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Meyerhold publicaciones
Laura C
O lugar do corpo na voz de Craig,
Marinetti, Meyerhold e Schlemmer
Metamorfoses do Espectáculo
2014/15
Introdução ------------------------------------------------------------------- 3
Bibliografia ---------------------------------------------------------------- 13
2
Richard Schechner afirma que para estudarmos a performance, seja esta numa vertente
artística, sociológica ou antropológica, podemos fazê-lo “from the point of view of
actions enacted, of the spaces in which performances takes place, of the temporal
structure of a performance, and as events surrounding and succeeding the performance,
both affected by it and affecting it”1. Todavia, se nos centrarmos na dimensão das
acções, o actor/ performer preconiza a sua materialização e concretização. O actor/
performer utiliza, assim, como mediação para a realização da acção o elemento que é a
ponte entre o seu mundo interior e o exterior: o corpo.
Schechner, Richard, Performances Studies – an introduction, London & New York, Routledge, 2010, p.
1
225.
2
Monteiro, Paulo Filipe, Drama e Comunicação, Coimbra, Imprensa Universitária de Coimbra, 2010, p.
71-113.
3
Numa tão ampla multiplicidade de práticas e autores que abordam a questão do lugar do
corpo, considero pertinente estabelecer uma análise transversal através dos trabalhos
teóricos e práticas de quatro autores que marcaram as práticas e concepções artísticas no
final do século XIX até ao final da década de 20 do século XX: Gordon Craig, Filippo
Marinetti, Vsevelod Meyerhold e Oskar Schlemmer.
Coloca-se, assim, o desafio de depreender de que forma os seus conceitos sobre o corpo
e o lugar que este ocupava nas suas criações cénicas, bem como a interligação entre os
quatro autores selecionados.
Ao abordar estes autores, não podemos negligenciar a sua matriz cultural, social e
política tão demarcada nos países donde provém, seja num Reino Unido industrializado,
uma Itália que renuncia ao academismo e que tinha assistido à sua unificação há menos
de 40 anos, uma Rússia à beira de uma Revolução e uma Alemanha, igualmente
reunificada recentemente, em plena República de Weimar e saída da I Grande Guerra
Mundial.
Edward Gordon Craig, filho da actriz Ellen Terry e do arquitecto/ cenógrafo Edward
William Godwin, nasce em 1872, no Reino Unido. Esteve, como actor, na companhia
de Henry Irving entre 1885 e 1897. Ao não se identificar como actor, dedica-se, entre
1900 e 1903, à encenação, mas mais uma vez, sem conseguir um trabalho com o qual se
sinta realizado. É, a partir desse momento, que dirige o seu empenho, às questões
teóricas e às concepções cenográficas e da arquitectura cénica. Vem, mais tarde, a
cooperar na encenação de Hamlet, na companhia do Teatro de Arte de Moscovo, onde
estabelece contacto com Stanislavski e Meyerhold, entre 1909 e 1911.
3
Op. Cit., p. 228.
4
electricidade, algumas das criações cénicas, aparecem como “sistemas de painéis ou
ecrãs deslizantes com que pretendia dotar o palco de uma arquitectura em movimento,
servido pela iluminação (…) todo o palco deveria ser móvel”4. A sua matriz
influenciada pelos simbolistas revê-se na recusa do realismo e a preferência pela
construção da cena através da sugestão, de jogos de luz e sombra. Em 1913, funda a
Gordon Craig School for the Art of the Theatre, em Florença, onde leva a cabo o
objectivo de formar cenógrafos neste sentido.
A sua construção plástica da cena leva-o mesmo à recusa do actor como artista e,
inclusivamente, a considerar que para se alcançar o «teatro do futuro», o actor devera
desaparecer da cena teatral. Craig desenvolveu este argumento nas suas duas mais
relevantes obras The Mask (1908) e On the Arte of the Theatre (1911). Na perspectiva
de Gordon Craig, “o corpo humano não servia de instrumento à Arte do Teatro” 5. Na
sua feroz crítica à imitação da realidade social típica da prática do teatro naturalista bem
como do vedetismo dos actores e actrizes da sua época, Craig considerava que estes não
preconizavam nenhum tipo de criação artística, pois cingiam-se, apenas, a obedecer à
impulsividade das suas próprias emoções na interpretação de qualquer personagem. Diz
mesmo que “a representação do actor não constitui uma Arte; e é forçadamente que se
dá ao actor o nome de artista. Porque tudo o que é acidental é contrário à Arte”6.
Advoga, deste modo, que ao obedecer apenas às emoções, o actor perde total controlo
do seu corpo, dos seus gestos e da sua voz, ficando escravo das próprias emoções: “Os
membros recusam-se a obedecer ao pensamento desde que a emoção se inflama,
enquanto o pensamento não deixa alimentar o fogo das emoções. E é tanto assim para a
expressão do rosto como para os movimentos do corpo”7.
4
Op. Cit., p. 226.
5
Craig, Gordon, Da Arte do Teatro, Lisboa, Arcádia, [s.d.], p. 91.
6
Op. Cit., p. 88.
7
Op. Cit., p. 89.
8
Op. Cit., p. 98.
9
Op. Cit., p. 109.
5
Craig descreve esta Super-marioneta como uma figura que “não rivalizará com a vida,
mas irá além dela; não figurará o corpo de carne e osso, mas o corpo em estado de
êxtase, e, enquanto emanar dela um espírito vivo, revestir-se-á de uma beleza de
morte”10. Nesta sua descrição, deduz-se que existia nesta Super-marioneta um desejo de
atingir já um estado de purificação da arte, de uma linguagem própria que elevasse
todos os elementos cénicos como parte de algo uno. A própria figura da Super-
marioneta teria de fazer jus a todas as novas inovações na arte do teatro e o corpo do
actor seria uma das componentes plásticas constituintes dessa mesma cena. Veremos,
nos próximos autores, que esta ideia não se cinge apenas à concepção de Gordon Craig.
10
Op. Cit., p. 111-112.
11
www.moma.org/collection/artist_id=3771 [consultado a 15.01.2015].
12
Goldberg, Roselee, A Arte da Performance: do futurismo ao presente, Lisboa, Orfeu Negro, 2012, p.
15-17.
6
Ainda antes de publicar, em 1913, o Manifesto do Teatro de Variedades, Marinetti
defendia como principais valores deste movimento de reacção ao academismo, às
instituições e aos valores tradicionais, o advento da vida moderna e industrializada, da
primazia da máquina e da electricidade, num homem que fosse capaz do gesto destruído
de Museus e outras instituições que a ele se equiparassem13.
Villers descreve este espírito da seguinte forma: “L’avant-garde et ses différents avatars
n’ont cesse de dévorer ce qui les avait précédés en actualisant certaines des valeurs
proposées par Marinetti dans son Manifeste du futurisme: l’agressivité et l’energie
physique, la vitesse, la guerre, le mechanisme, le rejet du passé, la mode, l’importance
de l’inconscient”14.
13
Villers, Jean-Pierre a. De, Le Premier manifesto du futurismo, Éditio de l’U i ersité d’Otta a, 1 86,p.
112-113.
14
Op. Cit., p. 32.
15
Cody, Gabrielle H., Sprinchorn, Evert, The Columbia Encyclopedia of Modern Drama, Columbia
University Press, 2007, p. 499.
16
Redmond, James, Drama and Society, Cambridge University Press, 1979, p. 133.
17
Goldberg, Op. Cit., p. 29.
7
devem tentar conferir a máxima expressividade aos movimentos e às acções das suas
extremidades inferiores”18.
A teoria e a prática de Marinetti pendiam entre a paixão frenética pela vida moderna,
rápida, fragmentária, efémera, musculada19, no qual o corpo ora representava o corpo-
máquina, racional e geométrico, como um motor, ora assumia a loucura e o grotesco das
críticas futuristas da vida deste início de século.
Vsevelod Meyerhold é oriundo de Penza, onde nasce em Janeiro de 1874. Penza era
uma pequena cidade da província onde, durante a sua primeira juventude, Meyerhold
conviveu com exilados políticos, dos quais, na sua maioria, eram escritores ou artistas.
Parte para Moscovo em 1895, onde, no ano seguinte, ingressa na Escola Dramática da
Filarmónica de Moscovo, dirigida por Dachenko. Pouco tempo depois, é escolhido para
trabalhar no Teatro de Arte, criado por Dachenko e Stanislavski. Apesar de nutrir uma
grande admiração por Stanislavski, em 1902, abandona o Teatro de Arte de Moscovo.
“Ni el «Naturalismo» de las puestas en escena de Stanislavski, ni lo que Dachenko
llamaba em contenido de la obra, mostrado a través del «realismo psicológico», le
convencen”20 e segue para Itália em busca de novas formas de criação teatral.
A linha artística de Medner ou Stravinski, fazia surgir, na Rússia, uma luta contra a
estética materialista ou de intenção social21, com a qual Meyerhold se identifica,
considerando-se, já, um “antirrealista convencido, al que atrae fuertemente el
simbolismo y el experimentación”22. Monta uma companhia – Sociedade do Drama
Novo -, e leva à cena Gorki, Ibsen e Hauptmann. Já na temporada de 1904-1905, as suas
criações começam a espelhar as directrizes do teatro que imaginava: cenário moderno,
dotado das últimas invenções técnicas, rotativo, com plataformas mecânicas e boa
18
Marinetti, citado em Goldber, Op.Cit., p. 31.
Corvin, Michel, Le théâtre de re her he entre le deux guerres: la la oratoire d’art et a tion, La cité –
19
8
iluminação, recriando uma cena na qual se “representaba por agrupaciones y manchas
de color, que tiene um movimento rítmico único”23.
Durante os anos que está à frente dos teatros oficiais, continua a desenvolver as suas
experiências em pequenos teatros e em círculos de amigos.
O seu percurso adquire um novo rumo com a Revolução de 1917, no qual Meyerhold
advoga “há llegado el momento de hacer una revolución en el teatro y de reflejar en
cada representación la llucha de la classe trabajadora por su emancipación”24. É, assim,
no início da década de 1920 que se junta ao movimento construtivista e põe em prática
as suas mais arrojadas teorias. A partir da procura de uma beleza funcional e utilitária25,
incrementa a sua teoria da biomecânica. Desde 1921, começa a formar actores e a
apresentar a sua concepção da construção de uma cena sem ornamentação, aumento do
espaço cénico e dispensa a maquinaria de cena. Contudo, era no actor que residia a sua
teoria. Este deveria ter total controlo e racionalização dos seus movimentos em cena.
Através de uma formação que se centrava num conjunto de exercícios de ginástica e
técnicas de acrobacia, o actor adquiria um completo domínio sobre todas as partes do
seu corpo, dos seus ritmos e gestos corporais em cena. Na óptica de Meyerhold, “estos
ejercicios, en los que tenía importancia la gimnasia, la plástica y la acrobacia,
desenrrollaban em los alunos el golpe de vista preciso: aprenciam a calcular sus
movimentos, a hacerlos racionales y a coordinalos com sus compañeros;”26, ou ainda,
“la biomecânica permite al actor dirigir su interpretación, coordinala com el expectador
(…), compreender las possibilidades oferecidas por las interpretaciones a los
movimentos expresivos”27.
23
Ibidem.
24
Op. Cit., p. 18.
25
Op. Cit., p. 19.
26
Op. Cit., p. 199.
27
Op. Cit., p. 200.
9
essência do teatro revolucionário e lembrar-nos do prazer desta luta em que nos
empenhámos”28.
O mais novo dos autores selecionados para este ensaio, Oskar Schlemmer, nasce em
Stuttgart em 1888. Inicia o seu percurso nas artes na área do Design gráfio e das Artes
Aplicadas, entre 1903 e 1910. Apesar de ter conseguido uma bolsa para prosseguir os
estudos em Berlim, regressa rapidamente a Stuttgart e ingressa, depois, no mestrado
com Adolf Holzel e abre, em Neckautor, um Novo Salão de Arte. Entretanto, no início
da I Grande Guerra Mundial, voluntaria-se, acontecimento que virá a ter grande
influência na sua trajectória artística, principalmente a partir de 1916.
Nas suas primeiras obras plásticas, depreende-se que o seu principal objectivo “was the
heal the rift between intellect and instinct, mind and matter, by creating images of
almost mathematical harmony”30.
28
Op. Cit., p. 199.
29
“a Martí , Fra cisco Ja ier, Oskar “chle er. U artista poliedrico , i José Alberto Lopez, Lapiz –
Revista Internacional de Arte, nº130, Madrid, 1996.
Eberle, Mathias, World War I and the Weimar artists – Dix, Grosz, Bechmann, Schlemmer, Yale
30
10
colour which, although it also aimed at transcendence, could bypam the tumultuous
emotions and images which arise in immediate confrontation with nature”31.
Schlemmer utilizava, assim, a representação do corpo humano nas suas pinturas como
forma de encontrar esse espaço de harmonia entre o Homem e a Natureza. Mais uma
vez, Mathias Eberle identifica em Schlemmer uma das suas principais ideias na
concepção do próprio lugar do corpo na construção cénica “his figures were meant to
embody an immutable Conception of man, suppressing individual traits in favour of
‘eternal’ features symbolic of a fundamental, universal order”32.
Quando iniciou o seu período na escola da Bauhaus, não só esteve responsável pelo
atelier de pintura e escultura, como também esteve como diretor do atelier de teatro,
logo no início da década de 1920. A sua passagem pela escola da Bauhaus acontecia
numa fase singular. Laurence Louppe relata a Alemanha dos anos 20: “A l’origine de ce
movement [danse moderne] se trouve, étrangement, un certain nombre de facteurs qui
déclencheront également le projet du Bauhaus: l’industrilisation de l’Allemagne, la
détérioration des conditions de vie les milieux urbains, la perte de la «valeur d’usage»
des choses et des matières”33. A Bauhaus reconhecia-se, desse modo, pela busca da
fusão das artes com a tecnologia, onde a máquina se assumia, muitas vezes, como a
forma e conteúdo de uma obra: “l’importance présence du machinique dans les arts de
ce siècle est exactement equivalente à la présence des corps (…) le Bauhaus apportera
une réponse globale: le design et la danse, la scène et le objet, le corps animés, les
matérieux (…)”34. Ainda assim, Oskar Schlemmer posiciona-se de uma forma bastante
individual; após o destrutivo poder de uma tão devastadora guerra mundial e perante
esta primazia da máquina sobre o espírito humano, Schlemmer segue uma visão que
pudesse reverter esse processo: “his search began for an eternal image of man”35.
31
Op. Cit., p. 107.
32
Op. Cit., p. 109.
33
Louppe, Laurence, Les da ses du Bauhaus: u e gé éologie de la oder ité , i Marie-Sophie Boulon
e Lise-Anne Persanti, Oskar Schlemmer, Musée Cantini, 1999, p. 177.
34
Op. Cit., p. 178.
35
Eberle, Methias, Op. Cit., p. 112.
36
San Martin, Francisco Javier, Op. Cit., p. 26.
11
Na dança, no corpo humano despersonalizado, constrói não só a sua fisionomia através
de figurinos e de uma gestualidade geométrica e abstracta, numa estrutura cénica que se
encontrava entre “los partidários de una escena mecanizada y los partidários de un
teatro de agit-prop”37. No que concerne a este tópico, Mathias Eberle reforça ainda “his
ideals were objectivity and simplicity, and he found these qualities pure in the forms of
geometry, which are a priori products of the mind”38.
Ballet Triádico foi o grande projecto coreográfico, cénico e plástico, que colocou em
prática toda esta teoria de Oskar Schlemmer. As primeiras ideias para este trabalho
começaram a ser esboçadas em 1912; em 1916 tem uma primeira apresentação, ainda só
de alguns fragmentos do que vem a ser a totalidade da obra, apresentada, mais tarde, em
1926.
No contexto desta obra, relevo o prisma de Laurence Louppe, no qual assinala que
Schlemmer “fait précisément retour vers ce moment historique où le corps se confond
aver matière; où le sujet humain se dilue dans un fond qui l’absorbe au sein d’un
mécanisme cosmique générale dont, bien plus tard, la civilisation industrielle et ses
images pourra s’appropier la démiurgie”40.
Considerações Finais
Nas várias acepções de espaço e de estrutura cénicas nos nomes dos quatro autores que
atravessaram o final do século XIX e início do século XX, pode-se estabelecer uma
linha coerente transversal na busca do homem-máquina, personalizado no corpo-
marioneta, geométrico, mecânico, dominado pela racionalidade e como elemento
plástico da cena. Este corpo/ actor-máquina persegue-se através de um mecanismo de
abstracção, não só do corpo, mas do movimento e da constituição da própria cena.
37
Op. Cit., p. 25
38
Eberle, Mathias, Op. Cit., p. 108.
39
Oskar Schlemmer, citado em Goldberg, Roselee, Op. Cit., p. 140.
40
Louppe, Laurence, Op. Cit., p. 184.
12
Simultâneamente, na aproximação realizada, nomeadamente, pelo movimento Dada, o
corpo é apresentado como parte de um discurso de provocação dessa audiência que se
pretendia agitar e inquietar, recorrendo ao contacto físico ou ao imaginário sexual como
matéria artística ou, dizendo melhor, como um desafio da anti-arte defendida.
Bibliografia
Eberle, Mathias, World War I and the Weimar Artists – Dix, Grosz, Bechmann,
Schlemmer, Yale University Press, 1985.
13
San Martin, Francisco Javier, “Oskar Schlemmer, Un artista poledrico”, in José
Alberto López, Lapiz – Revista Insternacional de Arte, nº130, Madrid, 1996.
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