Você está na página 1de 15

Accelerat ing t he world's research.

O corpo na voz de Craig, Marinetti,


Meyerhold e Schlemmer
Daniela Andreia Viola Ferreira Salazar

Related papers Download a PDF Pack of t he best relat ed papers 

Craig dissert acao


Paula Ferreira

CUADERNOS DE PICADERO Edit or Responsable Raúl Brambilla Direct or Periodíst ico


Lucia Sant aella

Meyerhold publicaciones
Laura C
O lugar do corpo na voz de Craig,
Marinetti, Meyerhold e Schlemmer

Daniela Salazar 21018

Metamorfoses do Espectáculo

2014/15

Prof. Cláudia Madeira


Índice:

 Introdução ------------------------------------------------------------------- 3

 Gordon Craig e a Übermarionette --------------------------------------- 4

 Filippo Marinetti: entre o «body-madness» e o corpo-máquina------ 6

 Vsevelod Meyerhold: a biomecânica no construtivismo russo ------- 8

 Oskar Schlemmer e o Ballet Triádico ---------------------------------- 10

 Considerações Finais ----------------------------------------------------- 12

 Bibliografia ---------------------------------------------------------------- 13

2
Richard Schechner afirma que para estudarmos a performance, seja esta numa vertente
artística, sociológica ou antropológica, podemos fazê-lo “from the point of view of
actions enacted, of the spaces in which performances takes place, of the temporal
structure of a performance, and as events surrounding and succeeding the performance,
both affected by it and affecting it”1. Todavia, se nos centrarmos na dimensão das
acções, o actor/ performer preconiza a sua materialização e concretização. O actor/
performer utiliza, assim, como mediação para a realização da acção o elemento que é a
ponte entre o seu mundo interior e o exterior: o corpo.

O corpo, no seu sentido fisiológico, biológico, físico, antropológico e social, tem


desempenhado a longo dos tempos um papel preponderante, não só nas práticas
artísticas plásticas, visuais e performativas, como nas diversas concepções teóricas e
filosóficas. A fisicalidade, a misticidade, a visibilidade e a plataforma de comunicação
que é o corpo humano tem sido, desta forma, uma das inquietações da própria condição
humana, questionada por todas as práticas artísticas até aos dias de hoje, no olhar e na
representação do Eu e do Outro, num exercício de auto-consciência.

A representação do corpo como corpo caçador na pré-história, a pintura do corpo social


ou o retrato como representação de um corpo, símbolo de poder até ao advento da
fotografia de um corpo, testemunho de presença, leva estas ambivalências do corpo
também para a Arte onde este é a matéria: o teatro.

O que mais distingue as artes performativas das restantes artes é, precisamente, a


presença dos corpos dos actores em tempo real. Esse mesmo elemento de distinção
levou, durante séculos, desde Platão, a que o próprio teatro fosse considerado como
encontro, não de uma criação artística com o(s) espectador(es) mas sim um encontro
entre os corpos libidinosos que ao imitarem o real, atribuíam um carácter de ilusão, não
só às sensações e sentimentos, bem como da reacção dos espectadores 2. Seria, nesta
acepção, o corpo perigoso para os valores humanos, com os seus encantos sedutores e
eróticos, tão oprimido, nomeadamente, no teatro ocidental pelas várias crenças
religiosas.

Schechner, Richard, Performances Studies – an introduction, London & New York, Routledge, 2010, p.
1

225.
2
Monteiro, Paulo Filipe, Drama e Comunicação, Coimbra, Imprensa Universitária de Coimbra, 2010, p.
71-113.

3
Numa tão ampla multiplicidade de práticas e autores que abordam a questão do lugar do
corpo, considero pertinente estabelecer uma análise transversal através dos trabalhos
teóricos e práticas de quatro autores que marcaram as práticas e concepções artísticas no
final do século XIX até ao final da década de 20 do século XX: Gordon Craig, Filippo
Marinetti, Vsevelod Meyerhold e Oskar Schlemmer.

Coloca-se, assim, o desafio de depreender de que forma os seus conceitos sobre o corpo
e o lugar que este ocupava nas suas criações cénicas, bem como a interligação entre os
quatro autores selecionados.

Ao abordar estes autores, não podemos negligenciar a sua matriz cultural, social e
política tão demarcada nos países donde provém, seja num Reino Unido industrializado,
uma Itália que renuncia ao academismo e que tinha assistido à sua unificação há menos
de 40 anos, uma Rússia à beira de uma Revolução e uma Alemanha, igualmente
reunificada recentemente, em plena República de Weimar e saída da I Grande Guerra
Mundial.

Gordon Craig e a Übermarionette

Edward Gordon Craig, filho da actriz Ellen Terry e do arquitecto/ cenógrafo Edward
William Godwin, nasce em 1872, no Reino Unido. Esteve, como actor, na companhia
de Henry Irving entre 1885 e 1897. Ao não se identificar como actor, dedica-se, entre
1900 e 1903, à encenação, mas mais uma vez, sem conseguir um trabalho com o qual se
sinta realizado. É, a partir desse momento, que dirige o seu empenho, às questões
teóricas e às concepções cenográficas e da arquitectura cénica. Vem, mais tarde, a
cooperar na encenação de Hamlet, na companhia do Teatro de Arte de Moscovo, onde
estabelece contacto com Stanislavski e Meyerhold, entre 1909 e 1911.

Gordon Craig surge no panorama teatral numa época no qual as premissas do


naturalismo e, mesmo do romantismo, são questionadas. Da corrente wagneriana na
busca do «teatro do futuro» e, na crítica ao naturalismo já preconizada por Appia,
Gordon Craig retrata a cena como uma construção plástica e arquitectónica3.

Numa época em que o progresso tecnológico deu ao teatro e à cenografia uma


pluralidade de mecanismos novos, nomeadamente, relacionados com o aparecimento da

3
Op. Cit., p. 228.

4
electricidade, algumas das criações cénicas, aparecem como “sistemas de painéis ou
ecrãs deslizantes com que pretendia dotar o palco de uma arquitectura em movimento,
servido pela iluminação (…) todo o palco deveria ser móvel”4. A sua matriz
influenciada pelos simbolistas revê-se na recusa do realismo e a preferência pela
construção da cena através da sugestão, de jogos de luz e sombra. Em 1913, funda a
Gordon Craig School for the Art of the Theatre, em Florença, onde leva a cabo o
objectivo de formar cenógrafos neste sentido.

A sua construção plástica da cena leva-o mesmo à recusa do actor como artista e,
inclusivamente, a considerar que para se alcançar o «teatro do futuro», o actor devera
desaparecer da cena teatral. Craig desenvolveu este argumento nas suas duas mais
relevantes obras The Mask (1908) e On the Arte of the Theatre (1911). Na perspectiva
de Gordon Craig, “o corpo humano não servia de instrumento à Arte do Teatro” 5. Na
sua feroz crítica à imitação da realidade social típica da prática do teatro naturalista bem
como do vedetismo dos actores e actrizes da sua época, Craig considerava que estes não
preconizavam nenhum tipo de criação artística, pois cingiam-se, apenas, a obedecer à
impulsividade das suas próprias emoções na interpretação de qualquer personagem. Diz
mesmo que “a representação do actor não constitui uma Arte; e é forçadamente que se
dá ao actor o nome de artista. Porque tudo o que é acidental é contrário à Arte”6.
Advoga, deste modo, que ao obedecer apenas às emoções, o actor perde total controlo
do seu corpo, dos seus gestos e da sua voz, ficando escravo das próprias emoções: “Os
membros recusam-se a obedecer ao pensamento desde que a emoção se inflama,
enquanto o pensamento não deixa alimentar o fogo das emoções. E é tanto assim para a
expressão do rosto como para os movimentos do corpo”7.

De modo a conseguir «libertar» o teatro destas limitações e, a partir do actor, recriar o


gesto simbólico ao mesmo tempo que este adquira o “domínio da (…) expressão e dos
(…) gestos”8, o actor desapareceria e daria lugar a uma figura inanimada e liberta das
emoções (por se situar acima dessa dimensão): a übermarionette, ou, Super-marioneta9.

4
Op. Cit., p. 226.
5
Craig, Gordon, Da Arte do Teatro, Lisboa, Arcádia, [s.d.], p. 91.
6
Op. Cit., p. 88.
7
Op. Cit., p. 89.
8
Op. Cit., p. 98.
9
Op. Cit., p. 109.

5
Craig descreve esta Super-marioneta como uma figura que “não rivalizará com a vida,
mas irá além dela; não figurará o corpo de carne e osso, mas o corpo em estado de
êxtase, e, enquanto emanar dela um espírito vivo, revestir-se-á de uma beleza de
morte”10. Nesta sua descrição, deduz-se que existia nesta Super-marioneta um desejo de
atingir já um estado de purificação da arte, de uma linguagem própria que elevasse
todos os elementos cénicos como parte de algo uno. A própria figura da Super-
marioneta teria de fazer jus a todas as novas inovações na arte do teatro e o corpo do
actor seria uma das componentes plásticas constituintes dessa mesma cena. Veremos,
nos próximos autores, que esta ideia não se cinge apenas à concepção de Gordon Craig.

Filippo Tommaso Marinetti: entre o «body-madness» e o corpo-


máquina

Filippo Tommaso Marinetti nasce em Alexandria, no Egipto, em Dezembro de 1876,


donde regressa à Europa para prosseguir estudos em Paris, em 1893. Segue, depois, para
Génova para estudar Direito, onde obtém o grau em 1899. É, ainda, durante o seu curso
de Direito que começa a publicar os seus primeiros poemas. A sua envolvência com a
poesia é forte o suficiente para que abandone a carreira para a qual tinha estudado. Cria,
desta forma, ligações com os simbolistas e com a prática do verso-livre, bem como com
a cultura francesa parisiense, particularmente, com o grupo de Alfred Jarry11.

Após a apresentação de Rei Ubu, de Alfred Jarry, no Théâtre de l’Oeuvre, em Paris,


Marinetti escreve, igualmente, uma tragédia satírica à luz de Rei Ubu, Le Roi
Bombance, em 1905. Nesta primeira obra de cariz dramático, Marinetti patenteava uma
forte crítica à revolução e à democracia, mas igualmente explorava, quando posta em
cena, as possibilidades já testadas por Jarry na presença do corpo grotesco, da cena
grotesca. Simultâneamente, a estreia desta peça, em 1909, foi uma forma de apresentar
as ideias defendidas pelo seu Manifesto Futurista, publicado no jornal Le Fígaro, a 20
de Fevereiro desse ano12.

10
Op. Cit., p. 111-112.
11
www.moma.org/collection/artist_id=3771 [consultado a 15.01.2015].
12
Goldberg, Roselee, A Arte da Performance: do futurismo ao presente, Lisboa, Orfeu Negro, 2012, p.
15-17.

6
Ainda antes de publicar, em 1913, o Manifesto do Teatro de Variedades, Marinetti
defendia como principais valores deste movimento de reacção ao academismo, às
instituições e aos valores tradicionais, o advento da vida moderna e industrializada, da
primazia da máquina e da electricidade, num homem que fosse capaz do gesto destruído
de Museus e outras instituições que a ele se equiparassem13.

Villers descreve este espírito da seguinte forma: “L’avant-garde et ses différents avatars
n’ont cesse de dévorer ce qui les avait précédés en actualisant certaines des valeurs
proposées par Marinetti dans son Manifeste du futurisme: l’agressivité et l’energie
physique, la vitesse, la guerre, le mechanisme, le rejet du passé, la mode, l’importance
de l’inconscient”14.

O teatro é o lugar ideal da manifestação destas ideias e é através desta descrição de


Villers que desvedamos o ponto de balanço entre o encontro com a máquina e a
urgência do irracional «body-madness» espelhado já no Manifesto do Teatro de
Variedades ou no Manifesto do Teatro Sintético (1915).

Na concepção de Marinetti e do seu Teatro de Variedades, o teatro de “exaltação e


análise estupida dos sentimentos”15, teria de ser suplantado pela fisiocofolia ou «body-
madness» que se traduziria “as action, heroism, life in the open air, dexterrity and the
authority of instinct and intuition”16.

Por outro lado, a relevância da máquina em toda a argumentação futurista leva à


realização de obras como Zang Tum Tumb ou Macchina Tipografica, de Giacomo
Balla, que integravam na música e nas práticas performativas elementos até àquele
momento estranhos ao universo teatral: os ruídos das máquinas, o movimento e o gesto
dinâmico, mecânico e geométrico. No exemplo da obra de Marinetti, Dança da
aviadora, recomendou que “a bailarina simulasse por meio de contorções e de meneios
do corpo os sucessivos esforços de um avião que tenta descolar”17. Na defesa do teatro
sintético, de natureza intensa e breve, utilizavam apenas uma parte do corpo, como na
obra Pés, na qual só se viam os pé dos actores e dos objectos em cena “os actores

13
Villers, Jean-Pierre a. De, Le Premier manifesto du futurismo, Éditio de l’U i ersité d’Otta a, 1 86,p.
112-113.
14
Op. Cit., p. 32.
15
Cody, Gabrielle H., Sprinchorn, Evert, The Columbia Encyclopedia of Modern Drama, Columbia
University Press, 2007, p. 499.
16
Redmond, James, Drama and Society, Cambridge University Press, 1979, p. 133.
17
Goldberg, Op. Cit., p. 29.

7
devem tentar conferir a máxima expressividade aos movimentos e às acções das suas
extremidades inferiores”18.

A teoria e a prática de Marinetti pendiam entre a paixão frenética pela vida moderna,
rápida, fragmentária, efémera, musculada19, no qual o corpo ora representava o corpo-
máquina, racional e geométrico, como um motor, ora assumia a loucura e o grotesco das
críticas futuristas da vida deste início de século.

Vsevelod Meyerhold, a Biomecânica no Construtivismo Russo

Vsevelod Meyerhold é oriundo de Penza, onde nasce em Janeiro de 1874. Penza era
uma pequena cidade da província onde, durante a sua primeira juventude, Meyerhold
conviveu com exilados políticos, dos quais, na sua maioria, eram escritores ou artistas.

Parte para Moscovo em 1895, onde, no ano seguinte, ingressa na Escola Dramática da
Filarmónica de Moscovo, dirigida por Dachenko. Pouco tempo depois, é escolhido para
trabalhar no Teatro de Arte, criado por Dachenko e Stanislavski. Apesar de nutrir uma
grande admiração por Stanislavski, em 1902, abandona o Teatro de Arte de Moscovo.
“Ni el «Naturalismo» de las puestas en escena de Stanislavski, ni lo que Dachenko
llamaba em contenido de la obra, mostrado a través del «realismo psicológico», le
convencen”20 e segue para Itália em busca de novas formas de criação teatral.

A linha artística de Medner ou Stravinski, fazia surgir, na Rússia, uma luta contra a
estética materialista ou de intenção social21, com a qual Meyerhold se identifica,
considerando-se, já, um “antirrealista convencido, al que atrae fuertemente el
simbolismo y el experimentación”22. Monta uma companhia – Sociedade do Drama
Novo -, e leva à cena Gorki, Ibsen e Hauptmann. Já na temporada de 1904-1905, as suas
criações começam a espelhar as directrizes do teatro que imaginava: cenário moderno,
dotado das últimas invenções técnicas, rotativo, com plataformas mecânicas e boa

18
Marinetti, citado em Goldber, Op.Cit., p. 31.
Corvin, Michel, Le théâtre de re her he entre le deux guerres: la la oratoire d’art et a tion, La cité –
19

L’Age d’Ho e, [s.d.], p. 3.


20
Meyerhold, Vsevelod, Teoría Teatral, Madrid, Editorial Fundamentos, 1971,p. 13.
21
Ibidem.
22
Op. Cit., p. 14.

8
iluminação, recriando uma cena na qual se “representaba por agrupaciones y manchas
de color, que tiene um movimento rítmico único”23.

Durante os anos que está à frente dos teatros oficiais, continua a desenvolver as suas
experiências em pequenos teatros e em círculos de amigos.

O seu percurso adquire um novo rumo com a Revolução de 1917, no qual Meyerhold
advoga “há llegado el momento de hacer una revolución en el teatro y de reflejar en
cada representación la llucha de la classe trabajadora por su emancipación”24. É, assim,
no início da década de 1920 que se junta ao movimento construtivista e põe em prática
as suas mais arrojadas teorias. A partir da procura de uma beleza funcional e utilitária25,
incrementa a sua teoria da biomecânica. Desde 1921, começa a formar actores e a
apresentar a sua concepção da construção de uma cena sem ornamentação, aumento do
espaço cénico e dispensa a maquinaria de cena. Contudo, era no actor que residia a sua
teoria. Este deveria ter total controlo e racionalização dos seus movimentos em cena.
Através de uma formação que se centrava num conjunto de exercícios de ginástica e
técnicas de acrobacia, o actor adquiria um completo domínio sobre todas as partes do
seu corpo, dos seus ritmos e gestos corporais em cena. Na óptica de Meyerhold, “estos
ejercicios, en los que tenía importancia la gimnasia, la plástica y la acrobacia,
desenrrollaban em los alunos el golpe de vista preciso: aprenciam a calcular sus
movimentos, a hacerlos racionales y a coordinalos com sus compañeros;”26, ou ainda,
“la biomecânica permite al actor dirigir su interpretación, coordinala com el expectador
(…), compreender las possibilidades oferecidas por las interpretaciones a los
movimentos expresivos”27.

É, na sua obra, estreada em 1922, O Corno Magnífico, de Crommelynk, que, juntamente


com os construtivistas, nomeadamente Popova, Meyerhold põe, verdadeiramente, em
prática, pela primeira vez, a sua concepção cénica e de biomecânica. O encenador
acreditava que era através dos corpos dos actores que este poderia expressar “a própria

23
Ibidem.
24
Op. Cit., p. 18.
25
Op. Cit., p. 19.
26
Op. Cit., p. 199.
27
Op. Cit., p. 200.

9
essência do teatro revolucionário e lembrar-nos do prazer desta luta em que nos
empenhámos”28.

Todavia, no regime stalinista, a individualidade e a luta de Meyerhold por um teatro


livre foi censurada e levou-o a terminar os seus dias num dos campos de concentração
soviéticos.

Oskar Schlemmer e o Ballet Triádico

O mais novo dos autores selecionados para este ensaio, Oskar Schlemmer, nasce em
Stuttgart em 1888. Inicia o seu percurso nas artes na área do Design gráfio e das Artes
Aplicadas, entre 1903 e 1910. Apesar de ter conseguido uma bolsa para prosseguir os
estudos em Berlim, regressa rapidamente a Stuttgart e ingressa, depois, no mestrado
com Adolf Holzel e abre, em Neckautor, um Novo Salão de Arte. Entretanto, no início
da I Grande Guerra Mundial, voluntaria-se, acontecimento que virá a ter grande
influência na sua trajectória artística, principalmente a partir de 1916.

De uma forma geral todos os trabalhos de Schlemmer procuravam o estado de


harmonia, no seu sentido universal, no interstício entre a Natureza e o Homem. Uma das
formas a que recorria para cumprir essa espécie de missão era a transversalidade dos
seus projectos nas artes plásticas, na dança e na teoria.29.

Nas suas primeiras obras plásticas, depreende-se que o seu principal objectivo “was the
heal the rift between intellect and instinct, mind and matter, by creating images of
almost mathematical harmony”30.

Contudo, distancia-se do conteúdo cubista e da forma expressionista. Mathias Eberle


descreve a intenção e o propósito de Schlemmer neste sentido: “Instead of the
Expressionists’ mythique of nature he could pursue a mystique of symbolic form and

28
Op. Cit., p. 199.
29
“a Martí , Fra cisco Ja ier, Oskar “chle er. U artista poliedrico , i José Alberto Lopez, Lapiz –
Revista Internacional de Arte, nº130, Madrid, 1996.
Eberle, Mathias, World War I and the Weimar artists – Dix, Grosz, Bechmann, Schlemmer, Yale
30

University Press, London & New Haven, 1985.

10
colour which, although it also aimed at transcendence, could bypam the tumultuous
emotions and images which arise in immediate confrontation with nature”31.

Schlemmer utilizava, assim, a representação do corpo humano nas suas pinturas como
forma de encontrar esse espaço de harmonia entre o Homem e a Natureza. Mais uma
vez, Mathias Eberle identifica em Schlemmer uma das suas principais ideias na
concepção do próprio lugar do corpo na construção cénica “his figures were meant to
embody an immutable Conception of man, suppressing individual traits in favour of
‘eternal’ features symbolic of a fundamental, universal order”32.

Quando iniciou o seu período na escola da Bauhaus, não só esteve responsável pelo
atelier de pintura e escultura, como também esteve como diretor do atelier de teatro,
logo no início da década de 1920. A sua passagem pela escola da Bauhaus acontecia
numa fase singular. Laurence Louppe relata a Alemanha dos anos 20: “A l’origine de ce
movement [danse moderne] se trouve, étrangement, un certain nombre de facteurs qui
déclencheront également le projet du Bauhaus: l’industrilisation de l’Allemagne, la
détérioration des conditions de vie les milieux urbains, la perte de la «valeur d’usage»
des choses et des matières”33. A Bauhaus reconhecia-se, desse modo, pela busca da
fusão das artes com a tecnologia, onde a máquina se assumia, muitas vezes, como a
forma e conteúdo de uma obra: “l’importance présence du machinique dans les arts de
ce siècle est exactement equivalente à la présence des corps (…) le Bauhaus apportera
une réponse globale: le design et la danse, la scène et le objet, le corps animés, les
matérieux (…)”34. Ainda assim, Oskar Schlemmer posiciona-se de uma forma bastante
individual; após o destrutivo poder de uma tão devastadora guerra mundial e perante
esta primazia da máquina sobre o espírito humano, Schlemmer segue uma visão que
pudesse reverter esse processo: “his search began for an eternal image of man”35.

A partir do cruzamento dos seus trabalhos plásticos e as artes cénicas, principalmente na


dança, Schlemmer pretendia “una misma voluntad de integrar hombre y espácio, la
materialidade física de los cuerpos y la dimensión espiritual de las ideas”36.

31
Op. Cit., p. 107.
32
Op. Cit., p. 109.
33
Louppe, Laurence, Les da ses du Bauhaus: u e gé éologie de la oder ité , i Marie-Sophie Boulon
e Lise-Anne Persanti, Oskar Schlemmer, Musée Cantini, 1999, p. 177.
34
Op. Cit., p. 178.
35
Eberle, Methias, Op. Cit., p. 112.
36
San Martin, Francisco Javier, Op. Cit., p. 26.

11
Na dança, no corpo humano despersonalizado, constrói não só a sua fisionomia através
de figurinos e de uma gestualidade geométrica e abstracta, numa estrutura cénica que se
encontrava entre “los partidários de una escena mecanizada y los partidários de un
teatro de agit-prop”37. No que concerne a este tópico, Mathias Eberle reforça ainda “his
ideals were objectivity and simplicity, and he found these qualities pure in the forms of
geometry, which are a priori products of the mind”38.

Ballet Triádico foi o grande projecto coreográfico, cénico e plástico, que colocou em
prática toda esta teoria de Oskar Schlemmer. As primeiras ideias para este trabalho
começaram a ser esboçadas em 1912; em 1916 tem uma primeira apresentação, ainda só
de alguns fragmentos do que vem a ser a totalidade da obra, apresentada, mais tarde, em
1926.

A ideia de triádico, pressupunha, assim “três bailarinas, três partes da composição


sinfónico-arquitectónica, [três cores] e a fusão de dança, figurinos e música”39.

No contexto desta obra, relevo o prisma de Laurence Louppe, no qual assinala que
Schlemmer “fait précisément retour vers ce moment historique où le corps se confond
aver matière; où le sujet humain se dilue dans un fond qui l’absorbe au sein d’un
mécanisme cosmique générale dont, bien plus tard, la civilisation industrielle et ses
images pourra s’appropier la démiurgie”40.

Considerações Finais

Nas várias acepções de espaço e de estrutura cénicas nos nomes dos quatro autores que
atravessaram o final do século XIX e início do século XX, pode-se estabelecer uma
linha coerente transversal na busca do homem-máquina, personalizado no corpo-
marioneta, geométrico, mecânico, dominado pela racionalidade e como elemento
plástico da cena. Este corpo/ actor-máquina persegue-se através de um mecanismo de
abstracção, não só do corpo, mas do movimento e da constituição da própria cena.

37
Op. Cit., p. 25
38
Eberle, Mathias, Op. Cit., p. 108.
39
Oskar Schlemmer, citado em Goldberg, Roselee, Op. Cit., p. 140.
40
Louppe, Laurence, Op. Cit., p. 184.

12
Simultâneamente, na aproximação realizada, nomeadamente, pelo movimento Dada, o
corpo é apresentado como parte de um discurso de provocação dessa audiência que se
pretendia agitar e inquietar, recorrendo ao contacto físico ou ao imaginário sexual como
matéria artística ou, dizendo melhor, como um desafio da anti-arte defendida.

Esta permanente procura de um sentido artístico e do lugar do corpo, das suas


transmutações e metamorfoses, não só fisiológicas, bem como «arma» emocional e
moral vão permanecer, ao longo da segunda metade do século XX, a preconizar o papel
principal da performance artística.

Bibliografia

 Boulon, Marie-Sophie, Persanti, Lise-Anne (ed.), Oskar Schlemmer, Musée


Cantini, 1999.

 Cody, Gabrielle H., Srinchorn, Evert (ed,), The Columbia Encyclopedia of


Modern Drama, Columbia University Press, 2007.

 Corvin, Michel, Le Théâtre de Recherche entre le deux guerres: la laboratoire


art et action, La cite – L’Age d’Homme, [s.d.].

 Craig, Gordon, Da Arte do Teatro, Lisboa, Editora Arcádia, [s.d.].

 Eberle, Mathias, World War I and the Weimar Artists – Dix, Grosz, Bechmann,
Schlemmer, Yale University Press, 1985.

 Goldberg, Roselee, A Arte da Performance – do futurism ao presente, Lisboa,


Orfeu Negro, 2012.

 Meyerhold, Vsevelod, Teoría Teatral, Madrid, Editorial Fundamentos, 1971.

 Monteiro, Paulo Filipe, Drama e Comunicação, Coimbra, Imprensa


Universitária de Coimbra, 2010.

 Redmond, James, Drama and Society, Cambridge University Press, 1979.

13
 San Martin, Francisco Javier, “Oskar Schlemmer, Un artista poledrico”, in José
Alberto López, Lapiz – Revista Insternacional de Arte, nº130, Madrid, 1996.

 Villers, Jean-Pierre a. De, Le Premier Manifeste du Futurisme, Édition de


l’Université d’Ottawa, 1986.

14

Você também pode gostar