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Soft power: o jogo de atracção cultural e as vantagens da cooperação Luís Lobo-Fernandes 169
uma grande influência internacional. Nye considera que o hard power definido
O sucesso dos Estados Unidos medir-se-ia pela combinação de capacidade militar e
sobretudo pela capacidade de power conver- capacidade económica são essenciais,
sion, ou seja, na capacidade para converter mas argumenta que tais meios não garan-
o poder potencial medido em recursos tem o êxito em política internacional e,
brutos em «poder realizado» medido pela por vezes, minam em vez de potenciar as
mudança de comportamento de terceiros. metas que se pretendem atingir. Sublinha
Segundo o autor, soft power é um «verda- mesmo que apesar da concentração de
deiro poder» traduzido na capacidade em poder detido hoje pelos Estados Unidos
realizar objectivos mais duradoiros. As – sem paralelo aparente na história – tal é
ilustrações históricas mais interessantes insuficiente para fazer face a problemas
estão patentes nos ideais políticos difun- globais como o terrorismo, a proliferação
didos pela Radio Free Europe durante a de armas de destruição maciça e a degra-
Guerra Fria, na televisão por satélite que dação ambiental, num cenário inter-
evidenciou de forma única o apoio da nacional mais incerto e com maiores
América aos processos de transição demo- vulnerabilidades.
crática na Europa de Leste, ou nas grandes
empresas e marcas ianques, no cinema, na OS PERIGOS DA ARROGÂNCIA
música, na Internet, na proeminência das No excelente livro O Paradoxo do Poder
universidades norte-americanas, entre Americano: Por Que é Que a Única Superpo-
outros atributos. A «sedução» dos valores tência Não Pode Actuar Isoladamente, publi-
da liberdade, dos direitos humanos, e das cado em 2002, e recentemente editado em
oportunidades individuais, diz, «é sempre português pela Gradiva (2005), Joseph
mais eficaz do que a coacção». A preocu- Nye sistematiza as bases de uma política
pação de Nye tem pois a ver com a (re)defi- externa dos Estados Unidos no contexto
nição dos interesses nacionais dos da desordem internacional pós-11 de
Estados Unidos numa fase em que a nação Setembro. No novo quadro marcado por
americana é a única superpotência. Neste conflitos assimétricos, o autor questiona
sentido, Nye defende que a liderança do orientações isolacionistas e unilateralis-
governo dos Estados Unidos deve reorien- tas, sublinhando que, ao contrário, os
tar as suas escolhas para galvanizar o EUA devem alargar tanto quanto possível
apoio da comunidade internacional numa as suas coligações, e contribuir para
lógica acentuadamente cooperativa. Aliás, reforçar as instituições internacionais.
desde o início da transição pós-Guerra O autor não desvaloriza o papel da força
Fria que os Estados Unidos enquanto que continua a ser um factor importante –
superpotência democrática – ao contrário tal como a retaliação pós-11 de Setembro e
dos impérios clássicos – se confrontam o Afeganistão mostraram – mas a mobili-
com a necessidade de evitar excessos de zação dos outros países é essencial para
arrogância precisamente por causa do fazer face à natureza das ameaças
enorme diferencial de poder que detêm. transnacionais. Em todo o caso, afirma
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Unidos, pode conduzir ironicamente as de conflitualidade distributiva, onde a luta
dinâmicas internacionais para o jogo de de interesses não desaparece mas pode ter
influências culturais ou, na versão mais outros «sucedâneos». O teste definitivo da
dura, para um «choque» de civilizações. credibilidade de uma grande potência
A eventual vantagem de tal cenário – ao liberal residirá em qualquer caso no res-
invés do patamar bélico de soma nula – peito das normas democráticas, do plura-
poderá, não obstante, residir em formas lismo e da defesa das ideias justas.