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II Seminário ATIID - Acessibilidade, TI e Inclusão Digital, São Paulo-SP, 23-24/09/2003

COMISSÃO BRASILEIRA DO BRAILLE – HISTÓRIA E


RESULTADOS

Lêda Lucia SPELTA


Acessibilidade Brasil, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
e-mail: leda@informal.com.br

RESUMO: O Braille constitui meio fundamental para o desenvolvimento


cultural das pessoas cegas. Considerando que este sistema, pelas
contingências inerentes à sua natureza, requer um esforço permanente
de acompanhamento, adaptação e regulamentação e atendendo à
necessidade de que o Braille se afirme como instrumento facilitador da
comunicação entre as pessoas com deficiência visual, foi criada a
Comissão Brasileira do Braille (CBB) e firmado o Protocolo de Colaboração
Brasil-Portugal nas Áreas de uso e modalidades de aplicação do Sistema
Braille na Língua Portuguesa. Apresentaremos a metodologia de trabalho
desta Comissão e os resultados até agora alcançados. Visando
compartilhar a experiência adquirida, analisaremos uma das atividades da
CBB, a elaboração da Grafia Informática Braille, tentando sistematizar
dificuldades, estratégias e soluções encontradas.

INTRODUÇÃO
utilização do mesmo sinal Braille para
O Braille constitui meio fundamental representar diferentes símbolos, de
para a alfabetização, o percurso escolar acordo com o contexto - na literatura,
bem sucedido e o desenvolvimento na matemática, na música, etc. Além
cultural das pessoas com deficiência disso, línguas diferentes usam
visual, sendo portanto imprescindível ao conjuntos de caracteres diferentes.
exercício pleno do direito de cidadania. No caso da informática, esta
Este sistema é constituído por questão é mais delicada, pois a
combinações de 6 pontos em relevo, interpretação de um sinal deve ser
dispostos segundo uma matriz de 3 inequívoca e independente do contexto.
linhas e 2 colunas - chamada célula Assim, considerando que o Braille,
Braille -, totalizando 64 combinações. pelas contingências inerentes a sua
Contudo, esta quantidade de sinais é natureza, requer um esforço
insuficiente para representar a grande permanente de acompanhamento,
diversidade de símbolos utilizados na adaptação e regulamentação e para que
escrita em negro. o Braille se afirme como instrumento
Para fazer frente à esta facilitador da comunicação entre as
necessidade, o sistema utiliza alguns pessoas com deficiência visual, em
recursos que o tornam mais complexo. 1999 foi criada a Comissão Brasileira do
O primeiro deles é a criação de sinais Braille, fruto de um persistente trabalho
compostos, formados pela técnico e político de experientes
concatenação de duas ou mais células. profissionais da área.
Este recurso, porém, contribui para No ano seguinte, em consonância
tornar a leitura mais lenta e os com a orientação política internacional
impressos mais volumosos e caros. no sentido da unificação do sistema
Outro recurso bastante comum é a Braille, foi firmado, entre a Comissão
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Brasileira do Braille e a Comissão de lusófona.


Braille de Portugal (CB), um Protocolo
de Colaboração, nas Áreas de uso e METODOLOGIA
modalidades de aplicação do Sistema
Braille na Língua Portuguesa. O Protocolo de Colaboração estabelece
A Comissão Brasileira do Braille foi uma estratégia de cooperação assente
instituída pelo MEC-Ministério da num regime de consulta mútua, de
Educação, vinculada à Secretaria de troca de documentação técnica,
Educação Especial/SEESP, tendo este principalmente por meio de execução
Secretário como seu presidente e sendo coordenada de estudo e pesquisas e de
constituída por mais oito membros, decisões concertadas. Para tal, serão
representantes de instituições de e para adaptados, entre outros, os seguintes
cegos. O escopo da Comissão abrange: procedimentos:
a) Braille integral e abreviado da língua a) Elaboração de propostas para a
portuguesa e conhecimentos específicos utilização, ensino e difusão do sistema
de simbologia Braille usada em outras Braille em todas as suas modalidades
línguas; de aplicação, nomeadamente nas áreas
b) Simbologia Braille aplicada à respeitantes à língua portuguesa, à
matemática e ciências em geral; matemática e outras ciências exatas, a
c) Musicografia Braille; música e à informática;
d) Simbologia Braille aplicada à b) Acompanhamento e aplicação de
informática; normas, regulamentos, convenções e
e) Produção Braille (transcrição, acordos internacionais, e quaisquer
adaptação de textos, gráficos e outros atos normativos referentes ao
desenhos em relevo e impressão). sistema Braille;
c) Promoção e apoio a realização de
OBJETIVOS DO PROTOCOLO DE seminários, conferências e outras
COLABORAÇÃO iniciativas similares para tratamento de
temas pertinentes ao Sistema Braille.
1) Desenvolver estudos necessários à d) Contribuição para a elaboração de
adaptação do sistema Braille às materiais e publicações que facilitem o
diferentes grafias, acompanhando a processo de ensino-aprendizagem e a
evolução da língua portuguesa e utilização do sistema Braille nos países
criando as condições para o de língua portuguesa.
estabelecimento de uma grafia braille e) Fomento do intercâmbio de
unificada. professores e de técnicos, visando à
2) Constituir, para a definição e difusão do sistema Braille nos países
divulgação, mecanismos necessários a lusófanos.
uma correta aplicação do sistema Até agora foram realizadas 15
Braille, nomeadamente nos contextos reuniões da CBB, 4 reuniões conjuntas
educacional e editorial, por meio de com a CB de Portugal, uma
propostas de regulamentação ref. à videoconferência internacional, 5
utilização, ensino e produção de seminários para divulgação e
materiais. aperfeiçoamento de profissionais no
3) Criar condições que permitam o sistema Braille e muitas reuniões dos
apoio técnico às entidades responsáveis grupos de trabalho. Os grupos de
pela formação de professores e técnicos trabalho criados são: modalidades do
na utilização do sistema Braille. Braille aplicado à informática e à
4) Fomentar a cooperação nesta área química, devido à especificidade destas
com o restante da comunidade áreas, sendo constituídos por pessoas
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de notório saber e reconhecida elaboração.


experiência.
Grafia Informática Braille
PRINCIPAIS RESULTADOS Antecedentes. Devido à
ALCANÇADOS ATÉ ESTA DATA inadequação da grafia Braille ao uso na
informática, os profissionais cegos
Grafia Braille para a Língua desta área sentiram, desde o início, a
Portuguesa necessidade de elaborar um código que
Publicada em 2002 e já em vigor se adequasse à especificidade do seu
em ambos os países, esta Grafia unifica trabalho. Porém, como atuavam
a notação Braille para uso geral, além isoladamente ou em pequenos grupos,
de compatibilizá-la com o Código em empresas e cidades diferentes, sem
Matemático Unificado (CMU), o qual já contar com material impresso em
vem sendo utilizado pelos países de Braille, vários códigos diferentes
língua portuguesa e espanhola. terminaram sendo utilizados. Contudo,
com a disseminação da informática e
Grafia Química Braille para Uso no sua introdução no ensino regular, a
Brasil unificação da grafia informática se faz
Publicado em 2002 e já em vigor, imperiosa e urgente, a fim de que o
este documento não é unificado, devido material didático possa ser editado.
a diferenças culturais e de currículo Em 1994, a Comissão para Estudo
escolar entre Brasil e Portugal. Por e Atualização do Sistema Braille em Uso
exemplo, esta disciplina é introduzida no Brasil elaborou uma proposta de
mais cedo no currículo escolar Simbolização Braille para a Informática.
brasileiro, em relação ao currículo Devido à falta de apoio governamental,
português. Assim, os portugueses essa proposta tornou-se desatualizada,
adotaram uma grafia mais sistemática, antes de ser plenamente divulgada.
porém mais complexa e distante da No final do ano de 2001, quando foi
notação em negro, enquanto nós iniciado o trabalho de elaboração da
adotamos uma grafia mais simples e grafia informática, a Grafia Braille para
próxima da grafia em negro, embora a Língua Portuguesa estava em fase de
menos sistemática. Mas já existem conclusão. Isto era, ao mesmo tempo,
alguns estudos na direção de uma vantagem e desvantagem. Havia muito
futura unificação. a aprender com a experiência de tal
elaboração mas não podíamos alterá-la.
Normas Técnicas para a Produção Grupo de trabalho. Constituído por
de Textos em Braille 10 pessoas: 8 profissionais da área,
Publicado em 2002 no Brasil, é uma provenientes de 5 estados diferentes,
atualização de um documento coordenados pelo membro da CBB
preexistente, para a nova Grafia Braille. responsável pela área da informática
Em Portugal, existe menos necessidade (no caso a autora deste trabalho) e
de um documento de padronização, por tendo como consultor um membro da
ser a impressão Braille mais comissão técnico-científica da CBB.
centralizada. Devido à natureza do assunto, os
membros deste grupo não pertencem à
Vocabulário de Termos e esfera da educação, sendo alguns
Expressões Empregados no provenientes da iniciativa privada.
Domínio do Sistema Braille Dificuldades. Tínhamos vários
Documento unificado, em fase de códigos divergentes em uso, a nova
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Grafia Braille que não se ajustava às d – Mantivemos, desde o início, um


necessidades da informática e um estreito contato com a Comissão de
grupo de trabalho composto por Braille de Portugal, sincronizando os
profissionais experientes, porém com trabalhos e procurando eliminar os
uma disponibilidade restrita, devido aos pontos de divergência.
compromissos de trabalho. Situação atual. A Grafia Informática
Estratégias. Braille, inteiramente unificada para a
a - Estabelecer modalidades de língua portuguesa, foi elaborada
trabalho que permitissem a participação segundo um total consenso entre
de todos os membros do grupo, ambas as Comissões. Na reunião
respeitando disponibilidades individuais. conjunta de Viseu (novembro/2002), foi
b - Imprescindível uniformizar o acordado que esta Grafia entrará em
conhecimento e a linguagem específica, vigor, em Portugal, no ano letivo de
bem como estabelecer princípios e 2003-2004 e, no Brasil, em 2004. Para
metas comuns, a fim de que nos cumprir este acordo, são necessárias
tornássemos um grupo de fato. ações governamentais: edição da Grafia
c – O produto do trabalho ser Informática e sua divulgação;
consistente e bem fundamentado, fruto treinamento de professores,
de um processo transparente e transcritores e usuários do Braille
legítimo, a fim de alcançar credibilidade aplicado à informática. Esperamos
e usabilidade junto à comunidade de também que sejam acatadas as
usuários. recomendações do Grupo de Trabalho,
d - Todo o processo ser bem no sentido de: a) manter, em caráter
articulado com a Comissão de Braille de permanente, o Grupo de Trabalho da
Portugal, para obtermos um resultado Informática, para avaliação e
unificado. atualização da Grafia Informática; b)
Soluções encontradas. Patrocinar a criação de um programa
a - A fim de viabilizar a participação para edição, de acordo com a nova
presencial dos membros do grupo, grafia; c) Criação de um site para
conseguimos que várias reuniões divulgação e troca de experiências.
fossem realizadas em fins de semana.
Como este não é o procedimento REFERÊNCIAS
normal, solicitamos e obtivemos o apoio
da SEESP. Para agilizar o trabalho entre Portaria Nº 319 do MEC, de
as reuniões, criamos uma lista de 26/02/1999, que institui em
discussão pela internet. Caráter permanente a Comissão
b - Na primeira reunião, discutimos Brasileira do Braille.
os objetivos e a metodologia e Protocolo de Colaboração Brasil-
apresentamos um histórico da CBB e do Portugal, nas Áreas de Uso e
trabalho conjunto com a CB. Modalidades de Aplicação do
c – Tentamos evitar o processo de Sistema Braille na Língua
votação, procurando alcançar o Portuguesa, de 25/05/2000.
consenso em todas as decisões. No
começo, isto foi muito difícil, Importante:
consumindo muitas horas de discussão. Qualquer citação deste texto ou partes dele,
Mas acreditávamos que, se não sob qualquer forma ou meio, deve
soubéssemos como chegar a um acordo obrigatoriamente incluir, além do título e autor,
em um pequeno grupo, não saberíamos a menção de "Anais do II Seminário ATIID, São
como alcançar a unificação com Paulo-SP, 23-24/09/2003" disponível online
Portugal, nem a adesão dos usuários. em:
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http://www.fsp.usp.br/acessibilidade

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