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artigos

A vida urbana 1
emerge em África
Bill Freund
Universidade de KwaZulu-Natal

TRADUÇÃO:
Ana Mazzolini
ONU-HABITAT

Céline Veríssimo
¡DALE! / UFBA, MALOCA / UNILA,
PPGPPD e CAU / UNILA, DAMG / UPT
A vida urbana emerge na África
Este texto faz a introdução do livro The African city: a history publi-
cado em 2007 e é, desde então, um marco sobre a história das cidades em
África. Neste artigo, Bill Freund defende e mostra que a urbanização
africana tem origem pré-colonial, desconstruindo o mito de que a cidade
é uma invenção europeia, acrescentando, ainda, que “África é o cenário
ideal para estudar os primórdios da urbanização”. O autor segue expli-
cando a génese sagrada da cidade africana pré-colonial, cuja importância
superava de longe a dimensão económica. Freund dá-nos uma ideia das ci-
Resumo dades nas várias regiões do continente, desde antes dos faraós do antigo
Império Egípcio até ao séc. XX, com base numa rica e crítica informação
obtida de várias fontes e de variadas épocas, embora na sua maioria de
autores europeus, inclui autores africanos importantes, aborda muitas
questões e reforça que o futuro das sociedades e das culturas africanas
provavelmente passará muito pelas cidades(Por não haver resumo no texto
original, este foi feito pelos editores).
Palavras-chave: cidades africanas, história das cidades,
África pré-colonial, espaços sagrados, urbanização.

Emerge la vida urbana en África


Este texto presenta el libro La ciudad africana: una historia que
fué publicado en 2007 y ha sido, desde entonces, un hito en la
historia de las ciudades de África. En este artículo, Bill Freund
defiende y demuestra que la urbanización africana tiene orígenes
precoloniales, deconstruyendo el mito de que la ciudad es un invento
europeo, añadiendo que “África es el escenario ideal para estudiar
los inicios de la urbanización”. El autor continúa explicando la
génesis sagrada de la ciudad africana precolonial, cuya importancia
superó con creces la dimensión económica. Freund nos da una idea de
Resumen las ciudades en las diversas regiones del continente, desde antes
de los faraones del antiguo imperio egipcio hasta el siglo XIX.
XX, basado en una rica y crítica información obtenida de varias
fuentes y de diferentes épocas, aunque en su mayoría de autores
europeos, incluye importantes autores africanos, aborda muchos temas
y refuerza que el futuro de las sociedades y culturas africanas
probablemente pasará mucho por las ciudades. (Al no existir un
resumen en el texto original, éste fue realizado por los editores).

Palabras clave: Ciudades africanas, historia de las ciudades,


África precolonial, espacios sagrados, urbanización
Urban life emerges in Africa
This text introduces the book The African city: a history published in 2007,
which has been ever since, a landmark on the history of cities in Africa.
In this paper, Bill Freund defends and shows that African urbanization
has pre-colonial origins, deconstructing the myth that the city is a
European invention, adding that “Africa is the ideal setting to study the
beginnings of urbanization”. The author expands further to explain the
sacred genesis of the pre-colonial African city, whose importance far
Abtract surpassed the economic dimension. Freund gives us an idea of the
​​ cities
in the various regions of the continent, since before the pharaohs of
the ancient Egyptian Empire until the 20th century, based on a rich and
critical information obtained from several sources and from different
times, although mostly from European authors, includes important African
authors, addresses many issues and reinforces that the future of African
societies and cultures will probably pass a lot through cities (Since
there is no abstract in the original text, this was done by the editors).

Keywords: African cities, history of cities,


pre-colonial Africa, sacred spaces, urbanization.
N
o prefácio de meu livro e, implicitamente,
no título deste artigo, sugiro que as cidades
evoluem. Na análise que se segue, adoto um
modelo essencialmente evolutivo. É possível
argumentar, mais precisamente, que existem,
ou existiram, tipos exclusivamente africanos de cidades,
antes da incorporação da África nos sistemas-mundo com
amplas redes económicas e estruturas culturais urbanas
predefinidas, como uma declaração cultural sobre afri-
canidade. No entanto, aqui, o pressuposto é que existem
várias razões pelas quais a vida urbana emerge em qual-
quer lugar: razões de carácter ambiental, ritual, político
e económico, cada qual será examinada com maior de-
talhe. Isso seria uma verdade para qualquer grande área
no mundo e, até um certo ponto, poderia compreender
combinações muito diferentes e bastante únicas. Este
livro [A Cidade Africana: uma história] irá enfatizar que o
modelo urbano evolutivo precisa de ser substancialmente
modificado, através da integração de elementos anterio-
res ao desenvolvimento urbano mais recente, da mesma
forma que as formas de assentamento rural podem ser
levadas para modos de vida urbana. As cidades antigas
são inevitavelmente acumulações com camadas que
sobrevivem do seu passado cultural, quando não físico.
A divisão desta história urbana africana em capítulos, que
observam o impacto da assimilação, nos primórdios de
uma economia mundial, do colonialismo e do cenário
pós-colonial, busca dar índole à mudança evolutiva, mas
isto não significa sugerir que não existem continuidades
de uma fase para outra.

África é um cenário ideal para estudar os primórdios


da urbanização. Em muitas regiões do continente afri-
n. 1
cano, o surgimento de novas cidades pertence a um re-
p. 104-147
gisto histórico relativamente recente, enquanto que um
número considerável de escavações arqueológicas foi
2022
pensado para tentar identificar a natureza da vida urbana
ISSN: 2965-4904
no passado, vendo como, quando, e porque se desenvolveu. Este artigo considera a
informação disponível acerca dos primórdios da urbanização no continente e destaca
o que podemos supor sobre cidades, nas diferentes fases do seu desenvolvimento.
Isso implica dar alguns grandes saltos, em termos de distância, entre tempos e lugares.

Este artigo não segue uma ordem cronológica. As suas primeiras páginas mover-se-
-ão espacialmente para norte e concentradas nos diferentes tipos de assentamentos
urbanos anteriores, assentamentos com poucas evidências de influência externa a
África. Tais tipologias estão longe de serem mutuamente exclusivas, mas os exemplos
dados tencionam destacar aspectos específicos, de uma forma mais clara. Em termos
de janela temporal, voltaremos até cinco mil anos para trás, para o Antigo Reino do
Egito - mas, onde tais assentamentos mostram pouca evidência de influência das
redes globais cada vez mais comercializadas em contacto com o Ocidente, alguns dos
meus exemplos são de data relativamente recente, incluindo o primeiro que irei dar.

p. 111

Mapa 1 – Antigas cidades africanas.


O modo como um dos autores citados abaixo, o antropólogo John Peel (1983),
escreveu sobre os grandes assentamentos urbanos Yorubá do sudoeste da Nigéria,
particularmente sobre como poderiam ter sido antes do século XIX, parece frequen-
temente desafiar a simples categorização de continuidade rural-urbana (PEEL, 1983).
A ligação entre os lugares urbanos aqui discutidos, deve ser entendida como conceitual
em vez de linear, para fazer justiça à estrutura de ideias que se segue nas próximas
páginas. Assim, iremos frequentemente questionar o porquê e até que ponto estes
lugares eram urbanos. Iremos percorrer uma série de sequências descritivas, antes
de fazer um balanço, ao examinar os tipos de estruturas urbanas como um todo. É
importante reforçar que, se essas estruturas não abrangem certos critérios contem-
porâneos sobre como uma cidade deveria ser, tais assentamentos não devem ser
descartados, mas sim acolhidos com interesse pelas suas configurações únicas e
contribuição para o desenvolvimento cultural da humanidade.

Na segunda metade do artigo a narrativa chegará mais perto de seguir uma ordem
convencional no tempo, e as principais influências externas assimiladas em experiência
africana - grega, púnica, romana e islâmica, assim como sistemas-mundo subglobais
iniciais - serão trazidas. Neste ponto, o carácter urbano torna-se incontestável: a eco-
nomia tornou-se mais variada e envolveu uma especialização intensificada. A vida
urbana dependia de excedentes agrícolas sistemáticos, provenientes de fora, definindo
parcialmente as relações urbano-rural. Uma definitiva e distinta cultura urbana emergia
dentro do sistema. Fosse por incorporação, conquista ou outros meios de mudança, isto
fez com que se desse uma mudança evolutiva no Norte de África nos três primeiros
casos e, muito mais amplamente, no quarto. As características urbanas típicas destes
sistemas serão destacadas nas descrições da segunda metade do artigo.

Na verdade, começaremos num ponto bastante tardio da janela temporal. Na África


Austral - a extremidade ocidental onde os agricultores de língua bantu se estabelece-
ram no que hoje é o Botswana - existiam, há vários séculos, aglomerações humanas
surpreendentemente grandes. Cientistas sociais contemporâneos, especializados
no estudo dessa região, chamaram essas aglomerações de “agro-cidades”. Estas
agro-cidades poderão ter contido entre dez a vinte mil pessoas, antes da invasão
colonial, embora as evidências também sugiram que elas se tenham expandido subs-
tancialmente no âmbito das condições inseguras e instáveis do século XIX. Shoshong,
a capital do estado Ngwato do século XIX, pode ter atraído trinta mil pessoas, embora
p. 112 raramente se concentrassem todas ao mesmo tempo na cidade. As agro-cidades de
Kanye, Serowe e Molepolole, no Botswana de hoje, são exemplos remanescentes
deste fenómeno.

Os europeus ficaram surpreendidos com o tamanho de Dithakong, a cidade mais


a sul da região. Quando a encontraram, no início do século XIX, era tão grande quanto
a capital colonial da Cidade do Cabo. Apesar das agro-cidades terem sido invariavel-
mente o núcleo de importantes chefias tswana, é incrível notar que, mais adiante a
oriente, num país bem mais húmido, falantes da língua sotho, próximos dessas chefias,
deram pouco sinal de adesão a grandes assentamentos. Nem existiam, na época
equivalente à Idade Média europeia, quando os falantes de tswana aparentemente se
começaram a estabelecer no Botswana. Foi um pouco mais tarde, após um período
de definhamento e recuo para oriente, seguido por reassentamento depois do ano
de 1500, que este tipo de padrão incomum de assentamento surgiu.

Não há uma explicação direta para o que aconteceu. As agro-cidades são certa-
mente emblemáticas do poder de chefes, reunindo uma variedade de pessoas sob
o seu domínio. Na verdade, a estrutura das cidades assemelhava-se a um conjunto
de aldeias, com base na descendência e afiliação a um chefe ou ancião. Uma ca-
racterística peculiar era o espaço para o Kgvda, um local de encontro comunitário e
cerimonial que simbolicamente define o que o termo comunidade significa para os
tswana. Contudo, os chefes tswana não eram incomensuravelmente poderosos, nem
era esta a única maneira de um chefe em África conseguir obter submissão. Em certa
medida, a necessidade de defesa pode ter sido um fator para que se reunisse um
grande número de pessoas. O tamanho de uma população aglomerada num campo
aberto representa um formidável impedimento para qualquer tipo de invasão. Da
mesma forma, a concentração estava certamente relacionada a escolhas ecológicas.
Um bom abastecimento de água e a presença de uma colina proeminente, eram as
características típicas dos grandes assentamentos. De forma alguma, porém, a eco-
nomia tswana poderia ser considerada tão rica ao ponto de apoiar a urbanização no
sentido de um excedente que pudesse sustentar muitos produtores não-agrícolas. Os
membros da família, principalmente as mulheres, tiveram de espalhar-se de maneira
dispersa no território, para cultivar e colher alimentos. Os homens jovens passavam a
maior parte do tempo a viver em postos de gado, mantidos a uma longa distância da
cidade, muitas vezes em terras demasiado secas para suportar agricultura.

A concentração criou problemas e, como resultado, até as mudanças dos sécu-


p. 113
los XIX e XX, que atribuíram propósitos comerciais e administrativos às cidades, que
nunca antes tinham desfrutado, morreram todas passado algum tempo. Nas palavras
de Neal Parsons (1982), a dimensão das cidades tswana acelerou o curso de um
ciclo, exatamente como aquele conhecido pelas aldeias, onde a cidade teve que ser
transferida e a população deslocada muitas vezes, com considerável frequência. A
urbanização tswana promoveu um “ciclo de esgotamento das pastagens locais, dos
solos cultiváveis, da madeira e dos suprimentos de água” (PARSONS, 1982, p. 120). Em
particular, Parsons acredita que a eflorescência e o subsequente desaparecimento da
cidade tswana estejam proximamente correlacionados ao esgotamento dos recursos
de madeira nas imediações. Foi assim que Shoshong morreu para ser substituída por
Phalatswe - Palapye Velha - no final da década de 1880. A cidade de Dithakong já
tinha desaparecido há muito tempo. A estrutura da agro-cidade não se podia prestar
sem estímulos externos para o surgimento de atividades económicas que eram de
caráter especificamente urbano. No entanto, precisamos respeitar como uma faceta
da evolução humana, este raro, mas não único, tipo de preferência, por um povo
de pastores e camponeses, em escolher viver e desenvolver o próprio sentido de
comunidade, em assentamentos do tamanho de grandes cidades.

Se procurarmos analogias no Sul de África, por um padrão que configure o da


urbanização tswana, existe uma possibilidade que vem de trás, num tempo muito
mais remoto. Durante um período de alguns séculos, a construção em pedra, de uma
natureza impressionante, teve lugar em assentamentos relativamente permanentes
no centro-sul de África, principalmente no moderno Zimbabué – cujo nome moderno
deriva do que parece ser uma palavra shona para tais assentamentos (madzimbahwe,
i.e. residências dos chefes) - mas estendendo-se até o território do Botswana. Na ver-
dade, construções de pedra menos impressionantes, do ponto de vista arquitetónico,
foram realizadas extensivamente em toda a região de planalto Highveld Sul-Africano,
com continuidade até recentemente. A maioria desta construção é acompanhada por
traçados de povoações e aldeias relativamente pequenas, mas nem todas. Algumas
marcam claramente comunidades bastante grandes. O local mais antigo associado a
este padrão construtivo situa-se em Mapungubwe, na província de Limpopo da África
do Sul, perto do rio com o mesmo nome. Mapungubwe é um local de colina com
alguns túmulos impressionantes e belos objetos de arte, que podem ser associados
ao início do comércio de ouro com o litoral, há mais de mil anos atrás. A residência de
uma família real ou clã no topo da colina é outra característica notável. Mas enquanto
comunidade urbana, parecem ter sido bastante pequenas e limitadas.

p. 114 Mais para norte estão as ruínas do que chamamos de Grande Zimbabué, não muito
longe da moderna cidade de Masvingo, no Zimbabué. Aqui, existem ruínas estetica-
mente incríveis - uma maravilhosa torre circular, muros altos, por vezes moldados
para permitir a construção por etapas, padrões de parede ornamentadas, mostrando
um incrível trabalho de mão-de-obra, construída acima do vale, numa colina que os
primeiros arqueólogos chamaram de Acrópole, onde os bens necessários para a vida
quotidiana teriam de ter sido levados, laboriosamente e diariamente, por carregadores.
Há muito que nada sabemos sobre estas ruínas, mas existem alguns aspectos relativos
a Zimbabué, em que os cientistas parecem concordar. Um deles, é que o vale continha
uma densa comunidade de casas construídas com barro e madeira - no seu auge,
muitas delas eram rebocadas - onde outrora as pessoas viviam. Até quinze mil dessas
pessoas podem ter sido moradores de uma vez só, num assentamento cuja área seria
de setecentos hectares (Huffman, 1996, p. 125). O autor David Beach (1984) imaginou
isto como “uma grande massa de cabanas lotadas que se espalhavam pelo vale entre
os pântanos e subindo as encostas em terraços... basicamente uma construção de
meados do século XIII ao XIV.” (BEACH, 1984, p. 25). As ruínas de pedras, certamente
não eram casas. Os muros, de pouca utilidade para defesa, poderiam, ter servido para
limitar algumas atividades, talvez ofícios sagrados, da população.

Nunca saberemos exatamente para que propósito serviam as diferentes estruturas.


O arqueólogo Tom Huffman (1996) deu uma série de sugestões criativas, com base
no seu estudo da iconografia sagrada das pessoas da língua venda, que atualmente
vivem no lado sul da fronteira, na África do Sul e que podem potencialmente deter
muito mais da antiga cultura do Grande Zimbabué do que as pessoas que vivem
atualmente perto das ruínas (HUFFMAN, 1996). Pelo menos sugerem um elemento
adicional que precisamos considerar, a importância do sagrado: os locais urbanos
podem servir de posicionamentos ideais para cerimónias e atividades que ligam as
pessoas aos antepassados e aos deuses, de uma forma que vai tecendo a malha que
une pessoas e forma comunidade. O elemento sagrado teve, por vezes, claramente
um significado real para explicar as raízes da aglomeração urbana e pode ter sido,
neste caso, o principal elemento. Se Huffman estiver certo, as atividades sagradas
relacionadas com uma poderosa dinastia, ou dinastias, de chefes, foram mais impor-
tantes do que qualquer impulso económico para esta grande comunidade, que era
comparável, em dimensão, às grandes agro-cidades tswana.

Os historiadores sentem-se confiantes que o Grande Zimbabué foi o centro de um


estado que comercializava ouro com a costa do oceano Índico, e que era uma cidade
efetivamente ligada por um cordão umbilical a Kilwa, que controlava esse comércio p. 115
durante o seu auge, e que era a mais impressionante comunidade urbana que se
desenvolveu na costa da África Oriental, antes da chegada dos europeus. Veremos
a cidade de Kilwa mais adiante neste artigo. Contudo, embora existam vestígios de
comércio de longa distância nas ruínas do Grande Zimbabué (contas indianas, uma
tigela persa, porcelana chinesa), detém uma qualidade estranha – fragmentos de
cerâmica e moedas, em vez de provas de um verdadeiro quarteirão comercial ou de
qualquer lugar indicador de uma intensa atividade comercial. O declínio desse notável
assentamento pode estar relacionado com mudanças substanciais no comércio do
ouro, embora não seja consensual entre os cientistas. Nem é claro como o comércio
de ouro teve influência no fortalecimento do poder político na região.

De forma geral, os cientistas concluíram que a grande concentração populacional


no Grande Zimbábue, apesar de todo o esforço humano que foi feito para edificar
as suas pedras, se tornou insustentável depois de algum tempo, tal como foi com
as agro-cidades tswana. O vale onde as ruínas estão situadas parece ter-se tornado
improdutivo para agricultura, devido ao cultivo intensivo e/ou a mudança climática.
Foi abandonado por volta do 1450, depois de talvez duzentos anos de ocupação,
e nenhuma comunidade de outro tamanho voltou a estabelecer-se naquele lugar.
Qualquer que seja a causa ambiental que possa ter levado ao assentamento inicial
neste lugar - se é que existiu - terá sido passageira.

Existem inúmeras outras ruínas semelhantes na região, muito mais a oeste, nas
áreas mais secas de Matabeleland e no norte do Botswana, mas nesses lugares a
construção em pedra não foi tão extensa ou impressionante, e a escala dos assenta-
mentos era menor. David Beach (1984) sugere que estas eram dissidências culturais,
talvez estabelecidas por ramos fragmentados de famílias de chefes, com cada vez
menos riqueza ou ligação com o comércio exterior. Essa hipótese parece ainda mais
válida no caso das capitais de chefia shona, descritas por visitantes portugueses do
século XVI, geralmente localizadas mais a norte. A dinastia Mutapa construiu muito
cidades barricadas com pouca ou nenhuma construção de pedra e com mais ênfase
na defesa. Esta dinastia foi, de facto, o poder governante que lucrou com o comércio
de ouro nos seus últimos séculos de existência. Talvez o Grande Zimbabué tenha
sido um tipo de experiência urbana que falhou, em vez de evoluir por um caminho
de maior complexidade e sofisticação. Talvez a ideia de agro-cidade tswana tenha
sido de alguma maneira influenciada por este tipo mais extenso de assentamento e
represente o seu único sucessor decorrente.
p. 116
São Salvador e Gondar
Cerca de um século após o declínio do Grande Zimbabué, o contacto com os
europeus foi um fator gerador na construção de grandiosos territórios urbanos no
interior de África. No entanto, o carácter urbano desses territórios permaneceu in-
completo. Um exemplo foi o de Mbanza Kongo, a capital de um amplo e poderoso
estado, situado a sul do rio Congo, na Angola de hoje, que comercializava com os
portugueses - especialmente escravos - desde o século XV. Os portugueses estavam
particularmente interessados no​​ reino do Congo como um aliado, e não mediram es-
forços para o assimilar no modelo europeu, particularmente em cristianizá-lo. A família
real patrocinou uma cultura cristã literata ao longo de várias gerações e assumiu de
boa vontade algumas formas de estado europeias, na perspectiva dos seus parceiros
comerciais. A capital, sensacionalmente situada num planalto montanhoso, atraiu
principalmente os membros da corte da realeza, mas também se tornou o local de
um conjunto de edifícios cristãos, inicialmente construídos em pedra, sob a direção
de europeus - mas durante algum tempo foi conduzida por africanos que dominavam
as técnicas construtivas - e habitação de monges e padres. Provavelmente, atingiu o
seu apogeu em meados do século XVII.

Para os europeus, era a cidade, razoavelmente nobre, de São Salvador. Diante


da praça, junto a uma catedral e um palácio, encontrava-se uma pequena cidade
muralhada habitada por portugueses. Para os africanos, Mbanza Kongo permaneceu
um lugar onde caminhos estreitos percorriam complexos muralhados com espaço
suficiente para gado e horticultura, mas com área para a agricultura, uma vez que a
cidade e o campo fundiam-se um no outro. Até o palácio não foi habitado por muito
tempo. Provavelmente era inconveniente e sujo em comparação com a estrutura típica
de um grande complexo. O mecenato real permaneceu como a base da atividade
económica de tal forma que, a propriedade privada, em determinados locais, parece
nunca ter sido desenvolvida. Havia pouco espaço até para criar uma sociedade civil
urbana rudimentar, mas a aura do poder sagrado associado ao local, sobreviveu após
o declínio secular do reino depois do final do século XVII, e o local físico reteve a
importância cultural como resquício da sua glória urbana, muito tempo depois da
relevância política de Mbanza Kongo ter desaparecido. Mbanza sempre teve, talvez
mesmo antes da criação da sua cidade, uma associação com urbanidade e civilidade
na língua kikongo, diferenciando-a da vida na aldeia. Contudo, ao lado das notáveis p. 117
fachadas de pedra, que simbolizavam a civilização para os europeus, uma comu-
nidade africana com associações diferentes deu, realmente, vida a São Salvador,
tornando-a um lugar vital partilhado pelas pessoas. Por isso, a cidade do século XVIII,
que permaneceu com considerável importância sagrada, e até política, na região, com
concentrações populacionais por vezes tão grandes como no passado, continuou a
ser identificada com os antigos edifícios em pedra, mesmo quando estes caíam cada
vez mais em ruína.

A milhares de quilómetros de Mbanza Kongo, outra cidade em pedra de influência


portuguesa erguia-se no planalto etíope - Gondar. O imperador Fasíladas, que reinou
no segundo quartel do século XVII, apesar da expulsão dos Jesuítas e da restauração
da Ortodoxia Copta como igreja da Etiópia, foi responsável por autorizar a construção
de palácios e igrejas nesta cidade, a cerca de cem quilómetros a norte do lago Tana. Ao
contrário de Mbanza Kongo, o processo de construção da cidade de Gondar continuou
por várias gerações. Este foi um desvio aparentemente flagrante na história etíope,
onde nenhuma capital construída permanentemente chegou a existir por mil anos.

As terras altas da Etiópia foram, por muitos séculos, o lar de uma sociedade de
classes indígenas de senhores e camponeses. No entanto, embora os assentamentos
comerciais tivessem sem dúvida existido por muito tempo, a urbanização era um fraco
poder. O que acontece se olhar para trás mais mil anos, a partir da época Fasíladas?
Paralelo à existência do Império Romano tardio, houve um reino que se converteu
ao Cristianismo e onde dominava uma língua semítica ancestral aos usos linguísticos
atuais, que se concentrou na cidade de Aksum. Aksum manteve-se de grande impor-
tância por muitos séculos e ressurgiu como um centro cristão e cidade mercantil na
época medieval e mais além. Todavia, o arqueólogo David Phillipson (2000) chegou
recentemente à conclusão que, enquanto:

Aksum era de tal tamanho e importância para merecer o


termo ‘cidade’[...]não existe evidência de que Aksum
era uma cidade, do modo como esse termo é por vezes
compreendido. As suas estruturas, co+++mo são conhe-
cidas atualmente, compreendiam grandes edifícios de
propósito desconhecido, mas claramente associados à
elite, bem como monumentos funerários e edifícios re-
ligiosos(PHILLIPSON, 2000, p. 61).

Até onde sabemos, as pessoas comuns viviam a alguma distância deste núcleo
p. 118 sagrado, perto de campos cultiváveis. Aksum não tinha muros defensivos. A vida co-
mercial do estado de Aksumite deve ter sido considerável (cunhou moedas), mas talvez
pouco tenha avançado nessa antiga cidade africana. O seu papel político e sagrado
refletia, sem dúvida, tradições etíopes ainda mais antigas, que até agora foram apenas
reconhecidas vagamente por arqueólogos.

Posteriormente, os sucessivos governantes etíopes, viajavam constantemente com


as suas cortes para manter o controle sobre os seus súbditos. Mas não tentaram conter
subordinados insurgentes dentro dos muros da cidade. O Cristianismo Etíope focou-se,
principalmente, em mosteiros, em vez de catedrais urbanas. Antes da cidade de Gondar
ter sido construída, a corte costumava consistir num acampamento de centenas de
tendas para os seguidores. Não só isso foi entendido como um meio para a corte fazer
sentir a sua autoridade em regiões-chave, mas também tinha uma lógica ambiental. O
peso deste tipo de exploração natural em bruto, de alimentos, madeira e outros produ-
tos, só diminuía sazonalmente, em determinadas localidades, se a corte se deslocasse,
na sua ausência a região era autorizada a recuperar. Edifícios menos impressionantes
marcaram, de longe, a existência de centros mercantis regionais e cidades que atraíram
relativamente pouca atenção por parte dos historiadores da Etiópia.

A própria cidade de Gondar foi importante pela sua associação com a realeza e,
através da realeza, com a igreja e não para atividades comerciais particularmente
significativas. Uma iconografia do sagrado provou essa importância. O recente estudo
de Donald Crummey (2000) regista nada menos que onze importantes igrejas régias
nas proximidades. Crummey também sublinhou que a mudança iniciada pela cons-
trução permanente em Gondar foi menos dramática do que o que um olhar europeu
pode imaginar. No séc. XVII “Gondar era acima de tudo uma residência de Inverno, um
lugar onde a corte real e os seus sempre amplos círculos de lacaios e dependentes
passavam a ‘estação das chuvas’” (CRUMMEY, 2000, p. 74). A génese ambulante do
estado perdurou após o surgimento da construção permanente de Gondar, no século
XIX, durante um período de relativa fraqueza da realeza. Em meados do século XVIII,
o ritmo da vida comercial estava a aumentar e Gondar estava a adquirir maior impor-
tância económica (ao contrário de Mbanza Kongo). A documentação que sobreviveu
indica a crescente frequência de vendas e compras de habitações. As pessoas ricas
começaram a ter uma participação na prosperidade permanente de Gondar, indepen-
dentemente do destino da enfraquecida dinastia real. Este padrão de comercialização,
que começou a transformar as aglomerações populacionais mais antigas em toda a
África do século XIX, se sobreviveram ou não às suas convulsões, irá aparecer mais
2
claramente no próximo capítulo. Gondar e Mbanza Kongo são, em certos aspectos, p. 119
um outro tipo de cidade antiga, comparativamente com as agro-cidades do centro-
-sul africano e os vestígios muralhados do Zimbabué, embora as suas respectivas
evoluções tenham divergido uma da outra.

Desenvolvem-se cidades no Egito


O lento aparecimento do urbanismo, da vida plena da cidade, também é, de certo
modo, observável a uma distância ainda maior no tempo, no antigo Egito. Ao longo de
grande parte da sua longa história, particularmente antes do Novo Reino (1540-1070
a.C.), o Vale do Nilo conheceu de alguma forma concentrações populacionais, mas
no sentido pleno da palavra, as cidades foram inventadas muito devagar. De facto,
por muito tempo, tais concentrações, pelo que podemos supor pelo tamanho das
localidades, podem não ter sido muito maiores do que os contextos urbanos que esti-
vemos a considerar acima, em outras partes de África. O antigo Egito não tinha moeda
- as trocas comerciais faziam-se na distribuição em espécie. A arquitetura doméstica,
segundo os arqueólogos, parece ter consistido, em grande medida, em instalações
para armazenar grãos, para moagem e fabrico de cerveja. Existe, portanto, uma lógica
evidente na domesticação egípcia do gato, como forma de lidar com o flagelo dos
roedores. A arquitetura doméstica era normalmente construída em adobe e de um
só piso, idealmente erguida em volta de um pátio. Dadas as dificuldades em produzir
excedentes, é provável que as famílias urbanas precisassem normalmente e tivessem
acesso a terras agrícolas nas proximidades. A distribuição, por sua vez, era gerida pelos
templos, e em nome dos deuses. Os mercadores eram geralmente agentes económicos
que operavam em nome dos funcionários e/ou sacerdotes do templo.

Com o tempo, as casas ficaram maiores. As grandes vivendas tinham corredores


com colunas, enquanto os pátios continham piscinas de água. Espaços distintos para
cozinhar foram estabelecidos como cozinhas e formas básicas de mobiliário para
armazenamento e cadeiras foram esculpidos em madeira. Para os mais abastados, as
camas também eram feitas em madeira. O telhado era frequentemente usado como
espaço para momentos de lazer, assim como para armazenamento, e era acessível
por escadas, enquanto que a cidade de Tebas tinha casas com mais de um andar.
Pequenas janelas eram esculpidas nas paredes para não deixar entrar pó.

Os grandes monumentos do Egito, que definem a sua fama, estão relacionados


p. 120 com culto e com um poder de estado intimamente ligado ao culto, onde o natural e
o sobrenatural estavam estreitamente interligados. Muito foi produzido com o intuito
de apoiar as atividades da vida após a morte. Residências seculares, mesmo as dos
poderosos, parecem ter sido pequenas e os seus espaços maiores eram reservados
para cerimónias públicas. Muito do que conhecemos sobre a vida de homens e mu-
lheres comuns no antigo Egito vem de escavações arqueológicas das casas daqueles
que trabalhavam em projetos funerários ou como servos nos templos. Embora a arte
egípcia esteja repleta de imagens da esfera doméstica, a real separação da esfera
privada da vida, independente da sagrada, foi um processo muito lento. Por isso,
as aglomerações urbanas provavelmente surgiram em grande parte como, e assim
permaneceram por muito tempo, o conjunto das casas das pessoas vinculadas aos
rituais de culto aos deuses e às necessidades da vida após a morte. Na época do
Novo Império, a cidade de Menfis, construída no local onde o Nilo se divide nos
muitos canais do seu delta, tinha-se tornado um importante entreposto comercial e
de construção naval, mas pelo menos um terço do espaço urbano foi ocupado por
templos e construções sagradas.

Não obstante, as cidades egípcias podem ter demonstrado um alto nível de pla-
neamento urbano, refletindo o seu caráter religioso e burocrático, o que causou uma
boa impressão: “As primeiras paisagens a serem vistas, ao chegar à cidade de barco
pelo rio, foram as pontas douradas de centenas de mastros de bandeiras dos templos,
reluzentes como cristais à distância. Depois, à medida que se aproximava, uma miríade
de galhardetes de linho cintilava contra os penhascos púrpura” (ROMER, 1984, p. 4). Os
chefes de estado das cidades no Egito eram, efetivamente, os sacerdotes, e o traçado
do espaço urbano era cuidadosamente pensado. No único exemplo que conhece-
mos - uma antiga cidade egípcia que foi escavada relativamente intacta, Amarna – o
elemento-chave estruturador era uma grande avenida ladeada por templos. Contudo,
existem poucas evidências de interesse na estrutura das áreas residenciais. No início
do Novo Império, por exemplo, Tebas foi o assentamento urbano-chave do Egito e um
lugar de “espetáculo e magnificência” (KEMP, 1989, p. 206), e foi totalmente evacuado
e nivelado de maneira a abrir espaço para novos templos de pedra. A nova - e ainda
sem muros - Tebas, chamada pelos egípcios simplesmente de ‘A Cidade’ ou algo
semelhante a Waset (Tebas foi o nome usado pelos gregos), estendia-se por talvez
quinze quilómetros ao longo do Nilo. A vida comercial das cidades da Mesopotâmia
(hoje, o Iraque) - e com ela espaços incomparavelmente mais privatizados - parece
ter-se desenvolvido milénios antes da civilização ribeirinha do Egito. Tão pouco a
cultura egípcia teve muito espaço para o “urbano” como forma de vida - o imaginário
p. 121
de uma vida de qualidade era associado à vida no campo. Foi muito lentamente que
o mundo económico do comércio e produção de mercadorias quebrou a carapaça
da cultura religiosa egípcia e das estruturas e pessoas, ligadas ao culto religioso.
Existem, portanto, paralelos importantes entre a história da urbanização no Egito e
em outras partes de África, se considerarmos o período de tempo excecionalmente
longo dessa história.

As primeiras cidades da África Ocidental


Mesmo assim, o início da história da África Ocidental também nos permite consi-
derar muitos assentamentos urbanos ao longo de um período de até dois mil anos.
A tradição oral, que contém elementos que sobreviveram à vida urbana mais recen-
te, conjugada com as evidências fornecidas pela arqueologia, sugere algo sobre a
vida nesses assentamentos. A arqueologia é o que nos permite escrever algo sobre
os antigos assentamentos perto da moderna cidade de Djenné, no Mali. Os antigos
assentamentos do rio Níger, são conhecidos por estarem ligados ao comércio trans-
-saariano de ouro. Tendemos a supor que seja melhor imaginá-los como surgidos
em conexão a ligações comerciais. O lugar de Jenné-Jeno, que foi explorado pelos
McIntoshes, na direção do extremo norte do cinturão de cultivo na África Ocidental
e conveniente aos movimentos de caravanas à procura de oásis no Saara, parece
encaixar-se perfeitamente neste modelo. Contudo, o que se descobriu em vez disso
é que, há dois mil anos atrás, a concentração populacional neste local precedeu o
comércio trans-saariano e a chegada do camelo. Parece ter sido principalmente uma
resposta às características específicas do ambiente local, onde o deserto se encontra
com a planície e o rio. Nem existem traços tangíveis de qualquer autoridade política
ou sagrada para explicar esta concentração. Houve talvez vinte mil pessoas a morar
em Jenné-Jeno, por volta do ano 800 d.C., com sinais evidentes de especialização
económica, mas o local não deixou vestígios de construção para elites, nem de cen-
tralização política de qualquer importância - sem edifícios públicos, monumentos,
nem santuários. Gao, eventualmente o centro do estado de Songhay e o lugar da mais
antiga evidência epigráfica datada no Sahel, revelou uma história um tanto paralela.
Lugares semelhantes, pré-islâmicos, pré-comércio internacional, por exemplo, nas
proximidades de Timbuktu, são suspeitos de também terem existido.

É a partir da década de 1060 que temos uma descrição de um geógrafo árabe,


al-Bakri, sobre a cidade capital de um estado da África Ocidental que fazia fronteira
p. 122 com as rotas do comércio de ouro, uma cidade chamada al-Ghaba, ou ‘a mata’, pre-
sumivelmente por estar associada a uma mata sagrada. A maior entidade urbana
(regente ou estado) era conhecida pelos árabes como o Gana. No século XII, a cidade
tinha uma componente islâmica, mas al-Ghaba era a cidade real, distante da cidade
comercial muçulmana, na qual “as casas são construídas em pedra e madeira de
acácia. O rei tem um palácio com cabanas cónicas (ao seu redor), cercado por uma
vedação como um muro” (n.d.). Ao redor da capital existiam conjuntos que continham
estruturas em cúpula, onde deuses locais e ancestrais eram venerados. Esta é uma
imagem muito diferente daquela que os McIntoshes forneceram sobre a cidade de
Djenné. A autoridade política no Gana estava efetivamente ligada ao poder espiritual
e ambas se infundiram na capital. O local da capital do Gana foi identificado nas ruínas
de Kumbi Saleh, no sul da Mauritânia - mas, infelizmente, nenhum vestígio de uma
cidade pré-islâmica, ou não-islâmica, foi ali encontrado.

Noutras partes da África Ocidental foram uma vez mais detetados padrões um
pouco diferentes. À medida que viramos para sul e oriente, na direção do território
densamente povoado da Nigéria de hoje em dia, a predileção pela concentração
urbana remonta a tempos bastante mais antigos. Além disso, os elementos conven-
cionalmente urbanos estão em vigor há vários séculos. Nas regiões de savana, os
estados que existiam no séc. XVI, e posteriormente, eram todos associados, pelos
seus nomes, às suas cidades capitais. Kano, a maior das cidades do Norte da Nigéria
contemporânea, pode ser associada particularmente a um planalto sagrado, Dalla
Hill, onde se acreditava que moravam espíritos poderosos. Dalla ergue-se sobre as
imediações, uma área fértil e hoje muitíssimo densamente povoada. Nas proximida-
des, existem fontes particularmente ricas em minério de ferro. Muita terra agrícola
foi delimitada pelos impressionantes muros externos de Kano, que defendiam um
mundo económico ainda não distinto do campo. Na verdade, as cercas muralhadas
definiam vastos territórios em volta de todas as cidades de língua hausa, na savana
central da África Ocidental.

A birni, ou ‘cidade’, tal como uma unidade social distinta, é uma antiga unidade
conceitual estabelecida (mas de que antiguidade?) na língua hausa, bastante diferente
do conceito de aldeia ou aldeamento. Durante séculos, atividades tipicamente urbanas
marcaram o birane. Kano, por exemplo, tornou-se um importante entreposto comer-
cial, um lugar de riqueza cujo regente era simultaneamente a fonte e o controlador
de tal riqueza. Dentro da hierarquia de funcionários convencionalmente exercidos
pela autoridade urbana, existiam figuras que eram essencialmente urbanas nas suas
funções – relacionadas com a boa ordem da cidade ou do mercado. Inicialmente, p. 123
é provável que a supervisão do mercado fosse mulher, refletindo o poder feminino
sobre o comércio.

A formação dos povos, a difusão dos estados e o Islão estão intimamente ligados
à influência dos birni. Para o historiador Abdullahi Smith (1987), o birni deve ter tido,
por definição, muros (SMITH, 1987). A autoridade política e a defesa foram, de facto,
atributos-chave na definição de cidade. A outra característica é a composição da
população: qualquer birni conteria diferentes quarteirões habitados por diferentes
povos. O sarki, ou regente, não podia ser um chefe tribal. Por definição, ele manteria
a autoridade sobre vários povos. A arqueologia nigeriana não é avançada o suficiente
para sugerir quando o birane surgiu, mas a sugestão de Smith é que eles tenham
vindo a evoluir desde a época do Gana e dos primeiros assentamentos urbanos ou
semiurbanos em torno de Djenné e Timbuktu, portanto na época equivalente à Idade
Média europeia, ou até ligeiramente antes. Os muros de Kano e de Zaria (que envolvem
Kufena, um impressionante monte elevado comparável a Dalla) remontam ao séc. XV
e provavelmente tinham fundações ainda mais antigas. É impossível dizer como eram
as primeiras aglomerações urbanas, mas há muito que estas já tinham desenvolvido
formas urbanas convencionais, embora distintas entre si.

Mais a sul na Nigéria, perto da fronteira entre a savana e a floresta e mesmo no


interior da floresta, outro padrão urbano emergiu e prevaleceu durante muito tempo.
Assim como na savana, trata-se de, não meramente uma questão de cidades capitais,
mas de inteiras redes de cidades. O padrão mais notável de todos está relacionado
com os povos de língua yorubá do sudoeste da Nigéria. Uma grande percentagem de
pessoas da língua yorubá, na época da conquista britânica, vivia em aglomerações,
algumas delas notáveis, como Ibadan, com mais de duzentos mil habitantes, que era
deveras grande. Estas cidades eram quase certamente muito menores e provavel-
mente muito menos caracterizadas por atividades comerciais e artesanais na época
anterior à turbulência das guerras civis yorubá, do início do século XIX, e do rápido
aumento do comércio de mercadorias que se seguiram, mas certamente existiam - e
foram substanciais.

Ibadan foi organizada em torno de redes de conjuntos liderados pelos chefes de


linhagens que eram, realmente, os proprietários das terras. Tais conjuntos urbanos
continham de quarenta a quatrocentos habitantes, a maioria dos quais no século XIX
eram trabalhadores domésticos (dependentes endividados) e escravos. Mais a norte,
p. 124
certos quarteirões urbanos eram associados a grupos étnicos específicos, ou a certas
formas de culto. De uma forma geral, a população que morava nos conjuntos muralha-
dos saía para trabalhar nos campos, onde costumavam manter um abrigo temporário.
Havia, portanto, limites no caráter urbano desses assentamentos. Ainda assim, eles
foram o local central da produção artesanal yorubá no século XIX, e mantiveram uma
intensa vida comercial. Os mercados estavam localizados no centro dessas grandes
e admiráveis cidades -​​ o comércio dentro das cidades era provavelmente muito mais
importante do que o comércio regional. As cidades yorubá tornaram-se lugar de fes-
tividades e de rituais sagrados que definiram a cidade e os seus habitantes.

Os autores Peter Lloyd, A. L. Mabogunje e B. Awe (1967) apontam também para


outro aspecto central na cidade yoruba ou nigeriana: o poder político. O traçado da
cidade – a sua iconografia - manifestava uma geografia de poder. Evidências de mu-
ros enormes e elaborados, mesmo que já não existam, podem normalmente ainda
ser encontradas agora mesmo. Assim, Oyo ile, o maior centro político até ao final
do século XVIII, era cercado por muros que cobriam entre vinte a trinta quilómetros
quadrados. O viajante britânico Hugh Clapperton relatou nos seus diários a existência
de sete mercados distintos em 1826. Para os Yoruba, Ile-Ife, com certeza o lugar do
extraordinário bronze
​​ milenar descoberto na época colonial, foi a cidade que marcou
as suas origens como um povo civilizado. O funcionalismo público, como nas cidades

p. 125

Figura 1. Kumase, a capital de Asante: cena de rua e palácio.


Fonte: Dupuis, Journal of a Residence in Ashantee (1824). Cortesia da Cambridge University Library.
hausa, foi criado para organizar a administração da cidade e da própria vida urbana.
Ibadan, uma criação do século XIX, é um caso notável: não tinha um governante único
e obviamente representava uma federação de pessoas de diferentes origens que se
reuniam voluntariamente e que se consideravam uns aos outros como iguais. Neste
sentido, trata-se de uma cidade cosmopolita, como Smith analisou para a birane hausa.

O sociólogo britânico John Peel (1983) forneceu-nos um olhar mais atento sobre
uma cidade yorubá menos conhecida, Ilesha, que continha uma população de vinte a
vinte e cinco mil pessoas no final do século XIX, um período de declínio (PEEL, 1983).
Ilesha pode ser melhor definida como o centro de um estado, uma capital política e
sagrada rica em túmulos e santuários reais que compreendia uma grande variedade
de bairros, geralmente dominados por importantes grandes famílias e frequentemente
associados a linhagens específicas. Um sistema de cargos e títulos vinculava os deve-
res políticos e administrativos dos membros do estado. Pela situação de tal bairro, os
indivíduos podem ser descritos precisamente como pessoas pertencentes à cidade,
como cidadãos. É claro que a maioria da população era composta de dependentes
domésticos, certamente no século XIX, sendo os escravos muito numerosos, estes
não eram cidadãos. Contudo, Peel prefere ver o paralelo com uma pólis grega de
cidadãos livres, em vez de uma aristocracia, controlando “escravos... homens jovens...
estrangeiros... comunidades subordinadas, para não falar das mulheres” (PEEL, 1983, p.
45) - revelava assim a mesma ambiguidade oculta no urbanismo e na cidadania grega
como conceitos. Um estudo de história da cidade revela também tudo menos harmonia:
conflitos violentos entre bairros - o ija igbooro - marcavam a história da cidade.

As famílias dominantes tinham obrigações práticas em termos de cuidado do seu


bairro da cidade, bem como funções rituais. Por vezes estavam também relacionados
com ofícios especializados. Todos tinham acesso aos campos que sustentavam a
vida do agregado familiar e formavam a base da economia - campos distantes até
quinze quilómetros da residência urbana, e em muitos casos, habitações modestas
proporcionavam abrigo temporário nesses campos. Havia também cidades-satélite
que deviam lealdade a Ilesha. Algumas eram apenas aldeias, mas outras participavam
numa rede urbana na qual podiam, em determinadas circunstâncias, perder ou ganhar
mais importância. Embora, em alguns aspectos, Peel veja Ilesha como tendo um toque
cultural e político muito característico de cidade, na sua opinião:

p. 126 Na parte sul da África Ocidental, outras cidades também


merecem ser mencionadas, cidades que em muitos casos
refletiram a majestosidade de um estado e estabeleceram
limites e espaços adequados para a residência de um gover-
nante sagrado. Isto também pode refletir um padrão muito an-
tigo, embora até à data seja impossível fornecer uma linha do
tempo ou um ponto de origem. Existem algumas diferenças,
mas provavelmente muito mais semelhanças, com o modelo
de cidade yorubá, embora as grandes cidades não fossem,
em parte alguma, tão características da fixação humana. Dois
exemplos são a cidade de Benin, no centro-sul da Nigéria, a
oriente do país Yorubá e, consideravelmente mais a ocidente,
a cidade de Kumase, onde hoje é a república do Gana. Benin,
pouco influenciada pelos estilos europeus, foi memoravel-
mente descrita por um viajante holandês, Olfert Dapper, em
1668, como “grande como a cidade de Haarlem [isto na ver-
dade refere-se apenas ao recinto real]” (DAPPER, 1668) e ca-
racterizada por amplas estradas e um vasto recinto real com
galerias lindamente trabalhadas e palácios baixos, decorados.
O complexo da grande muralha do Benin, do qual alguns ves-
tígios ainda estão de pé, apresenta puzzles espaciais para o
arqueólogo. A importância do complexo do governante suge-
re a centralidade da vida política na organização e definição
da cidade.

O mesmo pode ser dito de Kumase, a sede da Asantehene e lugar central da


Confederação Asante, o poder dominante durante os séculos XVIII e XIX por grande
parte da república moderna do Gana. Construída nas encostas de um cume rochoso
no início do século XIX, a cidade de Kumase continha uma população permanente
de quinze a vinte mil pessoas, o tipo de número que observamos repetidamente
em centros populacionais africanos ao longo dos séculos. No entanto, os números
aumentavam exponencialmente em épocas de festivais e temporadas quando era
importante que os cortesãos comparecessem perante o Asantehene, e diminuiam
drasticamente quando o Asantehene estivesse ausente em qualquer altura. Alimen-
tar, mesmo números mais pequenos de pessoas, exigia um ambiente urbano onde
grande parte da população cultivasse e passasse algum tempo nas aldeias vizinhas
de Kumase. Os primeiros visitantes europeus deram provas gráficas de pátios e ga- p. 127
lerias decorados, que marcaram o caráter sagrado e político da cidade, como era o
caso em Benin. Como em Benin, as vias públicas eram muito bem cuidadas: “As ruas
são geralmente muito largas, limpas e ornamentadas, com muitas figueiras bonitas,
oferecendo uma agradável sombra dos poderosos raios de sol” (WILKS, 1975, p. 381).

Na sua massiva história de Asante, Ivor Wilks coloca, de longe, o maior peso na
cultura política da região ao explicar o crescimento de Kumase. No seu apogeu, Asante
foi uma cidade muito ativa comercialmente, negociando ouro e nozes de kola por lon-
gas distâncias. Mas o comércio não era principalmente feito em Kumase. E Kintampo,
a grande cidade mercantil que lidava com o comércio do norte, parece ter sido uma
cidade de habitações relativamente efémeras e de pouco peso político. Kumase era
uma cidade, mas que dependia muito unilateralmente da imposição física e priori-
dades de um rei poderoso. É difícil de entender o contrário, como um espaço urbano
(WILKS, 1975). De um modo geral, vários tipos de assentamentos urbanos evoluíram
admiravelmente ao longo do tempo na África Ocidental com semelhanças e também
diferenças significativas.

Este estudo sugeriu alguma da variedade, da sua extensão geográfica e alcance ao


longo do tempo dos primórdios urbanos em África. A urbanização apoiou-se em vários
pilares. O primeiro e mais difícil de definir foi claramente o ambiental: a descoberta
de locais específicos onde as possibilidades económicas sugeriram a importância
de concentração humana para o cultivo, como nas populações de Jenné-Jeno ou
nas agro-cidades de Kalahari. O segundo pilar era o sagrado, a importância espiritual
dentro de muitas culturas africanas para um espaço comum de culto e reverência, sem
dúvida ligado ao surgimento de crenças que transcenderam os cultos dos ancestrais
locais. Este elemento já era importante em Aksum ou no Grande Zimbábue. O terceiro
pilar é a ascensão de estados poderosos, muitas vezes intimamente ligado aos rituais
religiosos. Provavelmente também existe uma quarta categoria, onde, de uma forma
original, a malha urbana e rural, e a cidade muralhada, se tornam inerentes à definição
cultural de toda a sociedade, como encontramos no que é hoje o Gana e a Nigéria.
Da época do antigo Egito, no entanto, o político e o religioso tiveram implicações
económicas, mesmo que a economia não emergisse tão claramente como uma esfera
separada da vida. No restante deste artigo, vamos sugerir que, em alguns momentos
e lugares, a importância da atividade comercial de grande escala e a incorporação
em circuitos comerciais de longa distância - por vezes marcados pela colonização
de fora - cedeu um novo e crucial elemento no processo de urbanização. Claro que
este aspecto será mais óbvio quando analisarmos assentamentos humanos ligados
p. 128 ao comércio dentro da “economia-mundial”, com a ascensão da Europa, mas antes
de nos virarmos para isso no segundo capítulo, devemos considerar a urbanização
ligada a influências anteriores a estes, antes da era moderna.
Alexandria e Cartago
A primeira região de África onde tais influências se tornaram muito importantes foi
o Norte de África, e podemos entender melhor o impacto que tiveram considerando
duas cidades admiráveis: Alexandria e Cartago. Estas foram cidades incrivelmente
grandes, clássicas, revelando todas as características que fascinaram estudiosos sobre
a vida urbana. Eram de tamanho muito grande em comparação com as cidades que
estivemos a examinar anteriormente, e abastecê-las deve ter transformado amplas
extensões de campo para criar um mercado viável. Eram cidades cosmopolitas, que
incluíam atividades económicas complexas, muito comércio e vários ofícios, faziam
pulsar vida pelas suas ruas e vielas. A arquitetura pública de Alexandria era muito
famosa na sua época, muito massiva e destinada a ser permanente, embora pouco
dela tenha sobrevivido. Alexandria foi o lugar do grande Farol de Faros, a construção
mais alta do mundo clássico tardio, com 135 metros de altura, guiando os navios até ao
seu porto, bem como da biblioteca que pode ter sido o maior repositório clássico de
aprendizagem e do museu onde se juntavam estudiosos oriundos de muitas terras. A
população incluía muitos intelectuais de diferentes estratos sociais e, sem dúvida, um
grande número de assalariados ou proletários. Certamente, era também uma cidade
de pobreza e de riqueza. Estudos sobre uma cidade muito menor, Hermópolis, cujos
registos sobreviveram durante parte do período romano, revelam que das terras per-
tencentes a moradores urbanos, cerca de 78% pertencia a 2% dos indivíduos. Alexandria
foi provavelmente caracterizada por concentrações muito maiores de riqueza. Tanto
Alexandria quanto Cartago tinham uma origem essencialmente estrangeira e não
poderiam ter existido sem a crescente integração do litoral norte-africano num mun-
do economicamente muito maior. Fenícia, Grécia, Roma - todas estas culturas eram
fundamentalmente urbanas no seu âmago – e foram, aqui, as principais influências.

Alexandria foi fundada após a morte de Alexandre - o Grande, no século IV a.C. e


foi a capital dos ptolomeus, descendentes de um general conquistador, e mais tarde
a capital da província do Egito Romano. Governada primeiramente por um senado,
Alexandria cedo perdeu a sua autonomia e uma grande parte dela foi coberta por
palácios e propriedades do estado, mas tinha uma administração municipal distinta.
Além disso, bairros, e notavelmente bairros distintos (cada um deles era chamado
de anfodonte), tinham uma liderança reconhecida pelos romanos. Este padrão seria
recorrente no Egito e no mundo islâmico nos séculos seguintes até ao presente. Além p. 129
do mais, os romanos continuaram a favorecer a cidade, isentando todos os cidadãos
do pagamento de impostos, pagos por todos os outros egípcios. Assim como, sob
o controle dos ptolomeus, as associações de caráter grego já conferiam prestígio a
Alexandria. Durante séculos, tais associações foram muito importantes para a elite. A
cultura popular era provavelmente muito mais heterogênea e influenciada por cor-
rentes mais antigas do pensamento egípcio.

A cidade foi organizada de acordo com um plano que dividia bairros distintos - de
Alpha a Epsilon - por largas avenidas e continha excelentes exemplos de todas as
instalações públicas apreciadas no mundo urbano grego, um estádio, um hipódromo
(com fações de alguma forma equivalentes aos modernos adeptos de clubes des-
portivos), um teatro, um mercado e muitos templos. Muitos destes equipamentos
eram municipais e constituíam uma fonte de receita para o estado local, que também
cobrava impostos de mercado. No segundo século d.C., Alexandria foi reconstruída
segundo linhas mais romanas e “a elite urbana incorporou Roma na vida ritual da cidade
e transformou a paisagem urbana para [lhe] dar um aspeto mais clássico” (ALSTON,
2002, p. 247). O porto caracterizava-se por uma arquitetura grandiosa, enquanto um
massivo sistema de cisternas, algumas ainda existentes, fornecia água através de
um canal de água doce. Existiam assentamentos mais pequenos nos arredores, que
deviam estar incumbidos de abastecer esta antiga megalópole, assim como estâncias
balneares.

Escavações na pequena cidade de Oxyrhynchus, no delta, revelam que na época


romana e posteriormente, existiam não menos do que noventa corporações economi-
camente distintas. Alexandria deve ter tido muitas mais. Este imenso mundo urbano de
talvez duzentas mil pessoas continha um importante bairro de egípcios nativos, mas era
uma cidade de estrangeiros, acima de todos os gregos, e também um grande número
de judeus falantes do grego no bairro Delta. De facto, existem registos de expulsões
de egípcios “supérfluos” para o campo. Foi em Alexandria que o Antigo Testamento
foi traduzido pela primeira vez para o grego, e a cidade também foi um importante
ponto de crescimento para o Cristianismo antigo, bem como para a formação do
Judaísmo pós-Templo na diáspora - esta palavra grega foi aplicada pela primeira vez
em Alexandria referindo-se ao exílio dos judeus. O estatuto da numerosa população
judaica foi uma importante questão política. Estes foram excluídos de instituições,
tais como os ginásios, ambientes que marcavam a cultura grega e dos quais emana-
vam clubes politicamente poderosos. O conflito violento entre judeus e gregos - que
p. 130 parece ter sido causado por estas reivindicações - levou à segregação dos judeus
no Delta no ano 38 d.C. Foi uma característica da Alexandria romana inicial até que
a grande revolta dos judeus foi reprimida em 115 d.C., depois da qual a comunidade
judaica perdeu a maior parte da sua relevância política. Na verdade, Alexandria tinha
um historial de violência entre fações, por vezes relacionada com questões como o
preço dos alimentos, mas geralmente com uma forte tendência política.

O poder grego em Alexandria acompanhou o declínio gradual e a queda da antiga


cultura egípcia, que sobreviveu por mais tempo no meio rural. Durante séculos antes
dos ptolomeus, o Egito tinha-se tornado cada vez mais sujeito a invasores estrangeiros
oriundos da Ásia ou do Vale do Nilo no que hoje é o Sudão, localizado num nexus
mediterrânico progressivamente comercializado que incorporou o vale como fonte
de riqueza agrícola com trocas comerciais que se estendiam até ao interior africano.
Os gregos chegaram ao Egito não apenas como comerciantes, mas também como
colonos e já tinham estabelecido várias cidades no Delta do Nilo. Na verdade, eles
foram-se estabelecendo em novas comunidades urbanas, ao invés daquelas que
tinham sido importantes sob os faraós. Mais a leste, na Cirenaica (leste da Líbia),
os gregos também se tornaram colonos em África e fundaram cidades-estado que
governavam a população nativa, mas com muita tensão. A ascensão da Alexandria
cosmopolita pode contrastar com um Egito rural onde uma cultura de aldeia fecha-
da, dominada pelos sacerdotes, retinha um núcleo de práticas da civilização mais
antiga. A forma que o Cristianismo Egípcio assumiria, caracterizada pelo predomínio
de mosteiros e eremitas, seria construída sobre essa cultura remanescente antes do
advento do Islão. O Cristianismo afetou a estrutura da vida urbana à medida que as
igrejas adquiriram importância. Contudo, resultou num retorno para a forma copta do
egípcio face à língua grega. Mas o apogeu de Alexandria foi a fase do cosmopolitismo
cultural - a sua capacidade de difundir cultura pelo Vale do Nilo era extremamente
limitada. Com a ascensão do Cairo islâmico, Alexandria entrou num declínio relativo.
Embora as ligações do Mediterrâneo conservassem algum significado, o cerne da vida
política e económica assentavam novamente no Vale do Nilo, e não no Mediterrâneo,
e assim permaneceria até ao século XIX.

Cartago tem origens que remontam um pouco mais longe. Esta grande cidade foi
fundada pelos fenícios, os libaneses do mundo antigo, que articulavam comércio com
assentamento e tiveram o Mediterrâneo Ocidental como o seu campo de expansão
de eleição, talvez já desde 800 a.C. A cidade de Cartago, que manteve fortes laços
filiais com as cidades da Fenícia - o nome era uma transliteração grega das palavras
“cidade nova” - e continuou a reverenciar os seus deuses com sacrifícios humanos e p. 131
de outras formas, era o centro dinâmico da sua expansão. A cidade gerou cidades-
-satélite e entrepostos comerciais desde a Tunísia moderna para oeste, em Espanha
e nas ilhas do Mediterrâneo Ocidental, bem como no continente africano. A partir de
Cartago, a língua púnica, bem como as formas religiosas semíticas, espalharam-se
pelo ocidente do Norte de África, e ambas conservaram importância, muito depois
dos romanos terem destruído Cartago em 146 a.C. Cartago também era muito grande,
uma cidade que as atuais investigações estimam ter tido uma população de cem mil
pessoas (talvez fosse o dobro desse número no momento da sua destruição), com
uma poderosa vocação comercial e uma ampla gama de especialização económica.
A génese do seu comércio consistia em produtos naturais, tais como vinho e azeite.
A partir do século V a.C., começou a emitir moedas. Cartago tinha edifícios de vários
andares e desenvolveu um sistema de aquedutos e tanques para abastecer água aos
moradores. O seu governo era dominado por um Senado ou Conselho, mas existia
uma assembleia geral muito mais representativa, assim como a contínua ameaça à
governação popular pelos jogos de poder dos generais arrogantes, tal como em Roma.
Da mesma forma como em Roma, a influência grega em Cartago era muito forte na
decoração e na arquitetura, bem como na vida cívica. No entanto, e neste sentido
comum a algumas outras culturas de língua semítica, existia um forte preconceito
contra as imagens realistas na cultura cartaginesa - por isso, restaram poucos vestígios
de interesse artístico. A religião de Cartago concentrava-se no poder cívico e lealdade,
em contraste com o antigo contexto egípcio, segundo o qual, o culto nos templos tinha
substituído qualquer outro propósito urbano. No princípio, Cartago era uma espécie
de cidade-ilha, ligada a uma rede de cidades comerciais por todo o Mediterrâneo
Ocidental, com uma interação relativamente pouco aprofundada com a população
africana. Mas, com o passar do tempo, Cartago despertou imitações nas capitais dos
governantes de língua berber mais a oeste, enquanto governava de forma direta uma
população “nativa” - que falava púnico e tentava absorver elementos da sua cultura.

Após a conquista romana, uma rede tipicamente romana de cidades surgiu nesta
zona de África. Por toda a parte estas cidades tinham as características de cidades
imperiais - fóruns, mercados, aquedutos, templos, locais de encontro públicos, gi-
násios, banhos, bibliotecas, cemitérios, estádios e assim por diante, enquanto que,
pelo menos as partes baixas e férteis da região, eram incorporadas num império que
definia a boa ordem e a vida civilizada, como urbana. Depois do século IV, a maioria
destes centros provinciais entrou em forte declínio ou desapareceu com a queda da
autoridade romana.
p. 132
Cidades islâmicas
Do ponto de vista continental, por mais impressionante que seja este novo de-
senvolvimento na perspectiva da construção de uma história urbana, parece-se no
nosso olhar distante como uma primeira etapa, que foi seguida por uma outra, muito
mais longa e abrangente, envolvendo a influência de uma nova religião - o Islão. O
Islão teve amplas implicações culturais. É uma religião na qual o comércio podia
florescer: fornecia uma garantia que permitia aos comerciantes chegar em segurança
a zonas costeiras distantes e estabelecer vínculos de comunidade intelectual e de
confiança através da fé. Também é uma religião onde a sociedade urbana é admirada
e considerada como modelo de uma vida boa. Os viajantes islâmicos quase sempre
enriquecem os seus relatos com uma atenta descrição de devoção e boa moral - ou
de outra forma - dos moradores da cidade. Para Ibn Battuta, que visitou Kilwa no
século XIV, a devoção do governante, o estado da aprendizagem, a conservação das
mesquitas - foram as mais importantes características de todas a serem comentadas.
Obviamente, a religião islâmica atraiu povos camponeses e nómadas, assim como
moradores urbanos, mas o caminho certo para a prática Islâmica era idealmente cen-
trado na cidade, através de um regime ordenado para o respeito dos seus preceitos.

A islamização do Norte de África durante o século VII levaria ao aparecimento de


tanto cidades existentes renovadas, como de cidades inteiramente novas, tais como
Kairouan, na atual Tunísia, pioneira no processo de conversão da região, e, é claro, a
Cidade Vitoriosa - Cairo, construída onde começa o Delta do Nilo, não muito longe do
local da antiga Menfis, que agora desapareceu da história. O Cairo era um verdadeiro
sucesso como cidade comercial, após a sua fundação inicial ter sido feita segundo
pretextos, essencialmente, militares. Aqui, Ibn Battuta, escrevendo em 1325, só con-
seguia utilizar superlativos - “senhora de amplas províncias e terras férteis, ilimitada
na abundância do seu povo, incomparável em lar e esplendor, ela é o cruzamento
de viajantes, a permanência dos fracos e dos poderosos” (RAYMOND, 2001, p. 120).
Ainda assim, André Raymond (2001) acredita que os números brutos de até 500.000
pessoas, frequentemente anunciados sobre a população do Cairo islâmico, são exa-
gerados. Ele tem sugerido também, ao contrário da visão tradicional de declínio com
o tempo, que o Cairo continuou a crescer durante o período de Mamluk e, depois, no
domínio turco, atingindo um pico no final do século XVIII, de talvez 250.000 pessoas
e, portanto, comparável às maiores cidades nas margens do Mediterrâneo em outros p. 133
continentes (ibid, 2001). Era certamente a maior cidade africana e durante um longo
p. 134
Figura 2: Cairo: uma artéria principal na cidade antiga.
Fonte: David Roberts, The Holy Land, Syria, Idumea, Arabia, Egypt and Nubia,
Vol. 6 (1842). Cortesia de Biblioteca da Universidade de Cambridge.

período maior do que qualquer outra na Europa da época. No entanto, com a expansão
do Islão durante muitos séculos, as cidades muçulmanas desenvolveram-se também
em outras partes de África, como em Harar, nos limites das montanhas da Etiópia.

As cidades comerciais ao longo da costa da África Oriental eram particularmente


diferentes, localizadas geralmente em ilhas por questões de segurança. A zona costeira
foi incluída nas rotas de comércio internacional pela natureza favorável das monções,
permitindo às embarcações à vela uma navegação relativamente fácil, durante a es-
tação certa, entre África, Arábia, a zona costeira da Índia e mais além. Durante a época
romana, senão antes, começaram a ser estabelecidas ligações com os portos do Mar
Vermelho e, via Egito, com o Mediterrâneo. Todavia, as evidências arqueológicas sobre
a vida urbana no litoral começam apenas na era islâmica, a partir dos séculos VIII ou
IX. A inscrição mais antiga que sobreviveu, é de uma cidade desconhecida na ilha de
Zanzibar, datada de 1107, embora se acredite que os vestígios islâmicos de Manda, na
costa do Quénia, possam ser datados vários séculos antes. Se a vida comercial destas
cidades se estabelecia inicialmente no comércio de marfim e outros produtos da vida
selvagem de África, também envolveu a exportação de escravos suficientes para
gerar uma revolta no século IX, no que é hoje o Iraque. Posteriormente, o comércio
de ouro tornou-se mais importante. A cidade dominante nesse aspecto era Kilwa, na
atual Tanzânia. A sua história escrita foi registada no século XVI. Kilwa ostentava um
admirável palácio, hoje chamado de Husuni Kubwa, no qual existiu uma vida de luxo,
se praticou o ensino islâmico, que conquistou viajantes, possuindo uma localização
que possibilitou que a atividade artesanal (produção de tecido de algodão) se tivesse
juntado economicamente ao comércio.. Foi a única cidade costeira com provas de
ter cunhado a sua própria moeda, demonstrando a grande capacidade do estado
em regular a atividade comercial. A Mesquita de Sexta-feira, com as suas múltiplas
cúpulas, foi ampliada quatro vezes, durante os anos expansivos de Kilwa. O bom estado
de conservação das suas ruínas dá-nos uma excelente oportunidade para imaginar
como era nos séculos XIV e XV, a época de maior florescimento.

O apogeu de Kilwa pode ser relacionado cronologicamente ao apogeu do Grande


Zimbabué, que os historiadores pressupõem que controlava de alguma forma o abas-
tecimento de ouro que chegava à costa de caravana. Neville Chittick (1977) estima a
população máxima de Kilwa em mais de onze mil, pequena comparativamente com
as maiores cidades no
​​ Norte da África. Kilwa tinha muitas construções em pedra com
um estilo arquitetónico que Chittick descreve como único do litoral (CHITTICK, 1977). A p. 135
Kilwa do século XV certamente falava suaíli, embora, sem dúvida, os seus habitantes
gostassem de mostrar a ancestralidade paterna na Arábia, na Pérsia e em outros
lugares. O suaíli evoluiu como uma língua bantu influenciada pelo árabe, talvez, desde
o século X, e alimentou tanto uma literatura sagrada, como secular. Foi falada ao longo
da costa até Mogadíscio. Sob a superfície arabizada da cultura costeira, referências de
viajantes, mais do que os achados dos arqueólogos, sugerem que as formas culturais
anteriores não tinham desaparecido no século XV. Assim, em cidades muito menos
ricas do que Kilwa, a construção em pau-a-pique predominava, assim como nas casas
mais pobres em Kilwa. Descrições de homens com tatuagens, e outras pistas, apontam
para uma heterogeneidade cultural sobre a qual as ruínas não falam. Mais a norte de
Kilwa, ficam Malindi e Mombasa, e outras cidades desenvolvidas na costa do atual
Quénia, onde o comércio de ouro não deve ter sido um fator de desenvolvimento.
Apesar da sua riqueza, o impacto de Kilwa e outras cidades-entreposto no interior
era baixo até ao surgimento de um novo tipo de comércio de caravanas de marfim,
que alimentou os circuitos capitalistas internacionais no século XIX, sob a hegemonia
de Zanzibar.

Na África Ocidental, muito antes da época de Zanzibar, o Islão andou de mão dada
com o crescimento do comércio transaariano e adquiriu raízes locais cada vez mais
profundas. O resultado foi tanto a transformação, em parte por acréscimo, de cidades
existentes, tais como Kano ou Djenne, que adquiriram registos gerais do modelo das
cidades Islâmicas, mas sem dúvida também, características enraizadas do urbanismo
pré-islâmico.

O que realmente entendemos por cidade islâmica? Temos a possibilidade de um


modelo normativo implícito para um exemplo - a cidade marroquina de Fez, como
ela era sob a dinastia Marinida do século XIV - na monografia clássica do académico
francês, Roger le Tourneau (1961). Le Tourneau viu a medina como tendo certos traços
característicos de qualquer parte do mundo muçulmano. No entanto, ele também
enfatizou a distinção do particular, à “maneira de Fez” (LE TOURNEAU, 1961). Há já
muitos séculos atrás, havia uma forte consciência por parte dos seus habitantes, de
serem parte da cidade, nitidamente separada do campo, e da cidade ter uma cultura
distinta e identificável dentro do vasto território de Marrocos. Existem, talvez, dois
elementos comuns às cidades muçulmanas que têm que ser reforçados, precisamente
por serem tão gerais. Em primeiro lugar, a obrigatoriedade do estado providenciar
as condições adequadas para o culto, o estudo e os ritos de passagem na vida da
p. 136 religião muçulmana. Em Fez, isso representava a construção de mesquitas, algumas
de um muito elevado padrão estético, e madraças - escolas que pudessem oferecer
mais do que o ensino básico do Alcorão, para sustentarem a atividade intelectual
e jurídica dentro dos confinamentos permitidos, e, também, equipamentos como
cemitérios e banhos públicos. As mesquitas poderiam, certamente, ter uma relação
harmoniosa com o estado, ou poderiam funcionar como voz crítica de um segmento
da população urbana.

Em segundo lugar, Fez teve uma vida económica complexa e importante. Em-
bora as famílias de Fez costumassem possuir jardins fora da cidade, estes lugares
não eram propriamente locais de produção agrícola. Era habitual que os alimentos
fossem levados de casa para os jardins quando a família quisesse ali comer. Em vez
disso, os alimentos eram comprados e parcialmente processados, coletivamente e
comercialmente. A cidade de Fez teve grandes mercados e dependia de uma agricul-
tura comercializada na zona rural circundante para se abastecer de alimentos. Como
resultado da sua evolução histórica, Fez era composta por duas cidades fisicamente
distintas, uma dominada pelo palácio, os militares e o estado (Fez Jdid), e a outra, a Fez
antiga - a cidade do povo de Fez - ainda mais virada para a produção e o comércio.
Uma infinidade de ofícios era característica em Fez, organizados em corporações
que controlavam o acesso à aprendizagem, não muito diferente das práticas euro-
peias mais antigas. Tinham um caráter tão social, quanto profissional. Ao contrário da
Europa, no entanto, as corporações não se juntaram para tentar governar a cidade.
Isso era considerado uma violação à boa gestão do estado, como um todo. O ofício
mais comum, a tecelagem, tinha lugar em cerca de quinhentas oficinas. Parte da
produção artesanal de Fez tinha grande circulação em Marrocos e, até certo ponto,
mais além, e alguns dependiam de abastecimentos provenientes de outros lugares
(têxteis especializados da Europa, ouro da África Ocidental).

Fez não tinha um verdadeiro sistema de autogoverno, comparável aos das cidades
clássicas do Mediterrâneo. No entanto, a lei da boa ordem era um dever importante
do estado. Havia um governador que mantinha a ordem e controlava o policiamento,
um cadi, que servia como juiz e administrador religioso, e um muhtasib, que presidia
à moral da cidade - lidando com pequenas disputas, regulando pesos e medidas, e
assim por diante. Num nível mais perto da base social, estavam os bairros das perso-
nalidades ​​que mediavam as necessidades populares com os funcionários do estado.
Um atributo fundamental da administração de Fez, era o excelente abastecimento
de água da cidade, disponível para cozinhar, tomar banho, para fins industriais e para
a eliminação de resíduos - a sua manutenção era central para o funcionamento de p. 137
toda a cidade. Pelo contrário, Le Tourneau (1961) acreditava que a remoção de outros
resíduos era um problema grave que o estado não conseguia resolver.

O Cairo islâmico também consistia em duas cidades distintas nos primeiros séculos:
a fortaleza estabelecida pelo estado, Fustat, e a multidão comercial de al-Qahira,
da qual a cidade acabou recebendo o seu nome. Fustat foi originalmente fundada
em 642 como uma cidade de acampamento, após a conquista árabe do Egito, en-
quanto al-Qahira, fundada em 969, era a cidade comercial que surgiu nos séculos
posteriores. Foi Saladino, no século XII, quem iniciou o processo de construção de
uma grande muralha em volta de ambas as cidades, que cimentou a sua integração
e substituiu as ideias islâmicas originais sobre a função urbana. Nessa altura, o Cairo
tinha-se tornado o lugar de grandes bibliotecas, belas mesquitas, espetaculares re-
presentações cerimoniais e um repositório de artes decorativas. Além disso, embora
o Egito, ao contrário de Marrocos, mantenha até hoje uma população nativa cristã, a
maioria da sua população era então islamizada, o que também facilitou a integração
da cidade. No Egito, os cristãos e judeus ficaram em grande medida confinados em
bairros diferentes, onde os seus representantes administravam
​​ a justiça local no que
dizia respeito às rixas da vida quotidiana.

Grandes avenidas comerciais percorriam todo o comprimento da cidade, paralelas


ao Nilo, mas isto deu lugar a travessas estreitas e ruas de bairro sinuosas, por sua vez
ligadas a uma rede quase impenetrável de ruelas e becos. Estes pequenos bairros,
ferozmente defendidos pelos jovens, caso se sentissem ameaçados por forasteiros,
eram o coração da vida urbana.

O hará, ou bairro, era frequentemente acessível apenas por


um portão, que tinha um modesto local de culto e um pe-
queno mercado. Lojas minúsculas vendiam comida cozinhada
que era frequentemente comprada, em vez de ser preparada
nas habitações superlotadas.

Se as casas dos mais abastados tinham algum adorno externo nas formas de
portas esculpidas, de forma geral o conforto e a riqueza concentravam-se nos pátios
internos e nos corredores totalmente escondidos do público. No entanto, a densidade
da vida urbana era tal que, no século XII, muitas pessoas da classe média viviam em
p. 138 blocos de apartamentos de até sete andares. No período de Mamluk, durante os
séculos XIV e XV, existiam construções ainda mais impressionantes: enormes pousadas
ou acampamentos que ocupavam quarteirões inteiros da cidade, interligados com
complexos de apartamentos nos andares superiores. Cairo era impressionante pelas
suas diversas e complexas instituições sociais, tais como al-Azhar, o complexo da
mesquita que servia de universidade teológica internacional, ou o maristan (hospital)
de Qalawun que datava a partir do século XIII. Este hospital, dividido em duas zonas
diferentes por género dos pacientes, podia alimentar e manter limpos os leitos de um
grande número de pessoas, e nele havia médicos cujo trabalho estava vinculado ao
hospital. Diz-se que aí chegavam cerca de quatro mil pacientes por dia. A estrutura
estava ligada a uma madraça e a um mausoléu que sobrevive até hoje.

O Cairo não tinha bairros pobres da maneira como são considerados pelos urba-
nistas modernos. Era uma cidade onde a maioria dos pobres vivia de forma integrada
com as famílias mais influentes, como servos e escravos. No entanto, se as evidências
posteriores puderem ser extrapoladas para trás, a periferia urbana abrigava migrantes
e pobres que pelo menos nos últimos tempos moravam em complexos de pátios
superlotados, de propriedade privada de senhorios. Le Tourneau vê esses migrantes,
também encontrados em Fez, como potenciais novos participantes da cidade, com
boas possibilidades de serem integrados ao longo do tempo, nos mundos comercial
e artesanal.

Cidades como Fez e Cairo foram por vezes atingidas por pragas terríveis, embora
nenhum desses desastres pareça ter criado devastação a ponto de impedir o cresci-
mento das cidades por longos períodos de tempo. A água era uma questão vital para
o Cairo. As fontes da cidade eram um serviço fundamental para a população. O tráfego
de rodas não era permitido na cidade, onde os carregamentos de mercadorias, bem
como o da água, dependiam de um suprimento intensivo que era feito por burros.
Havia burros para alugar em todos os lugares, o que não é surpreendente, dado o
tamanho da cidade. Talvez quinze mil burros fossem enviados, duas vezes por dia,
do rio para fornecer água para a cidade. Observar o Nilómetro, que media a altura
do rio mediante as oscilações sazonais, foi outra atividade importante. Tanto Fustat,
quanto al-Qahira, foram construídos bem a leste do rio, que tendia a desviar os seus
canais sempre mais para aquela direção, levando a grandes desafios em termos de
abastecimento de água. A gestão dos resíduos sólidos foi também uma grande preo-
cupação. Ocasionalmente eram organizadas grandes limpezas nas ruas principais,
mas não havia um meio sistemático para lidar com o lixo. De noite, era suposto os
donos de casa acenderem velas, para aumentar a segurança nas ruas. Na verdade, p. 139
a cidade do Cairo tinha uma reputação de baixos índices de criminalidade. As ruas
dos bairros não eram frequentadas por estranhos depois de escurecer, e o hara já
costumava estar fechado.

O Cairo tinha a estrutura de autoridade municipal, responsável perante o estado,


que se tornou progressivamente mais complexa. Ainda assim, debaixo da superfície
administrativa, quem sabe porque o Islão não tinha real espaço para iniciativas mu-
nicipais e autonomia, a tendência para autorregulação por parte de uma população
urbana rica e diferenciada surgia em vários locais, excluindo o estado tanto quanto
possível. De acordo com Stambouli e Zghal (1976), existia uma tensão generalizada
nas cidades Islâmicas do Norte de África, entre o desejo de autonomia urbana e
dependência no estado, que por sua vez se aproveitava da riqueza urbana o melhor
que conseguia (STAMBOULI; ZGHAL, 1976). A verdadeira riqueza das cidades do Norte
de África veio do comércio - o comércio transaariano de ouro antes do século XVII em
alguns casos, mas de forma geral o comércio trans-mediterrânico que enriqueceu
Túnis, por exemplo, e as incursões de piratas contra embarcações cristãs, em geral.
Stambouli e Zghal dão mais ênfase, do que le Tourneau, no poder das corporações,
bem como na importância das irmandades na união dos homens muçulmanos entre
si. Os autores também reforçam a presença de pessoas pobres, geralmente de pouca
importância para comerciantes, artesãos e lideranças religiosas, mas não inconse-
quentes (ibid, 1976).

Ao mesmo tempo, as divisões internas nas cidades eram muitas vezes profícuas.
As cidades Islâmicas tinham geralmente bairros definidos segundo as etnias ou ofícios
específicos, e que podem mostrar ou explorar profundas divisões culturais. Smith
(1987) apontou, para as cidades do atual norte da Nigéria, que a justaposição de
bairros étnicos ajudou a definir e a motivar a vida urbana (SMITH, 1987). Por volta do
século XV, a sub-comunidade mais dramaticamente segregada de Fez, era a dos
judeus, posteriormente removidos, aparentemente após uma história de disputas, da
cidade velha para a cidade real, onde começaram a viver num gueto - mellah, e eram
associados a determinados negócios, como trabalhar com metais preciosos e algumas
formas de comércio. Mas os primórdios de Fez (cuja fundação foi no século IX) tinham,
de facto, duas fações rivais bem distintas, uma relacionada com Kairouan, virada para
leste, e a outra com Al-Andalus, em Espanha, virada para norte. As relações entre as
duas fações costumavam ser tensas e podiam levar à violência. Esta divisão básica foi
eliminada pela unificação no século XI; no entanto, embora largas avenidas ligassem
p. 140 as principais zonas de Fez, era ainda difícil progredir ao longo das estradas estreitas
construídas apenas para pedestres e mulas. Os bairros permaneceram fortemente de-
marcados através de subdivisões culturais importantes. Até mesmo algumas avenidas
de ligação eram fechadas após o anoitecer ou em outras ocasiões. Os festivais e as
lutas organizadas entre jovens eram estruturados em termos de bairros específicos,
mantendo vivas as rivalidades.

Essas formas sociais ecoam na cidade do Cairo, mas são igualmente as mais im-
portantes características que o antropólogo dos EUA, Horace Miner (1953), relatou
sobre Timbuktu, na região desértica do atual Mali, quando pesquisou esta cidade, na
véspera da Segunda Guerra Mundial, uma época que, aparentemente, preservava
muitas características antigas. Uma separação étnica tripla (mediada, obviamente, pelo
domínio imperial francês) caracterizava a vida social, embora os três grupos fossem
muçulmanos. O relato de Miner contém uma descrição fascinante de uma forma
tradicional de futebol, onde as rivalidades entre os grupos recebiam expressão legí-
tima, mas muitas vezes violenta. O intercasamento (ao contrário das relações sexuais
com fins comerciais) entre os diferentes grupos era raro, embora um desses grupos
devesse a sua formação original a uniões entre norte-africanos, soldados marroquinos
e mulheres shongay da África Ocidental e assim foi definida (MINER, 1953).

A evidência arqueológica da vida na cidade, no oásis saariano de Awdaghast (locali-


zado na Mauritânia de hoje), sugere que muito cedo (por volta do século XII), o modelo
madina começou a dominar no sul. No entanto, na África Ocidental, cidades como
Kano, Katsina e Zaria incluíam elementos de uma vida social e urbana mais antiga,
assim como influências muçulmanas anteriores, pelo menos antes da transformação
posterior numa direção islâmica mais clássica, depois das guerras religiosas do início
do século XIX. Estas guerras visavam exatamente eliminar os elementos pagãos da
vida da comunidade, enquanto acolhia um elemento radical de oposição ao governo
arbitrário, que realmente transcendia a questão da sobrevivência pagã.

Um primeiro estágio de interação na África Ocidental deve ter frequentemente


envolvido a construção separada de cidades muçulmanas, onde moravam especial-
mente muçulmanos estrangeiros, como está relatado no caso do Gana do século XI.
Mais tarde, surgiram cidades mais unificadas, com alguma aderência muçulmana
generalizada. Foram construídas mesquitas, como a magnífica de Djenne, feitas de
terra. A aprendizagem islâmica fundou uma base e o estado aceitou muitas formas
muçulmanas, mas, por dentro das muralhas da cidade (e em muito maior escala, fora
delas), outras formas e estruturas de crenças mais antigas permaneceram fortes, até
p. 141
1800. Quando, no final do século XVII, Kano foi ameaçada de devastação pelo poder
de Kwararafa, um estado não muçulmano mais a sul, os defensores fizeram votos a
“Chibiri e Bundun”, espíritos da antiguidade (ADELEYE apud AJAYI; CROWDER, 1972,
p. 511).

O Dirki, um Alcorão usado como objeto relacionado ao sacrifício de animais, conti-


nuou a ser um objeto sagrado por muito tempo, para os kanawa. Katsina, uma cidade
muito mais perto do Saara, era, por contraste, o centro movimentado dos bairros
muçulmanos de todo o Sudão central e além - tuaregues, árabes e assim por diante.
Como Timbuktu, Katsina era orgulhosamente ortodoxa.

A tributação dos mercados, às vezes ao ponto de gerar amargo ressentimento,


era uma importante fonte de riqueza real. Quando Hugh Clapperton visitou Kano em
1826, pôde registar a presença de um grande mercado que funcionava sete dias por
semana, no qual os feirantes pagavam receitas “reguladas com a maior justiça” a um
administrador (HODGKIN, 1975, p. 287). Haviam grandes quantidades de alimentos,
incluindo cereais, grãos e carne, mas o costume do cultivo dentro das muralhas con-
tinuou a ser essencial. O século XIX certamente viria a testemunhar outra fase, mais
ampla e profunda, do quão o Islão agregou à cultura urbana da África Ocidental.

Nos lugares onde as cidades africanas foram profundamente influenciadas pelo


Islão, estas características parecem ocorrer repetidamente: divisões étnicas internas e
outras divisões que definiam bairros específicos que tinham a capacidade de juntar à
arte estatal, uma ética cultural urbana distinta, uma economia genuinamente urbana
que podia ser separada do estado (exceto nos casos em que o próprio estado se
apoiava de forma tão transparente na actividade comercial, como nas cidades do
litoral da África Oriental, outro elemento precisa de ser acrescentado - o Palácio de
Husuni Kubwa, em Kilwa, que era ostensivamente contíguo às instalações comerciais
e espaços de armazenamento), e a marca arquitectónica do Islão, embora, com muitas
variações ao longo do tempo e do espaço.

Nas partes anteriores deste artigo examinámos o crescimento das aglomerações


urbanas em muitas regiões, na maioria dos casos muito gradual, ou reversível, onde
o surgimento de grandes assentamentos continha tanto elementos urbanos, como
não-urbanos, nos quais a divisão entre cidade e campo não funcionava como é con-
vencionalmente imaginado por sociólogos urbanos. Esta parte do texto, trouxe, assim,
para primeiro plano, um novo elemento - a distinta separação da cidade e do campo,
como uma esfera urbana autónoma sem precedentes, de tal forma, que representa
p. 142 uma evolução, ou inovação, de importância fundamental na história urbana africana.
Leituras selecionadas:
Muito do material neste artigo provém de relatos fragmentados em histórias mais
amplas. Há, no entanto, excelentes capítulos relevantes em David Anderson & Richard
Rathbone, orgs., Africa’s Urban Past (Oxford & Portsmouth, NH: James Currey & Hei-
nemann, 2000) incluindo McIntosh sobre a Nigéria Central, Thornton sobre Mbanza
Kongo, e Phillipson sobre Akum. O livro de Catherine Coquery-Vidrovitch, Histoire des
villes d A
́ frique noire dès origines à la colonisation (Paris: Albin Michel, 1993) é muito rico
em ideias. Um estudo anterior a consultar é o de Richard Hull, African Cities and Town
Before the European Conquest (Nova Iorque: W. W. Norton, 1976).

Sobre o Grande Zimbabué e o seu contexto, ver D. N. Beach, Zimbabwe Before 1900
(Gweru: Mambo Press, 1984); P. S. Garlake, Life at Great Zimbabwe (Gweru: Mambo Press,
1984); Martin Hall, The Changing Past: Farmers, Kings and Traders in Southern Africa 200-
1860 (Cape Town & Johannesburg: David Philip, 1987), e Thomas Huffman, Snakes and
Crocodiles: Power and Symbolism in Ancient Zimbabwe (Joanesburgo: Witwatersrand
University Press, 1996). Sobre as agro-cidades do Botswana, devo muito a Neil Parsons,
“Settlement in East-Central Botswana c. 1820-1900” em R. Renee Hitchcock & Mary
Smith, orgs., Settlement in Botswana: the historical development of a human landscape
(Marshalltown: Heinemann, 1982).

O urbanismo Yoruba é tratado num artigo clássico de William Bascom, “Urba-


nization among the Yoruba”, Africa, XL, 1955. Trabalhos posteriores incluem o rico
material de Peter Lloyd, A. L. Mabogunje, & B. Awe, The City of Ibadan (Cambridge:
Cambridge University Press, 1967), Robert Smith, Kingdoms of the Yoruba (Londres:
Methuen, 1969); Robin Law, “Towards a History of Urbanization in Pre-Colonial Yoruba-
land’’ em Christopher Fyfe, org., African Historical Demography (Edimburgo: University
of Edinburgh Centre for African Studies, 1971); J. D. Y. Peel, Ijeshas and Nigerians: the
incorporation of a Yoruba Kingdom, 1890s-1970s (Cambridge: Cambridge University
Press, 1983), e Ruth Watson, ‘Civil Disorder is the Disease of Ibadan’: chieftaincy and
civic culture in a Yoruba city (London, Ibadan, & Athens, OH: James Currey, Heinemann
& Ohio University Press, 2003). Compare com as incríveis descrições da vida urbana
em Asante no livro de Ivor Wilks: Asante in the Nineteenth Century: the structure and
evolution of a political order (Cambridge: Cambridge University Press, 1975). Sobre a
Etiópia, o artigo de Ronald Horwath “The Wandering Capitals of Ethiopia,” Journal of
African History, X(2), 1969, 205-20 por ser atualizado com o texto de Donald Crummey, p. 143
Land and Society in the Christian Kingdom of Ethiopia from the Thirteenth to the Twentieth
Centuries (Oxford: James Currey, 2000).
As minhas fontes sobre o antigo Egito incluem Guillemette Ardreu, Egypt in the Era
of the Pyramids (Londres: John Murray, 1997); Barry Kemp, Ancient Egypt: Anatomy of a
Civilization (Londres & Nova Iorque: Routledge: 1989), Elizabeth Riefstahl, Thebes in the
Time of Amenhotep III (Norman: University of Oklahoma Press, 1964); John Romer, Ancient
Lives: The Story of the Pharaoh’s Tombmakers (Londres: Weidenfeld & Nicolson, 1984),
e Dorothy Thompson, Memphis under the Ptolomies (Princeton: Princeton University
Press, 1988).

Relativamente à era de Cartago e Alexandria, recorri, para Cartago, a Gilbert e


Colette Charles-Picard, Daily Life in Carthage at the time of Hannibal (Londres: George
Allen & Unwin, 1961), e Serge Lancel, Carthage (Paris: Fayard, 1992) e sobre Alexandria,
os esplêndidos livros de Richard Alston The City in Roman and Byzantine Egypt (Nova
Iorque & Londres: Routledge, 2002), Michel Chauveau, Egypt in the Age of Cleopatra
(Ithaca: Cornell University Press, 2000), Jean-Yves Empereur, Alexandria, Past, Present
and Future (Londres: Thames & Hudson, 2002), P.M. Fraser, Ptolemaic Alexandria (Ox-
ford: Clarendon Press, 1972), e Richard Todd, Popular Violence and Internal Security in
Hellenistic Alexandria (Berkeley: University of California Press, 1963). Os textos de R. C.
C. Law “North Africa in the Period of Phoenecian and Greek Colonization c.800 to 323
BC” e “North Africa in the Hellenistic and Roman Periods 323 BC to AD 305” (ambos
em J. D. Fage, org., Cambridge History of Africa, II [Cambridge: Cambridge University
Press, 1978] p. 107-47 e p. 148-209, respetivamente) abrangem ambas as cidades em
discussões resumidas e são provavelmente mais acessíveis para leitores africanos e
africanistas, do que as referências classicistas.

Sobre cidades islâmicas na África Mediterrânica, uma declaração clássica escrita


em inglês, pode ser encontrada em F. Stambouli & A. Zgal, “Urban life in Pre-Colonial
North Africa,” British Journal of Sociology, XXVIII, 1976, 1-20. O livro de Roger le Tourneau,
Fez in the Age of the Marinides (Norman: University of Oklahoma Press, 1961) tem sido
extensamente utilizado. Ver também Mohamed Chérif, Ceuta aux époques almodhade et
mérinide (Paris: L’Harmattan, 1996) para uma cidade marroquina mais pequena. Existem
alguns livros notáveis sobre o Cairo antigo, tais como: Wladyslaw Kubiak, al Fustat: its
Foundation and Early Urban Development (Varsóvia: Warsaw University Press, 1982), Max
Rodenbeck, Cairo: the City Victorious (Londres: Picador, 1998), Gaston Wiet, Cairo: City of
Art and Commerce (Norman: University of Oklahoma Press, 1964), Janet Abu Lughod,
Cairo: One Thousand Years of the City Victorious (Princeton: Princeton University Press,
p. 144 1971), e, acima de tudo, André Raymond, Cairo: City of History (Cambridge, MA: Harvard
University Press & Cairo: American University in Cairo Press, 2001).
Sobre a costa da África Oriental, as fontes comuns devem incluir Neville Chittick,
“The East Coast, Madagascar and the Indian Ocean” em Roland Oliver, org., Cambridge
History of East Africa, III (Cambridge: Cambridge University Press, 1977), p. 183-231, e
John Sutton, A Thousand Years of East Africa (Nairobi: British Institute in Eastern Africa,
1990). Relativamente ao Sahel, o equivalente pode ser encontrado em H. J. Fisher,
“The Eastern Maghrib and the Central Sudan”, em Oliver, como acima, p. 232-330, e
Nehemiah Levtzion, “The Early States of West Africa,” I (Londres & Nova Iorque: Long-
mans & Columbia University Press, 1972), p. 120-57. Para uma perspectiva antropoló-
gica muito mais tardia, ver Horace Miner, The Primitive City of Timbuctoo (Nova Iorque:
Doubleday, 1953) porque é muito interessante. Ver também E. Ann McDougall, “The
View from Awdaghast: War, Trade and Social Change in the Sahara from the Eighth to
the Sixteenth Centuries” Journal of African History, XXVI, (1985). Para a Savana Central,
ver H. F. C. Smith, “The Early States of the Central Sudan” em Ajayi & Crowder, como
acima, p. 158-201, e [como Abdullahi Smith] “Some Considerations Relating to the
Formation of States in Hausaland” em A Little New Light: Selected Historical Writings
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Referências
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Notas

1 Nota dos editores: A versão original deste artigo foi publicada em 2007 com o título
Urban life emerges in Africa no livro The African City: A History, da autoria de Bill
Freund e publicado pela Cambridge University Press. Os diz de publicação e reprodução são
propriedade da Cambridge University Press. Agradecemos a Robert Morrell, representante
literário de Bill Freund, que intermediou e financiou a autorização da editora Cambridge
University Press para tradução deste capítulo para Português. Este artigo foi traduzido para
o português de Portugal. Os editores decidiram acolher neste dossiê as múltiplas grafias da
língua portuguesa, conforme é escrita em cada um dos países lusófonos.

p. 146 2 Resolução ceb nº 3, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: http://portal.mec.gov.


br/cne/arquivos/pdf/CEB0399.pdf. Acesso em 3 mar. 2022.
p. 147

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