Você está na página 1de 18

HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA VOLUME II

Índice
02
Introdução à História e Cultura Africana
02
Os Tempos no Estudo da História Africana
06
Espaços Africanos
13
Para Compreender mais a História e Cultura Africana
14
Filmoteca
16
Sites
16
Paradidáticos e literatura
20
Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E CULTURA
AFRICANA
Prezado leitor,
Neste segundo módulo você encontrará discussões sobre os desafios do
ensino de história e cultura africana. Ele se estrutura de modo a promover o
debate de questões que comparecem ao estudo e ensino-aprendizagem da
rica e complexa história do continente, priorizando reflexões, atividades
e proposições sobre os tempos e os espaços africanos na história e no
campo da cultura.
Sendo assim, você poderá saber e pensar um pouco mais a respeito de
algumas questões como:

Tempos plurais na história africana

De que formas é possível periodizar a história africana a partir de
sua própria realidade?

Problematizando o uso de expressões estereotipadas no trato com
a história e cultura africana

É mutável a percepção geográfica do continente?

As fronteiras africanas e seus arbítrios
Veja, ainda:

Filmoteca

Sites

Paradidáticos e literatura

Referências bibliográficas
Os Tempos no Estudo da História Africana
Toda periodização é orientada por eleição de marcos definidores, sendo
portanto arbitrada social e contextualmente. Ao dividir a história da África
de uma determinada forma, estamos elegendo momentos considerados
importantes na história do continente. Veja a periodização a seguir e
pense sobre ela

• Pré-História da África
- do início da humanização ao século XII

• História da África Pré-colonial


- do século XIII ao século XV

História da África colonial
- século XV ao XIX

História Contemporânea
- séculos XIX ao XXI, dividida em
período da Descolonização e África pós-colonial
Nesse tipo de periodização, a história da África tem como marco divisório
o longo processo colonizatório árabe e europeu, neste último caso
intensificado em fins do século XIX.
Alberto da Costa e Silva nos chama a atenção para o fato de que a presença
política da Europa na África foi realmente pequena até o século XIX e não
se compara à do islame
1
, que se iniciou no século IX, perdurando ainda
hoje, especialmente na região centro-norte do continente. A incisiva
presença européia a partir do século XIX deixou profundas marcas na
organização sócio-espacial do continente e na compreensão de suas
temporalidades, de sua história.
Dessa forma, não é de se estranhar que a convencional divisão da história
africana, que tem como marco central a colonização européia, tenha sido
eleita pelos próprios europeus para demarcar o período em que a África
teria “ingressado na história”. A periodização, neste caso, é demarcação
criada no bojo de escrita da história européia em finais do século XIX.
A periodização acima também nos informa que os europeus teriam sido,
pelo menos a partir do século XVI, os principais sujeitos da história
africana, como se os próprios africanos fossem destituídos de história e
memória.
Atualmente sabemos que essa periodização, embora importante para
entender a historiografia sobre o continente, pode ser repensada ou
confrontada com outras maneiras de pensar a trajetória histórica do
continente. Consideramos as contribuições de novos historiadores
africanistas que levaram em conta a própria experiência da África –
vista por ela mesma, o que não significa desconsiderar as relações com
outros povos - e a sua diversidade regional e grupal no tempo e espaço. É
importante, então, pensar que a história da África pode ser periodizada de
diferentes maneiras e cada uma dessas formas de periodização explicita
pontos de vista, intencionalidades políticas e sociais.
Se é fato que a história pode ser dividida em diferentes épocas, fases ou
períodos, no caso da História da África a temporalidade não pode ser
tratada de maneira homogênea. O continente não vivenciou uma história
comum. Por ser extenso, diverso e desigual, o continente africano resiste a
periodizações muito rígidas. Por isso, além da periodização convencional
acima apontada é interessante que se procure entender como cada região
africana construiu uma história, escolhendo elementos que lhe pareceram
notáveis e em organizações temporais peculiares, não exatamente em
cronologias ou periodizações.
Elikia M’Bokolo critica a periodização convencional que não leva
em consideração aspectos da história africana em sua dispersão e
complexidade. Ele rejeita denominações colonialistas como “Período pré-
1 - O historiador Anderson
Oliva adverte para um movi
-
mento explicativo comumente
encontrado em livros didáticos
a respeito da presença árabe
na África, a que ele denomina
de “etnocentrismo árabe”
(2008, p. 42). De acordo com
o autor, nestas abordagens
imprecisas, “as ações históricas
ocorridas na África do Norte,
Ocidental e Oriental se tornam
exclusividades de grupos
árabes muçulmanos que
percorrem a região, restando
aos africanos uma postura pas
-
siva perante o outro” (idem,
ibidem). (...). Neste caso,
ressalta o autor que é comum a
ideia equivocada, a seu ver, “de
que a conversão ao islamismo
atingiu a todos os membros
das sociedades em contato
com mercadores árabes ou dos
estados islâmicos em expansão
de forma quase instantânea. As
estratégias de conversão das
elites comerciais ou governa
-
mentais e a posterior e gradual
conversão da população são
fenômenos apenas parcial
-
mente mencionados”. Comple
-
tando suas considerações, o
autor ressalta que seria cor
-
reto afirmar não somente que
houve islamização da África,
mas, também, de que “o islã
foi muitas vezes africanizado.
Na arquitetura, nas formas
teocráticas, nas interpretações
alcorânicas, na convivência
com as concepções cosmológi
-
cas locais, existiu uma par
-
ticipação ativa das sociedades
da região sobre o islã”. (idem,
ibidem). Anderson Oliva é pro
-
fessor da Universidade Federal
de Brasília.
colonial”, rompendo com um ideário que supõe ser a África envolta em
imobilismo ou opacidade cultural antes do domínio europeu ou árabe.
Critica também a utilização da expressão “África tradicional”, marcada
pela influência dos estudos antropológicos dos anos 60 que, segundo o
autor, não ajudam a qualificar a experiência plural, dinâmica e complexa
das sociedades africanas.
Carlos Moore também ajuda a entender alguns estereótipos presentes na
história africana, como
“Sabe-se que, na ótica materialista, hegemônica e linear
do Ocidente e do Oriente Médio, a expressão ‘escrita’, a
organização em ‘estados’ e a utilização de ‘moeda’ são
sinônimos de inteligência, superioridade e civilização.
Os povos que não cumpriram esses requisitos seriam,
no olhar de muitos pesquisadores, ‘primitivos’ aborto
da humanidade, aptos para o lixo histórico” (MOORE,
2008, 170).
Em alguns casos, o que os autores classificam como “Pré-História”
obedece à periodização européia em que o marco de advento da escrita é
o divisor de águas. No uso da linguagem
2
podemos verificar as marcas do
colonialismo e da estereotipia que envolve a história e a cronologia mais
convencionais do continente.
Reconhecendo a sua complexidade, Carlos Moore divide a história do
continente em seis marcos referenciais, a saber:

Antiguidade
- dividida em Antiguidade Próxima (10.000 a.C
até 5.000 a.C), Antiguidade Clássica (5.000 a.C até 200 d.C),
Antiguidade Neo-clássica (200 a.C até 1.500 d.C)– desde a
aparição das primeiras sociedades sedentárias, passando pelas
civilizações afro-burocráticas como Kush, Axum e Egito até a
aparição, apogeu e declínio dos Estados agrícolas como Gana,
Kanem-Bornu, Mali, Mwenemotapa, Songoi, incluindo a influência
do império árabe e os tráficos escravistas pelo Saara e pelo Mar
Vermelho.

Período Ressurgente
- 1500 a 1870 - Período da aparição,
apogeu e declínio dos Estados agro-burocráticos ressurgentes nos
espaços civilizatórios como Kongo, Oyo, Walo, Tekrur, Macina,
Segu, Kayor, Diolof, Kwazulu, Buganda, Bunyoro...). Período da
dominação imperial européia e do tráfico escravista transoceânico
pelo Atlântico (séculos XV a XVIII).
2 - Pense um pouco mais a
respeito do poder da lingua
-
gem, lembrando que o uso
de determinadas palavras ou
expressões não é algo inocente
ou despretensioso, mas uma
escolha que traz conseqüên
-
cias para as representações
que se criam acerca de uma
realidade ou de um povo.
É dessa forma que o uso de
determinadas expressões tem
contribuído para o processo
de instituição de uma imagem
subalternizada ou inferior
-
izada do continente africano
e de sua história. Pense, por
exemplo, no significado da
expressão “pré-história”
para se referir a uma fase da
história africana. O quest
-
ionamento dessa expressão
ultrapassa as discussões sobre
a periodização da história
deste continente, posto que a
tomada da escrita como marco
inaugurador da ‘história” da
humanidade tem implicações
que atingem inúmeros outros
contextos, em que muitos
povos são alijados da “história”
por não possuírem registros
escritos. O uso da expressão
“pré-história” contribui para
se criar uma imagem de
primitivismo, atraso, de algo
que “ainda não é”, ajudando a
construir uma visão negativa
a respeito de alguns povos
e sociedades. Algo parecido
acontece com o uso da palavra
“Descolonização”. Aplicada ao
movimento de libertação de
países africanos em relação às
metrópoles européias (meados
do século XX), essa palavra
sugere que os europeus teriam
se “retirado” do continente o
que, consequentemente, sug
-
ere o suposto errôneo de uma
incapacidade do(s) africano(s)
de assumir(em) seu destino
nas mãos. Mas o movimento
da história nos informa que os
africanos também resistiram à
presença européia: em várias
regiões ocorreram lutas de in
-
dependência e não exatamente
uma “descolonização”. Por
isso, há autores que preferem
chamar os movimentos de
independência de países
africanos de “Revoltas dos
Colonizados” (SERRANO
& MUNANGA, 1995). Você
consegue perceber como as
palavras são carregadas de
significados? Essa também
é uma forma interessante de
reflexão sobre a história da
África. As palavras expressam
modos de compreender as
realidades. E ainda há outras
palavras tão negativas quanto
essas e comumente aplicadas à
África, como “tribos”, que pode
contribuir para uma diminu
-
ição da importância de grupos
sociais africanos, associando-
3 - J. Ki Zerbo, cunhou a
expressão “roedura da África”
para falar do processo de
arbitrariedade e opressão
presentes nas relações entre o
Ocidente e a África desde o sé
-
culo XV, movimento reforçado
pelo colonialismo europeu
de fins do século XIX. Nesse
processo, estava presente um
forte racismo, um desprezo do
Ocidente e uma negação da na
-
tureza humana dos africanos.
os às idéias de primitivismo
social e sugerindo um estado
de confronto social perman
-
ente. Da mesma forma, o uso
da palavra “dialetos” também
reduz a importância de muitas
de suas línguas, sugerindo
que tratam-se de expressões
locais pouco compreensíveis
ou mesmo indecifráveis, o que
é, também da mesma maneira,
uma percepção etnocêntrica e
pouco plural do continente.
4 - Estima-se que cerca de
35 líderes pan-africanistas e
libertários africanos tenham
sido assassinados ou depostos
por golpes violentos no pós
independência. A este processo
de eliminação do poder e das
próprias pessoas envolvidas
com a liderança política em
diferentes pontos do conti
-
nente africano no contexto de
reconstrução do continente
no pós independência Carlos
Moore chamou de “decapita
-
ção” política. Segundo o autor,
“nas primeiras décadas da
descolonização, o continente
africano perdeu seus mais im
-
portantes e talentosos líderes,
estes foram substituídos por
dirigentes politicamente inex
-
pressivos a serviço das grandes
potências imperiais do planeta.
(MOORE, 2008, p. 48). É pre
-
ciso também compreender a
participação das polícias secre
-
tas dos países colonialistas
no assassinato desses líderes
mais independentes (MOORE,
2008, p. 48-56).

Período Colonial
3
- Momento que vai de 1870 a 1960 - Período
da colonização do continente africano. Lutas independentistas
e “descolonização”. Surgimento da ideologia panafricanista nas
diásporas africanas e na África.

Período Contemporâneo
- Considera-se a contemporaneidade
a partir de 1960 - do sonho libertacionista ao pesadelo neo-
colonialista. Inclui as independências políticas africanas e a
chamada decapitação política
4
da África.
Como se pode verificar, esta periodização compreende a África no contexto
mundial, mas concebe a demarcação temporal fundamentalmente
relacionada, primeiramente, às dinâmicas do continente. Mas é
importante ter sempre em mente o fato de que em decorrência de uma série
de fatores, dentre eles a dispersão, fragmentação e até mesmo escassez
de fontes históricas, a história da África, sobretudo a África Antiga, é, em
alguma medida, construída a partir de suposições relativamente apoiadas
empiricamente (MOKHTAR, 1983, p. 12).
Em Sala de aula
É provável que você encontre diferentes formas de
periodização nos livros didáticos! O que se pode
aconselhar, nesse caso, é que você pense nas escolhas
feitas e razões que levaram os autores a dividir a história
do continente de uma ou outra maneira. Ajude seus
alunos a fazer esse importante exercício: a pensar a
periodização como arbítrio, como escolha e não como
algo naturalmente dado ou como uma verdade imutável.
Faça exercícios de manipulação das temporalidades
com seus alunos, pensando, por exemplo, porque
razões a temporalidade é desenhada na forma de
linha (as convencionais linhas de tempo geralmente
marcadas pelo marco central do nascimento de Cristo)
ou mesmo como seta, indicando um final ou um rumo
pré-determinado da história. Essas desconstruções
podem ser muito enriquecedoras para que os alunos
repensem a história e possam compreender o tempo de
forma multidirecional em que não há necessariamente
um rumo ou uma direção pré-determinada, nem mesmo
uma única relação entre passado, presente, futuro.
Espaços Africanos
A África é um continente em que se manifesta quase toda a diversidade
geográfica do planeta. O espaço africano foi historicamente construído
a partir da intervenção humana e das apropriações das disponibilidades
materiais e imateriais desse mesmo espaço.
Você já imaginou quão diversas são as culturas do deserto, da savana e
das florestas? Claro que a geografia não explica e define completamente
as culturas humanas, mas ela é um dos elementos que favorece o
florescimento de expressões culturais e opções de sobrevivência que terão
influência, por exemplo, no tipo de alimentação, no tipo de habitação e
nas relações humanas com os recursos materiais disponíveis.
É comum encontrarmos livros que apresentam a África como continente
dividido em dois. Essas Áfricas têm aspectos geográficos diferentes
e são classificadas de maneira hierárquica, sendo uma considerada
atrasada e outra adiantada: uma “África Negra”, (África Subsaariana,
abaixo do Saara) apresentada como primitiva e regida por uma geografia
impenetrável e indomável; e uma “África Branca” (norte do continente e
não ocasionalmente próxima da Europa), tida por civilizada, culta e mais
adiantada do ponto de vista cultural. Elas estariam irremediavelmente
separadas pelo Deserto do Saara, um divisor que inviabilizaria o contato
entre estes dois mundos. Comumente essa forma de pensar a África como
dividida favorece a compreensão de que a chamada África Negra estaria
condenada a viver na barbárie. Durante muito tempo, a própria ciência
reforçou essa idéia de divisão radical da África em duas. Contudo, essa
divisão não se sustenta, por inúmeros motivos. O deserto do Saara não
é barreira intransponível. Longe de ser um empecilho, funciona como
zona de trocas intensas entre a África do norte e a África subsaariana. É
bom pensarmos que não existem duas Áfricas, mas muitas! A diversidade
que caracteriza o continente não pode ser reduzida a dois grandes blocos,
pois essa diversidade é muito maior. Não existem também povos sem
cultura e sem história nas diferentes regiões africanas, pelo contrário!
A representação do continente também já foi motivo de querelas, inclusive
científicas. Observe os mapas a seguir.
Fonte: Atlas Geográfico Escolar/IBGE. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. In: SERRANO; WALDMAN, 2007, p. 39.
Fonte: Atlas Geográfico Escolar/IBGE. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. In: SERRANO; WALDMAN, 2007, p. 39.
Essa projetão foi criada em 1973 pelo alemão Arno Peters procurando representar mais fielmente possível a superfície do
planeta, implicitamente
buscando a valorização da auto-estima dos países subdesenvolvidos. A partir desse ponto, notemos o quanto se altera, no
sentido da veracidade,
superfícies como as da América do Sul e da África.
Mapa-múndi na Projeção de Mercator
Mapa-múndi na Projeção de Peters
Como a África foi vista e representada ao longo do tempo? Observe estas
duas formas de representar o planisfério. Pense que os mapas não são o
espelho da realidade ou a representação sempre fidedigna do real, mas
representações convencionadas, a cada momento histórico, acerca do
que e como representar.
Na primeira representação, elaborada por Gerardus Mercator (1512-1594)
no século XVI, a Europa está superdimensionada, a África e a Groenlândia
figuram como territórios com extensão praticamente equivalente e a
América do Sul está dimensionalmente menor do que a Groenlândia ou
mesmo a Oceania. No segundo mapa, elaborado no contexto da geografia
crítica do pós 1970, a superfície do planeta é redimensionada, com
alteração significativa das dimensões e posições ocupadas no planisfério
da África e da América do Sul. Este segundo mapa foi elaborado pelo
historiador alemão Arno Peters, cuja preocupação era apresentar uma
representação mais justa do mundo (SEEMANN, 2003). Sugerimos que
a partir dos dois mapas você reflita sobre as representações cartográficas
do mundo: elas não são neutras nem objetivas; elas criam formas de ver
e pensar o mundo.
Além disso, devemos considerar que o planisfério é uma das formas
de representação da Terra, que tem um formato próprio, chamado
geóide (uma esfera achatada nos pólos). Devemos lembrar que nesta
forma de representação, aquilo que aparece no centro do planisfério
também é fruto de opções convencionadas, assim como também é uma
convenção o fato de que o chamado “hemisfério norte” esteja acima do
chamado “hemisfério sul”. Você já pensou sobre isso? Por mais que o
estabelecimento de convenções possa ser considerado uma necessidade,
aquilo que se convenciona pode variar, dependendo das disputas e jogos
de força entre diferentes países e regiões.
Portanto, as representações que circularam – e circulam – sobre a África,
não apenas os mapas, mas as muitas imagens e representações sobre
diferentes aspectos de sua geografia física – e política – como é o caso
da chamada geopolítica que divide o continente em dois grandes blocos,
são também fruto de sua posição desfavorável no jogo de forças mundial
dos últimos séculos, em processos históricos marcados por violenta
espoliação material e humana do continente (não esqueçamos que mais
de 11 milhões de africanos foram capturados somente para o tráfico
atlântico dos séculos XVI ao XIX!).
Tudo isso, nos leva a pensar: Em que medida estas diferentes
representações cartográficas permitem que entendamos as tensões e
conflitos capazes de conferir à África e de resto ao chamado Terceiro
Mundo lugares específicos no mundo? Mais do que buscar revelar se elas
são verdadeiras ou falsas, neste movimento interessa-nos pensar que elas
expressam visões distintas sobre o continente africano, sobre o seu papel
no mundo e sobre a sua importância.
5 - Considera o geógrafo Jörn
Seemann, 2003, que Mercator
não pensava (nem sabia) nas
repercussões e impactos socio-
culturais e políticos de suas
projeções. Neste caso, alerta
para o que poderíamos chamar
de “usos” das ideias de Merca
-
tor no tempo, sobre o que o
seu autor não teve controle
ou predição, evitando-se uma
interpretação anacrônica da
obra de Mercator.
8 - A polêmica cartográfica em
torno das duas representações
pode ser mais bem enten
-
dida no artigo disponível em
http://www.mercator.ufc.br/
index.php/mercator/article/
viewFile /159/127 em que o
autor apresenta os interesses,
desdobramentos e problemas
técnicos e políticos envolvidos
nos contextos de produção dos
dois mapas, como também a
polêmica gerada pela recepção
– na história – de ambos.
9 - O que existem são dife
-
renças genéticas, culturais
e físicas que são expressões
de como somos diversos uns
dos outros, sendo que cada
agrupamento humano e,
mesmo, cada indivíduo, pode
ser considerado portador de
qualidades e capacidades
próprias, singulares. Portanto,
as diferenças são reais entre os
humanos de todos os continen
-
tes ou sociedades. Contudo,
elas não podem ser parâmetros
para hierarquizações, ou seja,
para que pensemos que alguns
grupos humanos são melhores
do que outros por causa de
suas características físicas ou
suas manifestações culturais.
E você, quais idéias e imagens lhe vêem à mente quando o assunto
é África? Que tal incentivar os alunos a realizar uma pesquisa sobre o
que as pessoas de suas famílias e grupos de convívio sabem e pensam a
respeito de seus ancestrais africanos, e sobre o que sabem e pensam a
respeito da África?
Em Sala de aula
Você sabia que ao valorizar as concepções prévias dos
estudantes e seus familiares você está trabalhando
com um interessante recurso pedagógico? Você poderá
entender como seus alunos pensam, o que valorizam, em
que acreditam e como você pode dialogar positivamente
com as idéias que eles têm.
Ref. Divisão política atual da África. In: MELO E SOUZA, Marina. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. p. 17
Divisão política da África: uma história de conflitos e
arbitrariedades
Observe o mapa com a atual divisão política do continente africano.
A população africana atual supera 800 milhões de habitantes, distribuídos
em mais de 50 países. Contudo, não podemos dizer que todos esses
países têm estruturas políticas estáveis e fronteiras construídas pela
própria dinâmica do movimento e do deslocamento das populações
africanas. Na história, a África conheceu a existência de vários “reinos” e
“cidades-estados” que surgiram, se transformaram, chegando, alguns, à
prosperidade... outros, à ruína.
As atuais fronteiras entre os Estados africanos não foram o resultado de
um processo histórico e cultural posto em prática por grupos da própria
África. A África não foi sempre dividida dessa forma! As atuais fronteiras
foram, em grande medida, definidas pela Conferência de Berlim,
realizada em 1885, pelos países europeus que colonizaram o continente.
Esse processo de colonização criou a atual cartografia política da África,
separando e unindo grupos de forma arbitrária e cruel, povos distintos,
por vezes inimigos históricos. Você pode imaginar quantos problemas
foram criados em decorrência da separação forçada promovida no bojo
do processo colonizatório da África por países europeus no final do
século XIX? Pense o que significou a separação, por exemplo, de grupos
culturalmente e historicamente afins e a reunião num mesmo país de
grupos que falavam línguas diferentes e jamais haviam partilhado uma
vida em comum, não raro com interesses antagônicos. Além disso, a
experiência de integração de povos sob domínio e controle por um Estado
centralizado também constituiu e em alguma medida ainda constitui
violência simbólica e efetiva para muitos grupos e povos africanos.
Em Sala de aula
Incentive seus/suas alunos/as a localizar as atuais
fronteiras entre países africanos, promovendo reflexões
sobre o que o seu traçado representa. Para isso, monte
um “quebra-cabeça” do continente: recorte o mapa,
separando cada país e disponibilizando os vários
“pedaços” do mapa do continente para os alunos,
em uma folha de papel. Peça para tentarem montar
o quebra-cabeça, reconstituindo, assim, o mapa do
continente. Esse recurso ajuda os alunos a perceberem
a diversidade de países, suas dimensões e fronteiras,
algumas delas impostas pela colonização Européia no
continente no século XIX, quando a África foi partilhada
entre os países europeus colonizadores. A atividade
pode ser uma oportunidade para o rompimento com
ideias equivocadas como a de que a África é um país e
não um continente, também possibilitando o debate a
respeito das noções de fronteira e de país! Ao estudar
com seus alunos as percepções deles, advindas de suas
experiências sociais e culturais acerca da vivência da
fronteira – como expressão geográfica e simbólica,
você poderá também suscitar essa reflexão acerca dos
impactos e desdobramentos advindos das diversas e
variadas formas de demarcação de fronteiras na África,
algumas delas completamente alheias às vivências sociais
e culturais de cada região. É importante que a atividade
seja acompanhada de reflexões sobre os significados
dessa divisão política, sobre os processos históricos
que levaram à atual divisão, com seus problemas e
arbitrariedades, e ainda com as conseqüências que
essa divisão traz, até os dias atuais, para a geração e
perpetuação de conflitos entre diferentes grupos que
habitam o continente.
Os Estados africanos independentes, que surgiram depois da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, herdaram as linhas de fronteiras traçadas
naquele momento de colonização. “Em outros termos, a base e a
‘ossatura’ dos novos Estados africanos foram constituídos, quase sempre,
pelo aparelho administrativo criado pela colonização européia” (ARBEX
JR, 2002). Com as independências, o poder político e militar transferiu-
se das antigas elites metropolitanas para as elites nativas, comumente
elites urbanas, algumas das quais vieram a instalar regimes autoritários,
corruptos e que acabaram por tornar ainda mais dependentes do
mundo ocidental as recém-nascidas nações africanas. É preciso também
considerar o assassinato de líderes mais nacionalistas e o apoio europeu e
norte-americano a estas elites chamadas “entreguistas” (MOORE, 2008),
sempre tomando cuidado para os riscos dessas bipolarizações.
Podemos dizer que a África tem topografia extremamente variada:
savanas, regiões desérticas, semi-desérticas (Sahel), altiplanos, planícies,
regiões de montanhas e de florestas. Toda essa diversidade se distribui
em uma extensão territorial de mais de 30 mil Km², ou seja, cerca de 22%
da superfície sólida terrestre. Observe essa variedade no mapa a seguir e
pense nas infinitas formas de interação sociedade-natureza na variedade
e dispersão territorial do continente.
Em Sala de aula
Este mapa da África pode ser trabalhado em associação
com imagens das diferentes paisagens características de
cada tipo de topografia. Uma idéia interessante consiste
em transpor o mapa para um papel craft ou outro de
tamanho grande e pedir aos alunos que o preencham
com fotografias e/ou desenhos e/ou ilustrações de
paisagens características de cada região. É importante
lembrá-los de incluir, junto às paisagens, imagens de
diferentes povos que habitam cada uma das regiões
e imagens de centros urbanos, contribuindo para
desmistificar as ideias de que a África é feita somente de
paisagens naturais e de que é habitada por grupos que se
confundem com a própria natureza. Ao manipular mapas
em diferentes formatos e tamanhos, buscar imagens em
revistas e internet, os alunos têm uma boa oportunidade
Ref. Mapa físico da África, In: MELO E SOUZA, Marina. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. p. 13

Bibliografia
ADÉLÓYÁ, Olúmúyiwá Antonhy.
Yorùbá
: tradição oral e história. São
Paulo: Terceira Margem, 1999.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de.
O trato dos viventes
; formação do Brasil
no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
APPIAH, Kwame Anthony.
Na casa de meu pai
; A África na filosofia da
cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
ARBEX JR. “Nova África”, velho império.
Revista Caros Amigos
, Edição
66, set. 2002.
ARNAULT, Luiz. LOPES, Ana Mónica.
História da África
: uma
introdução. Belo Horizonte: Crisálida, 2005.
CANCLINI, Garcia. Culturas hibridas: estrategias para entrar y salir de la
modernidad. Mexico: Grijalbo, 1989.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto.
Ancestrais
; uma
introdução à história da África Atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
ELTIS, David; BEHRENDT, Stephen; RICHARDSON, David. “A
participação dos países da Europa e das Américas no tráfico transatlântico
de escravos: novas evidências”,
Revista Afro-Ásia
,
Centro de Estudos
Afro-Orientais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, n. 24, p. 9-50,
2000. Disponível em
http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n24_
p9.pdf
FREIRE, Paulo. GUIMARÃES, Sérgio.
A África ensinando a gente;
Angola,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
HERNANDEZ, Leila Leite.
A África na sala de aula
; visita à história
contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.
KI-ZERBO, J (org).
História geral da África
. São Paulo: Ática; Paris:
Unesco, 1982 (volume 1 – Metodologia e pré-história da África).
LARAIA, Roque.
Cultura, um conceito antropológico.
Rio de Janeiro,
Jorge zahar Editor, 1986.
LIMA, Heloisa Pires. Histórias da preta. São Paulo: Companhia das
Letrinhas, 1998.
LOPES, Carlos. A pirâmide invertida; historiografia africana feita por
africanos.
Actas do Colóquio Construção e Ensino da História da África
.
Lisboa, Linopazes, 1995. p. 21-29.
LOPES, Carlos. Redescobrir a África.
Correio Braziliense
, 18/12/2004.
disponível em
http://www.pnud.org.br/pnud_midia/visualiza.
php?lay=pmiv&id14=157
acessado em 10/01/2010.
LOPES, Carlos. A África e sua diáspora; uma nova parceria. Revista
Palmares. Entrevista concedida a Ubiratan Castro de Araújo.
Disponível em http://www.diaadia.pr.gov.br/ceja/arquivos/File/
FormacaoContinuada/SIMPOSIO2009/Texto_Impressao_Rodrigo.pdf
LOPES, J. S. MIGUEL. Educação e cultura africanas e afro-brasileiras:
cruzando oceanos. 1. ed. Belo Horizonte: A tela e o texto, 2010. v. 1. 224 p.
MATTOSO, Kátia.
Ser escravo no Brasil
. São Paulo: Brasiliense, 2003.
M’BOKOLO, Elikia.
África negra
, história e civilizações. T. 1 (até o século
XVIII). Salvador: Edufba; São Paulo: Casa das Áfricas, 2009.
MELO E SOUZA, Marina.
África e Brasil africano
. São Paulo: Ática,
2006.
MENESES, Maria Paula G. As capulanas em Moçambique – decodificando
mensagens, procurando sentidos nos tecidos. In: GARCIA, Regina
Leite.
Método, métodos e contramétodo
. São Paulo: Cortez.
MILLER, Joseph. África central durante a era do comércio de escravizados,
1490 a 1850. In: HEYWOOD, Linda M.
Diáspora negra no Brasil
. São
Paulo: Contexto, 2008
MOKHTAR, G. (org).
História geral da África
. São Paulo: Ática, Unesco,
1983 (volume 2 – África Antiga).
MUNANGA, Kabengele. Etnicidade, violência e direitos humanos em
África. In: OLIVEIRA, Iolanda (org).
Cadernos PENESB
; a produção de
saberes e práticas pedagógicas. Niterói: EdUFF, 2001, p.31-44.
MOORE, Carlos.
A África que incomoda
; sobre a problematização do
legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala,
2008.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África nos bancos escolares.
Representações e imprecisões na literatura didática.
Estudos Afro-
Asiáticos
, n.25, ano 3, 2003, p. 421-461.
______. O ensino da história da África em debate (uma introdução
aos estudos africanos). In: MEDEIROS, Cléia. EGHRARI, Iradj Roberto
(coord).
História e cultura afro-brasileira e africana na escola
. Brasília:
Ágere Cooperação em Advocacy, 2008. p. 29-49.
SALAMA, P. O Saara durante a Antiguidade Clássica. In: MOKHTAR, G.
(org).
História geral da África
. São Paulo: Ática, Unesco, 1983 (volume
2 – África Antiga). p. 525-546.
SANTOS, Lorene dos.
Saberes e práticas em Redes de Trocas: a temática
africana e afro-brasileira em questão. Belo Horizonte: Faculdade de
Educação da UFMG, 2010 (Tese de Doutorado).
SERRANO, Carlos. MUNANGA, Kabengele.
A revolta dos colonizados
.
São Paulo: Atual Editora, 1995.
SERRANO, Carlos. WALDMAN, Maurício.
Memória d’África
; a temática
africana em sala de aula. São Paulo: Cortez, 2007.
SEEMAN, Jörn. Mercator e os geógrafos; em busca de uma “projeção”
do mundo.
Mercator, Revista de Geografia da UFC
, ano 02, n. 3, 2003.
Disponível em
http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/
article/viewFile/159/127 acessado em 10/01/2010.
SILVA, Alberto da Costa e.
A enxada e a lança
; a África antes dos
portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
______.
A manilha e o libambo
. A África e a escravidão de 1500 a 1700.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, FBN, 2002.
______.
Um rio chamado Atlântico
; a África no Brasil e o Brasil na
África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Ed UFRJ, 2003.
SOARES, Mariza de Carvalho.
Devotos da cor
; identidade étnica,
religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. In: KI-ZERBO, Joseph
(org).
História geral da África
. Vol. I. São Paulo: Ática; Paris: Unesco,
1982.
WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas bases para o ensino da história da
África no Brasil. In:
Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei
Federal n.10.639/03
. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. Brasília: Ministério da Educação, 2005. p.133-166. (Coleção
Educação para Todos)
YOYOTTE, J. O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura. In:
MOKHTAR, G. (org).
História geral da África
. São Paulo: Ática, Unesco,
1983 (volume 2 – África Antiga). p. 99-122.
ZAMPARONI, Valdemir. África; uma ilustre desconhecida.
A tarde
online
, 20 dez. de 2004.

Você também pode gostar