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do os profissionais da história que Se haviam formado convencidos de es-

tar seguindo os mesmos caminhos que os demais cientistas, em busca de


Capítulo 9
uma verdade objetiva e a serviço de uma sociedade de fundamentos qua-
se universalmente aceitos. Tudo estava mudando. A ciência, que seguia os
caminhos de Einstein, Bohr e Heisenberg, deixava de ser uma fonte de cer-
tezas imutáveis. Mudava também a sociedade, e isso era ainda muito pior,
O ESGOTAMENTO DO MODELO com os novos problemas que surgiam e para os quais os historiadores aca-
dêmicos pareciam ter menos respostas do que os especialistas de outras
ACADÊMICO (1918-1939) áreas das ciências sociais, que evidenciaram agora à história sua utilidade
como ferramenta para analisar eficazmente a sociedade.
O problema não era mais o que os filósofos haviam discutido até en-
tão, ou seja, a natureza da história como ciência. Um dos fatores que havia
minado a relevância do velho saber acadêmico e obrigado sua reforma era
Desde começos do século XX, começava aficarvisível, no terreno da
Kistória, o esgotamento dos velhos métodos da erudição acadêmica profis- o surgimento das massas na vida coletiva. Não era somente o grande medo
sionalizada do século XIX, com pretensões de objetividade científica que distante da revolução russa, mas a mudança de atitude dos homens que, ao
mascaravam o fato de que sua verdadeira função era servir, por um lado, à voltarem de uma guerra insensata e sangrenta, exigiam o direito a uma so-
educação das classes dominantes e, por outro, à produção de uma visão da ciedade melhor e mais justa, prometida nos anos de fraternidade e de luta
história nacional que pudesse ser difundida áo conjunto da população pela nas trincheiras. Salvatore Quasimodo disse que, depois de uma guerra,
escola. Nas universidades britânicas, por exemplo, ,o ensino da história ob- nada parece igual a antes. Os homens que se enfrentaram com a morte vol-
jetivava reforçar o consenso acerca dos valores morais e sociais dominan- tam das trincheiras com uma mente mudada, que iíão aceita os velhos va-
tes. Á grande maioria dos professores compartilhava "um esquema inter-
lores. É necessário falar-lhes uma linguagem nova. Um observador tão
pretativo único, transmitido aos estudantes como verdadeiro, adequado e
perspicaz como Keynes dizia, pouco antes de terminar a guerra, que o cres-
razoável", destinado a exaltar os valores da "cidadania responsável". Na
França, segundo Paul Nizan, o professor da escola exercia, na sociedade cimento capitalista baseara-se até então no engano* mas que, uma vez des-
burguesa, a mesma função que o padre exercera no período feudal: "O coberto isto, "as classes trabalhadoras podem não querer seguir por mais
prestígio local do professdr laico servia para propagar, nós povoados me- tempo nesta ampla renúncia". Sem este pano de fundo, não se entenderia a
nores, uma espécie de ensino de estado da moral oficial".1 repercussão, no terreno das ciências sociais, da inquietude que se estendeu
A crise agravar-se-ia depois da Primeira Guerra Mundial, no perío- pela Europa nestes anos: greves na França, greve geral inglesa, ocupações de
do de 1918 a 1939, quando o mundo mudou consideravelmente, deslocan- fábricas na Itália, crescimento do Partido Comunista na Alemanha...2
Ortega y Gasset - que em 1922 havia dado mostras de até que pon-
1 SOFFER, Reba N. Discipline and power. The university, history and the making of an to o pânico pode produzir a suspensão do senso comum ao afirmar que o
English elite, 1870-1930. Stanford: Stanford University Press, 1994 (citação da p.
210); NIZAN, Paul. Por una nueva cultura. México: Era, 1975 (citação da p. 98). So-
bre o ensino da história na França, BOER, Pim den. History as a profession. The 2 KEYNES, J. M. Las consecuencias económicas de la paz. Barcelona: Crítica, 1987. p.
study of history in France, 1818-1914. Princeton: Princeton University Press, 199.8. 20; QUASÍMODO, Salvatore. Discorso sulla poesia. In: Per conoscere Qua-
simodo. Verona: Arnoldo Mõndadori, 1973. p. 225-234.
que cada um dos objetos estudados exercia. Com isso, queria-se chegar a
comunismo russo somente poderia ser entendido se fosse relacionado uma imagem da sociedade como um sistema em equilíbrio estático, cujas
com a religiosidade oriental e que, para compreendê-lo, não se devia ler regras podiam ser estudadas com a finalidade de saber como se deveria
Marx, mas os velhos livros sagrados da China, os Upanishads e os ensina- atuar para o seu restabelecimento, nos casos em que fosse abalado, \
mentos de Buda - expressaria, em 1929, a inquietude do conservadorismo No campo da sociologia, as grandes mudanças seriam provenientes,
europeu em A rebelião das massas. O grande problema nesse momento, na principalmente, de Dyrkheim (1858-1917), Tõnnies (1855-1936) e Max
Europa, era a emergência das massas ao pleno domínio social: como "as Weber (1864-1920). Durkheim destacava que a primeira regra do método
massas, por definição, não devem, nem podem dirigir a própria existência sociológico era a de "considerar os fatos sociais como coisas" que deviam
e menos ainda reger a sociedade", a Europa estava passando pela mais gra- ser estudados à margem "de suas manifestações individuais", examinando
ve dás crises imagináveis.3 a função que cada um deles cumpre no próprio meio. Tõnnies, por sua
A historiografia tradicional, que se dedicava aos reis e aos dirigentes vez, baseou-se na dicotomia entre "comunidade" e "associação" ou "socie-
e que somente considerava as massas como um fator de perturbação que dade", - Gemeinschaft e Gesellschaft - que serviria de modelo a todo um
irrompia súbita e fugazmente na evolução "normal" das sociedades, não ti- jogo de outras dicotomias, utilizadas para a interpretação dos fenômenos
nha nada a dizer sobre estas questões. Boa parte dos representantes da or- sociais - "tradicional" e "moderno", etc.5
dem acadêmica estabelecida fechou-se na torre de marfim, defendendo a
Maior seria, a longo prazo, a influência de Max Weber, professor de
velha moral, incapaz de encontrar respostas adequadas às mudanças que
economia, liberal preocupado por encontrar na política alemã uma tercei-
se produziam ao redor. Um historiador que estudava em Cambridge nos
dias da greve geral inglesa registrou suas lembranças sobre alguns jovens ra via entre o conservadorismo prussiano e o marxismo - assustado, como
universitários desconcertados que se ofereciam para trabalhar nos serviços tantos outros, pelos movimentos revolucionários produzidos na Alemanha
em greve ou defendiam que se deveria matar todos os mineiros.4 em 1918. Para enfrentar a crítica neokantiana que queria reduzir as ciências
Nessa situação, entende-se melhor as críticas que a história acadêmi- sociais ao estudo do individual e do concreto, definiu o método dos "tipos
ca começava a receber a partir de outras disciplinas, como a sociologia e a ideais", conceitos construídos a partir da síntese de características extraídas
antropologiá, que haviam iniciado sua renovação em fins do século XIX: da realidade com a finalidade de poder estudá-las, apresentando-o não.
uma reação contra os "excessos" do evolucionismo - contra a idéia de que como um novo sistema de trabalho, mas como a prática habitual e incons-
os fetos sociais pudessem ser estudados através de sua gênese e sua evolu- ciente dos cientistas sociais que ele apenas se limitara a expor explicitamen-
ção - , com uma proposta para analisar globalmente a sociedade, conside- te. Weber quis resolver também o problema da objetividade com o postu^
rada como um sistema dentro do qual era necessário examinar a função lado da "neutralidade ética" (Wertfreiheit) que devia levar o cientista social
a separar o trabalho de pesquisa, limitado aos fatos estabelecidos cientifica-
3 GASSET, José Ortega y. La rebelión de las masas. Madrid: Revista de Occidente, mente, dos juízos de valor, que pertencem a outro domínio. Mas, se a sepa-
1943. p. 7; a opinião sobre o comunismo russo aparece citada em AVILÉS, Juan. La
fe que vino de Rusia. La revolución bolchevique y los espanoles, 1917-1931. Madrid:
Biblioteca Nueva, 1999. p. 200. Sobre o medo às massas, destaca-se também CA- 5 LUKES, Steven. Durkheim, su vida y su obra. Madrid: CIS-Siglo XXI, 1984; as cita-
REY, John. The intellectuals and the masses. Pride and prejudice among the literary ções procedem de DURKHEIM, E. Las regias dei método sociológico. Buenos Aires
intelligentsia, 1880-1939. London: Faber and Faber, 1992. - La Pléyade, 1976 (p. 40, 66, 111 e 130). De Ferdinand Tõnnies, usa-se Comunidac
4 COURT, W. H. B. Growing up in an age of anxiety. In: . Scarcity and choice y asociación. Barcelona: Ediciones 62, 1984. Uma análise interessante da historio-
in history. Londbn: Edward Arnold, 1970. p. 1-60 (citação da p. 16). grafia da época está em KON, l.S.El idealismofilosóficoy la crisis en el pensamien-
to histórico. Buenos Aires: Platina, 1962.
No terreno da antropologia, a ruptura com o evolucionismo data dé
1896, quando Franz Boas (1858-1942) atacou os métodos comparativos e
ração é relativamente viável no nível que corresponde à formulação de afir-
iniciou os caminhos de um neopositivismo sem generalizações, fortemen-
mações concretas - ao estudo de fatos específicos não o é quando se tra-
te influenciado por Dilthey e pelos neokantianos, que receberia o nome de
ta das perspectivas globais adotadas pelo historiador, onde a escolha do
ponto de vista é claramente afetada pelo interesse e pela visão de mundo. "particularismo histórico" e que estava próximo do funcionalismo. Mas as
Com isso, a pretendida "neutralidade" torna-se uma armadilha. No que diz influências renovadoras partem, também neste caso, de Durkheim e de
respeito à contribuição pessoal para a história, na obra de Weber, encontra- Mareei Mauss (1872-1950), inspiradores dos antropólogos britânicos que
mos, por um lado, trabalhos sobre a antiguidade romana fortemente in- defendiam a necessidade de considerar globalmente os sistemas sociais,
fluenciados por Mommsen, que não receberam demasiada atenção e um concebidos como um conjunto de elementos funcionalmente interdepen-
estudo sobre o papel da religião no desenvolvimento econômico em A éti- dentes. Assim, E. R. RadçlifFe-Brown (1881-1955), que dizia que o presente
ca protestante e o espírito do capitalismo, livro de 1904-1905, ao qual acres-
não deveria ser interpretado era termos de sua gênese, mas por sua estru-
centaria, em 1920, uma introdução em que definia o problema que tratava
tura e funções, e Bronislaw Malinowski (1884-1942), que combatia explici-
como sendo o de esclarecer "as circunstâncias" que explicam "o surgimen-
tamente as influências do evolucionismo, dó difusionismo e "da chamada
to no Ocidente, e somente no Ocidente, de fenômenos culturais situados
numa linha de desenvolvimento (...) de significação e validade universal". concepção materialista da história", pretendendo centrar-se na visão de
Nenhuma destas obras, no entanto - por mais que A ética protestante tenha mundo dos indígenas, "o alento de vida e realidadé que respiram e pelo
dado lugar a uma abundante bibliografia de Comentários, majoritariamen- qual vivem". No terreno da arqueologia, esses pensamentos favoreceram a
te críticos teve uma influência real na historiografia. O papel de Weber passagem do difusionismo, centrado no estudo de elementos culturais iso-
fói muito menos o de guia para a pesquisa do que o de provedor de refe- lados de qualquer contexto, a um funcionalismo claramente inspirado pela
rências metodológicas, legitimadoras, utilizadas de forma muito diversa. antropologia, ao menos até o salto adiante realizado por Gordon Childe.7 A
Porque, se bem que tenha servido inicialmente de fundamento para formu-
influência da antropologia manifestou-se também na economia, na obra de
lações que se apresentavam como opostos ao marxismo, nos anos sessenta,
Karl Polanyi e de seus discípulos, da qual falaremos mais adiante.
em contraste com a sociologia funcionalista de Talcott Parsons, apareceu
uma "esquerda weberiana" que colocava o pensador alemão como funda-
Mas o ataque mais sistemático à ortodoxia acadêmica dos historia-
mento de uma sociologia histórica de esquerda, enquanto Ernst Noite, uti- dores procedeu dos filósofos, que continuavam assim a tarefa iniciada em
lizou o conceito de neutralidade ética como pretexto na tentativa de descul- fins do século XIX pelos neokantianos e pela "filosofia da vida". A atitude
pabilizar a Alemanha do seu passado nazista.6 mais extrema neste terreno seria a do austro-britânico Karl Popper que,
confundindo abusivamente a condição de ciência com á capacidade de
prever, negaria todo valor científico à história, num esforço que tinha me-
6 WEBER, Marianne. Max Weber. Una biografia. Valência: Edicions Alfons el Magnà-
nim, 1995; LOVE, John R. Antiquity and capitalism. Max Weber and the sociological
nos a ver com a epistemologia dó que com preocupações políticas antico-
foundations of koman civilization. London: Routledge, 1991; WILEY, Norbert (Ed.).
The Marx-Weber debate. Newbury Park: Sage, 1987; LORENZ, Chris. Historical
Knowledge and historical reality: a plea for "internal realism". History and theory, 7 HARRIS, Marvin. El desarrollo de la teoria antropológica. Una historia de Ias teorias
33, n. 3, p. 297-327, Í994. Das obras de Weber: ÜÈtica Protestant i l'esperit del capi- de la cultura. Madrid: Siglo XXI, 1978; TRIGGER, Bruce. Historia del pensamiento
talisme. Barcelona: Edicions 62,1984 (citação da p. 35); Historia económica general. arqueológico. Barcelona: Critica, 1992. p. 230-270; WOLF, Eric R. Pathways towards
México: Fondo de Cultura Económica, 1983; Economia y sociedade. México: Fondo a global anthropology. In: CHEW, Sing C.; DENEMARK, Robert A. The underdeve-
de Cultura Económica, 1979. lopment of development Thousand Oaks. California: Sage, 1996. p. 87-100.
^nunistas (que ajudam a explicar a realização de uma brilhante carreira na que, como disse Momigliano, "não tinha nenhuma intenção de subverter
Inglaterra da guerra fria). Em posições semelhantes, porém com mais a ordem social à qual devia sua riqueza e, conseqüentemente, a liberdade
iiuances, estavam Carl Hempel e Patrick Gardiner que, apesar de sustenta- para estudar o que lhe agradava". No momento crucial da ascensão de
ssem que a história não cumpria a exigência científica que diz que "a expli- Mussolini, vòtou, no senado, a favor dé lhe dar plenos poderes, mantendo
cação de um fenômeno consiste em subsumi-lo a leis ou a uma teoria", ad- o apoio inclusive depois do assassinato de Mateotti. Somente se afastou
mitiam que as explicações dos historiadores utilizavam esquemas "com dessa postura em 1925, para permanecer como cabeça visível de uma es-
uma indicação mais ou menos vaga das leis e das condições iniciais consi- pécie de oposição liberal, não muito militante e tolerada pelos fascistas.
deradas pertinentes". Em oposição a esta visão de "covering laws" ou "leis Partindo de postulados neokantianos e com alguma influência do idealis-
inclusivas", situava-se William Dray, que dizia que não se deve fazer nem mo hegeliano, Croce elaborou a doutrina de historicismo absofuto que
sequer este tipo de concessão a uma disciplina que não explica, mas so- identificava filosofia e história. De todas as modalidades possíveis da his-
mente descreve. Arthur C. Danto, por sua vez, afirmava que este debate era tória, considerava que a mais elevada era a que designou como "história
puramente verbal e que a tarefa da história, em última instância, seria sem- ético-política": a história da razão humana e de seus ideais, "resolvendo e
pre a de explicar o que aconteceu numa maravilhosa variedade de deta-
unificando, nela, tanto a história da civilização como a do estado". A base
lhes, sem a necessidade de recorrer a nenhuma lei geral, o que tornava inú-
do juízo histórico era a exigência prática: por mais distante que estejam os
teis, evidentemente, as "filosofias substantivas" da história.8
fatos estudados, a história sempre será contemporânea, já que a construí-
A influência dessas formulaçõesfilosóficasfaria sentir-se em alguns
mos e;m função dç necessidades e de problemas atuais. "Os requisitos prá-
historiadores do período. Embora os mais importantes deles, Croce e Col-
ticos que pulsam sob cada juízo histórico dão a toda a história o caráter de
lingwood, fossem na realidade metade historiadores e metadefilósofos,des-
tacando-se mais no terreno híbrido de sua teorização, isto é como "filósofos "história contemporânea", por remotos no tempo que possam parecer os
da história", do que nos campos dafilosofiaou da história concretamente. fatos a que se refere: a história, na realidade, está em relação com as neces-
Benedetto Croce (1866-1952), que havia começado sob influência sidades atuais e com a situação presente em que vibram estes fatos". Com
do marxismo como discípulo de Labriola, o abandonou muito cedo, já Croce, encontramo-nos num terreno de experiências vivenciais, sem cau-
salidade e sem leis. Não existe nem sequer tempo, senão fluir. Nem tam-
pouco existe história, senão tantas histórias como pontos de vista.9
8 SCHILP, Paul Arthur (Ed.). The philosophy of Karl Popper, La Salle: Open Court,
1974.2 v. onde é especialmente interessante a autobiografia - 1 , p. 3-181 que nos Com Robin G. Collingwood (1889-1943),filósofoe arqueólogo "eirç
permite entender a evolução deste judeu que viveu as comoções sociais de Viena
tempo parcial", especializado no estudo da Britânia romana, encontramo-
em fins da Primeira Guerra Mundial. Para se conhecer suas idéias basta, no entan-
to, o catecismo da seita: POPPER, Karl. La miséria dei historicismo. Madrid: Alian-
za, 1973. HEMPEL, C. G.; OPPENHEÍM, P. Problems of the concept of general law.
In: DANTO, A.; MORGENBESSER, S. (Ed.). Philosophy of science. Cleveland: Me- 9 As citações de CRO.CE, B. Teoria e historia de la historiografia. Buenos Aires: Escue-
ridian Books, 1970; GARDINER, Patrick. The nature of historical explanation. Ox- la, 1955. p. 278 e La historia como hazana de la libertad. México: Fondo de Cultura
ford: Oxford University Press, 1952; DRAY, William. Laws and explanations in his- Económica, 1960. p. 11. GALASSO, Giuseppe. Croce storico. In: Croce,
tory. Oxford: Oxford University Press, 1957; DANTO, Arthur C. Analytical philo- Gramsci e altri storici. Milano: II Saggiatore, 1978. p. 185; DUJOVNE, León. Elpen-
sophy of history. Cambridge: Cambridge University Press, 1965. Danto publicou de- samiento histórico de Benedetto Croce. Buenos Aires: Santiago Rueda, 1968; MOMI-
pois After the end of art: contemporary art and the pale of history. Princeton: Prin- GLIANO, A. Reconsidering B. Croce (1866-1952). In: _. Essays in ancient and;
ceton University Press, 1997, que suscitou grandes discussões, como se pode ver modern historiography. Oxford: Basil Blackwell, 1977. p. 345-363 (citação da p.
"Theme Issue 37" de History and theory (1998) sobre "Danto and his critics". 347). As resporisabilidades políticas de Croce são- destacadas por ZANGRANDI,
Ruggero. II lungo viaggio attraverso il fascismo. Milano: Feltrinelli, 1962. p. 340-345.
É necessário considerar, ainda, as muitas páginas que Gramsci dedicou-lhe.
Filhas também do neokantismo e da filosofia da vida são as morfo-
logias, que se baseiam na idéia de que o que não se pode alcançar na his-
tória mediante a formulação de leis, pode-se obter mediante a contempla-
nos próximos a Croce, de quem era discípulo e amigo pessoal, mas com
matizes originais. Em A idéia da história, que, na parte que chegou a escre- ção e a comparação, deduzindo, a partir delas, certas regularidades que
ver, se apresenta como uma história da historiografia acompanhada de re-; servem para fabricar pautas cíclicas que permitem entender o passado e
flexões sobre temas como "A imaginação histórica" ou "História como inclusive prever o futuro.
"reatualização" ("re-enactment") de experiência passada", ataca o conceito Oswald Spengler (1180-1936) publicou, ao término da Primeira
de uma história positivista segundo ò modelo das ciências naturais, já que Guerra Mundial, um livro espetacular que se tornou rapidamente famoso:
a tarefa do historiador é a de "penetrar no pensamento dos agentes cujos  decadência do Ocidente (Der Untergang dês Abendlandes). Era uma obra
atos está estudando". A história assemelha-se à ciência pelo fato de que que se nutria das influências ideológicas de correntes irracionais autócto-
busca um conhecimento racional, mas não se ocupa "do abstrato, senão do
nes, como a dó "eterno retorno" de Nietzsche ou a do vitalismo de Dilthey,
concreto; não do universal, mas do individual", e usa na prática a "imagi-
mas também das de Wagner, de Haeckel ou do Ibsen crítico dos valores
nação histórica", com a qual constrói explicações a partir dos dados isola-
dos. O passado não é diretamente observável, mas "o historiador o revive burgueses. Spengler, que fracassara na tentativa de apresentar uma tese de
na própria mente". Quando lê palavras escritas - um documento ou uma doutorado e fazer carreira universitária, tendo que se contentar com a de-
crônica - , "deve descobrir o que queria dizer com aquelas palavras quem dicação ao ensino secundário, acabou largando o trabalho e mudou-se
as escreveu". Somente pode haver conhecimento histórico do que "pode para Munique em 1911 para dedicar-se a escrever. O primeiro resultado
ser revivido na mente do historiador". Não é suficiente, no entanto, a em- foi o livro em que oferecia uma visão global das oito grandes civilizações
patia que nos faz comparar experiências do passado com as nossas, mas mundiais da história para, aofinal,estabelecer as regras que anunciavam a
necessitamos reviver o pensamento em nós: "Não pode haver história de decadência da única cultura existente na época. Spengler distingue ciência
.qualquer outra coisa que não seja pensamento (...). O conhecimento his-
tórico tem, como seu objeto próprio, o pensamento: não as poisas pensa-
das, mas o próprio ato de pensar". É precisamente nesta questão do "re- de 1998, com citações das p. 228,234,282,302,304 e 305), acrescentando, ainda, os
enactment" que Collingwood vai mais além de Dilthey ou dé Croce, o que textos de "Lectures on the philosophy of history" de 1926 e "Outline of a philosophy
teria podido suscitar reflexões interessantes por parte dos historiadores. O of history" de 1928. Davis Boucher reuiniu sçus Essays in political philosophy (Ox-
ford: Clarendon Press, 1990). Sobre Collingwood, existe abundante bibliografia, da
livro, entretanto, constantemente reeditaào e freqüentemente citado na
qual utilizei SHALOM, Albert. R. G. Collingwood, philosophic et historien. Paris: PUF,
Inglaterra, foi constantemente menosprezado pelosfilósofos- sua primei- 1967; DUSSEN, J.,van der. History as a science. The philosophy ofR. G. Collingwood.
ra edição, surgida postumamente, foi mutilada pelo filósofo a quem Col- Den Haag: M. Nijhoff, 1981 e DRAY, William H. History as re-enactement. R. G. Col-
lingwood confiou a publicação - e apesar de amplamente lido pelos histo- lingwood's Idea of history. Oxford: Clarendon Press, 1995 (uso a reedição de 1999).
riadores influiu muito pouco em sua prática.10 Também COLLINI, Stefan. When the goose cackled. The discovery of history and
the world beyond the walls: how Collingwood wrote his last works. Times Literary
Supplement, p. 3-6,27 Ago. 1999, e RÉE, Jonathan. Life after life. London Review of
Books, p. 9-11, 20 Jan. 2000. Sobre a influência do pensamento de Collingwood na
10 COLLINGWOOD, R. G. The idea of history. Oxford: Oxford University Press, 1946
arquealògia, HODDER, Ian. Interpretación en arqueologia. Comentes actuales. Bar-
e 1993 (edição revisada). O livro de Collingwood foi publicado depois de sua mor-
celona: Crítica, 1988. p. 113-126. BATES, David. Rediscovering Collingwood's spiri-
te, a partir de manuscritos manipulados por Malcom Knox, como explicou Jan van
der Düssen, na introdução à edição revisada e em "Collingwoods "lost" manuscript tual history (In and out of context). History and theory, 35, n. 1, p. 29-55,1996, re-
of "The principles of history"", History and theory, 36, n. l,p. 32-62,1997.Em 1993, laciona a idéia de "re-enactement" com uma vertente teológica do pensamento do
Van der Dusen fez uma nova edição revisada (que é a que uso, em uma impressão historiador. Não parece uma idéia demasiado útil.
e história a partir da forma de cada uma aproximar-se de seu objeto. A
dos historiadores" - e a entregava ao homem comum para que pudesse fa-
ciência usa leis; a história, a intuição. À morfologia das ciências da nature-
zer as próprias especulações e descobertas:"
za, que estabelece relações causais e descobre leis, opõe-se a morfologia da
Se Spengler foi o morfólogo de moda no período entre as duas guer-
história, que usa como métodos de trabalho "a contemplação, a compara-
ras mundiais, Arnold J. Toynbee (1889-1975), mesmo que tenha começa-
ção, a certeza interior imediata, a justa imaginação dos sentidos". A fim de
do a publicar anteriormente, o foi depois da segunda. Chegou a ser consi-
sobrepor-se aos erros que o espírito partidário engendra, a observação do derado o maior historiador do mundo e assistiu seu imenso Estudo da his-
historiador dirige-se a um horizonte de milênios, assumindo um ponto de tória, lido principalmente em manuais, ser celebrado como "a maior obra
vista distanciado. Dali, contempla a coexistência e a continuidade das cul- de história jamais escrita". Hoje, entretanto, está esquecido, tendo-se tor-
turas, cada uma das quais é um fenômeno fechado sobre si mesmo, pecu- nado ele próprio num objeto de estudo que nos instiga a averiguar como
liar e único, mas que mostra uma evolução possível de ser comparada se pode produzir um engano intelectual de tal magnitude.
morfologicamente com a de outras, dando-nos, com isso, a chave para Toynbee pertencia a uma família que enfrentou uma situação econô-
compreender o presente. Este jogo de comparações permitia-lhe prever o mica difícil, quando o pai do historiador ficou louco e permaneceu trinta
futuro e anunciar a imediata crise do "Ocidente", que os nazistas entende- anos trancado num manicômio. Casou-se em 1913 com uma mulher de fa-
ram como um presságio do triunfo da "nova ordem" - de fato o livro aca- mília rica e influente, de quem teve que receber constante ajuda econômi-
bava anunciando "as últimas vitórias do dinheiro" e a próxima chegada do ca, e conseguindo livrar-se dè lutar na Primeira Guerra Mundial. Sua car-
cesarismo - se bèm que mais tarde se cansassem deste profeta de desastres, reira universitária como especialista no estudo de história antiga não durou
muito,12 passando a ganhar a vida como diretor de estudos do Institute of
demasiadamente conservador para sintonizar plenamente com o nazismo
que, em 1933? dizia que a civilização branca estava ameaçada por' duas
grandes revoluções hostis, a luta de classes e a luta de raças, e anunciava 11 La decadencia de Occidente (Bosquejo de uma morfologia de la historia universal) foi
traduzida muito cedo ao espanhol (Madrid: Calpe, 1923-1927. 4 v. utlizo a reedição
desastres iminentes para a raça branca, se não fosse reavivado "o espírito de Espasa Calpe 1998), com um prefácio de José Ortega y Gasset, que não demons-
guerreiro, "prussiano", que será a potência geradora das novas forças". Não trava muita sagacidade ao comparar Spengler com Einstein. As citações de 1933 são
de Années decisives. L'Allemagne et le développement historique du monde, que uso na
importa que; como diria Troeltsch, A decadência do Ocidente estivesse ba-
versão francesa de Paris: Mercure de France, 1934 (citações das p. 277 e 307-308).
seado em bibliografia secundária e cheia "de dados falsos, de afirmações Spengler, para colocar um só exemplo de suas obnubilações, interpreta a luta dos me-
fantásticas e de analogias equivocadas". Uih dos espetáculos mais repetidos xicanos contra o imperador Maximiliano como uma mostra de ódio de um povo in-
ferior contra a raça branca (p. 293). WAISMANN, A. Hl historicismo contemporâneo.
durante o século XX no terreno das ciências sociais e da cultura foi, justa- Buenos Aires: Nova, 1960. p. 9-78; HERZFELD, Hans. Oswald Spengler y la decaden-
mente, o do êxito obtido por receitas simplistas, fáceis de utilizar, que res- cia de Occidente. In: DIETRICH, Richard (Ed.). Teoria e ittvêstigación históricas en la
actualidad. Madrid: Gredos, 1966; HERMAN, Arthur. The idea of decline in Western
pondem às angústias do momento, mas que não resistiriam a uma análise history. New York: Free Press, 1997. p. 221-255. Sobre as idéias políticas de Spengler,
crítica racional. Spengler, que escreveu o livro em Munique nos tempos da HAMILTON, Alastair. La ilusión dei fascismo. Barcelona: Caralt, 1973. p. 133-141 e
180-181; Spengler achava os nazistas muito de esquerda para seu gosto.
crise final do poder imperial alemão - tempos de derrota, de revolução e
do nascimento da resposta nazista - , oferecia uma visão cultural da histó- 12 Conseguiu uma cátedra de estudos bizantinos e gregos modernos financiada em Lon-
dres por ricos anglo-gregps e pelo governo de Atenas, mas o menosprezo pelos gregos
ria que qualquer um poderia manusear a fim de buscar respostas às pró- da época e a condenação pública da atuação dos mesmos na Ásia menor o obrigaram
prias angústias. Arrebatava a história dos profissionais - como diria Orte- a uma involuntária demissão. (CLÓGG, Richard. Beware the Greeks. How Arnold
Tóynbee became a mishellene. Times literary Supplement, p. 14,17 Mar. 2000.
ga y Gasset no prefácio da edição espanhola: "Não basta, pois, a história
International Affairs, onde publicava anualmente um volume do Sumário
A construção levaria Toynbee a buscar a solução dos problemas do
dos assuntos internacionais. Era um trabalho que lhe deixava os meses de ve-
mundo atual no estabelecimento de um novo império universal e a pen-
rão livres para escrever o mastodôntico Estudo da história inspirando-se em
sar, durante anos, que Hitler podia ser um novo Augusto. Depois da Se-
alguma medida em Spengler, que apareceu em doze volumes entre 1934 e
gunda Guerra Mundial, com os norte-americanos assumindo a liderança
1961 (enquanto a mulher, cansada dele e de sua "insensata obra", fugia com
do "mundo livre", Toynbee alcançaria grande êxito nos Estados Unidos
um frade dominicano vinte anos mais jovem que ela).
(um fato extremamente paradoxal, já que pessoalmente menosprezava os
Na magnum opus - descrita como "um imenso poema teológico em
"bárbaros" norte-americanos). Ali, sua obra, difundida num compêndio
prosa" - Tonybee mostrava todo o curso da história humana numa suceS-
de um só volume - uma síntese feita por David Somervell que vendeu
são de vinte e nove "sociedades" ou "civilizações", que nascem como con-
130.000 exemplares no primeiro ano - , converter-se-ia no evangelho que
seqüência de certos estímulos, da necessidade de superar fatores adversos
anunciava a nova era, proporcionando-lhe uma fama que serviu para ali-
que suscitam uma resposta por parte dos homens que os experimentam, a
mentar uma progressiva megalomania. Até que os próprios norte-àmeri-
menos que sejam tão difíceis que freiem a resposta ou a abortem. Há vin-
canos se cansaram de escutar a mesma canção, a qual não souberam trans-
te e uma civilizações plenamente realizadas, três abortadas e cinco freadas.
formar para adaptá-la aos tempos da guerra fria.13
Os protagonistas reais dos processos, no entanto, não são as coletividades Por mais que Spengler e Toynbee sejam autores que nenhum histo-
incluídas nas civilizações, mas alguns indivíduos excepcionais e pequenas riador os considere nos dias atuais, suá influência não desapareceu em al-
minorias criativas que encontram caminhos que outros seguirão por mi- guns círculos da sociologia histórica, como no grupo de sociólogos e poli-
mese ou imitação. O individuo criador retira-se do mundo para receber a tólogOs "civilizacionistas" que se limitam a recuperar o modelo das velhas
iluminação pessoal e volta para ensinar aos outros (São Paulo, Buda, Mao- morfologias e não parecem ter outra preocupação a não ser a de construir
mé, Dante, Maquiavel, etc.). Quando as sociedades estagnam, as minorias grandes esquemas para interpretar o passado e fazer previsões do futuro,
deixam de ser criadoras para se tornarem em dominantes, perdendo a ade- sem se dar ao trabalho de investigar a realidade do presente.14
são coletiva. Necessitam, então, substituir a persuasão pela coerção e os an- !
tigos discípulos convertem-se num proletariado refratário. Contra o impé-
13 Çostumava-se dizer què o Estúdio de la historia consta de dez volumes. De fato, o
rio universal consolidado pela minoria dominante, o proletariado interno
autor foi acrescentando recapitulações e reconsiderações. O último volume da tra-
cria uma igreja universal. Os povos vizinhos, que enquanto subsistia o im- dução castelhana que tenho disponível é.a segunda parte do volume XIV (Buenos
pulso criador sentiam sua influência, tornam-se hostis. Assim prepara-se, Aires: Emecé, 1966). O compêndio foi publicado em três volumes como Estúdio de
la historia (Madrid: Alianza, 1970), e leva, ao final, um "sumário geral" (III, p. 325-
interna e externamente, o desmoronamento do império e criam-se as con-
392), com tabelas e um quadro sinóptico de civilizações. William McNeil publicou
dições que farão nascer uma nova sociedade. uma biografia -Arnold Toynbee: A life. Oxford: Oxford University Press, 1989 - que
O esquema simplista não apenas pôde reduzir-se a um manual, mas deu lugar a uma sangrenta resenha de H. R. Trevor-Roper (The Prophet. New York
Review ofBooks, p. 28-34,12 Oct. 1989), que utilizei, assim como a de CLARKE, Pe-
também a tabelas esquemáticas em que se representam as vinte e nove ci- ter. When the pistol goes off. London Review of Books, p. 11 -12,17 Aug. 1989. Des-
vilizações e identificam-se os^momentos que correspondem a cada fase e a taca-se também Herman, The idea of decline, p. 256-292. Omitiremos figuras me-
cada elemento do seu ciclo - império universal, igreja universal, proleta- nores das morfologias como Crane Brinton, personagem de simpatias fascistas e
autor de uma "anatomia da revolução", etc.
riado interno, etc. Com o mecanismo, a pesquisa histórica tornou-se pra-
ticamente desnecessária, restringindo-se apenas ao esforço de identifica- 14 SANDERSON, Stephen K. (Ed.). Civilizations and world systems: Walnut Creek: Al-
tamira, 1995. O grupo está associado à International Society for the Comparàtive
ção necessário para situar cada momento do passado, ou do presente, no Study of Civilizqtions, que publica Comparative Civilizations Review como órgão de
compartimento correspondente. expressão. No volume que utilizo, abundam as citações de Spengler e Toynbee, sen-
No entanto, a visão da ciência histórica do período entre guerras
que podemos obter a partir da perspectiva da filosofia da história, mos-
O mundo acadêmico alemão foi incapaz de associasse às transfor-
trando-nos uma disciplina desconcertada e em decadência, não corres-
mações culturais da época de Weimar que fizeram de Berlim a capital das
ponde à realidade. Os filósofos podiam negar a validade científica da his-
vanguardas mundiais. Optou por expressar o pessimismo da derrota da ve-
tória, mas não influenciavam, com isso, mais do que uma pequena mino- lha ordem prussiana, da qual sairia uma obra como a de Spengler, mas que
ria de historiadores. Os políticos necessitavam, por um lado, que fosse es- inspirou, também, a brilhante evocação da cultura do final da idade média,
crita um tipo de "história nacional" que justificasse suas formulações e rei- escrita por um holandês educado na Alemanha, Johan Huizinga (1872-
vindicações: algo que ganhava especial importância numa Europa que, de- 1945). Ò outono da idade média relacionava arte, literatura, religiosidade e
pois da Primeira Guerra Mundial, assistira a grandes mudanças de frontei- formas de vida, à maneira de Burckhardt, num quadro bem estruturado, que
ras, que deveriam ser acompanhadas pelo reforço das consciências das no- correspondia à visão da complexidade dos fatos históricos que dependiam
vas nações. Também necessitavam, por outro lado, que fossem redigidos li- "de uma grande quantidade, quase sempre desconhecida, de condições bio-
vros de texto que ajudassem a ensinar na escola os valores sociais preconi- lógicas e psicológicas", influenciadas, ainda, por outras circunstâncias inde-
zados pelos governantes. Este segundo problema era geral, mas tornava-se pendentes delas, que levam o historiador a resumir todo este complexo em
especialmente urgente nos países dominados pelo fascismo. "uma interpretação que trabalha continuamente com cem mil incógnitas,
Na Alemanha, a derrota na Primeira Guerra Mundial suscitou, por grandes complexos sem solução, não devido ao experimento e ao cálculo,
parte das autoridades de Weimar, o desejo de renovar o ensino da história, mas pela experiência de vida e pelo conhecimento pessoal dos homens".16
eliminando do mesmo o ultranacionalismo conservador da etapa impe- Em contraste còm as reticências que esses homens manifestaram ante
rial. Poucos historiadores acadêmicos e docentes deram apoio a esta pos- a cultura e a política de Weimar, situa-se a boà acolhida que deram ao regime
tura, de maneira que o ensino da história se manteve, essencialmente, sem nazista. Dos historiadores, pode-se dizer que "se mostraram especialmente
modificações, apenas introduzindo, nos manuais escolares, a versão dos dispostos a oferecer ãpoio" ao Führer, ao Terceiro reich, à revolução nacional-
militares vencidos que sustentavam que o exército alemão não fora derro- socialista e aos planos de conquista da Europa^ não tanto por oportunismo,
tado no campo de batalha, mas sofrera uma "punhalada pelas costas" da
subversão interna. "Da guerra, os estudantes alemães devem reter que ela MORE, Kevin (Ed.). Writing national histories. Western Europe since 1800. London:
foi perdida não pelos generais, transformados,, contraditoriâmente, em he- Routledge, 1999. p. 15-29; JARDIN, Pierre. La legende du coup de poignard dans
róis, mas pelos políticos, democratas e socialistas". Ao mesmo tempo, co- les manuels scolaires allemands des années 1920. In: BECKER, Jean Jacques et al.
Guerre et cultures, 1914-1918. Paris: Armand Colin, 1994. p. 266-277 (citação da p.
meçava a aparecer um grupo novo de historiadores, sociólogos e folcloris- 277). Sobre a relação entre estudos folclóricos e racismo nos anos anteriores ao na-
tas que propunham uma "Volksgechichte" que reconstruía a vida cotidia- zismo, BAUSINGER, Hermann. Nazi folk ideology and folk research. In: DOW, Ja-
na do povo comum, de um "povo" entendido em termos de ''raça", desti- mes R.; LIXFELD, Hannjost. The nazification of an academic discipline. Folklore in
the Third Reich. Bloomington:, Indiana University Press, 1994. p. 11-33: em 1926,
nado a substituir o conceito de "nação".15 por exemplo, fundava-se uma rçvista com o título "Volk und Rasse".
16 HUIZINGA, J. El otono de la edad media. Madrid: Revista de Occidente, Í930.2 v. A
citação metodológica procede de HUIZINGA, J. Sobre el estado actual de la ciência
do que David Wilkinson, professor de Ciência política na UCLA, refaz o esquema
histórica. Madrid: Revista de Ocidente, 1934 (citação das p. 55-56), que reproduz
de Toynbee com uma relação de quatorze civilizações da história que termina hoje, quatro aulas dadas nos cursos de verão de Santander. Para uma'avaliação atual de
com "uma única civilização global" (p. 46-74). Huizinga, que na Segunda Guerra Mundial lutou na resistência holandesa e foi ep-
15 IGGERS, George G. Nationalism and historiography, 1789-1996. The German carcerado pelos alemães, destaca-se a resenha da nova versão inglesa completa de El
example in historical perspective. In: BERGER, Stefan; DONOVAN, Marx; PASS- otono que fez Alexander Murray na London Review Books, p. 24-25,19 Mar. 1998.
mas por convicção. Foram muitos os que apoiaram a visão racista e "völkisch" teressava pela pura e simples quantificação. Mas o imobilismo das univer-
da história e não duvidaram em participar do estudo da "questão judaica". sidades tradicionais seria compensado pelo dinamismo inovador dos cria-
Um medievalista de prestígio internacional como Percy Ernst Schramm dores das novas tendências de história econômica e social, das quais fala-
(1894-1970) manteve-se até ofimao lado de Hitler e, em 1963, publicou uma remos mais adiante.19
visão elogiosa e humana do Führer, esquecendo por completo a vertente cri- Uma coexistência semelhante de imobilismo acadêmico e início de
minosa do nazismo. Salvaram-se da ignomínia geral boa parte dos judeus, novas tendências reformadoras dar-se-ia na França nos anos entre as duas
obrigados a deixar o país em conseqüência das leis raciais, como Hajo Holl- guerras mundiais: a época em que Henri Berr levou adiante o grande pro-
born, Felix Gilbert ou Hans Baron que prosseguiram brilhantes carreiras nos jeto inovador de "L'évolution de l'humanité", da fundação de Annales, de
Estados Unidos. Há ainda casos mais complexos, como o de Ernst Hartwig que falaremos também depois e da influência exercida pelo grande histo-
Kantorowicz, que acabou deixando a Alemanhà por ser de origem judia, em- riador belga Henri Pirenne. Apesar da importância política, os grupos de
extrema direita não encontraram aqui; diferentemente do que havia acon-
bora se sentisse muito próximo ideologicamente do regime nazista.17
tecido na Itália e na Alemanha, intérpretes de seus programas no mundo
Na Itália, o fascismo contou inicialmente com a tolerância de dois his-
acadêmico, tendo de recorrer a aliados; de duvidosa Competência como
toriadores de prestígio como Benedetto Croce e Gioacchino Volpe. E, como
Jacques Bainville ou Pierre Gaxotte.20
dissemos, embora Croce tenha se afastado dele prematuramente, Volpe, que
Em contraposição ao esgotamento acadêmico, encontravam-se os
durante anos limitou-se à atividade acadêmica e orientou discípulos de alta
historiadores que, pensando que seu trabalho deveria servir para entender
categoria como Cantimori òu Chabod, ao contrário, escreveu em 1932, para
o mundo novo em que viviam, percebiám que não lhes servia o tipo de
a Enciclopédia Italiana, um longo artigo sobre a história do fascismo que, em
história dedicada somente a reis, a ministros e a generais: somente às clas-
1934, foi reeditado como livro, tornando-se a história oficial do partido.18
ses dirigentes. Daí, a preocupação em escrever uma nova "história econô-
Na Grã-Bretanha, predominaria, nos anos entre as guerras mun- mica e social" que se dedicasse àquilo que afetava a vida de todos (origi-
diais, um academicismo ensimesmado cuja figura mais representativa se- nando-se daí também que se começasse a descobrir as mulheres como su-
ria sir Lewis Namier (1888-1960), um judeu polaco naturalizado (na rea- jeito ativo da história). Vale a pena estudá-los separadamente, pois, se fo-
lidade chamava-se Ludwik Bernstajn vel Niemirowski), historiador da po- ram contemporâneos dos historiadores de que falamos, seus objetivos e
lítica que somente chegou a concluir obras menores. Era de um ceticismo perspectivas de futuro eram muito diferentes.
conservador, desconfiado ante as idéias e inclinado a investigar os motivos
pessoais dos indivíduos, o que se intensificou devido ao interesse pela psi-
canálise. A seu lado, outras figuras menores como John H. Clapham
(1873-1946), historiador da economia que menosprezava a teoria e se in- 19 COLLEY, Linda. Namier. London: Weidenfeld and Nicolson, 1989; PARKER,
Christopher. The English historical tradition since 1850. Edinburgh: John Donald,
1990. p. 140-146; veja-se também as visões que de Namier e outros historiadores
17 Sobre Schramm e Kantorowicz, CANTOR, Norman F. Inventing the middle ages. britânicos deste tempo oferece A. L. Rowse em Historians I have known. London:
New York: William Morrow, 1991. p. 79-117. O caso de Kantorowicz - que havia Duckworth, 1995. 1 '-
sido membro dos "corpos livres," que perseguiam e assassinavam revolucionários - 20 De Berr e dos Annales fala-se em um capítulo posterior. Sobre a história da extre-
foi estudado por BOUREAU, Alain. Histories d'un historien. Kantorowicz. Paris: ma direita, GORDON, Bertram M. Right-wing historiographical models in Fran-
Gallimard, 1990. ce, 1918-45. In: BERGER, Stefani; DONOVAN, Marx; PASSMORE, Kevin (Ed.).
18 CLARK, Martin. Gioacchino Volpe and fascist historiography in Italy. In: BERGERj Writing national histories. London: Routledge, 1999. p. 163-175.
Stefan et al. (Ed.). Writing national histories. London: Routledge, 1999. p. 189-201.

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