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RECENSÃO

JOSEPH S. NYE, JR.


Soft power: o jogo Soft Power:
the Means
de atracção cultural to Success in
World Politics
e as vantagens Nova York,
Public Affairs,
2004, 208 páginas
da cooperação
Luís Lobo-Fernandes JOSEPH S. NYE, JR.
Power
in the Global
E stas três obras constituem uma trilo-
gia na qual Joseph S. Nye desenvolve
amplamente a noção de soft power (por
eficácia da terceira catego-
ria de poder. Information Age:
From Realism
contraposição a hard power) que tinha pro- Para Nye, o conceito de soft to Globalization
posto originariamente no livro Bound to power – que elabora no pre- Londres,
Routledge,
Lead: The Changing Nature of American Power, fácio do livro Soft Power: The 2004, 232 páginas
publicado em 1990, onde articulou uma Means to Success in World Poli-
perspectiva alternativa à conhecida tese do tics (2004) – é definido fun-
JOSEPH S. NYE, JR.
declínio dos EUA de Paul Kennedy. damentalmente como uma
O Paradoxo
Naquele trabalho, o autor refutava quais- capacidade persuasiva de
do Poder
quer «leis de ferro» da história – aparentes poder, ou seja, a capacidade
Americano:
na retórica «declinista» – e apontava já de um Estado obter algo
Por Que é Que
então para uma concepção mais complexa através de um efeito de
a Única
do poder nas relações internacionais. Nye atracção e não por coerção
Superpotência
não propõe apenas uma «transformação ou pagamento, e assenta
Mundial Não
do poder», mas também uma clarificação fundamentalmente no po-
Pode Actuar
das fontes do poder, para uma melhor tencial atractivo da univer-
Isoladamente?
avaliação das novas dinâmicas internacio- salidade da cultura de um
nais. Nye divide o poder em três catego- país, dos valores políticos, e [trad. Tiago Araújo]
Lisboa,
rias gerais: para atingir objectivos um das suas políticas. Este Gradiva,
2005, 248 páginas
Estado pode 1) «coagir com ameaças», poder tem, assim, uma
2) «aliciar com pagamentos», ou, ao invés, lógica indirecta. Em contextos de interde-
3) «atrair e cooptar» (co-optive behavioral pendência complexa os estados deverão
power). Esta tipologia do poder é multidi- em consequência considerar critérios
mensional, na linha do arquétipo pro- mais alargados nos próprios conceitos de
posto na importante obra de E. H. Carr. segurança e defesa. Naturalmente que Nye
Ora, segundo o autor, a era da informação tem em mente os Estados Unidos e o que
cibernética expandiu significativamente a considera ser a necessidade de manter

Soft power: o jogo de atracção cultural e as vantagens da cooperação Luís Lobo-Fernandes 169
uma grande influência internacional. Nye considera que o hard power definido
O sucesso dos Estados Unidos medir-se-ia pela combinação de capacidade militar e
sobretudo pela capacidade de power conver- capacidade económica são essenciais,
sion, ou seja, na capacidade para converter mas argumenta que tais meios não garan-
o poder potencial medido em recursos tem o êxito em política internacional e,
brutos em «poder realizado» medido pela por vezes, minam em vez de potenciar as
mudança de comportamento de terceiros. metas que se pretendem atingir. Sublinha
Segundo o autor, soft power é um «verda- mesmo que apesar da concentração de
deiro poder» traduzido na capacidade em poder detido hoje pelos Estados Unidos
realizar objectivos mais duradoiros. As – sem paralelo aparente na história – tal é
ilustrações históricas mais interessantes insuficiente para fazer face a problemas
estão patentes nos ideais políticos difun- globais como o terrorismo, a proliferação
didos pela Radio Free Europe durante a de armas de destruição maciça e a degra-
Guerra Fria, na televisão por satélite que dação ambiental, num cenário inter-
evidenciou de forma única o apoio da nacional mais incerto e com maiores
América aos processos de transição demo- vulnerabilidades.
crática na Europa de Leste, ou nas grandes
empresas e marcas ianques, no cinema, na OS PERIGOS DA ARROGÂNCIA
música, na Internet, na proeminência das No excelente livro O Paradoxo do Poder
universidades norte-americanas, entre Americano: Por Que é Que a Única Superpo-
outros atributos. A «sedução» dos valores tência Não Pode Actuar Isoladamente, publi-
da liberdade, dos direitos humanos, e das cado em 2002, e recentemente editado em
oportunidades individuais, diz, «é sempre português pela Gradiva (2005), Joseph
mais eficaz do que a coacção». A preocu- Nye sistematiza as bases de uma política
pação de Nye tem pois a ver com a (re)defi- externa dos Estados Unidos no contexto
nição dos interesses nacionais dos da desordem internacional pós-11 de
Estados Unidos numa fase em que a nação Setembro. No novo quadro marcado por
americana é a única superpotência. Neste conflitos assimétricos, o autor questiona
sentido, Nye defende que a liderança do orientações isolacionistas e unilateralis-
governo dos Estados Unidos deve reorien- tas, sublinhando que, ao contrário, os
tar as suas escolhas para galvanizar o EUA devem alargar tanto quanto possível
apoio da comunidade internacional numa as suas coligações, e contribuir para
lógica acentuadamente cooperativa. Aliás, reforçar as instituições internacionais.
desde o início da transição pós-Guerra O autor não desvaloriza o papel da força
Fria que os Estados Unidos enquanto que continua a ser um factor importante –
superpotência democrática – ao contrário tal como a retaliação pós-11 de Setembro e
dos impérios clássicos – se confrontam o Afeganistão mostraram – mas a mobili-
com a necessidade de evitar excessos de zação dos outros países é essencial para
arrogância precisamente por causa do fazer face à natureza das ameaças
enorme diferencial de poder que detêm. transnacionais. Em todo o caso, afirma

RELAÇÕES INTERNACIONAIS JUNHO : 2005 06 170


Nye, «nenhum país é suficientemente efeitos políticos serão em grande medida
poderoso para resolver o problema do ter- contraproducentes.
rorismo global sozinho». Neste sentido, O livro Power in the Global Information Age
critica algumas opções da política externa (2004), muito embora apresente um con-
de George W. Bush, enunciando em alter- junto de temas recorrentes da sua obra
nativa as bases de um poder americano assinados antes de 2001 – sobre o neo-rea-
mais aceitável e eficaz. No capítulo 3, com lismo e neoliberalismo, a ética em política
o título «Globalização», Nye aborda a externa, a interdependência, ou a meta-
crescente interdependência económica morfose do poder – contempla excelentes
internacional e o advento da economia contributos sobre o pós-11 de Setembro.
global, cujos efeitos os Estados Unidos Nye aborda o terrorismo transnacional e
têm assinaláveis dificuldades em gerir; os dilemas da «democratização das tecno-
em rigor, a economia global está larga- logias» que tornaram possível aos terroris-
mente sem controlo, refere. Neste con- tas obter uma capacidade letal de forma
texto, defende uma visão mais ampla do «barata e imediatamente disponível», atra-
interesse nacional dos Estados Unidos, vés de instrumentos que até há pouco
uma política que inclua mais cooperação tempo eram unicamente exclusivo de
com outros países na linha de um «inte- alguns governos. O carácter «indiscrimi-
resse próprio iluminado», e não baseado nado» do terrorismo e a privatização da
em manipulação oportunística. Este violência configuram, no seu entender,
tema é retomado no último capítulo no uma mudança dramática das relações
qual faz uma veemente chamada de aten- internacionais.
ção ao Governo norte-americano para que O conceito de soft power (traduzido por
«não tente fazer tudo isoladamente», lan- vezes como poder suave) é porém criticado
çando um alerta oportuno de que é peri- por aqueles que consideram que este tipo
goso ignorar as preocupações do resto do de poder, embora útil, não garante eficá-
mundo. Numa analogia especialmente cia em todas as situações e apresenta
lúcida, alerta para a perda de soft power por alguns limites. É um poder de tipo diplo-
parte da União Soviética após a invasão da mático, na medida em que visa atingir fins
Checoslováquia, em 1968, apesar do seu estaduais por meios pacíficos. Alguns
poderio militar e económico continuar a consideram mesmo que seria perigoso,
aumentar. As políticas de imposição da perante as ameaças existentes, instituir o
URSS utilizando a força militar infligiram «receituário» de soft power de Nye como
um golpe sério na sua própria imagem e filosofia predominante do Departamento
prestígio, da qual jamais se recompôs. Do de Defesa dos Estados Unidos, pelo que
mesmo modo, os Estados Unidos não sublinham que é sobretudo na frente
podem (nem devem) começar guerras diplomática onde tal instrumento deve ser
onde lhes aprouver, sem correr o risco de explorado extensivamente.
alienar uma parte significativa da comu- A projecção de soft power que Nye erige
nidade internacional. Nye sugere que os como opção fundamental dos Estados

Soft power: o jogo de atracção cultural e as vantagens da cooperação Luís Lobo-Fernandes 171
Unidos, pode conduzir ironicamente as de conflitualidade distributiva, onde a luta
dinâmicas internacionais para o jogo de de interesses não desaparece mas pode ter
influências culturais ou, na versão mais outros «sucedâneos». O teste definitivo da
dura, para um «choque» de civilizações. credibilidade de uma grande potência
A eventual vantagem de tal cenário – ao liberal residirá em qualquer caso no res-
invés do patamar bélico de soma nula – peito das normas democráticas, do plura-
poderá, não obstante, residir em formas lismo e da defesa das ideias justas.

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