortografia da fisionomia em movimento”,78 pura e
simplesmente.
Ele decerto estimou ter feito uma grande contribuição à ciência, com sua
análise das “expressões primordiais” ou “complexas”, e com seu quadro
sinóptico definitivo dos “músculos que as produzem”.79 Porém avaliou com
mais orgulho, talvez, na “parte estética” que encerrava seu livro como um
télos, com suas lâminas fotográficas e a espécie de catálogo sintático do rosto
que elas tentavam constituir, avaliou, dizia eu, e sempre com toda a
simplicidade, haver “atendido às aspirações da arte”.80 É quanto basta (por
ora).
Guardemos em mente que Charcot ficou longe de ser insensível à virtude
dos músculos de “pintar completamente, por sua ação isolada, uma
expressão que lhes é própria”.81 Assim, ensinou a seus alunos de neurologia
toda essa “ortografia da expressão das paixões” segundo Duchenne.
Figura 78. Daniel Vierge, O laboratório de eletroterapia da Salpêtrière, desenho publicado em Le
Monde illustré, 14 de agosto de 1887.

Linguagem da pele e dos músculos. Prontinha para as tecnologias


iminentes do teste, do eletrochoque, da antropologia criminal, do
comportamentalismo e por aí vai. É que a eletricidade também era “um
corpo, um peso, o pisoamento de um rosto, o ímã comprimido de uma
superfície calcada de fora de um golpe, na orla desse golpe...”82
Foi por isso que falei de pinceladas elétricas.
Mas as práticas da faradização, na Salpêtrière, mantiveram-se numa
espécie de intermédio metodológico. Por um lado, foram muito
“melhoradas”, por assim dizer (“Em algumas experiências, substituímos o
estimulador oliviforme por uma pequena agulha diretamente implantada no
músculo”).83 Por outro lado, mesmo assim elas complicaram o rigoroso
protocolo iconográfico, supondo-se que este fosse orientado para uma
demonstração dos prodígios intrínsecos do corpo histérico. Isso permanece
ambíguo, é claro, como atesta o seguinte protocolo:
Figura 79. Paul Regnard, “Letargia, contração do esternomastoideo”, fotografia, lâmina XXXVIII, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Figura 80. Paul Regnard, “Letargia, contração do frontal”, fotografia, lâmina XXXIX, em Bourneville e
Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-
1880.
Figura 81. Albert Londe, “Excitação dos músculos da face durante a letargia hipnótica”, lâmina IX,
extraída de Oeuvres complètes de J.-M. Charcot.Leçons sur les maladies du système nerveux, compiladas
e publicadas pelos srs. Babinski, Bernard, Féré, Guinon, Marie e Gilles de la Tourette, Paris, Progrès
Médical & Lecrosnier & Babé, 1890, v. IX.
Figura 82. Albert Londe, Estado cataléptico. Sugestão pelo gesto: espanto, lâmina XI, extraída de
Oeuvres complètes de J.-M. Charcot. Leçons sur les maladies du système nerveux, compiladas e
publicadas pelos srs. Babinski, Bernard, Féré, Guinon, Marie e Gilles de la Tourette, Paris, Progrès
Médical & Lecrosnier & Babé, 1890, v. IX.
Figura 83. Albert Londe, Estado cataléptico. Sugestão pelo gesto: cólera, lâmina XIII, extraída de
Oeuvres complètes de J.-M. Charcot. Leçons sur les maladies du système nerveux, compiladas e
publicadas pelos srs. Babinski, Bernard, Féré, Guinon, Marie e Gilles de la Tourette, Paris, Progrès
Médical & Lecrosnier & Babé, 1890, v. IX.
Figura 84. Paul Regnard, “Hemiletargia e hemicatalepsia”, fotografia de Augustine, lâmina XVI, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
“Com a ajuda dos estimuladores oliviformes comuns de Dubois-
Raymond, fazíamos contrair-se um músculo da face; a fisionomia se
impressionava, seguia-se o gesto. Obtido esse resultado, retiravamos os
estimuladores e a fotografia podia ser prontamente tirada.”84
Ora, a generosidade histérica essencial permitia não abusar desses
truques. De fato, um corpo posto em letargia, por exemplo, reagia ao menor
contato mecânico de maneira exatamente análoga à que seria induzida, num
sujeito “normal”, por uma faradização intensa. Bourneville e Charcot
certamente não se furtaram a demonstrá-lo, abundantemente, em
prodigiosas séries de clichês85 (figuras 79-81).
Ele era até dotado, esse corpo hipnotizado, de uma propriedade
complementar e assombrosa, que ia muito além da simples “plasticidade
cataléptica” (na qual todos os membros mantinham fixa a posição que lhes
era “imprimida”).86 Tratava-se disto: um gesto “imprimido” no sujeito
hipnotizado induzia espontaneamente uma expressão concomitante do rosto!
- “Epifenomenalismo”, chamava-se isso, ou “automatismo cerebral”.87 Prova,
para o neurofisiologista, de que a expressão das emoções era pura questão
do soma.
Porém tratava-se de mais que uma prova; era um benefício, uma
suplementação: o sujeito, no dizer de Charcot, fazia-se presente como
“estátua expressiva”, nem mais nem menos, forma canônica “da qual os
artistas certamente poderiam tirar enorme partido”88 (cf. Apêndice 17).
O mesmo se aplicava aos fotógrafos: “A imobilidade das posturas assim
obtidas é eminentemente favorável à reprodução fotográfica”, disse ainda
Charcot,89 que fazia a publicação de suas aulas ser acompanhada por belas
lâminas, ah, que “sugestivas”, obtidas por Londe (figuras 82-83).
Albert Londe, sempre ele, que descrevia com enorme deleite esse poder
prodigioso do corpo cataléptico:

Se dermos aos membros superiores da doente uma postura


expressiva, esses gestos serão complementados pela
expressão da fisionomia. Assim, uma postura trágica
imprime um ar duro na fisionomia, o cenho se contrai. Ao
contrário, ao aproximarmos as duas mãos da boca, como no
ato de mandar um beijo, o sorriso aparece imediatamente
nos lábios. A reação do gesto na fisionomia é manifesta e,
alternadamente, apenas modificando a postura das mãos,
podemos ver pintarem-se no rosto do doente o êxtase, a
prece, a cólera, a tristeza, o desafio etc.90

“Et caetera”, Monsieur Loyal, sim, o senhor iria cada vez mais longe no
deslumbrante espetáculo de seus corpos-fenômenos. E mostre-nos logo a
recíproca: a expressão induzindo gestos e posturas!91 E redistribua tudo isso
para nós, de acordo com suas simetrias preferidas, seus territórios eletivos:
porque “o fenômeno pode ser unilateral e, quando um dos braços é levado
para a frente, com o punho cerrado, e o outro conduz a mão para junto da
comissura labial, um lado do rosto apresenta uma expressão de cólera, e o
outro, de sorriso”.92
Ou seja, o corpo histérico se deixa impor toda a configuração das divisões
em que seu desejo se demora. É por isso que é mágico e prodigioso. A
“simultaneidade contraditória plasticamente representada” é característica
sua. Vejamos aqui Augustine posando para Regnard, hemiletárgica à direita,
hemicataléptica à esquerda, numa cisão de que ela nos dá sinal com uma
gentil piscadela (figura 84). E, com certeza, poder-se-ia ter feito o contrário,
variando ao infinito os tropos dessa acrobacia da transferência e da
conversão.93

Ofuscar e ensurdecer - quadros vivos

Eram figuras impostas, essas acrobacias. Vejamos o tipo de surpresa que


Bourneville reservava para “sua” Augustine: “Depois de acordarmos a
doente, ela é conduzida para uma sala escura e acendemos uma lâmpada de
Bourbouze, de enorme brilho. Imediatamente, ela entra em catalepsia”, e
clique, bate-se a foto94 (figura 85). Fenômeno notável: a histérica
hipnotizada realiza ao extremo tudo que lhe é sugerido, sussurrado ou
esboçado. Ofuscada, mergulha em vertigens, fica inteiramente cega, extasia-
se com a “dupla” consciência.
Efeitos de uma “hiperestesia” do sentido da visão. A mais banal alteração
do visível era, para Augustine, uma catástrofe do corpo inteiro.
E são numerosas as lâminas da Iconografia em que se aborda como tema,
de forma quase cinematográfica, essa espécie de catástrofe, a transição
crucial, espetacular, de um corpo entregue a um prejuízo grave da visão, do
espaço. Mas essa transição só nos é dada no ato de virar a página; seu valor
temporal de imediatismo passa para a ficção, pois desse imediatismo só nos
resta uma estrutura dúplice, um antes e depois (figuras 86-87).
O que quero dizer é que nada saberemos dessa transição como tal. É claro.
As fotografias, como sistema representativo de estados em que se recorta
uma temporalidade, ficarão para nós apenas como prova do acontecimento:
o momento do ensaio [preuve] (antes, isto; depois, aquilo), não da provação
[épreuve].
Esse fechamento não constituiu um entrave para a experimentação, muito
pelo contrário. Assim, testou-se profusamente o valor de perturbação, para a
histérica, de solicitações visuais muito variadas, até cintilantes, eu diria,
como as bolas de cristal que, conforme sua cor, atraíam ou assustavam uma
paciente mergulhada na letargia.95
O que se tratava de conseguir, afinal? Tratava-se de inventar um instante,
de refabricar a força fulminante do momento a que uma histérica estava
submetida, ou estivera submetida, um dia. Tratava-se, pois, mediante uma
ficção abrupta, de reinventar o momento do trauma. De reencenar, ou seja,
de repor em cena uma suposta “cena primária”. Daí a eficácia “experimental”
de tudo que pudesse relacionar-se com algo como uma explosão, um susto,
uma surpresa. É sempre a dustuchia, a surpresa ruim. Novamente
provocada.
Assim se explodiam pequenas porções de algodão-pólvora embaixo do
nariz de Augustine, e como a doente ficava impressionada! Entrava em
catalepsia, ficava afásica etc.96 Assim se utilizavam chamas de magnésio,
“luzes de Drummond” e muitos outros recursos extraordinários:97 nessas
ocasiões, os médicos da tão apropriadamente chamada Salpêtrière*****
tornavam-se pirotécnicos.
Ensurdecer as histéricas era não menos eficaz. Percussões num gongo e
pronto, catalepsias (figura 88). Barulhos milagrosos, porque produziam
quadros, verdadeiros quadros vivos:

Basta surpreender o sujeito com um ruído súbito, o de um


gongo chinês, por exemplo, o qual os senhores sabem como
é desagradavel; a doente faz um gesto de pavor e permanece
imóvel. Pude provocar os mesmos efeitos de um modo
suficientemente interessante para expô-lo aos senhores com
alguns detalhes. Seis histéricas achavam-se colocadas diante
de uma máquina fotográfica, e eu lhes dissera que ia tirar
seu retrato num grupo só, quando, de repente, um ruído
violento foi produzido no cômodo ao lado. As seis doentes
fizeram um gesto de susto e permaneceram em catalepsia,
exatamente na postura em que o susto as havia colocado. A
máquina fotográfica foi imediatamente aberta, e colhemos
um clichê cuja reprodução lhes apresento agora.98 (figuras
89 a-b)
Figura 85. Paul Regnard, “Catalepsia provocada por uma luz forte”, fotografia de Augustine, lâmina
XVII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical
& Delahaye, 1879-1880.
Figura 86. Paul Regnard, “Catalepsia provocada por uma luz forte”, fotografia, lâmina XXII, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Figura 87. Paul Regnard, “Letargia resultante da eliminação brusca da luz”, fotografia, lâmina XXIII,
em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
E ninguém se privava de provocar ou tornar a provocar toda sorte de
acidentes dessa natureza99 (cf. Apêndice 18). Hábeis encenações, sem o
conhecimento das atrizes. Engodos, maquinações. Que o “golpe”
experimental produzisse uma postura, e essa postura, um quadro, isto era o
essencial.
O próprio Londe o confessou, de certa maneira: “Ainda não descobrimos
o valor clínico dessa postura em particular em cada sujeito, mas talvez ela
exista e, com certeza, reunindo um grande número de provas desse gênero,
decerto chegaremos a resultados interessantes.”100
Como uma confissão de gratuidade experimental, mas substituída pela
sensata metodologia da expectativa, isto é, pelo apelo a continuar a
experimentar, cada vez mais.

Escaladas, induções, “transferências”

Houve um movimento vertiginoso da escalada experimental. Induzir


tornou-se a palavra-chave dessa prática de repetição: induzir era sempre
levar a histérica, de maneira cada vez mais visível, à quintessência plástica
do sintoma. Para isso, portanto, houve uma escalada de mediações, técnicas,
ingredientes, estratagemas, sempre mais sutis. Toda uma arte do visibilizar.
Em pouco tempo, chocar (ofuscar, ensurdecer) deixou de ser necessário:
bastava estimular, impressionar, por mais imponderável que fosse a
impressão. E da histérica se convocaram todos os sentidos. Farei apenas um
resumo.
Figura 88. Paul Regnard, “Catalepsia produzida pelo som brusco de um gongo”, gravura baseada
numa fotografia do autor, extraída de Les Maladies épidémiques de l’esprit - Sorcellerie, magnétisme,
morphinisme, délire des grandeurs, Paris, Plon, 1887, p. 263.
Figura 89 a. Paul Regnard, Seis histéricas subitamente hipnotizadas por um barulho intenso e
inesperado, gravura baseada numa fotografia do autor, extraída de Les Maladies épidémiques de 1’esprit
- Sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des grandeurs, Paris, Plon, 1887, p. 265.

Figura 89 b. Reprise experimental do mesmo fenômeno por Paul Richer, Catalepsia provocada -
influência de um barulho intenso e inesperado, lâmina VIII, extraída de Études cliniques sur la grande
hystérie ou l’hystéro-épilepsie, Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1881.

Primeiro. Simples diapasões, ressonâncias requintadas: “Coloco estas duas


histéricas sentadas na caixa de ressonância deste enorme diapasão. No
momento em que o faço vibrar, os senhores podem vê- -las entrar
imediatamente em catalepsia. Ao suspendermos as vibrações do diapasão,
elas caem no sonambulismo. Fazemos novas vibrações com o diapasão e a
catalepsia reaparece. Será que esse fato curioso, observado pelo sr.
Vigouroux, se deve à excitação da sensibilidade auditiva ou à da
sensibilidade geral? Não sabemos”101 (figuras 90-91). Se não sabemos,
sondemos, induzamos mais um pouco: coloquemos um diapasão vibrando
em Sol 3, perto da orelha esquerda de uma histérica; o que conseguimos?
Conseguimos que, se a moça nos mostrar a língua, esta se desviará de
maneira irresistível para o mesmo lado, e assim permanecerá, contraída,
“dura ao toque, inchada, azulada [...] durante 55 a 80 segundos”102 (figura
92).
Segundo. Emprega-se também todo um arsenal de contatos magnéticos,
que as experiências de Burq, em 1850, haviam recolocado na ordem do dia
da ciência oficial.103 Charcot fez parte da comissão científica, nomeada em
1876 por Claude Bernard, encarregada de verificar os poderes do
magnetismo alegados por Burq. Assim, tais poderes foram averiguados e
confirmados. Ponha-se um ímã sobre um braço histérico totalmente
anestesiado: formigamentos bizarros e, em seguida... ele recupera todas as
suas sensações! Pouco depois, um pedaço de metal neutro será suficiente; e
logo bastará o “contato à distância”. Chama-se isso “metaloterapia”. Agora,
bastava descobrir a singularidade da “força metálica” adaptada a cada caso,
pois cada histérica, como no tocante às cores, tinha seu metal predileto. Para
Augustine, o ouro! Vocação para os enfeites, é evidente.104 Assim, punham-
se muitos napoleões sobre o corpo da histérica, em lances que iam de 20 a
1.000 francos de ouro, exatamente... E a histérica, coberta pelo metal
precioso como um ídolo dourado, recuperava, em meio a grandes
exclamações, toda a sua sensibilidade, ou seja, a simples dor ao menor
contato...105 Seguiram-se variações: placas portáteis para uma
“metaloterapia permanente”, pedacinhos de metal a serem escondidos entre
os ombros, nos punhos, junto ao coração etc.;106 “metaloterapia interna”, em
forma solúvel, “aumentando-se progressivamente as doses. Não damos outra
medicação”.107
Figura 90. Paul Regnard, “Catalepsia provocada pelo barulho do diapasão”, fotografia, lâmina XX, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Figura 91. Paul Regnard, “Letargia, somniação: contratura artificial”, fotografia, lâmina XXI, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Figura 92. Charles Laufenauer, “Contratura da língua, provocada numa histérica em estado de vigília
por reflexo auricular”, fototipia, lâmina XXXIII, em Nouvelle iconographie de la Salpêtrière, Paris,
Lecrosnier & Babé, 1889.
Entretanto, de prodígio em prodígio, a utilização dos metais e de seus
diversos magnetismos reservou, não diriamos decepções, muito pelo
contrário, mas, por assim dizer, contraprodígios:

Aproxima-se uma barra imantada a meio centímetro da


parte anestesiada do braço, por exemplo, e, para evitar com
segurança qualquer contato entre a pele e o ímã, interpõe-se
entre os dois uma folha de papel. O primeiro efeito sentido
pela doente é uma impressão de frio, na parte da pele
vizinha ao ímã; nesse momento, porém, já há um
enrubescimento da pele; passado mais um instante, renasce
a sensibilidade nesses pontos em que se produziu a
impressão de frio e onde o rubor se manifestou. Se
examinarmos então a parte simétrica da pele do lado
oposto, veremos que essa parte ficou anestesiada, de
saudável que era anteriormente.108

Prodígio territorial, prodígio morfogenético, prodígio das simetrias!


Charcot admite que a aplicação de metais não cura o sintoma, porém o
desloca.109 Admite, com certeza. Mas, havendo-o admitido, fascina-se
imediatamente com o mistério desses deslocamentos. Menos com a natureza
do fenômeno do que com a cartografia dos trajetos. Batizou esse mistério de
“transferência” - que coincidência! - e depois tornou a partir, com mais vigor
do que nunca, para convocações, apelos imperativos, “induções” de outras
“transferências” cada vez mais admiráveis, porque o premiavam com mil
formas raras.110
Mas eram mil formas induzidas, aceitas, mil formas em uma, enfim - a
grande forma por excelência, manipulável, medida, “implementada”, a
estrutura representativa das montagens cênicas, desde então canônicas, da
experiência.
Terceiro. Fez-se uma tentativa de aperfeiçoar a reprodução e o domínio
experimental das singularidades histéricas, induzindo as formas e até o
conteúdo dos delírios. Como era possível? Acaso o conteúdo de um delírio
não é não dedutível por excelência e, a fortiori, também por excelência,
impossível de induzir? Bem, não, disse Charcot.
Como podia ser? Nisso reside todo o segredo da mestria dele, termo
providencial da transferência no sentido freudiano, uma vez que designa
não apenas o caráter absoluto de uma autoridade moral, doutrinária, ou até
celestial, mas também as antigas preparações farmacêuticas a que se
atribuíam, justamente, virtudes “soberanas”.
Magnan já se havia divertido produzindo em cães “alucinações e ataques
epilépticos”, ao injetar neles essência de absinto.111 Claude Bernard havia
embriagado seus coelhinhos com éter, para comprovar algumas hipóteses
sobre a “patologia do sistema nervoso”.112 Assim, com base nesse modelo,
acabou-se por reinventar embriagamentos e vertigens histéricos na
Salpêtrière.
Primeiro se haviam experimentado certas inalações, com o intuito de
interromper os ataques convulsivos; dessas inalações, a princípio Charcot
disse que “parece-nos racional propor uma tentativa com elas, nas
circunstâncias atuais. Recorreremos primeiro ao éter, depois ao nitrito de
amila, se o primeiro falhar, e não deixaremos de manter os senhores a par
dos resultados que obtivermos”.113 Ora, vejam: o éter e o nitrito de amila
realmente sustavam a coreia e os espasmos, porém, mais uma vez, o sintoma
se deslocava, “transferia-se” - nesse caso, transferia-se no tempo, passando
para uma fase posterior do ataque “clássico”: induzia-se um delírio, “um
delírio parecido com o que se observa durante as séries de ataques:
loquacidade, confidências involuntárias, alucinações, modificações diversas
da fisionomia etc.”.114
Como que por acaso - pelo acaso da “transferência” -, tratava-se quase
sempre de loquacidades e delírios de conteúdo sexual: o éter já fazia
Augustine “remexer suavemente as pernas e a bacia”, ao contar com detalhes
vigorosos seus estupros e seus amores, mostrando tudo a Bourneville: “‘É
assim que se faz neném’, confidenciava...”115 E o que respondia Bourneville?
Aumentava todas as demandas (as de Augustine e a sua), sugerindo que a
jovem pusesse tudo aquilo por escrito; “após reiteradas instâncias”,
confessou,116 Augustine fingia resignar-se, coquete, e assinava longas
confidências em que, por sua vez, confessava sonhar com outros homens,
com revoluções, com fugas da Salpêtrière; parecia fazer confidências
“completas”, mas: “P.S. Acabei de lhe dizer tudo o que o senhor me pediu, e
até mais; eu lhe falaria mais abertamente, se me atrevesse, mas tenho medo
de que seja na frente de todo o mundo.”117
Augustine percebia bem que os tablados, os anfiteatros e as câmeras
fotográficas também comportavam, a despeito dos “lucros da sedução”, certa
crueldade do mundo dos espetáculos. Mas isso foi numa época, disse
Bourneville, “em que ela era bastante fácil de manejar”118 (cf. Apêndice 19).
Assim, essas inalações de éter e de clorofórmio tornaram-se o cotidiano,
repito, o cotidiano de Augustine; sem parar, de modo cada vez mais
incessante, a toxicômana novata as reclamava em altos brados, furtava-as,
por pouco não morria de overdose. “No dia 3 de março, ela inalou 125 g de
éter. Desse dia até 8 de março, teve mal-estar, ideias esquisitas na cabeça etc.
Ontem à noite, das sete às nove horas, 17 ataques epileptiformes, seguidos
por 8 ataques histeroepilépticos. Ao acordar hoje pela manhã, disse, estava
como que embriagada.”119
As nevralgias faciais a invadiram. Deram-lhe então injeções de
morfina.120 Também se fazia grande uso, na Salpêtrière, de todos os
brometos (cânfora, etila, potássio, sódio).121 E até de fumaça de tabaco,122
de cujo papel talvez nos lembremos, diga-se de passagem, na embrulhada
transferencial de Dora.123 Mas enfim...
Recordemos, em vez disso, nossos episódios de embriaguez, sem esquecer
que a embriaguez foi feita para não parar. Inúmeras histéricas morreram
viciadas em éter, álcool ou morfina.
Retratamento dos delírios

Mas era uma oportunidade boa demais. Refiro-me à oportunidade


iconográfica, teatral. Combinando a hipnose com toda sorte de induções
(inalações, injeções e saber-se lá o que mais), chegava-se a um verdadeiro
direcionamento do delírio e de sua ação. Dirigir a atriz, sem que ela
soubesse, era o auge da realização para um diretor cênico que se sonhava
deus ex machina...
O dr. Jules Luys, do Hôpital de la Charité [Hospital da Caridade],
destacou-se como o hábil artesão - talvez eu devesse dizer mestre-cuca - dos
delírios de “Esther”, seu caso predileto; criou mil e uma receitas à base de
essência de tomilho, pó de epícea, conhaque, “água simples”, “pimenta
comum”, funcho, valeriana, anis, alho e cebola, e mais umas folhas de rosas,
bem como tabaco, haxixe, água de colônia, sulfatos de esparteína e atropina,
cloridratos de morfina etc. Assim, vemos Esther (cujos delírios foram
fotografados um a um), conforme o tempero, rir ou chorar, espremer os
olhos, dilatar- -se inteiramente, vomitar, contrair-se, entrar em êxtase, catar
pulgas imaginárias no corpo, aterrorizar-se, adormecer tranquilamente,
parar de respirar, ficar destroçada por enxaquecas, embriagar-se, ficar toda
alvoroçada (sim, esse era o efeito da “água simples”), ou radiante (pimenta),
lasciva (funcho), e paro por aí, muito arbitrariamente124 (figuras 93 a-b).
Alguns tentaram, nessa ocasião, negar qualquer fator de
sugestionabilidade psíquica, e quiseram detectar nisso uma pura dialética do
sensorial.125 Mas isso, de certo modo, era exagerar na doutrina, digamos, ser
mais real do que o rei, Charcot. É que Charcot não se mantinha totalmente
firme em seu esforço de despsicologizar a hipnose. Ao suprimir
hipnoticamente uma paralisia, ele acabava admitindo que “é agindo ‘sobre o
espírito’ que curamos essas paralisias”.126 Observe a prudência, a
insegurança das aspas.
Por quê? Porque já estava claro que a eficácia terapêutica da hipnose - era
exatamente esse o problema - continuava a ser algo a pôr entre aspas. “Resta
muito a fazer”, dizia Charcot, “para regulamentar clinicamente as aplicações
terapêuticas desse recurso, para precisar suas indicações e
contraindicações.”127
E, à espera de uma “regulamentação” sempre adiada, a terapêutica
consistia em experimentar, e a experimentação, em reforçar a visibilidade:
assim, tornar a provocar um ataque (seu espetáculo no anfiteatro, diante de
todos) poderia constituir, dizia Charcot sem maiores explicações, “de certo
modo, um recurso terapêutico”...128
Portanto, era uma simples técnica de reprodutibilidade, uma catarse
instrumental, o artifício da Repetição. O essencial talvez não fosse tratar,
mas tornar a tratar a histeria. Como uma matéria que, cem vezes clivada, sai
de sua ganga e ganha forma, com facetas bem calibradas. Tratava-se de
refazer, portanto, para chegar a um brilho sem surpresas. Se não dirigir
inteiramente os ataques e delírios, “ao menos modificar seu curso por
procedimentos diversos”.129 Impor um “curso”, um ritmo, uma forma, ao
delirante pensamento histérico.
Figuras 93 a, b. Jules Bernard Luys, “Emoções” induzidas por estimulação do olfato, fotografias de
Esther, lâminas II e VI, em Les Émotions chez les sujets en état d’hypnotisme, Paris, Baillière, 1887.
O chamariz (a arte de fascinar)

Impor uma forma exige técnica, tékhnê: toda uma arte. O método clássico,
mais uma vez.
É preciso começar por escolher o sujeito:

É chegado o momento de dar conhecimento a nossos


leitores dos procedimentos de que nos servimos na
Salpêtrière. Convém, primeiramente, escolher o sujeito; são
poucas as mulheres que não podemos hipnotizar; há até
alguns homens em quem a coisa é das mais fáceis. Porém se
avança mais depressa e com mais segurança escolhendo
uma histérica. Dentre estas, as jovens são as preferíveis, por
serem mais sensíveis, mais impressionáveis. Algumas são
grandes leitoras de romances, têm um caráter ao qual não
falta certo sentimentalismo; estas devem ser preferidas às
brutas, às francamente lascivas e obscenas.130

Depois, nas palavras de Bourneville, era preciso subjugar o sujeito,


apropriar-se dele, tomar seu olhar:

Olhamos fixamente para a doente, ou a fazemos olhar para


a ponta de seus dedos. A partir daí, o sujeito nos segue por
toda parte, mas sem se despregar de nossos olhos; abaixa-se
quando nos abaixamos e se vira depressa para reencontrar
nosso olhar, caso nos viremos. Se andarmos depressa, o
sujeito cairá para trás, rígido e de uma vez só. Essa
experiência deve ser feita com extrema precaução; a doente
não faz nada para aparar os choques e cairia diretamente de
cabeça, se um auxiliar não a segurasse. Nesse estado de
fascinação, o sujeito hipnotizado pertence de modo
absoluto ao fascinador e repele violentamente qualquer
pessoa que venha a interpor-se entre eles, a menos, no
entanto, que essa mesma pessoa venha a realizar as
manobras necessárias e, como dizem os especialistas, tomar
o olhar do sujeito por meio de seus olhos, recomeçando por
sua conta a fascinação131 (figuras 94 a-b).
E era assim que Augustine jogava seus beijos sugeridos a alguém que o
“fascinador” teria dificuldade de imaginar que não fosse ele próprio132
(figura 96), uma vez que, como já evoquei, Augustine “nutria sentimentos de
afeição pelo experimentador, fosse ele quem fosse”,133 e até, como confessou
Regnard, “convencida de que eu tinha um poder particular sobre ela, caía
hipnotizada onde quer que me encontrasse”.134
Figuras 94 a, b. Désiré-Magloire Bourneville, esquemas de passes hipnóticos - experiências de
fascinação, em Bourneville e Regnard, Iconograpbie pbotograpbique de la Salpêtrière, Paris, Progrès
Médical & Delahaye, 1879-1880, p. 179, 181.
Figura 95. Jules Bernard Luys, catalepsia de grupo por meio de um chamariz, em Leçons cliniques sur
les principaux phénomènes de l’hypnotisme dans leurs rapports avec la pathologie mentale, Paris,
Carré, 1890.

Uma dialética agravada da transferência. Sedução gravíssima. O fotógrafo,


apesar de seu grande véu preto, apesar de seu recuo, ou graças a ele, era o
grande parceiro. Que acreditava puxar as cordinhas (e não estava errado, na
maioria das vezes. No entanto, de quando em quando...).
“Ela não sabe que possuo esta sua imagem, e é propriamente nisso que
consiste minha trapaça. Fiz essa imagem para mim em pleno mistério e,
desse modo, roubei seu coração...”135
Luys, talvez menos dom-juanesco do que Regnard, fascinava suas
histéricas com um verdadeiro chamariz, posto em cima do gueridom de seu
ateliê fotográfico; depois de deixá-las catalépticas, ele se entregava a “lhes
beliscar a pele, a excitá-las com a ajuda de diferentes processos”136 etc.
(figura 95). Em suma, os corpos fascinados lhe pertenciam por inteiro.

Pavana oculta

Mas restava alguma coisa não dita.


Volto à lâmina XVIII - à “sugestão” de Augustine, ao beijo de Augustine
(figura 96). O comentário de Bourneville sobre ela é cheio de “tomadas” e
“modificações” do olhar de Augustine, e também cheio do prodigioso
“automatismo” do corpo em catalepsia, graças ao qual, “conforme a postura
que imponhamos à doente, os gestos que a façamos executar, a fisionomia se
modifica e se harmoniza com a postura”. Assim: “Se pusermos o dedo
indicador e o dedo médio sobre os lábios, como no ato de beijar, o prazer
amoroso pinta-se no rosto.”137
Magnífico, talvez, porém alguma coisa continua negada, algo aqui terá
sido esquecido. Refiro-me à imagem. Alguma coisa, repito, foi rechaçada
para fora do enquadre, mas assim mesmo é descrita. É a espécie de dança que
o experimentador também teria sido obrigado a executar, para levar sua
parceira - como dizê-lo de outro modo? - a tal ou qual figura.
Procure imaginá-la, a partir deste excerto de uma sessão:
c) O experimentador avança bruscamente para ela, com ar ameaçador; X.
fica com um olhar desvairado, as pálpebras muito abertas; tomba
pesadamente para trás (um auxiliar a segura e impede que se
machuque).
d) O experimentador capta seu olhar e se afasta. A doente anda em
direção a ele, empurrando com violência as cadeiras colocadas à sua
passagem e afastando com surpreendente vigor, para passar entre eles,
dois assistentes postados de costas um para o outro. Se alguém tenta
captar seu olhar, ela o derruba, luta e procura o experimentador
primitivo.
e) O experimentador simula o gesto de um animal correndo; X. o
procura, rindo, derruba tudo e se atira na cama; parece tentar agarrar o
animal imaginário.
f) Mostram-lhe o céu, unindo suas mãos. Ela se ajoelha e é questionada:
“O que você está vendo? - O bom Deus. - O que mais? - A Virgem. -
Como é ela? - Ela está de mãos postas... com uma cobra embaixo dos
pés... um arco-íris acima da cabeça... Há uma linda luz atrás dela...
vermelha, branca... Eu achava que só havia um Jesus... há uma porção
deles.”

Figura 96. Paul Regnard, “Catalepsia, sugestão”, fotografia de Augustine, lâmina XVIII, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.

g) O experimentador abaixa as pálpebras dela, recoloca seus braços em


extensão, depois abre seus olhos, capta seu olhar e, apontando para o
assoalho, desenha o simulacro de uma cobra, com ar amedrontado: a
fisionomia de X. logo exprime o medo; ela quer esmagar o bicho que a
assusta, pega uma cadeira para esmagá-lo. Seus movimentos são tão
violentos que somos obrigados a recolocá-la em letargia (para o que,
como se sabe, basta abaixar suas pálpebras), a fim de que ela se acalme
etc.138
Os corpos se atraíam e se afastavam numa espécie de exibição, e cada um
representava, cada um simulava, cada um se esquecia na simulação, cada um
mostrava ao outro uma centena de objetos extraordinários, aves, serpentes
(figuras 97 a-b), como numa dança muito simbólica, quase um ritual de
transe. Imagino uma pavana, uma dança lenta e solene, ou então uma valsa
em que nosso casal giraria infinitamente em torno do ponto sutil, não
realizado, que unia os corpos, ou ainda o que chamamos de branle [balancê],
a dança que um líder ou mestre de cerimônias tem de saber conduzir. E de
que modo ele atrairia sua parceira para o ritmo de sua vontade? Cativando-
a, com o brilho de uma faca, por exemplo (figura 98).
Isto é tudo o que não é mostrado pelo enquadramento fotográfico da
Iconografia.
É claro. Porque isto seria pôr em cena o risco assumido pelo diretor ao ser
obrigado a subir no tablado, para explicitar à atriz o que exigia dela. Seria
fazer a imagem do risco certeiro corrido pelo médico na aproximação
transferencial do corpo histérico. Ora, aqui, a imagem detesta essa
aproximação, embora nela se fundamente e se constitua.
Assim, Charcot tentou não existir na transferência senão em termos
absolutos, ou seja, como um imperativo categórico do desejo histérico.
Tentou só existir pela autoridade de mestre, isto é, para começar, pelo nome
próprio, aquele que conferia às síndromes de sua lavra. “Enquanto ela se
encontra em estado sonambúlico, posso, mediante solicitação, levá-la a fazer
algumas pequenas coisas. Não tenho a pretensão de fazê-la enxergar e ler
pelo epigástrio, mas posso fazê-la levantar-se da cadeira, se lhe pedir isto
repetidas vezes; digo-lhe para se sentar a esta mesa e escrever ‘meu nome,
meus prenomes’ (que ela conhece), e os senhores verão que ela os escreve
nesta folha de papel: ‘Charcot (Jean-Martin)’...”139
Figuras 97 a, b. Désiré-Magloire Bourneville, esquemas de passes hipnóticos - simulação de
perseguição de um pássaro e uma cobra, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la
Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-1880, p. 183-184.
Figura 98. Paul Regnard, “Alucinação provocada”, gravura baseada numa fotografia do autor, extraída
de Les Maladies épidémiques de l’esprit - Sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des grandeurs,
Paris, Plon, 1887, p. 275.

Ah, o nome do diretor, em letras maiúsculas no cartaz, ainda que seu


corpo tentasse não comparecer, manter-se na lateral do palco.

O auge do teatro
E o texto, o texto dos papéis? E o autor dos delírios induzidos? Que sentido
era soprado às histéricas?
Duchenne de Boulogne, o diretor elétrico, havia constituído seu
repertório recorrendo à própria fênix dos dramaturgos, William
Shakespeare. Suas “experiências eletrofisiológicas representadas pela
fotografia” dão-nos como exemplo uma “lady Macbeth com expressão de
crueldade, em três graus diferentes”:140 três intensidades elétricas,
determinando três estilos de mímica, com seu projeto odioso perturbando -
um pouco, ou muito, ou apaixonadamente - o seu músculo “piramidal do
nariz”, enquanto ela aperta cada vez com mais força o seu seio criminoso;
veja (figura 99) e se lembre, ato I, cena V:
Vinde, espíritos

que os pensamentos espreitais de morte,

tirai-me o sexo, cheia me deixando,

da cabeça até os pés, da mais terrível

crueldade! Espessai-me todo o sangue;

obstruí os acessos da consciência,

porque batida alguma compungida

da natureza sacudir não venha

minha hórrida vontade, promovendo

acordo entre ela e o ato. Ao feminino

peito baixai-me, e fel bebei por leite,

auxiliares do crime, de onde as vossas


substâncias incorpóreas sempre se acham

à espreita de desgraças deste mundo.

Vem, noite espessa, e embuça-te no manto

dos vapores do inferno mais sombrios,

porque as feridas meu punhal agudo

não veja que fizer, nem o céu possa

espreitar através do escuro manto

e gritar: “Para! Para!”141

(E Duchenne nem sequer temia a complexidade do papel, propondo-se a


nos “mostrar que o furor homicida de lady Macbeth era moderado pelo
sentimento de devoção filial que lhe havia atravessado o espírito, no instante
em que ela constatara uma semelhança entre Duncan e seu pai
adormecido”.142)
Quanto à paixão dramatúrgica de Charcot (também grande leitor e
infatigável em suas citações de Shakespeare) e seus discípulos, ela se
mantinha no mesmo comprimento de onda. Restam-nos hoje, com as séries
de fotografias, alguns pequenos thesauri de uma verdadeira linguagem
teatral de gestos, muito convencional, aliás (uma convenção a ser
reinterrogada), e que tirava proveito do famoso “automatismo cerebral” dos
sujeitos em estado de hipnose: números figurativos, portanto, e que se
pretendiam como tais, de assombros, amuos, desprezos e lágrimas, ameaças,
êxtases etc. etc.143
Paul Richer confessou sua tentação de “levar ainda mais longe a
experiência”144 e cometeu a doce violência de não resistir a ela: “A doente
pode ser igualmente transformada em pássaro, cão etc., e então a vemos
empenhar-se em reproduzir a aparência desses animais. Entretanto, ela fala
e responde às perguntas que lhe são dirigidas, sem parecer dar-se conta do
que há de contraditório no fato de um animal servir- -se da linguagem
humana. Todavia, a doente afirma ver e sentir perfeitamente seu bico e suas
plumas, ou seu focinho e seu pelo etc.”145 Richer fazia suas zelosas artistas
desempenharem todos os papéis, mediante a simples “sugestão verbal”:
camponesa (que ordenha sua vaca e rejeita os avanços de Gros-Jean, mas diz
“Ah, sim, sim! Mais tarde”), general do exército (“Passe-me minha luneta...
Avançar! Ah, sou abençoado...”), padre (e “sua voz é de uma doçura melíflua
e arrastada”), religiosa (“ela se ajoelha prontamente”) e até atriz (“Por mim,
acho que, quanto mais curta a saia, melhor. Há sempre pano demais. Uma
simples folha de vinha, santo Deus, isso já basta”)146 (cf. Apêndice 20).
Admitamos: foi com isso que a Iconografia fotográfica da Salpêtrière
conseguiu nos deixar sem fala diante da beleza de algumas imagens. Nas
quais também a luz pareceu participar do papel, como material intrínseco
do drama. Um pouco como a parte não calculada do tato de Regnard -
dedicada aos afetos (figuras 100-103). Albert Londe, mais tarde, talvez tenha
compreendido essa conivência da atriz, totalmente absorta em seu papel, e
com certa emoção na tomada das cenas, nem que fosse na cenografia
amiúde improvisada das fontes de luz; ele, por sua vez, espremia
sistematicamente suas histéricas entre o tablado (que mais era um pedestal)
e uma luz ostensivamente neutra, cheia de ódio ao mistério, ao grande
mistério teatral da catalepsia (figuras 104-105)...
Figura 99. Guillaume Benjamin Duchenne de Boulogne, duas mímicas típicas de “lady Macbeth”
(crueldade - expressões induzidas eletricamente), fotografias extraídas de Mécanismes de la
physionomie humaine ou analyse électro-physiologique de l’expression des passions, Paris, Baillière, 1876.

Voltarei num instante a essa paixão dramatúrgica e devoradora dos


médicos da Salpêtrière, a esse querer fazer todos os papéis serem
desempenhados. Isso me parece crucial. Já tende a preencher, em todos os
sentidos, os paradoxos do ator, em especial o que Artaud chamava de
“atletismo afetivo”,147 muito depois de Diderot ter ficado atônito com o ator
Garrick, que passava a toda a velocidade, como numa escala musical, de
qualquer afeto a qualquer outro.148
Figura 100. Paul Regnard, “Histeroepilepsia, contraturas provocadas”, fotografia, lâmina XXXI, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Figura 101. Paul Regnard, “Catalepsia, declamação”, fotografia, lâmina XXXVI, em Bourneville e
Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-
1880.
Figura 102. Paul Regnard, “Catalepsia, sugestão”, fotografia, lâmina XXXIII, em Bourneville e
Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-
1880.
Figura 103. Paul Regnard, “Catalepsia, sugestão: pavor”, fotografia, lâmina XXXIV, em Bourneville e
Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1879-
1880.
Figura 104. Albert Londe, Sugestões pelos sentidos no período cataléptico do grande hipnotismo,
fotocolografias, lâmina VI, para o artigo de Guinon e Woltke, reproduzido em Nouvelle iconographie
de la Salpêtrière, Paris, Lecrosnier & Babé, 1891.
Figura 105. Albert Londe, Sugestões pelos sentidos no período cataléptico do grande hipnotismo,
fotocolografias, lâmina VII, para o artigo de Guinon e Woltke, reproduzido em Nouvelle iconographie
de la Salpêtrière, Paris, Lecrosnier & Babé, 1891.
Mas sabemos a que conclusão arriscada queria levar-nos o “primeiro
interlocutor” de Diderot: “apropriados para demasiadas coisas”, “muito
ocupados em olhar, reconhecer e imitar”, os corpos atores são os menos
sensíveis, os menos “afetados em seu interior”;149 têm a alma tão pequena
que quase inexiste... Pois bem, era a essa conclusão, em certo sentido, que os
neurofisiologistas da Salpêtrière desejariam conduzir-nos.
A histérica declamava muito bem.
Mas, nesse caso, das duas, uma: ou ela “compadecia” verdadeiramente o
seu papel - e não seria por seu padecer revelar-se pouco consistente? - ou
imitava, inteiramente desprovida de afeto (apesar de seu grande
virtuosismo); então a dor que ela clamava não seria, talvez, também apenas
uma imitação?
Em suma, a experimentação hipnótica não teria feito senão aprofundar
um pouco mais, na tentativa de compreender o sujeito histérico, a questão
do sujeito da simulação. Em especial, as histéricas da Salpêtrière teriam
logrado tamanho “sucesso” nos papéis que lhes eram sugeridos, que, vez por
outra, teriam perdido uma espécie de credibilidade elementar do
sofrimento. Teriam sido tão “bem-sucedidas” como sujeitos da mimese que
teriam perdido tudo aos olhos de seus médicos, transformados em diretores
da encenação de suas fantasias, como sujeitos da aflição. Esse é outro
paradoxo, menos clássico e muito simples, da atriz.
Um paradoxo que permitiu a consciência limpa e até uma consciência
estética, bem como uma bela alma, em relação às tragédias experimentais de
alguns corpos autômatos. A tragédia como reencontro com as convenções
(em suas posturas) e como esquema neuromuscular (em sua produção).
Diz-se das heroínas trágicas que elas são dilaceradas: entre o ódio e o
amor, o amor e o pai etc. Metáfora. Digo que Charcot atingiu o auge do
teatro, no sentido em que almejava que a metáfora ganhasse corpo. Não só
inventou tensões terríveis entre diversas histéricas - por exemplo, plantadas
sobre uma mesma plataforma, com um sintoma remexendo-se entre elas à
vontade (à vontade de Charcot), uma “transferência” de um corpo para
outro150 -, como inventou também para elas essa espécie de dilaceração por
atrações hipnóticas contraditórias:

Enquanto a doente acha-se mergulhada no sonambulismo,


mediante a fricção do vértice com um objeto qualquer,
apresentam- -se dois observadores que, sem resistência
alguma da parte dela, apoderam-se cada qual de uma de
suas mãos. Que acontece? A doente logo aperta com cada
uma de suas mãos a mão de cada um dos observadores, e
não quer abandoná-las. O estado especial de atração existe
ao mesmo tempo em relação aos dois, porém a paciente
acha-se como que dividida ao meio. Cada observador
possui apenas a simpatia de metade da doente, que opõe ao
observador da esquerda a mesma resistência, quando ele
quer pegar sua mão direita, que opõe ao observador da
direita, quando ele quer segurar sua mão esquerda.151

A repetição ideal

Por que, enfim, a hipnose foi para Charcot “a sublimidade do gênero e o


ideal efetivo da fisiopatologia”?152 Porque ela fazia coincidir o elemento
virtual de uma representação com o padecer real de um evento de sintoma.
Evento significante, então? Sim e não. De qualquer modo, “o ideal na
realidade”.
Ou, em outras palavras, a repetição exata - também no sentido de ex-acto,
fora do ato - de uma “primeira vez”. Charcot alegava “uma reprodução fiel”
do “choque local”,153 pelo qual denominava o trauma na histeria, o ato.
Quase, quase a irrupção desse ato passado “em pessoa”, com sua
alucinação nua e crua, gesticulada, numa simples sugestão de recordar! Um
teatro do retorno da memória, portanto, como se diz das chamas reatiçadas,
ou como se lê em Shakespeare: “Yet here’s a spot...” - “Aqui ainda há uma
mancha... Sai, mancha amaldiçoada! Sai! Estou mandando! Um, dois... Sim,
já é tempo de fazê-lo. O inferno é sombrio...”154 E assim por diante. Ora,
enquanto a própria lady Macbeth reiterava assim, notoriamente, seu crime e
sua culpa, um pequeno médico, na sombra a seu lado, dizia: “Atenção! Ela
está falando. Vou tomar nota do que disser, para reforçar a memória...”155
E, sem dúvida, o médico era totalmente parceiro desse retorno abrupto da
memória em “seu sujeito”. Parceiro, ator da transferência. E figura do Mestre.
Era também por isso que necessitava de mais do que a deposição significante
do evento (seu toque hipnótico, per via di porre); necessitava, além dela, do
domínio da reprodutibilidade dessa deposição (seu teatro, portanto, também
este reproduzido, repetido nos protocolos fotográficos).
Na Salpêtrière, esse domínio das repetições já era muito
instrumentalizado - e, por isso, quase idealmente conquistado - sobre
aqueles corpos histéricos como que transformados em instâncias
representativas quase transparentes, privados que eram de resistência.
Davam consentimento. Veja o prodígio exemplar da chamada “escrita
sonambúlica”: para o paciente, “tudo acontece no cérebro”, dizia Charcot,
nada mais; o paciente agia sem produzir um ato, por assim dizer, a partir da
efetividade desse agir; toda a efetividade cabia ao senhor do sono, porque
este, sim, detinha todo o poder sobre a materialidade, sobre a configuração
final do ato, sobre o escrito, enfim. Surge um problema: se a escrita tem um
sujeito, quem era ele, nesse caso?156 (Cf. Apêndice 21.)
Sim: corpos privados de resistência. Aliás, era exatamente assim que
Freud definia o “ideal” em questão dessa técnica de repetição que era a
hipnose: “A rememoração ideal das lembranças por meio da hipnose deve-se
ao fato de que nela a resistência é totalmente abolida.”157
Como uma coerção a colaborar de corpo e alma com as “sugestões”,
aspirações ou até os desejos do clínico. Indo além de Breuer, que dava conta
da alienação histérica nos simples termos de “estados hipnoides”,158 Freud
questionou toda a relação entre realidade e representação na hipnose, e
como? Indicando desde logo uma coisa muito simples: que a supressão das
resistências, a submissão e o abandono total do sujeito hipnotizado
decorriam de uma dialética amorosa. De uma sedução.
Freud descrevia o processo hipnótico como o “abandono amoroso
total”159 de um sujeito perante um “senhor” tão investido de poder e mestria
que tomava o lugar e o espaço do Ichideal, o ideal do eu em pessoa! E era
por isso, em particular, que a própria prova da realidade fracassava (não, na
verdade, não sou pássaro nem cobra, nem padre nem mesmo atriz...) diante
das injunções do hipnotizador.160
Nessa ocasião, Freud traçou uma linha pontilhada, mas imperturbável,
que corria do estado amoroso para a hipnose, depois para a estrutura grupal
e, por fim, para a neurose.161 Falou da hipnose ora como amor, ora como
taumaturgia, e quase sempre como violência.162 Uma certa ideia da arte
entre a sedução e a crueldade.

No limiar do crime perfeito

Uma linguagem gestual da fantasia - ou, melhor, da conivência entre a


fantasia histérica (convocada pela hipnose) e uma fantasia da encenação
(convocada como tema experimental) -, uma linguagem gestual das
fantasias encontra, fatalmente, as fantasias da morte, da agressão, do
despedaçamento.
O que é, sob hipnose, a linguagem gestual de uma fantasia de agressão
mortal? Será um simulacro do crime ou será um crime (já que o sujeito
hipnotizado obnubila-se inteiramente na “prova da realidade”)?
Apenas indicarei que esta questão, a questão do crime sob hipnose,
ancorou-se em todos os espíritos depois que a comunicação de Charcot à
Academia de Ciências, em 13 de fevereiro de 1882, pôs na ordem do dia, e
com isso, em alta moda, as práticas de hipnotização. A partir daí conta-se
também toda a história das rivalidades entre a Escola da Salpêtrière e a
Escola de Nancy, Charcot contra Bernheim.163
Pois bem, tal rivalidade em relação a essa questão exacerbava-se, observo
como que de passagem, a respeito de dois temas, sempre: o sexo (seduções,
estupros) e o sangue (crimes); e sempre se exacerbava em duas
circunstâncias: na concorrência dos protocolos experimentais e em
pareceres especializados divergentes nos grandes processos criminais (o
caso Chambige, em 1888, e o caso Bompard, em 1890: sexo e sangue). Esses
traços comuns já são indícios para nós. Mas de quê? De uma transição
muito sutil e muito eficaz que a hipnose põe em prática, e na qual, como
quem não quer nada, a sedução vira estupro e a “experiência” (... só para ver)
transforma-se em crime.
A hipnose altera o sujeito, sua “personalidade”, o que nunca se pretendeu
negar;164 estritamente falando, ela ataca uma integridade, de modo que,
diziam os médicos, com razão, não era “isenta de perigos”.165 Porém uma
transição sutilíssima e muito eficaz operou-se então no cerne da própria
metodologia experimental, como se ela estivesse alucinando, de certa
maneira; e essa transição consistiu num apaixonamento pela hipotética
medição dessa alteração.
Ora, medir, nesse caso, só podia ser levar ao limite, ver até onde a coisa
chegava! E foi assim que as rivalidades teóricas de Bernheim e Charcot
adotaram a aparência infernal de uma corrida de obstáculos, uma corrida
experimental em que a escalada de relatórios, protocolos e atas, sempre
incrivelmente minuciosos, não deixava de evocar a própria lógica de Sade.
Em Nancy, os sujeitos de Bernheim assinavam reconhecimentos de dívidas
absolutamente exorbitantes, deleitavam- -se com os piores detritos,
entregavam-se sem saber ao strip-tease e, por fim, cometiam o que era
chamado, na época, de “crimes de laboratório”: pistolas não carregadas,
arsênico de imitação etc.
Em Paris, Richet tentou fazer uma bonapartista hipnotizada gritar “Viva
Gambetta!”,166 e Ballet também praticou o aumento experimental do nojo e
do horror, mas para se certificar, com Charcot, de que a completa submissão
hipnótica era impossível. Era preciso haver boa vontade. Uma mulher fora
violada sob hipnose? Pois ela teria consentido, pelo menos um pouco (“A
meu ver, uma mulher que se entregasse a um homem durante ou depois da
hipnotização também se entregaria a ele fora das experiências de
hipnotismo”)167 (cf. Apêndice 22). Esse debate duraria anos inteiros.
Enquanto isso, em Clermont-Ferrand, um jovem professor de filosofia de
27 anos elevou uma voz débil, num discreto apelo a uma autocrítica por
parte do experimentador: “Também inconscientemente, nós mesmos lhe
sugeriríamos esse recurso a meios ilícitos, ao lhe darmos uma ordem que ele
seria incapaz de cumprir de outra maneira.”168
Bergson ressuscitou aí a questão dos limites do agir hipnótico, recolocou a
questão do sujeito simulador, ao esboçar, numa simetria pertinente, a
hipótese de um desejo do mestre...

Bela alma, monopólio do espetáculo

O desejo dos médicos da Salpêtrière seria, fundamentalmente, um desejo


que não ousava dizer seu nome. Essa já era toda a sua perversidade, se não
sua perversão. Nisso residia sua infelicidade, em certo sentido, talvez a
angústia de todo um “corpo médico”, ou, melhor, o movimento de rejeição e
desvio de uma angústia aumentada. O que era também o movimento da bela
alma.
Tratava-se de um desejo indeciso. Entre a escalada crescente (a moral
infantil do brinquedo) e a prudência (uma deontologia sem idade).
A escalada se deu em todas as direções: a “imagem” da histeria no século
XIX - e decerto ainda hoje nos resta alguma coisa dela -, a imagem
vulgarizada da histeria, foi a produzida e oferecida por Charcot. O mesmo
quanto ao hipnotismo: Charcot ingressou, a partir de 1890, no pequeno
panteão de uma “Biblioteca das Maravilhas”,169 e isso diz muito. Sabemos
que ele entusiasmava seu “público” das aulas das terças-feiras - não médico,
em sua grande maioria -, e chegava até a investir cada espectador dos
poderes de domínio sobre os sujeitos hipnotizados:170 “Olhe, o senhor aí,
por exemplo, sim, o senhor mesmo, vamos, mande-a fazer alguma coisa,
sim, qualquer coisa...” Com isso, Charcot emprestava momentaneamente sua
“suposição de saber”, motor da transferência, para deixar bem claro que não
havia truques. Como no circo. Inversamente, constatamos que os mágicos
ou os magnetizadores da época passaram a exibir toda uma seriedade em
suas apresentações, com argumentos publicitários do estilo “Segundo as
experiências do prof. Charcot na Salpêtrière”.171
E era aí que doía o calo, com certeza. Para Charcot. O calo doía quando
uma modalidade estrutural - desconhecida, mas por pouco - se revelava
abertamente, embora deslocada, numa fanfarronice de feira, isto é, quando
um verdadeiro saltimbanco vinha a se tomar pelo próprio professor
Charcot, por pressentir, muito simplesmente, que a Salpêtrière podia
ensinar-lhe coisas novas para seu ofício; por vislumbrar a Salpêtrière como
um grande centro de magia, truques de prestidigitação e feiras de
monstruosidades. Para além de seu museu (como o percebiam todos os
literatos), ela era a capital do engodo, a capital do soninho.
E a contrapartida era uma palavra depreciativa: vulgarização! A resposta
foi uma imitação sincera da prudência deontológica, ora antecipando-se aos
murmúrios críticos,172 como na própria alegação de “prudência” de Charcot,
já evocada,173 ora seguindo-se a eles, como na negação maciça e ingrata que
os discípulos infligiram ao mestre após sua morte. Ironizou-se o interesse de
Charcot pela histeria e pela hipnose como uma “terceira carreira” fatal,
falou-se das “imprudências de sua velhice”, de sua “ligeira fraqueza”, ou até
de suas “piores audácias”.174 O fator culpa foi declinado no feminino:******
acusou-se a filosofia, o puro pensamento sobre os corpos, ou até o
pensamento sobre o pensamento! - o que estava fora da medicina, enfim.
“Parece que, em certo período de sua vida, Charcot [...] sentiu- -se atraído
pela filosofia e pela psicologia, pelo estudo do mecanismo íntimo das
funções cerebrais. Escolheu então, fora de seus internos de medicina,
colaboradores pertencentes às disciplinas filosóficas.”175
Por outro lado, falou-se de circunstâncias atenuantes, entrou-se nas
guerrinhas das responsabilidades: Charcot teria sido “superado”, ou até
induzido em erro, menos por suas ideias do que pelo ardoroso zelo de seus
colaboradores, ansiosos por lhe oferecerem de bandeja o que achavam que
ele queria ver... Além disso, “as histéricas se prestavam de bom grado às
experiências, para se tornarem interessantes”,176 e ele, cientista ingênuo,
havia acreditado nelas!... E correu também o boato de que Charcot tinha as
mãos limpas, nunca havia hipnotizado “pessoalmente” uma única enferma,
sempre tinha delegado essa tarefa aos assistentes etc.177 Não vou entrar
nessa confusão.
O que me importa aqui é apenas constatar a onda de culpa que se
espalhou, apesar de tudo, pela escalada experimental desse grande centro da
medicina.
A ética psiquiátrica recuperou-se e até endureceu um pouco: foram
questionados, em alto e bom som, os “graves acidentes histéricos ocorridos
em consequência de hipnotizações praticadas por um magnetizador numa
barraca de um festival popular”178 e outros casos do gênero.179 Tudo se fez
para renegar o papel histórico, ainda que ele fosse evidente, dos
magnetizadores das feiras, como o famoso Donato, na emergência do
interesse científico por essa questão no século XIX.180 Por outro lado, foram
denegridos todos os precursores, de Mesmer a Braid (mas excluído Braid,
pelo menos), assimilados a “verdadeiros doentes” que só tinham “amor pelo
extraordinário”: pelas histéricas, em suma.181
E foi assim que a ética da precaução terapêutica veio a reafirmar seu rigor.
Como? Arrogando-se um monopólio:

Os senhores me pedem que eu externe minha opinião


acerca das medidas restritivas recém-adotadas na Itália a
respeito das representações públicas dos magnetizadores.
Não me aborrece, confesso, aproveitar a oportunidade que
os senhores me oferecem para declarar em alto e bom som
que, a meu ver, a supressão dos espetáculos dessa natureza é
algo excelente e perfeitamente oportuno. É que, de fato,
para o sujeito envolvido, as práticas da hipnotização nem
sempre são tão inocentes quanto talvez se costume
acreditar, longe disso. [...] Em nome da ciência e da arte,
nos últimos tempos, a medicina enfim se apossou
definitivamente do hipnotismo, e o fez com toda a justiça,
pois só ela é capaz de saber aplicá-lo da maneira
conveniente e legítima, quer no tratamento dos doentes,
quer em pesquisas fisiológicas e psicológicas; neste campo
recém-conquistado, doravante ela quer reinar como
senhora absoluta e zelosa de seus direitos, e rechaça
formalmente qualquer intromissão. Com minhas mais
cordiais saudações, Charcot.182

Direitos, zelo, saudações cordiais: uma forma de denegação. E alguns,


num sóbrio exame de consciência, não deixaram de se tranquilizar com um
derradeiro “eu sei, mas, ainda assim”:

Alguns fatos recentemente observados, sobretudo na Itália,


parecem indicar que as práticas hipnóticas são passíveis de
determinar distúrbios nervosos permanentes. Caberá
depreender disto que a experimentação deve ser proibida?
Isto equivaleria a admitir que existem verdades que não
convém conhecer. [...] Podemos admitir a experimentação
no ser humano, a qual, diga-se de passagem, nada tem de
chocante. Trata-se de uma prática cotidiana, de certo modo:
nos laboratórios e hospitais, numerosos doentes ou
estudantes submetem-se voluntariamente a ela.183

Prudência, é claro, mas, ainda assim, havia a obrigatória espetacularização


da ciência: “Isto” - a hipnose como “reprodução fiel” do trauma - “está
absolutamente estabelecido, e um dia destes eu lhes apresentarei seu
espetáculo”,184 prometeu Charcot a uma plateia, sem dúvida, muito ansiosa.

O exibidor de coisas passadas

De que modo, portanto, Charcot dirigia sua barraca nessa demonstração, de


que modo oferecia espetáculos e proferia sua fala? Como dominava sua feira
da hipnose? Ouçamos logo o que seria o íntimo aranzel:

Anúncio algum vem regalar-vos com o espetáculo interior,


pois não há hoje pintor capaz de oferecer dele uma triste
sombra. Trago-vos, viva (e preservada através dos anos pela
ciência soberana), uma Mulher de outrora. Uma espécie de
loucura, ingênua e original, um êxtase de ouro - que sei eu!
-, por ela chamado sua cabeleira, dobra-se com a graça de
panos em torno de um rosto iluminado pela sanguínea
nudez de seus lábios. Em lugar da veste vã, ela tem um
corpo; e os olhos, semelhantes às pedras raras, não valem o
olhar que brota de sua carne afortunada: seios erguidos,
como se estivessem cheios de um leite eterno, a ponta
voltada para o céu, e as pernas lisas que guardam o sal do
primeiro mar.

Ao recordar suas pobres mulheres, calvas, mórbidas e plenas de horror, os


maridos se comprimem.185
É o espetáculo do Exibidor de Coisas Passadas.
Veja então o quadro de Brouillet retratando as aulas das terças- -feiras,
que, como todas as representações de época, é mais ou menos
hagiográfico186 (figura 106): nele há uma “rainha das histéricas”
desfalecendo, não, contorcendo-se, com todo o pescoço oferecido aos
assistentes de olhar cobiçoso, dentre os quais dezessete são bem
reconhecíveis e oficiais, de certa maneira.
Imagine que, quando Charcot dava uma aula sobre tremores, por
exemplo, eram levadas para o anfiteatro três ou quatro mulheres coreicas ou
histéricas, paramentadas a contragosto com chapéus de plumas, e as
discussões e as medidas deslocavam-se então por aquele frisson pitoresco,
cujo controle era bem diferente do exigido por uma trepidação insana de
todos os corpos. Era quase uma crítica da arte. E os corpos, justamente,
estavam ali, sobre o estrado, como os pobres remanescentes de um conceito,
de um nome próprio - Parkinson, ou outro -, de um diagnóstico, de uma
frase que lhes revirava tudo acima do crânio, sem que elas de nada
soubessem.187

Figura 106. André Brouillet, Uma aula clínica na Salpêtrière, óleo sobre tela, 1887, Paris, Museu de
História da Medicina.

Imagine, por outro lado, que uma pedagogia que utilizasse projeções
fotográficas teria com que constituir, na época, algo como uma verdadeira
“sensação”, como se costuma dizer sobre os grandes eventos de nossas
temporadas teatrais.
As aulas das terças-feiras eram rigorosamente “organizadas de modo a
fornecer, em especial, a imagem da clínica cotidiana, da policlínica
imaginem belli, com todas as suas surpresas, toda a sua complexidade”,
escreveu Babinski no prefácio à primeira publicação das aulas.188 E citava
nisso “o próprio professor”, o pensamento clínico do próprio Charcot:
imaginem belli...
Portanto, Charcot teria utilizado o caráter de coleção do campo hospitalar
(o “museu patológico vivo”) para ali conjugar um estilo de transmissão do
saber, apropriado para “já exercer uma influência ditosa no espírito de seus
ouvintes, particularmente dos que tinham ambição de fazer novas
explorações no campo muito atraente da neuropatologia”.189 Com isso,
Charcot abriu caminho para uma atração, Reize, uma atração das doenças
nervosas, para uma consciência doravante estética da patologia.
E todos se interessaram por essa atração, não nos esqueçamos; não nos
esqueçamos da sedução nem do consentimento: “Vi clientes de Charcot”,
relatou Daudet, “muito aborrecidos com o desaparecimento de um sinal ou
um reflexo que sabiam ser particularmente caro ao cientista: ‘O que ele vai
pensar disto? Não se interessará mais pelo meu caso! Com que cara vou
aparecer agora na consulta com ele?’”190 Será que isso significa que era
preciso fazer boa figura da própria doença? Sim, em certo sentido. Era a
dialética da incitação à boa forma.
E Charcot não apenas incitava os sintomas como que a uma imitação
perpétua deles mesmos, mas também os inspirava, qual um modelo,
convocando todas as “transferências”, ao se entregar pessoalmente à
pantomima dos sintomas perante seu público.191
No que dava mostra das virtudes do ator, além de todas as do autor: autor
(mestre e garante das formas), áugure (senhor do tempo), instigador dos
atos (o auctor é, literalmente, aquele que impele a agir), diretor das atrizes da
Histeria, um conceito seu. Foi isso que também chamei, sem moralismo, na
falta aflitiva de outra palavra, de habilidade da hipocrisia. Essa habilidade,
portanto, glorificou a histeria como “grande forma”. E deu crédito, ao
mesmo tempo, a um corpo real da histeria.

O milagreiro

Um corpo em que o saber, o suposto saber de Charcot, fez milagres, e digo


realmente milagres. Chamado a um convento para ver uma jovem religiosa
afetada por uma paralisia funcional, ele foi lá e lhe disse: “Levante-se e
ande!” A doente obedeceu, milagre!, e a Igreja foi capturada, em todos os
sentidos da palavra.192 E as chamadas curas milagrosas da Salpêtrière
chegavam às manchetes da Semaine religieuse tanto quanto as de Lourdes.193
Às vezes, as testemunhas descobriam a cabeça e se benziam diante de
Charcot.194
É que as amnésicas histéricas de Charcot, por exemplo, decerto não se
lembravam de nada (“P. - Você sabe em que lugar está? R. - Não sei, não
conheço esta sala. P. - Você conhece a Salpêtrière? R. - Nunca a vi, mas já
ouvi falar. P. - Conhece essas duas moças? (suas vizinhas de cama). R. - Não,
senhor, nunca as vi. P. - E este senhor [o sr. S., interno do serviço]? R. -
Também não”). Não se lembravam de nada, exceto de Charcot (“P. - E eu,
você me conhece? R. [após uma breve reflexão]... Sim, o senhor é o sr.
Charcot!).195
Mas essa era uma dialética da sedução, na qual a histérica sentia e
acreditava que ele sabia tudo sobre os seus sentidos, os dela, que não sabia
de nada; e na qual ele, por sua vez, não acreditava e acreditava (positivista,
de um lado, mas fascinado pela própria eficácia) em seu encanto milagroso.
Chego a imaginá-lo: “Hoje, pela primeira vez, pousei os olhos sobre ela. O
sono, dizem, torna as pálpebras pesadas a ponto de fechá-las: teria meu
olhar um efeito análogo sobre ela? Suas pálpebras se fecharam, mas nela se
agitavam forças obscuras. Ela não via que eu a via, mas tinha a sensação
disso, e por todo o corpo.”196
Dialética de dominação, portanto. Charcot decidiu, por exemplo, internar
uma jovem anoréxica; era o único recurso terapêutico, a seu ver;
“consentimento” difícil dos pais, “apesar de todas as minhas advertências”;
por fim, “o isolamento” foi aplicado: “Os resultados foram rápidos e
maravilhosos.” Por quê? A própria menina fez a análise: “Enquanto papai e
mamãe não me largavam, quero dizer, enquanto o senhor ainda não tinha
vencido - porque eu sabia que o senhor queria mandar me trancar -, achei
que a minha doença não era grave e, como tinha horror a comer, eu não
comia. Quando vi que quem mandava era o senhor, fiquei com medo e, apesar
da minha repugnância, tentei comer, e foi funcionando aos poucos.” Foi o
próprio Charcot quem sublinhou isso, e em seguida veio sua coda, seu
pequeno comentário: “Agradeci à menina por sua confiança, que, como os
senhores hão de compreender, continha todo um ensinamento.”197
Que ensinamento? Talvez este: sedução e domínio da sedução. Criar
doentes inteiramente “encantadas”, elevando Charcot “às alturas do
Olimpo”...198 Ora, tudo isso também tendia a fabricar um personagem. A
identidade muito simbólica de um Pai, Juiz e Curador reunia todas as
imagens, digamos, da onipotência.
Essa onipotência especulava e agia sobre o desconhecimento e a ilusão
neuróticos em que se ata a transferência. Jogando poeira nos olhos dos
pacientes. Negada (bem sabida, mas, ainda assim, cegamente utilizada).
Inclusive no ensino teórico, donde a renovação da transferência em todos os
sentidos, a fantasia de onipotência científica.
Poeira nos olhos do público. Alicerce definitivo do personagem. Mestria.
Freud, na época, assim iniciava suas cartas a Charcot: “Fascinado há dois
meses com sua fala...”,199 e depois, em outro texto, confidenciou nestes
termos a respeito dele: “Apesar do meu amor à independência, muito me
orgulhei desse sinal de interesse, porque, apesar de estar subordinado a esse
homem, esta é uma subordinação com que fico satisfeito.”200 E foram
verdadeiros ex-votos, efígies e ornamentos que ele levou de Paris para
Viena.201
Mestria. O sujeito suposto saber de uma época inteira. Hagiografia, até.
Como já evoquei, Charcot foi considerado um verdadeiro “apóstolo”,202 o
“consolador de seu século”,203 um grande filantropo. As histórias
proliferavam, a exemplo desta:

Todos os dejetos do terror, da hereditariedade, da


devassidão e do alcoolismo chegavam até ele, como os
detritos de Paris à boca de um coletor de esgoto; pois deles
Charcot fazia ou refazia homens, mulheres, mães! Era um
milagre. Um dia, vi alguns magistrados a quem ele
demonstrava, através de um experimento ao vivo, que uma
pobre moça histérica podia, dominada, moldada por uma
vontade superior, tornar-se irresponsável. Era verão, sob
um teto de vidro aquecido pelo sol. Um juiz idoso, gordo e
corado, muito emocionado, aliás, desmaiou, e, para cuidar
dele, Charcot despertou depressa a pobre hipnotizada, que,
num minuto, correu a cuidar do magistrado, preparando-
lhe uma água com açúcar e passando de doente a
enfermeira. - Obrigado, obrigado - repetia o sexagenário
ameaçado de apoplexia. Nessa aventura houve todo um
simbolismo em ação. Charcot acabara de demonstrar ao
magistrado uma verdade e, ao mesmo tempo, fez de uma
pobre moça abalada pela histeria uma salvadora dedicada,
uma colaboradora de sua obra imensa: o Mal combatido, a
Vida consolada.204

“Confiem em mim, a fé alivia, orienta, cura...”

Ele poderia ter dito: “Desvendarei todos os mistérios religiosos ou naturais,


morte, nascimento, futuro, passado, cosmogonia, o nada. Sou mestre das
fantasmagorias. Escutem!... Tenho todos os talentos!” Ou então: “Confiem
em mim, a fé alivia, orienta, cura. Venham todos, inclusive as criancinhas,
eu os consolarei...” Ou ainda: “Eu deveria ter meu inferno para a cólera, meu
inferno para o orgulho... e o inferno da carícia: um concerto de infernos.”
Ou: “Ah, voltar à vida! Lançar os olhos sobre nossas deformidades. E esse
veneno, esse beijo mil vezes maldito! Minha fraqueza, a crueldade do
mundo! Estou e não estou escondido.”205
A fé alivia, guia, cura. Assim, as curas de histéricas na Salpêtrière teriam
sido o que sempre foram: milagres, operações mágicas, baseadas numa
indecifrável cumplicidade entre a histérica e seu médico. Reinvenção
perpétua.
Também poderíamos dar a isso o nome puro e simples de confiança, ou
seja, o abandono inteiro dos corpos a uma crença, um poder, uma mestria.
“A cura é uma demanda que parte da voz do sofredor, de alguém que sofre
do corpo ou do pensamento. O espantoso é haver resposta, e que em todos
os tempos a medicina tenha acertado na mosca por meio de palavras.”206
Em que acreditava Charcot, diante da eficácia de sua prática? Um de seus
últimos trabalhos intitulou-se, precisamente: A fé que cura. Nele são
evocados os santuários, estátuas, ex-votos, tudo aquilo que, desde Esculápio
de Atenas, havia concedido aos sofredores de inúmeros males o que Charcot
chamava de faith-healing, a cura pela fé - confiança somada à crença, diria
eu.
Esses fenômenos, diz ele no início, “não escapam à ordem natural das
coisas. O milagre terapêutico tem seu determinismo”.207 No passado, ele
havia procurado nas localizações cerebrais algo como um esquema teórico
desse determinismo.208 Nesse texto, porém, apenas o fator da
sugestionabilidade é proposto, como definidor do “estado mental histérico”
por excelência. E um estado em que o espírito “não tarda a dominar o estado
físico”.209 Aí temos, portanto, uma parte totalmente psíquica, motu proprio,
das doenças (e note que, em outros textos, ela é comumente negada, uma
vez que, afinal, põe em certo perigo alguns esquemas básicos da
neurofisiologia). É uma parte toda imaginária da histeria, portanto. “Para a
doença psíquica, faz-se necessário um tratamento da mesma natureza”,
admitiu Gilles de la Tourette - “a chamada medicina da imaginação”: pílulas
fulminantes, compostas de migalhas de pão ou azul de metileno, “que,
colorindo as urinas, impressionam vivamente as doentes”.210 A medicina
psicológica, como estratagema, jogava com a insciência do paciente.
A verdade é que Charcot admitia isto: o milagre terapêutico decorria de
um prodígio de que eram dotados os corpos histericizados. A cura
miraculosa não era uma cura, mas um sintoma, um sintoma histérico. E
Charcot quase parecia admitir que esse prodígio, embora sintomático, nem
por isso era menos dialético, inventando-se vez após outra nos dramas da
transferência (em todos os sentidos da palavra, charcotiano e freudiano), ou
seja, no drama de uma reciprocidade que podia ir muito longe: “É até
curioso constatar que alguns desses taumaturgos sofriam das doenças cujas
manifestações depois viriam a curar: São Francisco de Assis e Santa Teresa,
cujos santuários vêm em primeiro lugar entre aqueles em que se produzem
milagres, eram inegáveis histéricos, eles próprios.”211
Mas o pensamento de Charcot detém-se aí. Para no que chamarei de um
álibi, um alhures da história. Será que ele conservou a palavra inglesa, faith,
para se poupar do que “confiança” e “crença” suporiam de uma dialética
intersubjetiva, na qual, positivista ou não, todo médico da histeria era como
que precipitado? Enfim, seu pensamento se deteve. Negação. Às vezes, sob a
própria forma do incômodo, um incômodo estético. É que Charcot não se
identificava com um santo; ia muito mais longe, identificava-se com um
artista, ou seja, com alguém que também podia se dar ao luxo de ser
satânico.
Um dia, havendo um doente suplicado que ele lhe curasse as mãos
torturadas, que fosse “o próprio Deus” para ele, Charcot respondeu: “Se eu
fosse Deus, seria eterno, não teria começo nem fim, e isso acabaria me
aborrecendo. E, se eu fosse o Todo-Poderoso, quando tudo estivesse feito, o
que eu faria depois? Talvez me divertisse desfazendo.”212
Teatro contra teatro

Fazer e desfazer: isso constitui a exata liberdade que um diretor artístico


pode oferecer a si mesmo nos ensaios. As Aulas das terças-feiras, aliás, foram
escritas, ou, melhor, reescritas, exatamente como peças de teatro, com
deixas, monólogos, didascálias, apartes do herói etc.213
O “estado mental histérico”, o que chamei vagamente de parte imaginária,
muitas vezes não é compreendido além do sentido sarcástico que um dia
Molière deu a essa palavra. Vejamos Charcot diante do problema da
simulação histérica, e não encontrando quem chamar para socorrê-lo senão
O médico à força:

Em geral, senhores, ou forçosamente, talvez possamos dizer,


o simulador é um fantasista. Imagina com facilidade,
bordando e executando floreios. Lembrem-se da consulta
em que Sganarelle atendeu Lucinda, a qual pode ser
considerada uma perfeita simuladora.

Sganarelle: O que tem a senhora? Qual é a dor que está


sentindo?

Lucinda (respondendo por sinais, levando a mão à boca, à


cabeça e ao queixo): Hã, hi, hon, hã.

Sganarelle: Hein? Como disse?

Lucinda (continuando os mesmos gestos): Hã, hi, hon, hã,


hi, hon.

Sganarelle: O quê?

Lucinda: Hã, hi, hon.

Pois bem, senhores, esses hã, hi, hon, hã são excessivos,


evidentemente, e revelam a simulação. O mudo legítimo
permanece calado.214
(Mas notem que, nessa citação, Charcot omite justamente o detalhe que
vem logo a seguir: é que Sganarelle, por sua vez, não encontrou nada melhor
a fazer do que arremedar Lucinda, “hã, hi, hom, hã, há”, para precisar o seu
questionamento: “Não a entendo. Que diabo de língua é essa?” etc. Contudo,
talvez não fosse uma fala nem um sentido da impossibilidade da fala o que
Charcot interrogava em suas mulheres mudas, exatamente.)
Será que as aulas das terças-feiras também não foram como que sessões de
catarse (mais ainda para as atrizes que para os espectadores), no sentido em
que a tradição fala de uma catarse dos humores pecantes, o que nos vem do
verbo peccare: pecar, falhar, cometer maldades e enganar terceiros...? Será
que isso significa que Charcot inventou um teatro contra a “teatralidade”
histérica, para denunciá- -la como simulação, excesso e pecado de mimese? É
bem possível.
Neste ponto, eu chegaria a considerar essa teatralidade psiquiátrica da
Salpêtrière como uma tentativa específica de reconversão, palavra muito
pesada. Reconverter a espetacular “conversão” histérica, substituir uma
temporalidade fulgurante da repetição (no sentido da Wiederholungszwang
[compulsão à repetição] freudiana, e talvez num ponto em que esta tocaria
no que Artaud formula sobre o teatro), a temporalidade fulgurante dos
sintomas histéricos, por outra temporalidade, esta regulada: a da sua
repetição (no sentido das representações teatrais) hipnótica.
É que o teatro hipnótico, na medida em que é “dominado” pelo
“fascinador”, delimita e intensifica o sintoma: força-o à perfeição de um
desenho, que fornece, no próprio artifício, como que uma verdade do evento
sintomático em si. Esse evento, portanto, quando espontâneo, tem de ser
travado e, uma vez travado, tem de ser de novo provocado, metodicamente.
Essa é uma teatralidade que busca algo como a cristalização do aspecto na
teoria, e, pela recolocação em cena, uma espécie de refabricação de sua
evidência. Esse teatro é também o teatro da classificação das palavras, da
classificação dos sujeitos, é o teatro do poder de fabricar as taxonomias do
corpo sofredor. Tende, de fato, a exorcizar o sintoma, com a repetição
experimental e hipnótica do sintoma.
Não menos que outros teatros, esse comporta seu lucro da sedução, pois
sabe muito bem atar encanto e saber. Mas ele é também uma espécie de
mistificação amorosa, na qual a mistificada, em primeiro lugar, é a própria
estrela do espetáculo, porque se crê adulada, pura e simplesmente. No
entanto, “o que está em jogo é honrar um contrato imaginário (eu te peço
que me peças a imagem que brota de nossas demandas comuns...)”.215 É um
teatro em que a encenação, na verdade, torna-se um distanciamento do
objeto e uma colocação dele à espera - objeto que é a própria histeria, ou seja,
apenas uma dada reivindicação simples e estridente de um dado corpo,
entregue a determinados sintomas.
Esse contrato imaginário também atinge a sala inteira. Ora, por essa
própria extensão, produz um equívoco fundamental: o “mal- -entendido que,
no entanto, pode instalar-se entre a curiosidade basbaque e o mestre” - um
mal-entendido que é, portanto, o mesmo que o saber suposto.216
E os que assistem à sessão, afinal, são um pouco mais do que curiosos:
realmente assistem, ou seja, de certo modo, ajudam o sintoma a se
demonstrar, a se expor inteiro, e isso por uma exortação muito íntima,
porém extremamente eficaz.
É por isso que tal teatro, apesar de ignóbil, aproxima-se de qualquer
teatro, da própria qualidade de ficção; de modo que “a encenação é o foco
evidente de prazeres obtidos em comum, assim como, pensando bem, a
misteriosa abertura para o mistério cuja grandeza estamos no mundo para
contemplar”.217 É que, no próprio movimento arriscado de sua pedagogia,
esse teatro Salpêtrière oferecia aquilo com que quase sempre gostamos de
ser gratificados no teatro: o lustre, “um belo objeto luminoso, cristalino,
complicado, circular e simétrico”.218 Lustre dos corpos histéricos
rodopiando nas tábuas das aulas das terças-feiras.
Assim, nesse momento em que a histeria encenada tendia a se representar
como uma imagem concebida, agitavam-se todas as efervescências do
contentamento, da mundanidade, do ouvir dizer, do “entender tudo”,
digamos: da tagarelice.219 Como o efeito socializado de uma curiosidade
fundamental a respeito da histeria, isto é, a dubiedade do “ver para ver”,
tendo por álibi o “ver para saber”: uma concupiscência com ou sem o álibi da
ciência.

Beleza

Essa concupiscência, esse desejo de “exibir as coisas num imperturbável


primeiro plano, como camelôs movidos pela pressão do momento”,220 os
médicos da Salpêtrière fizeram dela produção e reprodução, uma coleção,
um corpus.
Assim, a Iconografia fotográfica da Salpêtrière é como que o corpus de uma
atenção, até de uma expectativa, fascinada. Com quê? Aqui está: o extremo
narcisismo graças ao qual a histérica consente em qualquer encenação de
seu corpo, esse extremo narcisismo histérico que é fundamentalmente
fascinante,221 e chega até a trazer em si algo que bem poderia ser chamado
de beleza.
Kant: “Detemo-nos na contemplação (Betrachtung) do belo porque essa
contemplação se fortalece e se reproduz por si; é um estado análogo (mas
não idêntico) à demora (Verweilung) do espírito quando uma propriedade
atraente na representação do objeto desperta repetidamente a atenção -
estado em que o espírito fica passivo.”222
A Iconografia, portanto, seria como que a coleção dessas “demoras”, dessa
detenção. Sempre olhar duas vezes: era essa a metodologia de Charcot em
relação à visibilidade dos sintomas. Ver e medir. Ver e refazer pela hipnose.
Ver e fotografar.
É o caso da “contratura” de Augustine, fotografada duas vezes até, nas
lâminas XXIX e XXX da Iconografia, volume II (figuras 107108). Não falta
ali uma pitada de beleza, certamente, algo que, em virtude do olhar
duplicado, sempre dúplice, faz com que a contratura - um infortúnio do
corpo (“todas as articulações ficam rígidas; o antebraço coloca-se em
pronação exagerada, os dedos energicamente dobrados sobre a palma da
mão, o polegar posto entre os dedos anular e médio. [...] A dor da perna
direita continua igualmente intensa, e a contratura dos membros do lado
direito é tão completa quanto possível”)223 - passe a um encanto inenarrável
de pose, de drapeado engenhoso, indiscreto, porém não demais, de cadeira
prestes a virar, como se nosso olhar perturbasse a sustentação do corpo. E,
ainda por cima, todos esses primeiros planos brancos da carne. Para
arrebatar?
São mesmo imagens do pecado, não? Imagens de um corpo saturado de
sexualidade. Porém imagens falsas, que passam para a ficção. Embora sejam
fotografias verdadeiras, as imagens são todas falseadas, por se instaurarem a
partir de um tráfico fatal do tempo que imprimem. E esse tempo não se vê,
ou suspeita-se dele (um quase ver: uma inquietação) quando se sabe da
impressionante contratura de Augustine nesse momento, de sua perda do
movimento em todo o lado direito, da hemiplegia por um instante, da
anestesia, lembre-se, que “afeta igualmente as mucosas da metade direita do
corpo (conduto auditivo, pálpebra, olho, narina, boca, língua, palato,
vulva)”.224 Fotografias de alguém para quem a ideia de posição já não existia
do lado direito, que falava com meia língua, que perdia toda a noção das
cores, que “estava aprendendo a ser canhota”, como dizia. Beleza sinistra.
A imagem dissimula, portanto, a enfermidade que supostamente deveria
mostrar, enquanto a legenda nos indica que assim mesmo ela é mostrada,
essa enfermidade, inclusive em primeiro plano, um braço, uma perna. Mas
um estilo intervém, sem que se saiba, com um ganho de beleza, embora
pungente. A imagem é astuciosa, portanto. A um tempo se afasta e se
aproxima. O drapeado esconde o corpo (raridade em relação ao “estilo
médico” corrente), mas o enquadre encerra “o sujeito” um pouco mais de
perto, despertando curiosidade, desejo de “completar”.225 Através dessa
dialética, que é uma dialética de expectativas, a fabricação das imagens leva a
demanda histérica a seu auge: perfeição e crueldade. É que a demanda
histérica, diante desse oculus (... que também pode ser uma palavra
amorosa: in oculis aliquem ferre significa amar alguém), dessa objetiva que
chega cada vez mais perto, a demanda histérica deixa-se levar pelo seguinte
engodo: o ouvido está muito perto, uma escuta se seguirá a essa
aproximação do olho. Errado. Um erro nunca evidente. A demanda histérica
se infinitiza, portanto, e com ela o consentimento em tudo, com ela o
sintoma.
A instância psiquiátrica do ver, em sua reificação sempre renovada dos
corpos, em sua manutenção e em sua dominação da aflição das loucas - e até
em seu gozo com ela -, a instância psiquiátrica do ver queria, portanto,
suspender o tempo e conservar loucas as loucas.
Assim, fomentou uma relação perversa. De certo modo, ao longo dos
protocolos experimentais, os médicos da Salpêtrière formularam a si
mesmos - e constantemente - a pergunta perversa por excelência: “De que
substância corpórea é feita a mulher?”226 Hão de ter instrumentalizado cada
vez mais sua pergunta, reinventado incessantemente o corpo histérico, como
superfície experimental de desencadeadores, sempre em busca de um
princípio substancial, de uma descrição protocolar da espécie de gozo de
que a histérica dá mostras, ou dá a impressão, e ao mesmo tempo de seus
sofrimentos. Assim, diante dessa busca, o corpo histérico consentia numa
reiteração infindável dos sintomas, em pedaços de respostas, numa
reiteração de enlouquecer. Para uma instância perversa, era sumamente
apetitoso. Iconografável.
O consentimento acha-se no cerne de um processo fundamental, que
Freud enunciava nos seguintes termos: “A neurose é, por assim dizer, o
negativo da perversão.”227 E eu diria que, em certo sentido, neurose e
perversão podem encontrar seu vínculo num cara a cara. Uma espécie de
reciprocidade, porém marcada pela negatividade, derradeira. Na Salpêtrière,
a situação fotográfica parecia exemplar nesse aspecto.
Uma conivência paradoxal, portanto. “As fantasias inconscientes dos
histéricos”, escreveu Freud, “correspondem plenamente, quanto a seu
conteúdo, às situações de satisfação que os perversos realizam
conscientemente.”228 Que significa isso? Desde logo, que essa conivência é
dissimétrica, põe frente a frente um (suposto) saber perverso e a completa
aflição (histérica) de saber. Mas é uma conivência.

Contrato

Um contrato, melhor dizendo.


O encanto de e com Augustine, esse encantamento tinha forma de
contrato. Incluía num mesmo movimento algo como o exercício de uma lei -
uma coisa que se prendia não ao corpo, mas a uma condição de sua
aparência, poses, atitudes passionais etc. - e alguma coisa que estava sempre
fadada à repetição.229 Observe isto, simplesmente: a roupa de Augustine. Em
duas séries de tomadas (de imagens), nos volumes II e III da Iconografia,
Augustine mudou de roupa, trocou sua camisola simples de interna por um
traje arrumadinho de auxiliar de enfermagem. Imagino que esse uniforme
tenha-lhe sido outorgado em troca de sua “regularidade” de histérica: é que
ela se contorcia e alucinava em horários fixos, por assim dizer, nos horários
estabelecidos para as sessões de hipnose ou as aulas no anfiteatro. Isso indica
os melhores dias do contrato.
Época em que Augustine concordava com Bourneville, o estenógrafo de
seus delírios provocados pelo nitrito de amila, em admitir que “as palavras
se vão, os escritos permanecem”.230 Mas Bourneville, por sua vez, através de
suas anotações, suas predações fotográficas, suas “reprises” hipnóticas,
Bourneville procurava “a” histérica. Por causa disso, encalhava numa espécie
de perversão. Tentava elaborar, com as poses de Augustine, com suas
“atitudes passionais”, um objeto único. Ou até, de certa maneira, inanimado.
Um quadro. Tentava ardentemente fixar Augustine numa existência típica,
arregimentar cada ato, cada dito, cada riso dela no imperativo categórico
(mas imaginário) de seu conceito de Histeria. Bourneville, Regnard e
Charcot fetichizavam corpos.
Figura 107. Paul Regnard, “Histeroepilepsia, contratura”, fotografia de Augustine, reproduzida em
fototipia, lâmina XXIX, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Figura 108. Paul Regnard, “Histeroepilepsia, contratura”, fotografia de Augustine, reproduzida em
fototipia, lâmina XXX, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris,
Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Fetichizar: isso denomina, desde logo, uma habilidade, um saber fazer
[savoir-faire],231 e eu diria mais, aqui, um saber fazer fazer de diretor
artístico. Praticou-se na atuação sintomática de Augustine um recorte
rigoroso, que só teve como efeito denunciar, agravar nela o fazer sem saber,
sua grande insciência de estrela.
Chamo esse imperativo de imaginário porque, como “retratamento” da
histeria, ele funcionou como imposição de uma estrutura de ficção: papéis,
repetições hipnóticas, protocolos experimentais de encomenda, regulados
por algum professor de balé. Uma ficção tão imposta que se instaurou
mediante a censura e a rejeição de qualquer outra ficção: assim, proibiam-se
às histéricas as efervescências sutis dos romances e das melodias, para
melhor atingi-las com clarões e gongos.
E observe isto: a fetichização dos corpos, ou, melhor, de suas “posturas”,
tanto decorre de uma emblemática da lei no imaginário quanto de uma
instrumentalização do prazer. Numa conivência íntima. Aí temos, portanto,
reformulado, o nó de paradoxos - sempre os mesmos - de que a Salpêtrière
foi palco. Reformulemos a ideia assim: um desejo não ousava dizer seu
nome, e nisso residiu sua força deslumbrante, sua genialidade, sua astúcia e
sua mestria; mas, ao mesmo tempo, foi isso que destinou todo desejo
perverso a uma irremediável precariedade.232 O “objetivo”, como escreveu
Freud, de fato, “pareceu inatingível”, houve apenas um clinâmen, uma
declinação infindável para o “objeto”, e essa mesma perpetuidade
comprometeu o desejo com um risco de morte do desejo.233 A histérica,
repito, continuou totalmente conivente com esse risco. Essa morte lhe coube
na partilha.
Assim foi o contrato, então, momento-chave do engajamento de uma atriz
por um diretor que lhe promete, melifluamente, fazer dela uma estrela, sob a
condição... Mas, justamente, as condições não foram escritas; o contrato foi
tácito.
Foi tácito para que a coerção fosse silenciada, e silenciada também a
precariedade do desejo perverso, que ficou entregue a isto, durante o
espetáculo: um “temor contraditório ou um desejo de ver demais e não o
bastante”, o que “exige um prolongamento”,234 como escreveu Mallarmé -
aqui, por exemplo, o prolongamento indefinido das repetições ou dos
ensaios experimentais. Isso indica, por fim, como se ataram no espetáculo o
contrato imaginário e o puro prazer - não, quase puro. Contrato e prazer
próprios do palco.
Arte que inquieta, seduz como verdade por trás de uma ambiguidade
entre o escrito e o encenado, dos dois, nenhum; ela derrama na ribalta o
encanto inusitado, num volume quase omitido. Se o presente pérfido e caro
de uma subjugação ao pensamento de outrem, mais ainda!, a uma escrita, é
o talismã da página, não se acredita, por outro lado, ser cativo do velho
encantamento redourado de uma sala, onde o espetáculo implica um não sei
quê de direto, ou a qualidade de provir de cada um, à maneira de uma visão
livre. A atriz evita escandir o passo no ritornelo dramático, mas transpõe um
tapete silencioso sobre o sonoro trampolim rudimentar da marcha e do
salto. Fracionamento infinito, até o deleite - daquilo que conviria, por
contradição com uma fórmula célebre, chamar de cena a não fazer...235

A cena a não fazer

Fragmentação de uma cena, aquela que não se deve fazer, cujo próprio
advento é alucinante. Momento derradeiro no drama histérico: o auge do
consentimento:
Basta que eu o diga

como o sei dizer,

e imediatamente

hão de ver meu corpo atual


voar em pedaços,

e se juntar

sob dez mil aspectos

notórios.

Um novo corpo

no qual nunca mais

poderão me esquecer236

O auge do consentimento, na verdade, torna a privar de qualquer


captação de espetáculo. É quase uma vingança, inteiramente estrutural: fazer
uma cena em contraste com encenar. Inversão violenta das admoestações
públicas do sintoma, das hipnotizações, por exemplo; o “imperturbável
primeiro plano” dos curiosos aproxima-se ainda um pouco mais; em
demasia; perigosamente, portanto.
Há um desafio ao excesso no consentimento: “Você quer olhar? Pois então,
veja isto!” Mesmo bela, a atriz é impossível de pacificar quando está muito
perto, perto demais. É que, se oferece algo como alimento para os olhos
(algo que o espectador fica muito tentado a chamar de “seu corpo todo”), ela
convida, não, ela obriga o olhar a se depositar por inteiro, num abandono tal
que, mesmo se acreditando apolíneo, não aguenta mais. O espetáculo passa
para uma “submissão” tal (“Você quer me devorar com os olhos? Pois vá em
frente, me coma, então, eu quero!”) que esta se transforma em subversão,
crueldade; uma espécie de matéria; não um substrato, mas um excesso de
matéria, como viu Antonin Artaud, mais uma vez: “Saber que uma paixão é
matéria, que está sujeita às flutuações plásticas da matéria, dá um domínio
sobre as paixões”, um domínio do qual o ator e a atriz são mestres, em
última instância, até o extremo.237 Um domínio não de príncipe, mas de
equilibrista na corda bamba. À distância fixada, colocada na corda por seu
fotógrafo, Augustine se exibia, se vangloriava a seu bel-prazer, demais,
portanto (para o gosto dele). Brincava de verdade, logo, verdadeiramente
demais. Nesse aspecto, não enganava ninguém. Apenas jogava, mas com
luxo e deboche, com a distância imposta; tentava assistir, também ela, à
eclosão do próprio pensamento; sua gesticulação exultava, cambaleava,
desabava - loucura! -, recaindo sobre o olhar espectador como uma obsessão.
Por que obsessão? Porque sua gesticulação não passava da ostentação de
uma falta. Da falta por excelência: a relação sexual, sempre tentada, sempre
contraditoriamente representada em mil e uma “atitudes passionais”, sempre
presentificada como pura inanidade, a vacuidade duvidosa e gritante de um
abraço no vazio.
Isso denomina a própria monstruosidade do ato entregue ao simulacro.
Representativo demais, díspar, exorbitante. Já comportando, como elemento
imediato, uma diferença da diferença.238 Isso significa que uma identificação
díspar faz o diabo no corpo, e de imediato; não hesita em precipitar a
ostentação na espécie de risco de morte que evoquei. Significa que a cena a
não fazer se agita, a um tempo furtiva e fulminante, como uma cena que
buscasse seu teatro fora da repetição. Triste, desesperada visibilidade
histérica, portanto.
A ostentação da falta, por fim, denomina a ação do mímico, uma alusão
sempre produzida (não reprodutora), violenta, em certo sentido, porém uma
alusão a nada, ao “nada” da “relação” tentada. A atriz faz a mímica e indica:
“Sou pura do que está acontecendo aqui”,239 um aqui que nomeia os
simulacros e “atitudes passionais” de gozos de que Augustine fazia oferenda,
graciosamente.
A temporalidade desse agir é suspensão, inanidade de um presente
central, indecidibilidade, “avançando aqui, rememorando ali, no futuro, no
passado, sob uma falsa aparência de presente”,240 sempre. Nesse sentido, a
pantomima histérica nada mais é que uma contraefetuação. Como esta: “A
dançarina não é uma mulher que dança, pelas razões justapostas de que não
é uma mulher, mas uma metáfora que resume um dos aspectos elementares
de nossa forma - gládio, taça, flor etc. -, e de que não dança, sugerindo com
uma escrita corporal, pelo prodígio de encurtamentos ou alongamentos, o
que demandaria parágrafos em prosa dialogada e descritiva para se
exprimir, na redação: um poema libertado de todo o aparato do escriba.”241
Um outro corpo, intimamente libertado de qualquer aparato do diretor
cênico. Um curso afetivo inteiramente rejeitado para o interior.242

A paciência extrema

Chamo de íntima essa libertação porque o diretor teatral, por sua vez, está
sempre ali, de frente, com suas mesmas e tirânicas exigências. Então a
contraefetuação da histérica se crispa, ainda mais impossível de pacificar na
medida em que ela vem induzir, de maneira mais ou menos oculta, porém
inelutável, uma relação de quase luta até a morte. É uma luta pela imagem a
ser feita “do” corpo histérico, essa ficção. Todos querem crer na existência
desse corpo: vontade compartilhada, conivência, consentimento recíproco.
Mas como compartilhar até o fim tal conteúdo de crença? Por isso, no fim,
uma luta: quase luta de morte.
Tudo que chamei de consentimento, vamos chamá-lo agora de paciência:
uma espécie de suspensão ante um desastre inelutável mediante o qual essa
luta aparece às claras. Tudo se fez para mascarar essa luta, porque ela trazia
um prejuízo extremo para todas as partes, rompia uma estrutura habitável.
Mas era inelutável e fez seu caminho lentamente, através de olhares,
encenações, consentimentos.
As histéricas foram obrigadas a ter paciência, já sob a forma de uma
espera pela representação para encontrarem alívio. Charcot, por exemplo,
adiou a faradização de certa mão paralisada “porque qualquer tentativa
desse gênero talvez levasse ao retorno da motilidade e à cura, e ele fazia
questão de que sua plateia fosse testemunha do que viesse a acontecer”;243
ou seja, ele curava em horários fixos do espetáculo, o que permitia que todos
se cumprimentassem pelo milagre e que a doente, uma vez eletrizada diante
de todos, “apertasse vigorosamente a mão dos ouvintes desejosos de
apreender a realidade dos fenômenos recém-produzidos diante de seus
olhos”.244
Paciência também na espera da sessão para reencenar o sintoma, para
voltar a padecer dele. Assim, Charcot produzia para seu público “dores por
imaginação”, ou seja, hipnoticamente sugeridas e que produziam, por sua
vez, gritos muito reais; ele tornava a provocar todas as dores, contraturas etc.
diante de seu público, muito embora esclarecesse: “Não convém deixar que
esses fenômenos durem; não se divirtam permitindo que persistam por dois
dias, ou sequer por um dia, porque não conseguirão mais fazê-los
desaparecer”;245 logo, prudência! Mas um desses “acidentes” ocorreu com
Augustine, um dia:

24 de nov. - Em sua aula, o sr. Charcot provocou uma


contratura artificial dos músculos da língua e da laringe
(hiperexcitabilidade muscular durante a somniação). Fez-se
cessar a contratura da língua, mas não se conseguiu destruir
a dos músculos da laringe, de sorte que a paciente está
afônica e se queixa de cãibras na altura do pescoço. De 25 a
30 de novembro, tentou-se, sucessivamente: (1°) a aplicação
de um ímã potente, que não surtiu outro efeito senão deixá-
la surda e contrair sua língua; (2°) aplicação de eletricidade;
(3°) hipnotismo; (4°) uso de éter. A afonia e a contratura
dos músculos da laringe persistem. O compressor ovariano
permaneceu aplicado durante trinta e seis horas, sem maior
sucesso. Um ataque provocado em nada modificou a
situação [...].246

E foi assim que a coerção teatral internalizou-se como coerção à repetição


do sintoma, numa espécie de dinâmica cruel do desequilíbrio automimético.
A paciência tornou-se um disfarce, adornando-se da própria dor e do
sintoma. E isso foi muito, muito longe. Crises histéricas gravíssimas foram
“encenadas” nas aulas clínicas por “várias dessas mulheres, excelentes
atrizes, com absoluta precisão”, para não dizer veracidade, mediante um
cachê, ou seja, alguns centavos discretamente entregues pelo interno do
serviço...247 E a paciência era demonstrada em todos os ritmos, em
assinaturas semanais ou noites de gala, como “o espetáculo do chamado
ataque demoníaco” que “a mais antiga de nossas histéricas, a jovem L.,”
apresentava uma vez por ano.248
Mas, ao se internalizar, o disfarce revelava-se como páthos, totalmente
interno no imitador, como uma angústia ligada ao contrato ou ao próprio
vedetismo.
Vejamos como a situação exemplar de uma paciente transformou- -se em
tormento, o simples tormento da situação teatral: “Uma simples emoção,
como o fato de entrar no anfiteatro das aulas da Salpêtrière, para ser ali
apresentada pelo senhor professor Charcot a seus ouvintes, bastou para
provocar um ataque.”249 Ou seja, o simples medo bastava para produzir todo
o papel exigido, o espetáculo da doença, a própria doença. Um momento
extremo, a meu ver, do consentimento transformado em paciência. Prodígio
extremo da transferência, prodígio e páthos da repetição, visto que “a própria
transferência não passa de um fragmento de repetição”.250 Em outras
palavras, manipulação extrema do tempo da histérica; fazer da repetição, do
martírio temporal, uma convocação espetacular controlável, sempre
plasticamente representada, sempre passível de ser fotografada.
A histérica, obrigada a existir apenas como atriz de seus sintomas,
tornava-se a um só tempo ideal e martírio, formulação de Baudelaire para a
arte do ator, para o próprio talento, no sentido em que “o ator talentoso é
capaz de encenar a comédia à beira do túmulo, com uma alegria que o
impede de ver o túmulo...”.251 Mas esse talento, na histérica, era tão
intrínseco quanto imposto.
Por isso é que o prodígio extremo da transferência constituía a própria
espinha dorsal da contraefetuação, isto é, da maior resistência, da luta, da
recusa, da contratransferência. “Geneviève” externava, urrava sua recusa,
enfim: “Não vou mais à Salpêtrière... Eles me puseram numa cela. Elas
puseram um esfregão sujo no meu rosto... Fiquei com o pescoço apertado...
Estou sufocando... Meu Deus! [...] Vou embora. Não quero ir ao anfiteatro
[...].” E disse Bourneville: “Suspendemos a compressão ovariana. No ato,
como que num gesto teatral, a fala se deteve; os traços do rosto se
imobilizaram; a doente pareceu sofrer um choque; o rosto virou para a
esquerda e os músculos entraram em espasmos; o corpo inteiro foi invadido
por uma rigidez extrema.”252
Todas as crises, convulsões, tetanias eram melhores que uma palavra de
recusa.

O teatro em chamas

E um dia, “Geneviève” chegou ao extremo da recusa. “Mortificada” por uma


“viva reprimenda” de Charcot, inteiramente “traumatizada”, ela deixou de ser
histérica! “Sob a influência dessa viva emoção, a raquialgia desapareceu por
completo e não mais foi possível provocar ataques.”253
Portanto, a histérica tinha dado em demasia. A sarabanda dos sintomas, o
“teatro do impossível”, a obscenidade, a sedução: demais, demais. A histérica
havia gesticulado em demasia a sua demanda, para nada. Oferecido em
demasia o que não tinha. Vezes sem conta, com demasiada frequência, tinha
sido dividida, oferecida como “mulher”, difamada em público.254 Prestara-se
em demasia às manipulações transferenciais. O amor de transferência,
escreveu Freud, muitas vezes criava uma espécie de círculo vicioso,255 e
amiúde o próprio círculo cessava de repente: virava desastre.
O desastre de um contrato revelou o contrato, sua natureza. Aqui, um
distanciamento a pretexto de ver tudo; o ódio pelo encontro, sob a máscara
do vínculo, do apelo à confiança. A histérica teria acreditado nessa farsa,
nessa promessa de encontro. Teria tentado o encontro e encontrado apenas a
ribalta do palco. Por isso não pudera senão precipitar o encontro. E o fizera
numa espécie de salto, de insurreição do corpo, numa revolta intempestiva,
uma passagem ao ato contratransferencial, um insulto ao contrato de
conveniência representativa. Insultat (de insultare): ela saltava,
desesperadamente. Maldoso, Charcot chamou isso de “clownismo”. Insultat,
ela se debatia com violência, insolência, desafiava o contrato e, em lugar das
clássicas “atitudes passionais”, apresentava “movimentos ilógicos” muito
pouco fotografados.
Com esse insulto, ela se reergueu e caiu, tudo ao mesmo tempo. Exultou e
se afligiu. Gesticulou um ódio ao teatro no próprio palco em que era
mantida como prima donna.
Augustine vivenciou essa aflição cênica no dia em que reconheceu, entre
os espectadores da aula clínica, presente para assistir à sua reprise e
pantomima de um estupro antigo, mas sempre presente, o estuprador em
pessoa, que havia comparecido para olhar o que talvez considerasse, por um
momento, “sua obra”. Pavor absoluto de Augustine, que teve 154 ataques
num único dia. Delírios: “Não quero sentir você perto de mim [...]. Por que
escondi meu rosto na aula?... Foi por sua causa”,256 e assim por diante.
Sua doença (sua lembrança) a atingiu como se fossem reflexos num
labirinto de espelhos. Era multilocal e foi até exacerbada no teatro clínico.
Como poderia ela fazer algo como curar-se? “Você falou que me curaria”,
disse, “você tinha dito que ia fazer outra coisa para mim. Você queria que eu
pecasse.”257 A quem se dirigia, assim colocada no cruzamento de dois
olhares, simétricos, a despeito deles, o do “sr. C.” e o de Charcot? O fato é
que sua resposta resumiu-se nisto: “Acho que você está tentando arrancar
isso de mim... Por mais que você diga sim, eu digo não.”258
Nó do drama, esse não. E foi menos um momento de auge da ficção em
andamento que um momento de ruptura da ficção, como a interrupção do
próprio espetáculo. Foi o auge da transferência, repito, no sentido em que
Freud o comparou a um teatro em chamas, no qual a paciente “renuncia a
seus sintomas ou os negligencia, e até se declara curada. A cena muda
inteiramente e é como se uma peça fosse subitamente interrompida por um
evento da realidade, como quando um incêndio é deflagrado durante uma
representação teatral. O médico que assiste a esse fenômeno pela primeira
vez tem muita dificuldade para sustentar a situação”.259 Mas por que tanta
dificuldade?

Notas

1
Cf. M. Foucault, Naissance de la clinique. Une archéologie du regard médical, Paris, PUF, 1972, p. 121-
123 [O nascimento da clínica, ver Bibliografia].
2
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., p. 693-696.
3
Ibid., p. 694.
4
IPS, I, p. 118-121, 153.
5
Cf. G. Gilles de la Tourette, Leçons de clinique thérapeutique sur les maladies du système nerveux,
Paris, Plon-Nourrit, 1898, p. 181; H. Cesbron, Histoire critique de Vhystérie, Paris, Asselin & Houzeau,
1909, p. 171-173; J. Carroy-Thirard, “Figures de femmes hystériques dans la psychiatrie française du
XIXe siècle”, in Psychanalyse à Vuniversité, Paris, PUF, IV, n.° 14, 1979, p. 315.
6
Cf. J. Clavreul, LOrdre médical, Paris, Seuil, 1978, p. 102 [A ordem médica: poder e impotência do
discurso médico, ver Bibliografia].
7
Cf. IPS, I, lâmina XXXIX.
8
Cf. P. Regnard, Les Maladies épidémiques de lesprit - Sorcellerie, magnétisme, morphinisme, délire des
grandeurs, Paris, Plon-Nourrit, 1887, passim.
9
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., p. 307.
10
Ibid., p. 267-306; cf. P. Janet, L’Automatisme psychologique. Essai de psychologie expérimentale sur les
formes inférieures de lactivité humaine, Paris, Alcan, 1889, p. 280288; A. Pitres, Leçons cliniques sur
Vhystérie et lhypnotisme, Paris, Doin, 1891, v. I, p. 55-180.
11
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p. 204-266; A. Pitres, Leçons
cliniques sur Vhystérie et l’hypnotisme, op. cit., v. I, p. 181-206.
12
C. Féré, La Pathologie des émotions. Études physiologiques et cliniques, Paris, Alcan, 1892, p. 499
(segundo Rosenthal).
13
IPS, III, p. 26.
14
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. I, p.
315.
15
Ibid., p. 300-319; cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris,
Progrès Médical & Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888, p. 138 etc.
16
Cf. IPS, II, p. 123-124 etc.
17
Cf. A. Souques, “Contribution à l’étude des syndromes hystériques ‘simulateurs’ des rnaladies
organiques de la moelle épinière”, in NIS, 1891, p. 427-429, e lâmina XLIII.
18
Cf. A. Binet e C. Féré, Recherches expérimentales sur la physiologie des mouvements chez les
hystériques, Paris, Masson, 1887, passim.
19
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie, op. cit., p. 63 etc.
20
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, Paris, Progrès Médical
& Lecrosnier & Babé, 1888-1889, p. 507; D.-M. Bourneville, Études cliniques et thermométriques sur les
maladies du système nerveux, Paris, Delahaye, 1872-1873, p. 241-328.
21
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 96-97, 139.
22
J.-M. Charcot, De l’expectation en médecine, tese de concurso para o magistério superior, Paris,
Baillière, 1857, p. 5.
23
Ibid., p. 4, 5.
24
Ibid., p. 11.
25
Cf. J. Derrida, LArchéologie du frivole, Paris, Galilée, 1973, p. 11, 18, 84 [A arqueologia do frívolo,
ver Bibliografia].
26
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 174.
27
Ibid., p. 179.
28
Cf. J. Delboeuf, “De l’influence de limitation et de l’éducation dans le somnambulisme provoqué”, in
Revue philosophique, XXII, 1886, passim; H. F. Ellenberger, A la découverte de l’inconscient,
Villeurbanne, SIMEP, 1974, p. 83-85, 617-633.
29
G. Gilles de la Tourette, “Jean-Martin Charcot”, in NIS, 1893, p. 246.
30
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 256.
31
Cf. A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. I*, p. 85.
32
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 65.
33
Ibid., p. 67.
34
Ibid., p. 64.
35
Cf. IPS, III, p. 118-139.
36
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 63-64.
37
Ibid., p. 271-277; cf. G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, d’après
l’enseignement de la Salpêtrière, Paris, Plon-Nourrit, 1891-1895, v. II, p. 202-263; O. Conta,
Contributions à l’étude du sommeil hystérique, Paris, Ollier- -Henry, 1897, passim.
38
Cf. IPS, III, p. 88-100; P. Regnard, Les Maladies épidémiques de l’esprit, op. cit., p. 203; J.-M. Charcot,
Clinique des maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, 1892-1893, v. II, p. 56-69,
168-176; G. Guinon, “Documents pour servir à l’histoire des somnambulismes”, in Clinique des
maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, v. 2, 1892-1893, p. 70-167, 177-265.
39
P. Regnard, Les Maladies épidémiques de l’esprit..., op. cit., p. 203.
40
Cf. L. Chertok e R. de Saussure, Naissance du psychanalyste. De Mesmer à Freud, Paris: Payot, 1973,
p. 71; I. Veith, Histoire de l’hystérie, Paris, Seghers, 1973, p. 235.
41
J.-M. Charcot, “Préface”, in E. Azam, Hypnotisme et double conscience, Paris, Alcan, 1893, p. 10.
42
S. Freud, “Bericht über meine mit Universitàts-Jubilàums Reisestipendium unternommene
Studienreise nach Paris und Berlin”, in SE, I, p. 13 [“Relatório sobre meus estudos...”, op. cit., ver
Bibliografia].
43
Cf. E. Azam, Hypnotisme, double conscience et altérations de la personnalité, Paris, Baillière, 1887, p.
9-60; E. Azam, Hypnotisme et double conscience, op. cit., passim.
44
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 505-798.
45
Cf. G. Gilles de La Tourette, LHypnotisme et les états analogues au point de vue médico-légal, Paris,
Plon-Nourrit, 1887, p. 215-244.
46
Cf. P. Regnard, Les Maladies épidémiques de Vesprit..., op. cit., p. 205; P. Richer, Études cliniques sur
la grande hystérie..., op. cit., p. 505.
47
Cf. A. Pitres, Leçons cliniques sur l’hystérie et l’hypnotisme, op. cit., v. II, p. 68-533 etc.
48
Cf. IPS, III, p. 147-228, lâminas XIII-XL.
49
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 310.
50
J.-M. Charcot, La Médecine empirique et la médecine scientifique, Paris, Delahaye, 1867, p. 20.
51
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 337.
52
J. O. de La Mettrie, citado em D. Leduc-Fayette, “La Mettrie et ‘le labyrinthe de l’homme’”, in Revue
Philosophique de la France et de létranger, Paris, PUF, 3, 1980, p. 349.
53
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 468-469, cf. também p. 297-308, passim.
54
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 340; cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la
Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 376-377.
55
Cf. S. Freud, “De la psychothérapie”, in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1977, p. 13
[“Sobre a psicoterapia”, ver Bibliografia].
56
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 373.
57
Ibid., p. 136.
58
P. Regnard, Les Maladies épidémiques de l’esprit..., op. cit., p. 243; cf. IPS, III, p. 463.
59
Cf. IPS, III, p. 458-462.
60
Ibid., p. 469.
61
J. Breuer e S. Freud, Études sur l’hystérie (1893-1895), Paris, PUF, 1973, p. 218 [Estudos sobre a
histeria, ver Bibliografia].
62
IPS, III, p. 192; cf. p. 19-20 etc.
63
Idem, p. 191; cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 314-335, 463.
64
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 278-288; C. Laufenauer, “Des contractures
spontanées et provoquées de la langue chez les hystéro-épileptiques” [Contraturas espontâneas e
provocadas da língua em histeroepilépticas], in NIS, 1889, passim; G. Guinon e S. Woltke, “De
l’influence des excitations sensitives et sensorielles dans les phases cataleptique et somnambulique du
grand hypnotisme” [Da influência das excitações sensitivas e sensoriais nas fases cataléptica e
sonambúlica do grande hipnotismo], in NIS, 1891, e G. Guinon e S. Woltke, “De l’influence des
excitations des organes des sens sur les hallucinations de la phase passionnelle de l’attaque hystérique”
[Sobre a influência das excitações dos órgãos sensoriais nas alucinações da fase passional do ataque
histérico], in Clinique des maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, v. 2, 1892-
1893, passim.
65
Cf. C. Schaffer, “De la morphologie des contractures réflexes intrahypnotiques et de l’action de la
suggestion sur ces contractures” [Sobre a morfologia das contraturas reflexas intra-hipnóticas e da
ação da sugestão nessas contraturas], in NIS, 1893, p. 305.
66
IPS, III, p. 192.
67
Ibid., p. 193.
68
J.-M. Charcot, Oeuvres completes, op. cit., v. IX, p. 257; cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande
hystérie..., op. cit., p. 253-323.
69
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 309-421.
70
Cf. C. Bernard, Leçons sur la physiologie et la pathologie du système nerveux, Paris, Baillière, 1858, v.
II, p. 32-35, 40-41.
71
Ibid., v. I, p. 144, figuras 14-16.
72
G.-B. Duchenne de Boulogne, Mécanisme de la physionomie humaine ou analyse électro-
physiologique de l’expression des passions, Paris, Renouard, 1862, p. 15.
73
Ibid., p. 38, 15.
74
Cf. G.-B. Duchenne de Boulogne, De lélectrisation localisée et de son application à la pathologie et à
la thérapeutique, Paris, Baillière, 1872, p. 316, 574, 711-728 etc.
75
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 483-501.
76
A. de Montméja, “Machine d’induction” [Máquina de indução], in Revue Médico- -photographique
des Hôpitaux de Paris, 1874, p. 250, lâmina XXXVI; cf. C. Legros e E. Onimus, Traité d’électricité
médicale. Recherches physiologiques et cliniques [Tratado de eletricidade médica. Pesquisas fisiológicas
e clínicas], Paris, Alcan, 1888, passim; E. Onimus, “De l’action thérapeutique des courants continus”
[Sobre a ação terapêutica das correntes contínuas], in Revue photographique des Hôpitaux de Paris,
1872, passim; A. Arthuis, Traitement des maladies nerveuses, affections rhumatismales, maladies
chroniques, par Pélectricité statique [Tratamento das doenças nervosas, afecções reumáticas e doenças
crônicas por eletricidade estática], Paris, Delahaye, 1880, passim; A. Arthuis, Électricité statique.
Manuel pratique de ses applications médicales [Eletricidade estática. Manual prático de suas aplicações
médicas], Paris, Doin, 1887, passim.
77
Cf. G.-B. Duchenne de Boulogne, Mécanisme de la physionomie humaine..., op. cit., p. 15 etc.; J.-M.
Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 410 etc.
78
G.-B. Duchenne de Boulogne, Mécanisme de la physionomie humaine..., op. cit., p. v-vi.
79
Ibid., p. 45-47.
80
Ibid., p. 133.
81
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 362.
82
A. Artaud, Oeuvres complètes, v. XVI**, p. 62.
83
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 671.
84
Ibid. Grifo meu.
85
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 355-377, lâminas V-IX; IPS, III, lâminas XIII-
XL.
86
Cf. A. Binet e C. Féré, Recherches expérimentales..., op. cit., p. 323-332.
87
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 434-447.
88
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 443.
89
Ibid.
90
A. Londe, La photographie médicale; application aux sciences médicales et physiologiques, Paris,
Gauthier-Villars, 1893, p. 91. Grifo meu.
91
Ibid.
92
Ibid.
93
Cf. C. Schaffer, “De la morphologie des contractures réflexes intrahypnotiques et de l’action de la
suggestion sur ces contractures”, op. cit., passim.
94
IPS, III, p. 194.
95
J. B. Luys, Leçons cliniques sur les principaux phénomènes de l’hypnotisme dans leurs rapports avec la
pathologie mentale, Paris, Carré, 1890, p. 285, lâmina III.
96
Cf. IPS, III, p. 178, figura 11, 194.
97
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 304-305.
98
P. Regnard, Les Maladies épidémiques de l’esprit..., op. cit., p. 262.
99
Cf. A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p. 90-91; P. Richer, Études cliniques sur la grande
hystérie..., op. cit., p. 525-529.
100
A. Londe, La Photographie médicale..., op. cit., p. 90.
101
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 294.
102
C. Laufenauer, “Des contractures spontanées et provoquées de la langue chez les hystéro-
épileptiques”, op. cit., p. 205, lâminas XXXIII-XXXIV.
103
Cf. J-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 213-252, 265-271.
104
Cf. IPS, III, p. 132-133, 137, 141, 143; J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 234, 396
etc.
105
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 220-221.
106
Cf. D.-M. Bourneville, Recherches cliniques et thérapeutiques sur l’épilepsie, l’hystérie et l’idiotie,
comptes-rendus du service des épileptiques et des enfants arriérés de Bicêtre, 27 v., 1880-1906, v. III, p.
89-91 e figuras 1-13.
107
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 245.
108
Idem, p. 230-231. Grifo meu.
109
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 117.
110
Cf. J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 228-229 etc.
111
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 328-329.
112
Cf. C. Bernard, Leçons sur la physiologie..., op. cit., v. I, p. 75-97.
113
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 402; cf. IPS, II, p. 130.
114
IPS, II, p. 158.
115
Ibid., p. 161.
116
IPS, III, p. 188.
117
Ibid., p. 189.
118
Ibid.
119
IPS, II, p. 160.
120
Ibid.
121
Cf. IPS, 1, p. 10 ; IPS, II, p. 46, 55, 78, 81; IPS, III, p. 35, 67, 83.
122
Cf. M. Éloire, “Vomissements chez une hystérique. Traitement par la fumée de tabac” [Vômitos
numa histérica. Tratamento com fumaça de tabaco], in Revue médico-photographique des Hôpitaux de
Paris, 1874, p. 102-105.
123
Cf. S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1979, p. 68-69,
82-91 [Fragmento da análise de um caso de histeria, ver Bibliografia].
124
Cf. J. B. Luys, Les Émotions chez les sujets en état d’hypnotisme. Études de psychologie expérimentale
faites à l’aide de substances médicamenteuses ou toxiques impressionnant à distance les réseaux nerveux
périphériques, Paris, Baillière, 1887, passim.
125
Cf. G. Guinon e S. Woltke, “De l’influence des excitations des organes des sens sur les
hallucinations de la phase passionnelle de l’attaque hystérique”, op. cit., p. 46-51.
126
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 374.
127
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 475.
128
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 173; cf. J.
Carroy-Thirard, “Hypnose et expérimentation”, in Bulletin de psychologie, XXXIV, n. 348, 1981, p. 41.
129
G. Guinon e S. Woltke, “De l’influence des excitations des organes des sens sur les hallucinations
de la phase passionnelle de l’attaque hystérique”, op. cit.; cf. G. Gilles de la Tourette, Traité clinique et
thérapeutique de Phystérie, op. cit., v. II, p. 264-376.
130
IPS, III, p. 162-163.
131
Ibid., p. 180.
132
Ibid., p. 194.
133
Ibid., p. 192.
134
P. Regnard, Les Maladies épidémiques de l’esprit..., op. cit., p. 247.
135
S. Kierkegaard, Le Journal du séducteur, in Oeuvres complètes, v. III, Paris, L’Orante, 1970, p. 362
[Diário de um sedutor, ver Bibliografia].
136
J. B. Luys, Leçons cliniques sur les principaux phénomènes de lhypnotisme dans leurs rapports avec la
pathologie, op. cit., p. 287, lâmina XI.
137
IPS, III, p. 194.
138
Ibid., p. 195.
139
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 293.
140
G.-B. Duchenne de Boulogne, Mécanisme de la physionomie humaine..., op. cit., p. 194; cf. p. 169-
183, figuras 81-83.
141
W. Shakespeare, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1959, v. II, p. 965 [tradução de Carlos
Alberto Nunes, Macbeth, em Shakespeare - Teatro completo. Tragédias, São Paulo, Edições
Melhoramentos, 1956].
142
G.-B. Duchenne de Boulogne, Mécanisme de la physionomie humaine..., op. cit., p. 174.
143
Cf. A. Pitres, Leçons cliniques sur Vhystérie et l’hypnotisme, op. cit., v. II, p. 144-194, lâminas II-
VIII.
144
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 728.
145
Ibid.
146
Ibid., p. 729-730.
147
A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. IV, p. 125.
148
Cf. D. Diderot, “Paradoxe sur le comédien”, in Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1951, p. 1.022.
149
Idem, p. 1.008-1.009.
150
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 137, 375.
151
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 663.
152
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 136.
153
Ibid., p. 113, 114.
154
W. Shakespeare, Oeuvres complètes, op. cit., v. II, p. 1.000. Grifo meu [tradução de Carlos Alberto
Nunes, Macbeth, op. cit.].
155
Ibid.
156
Cf. J.-M. Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, Paris, Progrès Médical & Babé, 1892-
1893, v. II, p. 126-129.
157
S. Freud, “Remémoration, répétition et perlaboration”, in La Technique psychanalytique, Paris, PUF,
1977, p. 109 [“Recordar, repetir e elaborar”, ver Bibliografia].
158
Cf. J. Breuer e S. Freud, Études sur Vhystérie (1893-1895), op. cit., p. 8-12, 201 etc. [Estudos..., op.
cit., ver Bibliografia].
159
S. Freud, “Psychologie collective et analyse du Moi”, in Essais de psychanalyse, op. cit., p. 138-139
[“Psicologia de grupo e análise do ego”, ver Bibliografia].
160
Ibid., cf. p. 140-141; S. Freud, Ma Vie et la psychanalyse, Paris, Gallimard, 1968, p. 35-36 [Um
estudo autobiográfico, ver Bibliografia].
161
Cf. S. Freud, “Psychologie collective et analyse du Moi”, op. cit., p. 174-175 [“Psicologia de grupo...”
op. cit., ver Bibliografia].
162
Ibid., p. 108; cf. S. Freud, Ma Vie et la psychanalyse, op. cit., p. 23-24 [Um estudo..., op. cit., ver
Bibliografia].
163
Cf. I. Veith, Histoire de lhystérie, op. cit., p. 236-237; H. F. Ellenberger, À la découverte de
l’inconscient, op. cit., p. 617-634; L. Chertok e R. de Saussure, Naissance du psychanalyste. De Mesmer à
Freud, op. cit., p. 61-84; G. Miller, “Crime et suggestion”, seguido por “Note sur Freud et l’hypnose”, in
Ornicar? 4, 1975, passim.
164
Cf. E. Azam, Hypnotisme, double conscience et altérations de la personnalité, op. cit., p. 231-280.
165
Cf. G. Gilles de La Tourette, L’hypnotisme et les états analogues au point de vue médico-légal, op.
cit., p. 279-528.
166
Cf. J. Carroy-Thirard, “Hypnose et expérimentation”, op. cit., p. 45, 49.
167
J. Babinski, Oeuvre scientifique, Paris, Masson, 1934, p. 513; cf. G. Ballet, “La suggestion
hypnotique au point de vue médico-légal”, in Gazette hebdomadaire de Médecine et de Chirurgie,
outubro de 1891, p. 6-13 etc.
168
H. Bergson, “Simulation inconsciente dans l’état d’hypnotisme”, in Revue philosophique, XXII,
1886, p. 531.
169
Cf. F. V. Foveau de Cormelles, LHypnotisme, Paris, Hachette, 1890, p. 33 etc.; G. Hahn, “Charcot et
son influence sur l’opinion publique”, in Revue des questions scientifiques, 2a série, VI, 1894, passim.
170
Cf. J. Delboeuf, “De l’influence de Limitation et de l’éducation dans le somnambulisme provoqué”,
op. cit., p. 147.
171
Cf. G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, Paris, Masson, 1955, p. 62.
172
Cf. H. Bergson, “Simulation inconsciente dans l’état d’hypnotisme”, in Revue philosophique, XXII,
1886, passim; J. Delboeuf, “De l’infiuence de Limitation et de l’éducation dans le somnambulisme
provoqué”, op. cit., passim; S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, in Cinq psychanalyses, Paris,
PUF, 1979, p. 141 [Fragmento da análise..., op. cit., ver Bibliografia] etc.
173
Cf. J.-M. Charcot, “Préface”, in E. Azam, Hypnotisme et double conscience, Paris, Alcan, 1893, p. 10.
174
G. Gilles de La Tourette, “Jean-Martin Charcot”, op. cit., p. 246; G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-
1893). Sa vie. Son oeuvre, op. cit., p. 165-176; H. F. Ellenberger, À la découverte de Vinconscient, op.
cit., p. 85.
175
G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, op. cit., p. 165.
176
Ibid., p. 175.
177
Ibid., p. 174; cf. H. F. Ellenberger, A la découverte de Vinconscient, op. cit., p. 86.
178
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, op. cit., p. 247-256.
179
Cf. G. Gilles de La Tourette, LHypnotisme et les états analogues au point de vue médico-légal, op.
cit., p. 298-320.
180
Cf. H. F. Ellenberger, A la découverte de Vinconscient, op. cit., p. 621 etc.
181
IPS, III, p. 150.
182
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 479-480.
183
A. Binet e C. Féré, Le Magnétisme animal, Paris, Alcan, 1887, p. 283.
184
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 113.
185
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1945, p. 269, “Le phénomène futur”.
186
Cf. F. V. Foveau de Cormelles, LHypnotisme, op. cit., p. 33 etc.
187
Cf. H. F. Ellenberger, A la découverte de Vinconscient, op. cit., p. 84.
188
J. Babinski, prefácio a J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op.
cit., p. II.
189
Ibid., p. III.
190
L. Daudet, Les Oeuvres dans les hommes, Paris, Nouvelle Librairie Nationale, 1922, p. 201.
191
G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, op. cit., p. 54 (cf. Apêndice 2); G. M.
Debove, “Éloge de J.-M. Charcot”, in Bulletin Médical, 103, 1900, p. 1391.
192
Cf. L. Daudet, Les Oeuvres dans les hommes, op. cit., p. 226.
193
Cf. J. Carroy-Thirard, “Possession, extase, hystérie au XIXe siècle”, in Psychanalyse à Vuniversité,
Paris, PUF, V, n. 19, 1980, p. 507.
194
Cf. Lyubimov, citado em H. F. Ellenberger, A la découverte de I’inconscient, op. cit., p. 83.
195
J.-M. Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, op. cit., v. II, p. 280.
196
S. Kierkegaard, Le Journal du séducteur, op. cit., p. 341-342 [Diário de um sedutor, ver Bibliografia].
197
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 245-246.
198
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 385.
199
Freud, citado em E. Jones, La vie et l’oeuvre de Sigmund Freud, Paris, PUF, 3 v., 1970, v. I, p. 230 [A
vida e a obra de Sigmund Freud, ver Bibliografia].
200
Ibid., p. 204.
201
Ibid., p. 231-232.
202
P. Brouardel, M. Leygues e F. Raymond, “Inauguration du monument élevé à la mémoire du
Professeur Charcot”, in La Médecine moderne, IX, n. 86, 1898, p. 683.
203
J. Claretie, “Charcot, le consolateur”, in Les Annales politiques et littéraires, Paris, Brisson, XXI, n.
1.056, 1903, p. 179.
204
Ibid., p. 180.
205
A. Rimbaud, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1972, p. 101-102, “Une saison en enfer” [Uma
temporada no inferno].
206
J. Lacan, Télévision, Paris, Seuil, 1973, p. 17 [Televisão, ver Bibliografia]. Grifo meu.
207
Cf. J.-M. Charcot, La Foi qui guérit, Paris, Progrès Médical & Alcan, 1897, p. 3.
208
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 139.
209
J.-M. Charcot, La Foi qui guérit, op. cit., p. 4-5, 16.
210
G. Gilles de la Tourette, Leçons de clinique thérapeutique sur les maladies du système nerveux, op.
cit., p. 181.
211
J.-M. Charcot, La Foi qui guérit, op. cit., p. 10.
212
Citado em E. Jones, La Vie et l’oeuvre de Sigmund Freud, op. cit., v. I, p. 204-205 [A vida e a obra de
Sigmund Freud, op. cit., ver Bibliografia].
213
Cf. J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris, Progrès
Médical & Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888; idem, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique
1888-1889, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 1888-1889, passim.
214
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 433.
215
D. Sibony, Le Groupe inconscient - Le lien et la peur, Paris, Bourgois, 1980, p. 167; cf. P. Legendre,
La Passion d’être un autre. Étude pour la danse, Paris, Seuil, 1978, p. 24 etc.
216
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, op. cit., p. 316, “Crayonné au théâtre” [Rabiscado no teatro, trad. e
notas de Tomaz Tadeu, Belo Horizonte, Autêntica, 2010]; J. Lacan, “La méprise du sujet supposé
savoir”, in Scilicet, 1, 1968, passim [“O engano do sujeito suposto saber”, ver Bibliografia].
217
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, op. cit., p. 314, “Crayonné au théâtre” [Rabiscado no teatro, op.
cit.].
218
C. Baudelaire, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1975-1976, v. I, p. 682, “Mon coeur mis à nu”.
219
Cf. M. Heidegger, UÊtre et le Temps, Paris, Gallimard, 1964, p. 206-215 (tagarelice, curiosidade,
dubiedade) [Ser e tempo, ver Bibliografia].
220
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, op. cit., p. 384.
221
Cf. J. Lacan, Le Séminaire. 1. Les écrits techniques de Freud, Paris, Seuil, 1975 (seminário de 1953-
1954), p. 152 [O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud, ver Bibliografia].
222
E. Kant, Critique de la faculté de juger, Paris, Vrin, 1979, p. 65, § 12 [Crítica da faculdade de julgar,
ver Bibliografia].
223
IPS, II, p. 138, 146.
224
Ibid., p. 123.
225
Cf. S. Freud, Trois essais sur la théorie de la sexualité, Paris, Gallimard, 1962, p. 42 (curiosidade,
velamento, beleza) [Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, ver Bibliografia].
226
Cf. P. Fédida, Le Concept et la violence, Paris, UGE, 1977, p. 39 [O conceito e a violência, ver
Bibliografia].
227
S. Freud, Trois essais sur la théorie de la sexualité, op. cit., p. 54 [Três ensaios..., op. cit., ver
Bibliografia].
228
S. Freud, “Les fantasmes hystériques et leur relation à la bisexualité”, in Névrose, psychose et
perversion, Paris, PUF, 1978, p. 152 [“Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade”, ver
Bibliografia].
229
Cf. P. Fédida, Le Concept et la violence, op. cit., p. 41-42 (o contrato perverso) [O conceito e..., op.
cit., ver Bibliografia].
230
IPS, II, p. 148.
231
Cf. J. Clavreul, “Le couple pervers”, in Le Désir et la perversion, Paris, Seuil, 1967, p. 117 [“O casal
perverso”, ver Bibliografia]; J. Lacan, Télévision, op. cit., p. 60-61 [Televisão, op. cit., ver Bibliografia].
232
Cf. J. Lacan, Le Séminaire. I. Les écrits techniques de Freud (seminário de 1953-1954), op. cit., p. 246
[O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos..., op. cit., ver Bibliografia].
233
S. Freud, Trois essais sur la théorie de la sexualité, op. cit., p. 39 [Três ensaios..., op. cit., ver
Bibliografia]; cf. J. Lacan, Séminaire sur “la relation d’objet” (19 de dezembro de 1956), Paris, Seuil,
1994 [O Seminário, livro 4, A relação de objeto, ver Bibliografia].
234
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, op. cit., p. 311, “Crayonné au théâtre” [Rabiscado no teatro, op.
cit.].
235
Ibid., p. 319 (Mallarmé efetivamente escreveu “o ator”) [Rabiscado..., op. cit.].
236
A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. XIII, p. 118, “Le théâtre de la cruauté”.
237
Ibid., v. IV, p. 127, “Le théâtre et sou double” [O teatro e seu duplo, trad. Teixeira Coelho, São
Paulo, Martins Fontes, 1993].
238
Cf. G. Deleuze, Difference et repetition, Paris, PUF, 1968, p. 93-95 (mas o “díspar” ainda é mais
chamado ali de “sub-representativo”) [Diferença e repetição, ver Bibliografia].
239
S. Mallarmé, Oeuvres complètes, op. cit., p. 315, “Crayonné au théâtre” [Rabiscado..., op. cit.].
240
Ibid., p. 310, “Mimique”.
241
Ibid., p. 304, “Ballets”.
242
Cf. A. Artaud, Oeuvres complètes, v. IV, p. 125, “Un athlétisme affectif ”.
243
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 476.
244
Ibid., p. 476-477.
245
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, op. cit., p. 140.
246
IPS, II, p. 165-166.
247
Cf. G. Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa vie. Son oeuvre, op. cit., p. 174.
248
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. IX, p. 281; cf. IPS, I, p. 14-28.
249
G. Gilles de la Tourette, G. Guinon e E. Huet, “Contribution à l’étude des bâillements hystériques”,
in NIS, 1890, p. 111.
250
S. Freud, “Remémoration, répétition et perlaboration”, op. cit., p. 109 [“Recordar...”, op. cit., ver
Bibliografia].
251
C. Baudelaire, Oeuvres complètes, op. cit., v. 1, p. 321, ”Une mort héroique”.
252
IPS, I, p. 79.
253
IPS, II, p. 205.
254
Cf. J. Lacan, Le Séminaire. XX. Encore, Paris, Seuil, 1975 (seminário de 1972-1973), p. 79 [O
Seminário, livro 20, Mais, ainda, ver Bibliografia]; J. Lacan, Séminaire sur “la relation d’objet”, op. cit.
(Seminário de 23 de janeiro de 1957: O dom de amor: para nada) [O Seminário, livro 4, A relação de
objeto, op. cit., ver Bibliografia].
255
S. Freud, “Observations sur l’amour de transfert”, in La Technique psychanalytique, op. cit., p. 125
[“Observações sobre o amor transferencial”, ver Bibliografia].
256
IPS, II, p. 160.
257
Ibid., p. 148, 150.
258
Ibid., p. 150.
259
S. Freud, “Observations sur l’amour de transfert”, in La Technique psychanalytique, op. cit., p. 119
[“Observações sobre o amor...”, op. cit., ver Bibliografia].

* É interessante notar que o termo planche, usado nesse trecho pelo autor, não apenas significa
lâmina, estampa, figura impressa, gravura etc., mas também, sobretudo no plural, o palco, o
tablado, a cena do teatro. [N.T.]
** As abreviaturas significam “toucher rectal” [toque retal] e “toucher vaginal” [toque vaginal]. [N.T.]
*** Etimologia que aponta para “de boa reputação”. [N.T.]
**** Personagem hipócrita da comédia Tartufo, de Molière, e exemplo de nome próprio (de mestre de
cerimônias ou diretor de circo) que se tornou comum como designação geral de toda sorte de
“mestres”. [N.T.]
***** O francês salpêtrière traduz-se por salitreira, ou fábrica/depósito de pólvora. [N.T.]
****** Vale lembrar que filosofia, pensamento (pensée) e culpa são femininos em francês. [N.T.]
Os ganchos* do espetáculo

Gritos

Eis o insulto e a ruptura da ficção, o nó: um grito. Imagens raras. Porém


crispação do imaginário. Augustine inteiramente desfigurada. Ou horrenda
(figura 109). Imagens raras? Um pesadelo. Um sonho aos nossos olhos, hoje,
porém “um sonho que come o sonho”.1
Tentativa de descrição: Ela “solta uma grito sufocado, a boca se escancara;
ora a língua conserva a posição natural [figura 45], ora, ao contrário,
espicha-se e fica meio pendurada [figura 109]. Antes do grito, às vezes se
observam tremores, soluços e sufocamento”.2

Tentar:

Um grito de caráter muito especial. É penetrante, parecido


com um apito de locomotiva, prolongado e, vez por outra,
modulado. Repete-se várias vezes seguidas, quase sempre
três vezes. A doente afunda-se na cama ou se encolhe toda,
encurvando o corpo, para soltar esse grito. Ele se produz
antes dos grandes movimentos regulares, entre dois grandes
movimentos, ou depois.3

Richer tentou até servir-se de rodeios, tentou dizer que Augustine


“solta[va] uns ‘ai, ai’ guturais”, sem que nenhum desses “ruídos” pudesse ser
estritamente qualificado de “grito”. Por outro lado, falou de um “ruído
laríngeo que imita o canto do galo”.4
Por quê? Por que tentar, por que obstinar-se em relegar um grito à
dialética de uma imitação? Briquet também não se contentou com essa
palavrinha acre e simples, grito; buscou uma simulação e afirmou, com
Willis, que as histéricas “sabem simular os latidos e ganidos dos cães, o miar
dos gatos, os rugidos, os regougos, o cacarejo das galinhas, o grunhido dos
porcos e o coaxar dos sapos”.5
Figura 109. Paul Regnard, “Início de um ataque, grito”, fotografia de Augustine, reproduzida em
fototipia, lâmina XXVIII, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière,
Paris, Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Creio que Augustine não imitava nenhum bicho em particular. Urrava,
cruzava absurdamente as pernas nesse momento e rasgava a camisola,6
simplesmente como um animal, como talvez você ou eu, reagiria ao golpe
invisível que o atingiu. E nisso, de certa maneira, ela se enroscava, diminuía
seus contornos. Gritando, único artifício [tour] possível.

Sobressaltos

Os gritos das histéricas parecem nunca ter deixado de ser suspeitos.


Suspeitos de serem apenas volteios [tours], justamente, porém no sentido
dos tropos (uma retórica, portanto), no sentido das piruetas (uma farsa
[clownerie]), e, por fim, no sentido dos simulacros (uma mentira).
Augustine, entregue aos espasmos e tremores da crise, Augustine ria!
“Protração da língua”.7 Gritava. Mostrava a língua (figura 109). Caçoada do
fotógrafo? Ou seria dor? As duas coisas, talvez. Augustine vociferava, ria,
vomitava. Ao mesmo tempo. Delirava. Amor, ameaça, atentado, tudo ao
mesmo tempo. Tudo e mais alguma coisa. Em qual “parte” acreditar, vinha a
pergunta, em qual detalhe da atitude? O observador olhava, tomava notas,
procurava o gesto pertinente, e ela, ali defronte, entregue aos tremores,
mártir também da suspeita, até tentava dar uma resposta à desconfiança,
tentava uma explicação impossível para seu sobressalto: “Ela sente uma coisa
que puxa os dedos, a língua etc. A fala se atrapalha, as palavras ficam
entrecortadas: ‘Eu sinto uma... es... pécie... de sobressalto... quando isso me
pega.’ A cabeça é bruscamente jogada para trás, a boca se escancara e, às
vezes, a ponta da língua se levanta.”8 Língua levantada, estalando: zombaria?
Em que acreditar? Richer também tomava notas, e o que nos relatou, na
verdade, não passa de um movimento insensato, de incríveis idas e vindas,
de um fluxo e refluxo imediatos da dor e do prazer.9 E é justamente isso o
indecifrável.
Um atletismo aberrante e inútil do coração, das paixões. Augustine, além
disso, ficava como que indiferente, inteiramente fleumática, no bojo dos
mais graves sintomas, e depois, ao contrário, apavorava- -se, fazia “um
dramalhão”, como se costuma dizer, com um detalhe, uma cor, por exemplo.
Um mesmo recanto do seu corpo desempenhava, como disse Freud, um
papel duplo, uma intolerável intermitência de prazer e desprazer, sem que
jamais se ficasse em condição de elucidar essa intermitência. Freud dizia
conversão (esclarecendo que isto não esclarecia nada, pois essa própria
obscuridade incitava quase a uma fuga, já que, em suas palavras, “fornece
um motivo para nos apressarmos a sair desse campo estéril).”10 Quanto a
Charcot, ele dizia sugestionabilidade, imitação.
Daí o teatro histérico contra o teatro psiquiátrico. Tensão e, em pouco
tempo, ojeriza. Vejamos o excerto de uma sessão em que a doente, devendo
fazer uma demonstração (desencadeada por compressão ovariana) do
desenrolar “clássico” do ataque, insultou o comentário didático de Charcot,
interrompendo a transmissão do saber. O insulto, anotado entre parênteses,
foi um simples grito, simplesmente o pavor:

Acabamos de pressionar de novo um ponto histerogênico, e


eis que o ataque epiléptico se reproduz. Às vezes a doente
morde a língua, mas não com frequência. Agora, eis o
famoso arco de círculo que os senhores encontram descrito
em toda parte.

(A doente grita, de repente: Mamãe, estou com medo!)

Essas são as atitudes passionais; depois, se deixássemos as


coisas prosseguirem, reencontraríamos o ataque
epileptiforme.

Produz-se uma espécie de relaxamento, seguido por uma


espécie de contratura. Às vezes isso acontece como
fenômeno acessório dos ataques.

(A doente grita: Ai, mamãe!)


Os senhores estão vendo como as histéricas gritam.
Podemos dizer que é muito barulho por nada [...].11

Esta última frase soa aos meus ouvidos como um ódio à imprevisibilidade,
ou à invisibilidade. À invisibilidade das causas.
Numa outra ocasião, Charcot estava tentando demonstrar o despertar de
uma histérica “ovariana” que, em prol das necessidades da causa pedagógica,
tinha sido deixada no pesadelo de seu “ataque de sono”. Vejamos:

O sr. Charcot aproxima-se da cama em que a doente se


encontra deitada; aplica sobre o lado esquerdo de seu corpo
desnudado, um pouco acima da dobra da virilha, a
extremidade dos quatro dedos estendidos da mão direita, os
quais dirige à pelve inferior, exercendo uma compressão
progressivamente crescente na parede abdominal. A doente
logo solta um grito agudo, abre os olhos e inicia de imediato
um ataque convulsivo: primeiro vários movimentos amplos
de saudação, parecidos com os mostrados
espontaneamente, pouco antes, durante o sono; em seguida
se produz a posição em arco de círculo, repetida duas ou
três vezes. O sr. Charcot, que durante esse tempo não
deixou de manter a mão na região ovariana esquerda,
dirige-se ao auditório: Não era propriamente isto, senhores,
que eu queria produzir.12

É claro que não. Um grito nunca é previsível nas encenações terapêuticas.


E depois, além de ser imprevisível, o grito, repito, presentifica a própria
aresta em que dor e prazer se estreitam de forma absoluta. Isso é insuportável
para o médico, para quem um sintoma não pode causar exaltação aqui e
grito ali, a menos que seja uma simulação. Ora, trata-se justamente do
sintoma. Ele se desata, desamarra-se aí, de forma espetacular, mediante um
espasmo tal do corpo que não pode ser compreendido nem como puro
símbolo psíquico nem como pura descarga fisiológica.
A psicanálise, para dar conta dele, recorre a “seres míticos, sublimes em
sua indeterminação”,13 como escreveu Freud: as pulsões. As pulsões no que
elas se espacializam, gesticulam. Lacan escreveu que “a histérica brinca de
experimentar ao extremo a elasticidade”,14 e isso significa que há no grito de
Augustine como que um jogo quase mortal com algo que seria um órgão,
que “deve ser chamado de irreal” e que ela “evagina em vaivém”,15
espasmodicamente, até a extenuação, o desvanecimento. Termos, sim,
termos que são próprios tanto do prazer quanto da dor.16
Isso designa e repisa a desgastante questão com que o corpo histérico, que
não é “o corpo”, cumula, martela o pensamento. A questão de uma
linguagem gestual, de centenas de gésticas espontâneas de amor e agressão
misturados, a questão da múltipla apresentação, Darstellung, de um objeto
de angústia sob os próprios gestos de um gozo - e qual? Aquele em que tudo
está ali, apresentado, aberto, oferecido. Inacessível.17
Grito aberto e oferecido. Mas grito de um “não é isso!” em que toda
expectativa é cruelmente solapada, abismo entre gozo esperado e gozo
obtido, ali, em ato, como que fulminado. E sob os olhos, o nariz, a barba do
diretor cênico, do fotógrafo. Será que eles não desconfiavam, nesse
momento, ali, que o ato fazia as vezes de, isto é, que ele tinha lugar -
violentamente, decerto, extremamente - como grito, mas por outra coisa?

Máscara

Apenas nesse sentido, o grito de Augustine era uma máscara. Ou seja, no


sentido que Georges Bataille deu à máscara, como um “terror noturno”
ligado a qualquer mascarada, como o aparecimento, “no limiar deste mundo
claro e tranquilizador” (mas, desde logo, como poderia ser tranquilizador,
ainda que fosse claro, aquele “laboratório” de fotografia médica?), o
aparecimento de uma “obscura encarnação do caos”: “justamente aquilo que
costuma tranquilizar fica subitamente carregado de uma obscura vontade de
terror - quando o que é humano se mascara, não há mais nada presente
senão a animalidade e a morte”. É que, escreve Bataille, recorrendo às
maiúsculas, “A MÁSCARA É O CAOS TRANSFORMADO EM CARNE”.18
Máscara, aqui, é o nome de uma energia, talvez a energia a que se
arriscaria um teatro, correndo o risco de já não ser representativo de coisa
alguma de enquadrável. Apenas uma energia dos corpos. Uma “reivindicação
desesperada”, um suspiro, “contração e descontração combinadas”, “tempo
feminino prolongado”, como escreveu Artaud, porque o feminino, nesse
caso (teatral), ele o questionava como se questiona uma energia: “O que é
feminino, o que é abandono, angústia, apelo, invocação, o que tende para
alguma coisa num gesto de súplica, apoia-se também nos pontos de esforço,
mas à maneira de um mergulhador que bate com os pés num baixio
submarino para voltar à superfície: há como que um jato de vazio no lugar
em que ficava a tensão.”19
Dizia Artaud: “Um feminino tonitruante e terrível”; dizia ele: “Uma
linguagem teatral pura”.20 Recorro a isso, por minha vez, como que
abandonado por outras palavras talvez possíveis (e este apelo indica minha
inexperiência).
O fato de a histérica, por sua vez, só se haver deixado denominar por
palavras vindas da pintura, do teatro e da dança não deve fazer cair no
esquecimento um limite que é essencial: no cerne das gesticulações, atitudes
e invenções histéricas, há uma experiência crucial de privação de atividade.
É o momento mais mascarado, sem dúvida, momento de um grande risco, o
mais íntimo.21
Será que o tempo de um grito é representável, trabalhável além dessa
franja toda espremida entre meio segundo e um segundo e meio, o tempo de
ser batida a fotografia, por cuja indecisão, aliás, a imagem de Augustine teria
ficado razoavelmente fora de foco, ou teria sido até fraudada, exigindo
retoques, enfim, correções de um pincel e de uma camisa de força?
(Lessing já havia proibido ao pintor o grito, porque este, em imagem, faz
deter-se a imaginação; ou então ela se inverte, quer abrandando o grito na
forma de queixume, quer fazendo-o passar a uma inércia de cadáver: “Se
Laocoonte geme, a imaginação pode ouvi-lo gritar; mas se ele grita, a
imaginação não pode subir um grau nem descer um grau dessa imagem sem
vê-lo num estado mais suportável, logo, menos interessante. Ou ela apenas o
escuta gemer ou já o vê morto.”22 Como se o grito pusesse em xeque
qualquer protensão.)
O tempo do grito em relação à visibilidade seria como que uma dupla
imposição de negatividade. O rosto é seu teatro. Evidência espetacular.
Porém em demasia. Nele a representação (repetição, enquadre, retrato) fica
como que destruída. A boca não passa do ensejo da bestialidade no
humano, órgão desmesurado, todo à frente do corpo, furioso, atroz, órgão
desmedido de rito, de náusea.23 No rosto o olhar é apenas um ponto negro,
uma mácula, o cúmulo do horror.
A horripilação do rosto, portanto. “Havia um ponto negro”, escreveu
Artaud:
Havia um ponto negro

Para onde confluíra o meu destino.

E ele continuou ali

Cristalizado

Até que os tempos

Foram reabsorvidos.24

Mas em quê? O que significa reabsorver?

Tormentos

Reabsorver significa engolir de novo, empurrar goela abaixo, aspirar,


absorver mesmo, retirar-se como o mar se retira, num refluxo. É um tempo
paradoxal de presença. O tempo do grito, aqui, seria como um refluxo de
todos os medos. Uma confluência do destino, através, repito, de um medo,
uma retração diante do movimento, um desnorteamento inconsciente dos
gestos, dos movimentos, com os músculos como que em carne viva, um
cansaço assombroso e central, uma espécie de cansaço aspirante, um
cansaço de morte...25
O próprio grito de Augustine já estaria como que fulminado e, para que
ela o soltasse, teria sido necessário algo como uma queda colossal, uma
confluência do destino. Freud fala dos sintomas como proteções contra a
angústia e afirma que a angústia é primária, suscita ou provoca diretamente
o recalcamento.26 O grito, aqui, parece- -me como que um momento limite
da captura, termo forte, da captura do sujeito entre o sintoma e o objeto de
angústia. Não é um sintoma no sentido estrito. É algo muito mais simples,
menos simbolizado. Responde não a uma suspensão do recalcamento, mas a
seu desmoronamento. É, ao mesmo tempo, uma aparição, algo que se
aproxima da alucinação. Uma revelação do ser-aí. Uma coisa que, de
repente, não engana mais. A própria angústia.27 Com duas características
específicas: uma espécie de limitação exata, orgânica, temporal, e uma
intensidade excessiva.28
Uma comoção muito singular, portanto. Vínculo da pulsão com a
presença, uma agonia. Um paroxismo a ser compreendido não apenas como
uma assustadora suspensão do tempo, mas também como um pavoroso
poder ser - o Tempo que busca o tempo, o aspecto que busca sua explicação
e talvez sua decisão, mas permanece crucificado no momento do paroxismo,
permanece crucificado porque se instaura um tempo do desejo.29
O grito se faz presente como surpresa, Ursprung, “salto excessivo em torno
de uma suspensão”, escreveu Mallarmé - um salto, o jorrar de um destino
num instante, uma origem em ato, como gesticulação breve. Ele revela de
chofre. E por isso priva, cega. Mas revela o quê, de fato? Repetindo: o ser-aí
“como tal”?30 Dizer “o centro da noite na noite”?31 Por quê? Será que é
porque um grito ou uma crise enfrentam frontalmente algo como “o senhor
absoluto”, a morte? Sim. E há mais. Diante de Augustine também havia um
mestre não menos concreto do que a morte, ora a própria imagem dela,
talvez, ora um senhor absoluto inteiramente relativo - no fundo, um ou mais
senhores: seu médico, Bourneville; seu fotógrafo, Regnard; e o senhor de
todos, Charcot. A angústia histérica enfrenta, primeiramente, “a sensação do
desejo do Outro”,32 tal como o escravo enfrenta o senhor na luta de morte,
um escravo que também seria forçado a correr o risco maior, o “risco da
vida”. Essa sensação talvez tivesse sido, em algum momento, a do rosto de
seu fotógrafo, camuflado sob um véu negro, ou a do rosto de certo “sr. C.”,
camuflado em meio ao público de um anfiteatro. “Sensação” do olhar do
Outro. “Sensação” de estar ali. “Sensação de morte”.
O que “isso dá”, Es gibt, é esta sensação: talvez a simples ocorrência desse
grito, o dom, Gift, o veneno da angústia histérica, infectada pelo visível.
Dom profundo, voraz, ruidoso, a boca toda voltada para a frente. Dom de
algo como tormentos. E eis que a imagem de Augustine ficava indecisa de
lâmina em lâmina, ora uma carinha bonita, uma cara boa, um belo rosto de
mulher fatal, ora, aqui, um rosto atormentado.

Cravos, cruzes

Há também algo como uma epifania, porém mascarada, que decorre do


dionisíaco, talvez até de sua centralidade.33 Uma passagem para o
demoníaco do amor.
Não apenas infectada pelo visível, mas fazendo um rebuliço no visível, ou
mesmo fazendo do visível uma espécie de rebuliço. É que, além das clássicas
“atitudes passionais”, existem os inúmeros “movimentos ilógicos” e outros
“clownismos” impossíveis de catalogar, muito pouco fotografados. Em
especial, há o “arco de círculo”, mais típico, porém menos enigmático (figura
110), no qual Freud, segundo o princípio da “figuração contraditória”, via
uma “enérgica negação, por uma inervação antagonista, de uma postura
corporal apropriada ao comércio sexual”.34 Mesmo assim, ainda que toda de
cabeça para baixo, uma postura de gozo.
Figura 110. Paul Regnard, “Ataque histeroepiléptico, arco de círculo”, fotografia, lâmina III, em
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye, 1879-1880.
Assim, a evidência espetacular se excede em super-representações, porém
se mascara na mesma medida, porque essas super-representações são
intrinsecamente contraditórias. E é justamente isso que dá seu aspecto
específico à impaciente e infausta teatralidade histérica, seu aspecto
temporal, e é também isso que dá sua feição à impotente e infausta dialética
entre a histérica e o perverso.
(No momento, seus olhos deveriam dar com isto quase que por acaso,
como a confidência impossível do parceiro, impossível porque jamais
enunciada: “Ela queria de mim o impossível, mas, no movimento que a
transporta, afasta o que já conheceu: o que me perturba nela é essa
impaciência. Imagino um prego de grande porte e a nudez dela. Seus
movimentos arrebatados de chama dão-me uma vertigem física, e o prego
que nela cravo não posso deixar ali! No momento em que escrevo, sem
poder vê-la, com o prego duro, sonho enlaçá-la pelos lombos: não é uma
felicidade, mas minha incapacidade de atingi-la que me detém; ela me
escapa de todas as maneiras, sendo a mais doente delas em mim que eu
queira isto e que meu amor seja necessariamente infeliz. Já não busco
felicidade, de fato: não quero dá-la a ela e não a quero para mim. Queria
tocá-la sempre na angústia, e que ela desmaiasse: ela é como é, mas duvido
que algum dia dois seres tenham-se comunicado mais, na certeza de sua
impotência.”)35
O prego corresponde tão bem àquilo que imagina a testemunha de uma
crise histérica, que já ocupava um lugar de escolha no vocabulário
tradicional das dores da histeria: dizia-se clavus, portanto, e também ovum,
ovo, na suposição de que a dor atravessaria a doente a partir de seu errático
e lancinante útero.36 Augustine era transpassada por esse clavus, vez ou
outra. Media-se o prego. Augustine se desfigurava em caretas: “Cravo
histérico, com foco na linha mediana e à direita, com largura de
aproximadamente dois centímetros. Existe nesse nível uma dor espontânea,
que é pungente. Quando se exerce uma pressão forte, sobrevém uma dor
viva, ‘no gênero da ovariana’, e o rosto se contrai.”37
Para o corpo da histérica, o “cravo” é como uma metáfora tão bem
encaixada que, no caso, desfiar a metáfora, longe de ser um distanciamento
onírico do conceito, revela-se uma espécie de reencontro, uma abordagem
ainda mais precisa da linguagem gestual, do gozo e da dor histéricos. Com
efeito, a histeria parece convocar a metáfora, para fazê-la passar a atos, para
metamorfoseá-la. Daí prego, daí cruz, daí corpo crístico, corpo supliciado.
“Cristo, ó Cristo!, eterno ladrão de energias, Deus que por dois mil anos à
tua palidez fadaste, Cravadas no chão, de vergonha ou cefaleias, ou
transtornadas de dor, as frontes das mulheres.”38 E Augustine não hesitava
em emendar - que senso de mistério! - no episódio da crucificação, baseada
no “cravo” que a transpassava com um sofrimento de sacrificada (figura
111). “Achei”, disse a subchefe de enfermagem, “que ela ia morrer.”39
Figura 111. Paul Regnard, “Atitudes passionais, crucificação”, fotografia de Augustine, reproduzida em
fototipia, lâmina XXV, em Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris,
Progrès Médical & Delahaye, 1878.
Sacrifício

Teria Augustine chegado a se sacrificar assim à imagem? Ela ia e vinha ao


extremo, em todos os sentidos, na doação de si.
Observou-se que os episódios de “crucificação” precediam imediatamente
as famosas “atitudes passionais” do “erotismo” e do “êxtase” (figuras 57-64):
“Ela permaneceu por uns instantes com os braços em cruz (crucificação).
Depois, o delírio: ‘O que queres (bis)?... Nada? Nada?...’ (Fisionomia
sorridente.) ‘Que bom...’ (Olha para a esquerda, soergue o corpo, faz sinal
com a mão, manda beijos.) ‘Não, não! Não quero...’ (Novos beijos... Ela sorri
e executa movimentos com o ventre e as pernas.) ‘Já estás recomeçando...
Isso não fica pronto (bis)...’ (Ela reclama, depois ri.) ‘Estás indo embora!’ A
fisionomia expressa pesar; X. chora. - T.V. 38°. Secreção vaginal
abundante.”40
Ela chorava e ria, vida e gozo eram seu destino, “tão inexoravelmente seu
destino quanto é a morte para um condenado”.41 Nesse sentido, sua
gesticulação era quase como o que Bataille chamou de “prática da alegria
diante da morte”; o que quero dizer é que Augustine dançava, de certa
maneira, com o próprio tempo que a condenava.
E isto numa linguagem gestual do espasmo, que vinha associar-se
escandalosamente à metáfora cristã do sacrifício, da crucificação. Augustine
contorcia-se como um verme ignóbil e ridículo (“clownismo”) e, ao mesmo
tempo, ou quase, oferecia-se crucificada, sublime, toda estendida,
cristalizada na invocação do grande Ausente (“atitudes passionais”). Uma
palavra grandiosa poderia ser convocada - mística -, mas, por esta vez, deixo
aqui as centenas de perguntas que este termo suscitaria.
(E aparece outro texto, terrivelmente correto: “Como um pedaço de
minhoca, ela se agitou, tomada por espasmos respiratórios. Debrucei-me
sobre ela e tive de puxar a renda da máscara que ela ia engolindo, rasgando-
a entre os dentes. A desordem de seus movimentos a havia despido até a
grenha: agora, sua nudez tinha a ausência de sentido e, ao mesmo tempo, o
excesso de sentido de uma mortalha. O mais estranho - e mais angustiante -
era o silêncio em que ela permanecia encerrada: do seu sofrimento já não
havia comunicação possível, e fiquei absorto nessa falta de saída - nessa
noite do coração que não era menos deserta nem menos hostil que o céu
vazio. Os saltos de peixe de seu corpo, a raiva ignóbil que seu rosto ruim
exprimia, calcinaram a vida em mim e a estilhaçaram até dar nojo.”)42
Contudo, não posso deixar de evocar a ligação entre esse sacrifício e o que
chamei de predação fotográfica. É como se Augustine se houvesse
sacrificado à própria luz, como se seu grito fosse a resposta a um simples e
perfurante ataque da luz, que se imprimia, além das chapas, em todo o
corpo dela, que o ridicularizava e o convulsionava. Augustine como vítima,
portanto: maldita e consagrada; trágica; nojenta (corpo retorcido, boca
espumando, múltiplas secreções). E seu grito, como que luminoso. Elo entre
luz e sacrifício, luz e sangue.

Sangue: segredos

Ora, esse elo talvez denomine justamente um segredo das imagens. Para
além de sua evidência espetacular. No ponto em que a evidência constitui
um excesso, torna-se intolerável, em certo sentido, ainda que seja
obscenamente “apetitosa”.
O “tipo de mulher” que era a histérica sempre mostrava em excesso e não
o bastante, porque ela fazia de seu narcisismo uma razão aparente - e como!
-, porém seu desejo continuava inteiramente impenetrável. Era exatamente
por isso que ela convocava todas as técnicas de visibilidade, sempre
supervalorizadas, enquanto a visibilidade de seu corpo, por sua vez,
permanecia paradoxal, constrangedora.
Nisso reside também todo o problema do que existe naquilo que se vê e
no que não se vê. “Ser isto ou aquilo não se vê”, como escreveu Artaud; e
depois: ver “é tornar obscena a realidade, pois que a vidência veio de um
obsceno que queria acreditar no que era”, no que via; “pois não há nada mais
obsceno e apetitoso, além disso, do que um ser...”43 Há também, portanto, a
questão de um segredo da obscenidade.
O segredo dessas imagens de Augustine, nas quais supostamente se
esgotava seu “caso”, no entanto, como imaginá-lo? Proponho o seguinte: eu
diria que ele era uma passagem, a única que a técnica fotográfica da época
não poderia alegar, integrar à sua pretensão de veracidade e autenticação - a
passagem para a cor. Imagino o “segredo” dos retratos de Augustine como
certa forma de impossibilidade de passagem para o vermelho: mais
precisamente, como um tremor de tempos brancos e tempos vermelhos.
O vermelho estava no cerne dos delírios de Augustine. Sempre associado
ao olhar. Olhares pesados, desejos não compartilhados, violação. Perda de
sangue. Sofrimento. Segredo terrível, a ser silenciado. Palidez. “Olhares
ameaçadores, a fim de lhe impor silêncio.” Vômitos. Olhos de gato, pavor,
grito, sangramento no nariz. Primeiro ataque histérico.44 Depois, mais tarde,
na Salpêtrière, a primeira menstruação de Augustine, sendo
cuidadosamente registrado na Iconografia o fato de ela haver sonhado com o
vermelho, no mesmo momento: “Das 5 às 7 horas, ela dormiu, mas sonhou
que estava num abatedouro, vendo animais serem mortos e o sangue correr.
Ao acordar, ela havia menstruado pela primeira vez.”45
Essa consignação meticulosa, sublinhada, é para nós um indício do
questionamento com que Bourneville introduziu toda a história de
Augustine; com efeito, o relato de seu caso se abriu (e se fechou) num
problema: qual é a ligação da histeria com a menstruação?46 Desse ponto de
vista, o caso de Augustine seria exemplar, rico em ensinamentos teóricos.
Mas, no fim das contas, continua a ser um enigma por excelência.
Exemplar no sentido de que os primeiros ataques de Augustine ocorreram
antes do aparecimento das primeiras regras, o que tende a rejeitar como
impertinente a tese da histeria como uma “neurose métrica”.47 Todavia, cabe
observar que as dores e os gritos da paciente, após seu estupro, tinham sido
tenazmente imputados ao aparecimento das regras - hipótese reconfortante,
em certo sentido, quase inculcada -, e, posteriormente, “os ataques teriam
coincidido, ao que dizem, com o desenvolvimento dos seios e do sistema
piloso do monte pubiano”.48 Por outro lado, a afirmação teórica de
Bourneville não o impediu de observar constantemente (isto chega até a
fazer parte dos protocolos mais “clássicos” da clínica) uma espécie de
coincidência, mais uma vez, entre os períodos de menstruação e os períodos
dos ataques, coincidência esta que, diziam, chegava até a transformar o
caráter de Augustine nessas ocasiões.49
Em suma, a coincidência introduzia sub-repticiamente a dúvida e a
indecisão na teoria. “Sabemos disto, mas, ainda assim...” Houve uma
indecisão já identificável em Landouzy ou Briquet: a indecisão quanto ao
caráter feminino, ovariano, uterino da histeria.50 Charcot foi mais brilhante
em face da indecisão, mas, em certo sentido, não menos ambíguo. Eis como
comentou o caso de Augustine: levando em conta que “o aparecimento das
regras [...] não modificou em nada de essencial o quadro clínico”, ele passou
a insistir não numa ausência de ligação causal, mas na hipótese de que “a
atividade ovariana é muito anterior à função menstrual e sobrevive a esta”.51
É que a “histeroepilepsia” de Augustine continuava realmente a ser
“ovariana”, o que - atenção!, como esclarecia Charcot - não queria dizer, em
caráter obrigatório, que ela era fundamentalmente de natureza “lúbrica”52
(de qualquer modo, era preciso “salvar a histeria”, ou seja, discriminá-la do
desejo, a fim de que ela existisse para a ciência, do mesmo modo que um
físico já poderia atribuir-se o dever de “salvar os fenômenos”).
Essa casuística indica, em todo caso, uma persistência do enigma, da
dificuldade de um positivismo neurofisiológico escapar do problema,
confrontado com a ostentação histérica do rubro mistério do feminino.

Secreções

A dificuldade e a indecisão diante do mistério foram substituídas, rotina


perversa, por uma nova paixão pelas medições. Assim, mediam-se todas as
secreções e todas as umidades histéricas, na suposição de tocar aí em algum
segredo dos corpos.
Foi como um remake do tema medieval, depois modificado como clássico,
da “capacidade das mulheres”: “femina, fex Sathanae, rosa fetens, dulce
venenum” (mulher, fezes de Satanás, rosa fétida, doce veneno) - mulher
úmida e quente, e superlativamente histérica.53
Conhecemos o inigualável enunciado de Landouzy: “Existem histéricas
que choram abundantemente; há as que urinam muito de cada vez; e há,
enfim, como posso dizê-lo, as que choram pela vulva.”54 Daí os quadros
infindáveis, um catálogo de secreções de todos os tipos, salivas, babas,
espumas, suores, “secreções leitosas”, lágrimas e urinas, daí os “suores de
sangue” e, por último, o que era chamado de “hipersecreção uterina ou
vaginal” - nem sempre se sabia muito bem.55 Conhecemos também, numa
recíproca evidente, as mil medicações da histeria que consistiam em exsudar
inteiramente os corpos (curar o mal com o mal), em levar até o fim a vocação
delas para a exsudação. O corpo que segrega tudo segrega também o segredo
de sua doença, sua matéria. Havemos de estar lembrados da histérica de
Pomme, “mergulhada em banhos por dez a doze horas diárias, durante dez
meses inteiros”, até que “porções membranosas parecidas com pedaços de
pergaminho molhado” passaram a “se soltar, com dores ligeiras, e a ser
diariamente expelidos na urina” etc.56
A histérica, porém, às vezes resistia dramaticamente a toda essa ternura.
Vocação para a recusa. A observação de número 69 de Landouzy relata o
caso de uma histérica cuja menstruação desapareceu subitamente, depois de
um “grande pavor”, e que morreu “a despeito das trezentas sangrias” que lhe
foram prodigalizadas, em nome da boa causa.57 Charcot chamou de
isquemia essa contraditória propensão histérica a “reter o sangue” (os
convulsionários de São Medardo, relatou ele, recusavam-se a sangrar até
mesmo sob golpes de espada).58
O fato é que as lágrimas, os sangramentos e “flores-brancas” de Augustine,
contidos ou não, foram-nos abundantemente contados na Iconografia,
inclusive em seus odores (certa secreção vaginal “muito fétida”, um dia).
Entre outros, nos próprios momentos (episódios) das crucificações.59
Vocação para os estigmas.
Mas não se esqueça: minha interrogação não parou de girar em torno da
ideia do retrato, de uma extensão atroz da ideia do retrato. Pois bem, essa
passagem infernal do vermelho também tocou o rosto de Augustine. Quase
exigiu, na falta de uma técnica de reprodutibilidade visual, um certo talento
em Bourneville, para praticar a distinção de nuances, e isto nos momentos
mais tonitruantes das crises da paciente. “O rosto, os lábios, as conjuntivas
palpebrais adquirem uma cor vermelho-da-china, e não vermelho vinho,
como com o nitrito de amila.”60 Em outro texto, a propósito de “Geneviève”,
lemos: “O rosto fica vermelho, violáceo; escorre da boca e do nariz, ao
mesmo tempo, uma espuma abundante, inicialmente branca, depois com
uma forte mistura de sangue.”61
Espuma e baba brancas, sangue escarrado. Henry Meige contou, noutro
texto, a velha história de outra Geneviève que também expelia sangue pela
boca em vez de palavras: “Em todo último quarto de lua vinham-lhe
vômitos de sangue, que se repetiam durante dois ou três dias. Em outras
ocasiões, ela perdia a consciência e caía no chão, com os membros
enrijecidos, ou se debatia furiosamente, soltando gritos terríveis. Quando
esses acidentes a apanhavam no campo, conseguia-se fazê- -los cessar
mediante uma prática ao menos bizarra, mas sempre coroada de êxito:
pendurava-se Geneviève pelos pés, de cabeça para baixo.”62

Simulacro e tormento

Essa virada do corpo de cabeça para baixo me evoca uma ação que o latim
chama de torquere, virar até torcer, portanto: submeter à prova de um
tormento. Uma tortura. Tormentum designa a máquina, o instrumento dessa
provação. De início, era uma máquina de guerra que fazia prodígios.
Lentamente se enrolavam cordas num cilindro, as quais depois eram
distendidas, lançando flechas. Foi também uma máquina de tortura cujos
prodígios particulares utilizavam o mesmo princípio: ela esticava, puxava,
torcia, ia esquartejando devagar e, de repente, desmembrava os corpos. Se o
sujeito não falasse, ao menos gritaria até a morte. Evoco isso como um
funcionamento muito imponderável da máquina fotográfica na Iconografia:
uma tortura invisível para tornar os corpos cada vez mais visíveis, para
expor adequadamente (de acordo com a adaequatio rei et intellectus) seu
sofrimento; e para chegar a isso, de maneira mais ou menos invisível,
desmembrá-los. Através de uma maquinaria técnica; de uma maquinação,
astúcia, sedução, visando ao consentimento.
A Iconografia fotográfica da Salpêtrière instrumentalizou os corpos, jogou
ardilosamente com os corpos - com as histéricas corpos-simulacros -,
almejando uma verdade conceitual. Abusou ardilosamente do ostentatório
“fazer as vezes de” praticado pelas histéricas. Mas, para instrumentalizar
“com discernimento”, para usar de artifícios e obter o “aspecto verdadeiro”
de um sintoma, a Iconografia foi obrigada a prezar, a valorizar e a exagerar
cada vez mais este ou aquele simulacro de sua escolha, manipulável, obtido
por consentimento ou por extorsão, o que não vinha ao caso. Portanto, o
mesmo, no final. Ela empurrou o conceito e o uso do simulacro até seu
sentido sacrificial e de réplica - o sentido da palavra simulacrum tal como a
encontramos em César, ao longo de seu itinerário sangrento e belicoso.
Simulacrum designa (além da “imagem” ou da “representação
mnemotécnica”) os manequins de vime em que eram encerradas vítimas
bem escolhidas, que eram queimadas vivas em homenagem aos deuses.
Histeria e resposta, réplica à histeria, ambas são, em certo sentido,
irrupções de simulacros. Cada uma sacrifica o corpo à imagem, consome o
corpo na imagem. Consentimento e paciência, portanto, também eram
palavras equivalentes a tormento.
O que ainda é difícil considerar é que o tormento era consensual. A
histérica já fazia do simulacro - com o qual gozava, no entanto - um tempo
do tormento. O simulacro - ataque, atitude passional, sintoma -, o simulacro
investia a histérica de acordo com a intermitência de um período
enigmático. Novamente, uma passagem temporal designou o segredo de
uma evidência espetacular - como o segredo da visibilidade e sua
perturbação: muitas vezes convocado aqui, o tempo do fluxo menstrual, de
novo,63 a passagem temporal, periódica, da secreção sangrenta na similitudo,
na semelhança. Recordemos Aristóteles: “Dizem que o vermelho é
produzido quando as mulheres se olham no espelho no momento de suas
regras, porque surge no espelho uma nuvem ensanguentada que é, portanto,
a perturbação da imagem: a razão pela qual um corpo, entregue à sua
quantidade de humor, não é mais que um lugar trocado. Uma cor deglutida
nessa ficção: o que restaria de um corpo desviado de seu rosto.”64

Fuga

Depois, a extensão radical do simulacro, como posição existencial comum à


histeria e ao seu contrassujeito, a perversão, essa extensão designa, mais uma
vez, um vínculo mais cruel da figuração com a temporalidade. Ouça bem a
palavra simulacrum: dentro dela já existe simul, que significa “ao mesmo
tempo”; ora, simul foi a raiz comum a duas direções de sentido
razoavelmente contraditórias: similitudo, a semelhança, ou similitude, a
aproximação imaginária; e simultas, o ódio recíproco, a rivalidade.
Minha hipótese resume-se nisto: a fabricação das imagens de histéricas na
Salpêtrière foi uma operação de transformação da similitudo em simultas,
segundo a temporalidade simultânea de uma dialética de estrutura histérica
(o corpo para a imagem e a imagem para o amor) e de estrutura perversa (o
corpo para a imagem e a imagem para o saber). Daí a sedução (convocação
recíproca e concertada do semblante) virar ódio (quando os desejos se
reconhecem e, portanto, se desconcertam).
Temporalidade: no entre dois de uma sedução absoluta e de um ódio
absoluto, a histérica hesitava, permanecia numa espécie de expectativa toda
trêmula. A expectativa de algo que decidisse, que fixasse sua imagem para o
desejo do Outro. Um nó de expectativa. Augustine dizia: “Quando fico
entediada, é só eu dar um nó vermelho e ficar olhando para ele.”65 Seu
narcisismo estava sempre em busca do desenlace, do desenlace sempre
iminente, donde o narcisismo se infinitizava. Um medo veio substituí-lo,
tomar o lugar da Alteridade por excelência. A instalação no medo. A intensa
sensação de falta. Lembro que, em grego, ustérizein significa chegar sempre
tarde demais, ficar para trás, faltar, privar de... Na Salpêtrière, a histérica ia-
se histericizando cada vez mais. Lógica sistêmica.
Mas quando um sintoma fazia uma súbita manifestação de simulacro no
corpo da histérica, levando a expectativa a fulgurar, quando ela sentia coisas
do tipo “Eu tenho um eco no baixo ventre... tudo que acontece comigo
desperta minha antiga dor”,66 o que acontecia?
O retorno da lembrança criava um drama: a ação (to drân) de um destino
num piscar de olhos. Tudo sofria. Uma precipitação da expectativa e a
evidência espetacular se modulava, talvez como toda a evidência, pela
dialética temporal de uma presunção ou antecipação (ficção, portanto), ou,
de repente, de uma pressa, uma subitaneidade do presente.67 Assim, fazer a
experiência da evidência espetacular da histeria devia ser, para os médicos
da Salpêtrière, algo como isto: fazer no tempo a feliz descoberta de uma
surpresa, da imprevisibilidade, do desprevenido, portanto, da perda. E o
“aspecto verdadeiro”? Ele recai depressa nas profundezas infernais. E a
histérica “vista tal como é, em si”? Eurídice, duas vezes perdida. Tudo foi
visto? Tudo já fugiu, para sempre, quem sabe?
Disso Charcot também teve a experiência, inclusive com Augustine,
nominalmente. Experimentou o imprevisível que subitamente se recorta, se
torna visível, evidente, e foge. É por isso que a clínica de Charcot foi, ao
mesmo tempo, uma clínica expectante e apressada, como a histeria (será que
ela mesma foi forçada a se histericizar, a abraçar o tempo histérico?). Foi
obcecada, pelo menos, com o “instante verdadeiro” de uma “revelação” do
“corpo real”: “Os fenômenos de que se trata já datam de vários dias, mas é
possível que amanhã, talvez num instante - nada se pode prever a respeito
disso -, eles tenham deixado de existir. A ocasião é premente, portanto; é
crucial aproveitá-la.”68
Mas o corpo histérico desvia-se de qualquer conceito de “corpo real”. E até
Augustine, infringindo a norma de suas poses “clássicas”, entregou-se ao que
Bourneville chamava, justamente, de “atos extravagantes”: ela pulava janelas,
trepava em árvores e nos telhados da Salpêtrière, “executando tudo isso com
uma agilidade realmente surpreendente”, e, insistiu Bourneville, com total
desprezo pelo perigo,69 bem como pelo decoro (ficava com a camisola toda
desarrumada, quase a desnudando).
As alucinações de Augustine eram correr, salvar-se.70 Em última instância,
recusar-se. Um dia, “W.”, uma amiga sua, entregou o ouro num delírio, talvez
revelando toda uma cumplicidade na recusa e exibindo miseravelmente sua
vontade de dissimulação e seu ódio pelo teatro clínico (justo num momento
em que o teatro clínico a envolvia completamente): “Conheço bem a sua
história; fique tranquila, não chore... Tudo o que você me confidenciou está
gravado no meu coração... É como você: eu acho mesmo que tudo o que lhe
contei vai ser guardado em segredo por você... Se eles a atormentarem
demais, responda que isso não lhes diz respeito.”71
Havia as cóleras de Augustine, no exato momento em que “aparecia”
alguma coisa do seu “segredo”, como observou Bourneville: “20 de março.
As regras vieram ontem. Acesso de cólera depois de uma contrariedade; L.
foi passear no pátio de camisola, descalça, debaixo de uma chuva torrencial.
Foi preciso coagi-la a entrar e lhe vestir a camisa de força, que ela rasgou;
atirou na cabeça das pessoas tudo que estivesse ao seu alcance.”72
Evocarei todo esse movimento, essa transformação da sedução em recusa
e ódio, insidiosos ou explosivos, como o movimento musical de uma fuga:
“tema” (dux, isto é, condutor e mestre) e “resposta” (comes, isto é, o
acompanhamento), seguidos por todo o jogo das surpresas, dos
“contratemas” etc. Fuga é um termo conveniente para dar nome a esse
movimento, por ser uma palavra estrutural (contrapontos e ricercari
obstinados), além de ser uma palavra dos dramas de amor e dos
rompimentos das coerções ou devoções filiais.
A história de Augustine termina, na Iconografia, nesse estilo de drama: “X.
teve uma recaída”, admitiu Bourneville, meio desconcertado. Augustine
“recidivou”, isto é, voltou à louca intermitência histérica, renegou “a
melhora” (a sabedoria do corpo) graças à qual tinha se tornado auxiliar de
enfermagem. “1880, 6 de abril. X. teve uma recaída; foi recolocada no
serviço como doente. Empregamos contra os ataques o compressor, o éter e
o clorofórmio. Em diversas ocasiões, observaram-se períodos de agitação
em que ela quebrou vidraças, fez escândalo, rasgou a camisa de força etc. No
dia 11 de junho, sendo mais violenta a agitação, X. foi posta numa cela.”73
Posta numa cela. Depois da sedução e do rompimento da sedução, a
retaliação obrigatória. Bourneville, autor de um filantrópico Manual das
enfermeiras,74 talvez tenha renunciado a “salvar” Augustine. Ela, por sua vez,
talvez tenha renunciado a seus êxtases clássicos.
Então ela mesma pôs fim à sua existência de “caso”: disfarçou-se de
homem (que ironia), e assim fugiu da Salpêtrière. Seus guardiães, apesar de
atentos, não perceberam nada. Fuga: recusa categórica.

O desconcerto e a imagem devolvida

Essa fuga final não é um fim, portanto. A não ser, talvez, para a quase
Augustine de que falei, que talvez tenha se tornado simplesmente Augustine,
talvez não. Quanto a mim, interrompi o desdobramento da minha questão
num ponto que nada tem de garantido. É que nele se encontra, de fato, um
nó dramático. Ele permanecerá em suspenso numa sedução que não pegou
até o fim. “É assunto resolvido, em suma”, dissera Augustine um dia,
premonitoriamente.75
O que se detém aí é o círculo vicioso da transferência. Todos pediram
muito: o médico, por sua escalada experimental e sua vertigem de diretor
cênico que acreditava tudo poder fazer, desfazer e refazer com os corpos que
lhe eram entregues; a histérica, por seu excesso de consentimentos, na
verdade rompendo qualquer reserva e graciosidade das representações. O
que cessa aí é, de fato, a operação recíproca da sedução. Morte de um desejo,
talvez de dois. Desconcerto: o engodo embaraçado, o rompimento de um
ritmo pelo qual uma estrutura se expandia.
Mas essa parada não é um fim, e é por isso que falo em suspensão.
Considere que, com ou sem sedução, tudo - a fabricação de imagens, os
procedimentos clínicos e experimentais - teria de continuar a funcionar na
Salpêtrière, a despeito do ódio e com ele. Como? Essa continuação exigiria
que minha narração mesma continuasse, que também se “restabelecesse”.
Essa parada não é um fim, mas uma exasperação. Na fuga, é o momento da
strette, ou “imitação estreita”, resposta que já não espera o repouso do
sujeito, imitação que se precipita, momento estrutural de um perigo.
Momento estrutural, igualmente, de um desamparo.
Na histérica, trata-se de um desamparo da imagem. É o momento em que
uma morte se transmite no próprio teatro, e esse momento, embora
obcecado por uma ausência, não torna nada simplesmente ausente, muito
pelo contrário: presentifica, atualiza alguma coisa, de modo muito, muito
intenso; não um objeto, mas sua iminência absoluta, gritante - a pulsão. E
para isso toda metáfora se aniquila, despedaça-se numa gesticulação de
recusa e apelo misturados. Momento de holófrase. Grito, convulsão: uma
invasão imaginária. E tão pronta, tão virulenta, que, no ato, desloca o
imaginário, sua bela organização. Em face da espera de uma imagem,
também não é isso que esperamos de um espetáculo - sua precipitação,
enfim?
Trata-se, pois, de uma passagem catastrófica, da qual o intenso narcisismo
da histérica teria sido apenas uma retenção sutilíssima. E agora, temos um
encontro muito faltoso com todo o ideal, um encontro muito, muito mais
cruel com a face do real. O fracasso da sedução é sempre como um
despertar horrorizado. No fundo, é uma intensa autopunição da fantasia
histérica, o próprio Talião da imagem. Um derradeiro simulacro: o de um
suicídio, talvez. Nele, muito momentaneamente, a imagem atinge algo como
seu próprio limite, torna-se desarticulação da imagem em ato, em gestos,
figurada, portanto, decerto contraditoriamente. De qualquer modo, aí está a
aporia, a aporia em ato da visibilidade histérica. Uma crispação convulsiva
do próprio imaginário na dessemelhança em si. A imagem passa então a
existir como algo que faria uma histérica “morrer de medo”.76
Nós, que olhamos essas fotografias da Salpêtrière, imagens fixas de
imagens gesticuladas, no fundo isso nos agride, nos altera. Estraga, mas
reinstaura o nosso desejo de ver. Infecta nosso olhar, o que significa que o
refreia; mas ele se sustenta, resiste, retorna. Fascinum: encantamento, isto é,
malefício, azar. Advém-nos uma espécie de obsessão. É também por isso
que, para além das fotografias, imaginamos esse antigo “teatralismo”
histérico como uma autêntica prática de crueldade, a epidemia das fantasias
histéricas em todas as direções, mas elas mesmas em grande perigo.
Devoramos a histeria do olhar e, em troca, a histeria devora nosso olhar.
Veja a extrema bizarrice de um “riso histérico”, expressão que entrou na
linguagem corrente para dizer insuportável. Aqui, a mímica e a
contraefetuação fazem as vezes do assassinato daquele que olha. Ad facinus
accedit: ele acaba chegando ao crime, ela acaba chegando ao crime. A
histérica devia amar com a imagem, esperar com a imagem, odiar, morrer e
assassinar com a imagem. Contam que, no dia da morte de Charcot, várias
histéricas da Salpêtrière haviam sonhado com a morte de Charcot.77 Uma
peça do Teatro do horror de André Lorde, dedicada ao grande psicólogo
Alfred Binet e representada no Grand-Guignol de Paris, desceu a cortina
sobre a vingança da histérica, isto é, uma devolução do dessemelhante ao
médico: “Claire” jogou no rosto de seu experimentador o eficaz desfigurador
que era o vitríolo...78
Repito que a histérica, para precipitar sua aflição, espera sua hora, que não
sabe qual é. Essa espera esvazia a temporalidade do mimo, que já não deve
ser chamado de “como se”, mas de um como se... como se, uma hesitação.
Repetição esvaziada de um drama, espera misteriosa, às vezes de uma
precipitação berrada do mistério, ou insinuada, ou cercada de ironia, ou de
um turbilhão de hilaridade e horror, sempre esvoaçando em torno de um
abismo, sempre desamparo.
Em face desse desamparo que não tem fim, só resta uma exasperação do
saber. Que também não acaba. Não sabe mais que máscara usar. É a
exasperação indecisa das formas de seu poder, de sua eficácia.
E a indecisão viria a se transformar, num dado momento propício, em
ódio à imagem. Efeito das decepções, dos paradoxos da evidência. Seria o
ódio a tudo que se mantinha, resistia e retornava como que do real nas
imagens, poses, atitudes e nos delírios histéricos. “Curar” [curer] a histeria
equivaleria a fazer de suas mil produções imaginárias, de seus “espectros”,
um banquete [curée].** Primeiro, empanturrar-se delas. Em seguida,
reproduzi-las e controlarsua reprodução. E, por fim, conjurá-las, exorcizá-las
para sempre. Não houve em Freud esse ódio, ainda que o “desbaste das
imagens”, seu desaparecimento sem volta, como “fantasmas redimidos”, disse
ele, tivesse sido sua esperança, por um momento,79 pouco antes de uma
teoria da fantasia reintroduzir o desfile dos fantasmas, que nesse caso já não
se deixavam redimir tão facilmente, porque vinham de um interior.
Na Salpêtrière, uma forma se impôs: a Histeria. Às vezes, mulheres
contratadas como simples “serventes” tornavam-se histéricas em apenas
alguns dias, e chegavam a tentar o suicídio, como que em desespero diante
dessa forma.80 Nem tudo era consentimento. A forma se alimentava das
imagens, testava-as e acabava por detestá-las, quando as imagens se
tornavam por demais desconcertantes, ou perdiam a beleza. Mas nunca se
deixou de fabricar outras imagens, na esperança perversa de uma imagem
adequada à forma.
Assim, a invenção da Histeria continuou a se intensificar. Em dois
sentidos. Como gestão infernal, digamos, como tirania, subjugação cada vez
mais rigorosa das fantasias histéricas, dos corpos histéricos. Escalada das
represálias. Mas também, e ao mesmo tempo, como gestão das imagens
visando às formas, ou seja, como estética. Um paradigma para além da
fotografia e do teatro: a pintura. É que as “mil formas” da histeria, Charcot
teria tentado, como quem não quer nada, enquadrá-las, em ultimíssima
instância, na hipótese ou no cânone histórico e estético daquilo que
chamava Os demoníacos na arte:81 certa concepção da arte barroca, certo
uso da iconografia extensa, dessa vez em seu sentido mais tradicional, o das
representações pictóricas.
Apelo derradeiro esse apelo à pintura. Apelo inquieto, sem dúvida (“e, se
olhares por muito tempo para um abismo, o abismo também te olhará”).82
Porém de uma inquietação portadora dos mais cruéis efeitos. Isto porque a
ligação do amor à arte com a represália (a represália contra histéricas
incapazes de se elevar à dignidade, não digo de artistas, mas de simples
objetos de arte), essa ligação inaugurou um novo paradoxo de atrocidade,
ou, pelo menos, uma pergunta: qual é a natureza particular do ódio que
experimenta, inventa e produz imagens - desse ódio transformado em
“arte”?

Notas

1
A. Artaud, Oeuvres completes, op. cit., v. IV, p. 144.
2
IPS, II, p. 162.
3
P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie, op. cit., p. 82.
4
Ibid., p. 19, 44.
5
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Vhystérie, op. cit., p. 317-318.
6
Cf. IPS, II, p. 139, 164.
7
Ibid., p. 138.
8
Ibid., p. 155.
9
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 90-97.
10
S. Freud, Inhibition, symptôme et angoisse, Paris, PUF, 1978, p. 32 [“Inibições, sintomas e ansiedade”,
ver Bibliografia].
11
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1887-1888, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1887-1888, p. 176.
12
J.-M. Charcot, Leçons du mardi à la Salpêtrière. Policlinique 1888-1889, Paris, Progrès Médical &
Lecrosnier & Babé, 1888-1889, p. 276.
13
S. Freud, Nouvelles conférences sur la psychanalyse, Paris, Gallimard, 1971, p. 125 [Novas
conferências introdutórias sobre psicanálise, ver Bibliografia].
14
J. Lacan, Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 848 [Escritos, ver Bibliografia].
15
Ibid., p. 847.
16
Ibid., p. 774.
17
Cf. S. Freud, “L’Inconscient”, in Métapsychologie, Paris, Gallimard, 1968, p. 90-91 [“O inconsciente”,
ver Bibliografia]; S. Freud, Nouvelles conférences sur la psychanalyse, op. cit., p. 108-109, 124 [Novas
conferências..., op. cit., ver Bibliografia].
18
G. Bataille, Oeuvres complètes, op. cit., v. II, p. 403-404, “Masque”.
19
A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. IV, p. 130.
20
Ibid., p. 120, 143.
21
Cf. M. Blanchot, LEspace littéraire, Paris, Gallimard, 1955, p. 44-48.
22
G. E. Lessing, Laocoon, ou les frontières de la peinture et de la poésie, Paris, Hermann, 1964, p. 68
[Laocoonte, ou, Sobre as fronteiras da pintura e da poesia..., ver Bibliografia].
23
Cf. G. Bataille, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 237-238, “Bouche”.
24
A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. I*, p. 185, “Horripilation”.
25
Ibid., p. 58.
26
Cf. S. Freud, Nouvelles conférences sur la psychanalyse, op. cit., p. 111-114 [Novas conferências..., op.
cit., ver Bibliografia].
27
Cf. M. Heidegger, LÊtre et le Temps, Paris, Gallimard, 1964, p. 226-233 (a angústia como “revelação
privilegiada do ser-aí”) [Ser e tempo, ver Bibliografia]; J. Lacan, Le Séminaire. XI. Les quatre concepts
fondamentaux de la psychanalyse (1964), Paris, Seuil, 1973, p. 40 (angústia: aquilo que não engana)
[Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, ver Bibliografia].
28
S. Freud, “Quelques considérations pour une étude comparative des paralysies motrices organiques
et hystériques”, in GW, I, 1888-1893, p. 45 [“Algumas considerações para o estudo comparativo das
paralisias motoras orgânicas e histéricas”, ver Bibliografia].
29
Cf. H. Maldiney, Aitres de la langue et demeures de la pensée, Lausanne, L’Âge d’homme, 1975, p. 41-
50 (temporalidade do desejo segundo Schelling); cf. H. Maldiney, “Pulsion et présence”, in
Psychanalyse à l’université, Paris, PUF, 5, 1976, passim.
30
Cf. M. Heidegger, LÊtre et le Temps, op. cit., p. 226-233 [Ser e tempo, op. cit., ver Bibliografia].
31
M. Blanchot, L’Espace littéraire, op. cit., p. 227.
32
J. Lacan, Séminaire sur l’identification (1961-1962), Nova York, International General, 2 v., s.d., p.
356; cf. J. Lacan, Écrits, op. cit., p. 824 [Escritos, op. cit., ver Bibliografia].
33
Cf. H. Maldiney, Aitres de la langue..., op. cit., 1975, p. 252-253.
34
S. Freud, “Considérations générales sur l’attaque hystérique”, in Névrose, psychose et perversion, op.
cit., p. 162 [“Algumas observações gerais sobre os ataques histéricos”, op. cit., ver Bibliografia].
35
G. Bataille, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 105-106, “L’Impossible”.
36
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de Phystérie, op. cit., p. 215; J. Livi, “Vapeurs de
femmes”, in Ornicar? 15, 1978, p. 77.
37
IPS, III, p. 190.
38
A. Rimbaud, Oeuvres complètes, Paris, Gallimard, 1972, p. 65.
39
IPS, II, p. 141.
40
Ibid., p. 140.
41
G. Bataille, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 553, “La pratique de la joie devant la mort”.
42
G. Bataille, Oeuvres complètes, op. cit., v. III, p. 26, “Mme Edwarda”.
43
A. Artaud, Oeuvres complètes, op. cit., v. XIV*, p. 48-49.
44
IPS, II, p. 126-127 (o texto integral é citado supra, p. 219).
45
Ibid., p. 132.
46
Ibid., p. 123.
47
Cf. H. Landouzy, Traité complet de Phystérie, Paris, Baillière, 1846, p. 14.
48
IPS, II, p. 125.
49
Ibid., p. 133, 137, 166-168; cf. IPS, III, p. 198-199.
50
Cf. H. Landouzy, Traité complet de l’hystérie, op. cit., 1846, p. 164-165, 195-196;
51
P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p. 149.
52
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 18861893, v. I, p.
394.
53
Ibid., p. 301-302.
54
Cf. P. Legendre, “La phalla-cieuse”, in A. Verdiglione, La jouissance et la loi, Paris, UGE, 1976, p. 14-
15; M. Foucault, Histoire de la folie à l’age classique, Paris, Gallimard, 1972, p. 299-302 (o quente e o
úmido), 322-323 (a urina, o sangue) [História da loucura na idade clássica, ver Bibliografia]; M.
Foucault, Histoire de la sexualité. I - La volonté de savoir, Paris, Gallimard, 1976, p. 193-196 [História
da sexualidade, I: A vontade de saber, ver Bibliografia].
55
H. Landouzy, Traité complet de l’hystérie, op. cit., p. 81.
56
Cf. P. Briquet, Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie, op. cit., p. 479-489.
57
P. Pomme, citado em M. Foucault, Naissance de la clinique. Une archéologie du regard médical, op.
cit., p. V [O nascimento da clínica, ver Bibliografia].
58
H. Landouzy, Traité complet de l’hystérie, op. cit., p. 299, 342.
59
Cf. IPS, II, p. 140 (texto citado supra, p. 377), 141, 153; P. Richer, Études cliniques sur la grande
hystérie..., op. cit., p. 228.
60
IPS, II, p. 131.
61
IPS, I, p. 83.
62
H. Meige, “La maladie de la fille de Saint-Géosmes, d’après Jean-François-Clément Morand (1754)”,
in NIS, 1896, p. 223.
63
H. Landouzy, Traité complet de l’hystérie, op. cit., p. 130; W. Fliess, Les Relations entre le nez et les
organes génitaux féminins, présentés selon leurs significations biologiques, Paris, Seuil, 1977, passim, em
especial p. 9-10.
64
Comentado em J. L. Schefer, LEspèce de chose mélancolie, Paris, Flammarion, 1978, p. 133.
65
PS, II, p. 168.
66
J. Breuer e S. Freud, Études sur Phystérie (1893-1895), Paris, PUF, 1973. p. 163 [Estudos sobre a
histeria, op. cit., ver Bibliografia].
67
Cf. J. Lacan, Écrits, op. cit., p. 197-213, “Le temps logique et l’assertion de certitude anticipée” [“O
tempo lógico e a asserção de certeza antecipada”, Escritos, ver Bibliografia].
68
J.-M. Charcot, Oeuvres complètes, op. cit., v. I, p. 386, caso Augustine.
69
IPS, II, p. 172.
70
Cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 88.
71
IPS, III, p. 11.
72
IPS, II, p. 139; cf. P. Richer, Études cliniques sur la grande hystérie..., op. cit., p. 134.
73
IPS, III, p. 197.
74
Cf. D.-M. Bourneville, Manuel des infirmières, Paris, Progrès Médical, 3 v., 1878, passim.
75
IPS, II, p. 150.
76
J. Breuer e S. Freud, Études sur Phystérie (1893-1895), op. cit., p. 50 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
77
Cf. H. F. Ellenberger, À la Découverte de Pinconscient, Villeurbanne, SIMEP, 1974, p. 633.
78
A. de Lorde, Théâtre d’épouvante, Paris, Charpentier et Fasquelle, 1909, p. 79-81, “Une leçon à la
Salpêtrière”.
79
J. Breuer e S. Freud, Études sur Phystérie (1893-1895), op. cit., p. 227 [Estudos..., op. cit., ver
Bibliografia].
80
Cf. IPS, II, p. 187, 196.
81
Cf. J.-M. Charcot e P. Richer, Les Démoniaques dans Part, Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1887,
passim. Faço aqui apenas uma introdução a um próximo episódio desta pesquisa.
82
F. Nietzsche, Par-delà Bien et Mal, in Oeuvres complètes VII, Paris, Gallimard, 1971, p. 91 [Além do
bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro, ver Bibliografia].

* No título deste capítulo - Clous du spectacle -, o autor deixa entrever seu jogo com múltiplos sentidos
do termo clou, que vão, entre outros, de “prego” até “aquilo que prende/fixa a atenção” (como o
“gancho” de um texto ou uma peça teatral e similares), passando ainda por “cravo” (como os da
Crucificação) e por uma antiga expressão médica francesa, clou hystérique, que designava uma dor
intensa sentida pelos histéricos num ponto exato do corpo, o clavus. [N.T.]
** O autor joga, neste trecho, com a homonímia entre curer, em suas acepções de tratar, debelar um
mal, curar (mas também aludindo à de limpar), e curée, termo aqui adaptado por “banquete”, que
designa a parte da caça oferecida aos cães depois que um animal é capturado, e designa também,
figurativamente, o butim, a pilhagem. [N.T.]
Posfácio

Imagens e doenças*

“Foi realmente a doença [Krankheit] que constituiu a base


última [der letzte Grund] de todo impulso criador
[Schopferdrang].”1

“O desamparo inicial do ser humano [die anfãngliche


Hilflosigkeit des Menschen] é a fonte originária [die Urquelle]
de todos os motivos morais.”2

Imagem - sintoma

Este livro, o primeiro que publiquei, já com seus trinta e poucos anos, o
que dizer dele hoje? Nunca o reli. Poderia até dizer que nunca o li.
Certamente o abordei, construí, escrevi, e depois o discuti asperamente com
Jean Clay, o mago das Éditions Macula. Por fim, deixei-o entregue a seu
destino. Mas, bem depressa, seu estilo tornou-se insuportável para mim:
estranho demais e familiar demais, ao mesmo tempo. Reconheci nele, de
modo muito imediato e claro, a voz inquieta do homem moço que procura e
procura um estilo, estilo que, por sua vez, procura uma resposta - um
responso, melhor dizendo - para seu objeto intimidante, esse feminino
terrível da histeria na Salpêtrière. Busca penosa e muito dramatizada.
Sucedeu-me ouvir, no presente de minha pesquisa, os gritos de dor dos
pacientes femininos e masculinos internados nos pavilhões que cercavam a
Biblioteca Charcot, onde eu estava explorando o arquivo de todas essas
dores passadas. Foi bem perto dali, em 1984, que morreu Michel Foucault, a
quem este livro deve o apoio recebido para sua publicação, em 1982.
Insuportáveis os gritos ouvidos no presente, imaginados no passado,
insuportável a debilidade da minha voz diante deles. Ao pousar os olhos
apenas nas primeiras frases do livro, fui tomado pelo mesmo sentimento
doloroso que me traria ouvir numa gravação minha voz de adolescente, às
voltas com a dificuldade de entrar no mundo de uma fala adulta. Primeiro
livro, livro de fase da muda. Audácias e inabilidades. Assim, de modo algum
eu poderia julgar este livro - ou sequer relê-lo - hoje em dia, a partir de certa
altura improvável adquirida nesse meio-tempo. Sei apenas que foi a partir
dele que todo o meu trabalho seguiu seu rumo, sua bifurcação inicial, sua
decisão que conduziu todo o resto.
Que decisão? Havia na França dos anos 1970, que foram os da minha
formação, uma notável efervescência do pensamento artístico voltado para
as exigências do impensado, ou, mais exatamente, do inconsciente freudiano.
De um lado, alguns sociólogos e semiólogos da arte aproveitaram a teoria
lacaniana par elevar a “psicanálise da arte” a uma prática do significante e a
uma interrogação sobre o estatuto da interpretação simbólica, o que era um
modo de conjugar a obra de Freud com a iconologia de Erwin Panofsky.3 Do
outro lado, certos filósofos, entre os quais se destacava Jean-François
Lyotard, aproveitaram a tradição do sublime para elevar - mas num sentido
bem diferente - a “psicanálise da arte” a uma prática do figural e a uma
interrogação sobre o estatuto da produção artística vista como “economia
libidinal”.4 Embora eu fosse formado nessa dupla escola - sem contar a
abordagem fenomenológica proveniente dos trabalhos de Maurice Merleau-
Ponty e Henri Maldiney -, minha decisão consistiu, inicialmente, em entrar
em cheio num mundo de imagens inerente ao que se poderia chamar de
regiões baixas do sintoma.
Minhas preocupações de jovem pesquisador tinham-me orientado, a
princípio, para algumas formas corporais da transgressão,5 e depois para um
projeto sobre as formas do páthos em Goya: para aquelas bocas ao mesmo
tempo abertas e tapadas, aqueles corpos atolados que se debatiam com
impotência e furor. Quando Hubert Damisch recusou - por razões que ainda
me são obscuras - a orientação dessa pesquisa, passei um tempo
desocupado, sem saída. Então veio o encontro fortuito, num pequeno café
feminista da rue Saint-Jacques - onde o bolo de chocolate era uma delícia, o
que fizera de mim um frequentador habitual -, com algumas fotografias
enigmáticas de mulheres de gestos estranhos. De algumas dessas imagens
destacava-se uma certa beleza (eu ainda não sabia que se tratava dos retratos
de Augustine), mas era uma beleza que não me trazia nenhum alento,
nenhuma elevação de qualquer tipo. Por isso eram imagens perturbadoras e
até dolorosas de olhar. Bastou-me uma primeira aproximação para
compreender a força delas, sua estranheza, o problema que elas levantavam:
havia ali uma dor em ação, mas exatamente onde, na imagem? Impossível
dizer, no começo.
Já não era a imagem-sorriso de que Freud tinha feito, com sua análise da
Gioconda, o exemplo crucial de uma atividade artística pensada através do
conceito de sublimação,6 e sim uma espécie de imagem-sofrimento, surgida
de um plano de imanência - gestual, orgânica e psíquica - chamado
“contratura”, em particular, ou “atitude passional”, ou até “clownismo”, como
aprouvera a Charcot dizer: algo que podia ser chamado de sintoma em geral.
Foi a extrema violência atestada pela iconografia fotográfica da Salpêtrière
que me deixou sem fôlego, a princípio: ela me impôs a necessidade de
manter em aberto a questão do aparecimento ou da manifestação do
sintoma, quando o quadro freudiano da interpretação - o sintoma psíquico
como “satisfação substituta” - talvez bastasse para tornar a fechá-la,
facilmente. A única frase deste primeiro livro de que ainda me lembro é a
que se abre para uma questão com a qual ainda não parei de me inquietar,
longe disso: “De que maneira, em nossa abordagem das obras, das imagens,
já se acha como que projetada uma relação com a dor? De que modo ela
entra em ação, a dor, qual seria a forma, a temporalidade de sua vinda, ou de
sua reaparição, e isto diante e dentro de nós mesmos, do nosso olhar?”7
Hoje, que a Associação Psicanalítica da França pede que eu reflita sobre o
“uso da sublimação”,8 eu poderia começar dizendo - o que continua
insuficiente, é claro - que minha “via real” para interrogar as imagens da arte
foi a do sintoma (por exemplo, voltando à “brancura cativante” evocada por
Dora até em sua contemplação da Madona Sistina de Rafael),9 e não a da
sublimação, conceito cujas dificuldades intrínsecas fizeram-me suspeitar,
durante muito tempo, de que seu uso decorria, na maioria das vezes, de uma
espécie de “falso problema”. Freud não modificou, não deslocou realmente
nosso olhar tradicional sobre a pintura de Leonardo, ao situá-la como “a
mais alta sublimação acessível ao homem” (der hochsten, dem Menschen
erreichbaren Sublimierung), o que é um modo de renovar uma teoria muito
antiga sobre o gênio, ou ao esperar ver na Sant’Ana do Louvre “a síntese de
sua história infantil” (in dieses Bild ist die Synthese seiner
Kindheitsgeschichte), o que é um modo de renovar uma teoria não menos
antiga da pintura como istoria.10
Não foi nas altas esferas da genialidade artística, ainda que
problematizada pelos parâmetros da fantasia inconsciente, que comecei a
aprender a olhar - ou, melhor, a criticar meu olhar sobre - as imagens. Foi
seguindo Freud no próprio campo da gesticulação histérica, essa terra baixa
do sintoma. Um texto continua fundamental para mim: trata-se da
descrição de Freud de um ataque histérico, observado no exato momento
em que Charcot, diante da espetacular desordem corporal da crise,
renunciou a compreendê-la e até a descrevê-la:

Num caso que observei [não estou longe de pensar, aliás,


que Freud esteja falando de uma observação feita na época
de sua temporada em Paris], a doente apertava o vestido
contra o corpo com uma das mãos (como mulher),
enquanto, com a outra, tentava arrancá-lo (como homem).
Essa simultaneidade contraditória [diese widerspruchsvolle
Gleichzeitigkeit] condiciona, em grande parte, o que há de
incompreensível [die Unverstandlichkeit] numa situação tão
plasticamente representada [so plastisch dargestellten
Situation] no ataque, e por isso se presta perfeitamente à
dissimulação da fantasia inconsciente que está em ação
[Verhüllung der wirksamen unbewussten Phantasie].11

Com esse buquê atordoante de paradoxos teóricos - uma linha de simetria


descoberta bem no cerne de um caos corporal; uma dialética cujo objetivo
era mostrar-se “incompreensível”; uma intensidade plástica que servia para
uma “dissimulação” -, Freud deu ao evento visual do sintoma toda a sua
complexidade, todas as suas tensões, todos os seus fundos falsos. Estamos
muito longe das sínteses esperadas diante das imagens de Leonardo. E se as
obras de arte, inclusive as mais “sublimes”, mais fizessem exteriorizar
paradoxos do que sínteses? Coisas definitivamente impuras, mais do que
elevações para a pureza? E se o olhar que Freud voltou para o sintoma
histérico não nos dissesse mais sobre a arte do Renascimento - refiro-me às
concreções orgânicas e patéticas onipresentes em Donatello ou Botticelli,
bem antes dos paradoxos tipicamente surrealistas da Pequena anatomia da
imagem que era cara a Hans Bellmer, ou do Alvorecer desarmado segundo
René Magritte (figura 112) - do que todas as “sínteses” humanistas e as
“formas simbólicas” pelas quais o historiador e o esteta, ou mesmo o
psicanalista, tantas vezes superpõem a impureza constitutiva das imagens à
pureza apodíctica das ideias?
Figura 112. René Magritte, L’Aube désarmée [O alvorecer desarmado], 1928, nanquim sobre papel,
12,6 x 10,4 cm. Bruxelas, Museu Magritte.

Sintoma - sublimação

É ainda mais necessário procedermos a uma crítica da sublimação quanto


mais procuramos interrogar, ou até fundamentar, a necessidade de tal
conceito (a crítica não revoga seu objeto, muito pelo contrário: ela o
constitui e o reconstrói, depois de havê-lo desmontado, como fez Kant com
o exercício da razão). Criticar a sublimação é começar por não buscar nela a
síntese. É suspender o irreconciliável dos paradoxos, das aporias, das
estranhezas. É nos ensimesmarmos nas próprias impurezas que essa noção
fornece, a despeito do que seu belo nome sugere. Dilema dos psicanalistas:
até onde é possível brincar de desmontar o relógio do papai sem que ele
venha a se dispersar por completo, a se tornar simplesmente inutilizável?
Daniel Lagache dizia da “teoria da sublimação” que, “decididamente, ela não
é uma ‘boa teoria’”.12 Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis propuseram
uma definição da sublimação que partiu justamente da impossibilidade de
tomá-la por uma concepção que houvesse adquirido coerência de uma vez
por todas: fizeram dela “o índice de uma exigência da doutrina do qual é
difícil saber como poderíamos prescindir”, muito embora “a ausência de
uma teoria coerente da sublimação continue a ser uma das lacunas do
pensamento psicanalítico”.13 Mais recentemente, Sophie de Mijolla-Mellor
destacou “o duplo impasse a que [a sublimação] é relegada, com muita
frequência, seja como conceito abstrato e obscuro da metapsicologia, seja
como sinônimo meio precipitado da capacidade de criar”.14
Então, haveria ao mesmo tempo algo de muito sutil e de muito banal no
emprego dessa palavra? Será que a sublimação eleva excessivamente, ou nos
reduz ao que há de mais raso nas coisas, ou até a seu subsolo pulsional? O
que se deve entender, exatamente, no sub prefixal que orienta a compreensão
do termo? Será ele a prova de um “embaixo” ou o sentido oposto - admitido
em latim -, que faz dele o equivalente rigoroso de super, “acima”?15 E o que
devemos entender quanto ao elemento com que se conecta essa operação:
será limus, “o limão”, ou limes, “o limite”, se é que não se trata de limus,
adjetivo que significa “oblíquo” e que só é dito a respeito do olho e do olhar?
16 Acaso a própria sublimação química não supõe o duplo sentido da pureza
(através da ideia de uma passagem direta do estado sólido para o estado
gasoso) e da impureza (através da observação do depósito de substância que
se forma sobre a parede fria do recipiente em que se “sublima” um corpo
sólido por destilação)? Não falamos, ao mesmo tempo, em “sublimado doce”
e “sublimado corrosivo”?17 Isso é um remédio? É um veneno?
O que pretendia Freud entender pela operação psíquica e inconsciente da
Sublimierung, como algo distinto, justamente, de qualquer sublimação física,
química ou alquímica? Antoine Vergote recenseou nada menos que 134
textos nos quais, muito além da simples “psicanálise aplicada”, Freud recorre
a esse termo.18 Por um lado, essa seria uma concepção tão fundamental
quanto a do recalcamento (à qual é simétrica, por assim dizer); por outro,
como diz Jean Laplanche, ela não deixa de evocar os paradoxos existenciais
da famosa “faca de Jeannot”: “essa faca cuja lâmina é trocada e que continua
a ser a faca de Jeannot; depois, troca-se o cabo, e ela ainda fica sendo a faca
de Jeannot; troca-se em seguida o gancho, e ela continua a mesma; troca- -se
a bainha e, por fim, tudo foi trocado: ela continua a ser a faca de Jeannot,
embora desta não reste nada”.19 Não resta nada, com efeito, na composição
final da Metapsicologia, do capítulo previsto sobre a sublimação - capítulo
jamais escrito, ou apenas rascunhado, ou destruído20 -, embora a
sublimação continue a ser o conceito fundador do qual a metapsicologia
freudiana não poderia prescindir.
Poderíamos dizer, com o risco de simplificar desde logo, que a
sublimação, como conceito metapsicológico, oferece uma das vias
fundamentais que ilustram a plasticidade das pulsões - sua “tendência ao
deslocamento” inclusive nos campos compartilhados da cultura humana.
Essa “tendência ao deslocamento” (Verschiebbarkeit) é contrastada por Freud
com a ideia de “fixação” (Fixierung), assim como, no texto de 1905 sobre a
análise de Dora, a ideia de “derivação” (Wendung) sublimatória é
apresentada como o contramotivo exato da “repressão” ou “supressão”
(Unterdrückung) característica do recalcamento.21 No primeiro capítulo da
Metapsicologia, dedicado a “Pulsões e destinos das pulsões”, em 1915, Freud
situou a sublimação entre os quatro “destinos” fundamentais da libido: “Os
destinos das pulsões [Triebschicksale] são os seguintes: inversão no contrário
[Verkehrung ins Gegenteil], retorno sobre a própria pessoa [Wendung gegen
die eigene Person], recalcamento [Verdrangung] e sublimação
[Sublimierung].”22
Na sequência quase imediata dessas linhas, Freud dedicou particular
atenção à “pulsão de olhar”23 (Schautrieb). Isso nos remete a uma etapa
anterior de seu pensamento, quando, em “Uma lembrança da infância de
Leonardo da Vinci”, ele havia esboçado um esquema com três termos: “O
recalcamento, a fixação e a sublimação dispõem, cada um conforme seu
papel, das contribuições fornecidas para a vida psíquica de Leonardo pela
pulsão sexual.”24 Assim, a pulsão de olhar, ou “pulsão de investigação”, pode
ser bloqueada, na “inibição neurótica”, ou fixar-se, na “compulsão à
ruminação”, mas, quando se sublima, ela dá lugar a uma “disposição
particular” - “a mais rara e mais perfeita” - pela qual a pulsão escapa, por
assim dizer, das misérias do sintoma.25 Sem dúvida, é importante, com
respeito à elaboração metapsicológica, interrogar as condições infantis da
sublimação, as noções de apoio, de ligação, ou ainda a distinção entre “alvo”,
“objeto”, “fonte” e “pressão” [ou “impulso”] (Drang) da pulsão.26 Mas vou
ater-me aqui a uma primeira observação concernente à própria instalação
do tema da sublimação em Freud: ela parece caber inteira entre suas
reflexões fundadoras sobre o sintoma histérico e seus avanços exploratórios
sobre a imagem artística.
Em algum lugar entre Anna O. e a Mona Lisa, portanto. Se a sublimação
acabou por se constituir, doutrinalmente, através de sua diferença do
recalcamento - logo, por sua diferença do sintoma -, é forçoso constatar que
foi primeiro na clínica do sintoma histérico que sua implementação foi
efetuada. Isso já aparece com clareza, por exemplo, numa célebre carta de
Freud a Wilhelm Fliess, datada de 2 de maio de 1897: “Consegui formar
uma ideia segura da estrutura da histeria. Tudo remonta à reprodução de
cenas. A algumas se pode chegar diretamente, a outras, somente passando
por fantasias que se erguem à frente delas. As fantasias provêm de coisas que
foram ouvidas, mas só posteriormente compreendidas, e é claro que todo o
material que as constitui é verdadeiro. São construções protetoras,
sublimações dos fatos, embelezamentos deles e, ao mesmo tempo, servem
para o alívio pessoal.”27 Lemos também, no “Rascunho L”, exatamente da
mesma época: “Arquitetura da histeria. - Parece que o objetivo é atingir as
cenas originárias. Chega-se diretamente a isso no caso de algumas, porém,
no de outras, somente por desvios, passando por fantasias. As fantasias, com
efeito, são construções psíquicas avançadas, erigidas para barrar o acesso a
essas lembranças. As fantasias acham-se, ao mesmo tempo, a serviço da
tendência a depurar, a sublimar as lembranças.”28
Nesse vocabulário, tudo concorre para aproximar o sintoma da imagem e,
por extensão, a histeria da arte - ainda que em planos de analogia
completamente diferentes daquilo que Charcot havia elaborado, dez anos
antes, em sua famosa “iconografia artística” da histeria.29 Porventura o
sintoma histérico como “reprodução de cenas” (Reproduktion von Szenen)
não é comparável a uma tela de pintura, ou a um “quadro vivo”? Não
procede, tal como uma atividade artística, pela interposição de “desvios [e]
fantasias” (Umwegen, Phantasien)? Não constrói, como um poema ou um
desenho figurativo, alguma coisa como um “embelezamento dos fatos”
(Verschonerung der Fakten), numa operação destinada a “sublimá-los”,
enquanto traz para o sujeito os benefícios de um “alívio pessoal”
(Selbstentlastung)? Quase nos poríamos a reconhecer, na elaboração
freudiana da imagem como “posterioridade” (nachtrãglich), a famosa
definição duchampiana do quadro como “retardo”... Se a histeria - ou a
própria histérica - se dá a ver como uma “obra de arte falha”, ao menos ela
mantém com a arte, e singularmente com a arte visual ou teatral, uma
relação fundamental, que aparece de modo notável, no “Rascunho L”, através
da observação de Freud sobre o jogo histérico da “sublimação” (uma virgem
à imagem das Madonas pintadas por Leonardo) e da autodegradação30 (uma
prostituta à imagem de um personagem como a Nana de Émile Zola).
Desde 1897, portanto, Freud já havia estabelecido bem a distinção entre
recalcamento e sublimação, ao considerar as “fantasias” da histérica pelo
ângulo de uma ação dupla: de um lado, “essas fantasias são construções
psíquicas avançadas, erigidas para barrar o acesso (den Zugang... zu sperren)
[às] lembranças” inconscientes, mas, no dizer de Freud, “acham-se, ao
mesmo tempo, a serviço da tendência a depurar, a sublimar (sublimieren) as
lembranças”.31 Alguns anos depois, na análise de Dora, Freud falaria muito
em “transferências” feitas “com mais arte” (kunstvoller) do que outras, o que
ele remetia diretamente a um processo de “sublimação”32 (Sublimierung).
Em seu artigo sobre as “Fantasias histéricas e sua relação com a
bissexualidade”, em 1908, ele estabeleceu claramente o duplo destino dos
“fantasmas” ou “fantasias” (Phantasien): sublimação, por um lado - “isto é,
derivar a excitação sexual para um alvo mais elevado” -, e “sintoma
patológico” (Krankheitssymptom), por outro.33 Por fim, na vigésima terceira
das Conferências introdutórias sobre psicanálise, em 1917, Freud insistiu no
papel da imaginação na “formação dos sintomas”34 (Symptombildung). Foi
um modo de não separar o sintoma de uma problemática da imagem (Bild)
e da imaginação (Phantasie). Aqui, mais uma vez, o que se abre para o
sujeito é uma perspectiva dupla: ou um endurecimento dos conflitos
inconscientes, e, por conseguinte, dos processos de recalcamentos
patogênicos, ou o que Freud denominou, com delicadeza, “certa flutuação
nos recalcamentos que determinam o conflito” (eine gewisse Lockerheit der
den Konflikt entscheidenden Verdrangungen) - o que chamou de uma “forte
capacidade de sublimação”35 (eine starke Fáhigkeit zur Sublimierung), à qual
os temas da arte e do artista não tardariam a ser associados.
Esse pequeno número de textos basta, ao me que parece, para nos lembrar
que a sublimação e o sintoma - ou, se quisermos ampliar a questão, as artes e
as doenças - não foram considerados por Freud segundo uma relação brutal
de oposição termo a termo. Antes, aqui haveria uma dialética em jogo.
Como se o “destino das pulsões” também se jogasse, por intermédio da
imaginação - seja Phantasie ou Einbildungskraft -, no nível de um “destino
das imagens”. Poderiamos, portanto, fazer uma hipótese de aproximação
inicial, sugerindo que a sublimação implica um mundo de formas que
aparecem por “flutuação” dos conflitos (donde se trata de um modelo de
fluidez, digamos, o modelo Leonardo), ao passo que o sintoma resgata um
mundo de formas que aparecem por crispação dos conflitos (donde se trata
de um modelo de contratura, digamos, o modelo histeria). Mas as coisas são
bem mais tortuosas na realidade, e isto na medida em que todos os
conceitos em jogo decorrem de quadros de inteligibilidade - ou de campos
epistêmicos - múltiplos: diferentes, porém imbricados uns nos outros, de
modo que influem uns nos outros. Não há conceitos “puros” no campo das
ciências humanas, e os conceitos da psicanálise, ainda que sejam altamente
“metapsicológicos”, decerto não fogem a essa regra. O problema, portanto,
assume um novo aspecto: requer uma tomada de posição, a cada instante e a
propósito de cada palavra, no campo de batalhas simbólicas que se chama
cultura, ou seja, o campo de predileção da “economia libidinal” chamada
sublimação.

Sublimação - símbolo

Daniel Lagache identificou muito bem as dificuldades intrínsecas do


conceito de sublimação, dizendo que “longe de ser um problema específico,
[ela] é uma encruzilhada de problemas, e não dos menores. [...] O problema
da sublimação é um problema de metapsicologia e antropologia
psicanalítica; concerne, ao mesmo tempo, à teoria do aparelho psíquico e à
teoria do homem” em geral, o que não deixa de fadar o conceito de
sublimação à espinhosa utilização dos “valores” humanos.36 Se a sublimação
fosse apenas uma categoria metapsicológica, não passaria de um assunto
esotérico, unicamente para psicanalistas; mas bem sabemos - meu próprio
discurso e suas circunstâncias são exemplo disto - que não é assim. Os
psicanalistas decerto aprenderam com Freud que “no campo da sexualidade,
as coisas mais elevadas e as mais vis ligam-se umas às outras por toda parte,
da maneira mais íntima”.37 Nem assim isso os leva a colocar, nas mesinhas
de suas salas de espera, obras pornográficas ao lado de álbuns sobre
Leonardo da Vinci. O que é um modo de lembrar que o discurso
psicanalítico não decorre, longe disso, apenas da questão “sexual”; ele
mesmo procede de maneira maciçamente “sublimatória”.38 Assim, situa-se -
e tem que se posicionar - num vasto sistema de valores filosóficos,
históricos, sociais, éticos, políticos e estéticos, valores que ele assume a
responsabilidade de admitir ou contestar, conforme o caso. E em nome disso
ele mesmo poderá prestar-se a uma crítica eventual.
Jung, como sabemos, quis dar à sublimação uma extensão metafísica e um
valor esotérico que Freud, evidentemente, não havia querido. O livro de
Jung sobre A psicologia da transferência apresenta-se como um comentário
sobre as lâminas do Rosarium philosophorum, um texto alquímico do século
XVI que descrevia o processo de elevação e purificação da alma a partir de
suas premissas sexuais (coniunctio sive coitus), em seguida através de suas
etapas de fermentatio ou impregnatio, até a sublimatio em que se realizavam,
ao mesmo tempo, a fantasia bissexual característica da histeria e a
purificação metafísica dessa fantasia, ilustrada por um tema de pássaro que
evoca o Espírito Santo39 (e que lembramos, por outro lado, que estava no
centro da análise freudiana das “lembranças infantis” de Leonardo da Vinci).
Essa visão anagógica e salvadora da sublimação em Jung não logrou êxito,
sem dúvida.40 Mas encontramos sua lógica “purificadora” em numerosos
textos psicanalíticos em que a sublimação é considerada um processo de
espiritualização e neutralização, como podemos ler, por exemplo, no início
de Psicanálise da arte, de Ernst Kris.41 Quanto a Antoine Vergote, ele quis
endurecer a “alternativa entre neurose e sublimação”, para arrancar esta
última, com toda a força, do que chamou de “óptica patológica” freudiana,
no intuito de manter a pureza espiritual do que chamou de “a criação” -
palavra mágica tanto da religião quanto da arte, palavra da redenção de
todos os males.42
Parece ser bastante difícil evitar, no emprego da palavra “sublimação”, essa
poderosa vetorialização ascendente e purificadora, esse valor sintético que
resolve como que por encanto os problemas - ou os paradoxos - da
conflituosidade psíquica. Por exemplo, Jean Laplanche imaginou que “não
restam no sublimado nem o alvo nem o objeto nem a própria fonte da
pulsão [...], mas uma energia sexual... dessexualizada, por sua vez”.43 Esse é
um modo de voltar à “faca de Jeannot”, ou, se preferirmos, ao sexo dos anjos,
sendo os dois exemplos privilegiados por Jean Laplanche, nesse contexto, a
folha de parreira (por sua nostalgia do sexo dos anjos) e a poética do fogo
(por sua virtude purificadora e elevadora).44 Enfim, a melhor maneira de
preservar a sublimação do sintoma será, como tantas vezes acontece,
recorrer ao vocabulário - mais inofensivo, de fato - do símbolo.45 Através do
que Laplanche denomina de “tratamento” dos “dejetos pré-genitais da
genitalização”, seguido pela “integração” da agressividade,46 o processo
sublimatório seria definido como símbolo e síntese ao mesmo tempo:
associado aos “modos de ligação pelo eu” [moi], ele “unifica o diverso”,
criando “conexões simbólicas” e “recorrendo a um dado sistema simbólico-
ideológico”, o que chamaremos, para terminar, de “cultura”, como conjunto
de “sistemas mitossimbólicos”.47
Mais surpreendente é que André Green - apesar de perfeitamente a par da
distinção freudiana entre sublimação e idealização - tenha podido sugerir
que “sublimação e espiritualização são sinônimos”, trabalhando juntos na
“purificação” e na “elevação” do sexual: “O sublimado tem relação com um
objeto ideal. Dessexualização quer dizer desmaterialização, e
desmaterialização é sinônimo de idealização. O incorpóreo, o espiritual e o
ideal comunicam-se amplamente” na sublimação.48 É um modo clássico de
projetar a arte na ideia, como quando se trata - de um modo que é, a meu
ver, trivialmente, ou seja, falsamente “mallarmeano” - de privilegiar apenas
os “brancos” de Cézanne,49 quando o que produz a intensidade do trabalho
desse pintor, por mais “sublime” que ele seja, não é outra coisa senão essa
luta íntima de cada instante, esse trabalho paradoxal na imanência das
matérias, o vaivém sem síntese entre cor e não cor, luz e sombra, massa e
leveza, volume e planeza, a forma e o informe etc. Sophie de Mijolla-Mellor,
por sua vez, não tentou superpor a sublimação a uma simbolização
qualquer.50 Mas não resistiu a ver na Ninfa botticelliana um “ideal de
pureza”, ainda mais “cativante” porque realizaria a androginia para além de
qualquer bissexualidade conflituosa ou histérica51 - um modo de não querer
ver a instabilidade, a conflituosidade e a perversidade que Aby Warburg
tinha reconhecido através das figuras humanistas da Ninfa, e isto nos
próprios anos em que Freud se interrogava, por sua vez, sobre a “bela
indiferença” das histéricas.52
Jacques Lacan, sempre um pouco mais genial que os outros - mesmo
quando era para enganar sua turma -, teria buscado apoio num
extraordinário caso clínico de Melanie Klein, no qual havia uma questão de
espaço vazio e espaço pintado,53 para compreender a sublimação como um
processo através do qual o objeto (tanto no sentido trivial quanto no
psicanalítico) se elevaria à “dignidade” da coisa.54 Mais uma vez, portanto, é
de uma elevação e uma purificação que se trata. A Coisa - desde então
escrita com inicial maiúscula - estaria situada além de todos os objetos, bons
ou maus, da realidade material e da realidade psíquica. Lacan construiu a
ideia dela através de uma reprise mimética da operação pela qual Heidegger
havia distinguido o simples “objeto” distante da “coisa”, como os sapatos
comuns estão longe daquilo que Van Gogh utilizou em alguns quadros
célebres.55 Assim, temos aí reencontrada ou perpetuada a nossa misteriosa
alquimia da sublimação: quando o objeto utilitário torna-se “coisa de
coleção”, quando o objeto perspectivo torna-se “coisa de anamorfose”, ou
quando o objeto sexual torna-se “coisa de amor cortês”.56 Ou quando a
história se desfaz, fora do tempo, na bela esfera da arte.
As formulações lacanianas, pautadas que foram por uma verdadeira
estratégia do duplo sentido, têm a particularidade de ser abertas e fechadas
para o leitor ao mesmo tempo (tal como é fechada para o espectador a
célebre porta de Marcel Duchamp). Por um lado, elas se mantêm fecundas,
por sua solicitação de uma constante reflexão e mudança de perspectiva,
como quando Lacan diz que a Coisa é “aquilo que, do real primordial, [...]
padece do significante”.57 Mas, por outro lado, elas deram origem a um
discurso dogmático, de acentos tipicamente idealistas ou neoplatônicos:
discurso do qual a imagem - e, portanto, a própria Phantasie freudiana - foi
destituída em prol de uma verdadeira tirania do simbólico, com vocação para
proferir a “verdade” ou a “veracidade” da obra de arte, nada menos que
isso...58 Exatamente como nos antigos discursos acadêmicos estudados por
Erwin Panofsky, nos quais o campo da arte, depois de ter sido
unilateralmente condenado por Platão, redescobriu-se, como que por um
passe de mágica, reinvestido dos altíssimos, “sublimes” poderes da idea.59

Símbolo - síntese

Freud, como sabemos, nunca teve essas pretensões dogmáticas a respeito


dos campos externos a sua clínica, particularmente os campos artísticos ou
culturais. Parece haver compartilhado com alguns de seus contemporâneos -
por exemplo, Georg Simmel, Aby Warburg ou Walter Benjamin - uma certa
ética do pensamento que o afastava de qualquer pose e qualquer trapaça.
Sua ambição teórica, considerável, nunca teve de sofrer com sua modéstia
fundamental: por um lado, ele nunca teve medo de formular hipóteses, e,
por outro, também não temia reconhecer os limites metodológicos destas.
Por exemplo, formulou a hipótese - “é possível...” (moglich), escreveu - de
que, através de suas graciosas figuras pintadas, Leonardo da Vinci tivesse
“renegado [verleugnet] a infelicidade de sua vida amorosa [das Unglück
seines Liebeslebens] e a tenha superado através da arte [künstlerisch
überwunden hat], figurando a realização do desejo no menino fascinado
pela mãe, nessa afortunada reunião [Wunscherfüllung... Vereinigung] do
masculino com o feminino”.60 Hipótese destinada a apoiar outra, mais geral:
a da “alta sublimação”61 empregada nos objetos de arte.
Mas devemos lembrar que Freud insiste, quase imediatamente - algumas
páginas adiante, no momento de concluir seu ensaio -, na parte não
resolvida de suas hipóteses, particularmente a respeito da capacidade de
sublimar: “As pulsões e suas transformações são o último ponto que o
conhecimento psicanalítico pode atingir. [...] Como o dom artístico e a
capacidade de realização mantêm uma relação íntima com a sublimação, é-
nos forçoso reconhecer que a essência da realização artística [das Wesen der
künstlerischen Leistung] nos é, também ela, psicanaliticamente inacessível.”62
E não é tudo, longe disso. É que Freud também sabe que diante desse limite
epistemológico erguem-se outros limites: os da tradição, da opinião, quero
dizer, a parte demasiadamente resolvida - abusivamente resolvida - dos
discursos sobre a arte e a cultura. Simetricamente ao não saber e a suas
palavras faltantes, temos a doxa e suas palavras sufocantes. Este é um ponto
capital, e no entanto, ao que me parece, largamente subestimado nos
comentários pós-freudianos sobre a sublimação.
Freud, porém, deu mostras de grande lucidez - e grande modéstia - nessa
matéria. Numa passagem de sua conferência sobre “A evolução e a
regressão”, em 1917, lembrou que “entre os processos que protegem da
entrada na doença, há um que adquiriu uma importância cultural particular.
Ele consiste em a aspiração sexual abandonar seu alvo, voltado para o prazer
parcial ou o prazer de procriar, e assumir outro, que está geneticamente
ligado ao que foi abandonado, mas que, por sua vez, já não deve ser
chamado de sexual, e sim de social. Chamamos esse processo de
‘sublimação’, no que nos curvamos à apreciação geral, que coloca os
objetivos sociais acima dos objetivos sexuais, que no fundo são egoístas”.63
“No que nos curvamos à apreciação geral” (wobei wir uns der allgemeinen
Schatzung fügen): eis-nos brutalmente recolocados no plano dos valores e
das convenções sociais. Nas Novas conferências de 1933, Freud voltaria às
dificuldades - aos nós de paradoxos, talvez às aporias - da psicanálise,
quando ela tem que se situar diante dessa “apreciação geral”: por um lado,
como “ciência especializada, [ela] é absolutamente incapaz de formar uma
Weltanschauung própria”; por outro, não pude furtar-se ao mundo cultural,
histórico e social de que faz parte; em consequência disso, ela tem - mas será
isto uma fatalidade?, esta é toda a questão - que “adotar” (annehmen) a
Weltanschauung correspondente à “apreciação geral” nos campos em que
não tem uma experiência específica.64
A questão que aqui se coloca não é outra senão a do conformismo de que
pode dar mostras, na ordem da Weltanschauung cultural, uma disciplina
que, por outro lado, é muito impertinente, muito pronta a transgredir as
convenções. Será que dizer que “a arte é quase sempre inofensiva e
benfazeja, [que] não quer ser outra coisa senão ilusão”,65 como faz Freud em
suas Novas conferências, não é repetir uma doxa estética muito difundida,
porém que inúmeros exemplos da história da arte vêm contradizer? Fra
Angelico e Caravaggio “benfazejos”? Bruegel e Rembrandt “ilusórios”? Goya
e Picasso “inofensivos”? Será que a arte, como campo da sublimação, seria
apenas “proteção”, “vitória do amor estasiado” e da “inspiração” (Jean
Laplanche), “benefício terapêutico” (Paul-Laurent Assoun), ou “melodia dos
instintos” no campo da cultura, ou até a “garantia da conservação do vínculo
social” (Sophie de Mijolla- -Mellor) e a criadora de uma “adesão coletiva”66
(Guy Rosolato)?
Observe-se que as formulações de Jacques Lacan, a despeito da
originalidade de tom, não escapam a esse consenso de uma ideia da arte
como consolo e apaziguamento dos conflitos: “A obra, isso acalma as
pessoas, isso as reconforta [...]. Ela lhes eleva a alma, como se diz, quero
dizer, ela os incita, a eles, à renúncia. [...] Em outras palavras - neste
momento, não estou trepando [...], pois bem!, posso ter a mesma satisfação
que teria se estivesse trepando.”67 Em que se “converte”, então, essa renúncia
sublimatória à satisfação sexual? No que Lacan chama, em outro momento,
de utilidade pública: “[Na sublimação,] a libido sexual vem encontrar sua
satisfação nos objetos [...], na medida em que estes são objetos de utilidade
pública.”68 Ora, talvez seja exatamente aí que se situe o nó problemático do
discurso psicanalítico em geral sobre a sublimação. Quem disse que a coisa
pública vale unilateralmente pela “satisfação”, pela “inocuidade”,
“benevolência”, “proteção”, “consolo”, “apaziguamento”, ou pela “adesão
coletiva”? Não é ela, ao contrário, o lugar por excelência da coisa política, ou
seja, antes de mais nada, um campo de conflitos, como testemunham -
tomando por exemplo apenas o campo “artístico” - as inúmeras querelas
sobre a “utilidade” das imagens, os iconoclasmos e outras lutas, às vezes de
morte, pelo domínio desse campo sensível?69
Em suma, o paradoxo da sublimação aparece exatamente aí onde se
pretenderia defini-la como síntese, em todos os sentidos que essa palavra
admite: satisfação tranquilizadora, reconciliação dialética, unidade
conceitual ou pacificação dos conflitos. Mas será que não se observa que a
psicanálise descobre em toda parte conflitos em ação? Não está nisso a sua
especialidade - exasperante, para alguns -, a sua incomparável força crítica, a
exemplo de quando ela expõe às claras os paradoxos sintomáticos que
tornam inúteis todas as esperanças subjetivas de um “eu” sintético? Mas
diríamos que, com a sublimação - e, portanto, com “a arte” ou “a cultura”
como “adesão coletiva” -, ela sonhou por um momento com processos em
que a satisfação, ao menos uma vez, não seria paga com sofrimentos ou
contrapartidas sintomáticas, mas apenas com graças fluidas e belezas bem
compartilhadas.70 Ora, isso não corresponde a nada do que se observa na
complexidade das obras e nos sobressaltos de suas múltiplas temporalidades.
Ao conformismo frequente dos historiadores da arte que substantificam os
sintomas como “detalhes” e hipostasiam esses detalhes como “chaves”
iconográficas, a ele corresponde o conformismo dos psicanalistas, quando
estes substantificam as imagens como “resultados” e hipostasiam esses
resultados como “chaves” interpretativas.
Como os historiadores da arte expostos à facilidade de ver nas obras
apenas resultados - e não processos -, os psicanalistas, muitas vezes,
conseguem ver nas sublimações apenas sínteses, “saídas”, “realizações” ou
“resultados finais”.71 É então que as obras de arte acabam servindo de álibis
comuns a uma autoconfirmação doutrinal (do lado da psicanálise) e a um
academicismo de bom gosto (do lado estético). É então que a sublimação
fica em condições de se tornar, em seu valor de uso teórico, o que chamarei
de uma “formação de conformismo”. As coisas talvez mudem quando os
psicanalistas dialetizarem sua Weltanschauung da arte, concordando em ler
Georges Bataille ao lado de Paul Valéry, Carl Einstein ao lado de André
Malraux, Aby Warburg ao lado de Erwin Panofsky, ou Bertolt Brecht ao lado
de Thomas Mann... E ao concordarem em reconhecer as dimensões ética e
política inerentes a suas tomadas de posição estéticas.
Num texto de 1955 sobre as relações entre psicologia e sociologia,
Theodor Adorno não deixou de lembrar - ele que, nos anos 1920, fora
fortemente influenciado pelas obras críticas de Gyorgy Lukács - que,
seguindo o contexto da Guerra Fria, “a ciência servil do bloco do Leste
exorcizava a psicologia analítica - a única a fazer pesquisas sérias sobre as
condições subjetivas da irracionalidade objetiva - como se se tratasse de
obra do demônio, e situava Freud, como Lukács foi capaz de fazer, entre os
fascistas, ao lado de Spengler e Nietzsche”.72 Simetricamente, Adorno
denunciou no “psicologismo” ocidental uma “ideologia [...] que transforma
como que por encanto a forma individualista da societização numa
determinação extrassocial, natural, do indivíduo”.73 Assim, a separação entre
disciplinas da psyché e disciplinas do éthos ou da polis afigurou-se, aos olhos
de Adorno, tão arbitrária quanto a divisão do trabalho intelectual nas
hierarquias acadêmicas: uma psicanálise sem posição política seria tão
“simplória”, escreveu ele, quanto uma ciência da sociedade sem
metapsicologia.74
Daí uma crítica política à psicanálise freudiana, justamente a respeito de
seu conformismo social e de sua adoção dócil das Weltanschauungen
circundantes e socialmente “extensas”: “Não podemos censurar Freud por
negligenciar o social concreto, mas por se contentar com demasiada
facilidade com a origem social do caráter abstrato, do caráter fixo do
inconsciente que ele identificou, graças à incorruptibilidade do olhar que é
própria do investigador das ciências da natureza. Ele hipostasiou como
determinação antropológica o empobrecimento decorrente da interminável
tradição do negativo [isto é, a tradição dos conflitos históricos, filosóficos e
sociais]. O histórico torna-se invariante, o psíquico, ao contrário, faz-se
evento histórico. [...] [Assim,] manifesta-se em Freud um elemento social
afirmativo não examinado: a crença nos critérios usuais da ciência que,
justamente, ele desafia.”75 Daí uma crítica ao “supereu médio”, ou ao famoso
preceito Wo Es war, soil Ich werden,** quando eles são interpretados, com a
ajuda da psicanálise norte-americana, em termos de adaptação ao social.76
Daí uma crítica à própria sublimação, quando ela se vê reduzida, como faz
Anna Freud, a um simples “mecanismo de defesa”, o que Adorno acabaria
por compreender sob o ângulo político e filosófico da “tradição da boa e
velha hostilidade da burguesia contra o espírito”.77 Como se a sublimação,
assim conceitualizada ou “conformada”, houvesse chegado a servir de
proteção justamente contra aquilo que se supunha que ela reconhecesse da
economia psíquica, ou seja, a imaginação artística e a vida do espírito.

Síntese - mal-estar

Sem dúvida, as críticas formuladas por Adorno não são desprovidas de certa
propensão ao exagero, com o risco de perderem algumas nuances, e à
radicalização, com o risco de serem injustas. Mas têm pelo menos uma
grande virtude teórica: a de nos incitarem a não perdermos de vista o
elemento de conflito e de “desafio aos critérios usuais”, desafio este que o
próprio Adorno reconhecia como uma contribuição decisiva da teoria
freudiana para o pensamento filosófico em geral. Portanto, é longe dos
resultados (sempre provisórios), dos sucessos (sempre relativos) e das
conformidades (sempre criticáveis) que doravante é preciso procurar: longe
das sínteses e mais perto dos mal-estares, ou até dos sintomas. Ali onde os
conflitos não cessaram, pelo menos. Ali onde se enfrentam, indecisos, ali
onde se encontram e se batem os movimentos da tese contra os da antítese.
Ali onde se atam os paradoxos, onde ocorrem os choques do pensamento.
Para reencontrarmos essa inquietação fecunda - na qual a sublimação,
como conceito, realmente corre o risco de se difratar um pouco mais e ligar
algumas de suas ramificações às do sintoma, sua antítese, segundo dizem -,
basta voltarmos, por meio de alguns exemplos, à economia interna do
pensamento freudiano. Em 1910, ou seja, no mesmo ano do ensaio sobre
Leonardo da Vinci, Freud afirmou que a “plasticidade dos componentes
sexuais” explicava “sua aptidão a serem sublimados”, isto é, utilizados - e em
toda a sua intensidade - para “objetivos mais elevados [...] em lugar do
objetivo não utilizável”.78 Era uma forma de definir a “moção pulsional
inibida quanto ao alvo” e, com isso, não isolar a sublimação, como ele disse
nesse momento, do movimento inicialmente indicado como “desejo
patogênico” (pathogen Wunsch): “Esse desejo é conduzido a um alvo mais
elevado e, desse modo, fica livre das objeções (einwandfrei)”, escreveu
Freud; mas isso não quer dizer, justamente, que fique a salvo de todo
conflito (Konflikt), visto que, até para o artista e o homem culto, “a realidade
[continua a ser] insatisfatória”79 (die Wirklichkeit ganz allgemein
unbefriedigend finden). Daí a “ligação das neuroses com as outras produções
da vida psíquica humana, mesmo com as mais preciosas (wertvollsten)
dentre elas”.80
Em 1913, no artigo entregue à revista Scientia sobre “O interesse da
psicanálise”, Freud examina, sucessivamente, os campos da “história
cultural” (kulturhistorische Interesse) e da “ciência da arte”81
(kunstwissenschaftliche Interesse). Parece, a princípio, que o ponto de vista
freudiano sobre a atividade artística poderia resumir-se na economia da
sublimação como “pacificação” dos conflitos: “A psicanálise reconhece [...]
na prática da arte uma atividade que se propõe apaziguar desejos insaciados
(Beschwichtigung unerledigter Wünsche), na verdade, primeiro no artista
criador e, por conseguinte, no ouvinte ou espectador.”82 Mas logo surge o
seguinte esclarecimento: “As forças pulsionais em ação na arte [die
Triebkrafte der Kunst] são os mesmos conflitos [sind dieselben Konflikte] que
impelem outros indivíduos para a neurose [e] que determinaram à
sociedade a construção de suas instituições.”83 Conflitos psíquicos e
conflitos sociais ao mesmo tempo: conflitos que a arte de modo algum
poderia “resolver”, já que é constituída por eles (sind). Tanto assim que
Freud acaba situando o campo da arte como um “reino intermediário
(Zwischenreich) preso entre a realidade (Realitat) que proíbe o desejo e o
mundo imaginário (Phantasiewelt) que realiza o desejo”.84 E como poderia
um “reino intermediário” escapar dos conflitos opondo os “reinos” dos quais
define, justamente, a zona fronteiriça?
Depois, em 1914, o conflito - psíquico, social - assumiu a aparência
assustadora e concreta de uma guerra total entre as nações. Ficou claro,
naquele momento, que a sublimação não nos salva de nada, na verdade. E foi
por isso que Freud insistiu tanto, nessa época, em distingui-la de qualquer
idealização. O que já aparecia em seu debate contraditório com Jung a
respeito desse ponto tornou-se muito claro no texto crucial que é “Sobre o
narcisismo: uma introdução”.85 Texto em que, não por acaso, foi citado um
poema de Heinrich Heine, proposto por Freud como uma máxima sobre a
“psicogênese da criação”, nada menos: “Foi realmente a doença [Krankheit]
que constituiu a base última [der letzte Grund] / De todo impulso criador
[Schopferdrang].”86 Ao que logo responderiam as frases de Bertolt Brecht: “A
desconjunção do mundo, é este o tema da arte. É impossível afirmar que
sem desordem não haveria arte, e tampouco que poderia haver alguma: não
conhecemos um mundo que não seja desordem. O que quer que nos
sussurrem as universidades sobre a harmonia grega, o mundo de Ésquilo era
cheio de lutas e terror, assim como o de Shakespeare e o de Homero, os de
Dante e de Cervantes, de Voltaire e de Goethe. Por mais pacífica que
parecesse a descrição que se fez dele, ela fala de guerras, e, quando a arte fez
as pazes com o mundo, sempre assinou com um mundo em guerra.”87
É isso que deveria prevenir-nos, pelo menos, contra a idealização da
sublimação em si por meio dessas palavras em maiúsculas - dessas
convenções sociais provenientes de escolhas filosóficas a serem sempre
reinterrogadas - que são as palavras “Arte”, “Espírito” ou “Civilização”, por
exemplo. As obras de arte e do espírito, assim como a civilização, não se
salvam e não nos salvam de nenhum mal e nenhuma doença. Elas os
figuram, o que é bem diferente (pensemos outra vez em Goya, em Picasso).
E o fato de as imagens da arte ou do espírito se afigurarem a nossos olhos
como cristais admiráveis não impede que em seu âmago continuem a correr
as linhas de suas clivagens, de suas fragilidades, de suas fraturas passadas ou
vindouras: “Se jogarmos no chão um cristal”, logo escreveria Freud em suas
Novas conferências, “ele se quebrará, não de um modo qualquer, mas de
acordo com suas linhas de clivagem, em pedaços cuja delimitação, embora
invisível, terá sido determinada de antemão pela estrutura do cristal.”88
Invisíveis a olho nu, como nem sempre são os veios do mármore, essas
fissuras do cristal - suportes de sua constituição estrutural, mas também de
suas possíveis rachaduras sintomáticas - oferecem um precioso paradigma
para compreendermos o que a sublimação expõe e rouba, ao mesmo tempo:
objetos de criação tecidos por destruições; objetos de contemplação
possibilitados pelo pavor - ou pelo menos pela angústia, como mostrou
Melanie Klein89 -; objetos de consenso entremeados de agressividade;90
objetos culturais perpassados de perversões;91 objetos de reparação
corroídos pelo trauma;92 objetos de vida atravessados pela pulsão de morte
ou de destruição.93 Objetos paradoxais, em suma, objetos não sintéticos, ou,
para dizê-lo como Lacan, objetos “antinômicos” ou “antagônicos”.94 Por mais
que as maçãs de Cézanne manifestem, como repete Lacan, uma “relação
com o real [que visa a fazer] surgir o objeto de um modo que é lustral”,95 isto
é, purificador, elas jamais deixarão de vagar por um “reino intermediário”,
privado do “real” e do “ideal”: um Zwischenreich marcado pelo infortúnio,
como bem indica o adjetivo “desastroso”, que encerra a última carta de
Cézanne a seu filho.96

Mal-estar - sintoma

Por fim, haveria com a sublimação o mesmo que com a própria cultura, seu
campo operatório por excelência: gostaríamos de poder falar dela como de
uma felicidade pura - esperança a que logo se percebe que será preciso
renunciar, necessariamente. Foi o que aconteceu com Freud em julho de
1929, quando ele trabalhava no rascunho de um texto sobre “A felicidade e a
cultura” (Das Glück und die Kultur), cujo título, no entanto, transformou-se
rapidamente em “A infelicidade na cultura” (Das Unglück in der Kultur),
antes de se fixar, por fim, na palavra que conhecemos: “mal-estar” (Das
Unbehagen in der Kultur). O que a Grande Guerra já havia mostrado de
maneira desastrosa no campo do espírito - a saber, uma “derrota da razão”,
conduzida a grandes golpes de palavras filosóficas, em primeiro lugar a
palavra Kultur - a iminência dos fascismos europeus e da Segunda Guerra
Mundial veio agravar ainda mais em 1929, época em que, nas livrarias
alemãs e austríacas, sucediam-se triunfalmente as edições de Mein Kampf.
Existe “mal-estar na cultura” porque a cultura de modo algum é de facto o
que deveria ser de jure. Ela deveria ser o reino do espírito ou da sublimação
de nossas pulsões. Na realidade, porém, é um campo de batalha de grande
violência e grande complexidade, o Zwischenreich impuro da sabedoria e da
loucura, um posto avançado dos mais acerbos conflitos políticos, os menos
“cultos” que há. Freud, com certeza, contrasta cultura e pulsão, mas o faz
para recorrer prontamente à ideia de “libido inibida quanto ao alvo”
(zielgehemmte Libido), o que fada a cultura a dois destinos igualmente
perigosos: os ideais, de um lado (com suas mentiras correspondentes, do
tipo “Amarás o próximo como a ti mesmo”, ou do tipo “Um povo, um reino,
um Führer”), e os sintomas, do outro97 (com seus recalcamentos e seus
sofrimentos concomitantes, seu estado de conflitos nunca apaziguados).
Freud certamente contrasta cultura e natureza, uma vez que a cultura é
definida por ele como “a proteção do homem contra a natureza e [como] a
regulamentação dos homens entre si”.98 Mas essa grande arquitetura de
“dispositivos pelos quais nossa vida se distancia da de nossos ancestrais” é
também o que instaura a impossibilidade de tal afastamento, de tal
esquecimento do “primitivo”, à imagem - célebre - da topografia e da
arqueologia de Roma, que metaforizam a “conservação do primitivo”
(Erhaltung des Primitiven) na cultura, porta aberta para dolorosos processos
de “clivagem do desenvolvimento”99 (Entwicklungsspaltung). Esse é um
modo de nomear uma espécie de “sintoma na temporalidade cultural”, que
de modo algum será resolvido pelos ideais filosóficos, pelos valores sociais
nem pelas belezas artísticas, sejam quais forem a força e o esplendor de suas
construções culturais: “A sublimação pulsional é um traço particularmente
destacado do desenvolvimento da cultura; permite que atividades psíquicas
superiores, científicas, artísticas e ideológicas desempenhem na vida cultural
um papel imensamente significativo. [...] Porém melhor será refletirmos
sobre isto ainda mais longamente. [Porque] é impossível não ver em que
medida a cultura é edificada sobre a renúncia pulsional, até que ponto ela
pressupõe precisamente a não satisfação (repressão, recalcamento e o que
mais?) de pulsões poderosas.”100
Isso bem poderia significar que não existe sublimação “em estado puro”,
sejam quais forem as conotações “lustrais” de que a palavra é portadora. A
sublimação certamente fornece um modelo teórico pertinente e até
indispensável para se considerar a cultura humana sob seus aspectos
metapsicológicos. Mas nem por isso constitui uma categoria suficiente para
interpretar ou, simplesmente, para descrever as produções culturais, esses
objetos fatalmente impuros, perpassados, como diz Freud, de “repress[ões],
recalcamento[s] e o que mais?”... O fato de cultura e destruição se oporem
não impede que a cultura - nem que seja através da ideia absolutamente
central de culpa - deva ser pensada através das perturbações de uma grande
“discórdia na economia libidinal”101 (Zwist im Haushalt der Libido), na qual
se debaterão enxurradas de sintomas, entre angústias e pensamentos
substitutos, entre conflitos e valores de compromisso, entre destruições e
belezas reativas...
É significativo que o texto do Mal-estar na cultura comece pelo tema da
“discordância”, esse verdadeiro conflito inerente às sociedades humanas,
segundo Freud - conflito entre atos e pensamentos, entre “critérios falsos” e
“valores verdadeiros”102 etc. - e se prolongue imediatamente, através das
duas primeiras partes do livro, em torno do tema do sofrimento,
reconhecido como base do “mal-estar”, essa espécie de parte maldita - mas
central - da cultura como tal. Para compreendê-la, Freud parte de situações
arcaicas ou excessivas, situações ditas patológicas, “nas quais a delimitação
entre o eu e o mundo externo torna-se incerta, ou nas quais as fronteiras são
traçadas de maneira realmente inexata”103 Então o “exterior estranho e
ameaçador” vem opor-se ao “eu-prazer”, e surgem as “inevitáveis sensações
de dor (Schmerz) e desprazer (Unlust)”.104 E é assim que Freud nos revela,
bem no princípio de nossa bela cultura humana, o mal-estar nascido de uma
ameaça fundamental que o sofrimento faz pesar por toda parte: “O
sofrimento ameaça por três lados: ao provir do próprio corpo, que, fadado
ao declínio e à dissolução, nem sequer pode prescindir da dor e da angústia
como sinais de alerta; ao provir do mundo externo, que pode enfurecer-se
contra nós com forças superpotentes, inexoráveis e destrutivas; e, por fim, ao
provir das relações com outros homens.”105
Assim, convirá compreendermos a cultura como um conjunto de
“distrações poderosas”106 (machtige Ablenkungen), destinadas a prevenir ou
superar o sofrimento. E Freud fornece então um catálogo assombroso em
que o pior situa-se ao lado do melhor, numa indiferença calculada para com
os valores sociais comumente aceitos: isso vai das intoxicações (por álcool
ou drogas) e das perversões até as idealizações e as sublimações (arte,
pensamento); vai do trabalho ao delírio, e do amor ou do simples culto
estético da beleza até os sintomas como tais (“fuga para a doença neurótica”,
psicoses); e dentre eles a religião, evocada in fine nesse contexto, aparece
quase como um simples avatar.107 Pior: Freud, a despeito de sua crítica do
pessimismo e da hostilidade à cultura, reconhece - exatamente como diz
sobre os sintomas como “satisfações substitutas” que levam o sujeito a novos
sofrimentos - que a cultura traz consigo toda a “miséria” que supostamente
deveria conjurar ou redimir: assim, não protege em nada do sofrimento,
embora “tudo aquilo pelo qual tentamos proteger-nos da ameaça que emana
das fontes do sofrimento seja justamente da alçada dessa mesma cultura”.108
Que as palavras sublimação e sintoma tenham sido escolhidas por Freud
para marcar, de certa maneira, a articulação dialética dessa ambivalência de
toda cultura, isto é algo que não deixa de lembrar certa tradição de
pensamento - em algum ponto entre Kant e Goethe, Heine e Nietzsche - a
que Freud deve um grande número de suas formulações, e até de seus
argumentos. O inventor da psicanálise pretendia manter a palavra
Sublimierung longe das tradições físicas e metafísicas da Sublimation. Mas
será possível esquecer que a filosofia do sublime do século XVIII - a de
Edmund Burke, transmitida até o cerne do vocabulário kantiano, que Freud
conhecia muito bem - não define o sublime senão como uma emoção
estética que foi buscar na dor seu próprio recurso? Acaso o sublime não é,
como escreveu Burke, “esse prazer que só pode existir mediante uma
relação, e até mediante uma relação com a dor”?109
Talvez convenha, um dia, reinterrogarmos a sublimação freudiana pelo
parâmetro da centralidade do “sublime” numa longa tradição filosófica,
psicológica, estética e até política.110 Talvez convenha seguirmos a linha de
pensamento que remonta do Mal-estar na cultura ao primeiro parágrafo de
Humano, demasiado humano, no qual Nietzsche recorre à palavra
Sublimation - no sentido químico do termo - para lembrar que, no campo da
cultura e da moral, “as cores mais magníficas são obtidas a partir de matérias
vis ou desprezadas”,111 o que é um modo de falar do material pulsional em
que se enraíza a vida do espírito, nem que seja para negá-lo. Sabemos
também que, em Aurora, Nietzsche tomaria os próprios “juízos morais” por
simples “transformações” - derivações, sublimações, recalcamentos e o que
mais?... - dos “instintos”.112
Quase poderíamos dizer que, no vocabulário de Freud, a palavra mal-estar
- que não é uma categoria clínica tradicional nem um conceito filosófico,
tampouco uma ideia específica da psicanálise - lhe serve para estabelecer a
ligação entre os dois movimentos opostos que formam a sublimação, por um
lado, e o sintoma, por outro. Ou que ela serve para indicar que os termos
dessa oposição se debatem - logo, reúnem-se corpo a corpo para se
combater - em cada obra de arte, em cada trabalho do pensamento, em cada
produção cultural. Alguns psicanalistas sentiram bem, aliás, que sublimação
e sintoma não podiam ser mantidos à distância até o fim. Daniel Lagache,
em primeiro lugar, admitiu que a sublimação brota de um conflito cuja
“neutralização” ela de modo algum assegura, e que seu vínculo com o
mundo normativo dos valores culturais não impede as “manifestações
sintomáticas” de nos lembrarem que todo investimento de valor, ou de
norma, só é “possível quando está de acordo com os desejos mais ocultos”
de um mundo que Lagache qualifica de inaceitável .113
Esse debate - tão íntimo quanto agonístico - entre o “normativo” e o
“inaceitável” não deixa de evocar, evidentemente, a descrição que Georges
Bataille faz de um mundo cultural (e até econômico) constantemente
entregue aos demônios de sua “parte maldita”.114 No próprio ano em que
Freud publicou seu Mal-estar na cultura, Bataille fustigou ironicamente a
idealização fetichista de que as obras de arte eram objeto, como se fossem
instrumentos de uma pacificação e de uma neutralização terapêuticas de
nossos desejos menos confessáveis: “Entra-se na loja do negociante de
quadros como na de um farmacêutico, em busca de remédios bem
apresentados para doenças confessáveis”...115 Em A literatura e o mal, de
1957, Bataille retomaria o fio de um pensamento que se expressava desde
Heine até Nietzsche, começando por esta proposta anti-idealista e até
“desidealizante”: “O tumulto é fundamental [...]. O Mal - uma forma aguda
do Mal - de que [a literatura] é a expressão tem para nós, creio eu, o valor
soberano”, um valor “inaceitável” diante do qual o artista é solicitado a se
posicionar, nem que seja para “se confessar culpado”.116
Por que voltar aqui a Georges Bataille? Em especial, por seu papel decisivo
- embora negado - no pensamento de Jacques Lacan. Recordemos que a
ideia de “Coisa” a cuja “dignidade” a sublimação elevaria o objeto foi
construída por Lacan, exatos dois anos depois de A literatura e o mal, tanto
no plano da ética quanto no da estética, e com a ideia de que “o mal pode
estar na Coisa, no que ela [...] mantém a presença do humano”.117
Lembremos também que, quando Lacan reflete sobre a “crueza paradoxal”
do mundo sublimatório, não faz mais do que retomar um tema batailliano
fundamental, do qual a revista Médecine de France havia publicado, em
1949, um desdobramento intitulado “A arte, exercício da crueldade”.118 Em
suma, a sublimação pede claramente que seja compreendida em sua relação
com o “mal”, ou, melhor dizendo, com os males, quer entendamos por isso o
“mal-estar”, a “infelicidade”, a inaceitável “falta moral” ou até o “sintoma”. E
isso não escapou a Lacan, quando, em sua Selbstdarstellung de 1966, ele
invocou sua atenção ao “envoltório formal do sintoma” para justificar seu
trabalho clínico inaugural (o caso Aimée), bem como seu interesse
fundamental pelos “efeitos de criação”, como dizia, do sintoma.119
Retorno à dor, portanto. Em seu seminário sobre a ética, Lacan voltou
logicamente - na linha direta do Mal-estar da cultura - ao “horizonte do
Schmerz, da dor”, como horizonte comum do sintoma e da sublimação, seja
esta pensada na ordem ética ou na ordem estética.120 Por fim, como
sabemos, Lacan inventou o vocábulo sinthoma para designar, mais uma vez,
essa interface tão misteriosa da sublimação com o sintoma, tudo para
reconhecer o “mal” - o embaraço ou a infelicidade - dos psicanalistas diante
da questão da arte: “Mas até agora só fiz aflorar isso, em vista de meu
embaraço quanto à arte, na qual Freud bebia, não sem infortúnio.”121

Sintoma - imagem

A palavra “sintoma” não faz parte do Vocabulário da psicanálise como um


verbete específico, e é muito bom que seja assim.122 Evidentemente, ao
trabalhar com a iconografia fotográfica da Salpêtrière e proceder à
montagem contrastada dos textos de Charcot e Freud, pude verificar a que
ponto a abordagem do sintoma histérico havia diferido de um autor para o
outro, exatamente como observamos, no nível mais geral da episteme, a
diferença - analisada por Michel Foucault - que separa um saber organizado
como “quadro clássico” de um saber baseado na “explosão” desse mesmo
quadro, no momento em que o positivismo viu-se ameaçado em suas
certezas taxonômicas pela grande “crise das ciências europeias” do fim do
século XIX.123 Eu poderia dizer, neste sentido, que a abordagem freudiana
do sintoma me permitiu renunciar às simplificações iconográficas com que a
história da arte se satisfaz, com demasiada frequência - até na obra de Erwin
Panofsky e dos estruturalistas que nela se inspiraram -, através da palavra
símbolo.124
Essa abordagem me permitiu, sobretudo, trabalhar com a relação entre
imagens e doenças, em suma, renunciar às idealizações que uma abordagem
acadêmica ou intelectualista da arte mantém com e contra todo o páthos das
imagens (o que seria o grande debate de Heine contra Winckelmann no
século XVIII, de Nietzsche contra os neokantianos no século XIX, de
Bataille e Blanchot contra Valéry e Malraux no século XX). Eu poderia até
dizer que o ponto de vista do sintoma me permitiu contornar as aporias da
sublimação, quando esta segue os caminhos idealizados - “conformistas”, no
dizer do próprio Freud - tomados por certa concepção da arte como
“pacificação de conflitos” ou de “desejos insaciados”. A grande contribuição
de Lacan, nesse campo, teria sido não ter medo de fazer a ideia de
sublimação mexer com a de sintoma - que lhe é dialeticamente oposta -, o
que foi, igualmente, um modo de mexer com a própria ideia de sintoma,
como testemunha o neologismo sinthoma, forjado no momento em que
Lacan se confrontou com seu Outro maiúsculo, escritor e artista, quero
dizer, James Joyce.
Assim, ou utilizaremos a sublimação apenas para nos atermos aos
conformismos de uma Weltanschauung da arte como “imagem-sorriso”, ou
deveremos concordar em compreender com ela - nela ou perto dela - a
“imagem-sofrimento” de que toda a nossa história cultural está entremeada,
desde os relevos de Pérgamo até o cinema de Jean-Luc Godard. Mas isto, em
contrapartida, pressupõe que reflitamos de novo, desde o começo, sobre
uma ideia de sintoma que não seria resolvida, pacificada, neutralizada nem
sintetizada nos objetos sublimatórios. Isto pressupõe, uma vez que
trabalhamos no campo da cultura - logo, de seu “mal-estar” -,
contemplarmos para o sintoma um uso maior, mais flutuante, mais
paradoxal do que aquele cuja experiência é habitualmente feita na clínica.
Para aprimorar o conceito de sublimação, talvez seja exatamente a noção de
sintoma que convenha ampliar ou deslocar um pouco.125 É insuficiente
pautar a ideia de sublimação pelas obras-primas sorridentes de Leonardo da
Vinci - entre as quais, aliás, não param de se insinuar numerosos conflitos
ou inibições. Antes, é do lado maior, porém mais sombrio, do Mal-estar na
cultura - ainda que seja um mal- -estar na cultura do Renascimento italiano
- que seria preciso interrogar a dialética fundamental dos sintomas e das
sublimações.
Por isso convém levar a sério até o fim o fato de Freud ter definido o
“interesse da psicanálise” pelo campo da “ciência da arte”
(Kunstwissenschaft) como um prolongamento direto de sua ligação com a
“história da cultura”126 (Kulturgeschichte). Ora, só existia no mundo
germânico uma única instituição digna de tal nome nesse campo: era a
Kulturwissenschaftliche Bibliothek, fundada e dirigida por Aby Warburg. É
espantoso que Freud só tenha feito referência a este - embora cite, aqui e ali,
os trabalhos de Wilhelm Wundt ou de James Frazer, de Salomon Reinach ou
de Marcel Mauss - para se inquietar com sua saúde mental.127 A razão disso
decerto se prende, em primeiro lugar, ao caráter muito erudito e
aparentemente muito especializado dos textos publicados pelo grande
historiador das imagens, embora essa especialidade fosse, justamente, a da
cultura renascentista.128
Além dessa primeira impressão, contudo - dois campos de competências
efetivamente distantes -, ficamos impressionados com a convergência dos
dois autores a respeito da questão crucial da cultura, considerada não apenas
através de suas “obras”, mas também através de seus “mal-estares” ou até de
seus “sintomas”.
Essa convergência liga-se, em primeiro lugar, ao fato de que o próprio
Warburg se definia como “psico-historiador” e não hesitava em fazer uso, se
bem que de maneira singular, de algumas das grandes ideias da psicanálise
(mas não da sublimação, justamente). Por exemplo, em 1924, ele dedicou
um texto às “forças destinais” (Schicksalsmachte) das imagens - como
aquelas que, segundo Warburg, funcionam numa economia temporal
tensionada entre memória e presságio, e decorrem, por conseguinte, tanto
da angústia quanto do desejo - ali onde Freud se havia interrogado sobre os
“destinos das pulsões”129 (Triebschicksale). Mais fundamentalmente, as duas
grandes noções operatórias empregadas por Aby Warburg se esclarecem por
sua exata contemporaneidade com a teoria freudiana: com a noção de
Pathosformel, Warburg interrogava a intensidade - seja “maníaca” ou
“depressiva”, como dizia - das representações ocidentais do humano; com a
de Nachleben, interrogava seu caráter de aparição, um regime temporal de
insistência e espectralidade misturadas.130
A ligação entre essas duas características fundamentais da imagem
segundo Warburg se esclarece, justamente, ao que me pareceu, pela ideia do
sintomático, tal como Freud, a partir da “via real” histérica, forneceu-a em
seus paradigmas essenciais: plasticidade do destino e fraturas na história;
movimentos rememorativos, deslocados, reversivos e substitutivos; gestos
ínfimos ou contorções espetaculares; maneiras de “sofrer de reminiscências”;
agitações, repetições, recalcamentos e posterioridades...131 Mas aqui me
parece necessário proceder a um exercício de leitura recíproca: sem dúvida,
Freud esclarece Warburg, visto que dá um sentido mais preciso à economia
psíquica visada pelo grande historiador na cultura visual do Ocidente, essa
economia do inconsciente da qual, seguramente, as imagens são veículos
privilegiados; mas, por outro lado, a obra de Warburg bem poderia
esclarecer o que Freud apreende do mundo cultural - às vezes com
instrumentos históricos e antropológicos cuja obsolescência os
comentaristas muitas vezes observaram - através da dialética dos “mal-
estares” e das “sublimações”: justamente o que Warburg chamava de
“psicomaquia” dos monstra e dos astra.
É impressionante que as raríssimas menções de Aby Warburg na literatura
psicanalítica francesa se limitem a uma referência unilateral, concernente ao
“ideal de pureza” característico da figura da Ninfa como “corpo sublimado”,
segundo Sophie de Mijolla-Mellor, que promove aí uma verdadeira síntese
da “emoção estética” com a “emoção erótica”, como diz.132 Mas isso é
esquecer todos os conflitos trazidos à luz por Warburg nessa própria figura, e
os mal-estares daí resultantes, como atesta - forneço apenas um exemplo
entre os muitos que seriam possíveis - a análise warburguiana de Botticelli à
luz do tema da castração.133
Por sua vez, Françoise Coblence admitiu de bom grado o interesse teórico
do Nachleben warburguiano no quadro de uma estética psicanalítica, mas
desde que se mantenha a sublimação cultural livre de qualquer sintoma, de
qualquer recalcamento: “Falta às imagens warburguianas, à sua Ninfa, que
de fato se aproxima da Gradiva, a carga sexual, a fetidez da lembrança
recalcada. No Nachleben, que resistências atestam o recalcamento? Que
traços atestam as deformações ou as tentativas de apagamento?”134 A
Crucificação de Bertoldo di Giovanni, por exemplo, evidentemente não
sugere, no espírito do espectador que vai admirá-la no Museu do Bargello,
em Florença, nenhuma “fetidez de lembrança recalcada” (figura 113). Mas o
mesmo não acontecia no fim do século XV, e a figura de Madalena - típica
Ninfa, segundo a terminologia warburguiana - pode ser considerada, nesse
contexto cultural, uma figura sintomática por excelência. Ela marca um
“retorno do recalcado”, na medida em que faz sobreviver a mênade pagã em
pleno coração do mistério cristão: o manto tradicional que a cobre
pudicamente, na iconografia medieval, transforma-se num véu transparente
que revela sua nudez, se não sua obscenidade; sua cabeça virada manifesta
um gozo selvagem, bem como a dor ritualizada das lamentações; a grossa
mecha de cabelos que ela exibe como um troféu, ao pé da cruz, tanto oferece
o sinal extático de seu luto quanto a lembrança dos pedaços de carne crua
que as mênades devoravam avidamente em suas festas dionisíacas.
Recalcamento houve, sem dúvida, para que tal formação de impureza fosse
possível e tolerada na Florença dos anos 1485 (embora saibamos que
algumas esculturas de Donatello, dentre elas a célebre Dovizia, em forma de
ídolo pagão, foram destruídas pela censura católica). Savonarola foi quase o
único, em Florença, a anatematizar essa imagem, da qual compreendeu
perfeitamente a ambivalência empregada nesse simples corpo de santa
impura e muito pouco “sublime” (no sentido teológico e tomista da palavra,
em especial), nessa figura que, a seu ver, estava inteiramente repleta da
“fetidez da lembrança recalcada [do paganismo]”.
O ponto de vista warburguiano, portanto, a meu ver, seria um
instrumento extremamente fecundo para desvincular a estética freudiana de
seu conformismo da arte e enveredá-la pelo caminho de uma verdadeira
teoria crítica - logo, conflituosa - da cultura. Uma vez que a cultura, aos
olhos de Warburg, aparecia como uma “tragédia” na qual se confrontavam e
se misturavam sem parar os astra e os monstra, era lógico que a
“sublimação” se relacionasse constantemente com a “imundície”, como
indica um artigo recente de Robert Pfaller135 e como já mostra a iconografia
do artigo publicado por Warburg, em 1920, sobre as imagens da época da
Reforma luterana: nela, a célebre Melancolia, de Dürer, era vizinha de uma
porca monstruosa, os conteúdos teológicos entremeavam-se com
representações teratológicas, e o (“sublime”) sistema dos astros ladeava com
as pústulas (os sintomas) da “doença francesa”.136
No exato momento em que Freud rascunhava, em 1929, seu Mal- -estar
na culturta, Aby Warburg terminava de elaborar, em Hamburgo, seu grande
atlas de imagens Mnemosyne, cuja orientação filosófica e política -
notadamente através da questão dos fascismos e do antissemitismo, visível
nas duas últimas lâminas137 - estava em perfeita consonância com o
“pessimismo das Luzes” expresso por Freud (figuras 114-115). O que ali se
mostra é uma Kulturgeschichte desidealizada, cujas formulações
benjaminianas logo construiriam a implacável constatação: “Não há
testemunho de cultura que não seja, ao mesmo tempo, um testemunho de
barbárie.”138 Não me surpreende que Warburg, por exemplo, tenha dedicado
uma das primeiras lâminas de seu atlas ao tema do zepelim,139 logo depois
da Grande Guerra, que vira as maravilhosas máquinas voadoras imaginadas
pelo sublime Leonardo, em tempos distantes, servirem de instrumentos
implacáveis de bombardeio e envenenamento de populações civis com gás,
como atesta toda uma documentação reunida pelo próprio Warburg - até
seu desmoronamento na loucura - entre 1914 e 1918.140 Tampouco me
surpreende que esse mesmo tema retorne nas reflexões de Freud, em 1932,
sobre a cultura e a Weltanschauung: “Talvez estejamos apenas pagando,
mediante a atual crise econômica que se sucede à guerra mundial, o preço
de nossa última e portentosa vitória sobre a natureza, a conquista do espaço
aéreo. Isto não parece muito evidente, porém ao menos os primeiros elos do
conjunto são claramente reconhecíveis. A política da Inglaterra era baseada
na segurança que lhe garantia o mar que banha suas áreas costeiras. A partir
do momento em que Blériot sobrevoou o canal da Mancha num aeroplano,
esse isolamento protetor rompeu-se, e na noite em que, em tempos de paz e
com o propósito de um treinamento, um zepelim alemão apareceu acima de
Londres, a guerra contra a Alemanha tornou-se, sem dúvida, uma coisa
decidida.”141
Figura 114. Aby Warburg, Atlas de imagens Mnemosyne, lâmina 78, 1927-1929. Londres, Warburg
Institute Archive. (Fotografia: The Warburg Institute.)
Figura 115. Aby Warburg, Atlas de imagens Mnemosyne, lâmina 79, 1927-1929. Londres, Warburg
Institute Archive. (Fotografia: The Warburg Institute.)

Alguns meses depois de Freud escrever essas linhas, Hitler ascendeu ao


poder. Essa cronologia parece dar razão a Theodor Adorno quando,
evocando essas mesmas linhas, ele avaliou que “os momentos mais
importantes da realidade social, ou seja, os mais ameaçadores - e, em razão
disso, recalcados -, passam para o inconsciente [...], porém
metamorfoseados em imagines coletivas, como mostrou Freud a propósito
do zepelim”.142 É escusado dizer que, com imagines, Adorno não pretendeu
filiar-se ao pensamento de Jung: talvez se referisse implicitamente à
significação política das imagines no contexto da república romana; em todo
caso, apoiou-se explicitamente na teoria das imagens dialéticas - como
aquilo que “forma criptas do social” - segundo Walter Benjamin.143
Este, como se sabe, compartilhava a concepção warburguiana de que as
imagens dialéticas dizem respeito ao próprio cerne de toda legibilidade
histórica, ao passo que a dialética do tempo, reciprocamente, define o
próprio cerne do conceito de imagem. Sabemos também que Benjamin
compreendeu desde muito cedo que era preciso tirar as lições éticas e
políticas dessa concepção antropológica e até metapsicológica da cultura.
Em 1929 - ou seja, no mesmo ano em que Freud escreveu Das Unbehagen in
der Kultur e em que Warburg concluiu seu Bilderatlas Mnemosyne -,
Benjamin publicou um artigo admirável sobre o surrealismo, como
movimento artístico em que a experiência erótica e “contemplativa” de cada
um pudera ganhar forma, numa experiência revolucionária que não tinha
sido uma “experiência ditatorial da revolução” calcada no modelo
soviético.144 Suas conclusões não foram otimistas, nem é preciso dizer.
Porém ao menos puseram a imagem no coração de uma atitude filosófica e
política que consistia em “organizar o pessimismo”.145
Num livro recente, Monique Schneider, embora não fale diretamente da
sublimação, também colocou a dor no princípio de toda estética - portanto,
de qualquer produção de imagens - e o desamparo no de toda decisão
ética.146 E isso nos leva ao tema da escolha, situado por Sophie de Mijolla-
Mellor no cerne de qualquer processo sublimatório: construir com base no
“risco de produzir o objeto de uma perda”, “escolher contra a morte”, sem
recalcá-la, desviar a violência e tentar compreendê-la.147 Ora, Walter
Benjamin nos ensinou - na mesma época em que Freud destacava a força da
pulsão de morte - que uma verdadeira “crítica da violência” pressupõe uma
tomada de posição no vasto campo de conflitos a que chamamos cultura148
(e do qual o que chamamos de “arte” é, sem dúvida, parte integrante).
Assim, seria preciso saber escolher, seria preciso tomar posição. Seria
preciso um esforço a mais para a sublimação se tornar revolucionária.

Notas
1
R. Heine, citado em S. Freud, “Pour introduire le narcissisme” (1914), trad. D. Berger, J. Laplanche et
al., in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969 (ed. revista e corrigida, 1977), p. 91 [“Sobre o narcisismo: uma
introdução”, ver Bibliografia].
2
S. Freud, La Naissance de la psychanalyse (1887-1902), trad. A. Berman, Paris, PUF, 1956 (ed. 1973),
p. 336 (tradução modificada). Ibid., Lettres à Wilhelm Fliess (1887-1904), ed. completa de J. M.
Masson, revisada por M. Schroter, trad. F. Kahn e F Robert, Paris, PUF, 2006, p. 626 (tradução
modificada) [Jeffrey Moussaieff Masson (org.), A correspondência completa de Sigmund Freud para
Wilhelm Fliess, 1887-1904, ver Bibliografia].
3
Cf. H. Damisch, “La partie et le tout”, in Revue d’esthétique, XXIII, 1970, p. 168-188; idem, “Le
gardien de l’interprétation”, in Tel Quel, n.os 44-45, 1971, p. 70-84 e 82-96; L. Marin, Études
sémiologiques, Paris, Klincksieck, 1971, p. 17-60; C. Metz, Le Signifiant imaginaire. Psychanalyse et
cinéma (1977), Paris, Christian Bourgois, 1984 [O significante imaginário, ver Bibliografia].
4
Cf. S. Kofman, LEnfance de l’art. Une interprétation de l’esthétique freudienne, Paris, Éditions Payot,
1970 (ed. revista e ampliada, Paris, Galilée, 1985), p. 155-214 [A infância da arte: uma interpretação da
estética freudiana, ver Bibliografia]; J.-F. Lyotard, Discours, figure, Paris, Klincksieck, 1971, p. 271-354;
idem, “La peinture comme dispositif libidinal” (1972), in Des dispositifs pulsionnels, Paris, Union
Générale d’Éditions, 1973. p. 237-280.
5
Cf. G. Didi-Huberman, “L’Icone, le corps, le sacrilège”, in Études psychothérapiques, XXXII, 1978, n.°
3, p. 197-201.
6
S. Freud, Un souvenir d’enfance de Léonard de Vinci (1910), trad. J. Altounian, A. Bourguignon, P.
Cotet e A. Rauzy, Paris, Gallimard, 1987, p. 132-145 e 174-178 [“Leonardo da Vinci e uma lembrança
de sua infância”, ver Bibliografia].
7
Cf. supra, p. 21.
8
LUsage de la sublimation, Paris, Bibliothèque Nationale de France, 24 de setembro de 2011 (com Jean
Clair como outro interventor e Daniel Widlocher como “mediador do debate”).
9
Cf. G. Didi-Huberman, “Une ravissante blancheur” (1986), in Phasmes. Essais sur l’apparition, Paris,
Les Éditions de Minuit, 1998, p. 76-98.
10
S. Freud, Un souvenir d’enfance de Léonard de Vinci, op. cit., p. 140 e 155 [“Leonardo da Vinci e uma
lembrança...”, op. cit., ver Bibliografia].
11
Idem, “Les fantasmes hystériques et leurs relations à la bisexualité” (1908), trad. J. Laplanche et J.-B.
Pontalis, in Névrose, psychose et perversion, Paris, PUF, 1973 (ed. 1978), p. 155 [“Fantasias histéricas e
sua relação com a bissexualidade”, ver Bibliografia].
12
D. Lagache, “La sublimation et les valeurs” (1962), in Oeuvres, V (1962-1964), De la fantaisie à la
sublimation, Paris, PUF, 1984, p. 6.
13
J. Laplanche e J.-B. Pontalis, Vocabulaire de la psychanalyse (1967), Paris, PUF, 1981, p. 467
[Vocabulário da psicanálise, ver Bibliografia].
14
S. de Mijolla-Mellor, Le Choix de la sublimation, Paris, PUF, 2009, p. 2-3.
15
Cf. A. Ernout e A. Meillet, Dictionnaire étymologique de la langue latine. Histoire des mots, Paris,
Klincksieck, 1932 (ed. revista e corrigida, 1959), p. 660.
16
Ibid., p. 359.
17
Cf. A. Rey (org.), Dictionnaire historique de la langue française, Paris, Dictionnaires Le Robert, 1992
(ed. 1995), p. 2.032. Cf. igualmente S. de Mijolla-Mellor, La Sublimation, Paris, PUF, 2005, p. 3.
18
A. Vergote, La Psychanalyse à Vépreuve de la sublimation, Paris, Éditions du Cerf, 1997, p. 11. Cf. A.
Delrieu, Sigmund Freud: index thématique, Paris, Economica-Anthropos, 1997 (ed. revista e ampliada,
2008), p. 1.582-1.587.
19
J. Laplanche, Problématiques, III. La sublimation, Paris, PUF, 1980, p. 30 [Problemáticas, ver
Bibliografia].
20
Cf. P. Gay, Freud, une vie (1988), Paris, Hachette Littérature, 2002, v. II, p. 25 [Freud: uma vida para
o nosso tempo, ver Bibliografia].
21
S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hysterie (Dora)” (1905), trad. M. Bonaparte e R. M.
Loewenstein, Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954 (ed. 1979), p. 36 [Fragmento da análise de um caso
de histeria, ver Bibliografia]. Idem, “La morale sexuelle ‘civilisée’ et la maladie nerveuse des temps
modernes” (1908), trad. D. Berger, J. Laplanche et al., La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969 (ed. revista e
corrigida, 1977), p. 33 [“Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna”, ver Bibliografia].
22
S. Freud, Métapsychologie (1915), trad. J. Laplanche e J.-B. Pontalis, Paris, Gallimard, 1968 (ed.
revista e corrigida, 1986), p. 24 [ver Bibliografia, textos diversos]. Infelizmente, Freud esclarece logo
de saída que não tem “intenção de tratar aqui da sublimação”.
23
Ibid., p. 29-31. [A Schautrieb também é chamada de “pulsão escópica” ou “pulsão escopofílica.
(N.T.)]
24
S. Freud, Un souvenir d’enfance de Léonard de Vinci, op. cit., p. 171 [“Leonardo da Vinci e uma
lembrança...”, op. cit., v. Bibliografia].
25
Ibid., p. 84-85.
26
Cf. J. Laplanche, Problématiques, III. La sublimation, op. cit., p. 23-27 e 56-62 [Problemáticas III, op.
cit., ver Bibliografia]; J.-M. Porret, La Consignation du sublimable. Les deux théories freudiennes du
processus de sublimation et notions limitrophes, Paris, PUF, 1994, p. 1-110; S. de Mijolla-Mellor, Le
Choix de la sublimation, op. cit., p. 10-14, 43-48 e 129-149.
27
S. Freud, Lettres à Wilhelm Fliess, op. cit., p. 303 [Moussaieff-Masson, A correspondência completa...,
op. cit., ver Bibliografia].
28
Ibid., p. 305.
29
Cf. G. Didi-Huberman, “Charcot, l’histoire et l’art. Imitation de la croix et démon de l’imitation”,
posfácio de J. M. Charcot e P. Richer, Les Démoniaques dans l’art (1887), seguido por La Foi qui guérit
(1892), Paris, Macula, 1984, p. 125-211.
30
S. Freud, Lettres à Wilhelm Fliess, op. cit., p. 305 [Moussaieff-Masson, A correspondência completa...,
op. cit., ver Bibliografia].
31
Ibid., p. 305.
32
S. Freud, “Fragment d’une analyse d’hystérie”, artigo citado, p. 87 [Fragmento da análise..., op. cit.,
ver Bibliografia].
33
Idem, “Les fantasmes hystériques et leurs relations à la bisexualité”, art. cit., p. 151 [“Fantasias
histéricas e sua relação...”, op. cit., ver Bibliografia].
34
Idem, Conférences d’introduction à la psychanalyse (1916-1917), trad. F. Cambon, Paris, Gallimard,
1999, p. 474 [Conferências introdutórias sobre psicanálise, ver Bibliografia].
35
Ibid., p. 477.
36
D. Lagache, “La sublimation et les valeurs”, art. cit., p. 1-3.
37
S. Freud, Trois Essais sur la théorie sexuelle (1905), trad. P. Koeppel, Paris, Gallimard, 1987, p. 74
“Três ensaios..., op. cit., ver Bibliografia].
38
Cf. D. Lagache, “La psychanalyse comme sublimation” (1962-1964), in Oeuvres, V (1962-1964), De
la fantaisie à la sublimation, op. cit., p. 191-225.
39
Cf. C. G. Jung, La Psychologie du transfert (1946), trad. É. Perrot, in La Réalité de l’âme, I. Structure
et dynamique de l’inconscient, Paris, Librairie générale française, 1998, p. 815-858.
40
Idem, “La névrose et l’autorégulation psychologique” (1934), trad. R. Cahen, in ibid., p. 362; “Le
relativisme essentiel de la psychothérapie” (1951), trad. R. Cahen, in ibid., p. 1.088.
41
E. Kris, Psychanalyse de l’art (1952), trad. B. Beck, M. de Venoge e C. Monod, Paris, PUF, 1978, p. 30
[Psicanálise da arte, ver Bibliografia].
42
Cf. A. Vergote, La Psychanalyse à l’épreuve de la sublimation, op. cit., p. 34-37, 77113 e 249-256.
43
J. Laplanche, Problématiques, III. La sublimation, op. cit., p. 122 [Problemáticas III, op. cit., ver
Bibliografia].
44
Ibid., p. 113-115 e 142-167.
45
Ibid., p. 129-133.
46
J. Laplanche, “Sublimation et/ou inspiration”, in Entre séduction et inspiration: l’homme, Paris, PUF,
1999, p. 313-314.
47
Ibid., p. 315-322.
48
A. Green, Le Travail du négatif, Paris, Les Éditions de Minuit, 1993 (ed. 2011), p. 298, 306 e 320 [O
trabalho do negativo, ver Bibliografia].
49
Ibid., p. 297.
50
S. de Mijolla-Mellor, Le Choix de la sublimation, op. cit., p. 89-96.
51
Ibid., p. 241-277.
52
Cf. G. Didi-Huberman, L’Image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby
Warburg, Paris, Les Éditions de Minuit, 2002, p. 249-306 [A imagem sobrevivente, ver Bibliografia].
53
Cf. M. Klein, “Les situations d’angoisse de l’enfant et leur reflet dans une oeuvre d’art et dans l’élan
créateur” (1929), trad. M. Derrida, in Essais de psychanalyse (19211945), Paris, Payot, 1968 (ed. 1996),
p. 254-262 [“Situações de ansiedade infantil refletida numa obra de arte e no impulso criador”, ver
Bibliografia].
54
J. Lacan, Le Séminaire, VII. LÉthique de la psychanalyse (1959-1960), org. J.-A. Miller, Paris,
Éditions du Seuil, 1986, p. 114-119, 132-135 e 139-142 [O Seminário, livro 7, A ética da psicanálise, ver
Bibliografia].
55
Cf. M. Heidegger, “L’Origine de l’oeuvre d’art” (1935-1936), trad. W Brokmeier, in Chemins qui ne
menent nulle part, Paris, Gallimard, 1962 (ed. 1980), p. 13-98; idem, “La chose” (1950), trad. A. Préau,
in Essais et conférences, Paris, Gallimard, 1958 (ed. 1976), p. 194-218.
56
J. Lacan, Le Séminaire, VII, op. cit., p. 134-137 e 160-164 [O Seminário, livro 7, op. cit., ver
Bibliografia].
57
Ibid., p. 142.
58
Cf. F. Wahl, Introduction au discours du tableau, Paris, Éditions du Seuil, 1996, p. 172185; J.-A.
Miller, “Le séminaire de Barcelone sur Die Wege der Symptombildung”, in Le Symptôme-charlatan,
textos reunidos pela Fondation du Champ freudien, Paris, Éditions du Seuil, 1998, p. 14-19; S. André,
Le Symptôme et la création, Lormont, Éditions Le Bord de l’eau, 2010, p. 10.
59
Cf. E. Panofsky, Idea. Contribution à l’histoire du concept de l’ancienne théorie de l’art (1924), trad. H.
Joly, Paris, Gallimard, 1983 [Idea: contribuição à história do conceito da antiga teoria da arte, ver
Bibliografia].
60
S. Freud, Un souvenir d’enfance de Léonard de Vinci, op. cit., p. 147-148 [“Leonardo da Vinci e uma
lembrança...”, op. cit., ver Bibliografia].
61
Ibid., p. 155.
62
Ibid., p. 177.
63
S. Freud, Conférences d’introduction à la psychanalyse, op. cit., p. 439 [Conferências introdutórias...,
op. cit., ver Bibliografia].
64
Idem, Nouvelles Conférences d’introduction à la psychanalyse (1933), trad. R.-M. Zeitlin, Paris,
Gallimard, 1984, p. 212 [Novas conferências introdutórias sobre psicanálise, ver Bibliografia].
65
Ibid., p. 214.
66
J. Laplanche, Problématiques, III. La sublimation, op. cit., p. 139-142 [Problemáticas III, op. cit., ver
Bibliografia]; idem, “Sublimation et/ou inspiration”, art. cit., p. 323- 338; P.-L. Assoun, Littérature et
psychanalyse. Freud et la création littéraire, Paris, Ellipses, 1996, p. 124; S. Mellor-Picaut, “La
sublimation, ruse de la civilisation?”, in Psychanalyse à Puniversité, IV, 1979, n.° 15, p. 473-481; S. de
Mijolla-Mellor, Le Choix de la sublimation, op. cit., p. 408; G. Rosolato, “Nos sublimations”, in Revue
française de psychanalyse, LXII, 1998, n.° 4, p. 1.203.
67
J. Lacan, Le Séminaire. XI. Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse (1964), org. J.-A.
Miller, Paris, Seuil, 1973, p. 102 e 151 [O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise, ver Bibliografia].
68
Idem, Le Sémínaire. VII, op. cit., p. 113 [O Seminário, livro 7, ver Bibliografia].
69
Cf. especialmente D. Freedberg, The Power of Images. Studíes ín the History and Theory of Response,
Chicago/Londres, The University of Chicago Press, 1989; J. Goody, La Peur des représentatíons.
L’ambívalence à Pégard des images, du théâtre, de la fiction, des reliques et de la sexualité (1997), trad.
P.-E. Dauzat, Paris, Éditions La Découverte, 2003; B. Latour e P. Weibel (orgs.), Iconoclash. Beyond the
Image Wars ín Science, Religion, and Art, Karlsruhe/Cambridge/Londres, ZKM-The MIT Press, 2002;
J. Rancière, Le Partage du sensible. Esthétique et politique, Paris, La Fabrique Éditions, 2000; G. Didi-
Huberman, Quand les images prennent position. L’oeil de l’histoire, 1, Paris, Les Éditions de Minuit,
2009; T. Schlesser, LArt face à la censure. Cinq siècles d’interdits et de résistances, Paris, Beaux Arts
Éditions, 2011.
70
Cf. O. Flournoy, “La sublimation”, in Revue française de psychanalyse, XXXI, 1967, n.° 1, p. 59-99.
71
Cf. G. Mendel, “La sublimation artistique”, in Revue française de psychanalyse, XXVIII, 1964, n.os 5-
6, p. 729-808; J. Sandler e W. G. Joffe, “À propos de la sublimation”, in Revue française de psychanalyse,
XXXI, 1967, n.° 1, p. 3-17; J.-L. Donnet, “Processus culturel et sublimation”, in Revue française de
psychanalyse, LXII, 1998, n.° 4, p. 1.0531.067. Cf. também, a título de exemplo, a coletânea La
Sublimation. Journées occitanes de psychanalyse, org. M. Barbonneau e K. Varga, Paris, Éditions In
Press, 2004.
72
T. W. Adorno, “À propos du rapport entre sociologie et psychologie” (1955), trad. P. Arnoux, J.
Christ, G. Felten e F. Nicodème, in Société: intégration, désintégration. Écrits sociologiques, Paris, Payot
& Rivages, 2011, p. 316.
73
Ibid., p. 330.
74
Ibid., p. 317-318 e 335.
75
Ibid., p. 336.
76
Ibid., p. 319 e 331.
77
Ibid., p. 351 e 354.
78
S. Freud, Sur la psychanalyse. Cinq conférences (1910), trad. C. Heim, Paris, Gallimard, 1991, p. 114-
115 [Cinco lições de psicanálise, ver Bibliografia].
79
Ibid., p. 63-64 e 107.
80
Ibid., p. 106-107.
81
S. Freud, “L’intérêt de la psychanalyse” (1913), trad. P.-L. Assoun, in Résultats, idées, problèmes, I.
1890-1920, Paris, PUF, 1984, p. 207-211 [na tradução da Imago, o artigo aparece com o título
“Sobre a psicanálise”, ver Bibliografia].
82
Ibid., p. 210.
83
Ibid.
84
Ibid., p. 211.
85
S. Freud, carta a C. G. Jung de 10 de janeiro de 1912, Correspondance avec C. G. Jung, II. 1910-
1914, trad. R. Fivaz-Silbermann, Paris, Gallimard, 1975, p. 245; idem, “Pour introduire le
narcissisme”, art. cit., p. 87-88 e 98-99 [“Sobre o narcisismo...”, op. cit., ver Bibliografia]. Cf. sobretudo
os comentários de J.-M. Porret, La Consignation du sublimable, op. cit., p. 153-172; S. de Mijolla-
Mellor, La Sublimation, op. cit., p. 7275; idem, Le Choix de la sublimation, op. cit., p. 106-124.
86
S. Freud, “Pour introduire le narcissisme”, art. cit., p. 91 [“Sobre o narcisismo...”, op. cit., ver
Bibliografia].
87
B. Brecht, “Exercices pour comédiens”, trad. dirigida por J.-M. Valentin, in L’Art du comédien. Écrits
sur le théâtre (1940), Paris, L’Arche, 1999, p. 121 (tradução ligeiramente modificada).
88
S. Freud, Nouvelles Conférences d’introduction à la psychanalyse, op. cit., p. 82-83 [Novas
conferências..., op. cit., ver Bibliografia].
89
Cf. M. Klein, “Les situations d’angoisse de l’enfant...”, art. cit., p. 254-262 [“Situações de ansiedade
infantil...”, op. cit., ver Bibliografia]; E. Glover, “Sublimation, Substitution and Social Anxiety”,
International Journal of Psycho Analysis, XII, 1931, p. 263-297.
90
Cf. H. Deutsch, “La sublimation de l’agressivité chez les femmes” (1970), in Les “Comme si” et
autres textes (1933-1970), trad. M.-C. Hamon e C. Orsot, Paris, Éditions du Seuil, 2007, p. 353-359.
91
Cf. D. Lagache, “La sublimation et les valeurs”, art. cit., p. 38-46; J. Kristeva, UAmour de soi et ses
avatars. Démesure et limites de la sublimation, Nantes, Éditions Pleins Feux, 2005, p. 28-34. Para um
ponto de vista diferente, cf. J. Chasseguet-Smirgel, “Sublimation et idéalisation”, in La Sublimation: les
sentiers de la création, Paris, Tchou, 1979, p. 299-314; V. P. Gay, Freud on Sublimation:
Reconsiderations, Albany, State University of New York Press, 1992, p. 294.
92
Cf. P. Fédida, “Temps et négation. La création dans la cure psychanalytique (II)”, in Psychanalyse à
Vuniversité, II, 1977, n.° 8, p. 617-618.
93
Cf. A. Green, Le Travail du négatif, op. cit., p. 302 e 39-313 (com uma análise de Aurélia de Nerval,
sob o título de “La sublimation entre réparation et destruction”, p. 331-349) [O trabalho do negativo,
op. cit., ver Bibliografia].
94
J. Lacan, Le Séminaire. VII, op. cit., p. 114 [O Seminário, livro 7, op. cit., ver Bibliografia]. Cf. P.
Stasse, “Paradoxes de la sublimation”, in Le Symptôme-charlatan, textos reunidos pela Fondation du
Champ freudien, Paris, Éditions du Seuil, 1998, p. 119-125.
95
J. Lacan, Le Séminaire. VII, op. cit., p. 170 [O Seminário, livro 7, op. cit., ver Bibliografia].
96
P. Cézanne, Correspondance (1858-1906), org. J. Rewald, Paris, Grasset, 1978, p. 332.
97
S. Freud, Le Malaise dans la culture (1930), trad. P. Cotet, R. Lainé e J. Stute-Cadiot, Paris, PUF,
1995 (ed. 2010), p. 49-51 [O mal-estar na cultura, traduzido na ESB por O mal-estar na civilização, ver
Bibliografia].
98
Ibid., p. 32-33.
99
Ibid., p. 10-13 e 32.
100
Ibid., p. 40-41.
101
Ibid., p. 84.
102
Ibid., p. 5.
103
Ibid., p. 7.
104
Ibid., p. 8.
105
Ibid., p. 19 (cf. também p. 29).
106
Ibid., p. 17.
107
Ibid., p. 20-28.
108
Ibid., p. 29. Cf. J.-B. Pontalis, “Permanence du malaise”, in Le Temps de la reflexion, IV, 1983, p.
403-423. J. Le Rider, “Cultiver le malaise ou civiliser la culture?”, in Autour du Malaise dans la culture
de Freud, Paris, PUF, 1998, p. 79-118 [Em torno de O mal-estar na cultura, de Freud, ver Bibliografia].
109
E. Burke, Recherches philosophiques sur l’origine de nos idées du sublime et du beau (1757), trad. E.
Lagentie de Lavaisse (1803), Paris, Vrin, 1973, p. 64 (cf. também p. 69-70) [Uma investigação filosófica
sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, ver Bibliografia].
110
Cf. J.-L. Nancy (org.), Du sublime, Paris, Belin, 1988; B. Saint Girons, Fiat Lux. Une philosophie du
sublime, Paris, Quai Voltaire, 1993; E. Goebel, Jenseits des Unbehagens. “Sublimierung” von Goethe bis
Lacan, Bielefeld, Transcript Verlag, 2009.
111
F. Nietzsche, Humain, trop humain. Un livre pour esprits libres (1878), trad. R. Rovini, revisada por
M. B. de Launay, in Oeuvres philosophiques complètes, III-1, org. G. Colli e M. Montinari, Paris,
Gallimard, 1988, p. 31-32 [Humano, demasiado humano, ver Bibliografia].
112
Idem, Aurore. Pensées sur les préjugés moraux (1881-1887), trad. J. Hervier, in Oeuvres
philosophiques complètes, IV, org. G. Colli e M. Montinari, Paris, Gallimard, 1980, p. 42-43 [Aurora:
reflexões sobre os preconceitos morais, ver Bibliografia].
113
D. Lagache, “La sublimation et les valeurs”, art. cit., p. 2, 19-38 e 71.
114
Cf. G. Bataille, La Part maudite. Essai d’économie générale (1949), in Oeuvres complètes, v. VII,
Paris, Gallimard, 1976, p. 17-179 [A parte maldita, precedida de “A noção de dispêndio”, ver
Bibliografia].
115
Idem, “L’Esprit moderne et le jeu des transpositions” (1930), in Oeuvres complètes, v. I, Paris,
Gallimard, 1970, p. 273.
116
Idem, La Littérature et le mal (1957), Oeuvres complètes, IX, Paris, Gallimard, 1979, p. 171-172 [A
literatura e o mal, ver Bibliografia].
117
J. Lacan, Le Séminaire, VII, op. cit., p. 150 [O Seminário, livro 7, ver Bibliografia].
118
Ibid., p. 107. Cf. G. Bataille, “L’Art, exercice de la cruauté” (1949), in Oeuvres complètes, v. XI, Paris,
Gallimard, 1988, p. 480-486.
119
J. Lacan, “De nos antécédents” (1966), in Écrits, Paris, Éditions du Seuil, 1966, p. 66 [“De nossos
antecedentes”, ver Bibliografia].
120
Idem, Le Séminaire, VII, op. cit., p. 129 [O Seminário, livro 7, op. cit., ver Bibliografia].
121
Idem, “Préface à l’édition anglaise du Séminaire XI” (1976), in Autres Écrits, Paris, Éditions du
Seuil, 2001, p. 573 [“Prefácio à edição inglesa do Seminário 11”, ver Bibliografia]. Cf. idem, Le
Séminaire, XXIII. Le sinthome (1975-1976), org. J.-A. Miller, Paris, Éditions du Seuil, 2005 [O
Seminário, livro 23, O sinthoma, ver Bibliografia]. Cf. também F. Perena, “Symptôme et création”, in Le
Symptôme-charlatan, op. cit., p. 213-223; P. Stasse, “Paradoxes de la sublimation”, art. cit., p. 119.
122
Cf. J. Laplanche e J.-B. Pontalis, Vocabulaire de la psychanalyse, op. cit., onde, no entanto, numa
subseção do conceito de “formação”, trata-se da “formação do sintoma” (p. 168) [Vocabulário da
psicanálise, op. cit., ver Bibliografia].
123
Cf. M. Foucault, Les Mots et les choses. Une archéologie des sciences humaines, Paris, Gallimard,
1966, p. 229-233, 260, 357 etc. [As palavras e as coisas, op. cit., ver Bibliografia]. Sobre o “quadro
clínico” da histeria como “quadro clássico” em Charcot, cf. supra, p. 169-171.
124
Cf. G. Didi-Huberman, Devant l’image. Question posée aux fins d’une histoire de l’art, Paris, Les
Éditions de Minuit, 1990, p. 169-218.
125
O que seria testemunhado, desde os anos 1980 até a morte de meu grande interlocutor Pierre
Fédida, em 2002, por meu diálogo com alguns psicanalistas, entre eles Jean- -Bertrand Pontalis, Marie
Moscovici ou Patrick Lacoste. Cf. idem, “Dialogue sur le symptôme” (com Patrick Lacoste), in
L’Inactuel, n.° 3, primavera de 1995, p. 191226; idem, Gestes d’air et de pierre. Corps, parole, souffle,
image, Paris, Les Éditions de Minuit, 2005.
126
S. Freud, “L’Intérêt de la psychanalyse”, art. cit., p. 207-211 [“Sobre a psicanálise”, op. cit., ver
Bibliografia].
127
S. Freud e L. Binswanger, Correspondance 1908-1938, trad. R. Menahem e M. Strauss, Paris,
Calmann-Lévy, 1995, p. 230-232 (cartas de 3 e 8 de novembro de 1921). Sobre a história clínica de
Aby Warburg, ver L. Binswanger e A. Warburg, La Guérison infinie. Histoire clinique d’Aby Warburg
(1921-1929), org. D. Stimilli, trad. M. Renouard e M. Rueff, Paris, Éditions Payot & Rivages, 2007.
128
Cf. A. Warburg, Essais florentins (1893-1920), trad. S. Muller, Paris, Klincksieck, 1990.
129
S. Freud, Métapsychologie, op. cit., p. 11-43. A. Warburg, “Schicksalsmàchte im Spiegel
antikisierender Symbolik” (1924), “Per Monstra ad Sphaeram”. Sternglaube und Bilddeutung. Vortrag
in Gedenken an Franz Boll und andere Schriften 1923 bis 1925, org. D. Stimilli e C. Wedepohl,
Munique-Hamburgo: Dolling und Galitz Verlag, 2008, p. 41-50.
130
Cf. G. Didi-Huberman, L’Image survivante, op. cit., p. 9-270 [A imagem sobrevivente, op. cit., ver
Bibliografia].
131
Ibid., p. 271-514.
132
S. de Mijolla-Mellor, Le Choix de la sublimation, op. cit., p. 245-260.
133
A. Warburg, “La Naissance de Vénus et Le Printemps de Sandro Botticelli. Une recherche sur les
représentations de l’Antique aux débuts de la Renaissance italienne” (1893), trad. S. Muller, Essais
florentins, op. cit., p. 47-100.
134
F. Coblence, Les Attraits du visible. Freud et l’esthétique, Paris, PUF, 2005, p. 149.
135
R. Pfaller, “Die Sublimierung und die Schweinerei. Theoretischer Ort und kulturkritische Funktion
eines psychoanalytischen Begriffs”, in Psyche. Zeitschrift für Psychoanalyse und ihre Anwendungen,
LXIII, 2009, n.° 7, p. 621-650.
136
A. Warburg, “La divination paienne et antique dans les écrits et les images à l’époque de Luther”
(1920), trad. S. Muller, in Essais florentins, op. cit., p. 245-294.
137
Idem, Der Bilderatlas Mnemosyne (1927-1929), org. M. Warnke e C. Brink, Gesammelte Schriften,
II-1, Berlim, Akademíe Verlag, 2000 (2a ed. rev., 2003), p. 133.
138
W Benjamin, “Sur le concept d’histoire” (1940), trad. M. de Gandillac, revista por P. Rusch, in
Oeuvres, III, Paris, Gallimard, 2000, p. 433.
139
A. Warburg, Der Bilderatlas Mnemosyne, op. cit., p. 13.
140
Cf. G. Didi-Huberman, Atlas ou le gai savoir inquiet. L’oeil de l’histoire, 3, Paris, Les Éditions de
Minuit, 2011, p. 212-247.
141
S. Freud, Nouvelles Conférences d’introduction à la psychanalyse, op. cit., p. 237-238 [Novas
conferências..., op. cit., ver Bibliografia].
142
T. W. Adorno, “Post-scriptum” (1966), trad. p. Arnoux, J. Christ, G. Felten e F. Nicodème, Société:
intégration, désintégration, op. cit., p. 375 (tradução modificada).
143
Ibid., p. 375-376.
144
W Benjamin, “Le surréalisme. Le dernier instantané de l’intelligentsia européenne” (1929), trad.
M. de Gandillac, revista por P. Rusch, Oeuvres, II, Paris, Gallimard, 2000, p. 113-134.
145
Ibid., p. 133. Cf. também idem, “Paralipomenes et variantes des thèses sur le concept d’histoire”
(1940), in Écrits français, org. J.-M. Monnoyer, Paris, Gallimard, 1991, p. 350: “Organizar o
pessimismo significa [...] no espaço da conduta política [...] descobrir um espaço de imagens. Mas esse
espaço de imagens não pode ser medido de maneira contemplativa. Esse espaço das imagens
[Bildraum] que procuramos [...] é o mundo de uma atualidade integral e aberta por todos os lados
[die Welt allseitiger und integraler Aktualitat].”
146
M. Schneider, La Détresse, aux sources de Péthique, Paris, Éditions du Seuil, 2011.
147
S. de Mijolla-Mellor, Le Choix de la sublimation, op. cit., p. 58-68, 100, 179-198 e 356-364.
148
W. Benjamin, “Critique de la violence” (1921), trad. M. de Gandillac, revista por R. Rochlitz,
Oeuvres, I, Paris, Gallimard, 2000, p. 210-243.

* Este texto é a versão completa de uma conferência proferida em 24 de setembro de 2011 na


Biblioteca Nacional da França (ver nota 8, p. 431).
** “Onde isso era, ali devo eu advir”, ou “vir a ser”: seria este o preceito freudiano. [N.T.]
Apêndices

Apêndice 1
O “museu patológico vivo”

“Este grande asilo, como decerto nenhum dos senhores ignora, encerra uma
população de mais de cinco mil pessoas, entre as quais figuram em grande
número, sob o título de incuráveis, internados em caráter vitalício, sujeitos
de todas as idades, afetados por toda sorte de doenças crônicas e, em
particular, por aquelas que têm por sede o sistema nervoso.
É esse o material considerável, mas necessariamente de caráter particular,
que forma o que chamarei de acervo antigo, o único que, durante longos
anos, tivemos à nossa disposição para nossas pesquisas patológicas e para
nosso ensino clínico.
Os serviços que podem ser oferecidos pelos estudos e pelo ensino feitos
nestas condições não são de desdenhar, com certeza. Os tipos clínicos se
oferecem à observação, representados por numerosos exemplares que
permitem considerar ao mesmo tempo a afecção, de maneira permanente,
por assim dizer, pois os vazios que se formam com o tempo, nesta ou
naquela categoria, são rapidamente preenchidos. Em outras palavras,
estamos de posse de uma espécie de museu patológico vivo cujos recursos
são consideráveis.”

Jean-Martin Charcot, “Leçons sur les maladies du système nerveux”, in


Oeuvres complètes, aulas compiladas e publicadas por Bourneville, Babinski,
Bernard, Féré, Guinon, Marie, Gilles de La Tourette, Brissaud e Sevestre,
Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 9 v., 1886-1893, v. III, p. 3-4.
Apêndice 2
As aulas clínicas de Charcot

“As aulas clínicas de Charcot se realizavam nas sextas-feiras de manhã, em


seu anfiteatro, lotado até os últimos lugares da arquibancada; ele se
posicionava sobre um estrado, cercado por seus alunos. Apesar de sua
aparente impassibilidade, Charcot só chegava a seu anfiteatro com certa
timidez. Não era um orador brilhante e tinha horror à ênfase, tanto, aliás,
quanto aos lugares-comuns. Sua fala era lenta, a dicção, impecável; ele não
gesticulava e permanecia ora sentado, ora de pé. Sua exposição era sempre
de uma clareza admirável. Ele dava a impressão de querer instruir e
convencer.
Tinha o hábito de fazer entrarem simultaneamente em seu anfiteatro
diversos doentes, atingidos pela mesma afecção; ia de um a outro,
mostrando neles as mesmas particularidades sintomáticas, as mesmas
posturas, o mesmo modo de andar, as mesmas deformações. Em outros
casos, agrupava doentes que apresentavam variedades diferentes de tremores
ou de distúrbios motores, a fim de mostrar suas características
dessemelhantes. O próprio Charcot, durante sua aula, muitas vezes imitava
tal ou qual sinal clínico, por exemplo, o desvio da face numa paralisia facial,
a posição da mão numa paralisia do nervo radial ou do nervo cubital, a
postura rígida do sujeito atingido pela doença de Parkinson. Atrás de
Charcot, no estrado, havia numerosas pranchas ilustrativas, quadros
sinópticos, curvas gráficas e também estatuetas e moldes. Com giz de cores
diferentes, Charcot desenhava no quadro-negro esquemas das mais
complexas regiões anatômicas do sistema nervoso, os quais fazia os
espectadores compreenderem com luminosa clareza. Acrescento que
Charcot foi um dos primeiros a utilizar aparelhos de projeção em suas aulas
[...].”
Georges Guillain, J.-M. Charcot (1825-1893). Sa Vie, son oeuvre, Paris,
Masson, 1955, p. 53-54.
Apêndice 3
A consulta

“É uma engrenagem quase indispensável do serviço. Além disso, porém, é


um elemento importantíssimo de estudos para todos os médicos e
estudantes ligados à clínica. Com efeito, lá se vê em algumas semanas um
número maior deles do que em todos os outros lugares, ao longo de vários
meses, e o exame reiterado pelo professor, em particular nos casos difíceis,
constitui um precioso componente da instrução para todos os alunos que
frequentam o serviço.
Ademais, o serviço é organizado de um modo muito particular, que
permite a todos aproveitar esses numerosos elementos de trabalho. Na
manhã de terça-feira, dia da consulta, desde a primeira hora, assim que os
doentes começam a encher a sala de espera, os senhores internos do sr.
Charcot praticam um primeiro exame. Os doentes são antecipadamente
separados em duas categorias: os que, já se havendo consultado, estão em
processo de tratamento, e os que estão vindo pela primeira vez. Estes
últimos são examinados ali mesmo pelos senhores internos, que redigem
com a máxima precisão possível uma primeira lista de diagnósticos.
Ao chegar ao hospício, o sr. Charcot encontra essa lista pronta e escolhe
imediatamente, entre os casos julgados mais interessantes, à primeira vista,
certo número de doentes que lhe fornecerão uma parte dos elementos de sua
aula do dia. Uma vez concluída a aula, chega a hora do chefe de clínica, que,
auxiliado por alguns externos do serviço, termina a consulta, isto é, pratica o
exame e institui ou modifica o tratamento de todos os doentes restantes,
novos e antigos.
Como seu número é sempre considerável (restam sempre sessenta ou
setenta, às vezes noventa ou mais), é de imaginar que só seja possível dedicar
a cada um deles um tempo muito curto.”
Jean-Martin Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, Paris,
Progrès Médical & Babé, 1892-1893, v. II, p. 430-431.
Apêndice 4
Prefácio a Revista fotográfica dos hospitais de Paris

“A revista que temos a honra de oferecer ao público médico tem por objetivo
divulgar os casos mais interessantes colhidos nos hospitais de Paris.
Uma modalidade de ilustração totalmente nova na medicina permite-nos
juntar a esta revista lâminas cuja Verdade é sempre superior à de qualquer
outro gênero de iconografia.
Os benefícios da fotografia aplicada à medicina renderam pleno sucesso à
clínica fotográfica de doenças da pele dos srs. A. Hardy e A. de Montméja.
Esperamos que nossa publicação, reunindo esses mesmos benefícios e os
que podem resultar de uma experiência maior, possa merecer uma acolhida
semelhante.
O sr. diretor geral da Assistência Pública teve a gentileza de colocar a nova
publicação sob seu patrocínio, e de mandar construir no Hospital Saint-
Louis um magnífico ateliê de fotografia, que é o ponto de encontro do que a
patologia tem de mais interessante e mais raro.”
A. de Montméja e J. Rengade, prefácio a Revue photographique des
Hôpitaux de Paris, n.° 1, Paris, 1869.

Apêndice 5
Prefácio a Iconografia fotográfica da Salpêtrière, v. I

“Ao submeter à apreciação do público médico este primeiro volume da


Iconografia fotográfica da Salpêtrière, parece-nos necessário dizer por que e
como ele foi concebido e executado.
Muitas vezes, no curso de nossos estudos, lamentamos não ter à nossa
disposição os meios de perpetuar pelo desenho a lembrança dos casos que,
interessantes por diversas razões, tivéramos a oportunidade de observar.
Este pesar tornou-se cada vez mais vivo, à medida que vimos, mediante o
exemplo do sr. Charcot, como eram consideráveis os benefícios que podiam
ser extraídos de tais representações. Mais tarde, durante nossa colaboração
com a Revista fotográfica, tivemos a ideia de fotografar as doentes epilépticas
e histéricas que a frequentação assídua dos serviços especiais da Salpêtrière
nos permitia ver, muitas vezes, enquanto elas estavam sofrendo ataques.
Obrigados que fomos a recorrer a um fotógrafo externo, nossas primeiras
tentativas revelaram-se pouco frutíferas: muitas vezes, quando o operador
chegava, tudo já havia acabado. Para alcançar o objetivo que perseguíamos,
o que era necessário ter à mão, na própria Salpêtrière, era um homem que
conhecesse fotografia e fosse dedicado o bastante para estar pronto a
responder ao nosso chamado, toda vez que as circunstâncias assim
exigissem.
O homem dedicado e habilidoso que desejávamos, tivemos a sorte de
encontrá-lo em nosso amigo sr. P. Regnard. Quando ele veio para a
Salpêtrière, na condição de interno [de medicina], em 1875, nós lhe
participamos nossa ideia, que ele aceitou com solicitude. Assim, foi graças a
ele que pudemos utilizar, de maneira prodigiosa, parte do material que
havíamos reunido.
Logo de saída, o sr. Regnard e eu compusemos um Álbum de cem
fotografias, e é possível que nos houvéssemos limitado a ele, se nosso
excelente mestre, o sr. Charcot, que acompanhava nossos trabalhos clínicos
e nossos ensaios fotográficos com sua benevolência habitual, não nos
houvesse incentivado a publicar as observações recolhidas por nós em suas
salas, ilustrando-as com fotografias tiradas pelo sr. Regnard. Seguimos esse
conselho, e agora, cabe aos leitores decidir se este trabalho, que se tornou
comum a nós e ao sr. Regnard, é útil e merece ser levado adiante.”
Désiré-Magloire Bourneville, 30 de novembro de 1877, prefácio a
Iconographie photographique de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical &
Delahaye & Lecrosnier, 1877, v. I, p. iii-iv.

Apêndice 6
Prefácio a Iconografia fotográfica da Salpêtrière, v. II

“Seguindo a promessa que fizemos no final do primeiro volume da


Iconografia fotográfica da Salpêtrière, dedicamos a primeira parte deste
volume que leremos à descrição de uma forma particular de epilepsia, a
Epilepsia parcial, bem como a suas variedades.
Na segunda parte, demos prosseguimento à tarefa iniciada no primeiro
volume, ou seja, à descrição dos ataques de histeroepilepsia. Nossos leitores
encontrarão nas novas observações, não menos interessantes que as
anteriores, cremos, informações cada vez mais precisas sobre os ataques.
Cabe agora dizer uma palavra sobre a forma de ilustração. Os recentes
progressos da fotografia ainda não foram largamente introduzidos nas obras
científicas. Para este segundo volume da Iconografia, o sr. Regnard quis
utilizar um processo fotográfico que proporciona provas feitas com tinta de
impressão e, por conseguinte, inalteráveis. A fotolitografia, que hoje
empregamos, consiste em simplesmente transferir para a pedra o clichê
obtido na câmara escura. A tiragem é feita em seguida na prensa. Esse
processo, portanto, oferece todas as garantias de veracidade inerentes à
fotografia, ao mesmo tempo que os benefícios da impressão com tinta graxa.
Por último, o sr. Regnard e eu temos de agradecer ao sr. Michel Moring,
diretor da administração da Assistência Pública, por ter tido a bondade de
anexar ao laboratório do sr. Charcot um ateliê de fotografia. Foi graças a essa
instalação, perfeitamente apropriada, que pudemos obter lâminas superiores
às antigas.”
Désiré-Magloire Bourneville, prefácio a Iconographie photographique de la
Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye & Lecrosnier, 1878, v. II, p. i-
ii.

Apêndice 7
O estrado, o apoio para a cabeça e o tripé fotográficos
“O estrado que empregamos na Salpêtrière pode ser desdobrado e ocupar
toda a largura do ateliê; esse dispositivo nos serve, por exemplo, quando
queremos fotografar um doente caminhando; dessa maneira, este pode dar
alguns passos, o que é suficiente, na maioria dos casos.
Será necessário ter um apoio para a cabeça, solidamente firmado, embora
o uso desse instrumento, que resulta em poses muito rígidas e muito pouco
naturais, não nos pareça recomendável na prática da fotografia médica.
De fato, a rapidez dos processos atuais torna cada vez menos necessário o
uso desse acessório, muito empregado na fotografia corrente. Todavia, será
preciso recorrer a ele quando o doente não consegue manter a imobilidade e
quando a falta de luz não permite fazer uma prova fotográfica instantânea.
O mesmo acontece quando operamos muito de perto e queremos fazer em
escala ampliada a cabeça ou algumas partes dela: os olhos, a boca, o nariz ou
as orelhas. A grande dimensão da imagem, nesse caso particular, exige
tempos de exposição mais demorados que de hábito e, por outro lado, a
completa imobilidade do sujeito é ainda mais indispensável; entretanto,
sempre que a postura ou a atitude do paciente forem características, será
preciso proscrever, em caráter absoluto, o emprego do apoio para a cabeça.
Por último, em alguns casos, servimo-nos de um tripé de ferro, que se
destina a sustentar os doentes que não podem andar nem se manter de pé.
Esse tripé, que se desloca sobre um eixo, fica deitado, nos dias comuns, ao
longo da parede do ateliê. O doente é sustentado por meio de um aparelho
de suspensão que o segura pelos braços e pela cabeça; esse aparelho é do
mesmo gênero que aquele que serve para o método de suspensão.”

Albert Londe, La Photographie médicale, Paris, Gauthier-Villars, 1893, p.


15.

Apêndice 8
A “observação” e a fotografia na Salpêtrière
“Quando o doente é admitido no hospital, redige-se, aos cuidados do
pessoal médico, uma espécie de laudo a que chamamos observação. Nesse
documento são colhidas todas as informações concernentes aos
antecedentes do enfermo e a seu estado atual. À medida que se produzem
modificações, elas são anotadas com extremo cuidado, e assim
sucessivamente, até a cura, quando ela se dá, ou ao falecimento, quando ele
ocorre. Em muitos casos, a observação é suficiente para o médico; em
outros, porém, seria vantajoso vê-la complementada por documentos
iconográficos.
Quando se trata de qualquer deformidade, de uma chaga ou uma ferida,
por mais perfeita que seja a descrição, uma boa fotografia dirá mais do que
muitas linhas de explicações.
Em alguns doentes, o aspecto geral, a postura e a fácies são absolutamente
característicos e, nesses casos, mais uma vez, a prova fotográfica anexada à
observação a complementa de maneira proveitosa. Do mesmo modo, para
guardar as marcas de um estado passageiro, nada é mais cômodo que tirar
um clichê; em síntese, todas as vezes que o médico o julgar necessário, será
conveniente tirar a fotografia do doente por ocasião de seu ingresso no
hospital.
Toda vez que ocorrer uma modificação em seu estado, uma nova prova
fotográfica será necessária; dessa maneira, será possível acompanhar o
progresso da cura ou da moléstia.
Nos casos de paralisia, contratura, atrofia, ciática etc., será muito
importante conservar a aparência do doente antes de qualquer tratamento.
No estudo de algumas afecções nervosas, como a epilepsia, a
histeroepilepsia e a grande histeria, nas quais encontramos posturas e
estados essencialmente passageiros, a fotografia se impõe para guardar a
imagem exata desses fenômenos, de muito pouca duração para serem
analisados pela observação direta. Há, inclusive, hipóteses de que o próprio
olho não conseguiria perceber os movimentos muito rápidos; é o que
acontece nas crises de epilepsia, nos ataques de histeria, na marcha em casos
patológicos etc. Graças aos métodos cronofotográficos, supre-se facilmente a
impotência do olho nesse caso particular, e com isso se obtêm documentos
de grande valor.
Depois de estudar os conjuntos, cuidamos dos diferentes membros [do
corpo] que possam estar isoladamente afetados, ou que, numa afecção geral,
peçam que sejam reproduzidos em maior escala.
Do mesmo modo, depois de analisar o rosto, podemos ser levados a
reproduzir especialmente os diferentes órgãos que ele encerra.
Nem sempre nos limitamos a assinalar o aspecto externo do enfermo; em
alguns casos, é preciso examinar o interior de alguns órgãos acessíveis. Hoje
em dia, por meio de instrumentos muito engenhosos, é fácil explorar as
diversas cavidades do indivíduo. Esse exame, evidentemente, só pode ser
muito rápido; por isso, nesses casos particulares, é vantajoso fazer uma
prova fotográfica, a qual, além de sua sinceridade, trará o benefício de
lembrar bem ao observador o que ele percebeu, e de lhe permitir fazer um
estudo, com a cabeça descansada, sobre um documento indiscutível.
Infelizmente, como veremos adiante, as dificuldades práticas a resolver são
numerosas e, até o momento, só foram feitas poucas aplicações nesta ordem
de ideias.”

Albert Londe, La Photographic médicale, Paris, Gauthier-Villars, 1893, p.


3-4.

Apêndice 9
A “ficha fotográfica” na Salpêtrière

“Num serviço médico em que os clichês podem acumular-se em grande


número, é necessário classificá-los com extrema ordem.
Eis como funcionamos na Salpêtrière. Ao admitirmos um doente,
consignamos numa ficha especial as diversas informações seguintes: nome,
idade, domicílio, sala do hospital e número do leito, número da fotografia.
Eis o modelo dos impressos que mandamos fazer.”

Albert Londe, La Photographie médicale, Paris, Gauthier-Villars, 1893, p.


177.

Bom para fotografar: Sr. Dubois Sala: Duchenne de


Boulogne

N.° do clichê: 1510, 1511, 1512


Estereoscópio
Projeção
Provas: 2 de cada clichê

N.° 10
Idade: 27 anos
Domicilio: rue de l’Entrepôt, 72

Diagnóstico
Contratura histérica

Informações
A contratura tem duração de dois meses.
Sobreveio após uma emoção violenta.
Obter, se possível, uma fotografia anterior do sujeito.

Data: 6 de dezembro de 1891

Médico: Charcot
Apêndice 10
Técnica da fotografia judiciária

“1. Cada sujeito deve ser fotografado (1) de frente e (2) de perfil,
pelo lado direito, nas seguintes condições (a) de iluminação, (b) de
redução, (c) de pose, e (d) de formato.
2. A pose de frente é iluminada por uma luz proveniente da esquerda em
relação ao sujeito, permanecendo a metade direita em relativa sombra.
3. A pose de perfil é iluminada por uma luz que cai perpendicularmente
sobre a figura do sujeito.
4. A escala de redução adotada para o retrato judiciário, tanto de frente
quanto de perfil, é de um sétimo. Em outras palavras, o número da
objetiva deve ser escolhido, e a distância que separa a objetiva da
cadeira de pose deve ser calculada de tal maneira que um comprimento
de 28 centímetros, passando verticalmente pelo ângulo externo do olho
esquerdo do sujeito a ser fotografado, forneça no clichê uma imagem
reduzida a 4 centímetros, mais ou menos (4 x 7 = 28).
5. É sobre o ângulo externo do olho esquerdo que deve ser ajustado o foco
do aparelho para a fotografia de frente, enquanto, para a de perfil, será
usado o ângulo externo do olho direito, correspondendo essas duas
partes, respectivamente, ao posicionamento mediano mais iluminado
de cada pose. [...]
6. Será suficiente, para evitar hesitações nas sessões posteriores, fixar de
uma vez por todas, no assoalho do ateliê, dois pequenos suportes que
permitam repor imediatamente a cadeira e a máquina fotográfica em
suas respectivas posições.
7. É absolutamente indispensável que as duas tomadas das fotografias
judiciárias de identificação sejam feitas com o sujeito com a cabeça
descoberta.
8. Se, por razões particulares da instrução do caso, for necessário que o
sujeito seja igualmente fotografado de chapéu na cabeça, esta última
pose deverá ser objeto de uma terceira fotografia, a qual será muito
vantajoso, então, que seja tirada de pé, em conformidade com as
prescrições que serão fornecidas no parágrafo 25.
9. Tanto na pose de frente quanto na de perfil, é preciso zelar para que o
sujeito esteja muito corretamente sentado, com os ombros na mesma
altura, tanto quanto possível, a cabeça encostada no apoio de cabeça, e
o olhar horizontal, voltado para a frente.
10. Na pose de frente, os olhos do sujeito devem ser levados a se fixar na
objetiva, o que não costuma suscitar nenhuma dificuldade. Na foto de
perfil, deve-se evitar o deslocamento muito frequente dos olhos para o
lado, na direção do operador, pedindo ao sujeito que olhe para um alvo,
ou, melhor, um espelho, que será colocado no sentido do perfil, tão
longe quanto o permita a largura do ateliê, e na mesma altura que a
objetiva, isto é, aproximadamente 1,20 m acima do piso.
11. Colocação da imagem na placa. São formalmente proibidos o ato de
“mergulhar” e o de mandar “levantar o nariz” para a objetiva. [...]
12. As orelhas devem estar sempre descobertas pelo cabelo, tanto de perfil
quanto de frente.
Para obter esse resultado com algumas cabeleiras malcuidadas e rebeldes,
às vezes é necessário subjugar os cabelos, seja com um barbante, seja
com um elástico (somente para a pose de perfil).
13. As fotografias de perfil em que o contorno da orelha não aparecer por
inteiro deverão ser refeitas. [...]
14. Os clichês não deverão ser objeto de nenhum tipo de retoque, com
exceção de buracos ou furos na gelatina que possam causar manchas
pretas na prova fotográfica, imitando sinais ou cicatrizes. O ato de
embelezar e rejuvenescer a imagem, apagando no clichê as rugas,
cicatrizes e acidentes da pele, é rigorosamente proibido.
15. No serviço fotográfico da chefatura de polícia, para evitar confusões
na transcrição dos registros civis e facilitar a classificação posterior dos
clichês, atribui-se a cada um deles um número de ordem provisório,
conforme a categoria de inscrição do sujeito na lista cotidiana das
fotografias a serem tiradas. Os números, impressos em etiquetas móveis
de aproximadamente 3 centímetros de lado, são sucessivamente
inseridos num pequeno compartimento colocado no alto do espaldar
da cadeira, vista de lado.
16. Essa indicação, reproduzida no clichê pela própria fotografia, permite,
mediante referência à lista do dia, descobrir prontamente o nome do
indivíduo, que é então grafado em letras invertidas na gelatina, na parte
inferior do perfil. Imediatamente a seguir, coloca-se a data de
confecção do clichê, formulada em números, na ordem de praxe: dia,
mês, ano. Por fim, adiante, à direita, abaixo do retrato do rosto, grava-se
do mesmo modo o número de ordem geral, que determinará a
colocação definitiva de cada clichê nos arquivos.”
Alphonse Bertillon, Identification antropométrique - Instructions
signalétiques, Paris, Gauthier-Villars, 1890, p. 130-132.

Apêndice 11
O véu do retrato, a aura

“Força vital em especialização por divisão. - Fotografia feita às 11 horas da


manhã, na penumbra, 15 min. de exposição; a 1,50 m, com máquina
fotográfica, sem eletricidade alguma; fim de 94.
Eu desejava obter de novo os eflúvios vitais do grupo de dois meninos
muito simpáticos e muito nervosos, como os havia obtido várias vezes com
um deles.
Passei-lhes uma severa repreensão, quando estavam muito endiabrados, e
os fiz parar imediatamente com a brincadeira, mediante uma ordem seca;
produziu-se um véu que os ocultou e cobriu o clichê.
Eles sentiram uma espécie de arrepio, de opressão, de apelo, que
modificou sua atmosfera periférica com intensidade suficiente para que a
placa fosse impressionada a 1,50 m, distância a que são produzidos esses
fenômenos invisíveis para o olho humano.
Assim, observou-se um tecido luminoso, como um tricô de malhas e nós.
A forma era elíptica, característica.
No nível da justaposição dos dois meninos em contato, um pelo lado
esquerdo, outro pelo lado direito (o primeiro repelindo, o segundo
atraindo), o fluido se condensou, se especializou e se individualizou em
bolinhas arredondadas; essa forma parece representar o equilíbrio e a fusão
entre duas formas fluídicas, opostas como direção e bruscamente
imobilizadas no momento da contração anímica dos dois meninos,
formando apenas uma mesma alma, durante certo tempo.
O banho incompletamente distribuído em toda a superfície da placa, ao
mesmo tempo, produz a mancha muito visível; sem eletricidade nem luz
vermelha com a máquina; a segunda fotografia, tirada sem emoção, deu o
retrato dos dois meninos repreendidos.”

Hippolyte Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et


l’iconographie de l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896, p. 14.

Explicação da prova fotográfica XXXVIII (figura 36, supra, p. 138).

Apêndice 12
O autorretrato “auracular”

“Iconografias comparadas do corpo vivo, da alma vital e da alma espiritual. -


Trago aqui um quadro comparativo de grafias, em número de quatro: (1°)
Minha fotografia, feita no ateliê de Nadar; (2°) Obografia do meu corpo
fluídico, emanação da alma sensível, concomitantemente à repulsa da agulha
biométrica de 2°, sendo a placa colocada entre a mão e o biômetro; (3°)
Iconografia do meu fantasma psiquicônico; (4°) Grafia da alma
psicoextásica, da alma espiritual com quatro raios.
Explicação XXVIII. (1°) Fotografia do meu corpo vivo à luz do dia, feita
por Nadar. (2°) Ícone óbico espontâneo, representando o fantasma fluídico
do corpo aromal, reproduzindo a forma da minha cabeça. Esse ícone foi
feito sob luz vermelha, com a mão direita posta de frente para a placa
sensível, esta colocada, por sua vez, diante do aparelho biométrico, para
estudar ao mesmo tempo a força expansiva do Ob que repele a agulha de 2
d. e assina, por sua vez, sua própria assinatura, atravessando a camada
sensível, o vidro e o aparelho, para repelir a agulha (sem método elétrico,
com os dedos diante da camada sensível). (3°) Imagem psiquicônica de
minha cabeça; involução de um pensamento referente a mim numa massa
ódica, no centro da qual aparece nitidamente o meu ícone desejado;
pensamento sobre o meu eu (com método elétrico, dedos diante da placa).
(4°) Alma psíquica, eu espiritual. Alma espiritualizada, fina pérola estrelada
com quatro ramificações (com imantação) no centro, área do raio divino,
pequeno círculo de roupa ódica em volta, quatro raios comunicando-se com
os quatro sopros do Espírito Santo.”
Hippolyte Baraduc, LÂme humaine, ses mouvements, ses lumières et
l’iconographie de l’invisible fluidique, Paris, Carré, 1896.
Explicação da prova fotográfica XXVIII (figura 40, supra, p. 143).

Apêndice 13
A aura hysterica (Augustine)

“Ela se compõe dos seguintes fenômenos: (1°) dor com foco no nível do
ovário direito (hiperestesia ovariana); (2°) sensação de uma bola subindo
para a região epigástrica (nó epigástrico); (3°) palpitações cardíacas e
constrição laríngea (terceiro nó); (4°) por último, problemas encefálicos
(latejos no nível da têmpora e da parte anterior do parietal, do lado direito,
silvo no ouvido direito).
A aura só aparece alguns minutos antes do ataque; a doente sempre tem
tempo para se deitar. Às vezes, porém, imagina que o ataque vai parar, que
os fenômenos que ela experimenta não terão sucesso, e não se deita; ou
então sucede-lhe enganar-se e cair, sem se ferir seriamente. [...] Além dos
pródromos já assinalados, temos que destacar os seguintes: a fala torna-se
breve; G. mostra-se indelicada, irritadiça; seus movimentos são bruscos; os
olhos ficam desvairados, fixados; as pupilas se dilatam e o ataque eclode sem
gritos.”
Bourneville e Regnard, Iconographie photographique de la Salpêtrière, v. II,
p. 129, 133.

Apêndice 14
Explicação do quadro sinóptico do grande ataque histérico

“A lâmina V [ver figura 46] representa um quadro sinóptico do grande


ataque histérico e das variedades que resultam de modificações introduzidas
nos elementos que o constituem. O quadro foi composto com a maioria das
ilustrações deste livro, reunidas e dispostas numa ordem que permita
abarcar numa só olhadela as diferentes fases do grande ataque histérico,
completo e regular, e deduzir suas principais variedades.
A primeira linha horizontal de figuras fornece a reprodução esquemática
do grande ataque, em seu perfeito desenvolvimento. Todos os períodos e
suas diversas fases acham-se representados em sua forma clássica.
Todas as outras figuras, dispostas em colunas verticais, são outras tantas
variedades do tipo clássico, variedades estas que seria fácil multiplicar. Cada
coluna, portanto, abrange as formas diversificadas de uma mesma fase, da
qual a figura que aparece no alto, e que pertence ao esquema clássico,
representa a aparência mais comum.”
Paul Richer, Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie,
Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1885, p. 167 (ver figura 46).
Apêndice 15
O “escotoma cintilante”

“Hoje não entrarei na história da enxaqueca oftálmica, pois este é um tema


que nos ocupará de maneira muito especial, um dia destes. Quero apenas
lembrar-lhes que, num ataque vulgar de enxaqueca oftálmica, nitidamente
caracterizado, vemos manifestar-se no campo visual uma figura luminosa, a
princípio circular, depois semicircular, em forma de zigue-zague ou de
desenho de fortificação, agitada por um movimento vibratório muito rápido,
imagem ora branca, fosforescente, ora oferecendo colorações amarelas,
vermelhas ou azuis, mais ou menos acentuadas. É a isso que chamamos
escotoma cintilante.
O escotoma dá lugar, muitas vezes, a uma falha hemianópsica temporária
do campo visual, que faz com que a pessoa não perceba mais que a metade
dos objetos.
O exame campimétrico, muito útil em tais casos, permite reconhecer uma
falha hemianópsica, em geral homônima e lateral, que habitualmente não se
estende até o ponto de fixação.
Tudo isso é seguido por uma dor na têmpora correspondente ao lado em
que se produz a falha visual ou o espectro, e o olho do mesmo lado é foco de
uma dor de tensão que às vezes lembra a experimentada no glaucoma
agudo. A cena é encerrada por vômitos, e tudo volta a entrar nos eixos.”
Jean-Martin Charcot, “Leçons sur les maladies du système nerveux”, in
Oeuvres complètes, aulas compiladas e publicadas por Bourneville, Babinski,
Bernard, Féré, Guinon, Marie, Gilles de La Tourette, Brissaud e Sevestre,
Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 9 v., 1886-1893, v. III, p. 74-75
(ver figura 55).

Apêndice 16
Curar ou experimentar

“Quantas vezes, quando eu era seu interno ou seu chefe de clínica, não ouvi
dizer, no correr de uma discussão sobre os trabalhos do meu professor: ‘Na
Salpêtrière, vocês cultivam a histeria, não a curam’! Quando isso chegava aos
ouvidos de Charcot, ele respondia: ‘Para aprender a curar, primeiro é preciso
aprender a conhecer; o diagnóstico é o melhor trunfo do tratamento.’ Era a
ele que se dirigia a censura de não ser terapeuta! A Charcot, que deu a
verdadeira fórmula do tratamento da histeria e da epilepsia, que descobriu o
único meio de curar os pacientes com vertigem auricular, que antes dele
eram abandonados à própria e infausta sorte, a ele que, na terapêutica,
nunca recuou diante de experimentação alguma, cuja máxima nessa matéria
era que ‘bom remédio é o que cura’. Releia-se a respeito disso um de seus
últimos trabalhos, uma espécie de testamento filosófico, A fé que cura!”
Georges Gilles de La Tourette, “Jean-Martin Charcot”, in Nouvelle
iconographie de la Salpêtrière, 1893, p. 246.
Apêndice 17
Gesto e expressão: o automatismo cerebral

“Os exemplos que relataremos em primeiro lugar foram observados desde o


início de nossas investigações sobre o hipnotismo. Consistem na influência
do gesto sobre a expressão fisionômica. Enquanto o sujeito se acha
mergulhado no estado cataléptico, os olhos ficam abertos e o rosto não
permanece indiferente a quaisquer posturas que imprimamos ao corpo
inteiro. Quando essas posturas são expressivas, o rosto se harmoniza com
elas e concorre para a mesma expressão. Assim, uma postura trágica
imprime um ar duro na fisionomia, o cenho se contrai. Ao contrário, ao
aproximarmos as duas mãos da boca, como no ato de mandar um beijo, o
sorriso aparece imediatamente nos lábios.
Nesses dois exemplos, relacionados com dois sentimentos opostos e fáceis
de caracterizar, a reação do gesto sobre a fisionomia é muito explícita e se
produz com extrema nitidez.
Mas é difícil imprimir num manequim, por mais dócil que seja,
movimentos perfeitamente expressivos, e o número das posturas
comunicadas que têm completa relação com um dado sentimento nos
parece ser relativamente restrito.
Por isso tivemos a ideia de proceder de maneira inversa e, em vez de agir
sobre o gesto para modificar a fisionomia, investigamos a influência da
fisionomia no gesto.
Para imprimir na fisionomia expressões variadas, havia um meio perfeito,
e o caminho foi aberto por um hábil experimentador. Recorremos à
faradização localizada dos músculos da face, seguindo os procedimentos
empregados por Duchenne (de Boulogne) em seus estudos sobre o
mecanismo da fisionomia. [...] Desde nossas primeiras experiências, vimos a
atitude, o gesto apropriado acompanhar a expressão que a excitação elétrica
havia imprimido na fisionomia. À medida que o movimento das feições se
acentuava, víamos o corpo inteiro entrar em ação, como que
espontaneamente, e complementar com o gesto a expressão do rosto.
Quando, por engano ou hesitação no procedimento operatório, a expressão
da fisionomia não se expressava francamente, o gesto permanecia indeciso.
Uma vez produzido, o movimento imprimido nas feições do rosto não se
apaga, a despeito da cessação da causa que o gerou, depois de retirarmos os
eletrodos. A fisionomia permanece imobilizada em catalepsia, e o mesmo se
dá com a postura e o gesto que a acompanharam. Assim, o sujeito vê-se
transformado numa espécie de estátua expressiva, modelo imóvel que
representa com cativante veracidade as mais variadas expressões, das quais
os artistas certamente poderiam tirar enorme partido.
A imobilidade das atitudes assim obtidas é eminentemente favorável à
reprodução fotográfica. Com o concurso do sr. Londe, encarregado do
serviço fotográfico da Salpêtrière, obtivemos uma série de fotografias, dentre
as quais mandamos reproduzir aqui várias das mais interessantes, e a
propósito delas queremos assinalar que foram tiradas por ocasião das
primeiras experiências tentadas neste assunto.”
Jean-Martin Charcot, “Leçons sur la métallothérapie et l’hypnotisme”, in
Oeuvres complètes, aulas compiladas e publicadas por Bourneville, Babinski,
Bernard, Féré, Guinon, Marie, Gilles de La Tourette, Brissaud e Sevestre,
Paris, Progrès Médical & Lecrosnier & Babé, 9 v., 1886-1893, v. IX, p. 441-
443.

Apêndice 18
Um quadro vivo de catalépticas

“É sabido que, nos histéricos, todo barulho violento e inesperado provoca a


catalepsia; só que os diversos doentes assumem atitudes totalmente diversas,
embora sejam as mesmas, em geral, em cada um deles. Ainda não
descobrimos o valor clínico dessa postura em particular em cada sujeito,
mas talvez ela exista e, com certeza, reunindo um grande número de provas
desse gênero, decerto chegaremos a resultados interessantes.
Eis a reprodução de uma fotografia tirada na Salpêtrière [figura 89]. As
histéricas foram levadas para diante do aparelho a pretexto de tirarem sua
fotografia. Nesse momento, fez-se soar um gongo e todas elas entraram em
catalepsia, como mostra o croqui feito pelo dr. Richer com base na prova
fotográfica.
Neste caso particular, foi possível posar pelo tempo desejado, pois, no
estado de catalepsia, o doente apresenta uma imobilidade quase completa.
Todavia, embora a postura seja conservada durante um tempo relativamente
longo, há uma fadiga geral dos músculos em ação, e provas fotográficas
tiradas com certo intervalo mostraram de maneira manifesta o fato em
questão.”
Albert Londe, La Photographic médicale, Paris, Gauthier-Villars, 1895, p.
90.

Apêndice 19
Delírios provocados: relatório de Augustine

“Delírio provocado por éter. - Embora já tenhamos relatado, num grande


número de ocasiões, as alucinações e as sensações experimentadas pelas
histéricas sob a influência das inalações de éter, em particular por L. (v. II, p.
161), pareceu-nos interessante reproduzir o relatório escrito pela própria
doente, a nosso pedido e após instâncias reiteradas, sobre as sensações que o
éter lhe proporciona e que a impelem a reclamá-lo com frequência:

Desde 3 de março (de 1877), depois de absorver uma certa


quantidade de éter, ficaram em mim, por três dias, umas
ideias ruins sobre as alucinações e as coisas que eu tinha
visto e experimentado com prazer. Estas ideias eram: eu
estava sempre com o meu querido e amado M.; só pensava
nele, em todo lugar a que ia; sempre me parecia vê-lo, ouvir
sua voz me chamar. Quando ficava sozinha por uns
instantes, eu me empenhava em refletir, para saber como
poderia fazer para... poder amá-lo e possuí-lo como eu
gostaria; então eu cobria o rosto com as mãos, e era nessa
hora em que eu sentia uma grande felicidade que lhe
perguntava: ‘Você me ama?’ Parecia que ele me respondia
‘Sim’; então eu ficava cheia de alegria, acreditando sentir
que ele me abraçava e me apertava contra o peito, como às
vezes me acontecia ouvi-lo me pedir; eu sempre respondia
‘Sim’. (Mas era só um sonho, infelizmente.) Durante esses
três dias, senti essa felicidade quase dez vezes por dia.
Chegando a hora de me deitar, ficava ainda pior, eu o sentia
deitado comigo, me enlaçando em seus braços, me
apertando contra o peito e me dizendo para dormir, o que
eu queria, mas antes preferiria que ele me fizesse
completamente feliz e me provasse que me amava, mas ele
me parecia dizer ‘Não’; então eu ficava confusa, irritada
com essa resposta, sentia um mal-estar que não quero
deixar que o senhor desconheça: de repente, eu era tomada
por calafrios, sentia uma palpitação no coração, um suor
frio me passava pelo rosto; eu gostaria de poder me
levantar, mas não conseguia mexer os braços nem a cabeça.
Isso durava uns quatro a cinco minutos. Depois, no fim, eu
sentia um bem-estar que não me atrevo a lhe explicar.
Experimentava essa espécie de mal-estar toda vez que o
sentia apertar-se contra o meu peito; eu sentia que ele me
estreitava contra o peito, pedia-lhe uma coisa que ele não
queria fazer para mim, aí eu tornava a sentir um mal- -estar
e tinha muita dificuldade para dormir, depois de expulsar
todas essas ideias. Em todos os três dias, ao me deitar, senti
a mesma coisa. Desde que fiquei doente, não sinto mais
isso, de jeito nenhum, exceto todas as vezes que tenho a
oportunidade de ver essa pessoa encantadora que sempre
me dá vontade de abraçar, mas, quando apareço diante dele,
fico intimidada, porque me contenho o máximo possível
para não lhe mostrar que o amo. Não digo ao senhor o
nome dessa pessoa porque não acho que isso lhe seja
necessário, e ademais eu não ousaria.
P.S. Acabei de lhe dizer tudo o que o senhor me pediu, e até
mais; eu lhe falaria mais abertamente, se me atrevesse, mas
tenho medo de que seja na frente de todo o mundo.

Assim, os efeitos do éter se prolongariam por um tempo bastante longo


após a inalação. Se o relato precedente é mesmo exato - e cremos que sim,
porque é conforme ao da maioria das doentes -, o éter produziria quase
constantemente sonhos agradáveis, voluptuosos, e poria a doente na
situação em que ela fica durante uma parte da fase alegre do período de
delírio dos ataques.
Efeitos consecutivos às inalações de nitrito de amila. - X. L., no fim de
novembro de 1877, isto é, numa época em que [ela] era bastante fácil de
manejar, deu-nos os seguintes detalhes sobre os fenômenos que sente
quando a fazemos aspirar nitrito de amila:

Depois do nitrito de amila, fiquei enfurnada na cama; ia


começando a dormir quando vi M. se aproximar de mim;
ele se deitou do meu lado, me envolveu nos braços, me
abraçou, me fez cócegas e me tocou.

Por minha vez, eu também o abracei e o enchi de carícias,


me comprimindo contra ele, e então estremeci, animada,
feliz, e depois me rebolei toda, da maneira mais
inconveniente... sempre achando que M. me acariciava,
tocava meus seios, depois fazia a... E eu, feliz, fiz isso o
tempo todo com prazer e ardor; isso durou o espaço de
duas horas; dormi algumas horas, sempre feliz com a
mesma pessoa. Sonhei que já não estava na Salpêtrière,
fazia alguns dias que estava morando com ele, ia passear a
seu lado, no Bois de Boulogne, ele sempre me mostrando
coisas bonitas; ainda no sonho, assisti a uma peça de teatro
onde representavam uma revolução: eram negros de olhos
vermelhos e dentes azuis, que lutavam entre si com armas
de fogo; M. foi atingido por uma bala na cabeça, o sangue
correu, eu gritei e, acordando, me refiz completamente do
meu erro.

O resto do dia correu bastante bem, mas continuei mais


superexcitada que de hábito; é por isso que vou citar-lhe um
exemplo. Na mesma noite, chegando ao serviço, um interno
veio falar comigo, segurou minha mão e me cumprimentou;
aí eu me senti como que eletrizada dos pés à cabeça; ele
percebeu e perguntou o que havia comigo; eu não lhe disse
nada, mas tive vontade, e precisei de firmeza de caráter para
não abraçá-lo, porque para mim ele representava M.

A ação do nitrito de amila é menos agradável que a do éter. Vê-se que às


sensações voluptuosas misturavam-se sonhos sofridos, nos quais a doente
via olhos vermelhos, dentes azuis, sangue etc.”
Désiré-Magloire Bourneville e Paul Regnard, Iconographie photographique
de la Salpêtrière, Paris, Progrès Médical & Delahaye & Lecrosnier, 1879-
1880, v. III, p. 187-190.

Apêndice 20
Sugestões teatrais

“Estamos tentando levar a experiência ainda mais longe; já vimos que,


durante esse estado cataléptico, basta colocar o braço da doente na posição
do começo do ataque para que este se siga prontamente. Agora, vimos
procurando simplesmente afirmar-lhe que ela está tendo um ataque. Há um
momento de estupor e hesitação, mas, ao cabo de alguns segundos, declara-
se um verdadeiro ataque histeroepiléptico, o qual detemos por meio da
compressão ovariana. Essa experiência, muitas vezes repetida, sempre deu
os mesmos resultados. [...]
A alucinação pode recair sobre a própria substância do sujeito da
experiência, o qual, conforme a vontade do experimentador, acredita ser de
vidro, de cera, de borracha etc. Vemos então desenvolver-se, como em
alguns alienados, um delírio sistematizado que se relaciona com a natureza
da sugestão. Se a doente acredita ser de vidro, só a vemos mexer-se com
infinitas precauções, por medo de se quebrar etc.
A doente pode ser igualmente transformada em pássaro, cão etc., e então
a vemos empenhar-se em reproduzir a aparência desses animais. Entretanto,
ela fala e responde às perguntas que lhe são dirigidas, sem parecer dar-se
conta do que há de contraditório no fato de um animal servir-se da
linguagem humana. Todavia, a doente afirma ver e sentir perfeitamente seu
bico e suas plumas, ou seu focinho e seu pelo etc. Experiências ainda mais
interessantes, sobretudo do ponto de vista psicológico, consistem na
mudança de personalidade. Sob a influência de uma sugestão verbal, um
sujeito pode acreditar que é o sr. X. ou Y. Nesse caso, perde a noção de tudo
o que contribui para formar sua personalidade e, com a ajuda de suas
lembranças, cria a nova personalidade que lhe é imposta.
O sr. C. Richet citou muitos exemplos curiosos disso, os quais distinguiu
sob o nome de objetivações dos tipos, porque o sujeito, em vez de conceber
um tipo, como qualquer um é capaz de fazer, realiza e objetiva esse tipo. Já
não o faz apenas à maneira do alucinado, que assiste como espectador a
imagens que se desenrolam diante de seus olhos, mas o faz como um ator
que, enlouquecido, imagina que o drama que está representando é uma
realidade, não uma ficção, e imagina que se transformou de corpo e alma no
personagem que está encarregado de representar.
Vejamos alguns exemplos dessas objetivações.
Sob a influência da sugestão verbal, um de seus sujeitos experimentais, a
sra. A., sofreu as seguintes metamorfoses:
Camponesa. - (Esfrega os olhos e se espreguiça.) ‘Que horas são? Quatro
horas da manhã!’ (Anda como se arrastasse os tamancos.) ‘Vejamos, preciso
me levantar! Vamos ao estábulo. Arre, ruiva! Ande logo, vire-se...’ (Ela finge
ordenhar uma vaca.) ‘Me deixe em paz, Gros-Jean. Ande, Gros-Jean, me
deixe sossegada, estou mandando! Quando eu tiver terminado meu
trabalho. Você sabe muito bem que não terminei meu trabalho. Ah, sim,
sim! Mais tarde...’
Atriz. - Seu rosto assume um ar sorridente em vez do aspecto duro e
aborrecido que ela exibia pouco antes. ‘Vocês estão vendo minha saia. Pois
bem, foi meu diretor que mandou aumentar o comprimento dela. Eles são
uns chatos, esses diretores. Por mim, acho que quanto mais curta a saia,
melhor. Há sempre pano em excesso. Uma simples folha de parreira, santo
Deus, isso já basta. Você também acha que não há necessidade de nada além
de uma folha de parreira, não é, benzinho? Olhe só para aquele pau de virar
tripas da Lucie, que pernas as dela, hein?’
‘E então, benzinho!’ (Começa a rir.) ‘Você é muito tímido com as
mulheres; está errado. Pois venha me visitar, de vez em quando. Você sabe,
todos os dias, às três horas, estou em casa. Pois venha me fazer uma
visitinha, e traga alguma coisa para mim.’ [...]
Religiosa. - (Ajoelha-se prontamente e começa a recitar suas orações,
fazendo uma porção de sinais da cruz, depois se levanta.) ‘Vamos ao
hospital. Há um ferido nesta sala. E então, meu amigo, não está se sentindo
melhor esta manhã? Vamos ver, deixe-me tirar sua atadura.’ (Faz o gesto de
desenrolar uma atadura.) ‘Vou bem devagarzinho; não é verdade que isso o
alivia? Vamos, meu pobre amigo, tenha coragem diante da dor como diante
do inimigo.’
Este exemplo é suficiente para mostrar como se opera essa transformação
absoluta da personalidade em tal ou qual tipo imaginário.
Não é um simples sonho. Trata-se de um sonho vivido, segundo a
expressão do sr. C. Richet.”

Paul Richer, Études cliniques sur la grande hystérie ou hystéro-épilepsie,


Paris, Delahaye & Lecrosnier, 1885, p. 728-730.

Apêndice 21
Escrita sonambúlica

“Na primeira vez que fizemos esta experiência, ele começou a escrever para
nós uma canção intitulada ‘O vinho de Marsala’. Uma vez engajado nessa
ocupação, concentrou-se totalmente, num grau inimaginável. Podia-se
gritar a seu lado, falar junto a seus ouvidos, correr os dedos em volta do seu
rosto e até em suas conjuntivas, chegando de lado. Se, nesse momento, a
mão que se agitava a seu redor entrasse no círculo estreito ao qual parecia
restringir-se seu campo visual, geralmente o que ele via não era uma mão, e
sim uma barata, a qual tentava pegar. Depois, recomeçava a escrever. Podia-
se colocar um cartão entre sua mão e seus olhos, mas ele prosseguia sem
direção, sem tinta na pena, a rigor, porém não se ocupava do obstáculo
introduzido. Dir-se-ia que tudo se passava no seu cérebro, que ele não
conduzia a mão com os olhos, na realidade, mas que, em tudo isso, tratava-
se de uma simples imagem mental do que ele estava realizando.
Suponhamos que se colocasse diante dele uma pilha com várias folhas de
papel. Se lhe fosse rapidamente retirada a folha em que estava escrevendo,
ele, sem se ocupar dessa ocorrência, terminava na folha seguinte a perna da
letra que estivesse traçando, e prosseguia em sua tarefa nessa página, cuja
metade superior estaria em branco. Podia-se até retirar toda a pilha de papel
colocada diante dele. Pouco importava; ele continuava a escrever na madeira
da mesa, ou na toalha encerada que a cobria.
E muito mais: uma vez terminada a estrofe que estava escrevendo, ele
parava e se preparava para reler tudo que havia escrito. Colocávamos então
uma folha em branco diante dos seus olhos; assim, ele ficava na presença de
uma página completamente virgem de caracteres. Isso não o detinha em
nada: não era no papel, como dissemos, que estava sua canção, mas na
cabeça. Assim, ele continuava a vê-la nessa página inteiramente em branco e
relia seu texto, acrescentando pontos, vírgulas, acentos, riscos nos tês.
Depois, bastava fazermos coincidirem exatamente as duas primeiras folhas
com a terceira, para ver que um risco atravessado, ou um acento agudo ou
grave marcados nesta última correspondiam exatamente a uma letra não
acentuada ou a um tê não cortado numa ou noutra das páginas anteriores.
Esta experiência é tudo que se poderia imaginar de mais característico.”

Jean-Martin Charcot, Clinique des maladies du système nerveux, Paris,


Progrès Médical & Babé, 1892-1893, p. 126-127 (redigido por Guinon).

Apêndice 22
Até onde vai a submissão hipnótica?

“Eu disse à Wit... enquanto ela dormia: ‘Quando acordar, você porá este
chapéu na cabeça e dará uma volta ao redor da mesa.’ Soprei seus olhos e ela
despertou; os senhores estão vendo que ela cumpriu minuciosamente o ato
que eu lhe havia ordenado. Notem que eu poderia ter-lhe ordenado que só
executasse esse ato dentro de uma hora, ou amanhã, ou daqui a oito dias, e
as coisas aconteceriam exatamente no momento indicado.
São os fatos desta segunda categoria que têm impressionado
particularmente os observadores. Houve quem dissesse: mas, se é possível
ordenar dessa maneira a uma hipnotizada que cometa um ato numa data
estabelecida, nada será mais fácil, para um criminoso hábil, do que fazer
adormecer, como e quando quiser, uma pessoa hipnotizável que esteja à sua
disposição, e fazê-la cometer uma fraude, um roubo ou um assassinato
numa data mais ou menos distante.
É essa a hipótese aparentemente plausível, que se torna ainda mais
plausível porque, de fato, as sugestões experimentais não se limitaram a atos
insignificantes, análogos aos que acabo de mandar Wit... executar, mas
pudemos realizar uma espécie de crimes de laboratório.
Será possível fazer um crime ser praticado por sugestão?
À primeira vista, as experiências levam a responder a esta pergunta na
afirmativa. É incontestável que, no laboratório, podemos fazer histéricas
hipnotizadas cometerem simulações de roubos ou assassinatos. As
experiências dessa natureza chegam a ser tão impressionantes que é difícil
resistir à tendência a supor que, na vida prática, as coisas se passariam como
no hospital. Essa tendência encontra-se na comunicação que foi feita na
Sociedade Médico-Psicológica, em 1883, pelo sr. Charles Féré, hoje médico
de Bicêtre.
Com efeito, os hipnotizados afiguram-se puros autômatos. E é
perfeitamente concebível que, sob a influência das aparências, tenha sido
possível dizer que o hipnotizado pertence ao hipnotizador ‘como o cajado
do viajante pertence ao viajante’. Ou ainda, seguindo o dito do sr. Liébault,
que os hipnotizados ‘caminham para seu objetivo como uma pedra que cai’.
Todavia, ao examinarmos os fatos de perto, facilmente nos damos conta
de que não é nada disso que acontece.
Vou mostrar-lhes que a pessoa sugestionada não é, como tem aprazido
dizer a alguns, um autômato absolutamente passivo. A jovem que lhes
apresento é, como os senhores podem julgar, hipnotizável com muita
facilidade. Vou mandá-la sair. Ela voltará daqui a pouco, para executar as
sugestões que lhe farei. Mas, enquanto ela não está presente, faço questão de
lhes dizer o que espero demonstrar-lhes com ela. Os senhores verão que essa
jovem executa, sem a menor dificuldade, as sugestões indiferentes, mas,
quando eu lhe ordenar atos que a repugnem, por diversas razões, ela os
cumprirá com uma resistência tão maior quanto mais esses atos lhe forem
repugnantes.
Mando-a entrar novamente e torno a fazê-la dormir.
1a experiência: ordeno que ela coce o nariz ao despertar; acordo- -a, e os
senhores podem constatar que ela cumpre prontamente o ato ordenado.
2a experiência: ordeno que ela faça fiau para o auditório. Observem que
esta segunda sugestão é executada com certas hesitações. Mas, pensando
bem, não se trata de um ato realmente grave, simplesmente de uma falta de
respeito com as pessoas presentes.
3a experiência: esta eu não reproduzirei na sua frente, por razões que os
senhores vão compreender. Mas já a fiz em diversas ocasiões, no relativo
isolamento do consultório. Ordenei à doente (pois, notem, era de uma
doente que se tratava) que beijasse uma das pessoas presentes. Ao despertar,
os instintos de pudor se rebelaram nessa jovem honesta e casta; ela acabou
por me obedecer (em parte, porque contive o ato quando estava prestes a ser
executado), mas depois de opor uma enorme resistência à tentação sugerida.
4a experiência: mostrei-lhe um vidro e lhe disse: ‘Aí há arsênico. Ao
acordar, você dará o vidro de presente ao sr. X., que é muito malvado e falou
mal de você.’ Soprei seus olhos e ela acordou. Segurou o vidro, mas com
dificuldade. Observem que a experiência não obteve êxito. Em meia hora ou
quinze minutos, talvez o obtivesse. Não tenho certeza, mas admito esta
possibilidade.
O que desejo guardar destas quatro experiências é que esta jovem não
obedece passivamente a uma sugestão. Ela resiste a algumas, e com energia
tão maior quanto mais o ato sugerido é contrário a seus instintos e suas
tendências. A obediência, portanto, não é tão constante nem tão absoluta
quanto dizem. O automatismo é positivo, mas é relativo. Este fato permite
aos senhores vislumbrar que seríamos expostos a deparar com pelo menos
algumas dificuldades, se pretendêssemos servir-nos de uma pessoa de bem
para fazê-la praticar, por sugestão, um ato criminoso.”

Gilbert Ballet, “La suggestion hypnotique au point de vue médico- -légal”,


in Gazette hebdomadaire de Médecine et de Chirurgie, outubro de 1891, p. 6,
11-13.
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Agradecimentos do autor

Pierre Bérenger, Jérôme Cantérot, Jacqueline Carroy-Thirard, Paul


Castaigne, Jean Clay, Hubert Damisch, Monique David-Ménard, Pianine
Desroche, Michel Foucault, Marie-Georges Gervasoni, Claude Imbert,
Brigitte Montet, Véronique Leroux-Hugon, Louis Marin, Jacqueline Ozanne,
Sylvia Pollock, Daniel Ponsard, Jacqueline Sonolet, Harrie Teunissen e o
Trésor de la langue française participaram deste texto, razão pela qual sou
muito especificamente grato a cada um deles.

A editora Macula agradece calorosamente à Biblioteca Charcot da


Salpêtrière (serviço do professor Castaigne), bem como ao Archivio Storico
delle Arti Contemporanee de Veneza. E, quanto à presente edição, nossos
calorosos agradecimentos vão para Arnaud Beaufort e Sébastien Petratos, da
Bibliothèque Nationale de France, para Stéphane Brunner e Tadeo Kohan, e
também para Nathalie Fiore, do Institut d’Histoire de la Médecine et de la
santé, Genebra.
1ª edição, novembro de 2015

Tipografia: Sabon 10,5/14 e Corbel bold (títulos)

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