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CHAPADA VELHA, BAHIA:

TERRITÓRIO GARIMPO
ORIUNDO DA
MATERIALIDADE*

AARTIGO
LUIZ ANTONIO PACHECO DE QUEIROZ**

Goiânia, v. 20, n.2, p. 599-626, ago./dez. 2022.


Resumo: neste artigo discuto a formação do território da Chapada Velha, em Gentio do
Ouro e Xique-Xique, no estado da Bahia, interpretando-o a partir da etnografia arqueoló-
gica com as coisas do garimpo e habitantes locais. Primeiro direciono a atenção aos estudos

DOI 10.18224/hab.v20i2.12656
da mineração na arqueologia que contribuem no diálogo com modos de ser oriundos de
práticas artesanais e tradicionais de extração mineral. Posteriormente apresento as prin-
cipais etapas da execução do garimpo local com destaque para o carbonado, diamante e
quartzo. Em seguida reflito sobre uma porção do território que abrange muitos garimpos
para explicitar como se dá a territorialidade garimpeira. O objetivo é apontar como a
espontaneidade das coisas e humanos concorrem para uma fluidez do entendimento de
território distinto das normas estabelecidas para uma delimitação espacial rígida e que
exclui a territorialidade de certas localidades.

Palavras-chave: Etnografia Arqueológica. Materialidade. Garimpos. Território.

O Os estudos concentrados nas simetrias entre humanos e coisas contribuem para sa-
lientar, disseminar deferências e buscar formas de valorizar concepções nativas para as
demais sociedades. Quando conduzidos por meio da etnografia arqueológica são frutí-
feros para a produção do conhecimento acerca das ontologias dos coletivos envolvidos.
O compromisso de ressaltar peculiaridades territoriais oriundas de modos tradicionais
de saber fazer pode ser cumprido ao interpretar os pontos de vista dos habitantes locais,

* Recebido em: 30.08.2022. Aprovado em: 06.12.2022.


** Doutor em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe (USF).
599 E-mail: luizpachecoq@gmail.com
materialidade de áreas de produção, caminhos e povoados, discernindo a ativa partici-
pação dessas entidades que concebem os espaços à sua maneira.
A proposta desde artigo segue tal caminho de pesquisa ao evidenciar relações
sociais do território da Chapada Velha, sobretudo com os garimpos e sua gente. A base
da discussão está na confrontação dos levantamentos arqueológicos com as conversas
e visitas a espaços do território disseminadas pela etnografia arqueológica que levou à
construção do conhecimento com os entes locais (QUEIROZ, 2022b).
A Chapada Velha é uma porção da Chapada Diamantina, no centro-norte do
estado da Bahia. Abrange vários municípios (Figura 1) e tem limites fluídos, criados
pela exploração mineral a partir da primeira metade do século XIX. Sua designação é
oriunda da distinção com o território da Chapada Nova, em Mucugê/BA.
Goiânia, v. 20, n.2, p. 599-626, ago./dez. 2022.

Figura 1: Mapas de localização da pesquisa


Fonte: Bing Maps Satellite (2015); IBGE (2020).

Trato de porções da Chapada Velha enfocadas em trabalhos de campo nos


municípios de Gentio do Ouro e Xique-Xique (Figura 1). Abordo os garimpos do sé-
culo XX e período contemporâneo, um recorte relativo ao tempo de vida dos interlo-
cutores.
Na premissa básica, o território é concebido enquanto entidade pulsante, tal
como qualquer ser vivo, conforme a maneira de pensar na materialidade a partir das re- 600
lações entre seres humanos e coisas. Ora, as coisas com que nos misturamos nos tornam
alguém, o que situa todos no tempo-espaço pelas interações entre si (OLSEN, 2010;
WEBMOOR; WITMORE, 2016). Logo, considerando que o território é mais uma
dessas coisas, seu entendimento como ente é relacionado à sua essência de porção espa-
cial da existência. Isso vai ao encontro dos postulados relativos ao entrelaçamento, que
tem base na admissão das possibilidades de algo existir, ou seja, os elementos intrínse-
cos à vida em que as entidades se envolvem por situações de dependência (HODDER,
2012), algumas delas cruciais no estudo do território garimpo, tais como a atração e
restrição. Uso esses termos como referência à potencialidade do garimpo, chamariz ao
trabalho de tanta gente e objeto de impedimento da visibilidade de muitos habitantes.
A ideia do entrelaçamento dos garimpos, habitantes e coisas na Chapada Ve-
lha como partes inseparáveis de cada um, foi alinhada com a perspectiva da etnografia
arqueológica voltada à materialidade e experiências no território em questão a partir
da interação entre pesquisador e participantes das circunstâncias estudadas (HAMI-
LAKIS, 2011). Assim, são essenciais os conhecimentos da extração mineral que os en-
volvidos transmitem, tendo como cenário o território incorporado às suas vivências,
cujas noções divergem da imposição da exploração mineral industrial reproduzidas
através das formas de exclusão da modernidade.

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O desdobramento da ideia conduziu à construção da narrativa etnográfica a
partir da perspectiva dos coletivos de garimpeiras(os) e coisas relacionadas à mineração
artesanal, agregando criações humanas e do meio ambiente, algo comum a estudos
do território pautados em abordagem não-antropocêntrica (ZEDEÑO, 2016). Nes-
sa toada, a territorialidade foi enfocada por meio das rotinas cotidianas e dentro dos
pressupostos das tarefas de trabalho e habitação que fixam significados na paisagem
(INGOLD, 2002).
Ao mencionar substantivamente “garimpo” estou me referindo tanto à extra-
ção mineral feita de forma manual, quanto às noções espaciais das áreas minerárias de-
senvolvidas por garimpeiras(os) de forma solitária ou em grupo. Como referência êmica
o termo é muito comum na Chapada Velha. A atividade é executada sem os aparatos
de produção industrial, movida por técnicas tradicionais, instrumentos e estruturas
artesanais feitos com insumos locais (material lenhoso, rochas e sedimentos) ou pouco
modificados (metal), e para atender intenções de produção de bens de consumo. A pe-
quena escala é inerente ao trabalho individual ou de grupos, inclusive familiares, que
atuam sob ganhos pequenos, mas confiam no enriquecimento. Defendo a ideia de que
o garimpo, amalgamado no tempo de vida da Chapada Velha, não acompanha a lógica
e ritmo da pressão externa da indústria e consumo de bens.
Atualmente os garimpos são clandestinos, pois são explorados em imensas
porções sem a concessão de licenças. Não há um dono ou o pagamento pelo uso das
terras. Os ganhos são diretos para quem obtém os minerais ou ficam com patrocinado-
res da empreitada, forma de atuação conhecida como garimpeira(o) ‘fornecida(o)’. Mas
o que move a maioria das(os) garimpeiras(os) aos garimpos é a chance de negociar os
minerais com os compradores estrangeiros temporariamente instalados no território.
Assim se dá a mediação com demandas do mercado de joias e da indústria de transfor-
mação que produz os bens de consumo cujos insumos são os minerais locais.
As menções das escolhas sociotécnicas foram fundamentais para provocar o
diálogo sobre as circunstâncias da interação com o garimpo como entidade que atrai
601 e repele. A maior parte de minhas experiências aconteceu com garimpeiros durante
atividades de campo da arqueologia preventiva, quando aproveitei os momentos de
deslocamento para dialogar sobre o garimpo, já que sempre estávamos nos caminhos da
mineração artesanal. As atividades para o doutorado também foram desenvolvidas com
conversas e visitas técnicas, porém, apesar de ter visitado garimpos não acessados em
investidas da arqueologia preventiva, as tarefas específicas para minha pesquisa acon-
teceram na maioria das vezes com interlocutores em diversos povoados e nas sedes de
Gentio do Ouro e Xique-Xique, inclusive com quem não era garimpeira(o) (ver síntese
no Quadro 1).

Quadro 1: Dados sobre interlocutores


ANO DE LOCAL DA RELAÇÃO COM O GARIMPO E
INTERLOCUTOR (A)
NASCIMENTO HABITAÇÃO OUTROS OFÍCIOS

A. 1968 Sede de Xique-Xique Ex-garimpeiro e comerciante

1935-2017 Santo Inácio, Gentio Garimpeiro e artífice de estruturas


C.
(falecimento) do Ouro de pedra em junta seca
Calado, Gentio do Garimpeiro, agricultor e criador
D. 1958
Ouro de animais
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Santo Inácio, Gentio


G. 1930 Ex-garimpeira
do Ouro

Buriti, Gentio do
J. 1979 Garimpeiro
Ouro

Santo Inácio, Gentio


JE. 1984 Garimpeiro
do Ouro
Santo Inácio, Gentio
JO. 1963 Garimpeiro
do Ouro
Gameleira do
L. 1983 Assuruá, Gentio do Garimpeira
Ouro

Pedra Vermelha,
NC. 1967 Garimpeiro, calceteiro e pescador
Gentio do Ouro

O. 1925 Sede de Xique-Xique Viúva de garimpeiro


Santo Inácio, Gentio Garimpeiro, agricultor e criador
V. 1955
do Ouro de animais
Fonte: Autor (2022).

O estabelecimento da(o) garimpeira(o), categoria social rural-urbana predo-


minante no território garimpo, é dado por fruições com práticas tradicionais e manuais
de extração mineral, contrapostas aos discursos apoiados no pensamento racional que
considera sem sofisticação as técnicas empregadas no seu modo de produção, o que leva
aos baixos ganhos (para discussão ver RIBEIRO; LEANZA, 2006).
Na próxima parte do artigo, discutirei tais condições com base nos estudos sobre
mineração artesanal na arqueologia brasileira para verificar contribuições à interpretação
dos modos de ser do garimpo. Em seguida apresentarei as principais etapas do processo de
garimpagem. Por fim, irei propor reflexões acerca do estudo de um garimpo para tratar dos
termos da territorialidade local. 602
GARIMPOS, SUAS COISAS E GARIMPEIRAS(OS) NOS ESTUDOS
ARQUEOLÓGICOS

As publicações relevantes para aproximações com a realidade local de garim-


pos partiram de perspectivas etnoarqueológicas sobre práticas manuais de extração
mineral, algumas tendo sido indicadas como tecnologias não capitalistas. Essas abor-
dagens evidenciaram modos de ser através de genuínas formas de atuação conduzidas
por conhecimentos tradicionais, aplicáveis ao estudo do território da Chapada Velha.
Em tal linha de pesquisa, os olhares se concentraram nas materialidades
pouco pesquisadas e que foram chamadas ao debate a partir de tendências da ar-
queologia simétrica (BEZERRA, 2017; QUEIROZ, 2022b; RIBEIRO, 2013, 2015;
SCHIMIDT, 2018). A relevância de tais abordagens está na maneira de considerar
a realidade local a partir dos diferentes entes e suas interações com o garimpo e es-
paços vinculados à atividade mineradora. Nesse direcionamento evidenciam como o
passado é presente no modo tradicional e manual da extração mineral, como objeto
de soluções para manter a produção ativa, burlando a repressão imposta à sua clan-
destinidade. A contribuição dessa via está também nas constatações sobre a violência
simbólica da materialidade expressada com as mazelas disseminadas pela moderni-

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dade que apoia a apropriação de territórios para beneficiar apenas os interesses de
acúmulo de capital.
Com reflexões que discutem distintas visões sobre a mineração artesanal em
Diamantina/MG, Loredana Ribeiro (2013, p. 161-163, 2015, p. 13-15) indicou que
as soluções para manter a extração mineral ativa são oriundas do empoderamento e
inovação direcionados por garimpeiras durante o desenvolvimento de suas habilidades
mesmo diante de eventos de dominação patriarcal massiva, ou seja, no enfrentamento
dos ideais do modo de produção capitalista que promovem a marginalização social do
garimpo.

[...] partindo da experiência de mulheres garimpeiras que eu falo sobre a resistência de


comunidades como a de São João da Chapada à colonialidade, portanto ao capitalismo, e
sobre a importância aglutinadora do garimpo braçal na existência e persistência desses cole-
tivos sob a modernidade (RIBEIRO, 2017, p. 3).

O argumento de Ribeiro potencializa o reconhecimento das narrativas locais,


que oportunizou reconhecer na garimpagem o cooperativismo e a reciprocidade, vir-
tudes da resistência do “garimpo de mulheres” à dominação capitalista, com base na
perspectiva feminista sobre a extração de ouro e diamante do século XX (RIBEIRO,
2015, p. 13-20; 2017, p. 8-10).
O modo de vida garimpeiro que refuta discursos pejorativos que marginali-
zam o garimpo também foi verificado por Márcia Bezerra (2015a, 2015b, 2017) nos
estudos feitos em Curionópolis/PA, acerca de particularidades do extinto garimpo de
Serra Pelada, também com base na perspectiva etnoarqueológica.
Visões das coisas do passado que se mantêm ativas no presente, quando foca-
das no envolvimento cotidiano com o garimpo e por meio da visão de garimpeiras(os),
contribuem para desvelar sentimentos e ações que acontecem tanto nos locais de trabalho
quanto nos espaços de lazer e habitação (RIBEIRO, 2014; SCHIMIDT, 2018). A lição
603 que temos com tal referência é que a abrangência espacial para além do garimpo como
área fonte é fundamental de ser abordada ao admitir que há no modo de vida garimpei-
ro relações provenientes de sua territorialidade que vinculam distintos espaços.
Apartados do caminho de investigação restrito aos materiais dos sítios de mi-
neração, esses estudos partiram da construção do conhecimento com comunidades
garimpeiras, mas sem se afastar da materialidade do garimpo, o que permitiu desvelar
experiências locais, entre outras coisas que difundiram relações idiossincráticas e exito-
sas de rendimento através da extração mineral (BEZERRA, 2015a; RIBEIRO, 2009,
2014, 2015). É um caminho de pesquisa útil para desvelar modos de ser particulares
que permitem romper distorções da realidade local ao apontar as possibilidades de viver
das práticas tradicionais indiciosas para a compreensão de um território.
Por meio dessa linha de pesquisa, Ribeiro (2009, p. 11, 18-19 e 49-65) discu-
tiu sobre as etapas de trabalho do garimpo tradicional com base nas tomadas de deci-
são que são frutíferas de serem investigadas do ponto de vista do processo social que
abrange conhecimentos, habilidades e técnicas, empregados para a extração mineral.
O resultado desse encaminhamento foi a compreensão das mudanças e continuidades
que sustentaram a atividade mineradora manual e de baixa escala (RIBEIRO, 2014).
Tais pontos de vista direcionam formas de apagar borrões do conhecimento da
mineração artesanal, conforme observamos nas questões da convivência em que se dá o per-
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manente ordenamento do garimpo a partir de decisões que beneficiam os coletivos detento-


res do conhecimento sobre os remanescentes materiais da extração mineral. Na perspectiva
feminista de Ribeiro (2013, p. 10 e 14-17), a desenvoltura dessa visão é relativa à ponderação
da resistência das garimpeiras que criaram meios para continuar extraindo minerais, mesmo
sob as repressões que conduzem à ilegalidade da garimpagem que elas desenvolvem.

É o trânsito que mulheres e crianças têm entre as formas de garimpos, trânsito que homens
adultos não parecem ter, que faz com que haja reciprocidade entre elas. Tal constatação já
sugere que a ação de mulheres e crianças na continuidade de uma tecnologia tradicional-
mente perspectivada como masculina precisa ser reconsiderada. O discurso dominante e
androcêntrico sobre as experiências da mineração teima em invisibilizar a participação de
mulheres e crianças nas economias mineradoras e seu trabalho tanto no ambiente doméstico
quanto no contexto extrativo propriamente dito (RIBEIRO, 2015, p. 11).

Tal dimensão da experiência humana incorporou modos de agir peculiares a


um saber fazer renovado que abrange a genuinidade da atuação de mulheres e crianças,
percebido com o rigor da participação da pesquisadora nos eventos estudados.
O estudo de Bezerra (2015b, p. 222) põe em evidência a importância da minera-
ção do ouro na vida dos envolvidos com o garimpo ao se apoiar nos postulados da depen-
dência de Hodder (2012). Garimpeiras(os) de Serra Pelada ressaltaram a alta relevância do
trabalho realizado no garimpo, como parte inseparável da vida. Em diferentes pesquisas,
observei o quanto é inerente aos coletivos de garimpeiras(os), como outros também vin-
culados a práticas extrativistas (QUEIROZ, 2022a, 2022b), a interação tão íntima com
as coisas e os espaços relacionados com suas atividades diárias. Para Bezerra (2017, p. 74),
os atuantes de Serra Pelada perderam parte da vida com a extinção do garimpo.

Carteiras amareladas, pedaços das escadas dos barrancos, solas de kichutes, fragmentos de
picaretas e bateias, fazem parte de coleções biográficas mantidas pelo que nelas há de indivi-
dual, de vida vivida de cada um, e de coletivo, porque atuam como amálgama de histórias 604
narradas por um sentimento de nostalgia que se con(funde) com a reivindicação de seus
direitos mais humanos, e na qual a centralidade dos objetos revela que as coisas constroem
as pessoas (BEZERRA; RAVAGNANI 2013, p. 355).

Com o encerramento do trabalho no garimpo de ouro, a identidade garimpei-


ra se manteve através da materialidade. Nas menções do ser do garimpo compreende-
mos que está agregada à comunicação simbólica da materialidade na atração manifes-
tada pelo ouro, que levou muita gente a se tornar parte do garimpo enquanto se afastou
de suas origens e família (BEZERRA, 2015b, 2017). O desapego com o local do nativo
é relativo à humilhação repercutida pelo fracasso. Mas o desfecho pouco rentável ou
os gastos exorbitantes não impediam manter a vida na exploração mineral e reforçou a
identidade garimpeira, evidenciada pelas coisas do garimpo, inseparáveis ou estrategi-
camente preservadas como prova dos direitos de lavra (BEZERRA, 2015a, 2017).
No tocante à Chapada Velha, as circunstâncias das relações de garimpeiras(os)
e alguns habitantes locais com os espaços e coisas do garimpo foram analisadas dentro da
arqueologia da mineração, no âmbito de projetos de arqueologia preventiva desenvolvidos
pela Zanettini Arqueologia (2014, 2015, 2016), e do ponto de vista da etnografia arque-
ológica em meu doutorado desenvolvido neste campo de estudo (QUEIROZ, 2022b).

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As abordagens mais produtivas da arqueologia preventiva trataram garimpos de
diamante, carbonado e quartzo com o foco nas particularidades da mineração artesanal
local e relações território afora (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2014, 2015, 2016).
Outras análises difundidas nos mesmos garimpos de quartzo, e em alguns deles antes não
pesquisados, foram disseminadas através da visão focada apenas nas porções dos sítios
arqueológicos, inclusive do período contemporâneo (PRESERVAR ARQUEOLOGIA
E MEIO AMBIENTE, 2021a, 2021b; SAPIENS ARQUEOLOGIA, 2020, 2021). As
contribuições dessa última linha de pesquisa são oriundas dos relatos de garimpeiros que
indicaram áreas apenas sondadas para buscar minerais como parte do território garimpo.
Em abordagem etnográfica, David Cleary (1990) identificou na robustez dos
garimpos do oeste do Maranhão e do Pará a abundância de peculiaridades. O autor
considerou importante refletir acerca de experiências de outros locais para tratar os
problemas da garimpagem aurífera na Amazônia.

O estudo de Cleary nos ajuda a compreender dois fatores básicos: primeiro, que o garimpo
constitui-se em um interessante campo de estudo e que é possível estudá-lo; e segundo, que o
estudo das populações garimpeiras exige uma especificidade e consequente reelaboração dos
instrumentos metodológicos de pesquisa. Acrescento ainda que cada garimpo, a depender
principalmente do mineral extraído, das formas de extração e do tempo de existência, exige
um instrumento metodológico diferenciado; e a concepção desse instrumento deve ser elabo-
rada em campo a partir dessas especificidades (GUANAES, 2001, p. 74).

Para a análise da territorialidade por meio das formas de exploração dos dia-
mantes e quartzo, a referida advertência me provoca a incorporar as singularidades
locais e influências da comercialização provenientes das demandas desses minerais
como bens de consumo. No que tange ao estudo do território formado por meio da
mineração artesanal, as referências das técnicas de garimpagem e desejo de viver como
garimpeira(o) fornecem caminhos para entender o jeito de conceber porções territoriais,
605 por isso devem ser incluídas na análise do território garimpo.
DOS CAMINHOS AOS MINERAIS NAS MÃOS

Para a compreensão da tecnologia do garimpo, durante as conversas com


garimpeiras(os) provoquei diálogos visando abordar ações de minerar o carbonado, diaman-
te e quartzo, me valendo da abrangência de interações dos conhecimentos e práticas com
situações da vida relacionadas à sequência de atividades extrativistas, cruciais ao desenvolvi-
mento da produção. Para tanto, adotei a concepção do sistema tecnológico como processo
que envolve habilidades técnicas, sociabilidade e simbologia (LEMONNIER, 1992).
A fim de adentrar na descrição das etapas da garimpagem, menciono algumas
percepções sobre a mineração artesanal através das vozes de garimpeiras(os). O prin-
cípio é reconhecer as formas de ser do garimpo baseadas no trabalho, aludido pelos
interlocutores como a lógica da vida local. Segundo a garimpeira L. (2018), o principal
significado está alicerçado no achado dos minerais:
“É legal é pegar as pedras. É a melhor parte. Que a gente não dá nem vontade
de comer se tiver com fome. Ah, é bom demais! Mas quando a gente tá só trabalhando
sem pegar é ruim. A gente desmotiva, né. É isso. Garimpo é isso”.
O achado dos minerais, mesmo que não leve a enriquecer, põe em evidência
o compartilhamento desses momentos, até mesmo quando apenas os veios são identi-
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ficados. Diversos interlocutores mencionaram com boas lembranças o alvoroço de tais


instantes, o que permite considerar a relação de conquista com o garimpo.
Há habitantes locais que não acreditam na obtenção de minerais, o que, para o
garimpeiro JO. (2015), leva a uma impossibilidade do garimpo porque eles “[…] não têm
confiança que vão encontrar [minerais]. Muita gente diz que procurar o que não guardou
é a coisa mais difícil do mundo”. É evidente que a aptidão de garimpeiras(os) tem base na
confiança, um dispositivo central da extração mineral, mas é consolidada pelos conheci-
mentos tradicionais, aplicados com métodos extrativistas exitosos. Na certeza dos achados
é perceptível o significado do triunfo, uma concepção que alia as práticas tradicionais de
garimpagem ao sustento ou enriquecimento. É onde se situa também o rigor inseparável
da vida no garimpo, conforme expressado pelo ex-garimpeiro A. (2015): “Eu fui ser ga-
rimpeiro mesmo, trabalhando, cavando as catras, né, profundas, pra tentar sobrevivência
lá. E foi assim uma experiência maravilhosa em minha vida”.
Existem deferências à condição do garimpo como provedor da vida quando
são ressaltadas suas atitudes, a princípio, como um ente permissivo aos ganhos de
seus interagentes e, por fim, castigador quando há descontrole com os rendimentos.
Para o garimpeiro NC. (2015), os gastos exorbitantes são considerados um mau com-
portamento que leva a uma perda de tudo o que foi conquistado: “Porque o garimpo
dá e toma. Quem não souber se manter [...] com o que ganha, então [o garimpo]
toma de volta”.
No diálogo dos garimpeiros D. e V. (2015), ficou evidente a ideia de que o
garimpo também pune quem desconhece o valor monetário dos minerais:

D.: E aqui, Luiz, o garimpeiro também não sabia vender. Achava que tava... / V.: Que
tava ganhando muito dinheiro. / D.: Que tava sendo bem vendido. Eu fui levar um pessoal
de, de Xique-Xique uma vez, V., de irmão de Gildo e Gildo também. / V.: Sei. / D.: Aquele
magrinho [...]. Aí cheguei na casa dele, ele comprando a cerveja. Ele vinha com a cerveja era
aqui assim, ó, nos braços. Pode deixar, se quebrar eu compro mais. Jogava o dinheiro fora,
né. / V.: Jogava fora. / D.: Já tava rico, né. / V.: É. 606
No intervalo de tempo de localização dos minerais, o garimpo age com sua
natureza da dureza e complexidade estratigráfica, mas depois continua ativo na vida de
garimpeiras(os) porque é, de forma concomitante, o protagonista da confiança de mais
rendimentos e aplica castigo exigindo mais trabalho após as “gastanças”.
As percepções da dificuldade dos achados se relacionam com a ação básica de ca-
minhar para o garimpo. Conversava com as(os) garimpeiras(os) sobre o tempo de acesso às
áreas fonte em um dos maiores deslocamentos que realizamos, na Fazenda Laranjeiras, na
fronteira entre Gentio do Ouro e Xique-Xique, quando o garimpeiro JE. (2016) mencionou
a autoproteção do garimpo que esconde a posição dos minerais, o que exige insistência de
quem garimpa. Correlacionou essa situação à minha obstinada intenção de visitar garimpos.
A corriqueira forma de deslocamento a pé para tantas atividades é algo es-
sencial da mobilidade garimpeira, conforme exponho no trecho da conversa com o
garimpeiro V. (2016):

Todos os garimpos que a gente ia era com caminhada [...] a pé ou então de animal. As coisas,
a feira que a gente levava era nas costas. Porque não entrava carro. Não tinha estrada de
carro. Quando não tinha animal, que [na via] não passava animais, levava as coisas nas
costas. E a animação do garimpo é essa, que a alegria que a gente tem é de trabalhar e pegar

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o metal, né. Você pegou ali, você já diz, eu tô com o dinheiro na mão.

Ao andar e dialogar tanto com garimpeiros compreendi que o ato de caminhar


é um dos elementos vinculados ao cotidiano da atividade mineradora que propicia o de-
senvolvimento das percepções espaciais, e essas são associadas principalmente à localiza-
ção dos garimpos por relações de atração. A essência disso está na situação de centralidade
entre garimpos e núcleos de povoação que têm em suas vias de acesso as interações entre
as coisas e habitantes locais. É comum agregar as vias produzidas por ações de outros
entes que não são humanos, por exemplo, o uso de extensos lajedos e ‘carreiros’ (Figura
2), esses últimos caminhos trilhados na mata densa por animais, principalmente o gado.

Figura 2: Trecho de caminho marcado por carreiro


607 Fonte: Acervo do autor (2016).
Há estradas (Figura 3), cuja construção é atribuída ao tempo da exploração
mineral no século XIX, feita com rochas endógenas onde transitam veículos motori-
zados entre povoações, balneários e garimpos. Mesmo sem a posse de automóveis ou
motocicletas, essas vias sempre foram utilizadas pela maioria dos habitantes locais nas
jornadas a pé ou com animais.
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Figura 3: Trecho da estrada pavimentada com rochas locais, entre Sapé e Gameleira do Assuruá
Fonte: Zanettini Arqueologia (2014).

O fazer território através das andanças é claro quando se discute a organização


espacial dos garimpos da Chapada Velha, por exemplo, no que concerne às decisões de
construir espaços de repouso (Figura 4), cujo uso ajuda no descanso necessário para
voltar ao trabalho e manter a posse ou exploração de filões. Importante considerar
o costume de exploração dos garimpos sem a obtenção da propriedade por única(o)
garimpeira(o) ou coletivo como um fator permissivo ao aproveitamento da localização
dos minerais, algo que exige a quem identifica um veio permanecer na área fonte para
não perder ou dividir o que encontrou. É impossível executar tal proteção quando há
a necessidade de voltar para o lar, principalmente nas caminhadas excessivas, o que
condiciona o espaço do garimpo como habitação temporária.

608
Figura 4: Cômodos criados com meias-paredes de pedra em vários garimpos
Fonte: Zanettini Arqueologia (2014); Queiroz (2022b, p. 282).

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A liberdade de acesso aos filões nos garimpos é uma peculiaridade de sua rela-
ção com garimpeiras(os), mas requer tanto a destreza da retirada dos minerais quanto a
resistência no seguimento do trabalho para não perder parcelas ou a totalidade do veio
com a ação de quem souber da localização de tal estrutura geológica e avançar com a
extração. Isso levou o garimpeiro J. (2018) a manter firme a escavação em uma ‘catra’
no garimpo Pintor, conforme me contou:

Pegamos uma pedra aqui de 20 quilos. […] Já dando na água. Aí eu ranquei ela. E já tinha
outro pessoal na frente. Já colocou a alavanca. Só que eu peguei tomei a frente pra eles não
pegar a pedra. Senão eles já queriam pegar pra me tomar. E eu peguei, protegi com a alavanca
e meti a mão e puxei a pedra.

Na análise das práticas de deslocamento por meio da materialidade, verifiquei


que os conhecimentos se consubstanciam pelas imagens e narrativas dos trajetos. Jovens
garimpeiros que auxiliaram a pesquisa arqueológica afirmaram que não conheciam
pessoalmente vários dos trechos de mata onde havíamos trabalhado, identificando-os
ao ter contato com estradas de pedra, porções da mata e balneários tão narrados por
seus conterrâneos, inclusive quem não garimpava.
O uso dos caminhos estabelecidos para a extração mineral em outras ati-
vidades levou muitos habitantes a conhecer componentes dos garimpos durante seus
afazeres cotidianos. O engajamento no território garimpo tem essa particularidade da
interação das coisas e habitantes dos povoados formados pela influência da mineração
artesanal, inclusive para a atividade predominante nos garimpos que requer primeiro
encontrar jazidas. Os locais onde se concentram minerais são identificados não apenas
durante prospecções garimpeiras, mas também em tarefas de coleta de frutos, raízes e
cascas de árvores, caça, aprovisionamento de madeira, idas a balneários, e, conforme
vivenciei, na realização de trabalhos de licenciamento ambiental. Essa última atribui-
609 ção, que aportou na região a partir de 2010, levou garimpeiros a andar em ‘limpeiros’,
espaços desconhecidos dentro ou fora dos limites dos garimpos, ou seja, onde não há
sinais de minerais ou da passagem de habitantes locais (Figura 5). A incorporação dos
‘limpeiros’ ao território é uma notória medida de abrangência espacial das áreas de
mata densa ao espaço de vivência, mesmo em seu isolamento devido à ausência de
contato cotidiano.
É perceptível que há relações dos deslocamentos com as práticas de extração
mineral desde a identificação das jazidas minerais, mas o maior motivo é a localização
dos garimpos, que exige caminhadas por porções do território que são incorporadas aos
núcleos de povoação no contato diário para alcançar a área fonte de minerais. Portanto,
a construção do processo de extração mineral tem nos caminhos a primeira atividade,
desenvolvida pela atração do ambiente que os circunda.
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Figura 5: Área desconhecida por habitantes locais


Fonte: Acervo do autor (2016).

Na Chapada Velha a atividade mineradora acontece no leito de cursos d’água,


fundos de vales, encostas e topos, com distinção para a execução das cavas a céu aber-
to ou criação dos túneis, ‘catras’ ou ‘grunas’, respectivamente, como são localmente
conhecidas as cavidades de extração mineral. Levando em conta a possibilidade da
execução individual, vou me concentrar na abertura de ‘catras’ e utilização do leito de
cursos d’água com o ‘rebaixo’.
Essa última estrutura, específica para a cata do carbonado ou diamante, é
uma espécie de canalização feita nas margens de um curso d’água com paredes de pe-
dra, através da técnica de junta seca. As ‘catras’, que podem servir à procura de todos
os minerais dos garimpos locais, têm dimensões finais nos limites naturais dos veios e
rocha matriz. 610
Em relação à jazida mineral do carbonado, diamante e quartzo, a identifica-
ção acontece desde a superfície, quando é visualizado um ‘manchão’, rocha com traços
geológicos de uma camada sedimentar que contém os referidos minerais procurados.
Também é comum denominar ‘informação’ ou ‘formação’ de um veio, uma referência
da comunicação que o garimpo mantém com seus interagentes.
Em seguida, é realizada a prospecção em busca do filão, através da abertura
de uma cavidade, denominada ‘sondagem de garimpeiro’. Alavanca, enxada, bateia
e peneira (essa última apenas para diamantes) são os únicos instrumentos utilizados
neste momento. O êxito com os achados leva à continuidade da escavação, que torna
a sondagem uma ‘catra’. Já a ausência de minerais pode motivar a realização de outra
sondagem nas imediações. A confirmação da inexistência dos minerais procurados leva
garimpeiras(os) a alcunhar o local como ‘limpeiro’ e abandonar a cavidade sem preen-
cher seu conteúdo com o sedimento dali retirado. As dimensões de cada tipo de cavi-
dade são notórias, com sondagens limitadas a 1,5 m² na ‘boca’ (parte superior, borda),
e profundidade menor do que 2m.
As áreas onde foram realizadas apenas sondagens chamam a atenção para
o abandono e intensidade da exploração. Uma condição bem compreendida pela ga-
rimpeira G. (2017), que afirmou: “Peguei muito mesmo. A gente trabalhou muito e

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também sofreu muito porque a gente vai caçá o que não guardou, né”. Novamente uma
alusão à dureza do trabalho dispendido como prerrogativa para vencer na vida, o que
ressalta como as coisas do território são expressas nas relações de posse, mas também
estão vinculadas às dificuldades e incertezas da localização dos minerais.
Quanto ao trabalho principal da extração mineral, para a escavação das ‘ca-
tras’, foram indicadas dimensões mínimas de 2m na ‘boca’ e profundidades variadas.
Tive a experiência de observar a prática manual da execução da extração mineral com
a encenação que V. realizou para exemplificar o desmonte da camada sedimentar em
uma ‘catra’, ao aproveitar uma das cavidades que foi aberta para o trabalho de resgate
em um sítio arqueológico. O mais interessante da explicação dele foi a identificação da
camada de areia pegajosa, que indica a chegada no sedimento que contém diamantes,
no contato com o lençol freático.
Os mesmos instrumentos de abertura das sondagens são recorrentes para es-
cavar ‘catras’ no momento de seguir o alinhamento do veio. Nessa etapa as paredes da
‘catra’ devem ser consolidadas com arrimos, para evitar o colapso de camadas sedimen-
tares expostas que levariam ao preenchimento do buraco e sobreposição do filão. Tam-
bém podem surgir rochas de grandes dimensões, do tamanho de calhaus e matacões.
Para avançar entra em cena o ‘marrão’, marreta de grande porte usada para quebrar
rochas de tamanhos diversos. A fragmentação desses matacões não é considerada ape-
nas uma triunfante passagem por um entrave qualquer, mas também a possibilidade de
obter minerais incrustados nelas.
O sedimento, cascalho e parcelas da destruição das rochas maiores são retira-
dos da cavidade com a bateia (espécie de bacia feita de metal) ou o ‘bogó’, um tipo de
balde feito com borracha de pneus ou pedaços de lona. A tarefa conta com a ajuda de
uma estrutura denominada ‘sari’ (Figura 6), que é composta por três troncos resistentes
que formam um carretel para elevar o ‘bogó’. O ‘sari’ fica posicionado nas imediações
da ‘boca’ da ‘catra’.

611
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Figura 6: Paus de sustentação e haste do sari no garimpo Morro Rico


Fonte: Acervo do autor (2015).

No desenrolar da ação, pode haver a divisão das tarefas entre sócios ou a re-
alização de forma individual. Quando há a atuação em grupo, a perseguição ao filão é
desenvolvida ininterruptamente, através do revezamento, o que requer o uso dos cômo-
dos feitos para o descanso.
O cascalho já pode ser averiguado enquanto é reunido dentro da ‘catra’, mas
o trabalho mais refinado acontece na superfície, momento de separar esses minerais do
bojo dos sedimentos revirados. A partir daí há distinção do que ocorre para o carbona-
do e diamante e para a retirada do quartzo.
Cristais de quartzo são por fim coletados na inspeção das ‘montoeiras’, onde os
amontoados de sedimentos, calhaus e cascalhos são organizados na superfície. O exame é
feito ao espalhar o sedimento com a enxada.
Uma atividade que deixou de ser realizada é o parcelamento dos cristais de
quartzo, cuja redução era feita através de percussão com o ‘martelinho’ de garimpei-
ro. Como resultado, ficavam marcadas áreas de beneficiamento nas proximidades dos
recantos de descanso, com concentrações de rejeitos do desbaste do córtex das rochas,
feito para obter blocos puros ou lascas de quartzo (Figura 7).

612
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Figura 7: Lascas e estilhas de quartzo, resultantes da percussão em seixos no garimpo do Cumbão
Fonte: Zanettini Arqueologia (2014).

Após a verificação da ‘montoeira’, os materiais descartados ficam posicionados


em pilhas de estéril. A posição dos rejeitos nem sempre é a mesma do local original da
‘montoeira’, pois em casos de intensa exploração do garimpo, esse material pode ser des-
tinado a porções já trabalhadas e inclusive com a estruturação de arrimos com rochas
locais para manter a segurança das imediações e possibilidade de manter a atividade
em outras cavidades.
O momento da extração do carbonado e diamante na superfície pode ser feito
a partir de dois métodos que requerem equipamentos e instrumentos de refino distintos
do que acontece com o quartzo. A singularidade é decorrente do diminuto tamanho
dos diamantes, o que exige elevado cuidado na separação dos sedimentos.
Um dos métodos envolve o peneiramento com distintas malhas, em que os fu-
ros e espaços entre eles servem para a redução gradual do material sedimentar. A tarefa
tem o auxílio do ‘esmeril’, o cascalho mais fino reunido no ‘paiol’ (Figura 8), estrutura
circular feita com a justaposição de pedras, entre 15 e 25 centímetros, volumosas o su-
ficiente para amparar o pequeno monte de sedimento.

613
Figura 8: Registro de um paiol do garimpo Tanto Queira.
Fonte: Zanettini Arqueologia (2014).
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A etapa de peneiramento começa com a ‘suruca’ (Figura 9), cuja malha mais
espessa serve para separar os calhaus. Em seguida é usada a ‘rebaixadeira’, que separa o
material fino do cascalho médio. A terceira é o ‘ralo’, peneira que faz outra redução do
cascalho fino. E a quarta e última, que tem a malha mais reduzida, é apenas conhecida
como ‘fina’ (Figura 9) e é usada ao fim dessa etapa, que pode ocorrer na ‘lavandeira’,
uma estrutura erigida com paredes de pedra ou estruturada em um buraco feito na
rocha, com a dimensão da borda um pouco maior do que a peneira. A cavidade é pre-
enchida com água para ‘lavar’, apurar o material sedimentar com o peneiramento de
diferentes malhas até reunir o ‘esmeril’, o cascalho mais fino.

Figura 9: Fragmentos da peneira suruca e a fina por completo. Acervo arqueológico do sítio Saltão III
Fonte: Zanettini Arqueologia (2016); Queiroz (2022b, p. 212). 614
O outro método da extração do carbonado e diamante acontece com a utili-
zação do ‘rebaixo’. O expediente consiste no aproveitamento do fluxo d’água em leito
de riachos e drenagens durante as últimas sessões de peneiramento, a fim de gerar mais
agilidade e menor esforço para separá-los do cascalho mais fino.
Há outras estruturas comuns a ambos os métodos. Uma delas é a ‘secadeira’, área
destinada à secagem do que é peneirado na água. Outra é a ‘passadeira’, espécie de esteira em
que é espalhado o ‘esmeril’ que recebe a ação de um pedaço de pau para efetuar a separação
de sedimentos. Nesses equipamentos a exposição do carbonado e diamante ainda exige olhos
bem treinados para sua identificação. Mas há como obter resultados no peneiramento e des-
considerar o auxílio de ambas as estruturas, ao concentrar a finalização da extração no ‘pinhão
da peneira’, porção de cascalho fino que atravessa a malha. Um pico é formado ao emborcar a
peneira. Ao virá-la, é revelada a posição em que ficam situados carbonados e diamantes devido
ao seu escorregamento para o fundo da peneira com o movimento e fluxo da água.
No garimpo permanecem evidências sutis dessa etapa. Pude verificar algumas
delas em estado de baixa conservação, por exemplo o ‘burgalhau’, rejeito do penei-
ramento do cascalho fino para a extração de carbonado e diamante. Ele diverge do
‘esmeril’ pela dimensão do sedimento, que não fornece condições de manter-se como
um monte. ‘Esmeris’ e a pilhas de estéril permanecem com maiores propriedades da

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dimensão e volume de sua origem.
As mãos de garimpeiras(os) ficam pouco tempo cheias dos minerais que são
negociados, sejam eles guardados em ‘picuás’ (pequenos recipientes, geralmente de for-
mato cilíndrico e usado para transportar carbonado ou diamante) ou na formação de
‘lotes’ (conjunto de rochas reunidas pelos estímulos dos compradores). A dinâmica do
garimpo local tem no momento da negociação o encerramento da presença dos mine-
rais, já que a partir daí é feito o transporte da produção para fora do país.

COMPORTAMENTO DOS GARIMPOS DA MANGABEIRA

A abordagem de campo que difundi através da etnografia arqueológica teve


como fator facilitador a companhia constante de garimpeiros, contratados como auxilia-
res de campo, o que proporcionou aproximação com a mobilidade garimpeira, conhecer
caminhos e observar a associação das áreas de extração mineral com os povoados. A loca-
lização do perímetro dos vários empreendimentos em estudo dentro da Serra do Assuruá,
em porções de Gentio do Ouro e Xique-Xique, é outro motivo que agregou oportunida-
des de contato com o território garimpo. Em 2014 vivenciei ações com garimpeiros nesse
espaço, com base no tempo de vida local, quando acampamos para realizar o resgate de
vários sítios arqueológicos. Nessas atividades me desloquei na localidade da Mangabeira,
antes da construção das vias transitáveis por automóveis, o que exigiu longos intervalos de
tempo nas jornadas pelos caminhos dos garimpos da Serra do Assuruá.
A Mangabeira, porção da Chapada Velha que abrange parcelas da fazenda homô-
nima localizada na Serra do Assuruá, tem relevo diverso, desde áreas com bastantes desní-
veis abruptos, às extensas planícies, que abrigam povoados, caminhos e garimpos existentes
desde o século XIX. Seus garimpos de diamante e quartzo estão situados no ponto nevrál-
gico da mineração artesanal da Chapada Velha, em um longo vale, onde há evidências dos
séculos XIX e XX que auxiliam na interpretação da territorialidade garimpeira.
Quando no acampamento, compartilhei com garimpeiros histórias ao pé da
615 fogueira durante o preparo e consumo de refeições, práticas de uso da água, bebe-
deiras diárias e aproveitamento da disponibilidade de proteína e ervas medicinais do
local. Com base nessas ações cotidianas, tive contato com a relação entre garimpeiros
e as “coisas” levadas ao garimpo, que acontece com estratégias para manter reservas,
principalmente de alimentos. Assim, diferente da aproximação ocorrida somente pelos
diálogos acerca da extração mineral, tive a oportunidade de observar de forma mais
participativa circunstâncias domésticas do modo de vida garimpeiro.
A referida experiência permitiu perceber que garimpeiras(os) interagem, re-
correntemente, com o meio ambiente para além das atividades extrativistas. Em desloca-
mentos para os garimpos, foi perceptível que muitos locais destinados à execução de certas
atividades relacionadas à extração mineral são usados em outros fins.
Posicionar os garimpos em relação aos córregos, encostas, matas, balneários,
locais de caça, antigos acampamentos, áreas de habitação temporária e/ou assenta-
mentos de menor interrupção, é uma peculiaridade da territorialidade garimpeira na
Mangabeira que conta com coisas genuínas da produção local para estabelecer marcos
geográficos. Algumas delas são as divisórias entre terrenos formadas com cercas de pe-
dra erigidas pela junta seca, técnica de construção baseada no posicionamento apenas
dos materiais brutos, ou seja, sem a adição de aglutinantes. O uso de rochas endógenas
indica uma interação pelo aprovisionamento das coisas do ambiente local.
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Na Mangabeira há amplos terrenos de antigas propriedades sem divisas material-


mente estabelecidas, mas algumas localidades são limitadas pelas cercas feitas de pedra, que
ainda estão erguidas em seu local original. Algumas delas fazem parte do arranjo espacial da
Fazenda Mangabeira, conforme compreendi no diálogo com C. (2015), artífice responsável
por erguer cercas de pedra em atendimento ao pedido do proprietário, Benzinho, que deci-
diu implantá-las para impedir a saída do gado que havia sido adquirido junto com a compra
da propriedade. Não há relação dessas cercas com porções dos garimpos, mas a localização
destes é orientada por tais divisórias, consideradas pontos fundamentais das distâncias. Esses
locais, as ‘porteiras’ (Figura 10), são conhecidos por termos êmicos das localidades.

Figura 10: Porteira da Veredinha no vale da Mangabeira


Fonte: Zanettini Arqueologia (2015); Queiroz (2022b, p. 218). 616
As cercas de pedra não exercem quaisquer impedimentos para a passagem de
garimpeiras(os), pois atualmente, na Chapada Velha, não são conhecidas restrições para
o acesso aos terrenos onde estão localizadas as jazidas minerais. O que é costumeiro é
o pagamento ao proprietário pela extração dos minerais em caso de achados, em uma
proporção de 1/5 dos ganhos, expediente de compensação pelo uso das terras recorrente
nos garimpos clandestinos, conforme várias(os) garimpeiras(os) vivenciaram na Chapa-
da Velha e em outros territórios.
Outras estruturas feitas pela mesma técnica levam a pensar nas relações de
dentro e fora do território. Por exemplo, os arrimos das margens do riacho Mangabeira
e um ‘rebaixo’ construído no leito desse curso d’água (Figura 11). A construção desse
‘rebaixo’ nos anos 1990 foi informada pelo próprio criador, o já citado C. Isso possibi-
litou indicar que havia a garimpagem do diamante na Mangabeira no mesmo local da
cata do carbonado e do quartzo.

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Figura 11: Rebaixo e arrimos no vale da Mangabeira
Fonte: Zanettini Arqueologia (2015); Queiroz (2022b, p. 279).

Os muros de arrimo serviam para consolidar as margens após os trabalhos


de desmonte da camada sedimentar. Paredes menores de pedra eram feitas para criar
recintos úteis à reunião dos cascalhos que poderiam conter carbonado, diamante e
quartzo. Ao lado dessas estruturas, na parte plana da margem do riacho Mangabeira,
em meio ao refugo da tralha doméstica, foram identificadas muitas lascas de quartzo
e, pelos olhos atentos do garimpeiro J., um espécime de carbonado. A reunião dessas
coisas permite considerar a multitarefa daquele ponto específico da edificação do
‘rebaixo’ e estrutura de sustentação das margens do riacho, que nos convidam a per-
ceber, na diversidade da garimpagem na Mangabeira, as relações internas e de fora
do território.
É necessário entender que, além da extração mineral, outras tarefas produtivas
eram realizadas ali, por exemplo, o descorticamento dos seixos de quartzo, atividade de
beneficiamento do mineral que posiciona a Mangabeira em dois momentos da explora-
ção mineral. O mais recuado deles é o da obtenção de lascas de quartzo requeridas pela
617 indústria de lentes óticas no período entre as duas grandes guerras mundiais. O outro,
mais recente, corresponde às necessidades de abastecimento da indústria de eletroele-
trônicos, que adquire blocos descorticados.
Havia a busca do carbonado em toda a primeira metade do século XX e um
pouco depois disso, principalmente para atender à indústria especializada na fabricação
de ferramentas, perfuratrizes e demais equipamentos de escavação em grandes profun-
didades. A mesma tecnologia de extração do diamante era usada para sua obtenção,
mas não foi com a utilização do referido ‘rebaixo’, esse que é nosso contemporâneo. A
procura do carbonado na Chapada Velha deixou de existir após a criação do espécime
artificial desse mineral na década de 1950.
Estruturas de pedra seca, além de atuarem como mediadoras da mobilidade
garimpeira, também estão envolvidas na ambiguidade dos espaços de trabalho e des-
canso. Em abrigos do vale da Mangabeira, paredes de pedra serviam como barreiras aos
ventos constantes, propiciando recintos para o descanso (Figura 12). Na mesma área de
pouso poderia ser feito o peneiramento do cascalho mais fino, conforme compreendi
ao identificar algumas das peneiras em um abrigo na visita ao garimpo Tanto Queira,
vizinho à Mangabeira.
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Figura 12: Paredes de pedra erguidas para conformar espaço de descanso no vale da Mangabeira
Fonte: Zanettini Arqueologia (2016).

Pesquisas arqueológicas desenvolvidas para o licenciamento ambiental enfo-


caram na análise dos materiais frequentemente identificados nos garimpos de carbo-
nado, diamante e quartzo, gerando conhecimento sobre a espacialização e formas de
fixação peculiares dos espaços internos e fora da área fonte. O estudo do sítio arqueo-
lógico Saltão III forneceu noções da distribuição das coisas do garimpo que, quando
confrontadas com os diálogos com garimpeiras(os) e visitas a outros espaços vinculados
à mineração artesanal, ressaltam particularidades das práticas diárias de vida.
Alguns materiais permitem recuar o início da extração mineral nos últimos
vinte e cinco anos do século XIX, enquanto que a concomitância com o refugo do
passado recente (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2016) e a interpretação dos diálo- 618
gos com interlocutores, permitem indicar que o garimpo foi explorado até a década de
1990. Atualmente a extração mineral está interrompida, pois a maioria das fazendas foi
adquirida para a implantação de parques eólicos, tornando a atividade proibida.
Dentre as particularidades da fixação no local, é oportuna a perspectiva da
permanência do trabalho de garimpeiras(os) no passado contemporâneo. Os espaços
em discussão estão vinculados a Santo Inácio (povoação principal da Serra do Assuruá,
ativa desde o século XIX), assim como a povoados abandonados, áreas de banho e de
mata em que a caça e coleta de frutos, raízes e cascas de árvores agiam como atraentes
componentes emaranhados aos deslocamentos de garimpeiras(os) e demais habitantes.
A exploração do diamante, carbonado e quartzo nos mesmos locais repercutiu na for-
mação do registro arqueológico com a reunião de evidências cronologicamente separa-
das por décadas e de até um século.
Como o sítio Saltão III é abrangido totalmente pela área do garimpo, a in-
terpretação de sua ocupação contribuiu para os propósitos de averiguação da territo-
rialidade garimpeira. O cotidiano do garimpo foi examinado do ponto de vista dos
universos de ação e uso (alimentação; higiene pessoal, farmácia e toucador; trabalho e
cotidiano produtivo; e lazer e entretenimento), com base em 193 objetos identificados
de um total de 688 peças diagnósticas (ZANETTINI ARQUEOLOGIA, 2016). Re-
corro à análise distribucional tendo como ponto de partida, a constatação da utilização

Goiânia, v. 20, n.2, p. 599-626, ago./dez. 2022.


de materiais do cotidiano nas áreas de abrigo e extração mineral em mais de um século
no local. Duas áreas com concentração do referido refugo doméstico apontam para o
uso ordinário de objetos da cozinha, serviço de mesa, beberagens e medicamentos em
um mesmo local também requisitado para tarefas da extração mineral ou refino de
minerais. Dessa forma, conforme também compreendi ao verificar cenários congêneres
de outros garimpos (QUEIROZ, 2022b) há, além da intrigante profusão de ações co-
tidianas distintas em um mesmo local, a sobreposição de atividades rotineiras na área
destinada à extração mineral.
Deve ser compreendido que todo tipo de extração mineral no local se deu por
modos de agir corriqueiros, o que leva a pensar que haveria uma disseminação regular
das práticas. Mas não havia perenidade no garimpo, pois a cata dos referidos minerais
é mediada pelas oscilações das demandas da indústria e mercado de bens de consumo.
No tocante à extração do carbonado, é aceito que seu fim teria se dado após a
criação artificial desse mineral em meados do século XX. Porém, a etnografia arqueoló-
gica possibilitou refutar tal ideia. As narrativas garimpeiras indicam sua extração até o
último quartel do século XX. É um sinal da importância do vale da Mangabeira como
parte do território garimpo que abastecia a indústria, que permaneceu em busca dos
carbonados locais enquanto o espécime artificial desse mineral não lhe atendia.
Quanto à tralha doméstica e demais apetrechos cotidianos, destaca-se a
grande quantidade de objetos de consumo individual, tais como pratos, tigelas, fras-
cos de medicamentos e garrafas de bebida alcoólica (Figura 13). A presença deles no
registro arqueológico representa a dimensão da demanda de trabalho que requer a
atuação de um só indivíduo nos reduzidos espaços de uma cavidade. Nas conversas
com garimpeiras(os), também compreendi que atividades feitas de forma individual
por garimpeiras(os), configuram a organização das coisas transportadas ao garimpo
(instrumentos de extração mineral, utensílios domésticos e alimentos), considerando
deslocamentos a pé em caminhos longos, estreitos e em relevo ondulado. Essas são as
619 condições materiais da realização de diversas tarefas nas áreas de extração mineral,
tais como a elaboração de comida, realização de refeições e administração de medi-
camentos.
Goiânia, v. 20, n.2, p. 599-626, ago./dez. 2022.

Figura 13: Fragmentos de prato, cachimbo e garrafas de bebida alcoólica. Acervo arqueológico do sítio
Saltão III
Fonte: Zanettini Arqueologia (2016); Queiroz (2022b, p. 213).

Outro argumento do fator individual da mobilidade garimpeira é oriundo do


reaproveitamento dos objetos. Trata-se de um expediente das práticas diárias, identifi-
cado na reutilização de cacos de vidro em atividades de corte, conforme avaliação dos
sinais de lascamento em uma base de garrafa (Figura 14).

Figura 14: Partes do fundo de garrafa de vidro com marcas de lascamento. Acervo arqueológico do sítio
Saltão III.
Fonte: Zanettini Arqueologia (2016); Queiroz (2022b, p. 213). 620
Há dois significados da relação com as coisas do garimpo que ficam nítidos
para a territorialidade garimpeira diante do uso de poucos objetos e reuso dentro do
garimpo: a necessidade de portar volume e peso reduzidos; e a baixa variabilidade ou
parca posse de objetos cotidianos.
Quanto aos caminhos, a integração a partir deles é uma característica da mo-
bilidade no território garimpo, bastante abrangente ao modo de ocupar os povoados,
em um movimento rotineiro que aproxima da extração mineral quem frequentava as
imediações para fins diversos, tais como o aprovisionamento de lenha e lavagem de
roupas. Ações como essas eram frequentemente realizadas pela senhora O. (2016), que
observou muitas vezes garimpeiros “lavando” o sedimento. A Mangabeira também
atraia habitantes dali para coletar mangaba, que, por exemplo, era atividade das com-
panheiras e filhos dos garimpeiros de Santo Inácio. Assim, diferentes participações no
enredo da mineração artesanal posicionaram corpos, coisas e caminhos entrelaçados
nos deslocamentos para fins diversos, que tinham nos garimpos e povoações os pontos
extremos.
Tais instantes da paisagem garimpeira, perceptíveis nos componentes que ca-
racterizam os garimpos da Mangabeira, são dignos do elevado conhecimento do am-
biente e da criatividade atestada pelo posicionamento das centenas de ‘catras’, abrigos

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utilizados para descanso, amontoados de rejeitos, restos de peneiras e materiais de uso
doméstico. Sua peculiar proximidade com tantas povoações é fruto da fundamental
posição no cenário da exploração mineral local. Foi isso que compreendi nos diálogos
e deslocamentos com garimpeiros dentro dos garimpos e nos trajetos até alguns dos
povoados surgidos com a exploração mineral.

CONCLUSÃO

A experiência etnográfica com as entidades garimpeiras da Chapada Velha é


um poderoso instrumento de pesquisa para compreender, salientar e difundir o respeito
ao modo de vida local dentro dos parâmetros da arqueologia simétrica (OLSEN, 2010).
Os levantamentos arqueológicos e diálogos com interlocutores levaram à compreensão
da Chapada Velha como o espaço da moradia, caminhadas para o lazer, trabalho, caça
e coleta de frutos na mata, aproveitamento das reservas minerais com o garimpo e as-
sentamentos oriundos das oportunidades de viver que tais atividades propiciam.
Admitir nossas diferenças com o jeito de vida do outro é necessário para reco-
nhecer as simetrias com as quais lidamos e que são fundamentais para uma abordagem
respeitosa de modos tradicionais de concepção de um território. Assim pude entender
que, na perspectiva do modo de ser garimpeira(o), há a aceitação de um fazer territó-
rio que é direcionado pelas coisas dos garimpos, corpos e ideias que o caracterizam
na extensão territorial conhecida para além de um espaço de poder delimitado para a
exploração mineral que visa o acúmulo de capital, já que é a territorialidade garimpeira
que gerou os significados da extensão territorial da Chapada Velha.
A análise das etapas de extração mineral por meio da etnografia arqueológica
permitiu interpretar o garimpo como ser que atrai para contato ou pune pelos maus
comportamentos. Junto às maneiras de viver através do modo tradicional de garimpar,
argumentei que há a associação de outros afazeres devido à dinâmica dos recursos
da fauna e flora em que garimpeiras(os) se envolvem e em que há a participação de
621 quem não atua no garimpo. Trata-se de perspectivas que permanecem não apenas entre
garimpeiras(os), já que foram reproduzidas pelos habitantes locais, mas também conhe-
cidas nos caminhos, coisas dos garimpos e povoados que, enfim, por um entendimento
do seu entrelaçamento, são o território.
Como vimos, o caráter ordinário das coisas do garimpo é um notório traço
das tarefas cotidianas da mineração artesanal da Chapada Velha. A estratégia é mobili-
zar poucos materiais para transportar ao garimpo. Em suma, no conjunto de coisas es-
senciais que garimpeiras(os) levam consigo para o garimpo, há a preferência por formas
versáteis para diversos usos, e ao mesmo tempo despretensão com quaisquer atributos
requintados dos objetos.
Do mesmo modo que ocorre com a Chapada Velha, os garimpos do vale da
Mangabeira têm limites tênues e pouco proveitosos de serem investigados para traçar
fronteiras. Verifiquei que as práticas tradicionais que ditam a atuação na mineração ar-
tesanal local são dispendidas com a insistência de manter a extração mineral em certas
cavidades (sejam elas produtivas ou não) ou seguir em busca de novos locais em que
incidem sinais da existência dos minerais. Assim é possível considerar que os minerais
exercem uma atração que é comum no jeito de ser local.
O território garimpo em sua interação com garimpeiras(os), frequentadoras(es)
assíduas(os) para a extração mineral, e demais habitantes locais, visitantes esporádicos,
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exige que o contato seja feito com profundo conhecimento e admissão das condições
materiais. O engajamento de tantos humanos e coisas é inerente a tal princípio, em que
atrações prevalecem como motivos das relações locais em caminhos, acampamentos,
buracos do garimpo e povoações, todos vinculados à mineração artesanal e absortos dos
sentidos rígidos da divisão político-administrativa de um território. Considerando que
as situações que criam os caminhos estão atreladas aos acessos dos garimpos, é possível
dizer que a territorialidade garimpeira agregou conexões naturalmente ao território.

CHAPADA VELHA, BAHIA: MINING TERRITORY ARISING FROM MATE-


RIALITY

Abstract: in this paper I discuss the formation of the territory of Chapada Velha, in Gentio
do Ouro and Xique-Xique, in the state of Bahia, by interpret him from archaeological eth-
nography with things of garimpo and inhabitants. First, I direct attention to mining studies
in archeology that contribute to the dialogue with ways of being derived from artisanal and
traditional practices of mineral extraction. Subsequently, I present the main stages of the
execution of local mining, with emphasis on carbonado, diamond and quartz. Then I reflect
on a portion of the territory that encompasses many mining areas to explain how the mining
territoriality takes place. The objective is to point out how the spontaneity of things and hu-
mans contribute to a fluidity of the understanding of territory different from the norms es-
tablished for a rigid spatial delimitation that excludes the territoriality of certain locations.

Keywords: Archaeological Ethnography. Materiality. Mining. Territory.

CHAPADA VELHA, BAHIA: TERRITORIO GARIMPO QUE SURGE DE LA


MATERIALIDAD

Resumen: en este artículo discuto la formación del territorio de Chapada Velha, en Gentio
do Ouro y Xique-Xique, en el estado de Bahía, interpretándolo desde el punto de vista de 622
la etnografía arqueológica con cosas de las minas y los habitantes locales. En primer lugar,
dirijo la atención a los estudios de minería en arqueología que contribuyen al diálogo con
formas de ser derivadas de prácticas artesanales y tradicionales de extracción de minerales.
A continuación, presento las principales etapas de la ejecución de la minería local, con
énfasis en el carbonado, e diamante y el cuarzo. Luego, reflexiono sobre una porción del ter-
ritorio que abarca muchas minas para explicar cómo se produce la territorialidad minero.
El objetivo es señalar cómo la espontaneidad de las cosas y de los seres humanos contribuye a
la fluidez de la comprensión del territorio, a diferencia de las normas establecidas para una
delimitación espacial rígida que excluye la territorialidad de ciertas localidades.

Palabras clave: Etnografía arqueológica. Materialidad. Minas. Territorio.

Nota
1 Os diálogos com habitantes locais e visitas etnográficas foram realizados entre 2014 e 2018 durante
pesquisas arqueológicas voltadas ao licenciamento ambiental de parques eólicos nos municípios
de Gentio do Ouro e Xique-Xique sob a responsabilidade da Zanettini Arqueologia, mas também
em tarefas conduzidas para o projeto e tese de doutorado que defendi em fevereiro de 2022. Meus
sinceros agradecimentos aos habitantes locais que se envolveram na pesquisa. A acolhedora recepção
e franqueza no diálogo permitiram a compreensão de seu modo de vida. Menciono cada um dos

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interlocutores com as iniciais de seus nomes para preservar sua identidade

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