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O PODER da
COMUNICAÇAO
Tradução
Vera Lúcia Mello )oscelyne
Revisão de tradução
Isabela Machado de Oliveira Fraga
5ª edição
Comunication Power, 1 ª edição, foi originalmente publicado em inglês em 2009. Esta Em memória de Nicas Poulantzas,
tradução foi publicada por meio de acordo com a Oxford University Press.
meu irmão, teórico do poder.
Editora Paz e Terra Ltda.
Rua do Paraíso, 139, 10° andar, conjunto 101 - Paraíso
São Paulo, SP - 04103-000
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'-
Impresso no Brasil
2021
de tomada de riscos. Quando o processo de ação comunicativa induz à ação
coletiva e a mudança é promovida, a emoção positiva mais potente prevalece:
o entusiasmo, que alimenta a mobilização social propositada. Os indivíduos
l1 1
1
entusiasmados em rede, tendo superado o medo, são transformados em um Ü PODER NA SOCIEDADE EM REDE
ator consci�nte e coletivo. Desse modo, a mudança social resulta da ação co 1
1
municativa que envolve a conexão entre redes de redes neurais dos cérebros
humanos estimuladas por sinais de um ambiente comunicativo por meio das
redes de comunicação.
A tecnologia e a morfologia dessas redes de comunicação moldam o pro
cesso de mobilização e, consequentemente, o de mudança social, tanto como
1 Ü QUE É PODER?
1i
processo quanto como resultado. A ascensão das redes de comunicação digital !
como forma prevalente de interação humana mediada fornece o novo contexto,
no cerne da sociedade em rede como uma nova estrutura social, na qual os O poder é o processo mais fundamental na sociedade, já que a sociedade é defi
movimentos sociais do século XXI estão sendo formados. E o projeto do livro nida em torno de valores e instituições e o que é valorizado e institucionalizado
que você tem em mãos, O poder da comunicação, é fornecer o quadro teórico é definido pelas relações de poder.
fundamentado para entender os caminhos das mudanças sociais e políticas de O poder é a capacidade relacional que permite a um ator social influenciar
nosso tempo - um quadro hipotético que deve ser contrastado e, enfim, retifi assimetricamente as decisões de outro(s) ator(es) social(is) de formas que
cado pela experiência histórica conforme registrada pelas pesquisas acadêmicas. favoreçam a vontade, os interesses e os valores do ator que detém o poder. O
l poder é exercido por meio de coerção (ou a possibilidade de coerção) e/ou pela
1
construção de significado com base em discursos por meio dos quais os atores
sociais orientam suas ações. As relações de poder são marcadas pela dominação,
que é o poder entranhado nas instituições da sociedade. A capacidade relacional
do poder está condicionada, mas não determinada, pela capacidade estrutural de
1
dominação. Instituições podem se envolver em relações de poder que dependem
da dominação exercida sobre seus sujeitos.
Essa definição é ampla o suficiente para abranger a maior parte das formas
de poder social, mas exige algumas especificações. O conceito de ator refere
-se a uma variedade de sujeitos da ação: atores individuais, atores coletivos,
organizações, instituições e redes. Em última instância, no entanto, todas as
organizações, instituições e redes expressam a ação de atores humanos, mesmo
1
que essa ação tenha sido institucionalizada ou organizada por processos no
passado. Capacidade relacional significa que o poder não é um atributo, mas
uma relação. Ele não pode ser abstraído da relação específica entre os sujeitos
do poder, aqueles que têm o poder e aqueles que estão sujeitos a esse poder em
determinado contexto. Assimetricamente significa que, embora a influência em
uma relação seja sempre recíproca, nas relações de poder há sempre um grau
maior de influência por parte de um ator sobre o outro. No entanto, nunca há
um poder absoluto, um grau zero de influência daqueles submetidos ao poder
em relação àqueles em posições de poder. Há sempre a possibilidade de resis
tência que questiona esse tipo de relação. Além disso, em qualquer relação de
poder, há certo grau de consentimento e aceitação do poder por parte daqueles
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o
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Portanto, a quantidade de poder que eles mantêm depende da estrutura social por meio do fisco e concentra o poder de moldar as mentes, mais recente
total na qual operam. E essa é a questão mais decisiva para a compreensão da mente por meio dos grandes sistemas de educação e comunicação, que são
relação entre o poder e o Estado. a dupla liga do Estado-Nação moderno... Das três fontes de poder, a mais
l1
Na formulação weberiana clássica, "em última instância, só podemos defi importante para a soberania é o poder sobre os pensamentos que dão origem
nir o Estado moderno em termos dos meios específicos que lhe são peculiares, à confiança. A violência só pode ser usada negativamente; o dinheiro só pode
como de toda associação política, ou seja, o uso da força política. Todos os ser usado em duas dimensões: dando ou tirando. Mas o conhecimento e os
pensamentos podem transformar as coisas, mover montanhas e faztr com
Estados são fundados na força" ((1919] 1946:77; grifo acrescentado). Como 0
que o poder efêmero pareça permanente (Mulgan, 2007:27).
Estado pode ser invocado para fazer cumprir as relações de poder em todas
as áreas da prática social, ele é o garantidor final dos micropoderes; isto é, de
poderes exercidos longe da esfera política. Quando as relações de micropoder No entanto, os modos de existência do Estado e sua capacidade de atuar sobre
entram em contradição com as estruturas de dominação engastadas no Estado, as relações de poder dependem das especificidades da estrutura social em que
ou o Estado muda ou a dominação é restabelecida por meios institucionais. ele opera. Com efeito, as próprias noções de Estado e sociedade dependem dos
Embora a ênfase aqui seja na força, a lógica da dominação também pode estar limites que definem sua existência em um determinado contexto histórico. E
embutida em discursos como formas alternativas ou complementares do exer nosso contexto histórico é caracterizado pelos processos contemporâneos de
1
cício do poder. Os discursos são entendidos, na tradição foucaultiana, como globalização e pelo surgimento da sociedade em rede, ambos dependentes das
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combinações de conhecimento e linguagem. Mas não há qualquer contradição redes de comunicação que processam o conhecimento e as ideias para criar e
entre dominação pela possibilidade de uso da força e dominação por meio de destruir a confiança, a fonte decisiva do poder.
discursos disciplinares. Com efeito, a análise feita por Foucault da dominação
por discursos disciplinares que sustentam as instituições da sociedade se refere
1
1
principalmente ao Estado ou às instituições paraestatais: prisões, instâncias ESTADO E PODER NA ERA GLOBAL
militares, hospícios. A lógica baseada no Estado também se estende para os
mundos disciplinares da produção (a fábrica) ou da sexualidade (a família pa
_ Para Weber, a esfera de ação de qualquer Estado é limitada territorialmente:
triarcal heterossexual; Foucault, 1976, 1984a,b). Em outras palavras, os discursos
"Hoje temos de dizer [em contraste com várias instituições baseadas na for
disciplinares apoiam-se no uso potencial da violência e a violência do Estado é
racionalizada, internalizada, e, em último caso, legitimada pelos discursos que ça no passado] que o Estado é uma comunidade humana que (com sucesso)
reivindica o monopólio sobre o uso legítimo da força física dentro de um
forjam/moldam a ação humana (Clegg, 2000). De fato, as instituições e para
-instituições do Estado (por exemplo, instituições religiosas, universidades, as determinado território. Observe que o território é uma das características do
Estado" ((1919] 1946:78). Esse não é necessariamente um Estado-Nação, mas,
elites cultas e, até certo ponto, a mídia) são as fontes principais desses discursos.
em sua manifestação moderna, ele normalmente o é: "Uma nação é uma co
Para desafiar as relações de poder existentes é necessário produzir discursos
alternativos que tenham o potencial de sobrepujar a capacidade discursiva do munidade de sentimento que se manifestaria adequadamente em um Estado
próprio; portanto, uma nação é uma comunidade que normalmente tende a
Estado como um passo necessário para neutralizar seu uso da violência. Por
tanto, embora as relações de poder estejam distribuídas na estrutura social, 0 1 produzir um Estado próprio" ((1922] 1978:176). Portanto, nações (comunida
des culturais) produzem Estados ao reivindicar o monopólio da violência em
Estado, de uma perspectiva histórica, continua a ser uma instância estratégica
determinado território. A articulação do poder do Estado e da política ocorre
do exercício do poder por vários meios distintos. Mas o próprio Estado depende
em uma sociedade definida como tal pelo Estado. Essa é a premissa implícita
de uma diversidade de fontes de poder. Geoff Mulgan sugeriu que a capacidade
do Estado de assumir e exercer poder tem como base a articulação de três fontes: na maioria das análises do poder, que veem as relações de poder dentro de um
Estado territorialmente constituído ou entre Estados. Nação, Estado e território
violência, dinheiro e confiança. 1 definem os limites da sociedade.
Esse "nacionalismo metodológico" é corretamente questionado por Ulrich
As três fontes de poderjuntas servem de base para o poder político, 0 poder
Beck porque a globalização redefiniu os limites territoriais do exercício do
soberano de impor leis, emitir ordens e manter um povo e um território
unidos... Ele concentra força por meio de seus exércitos, concentra recursos poder:
1
organizacionalmente também. Isso inclui o fato de haver uma necessidade sua interseção, configuram as sociedades. Embora uma visão da autoridade
de os conceitos básicos da "sociedade moderna" - moradia, família, classe,
política mundial centrada no Estado nos desse uma clara indicação dos limites
democracia, dominação, Estado, economia, esfera pública, política e assim
da sociedade e, portanto, dos locais de poder no contexto da era global, para
por diante - serem libertados das fixações do nacionalismo metodológico e
redefinidos e reconceituados no contexto do cosmopolitismo metodológico usar a definição de Beck, temos de começar nas redes para compreender as
(Beck, 2005:50). instituições (ver Beck, 2005). Ou, na terminologia de Sassen, são as formas de
agrupamentos - nem globais nem locais, mas ambos simultaneamente - que
definem o conjunto específico de relações de poder que fornecem a base para
DavidHeld, desde seu artigo seminal em 1991 e ao longo de uma série de análises
1 cada sociedade. Ou seja, a noção tradicional de sociedade pode ser questionada
políticas e econômicas da globalização, mostrou como falta à clássica teoria do
poder- que se concentra no Estado-Nação ou em estruturas governamentais 1
!
porque cada rede (econômica, cultural, política, tecnológica, militar e outras
semelhantes) tem suas próprias configurações espaço temporais e organiza
subnacionais- um quadro de referência a partir do momento em que os com 1 cionais, de tal forma que seus pontos de interseção estão sujeitos a mudanças
ponentes mais importantes da estrutura social são ao mesmo tempo locais e
constantes. os termos de Michael Mann, "uma sociedade é uma rede de
globais, e não locais ou nacionais (Held, 1991, 2004; Held et al., 1999; Held e
interação social em cujos limites existe certo nível de separação da interação
McGrew, 2007). Habermas (1998) reconhece os problemas que surgem com a
entre ela e seu ambiente. Uma sociedade é uma unidade com limites"
chegada daquilo que chama de "constelação pós-nacional" para o processo de
(1986:13).
legitimidade democrática, à medida que a Constituição (a instituição definidora)
Com efeito, é difícil conceber uma sociedade sem limites. Mas as redes
é nacional e as fontes de poder são cada vez mais construídas em uma esfera
não têm limites estabelecidos; elas são ilimitadas e têm várias bordas, e sua
supranacional. Bauman (1999) sugere uma nova compreensão da política em
expansão ou contração depende da compatibilidade ou competição entre os
um mundo globalizado. E Saskia Sassen (2006) mostrou a transformação da
interesses e valores programados em cada rede e os interesses e valores
autoridade e dos direitos, e, portanto, das relações de poder, com a evolução
programados nas redes com os quais elas entram em contato em seu
da estrutura social na direção de "arranjos globais". movimento de expansão. Em termos históricos, o Estado (nacional ou de
Em suma: se as relações de poder existem em estruturas sociais específicas outro tipo) pode ter sido capaz de funcionar como um zelador da interação
que são constituídas com base em formações espaço temporais, e essas for entre redes, fornecendo certo grau de estabilidade para uma configuração
mações espaço temporais já não estão primordialmente localizadas no nível específica de redes de poder sobrepostas. No entanto, sob as condições da
nacional, mas são globais e locais ao mesmo tempo, as fronteiras da socieda globalização e de múltiplas camadas, o Estado se torna apenas um nó (por
de se alteram, assim como o quadro de referência das relações de poder que mais importante que ele seja) de uma rede específica, a rede política,
transcendem o nacional (Fraser, 2007). Não significa dizer que o Estado-Nação institucional e militar que se sobrepõe a outras redes importantes na
desaparece. Mas que as fronteiras nacionais das relações de poder são apenas construção da prática social. Assim, a dinâmica social construída ao redor
uma das dimensões nos quais o poder e o contrapoder operam. Finalmente, das redes parece dissolver a sociedade como uma forma de organização
isso afeta o próprio Estado-Nação. Mesmo se ele não desaparecer como uma social estável. No entanto, uma abordagem mais construtiva à compreensão
forma específica de organização social, seu papel... sua estrutura e suas funções do processo de mudança histórica é conceitualizar uma nova forma de
mudam, e ele evolui gradativamente para uma nova forma de Estado: o Estado sociedade, a sociedade em rede, composta de configurações específicas de
em rede, que analiso a seguir. redes globais, nacionais e locais em um espaço multidimensional de
Como, nesse novo contexto, podemos entender as relações de poder que não interação social. Minha hipótese é que configurações relativamente estáveis
são primordialmente definidas dentro de limites territoriais estabelecidos pelo construídas nas interseções dessas redes podem fornecer os limites que
Estado? A construção teórica proposta por Michael Mann para o entendimento redefiniriam uma nova "sociedade", com o entendimento de que esses limites
das fontes sociais de poder nos fornece alguns insights sobre a questão, porque, são altamente voláteis em virtude da mudança constante na geometria das
com base em sua investigação histórica, ele conceitualiza as sociedades como redes globais que estruturam as práticas
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um todo. Dessa forma, eles prej udicam também a própria segu rança, porque
S0 dais desconectada s (Ba rzi lai-Nahon, 2008). Atores soci ais podem estabelecer
suas ações unilaterais no conte xto d e um mundo globalm ente interdependente
produzem o caos sistêmico (por e xemplo, a conexão ent re a Guerra do Iraq ue, sua P osição d e poder constituindo uma rede q ue acumu le rec u rsos val'1osos e
as tensões com o Irã, a intensifica ção d a guerra n o Afega nistão, o aum ento dos
então exercendo suas est ratégias de gatekeeping para impedir o ace.sso a, que1es
que não agregam va lor à rede ou prejudicam os interesses predomma ntes n os
preços do petróleo e a ret ração econômica global). Enqua nto essas contradições
programas da quela mesma rede .
geopolíticas persistirem, o mundo não pode passar de uma forma pragmáti . . . _
ca e ad hoc de processos decisórios negociado s em rede, pa ra um sistema de
o poder da rede pode ser mais bem compreendid o n a c once1t uahzaça� pro-
p osta por Grewa l (2008) para teorizar a globalização a pa rtir da ?ersp�ct1va da
governa nça glob al, conectado em redes, c onstit uci onalmente fundamentado.
a nálise da rede . Nessa visão, a glob a lização envo lv e c oordenaçao social e ntre
Em último c aso, só o poder d a sociedade civil global at uando sobre a mente
múltiplos a tores em rede. Essa coordenação exige padrões:
pública por meio das redes de mídia e de comunicação pode ac abar vencendo
a inércia histórica d os Est ad os-Nação e assim levá-los a aceita r a r ealidade de
seu poder limitado em troca de um aumento de sua legitimidade e eficiência . Os padrões que permit em a coordenaçã o globa! apresent a� o q:1e cham o
de poder da rede. A noção de poder da rede consiste na combmaçao de duas
ideias: primei ro que os padrões de coordenação são mais va liosos quando
números maiores de pessoas os usam, e segundo que essa dinâmíca - que
Ü PODER NAS REDES descrevo como uma forma de poder - pode levar à eliminação progressiva
das alternativas sobre as quais a livre escolha seria exercida coletivamente
(...) Os pa drões gl obais emergentes(...) [fornecem] a solução para o problema
Reuni agora os elementos a nalíticos necessários pa ra abordar a questão que de coordenação global ent re participant es diferentes, mas o fazem coloca�do
constitui o tema centra l deste livro: onde reside o poder na sociedade global uma solução acima das outras e ameaçando eliminar as soluções alternativas
em rede? Para aborda r a qu estão preci so primei ramente diferenciar quatro para o mesmo problema (Grewal, 2008:5).
formas distintas de poder :
• poder n as redes (networking power); Portanto, os padrões o u, em minha terminologia, os protocolos de comu nicação
• poder da rede (network power); determin am as regras que serão aceitas qua ndo se entra n a rede . Ne sse caso, o
• poder trabalhado pela rede (networked power); poder é e xercido nã o p ela exclusã o das redes, e sim pela imposição das regras
• poder de criar redes (network-making power). de inclusão. É claro, dependendo do nível de abertura da rede, essas regras po
dem ser negociadas e ntre seus comp onentes. Mas uma vez que as regras forem
estab elecidas, elas passam a s er ob rigatórias para todos o s nós na rede, já q ue o
Cada uma dessas formas de poder define proce ssos específicos de exercer poder.
Poder pelo uso das redes refere-se ao poder que os ato res e organiza çõe s respeit o a essas regras é o que p ossibilita a existência d a rede como uma e str u
incluídos n as redes q ue constituem o núcleo d a socied ade glob a l em rede têm tu ra comu nicativa . O po der da rede é o poder dos padrões da rede sobre seus
so bre grupos ou indivíduos hu ma n os que não estão incluídos nessas redes comp onentes, embora esse poder da rede possa, em ú�ti:11ª instância, favorec:r
os interesses d e um co njunto específico de atores sociais na fonte da formaç ao
globais. Essa forma de poder opera por e xclusão/inclusão . Tongia e Wilson
(2007) propuseram uma análise formal na qual demonstra ram que o c usto de da rede e do est ab elecimento dos padrões (protocol os de comu nicação). A no
exclusão das redes aumenta mai s rapidamente que os benefício s d a inclusão ção do cha mado "Consenso de Washington" como o princípio operaciona l da
economia global de merca do il ustra o signific ado de p oder da rede.
nelas. Isso ocorre porque o v alor d e est ar na rede aumenta expo nencia lmente
Mas quem tem poder nas redes domina ntes? Como o poder distribuído em
com o tama nho da rede, como proposto em 1976 pela Lei de Metc alfe. M as,
ao mesmo tempo , a desva loriza ç ão rel acion ad a à excl us ão d a r�de t amb ém
redes opera? Como propus anteriormente, o po der é a ca pacidade relacional de
aumenta exponencialmente , e em um ritmo mais veloz do que'ª valoriz ação
impor a vonta de de um ator sobre a vontade de o utro com base n a capaci�ade
estrut u r al de domina ção engasta da na s instit uições d a sociedade. S eg u indo
por estar n a rede . A teoria de gatekeeping da rede investigou os vários pro
essa d efinição, a perg unt a sobre quem tem pod er na s redes da sociedade em
cesso s pelos q uais os nós são incluídos ou excluíd os na rede, mo stra ndo o
rede pode ser muito simples ou impossível de responder.
importante papel da capacidade de gatekeeping para re força r o poder coletivo
El a é simples se a resp ondermos a na lisa ndo o funcionamento de cada re de
de algumas redes sobre outras, ou d e uma determinada rede sobre unidades
domina nte específica. Cada re de define suas próprias relações de poder a pa rtir
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de suas metas programadas. Assim, no capitalismo global, o mercado finan até os mais poderosos, têm algum poder (principalmente um poder destrutivo),
ceiro global tem a última palavra, e o FMI ou as agências de avaliação de risco mas não O Poder.
financeiro (por exemplo, a Moody's ou a Standard and Poor's) são os intérpretes Então, talvez a questão do poder, como era formulada tradicionalmente,
oficiais para os mortais comuns. Fala-se normalmente no idioma do Depar não faça sentido na sociedade em rede. Mas novas formas de dominação e
tamento de Tesouro dos Estados Unidos, da diretoria da Reserva Federal dos determinação são críticas para moldar a vida das pessoas independentemente
Estados Unidos (o Fed) ou a Wall Street, com algum sotaque alemão, francês, de sua vontade. Há relações de poder em ação, sim, embora em novas formas e
japonês, chinês ou das Universidades de Oxford e Cambridge, dependendo da com novos tipos de atores. E as formas mais cruciais de poder seguem a lógica
época e do local. Ou então, o poder dos Estados Unidos, em termos militares do poder de criar redes. Deixem que eu me explique.
estatais e, em termos mais analíticos, o poder de qualquer aparato capaz de Em um mundo de redes, a capacidade de exercer controle sobre outros
atrelar a inovação e o conhecimento tecnológicos na obtenção de poder mili depende de dois mecanismos básicos: (1) a capacidade de constituir rede(s) e de
tar, que tenha os recursos materiais para investimentos de grande escala em programar/reprogramar a(s) rede(s) em termos das metas a ela(s) atribuídas; e (2)
capacidade bélica. a capacidade de se conectar e garantir a cooperação de várias redes, por meio do
No entanto, a pergunta poderia se tornar um beco sem saída analítico se compartilhamento de metas comuns e associação de recursos, ao mesmo tempo
tentarmos respondê-la unidimensionalmente e determinar a Fonte do Poder que se afasta a competição por parte de outras redes por meio do estabelecimento
como uma entidade única. O poder militar não pode evitar uma crise finan- de uma cooperação estratégica.
ceira catastrófica; na verdade, poderia até provocá-la sob certas condições Chamo aqueles que detêm a primeira posição de poder de programadores;
de paranoia defensiva irracional e de desestabilização de países produtores e aqueles que detêm a segunda posição de poder de comutadores. É importante
de petróleo. Ou os mercados financeiros globais poderiam se tornar um observar que esses programadores e comutadores são sem dúvida atores sociais,
autômato, além do controle de qualquer instituição reguladora importante, mas não necessariamente identificados com um grupo ou indivíduo particular.
em virtude do tamanho, do volume e da complexidade dos fluxos de capital Com mais frequência do que o esperado, esses mecanismos operam na interface
que circulam por suas redes e também da dependência de seus critérios de entre vários atores sociais, definidos em termos de sua posição na estrutura
avaliação sobre turbulências imprevisíveis de informação. Diz-se que o pro social e no sistema organizacional da sociedade. Assim, sugiro que, em mui
cesso decisório político depende da mídia, mas a mídia é um terreno plural, tos casos, os detentores do poder são as próprias redes. Não redes abstratas e
por mais tendenciosa que ela possa ser em termos ideológicos e políticos, e inconscientes ou autômatos: elas são humanos organizados em torno de seus
o processo da política midiática é extremamente complexo (veja o Capítulo projetos e interesses. Mas não são atores únicos (indivíduos, grupos, classes,
4). Quanto à classe capitalista, ela realmente tem algum poder, mas não o líderes religiosos, líderes políticos), já que o exercício do poder na sociedade
poder sobre todos e sobre tudo; ela é muito dependente tanto da dinâmica em rede requer um conjunto complexo de ações associadas que vai além das
autônoma dos mercados globais quanto das decisões governamentais em alianças para se tornar uma nova forma de sujeito, semelhante ao que Bruno
termos de regulamentações e políticas. Finalmente, os próprios governos Latour (2005) conceituou de forma brilhante como "ator-rede".
estão conectados em redes complexas de governança global imperfeita, Examinemos o funcionamento desses dois mecanismos de geração de po
condicionados pelas pressões dos grupos empresariais e de interesse, obri der nas redes: programação e comutação. A capacidade de programação das
gados a negociar com a mídia que traduz as ações governamentais para seus metas da rede (assim como a capacidade de reprogramá-las) é, obviamente,
cidadãos, e periodicamente atacados pelos movimentos sociais e por grupos decisiva, já que, uma vez programada, a rede terá um desempenho eficiente
de resistência que não recuam facilmente para os quartos dos fundos no fim e irá se reconfigurar em termos de estrutura e nós para alcançar suas metas.
da história (Nye e Donahue, 2000; Price, 2002; Juris, 2008; Sirota, 2008). No A maneira como os vários atores programam a rede é um processo específico
entanto, em alguns casos, tais como nos EUA depois de 11 de Setembro, ou nas de cada rede. O processo nas finanças globais não é o mesmo que no poder
áreas de influência da Rússia, da China, do Irã ou de Israel, os governos podem militar, na pesquisa científica, no crime organizado, ou em esportes profissio
se envolver em ações unilaterais que trazem caos para o cenário internacional. nais. Portanto, as relações de poder no nível da rede têm de ser identificadas e
Mas o fazem por sua conta e risco (e nós nos tornamos as vítimas de danos compreendidas em termos específicos a cada rede. No entanto, todas as redes
colaterais). Assim, o unilateralismo geopolítico, em última instância, cede às compartilham uma característica comum: ideias, visões, projetos e molduras
realidades de nosso mundo globalmente interdependente. Em suma, os Estados, (frames) geram os programas. Esses são materiais culturais. Na sociedade em
comutação de todas as redes importantes sob seu controle que sistemas mais presas em relação ao meio ambiente ou a seu respeito pelos direitos humanos
sutis, complexos e negociados de aplicação do poder devem ser estabelecidos.
Para que essas relações de poder sejam constituídas, os programas das redes
dominantes da sociedade precisam estabelecer metas compatíveis entre essas * No original Jubilee Movement, o Jubilee 2000 foi um movimento de coalizão internacional
em mais de quarenta países que pediu o cancelamento da dívida do Terceiro Mundo até o
redes (por exemplo, dominação do mercado e estabilidade social; poder militar
ano 2000. Esse movimento coincidiu com a comemoraç ão do ano 2000 na Igreja Católica,
e contenção financeira, representação política e reprodução do capitalismo; livre o Grande Jubileu, e, por isso, seu nome. (N. da T.)
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na expectativa de que isso tenha um impacto na atitude de investidores e esferas da vida. Há, por certo, uma relação simbiótica entre a interrupção de
acionistas para com as empresas consideradas bons ou maus cidadãos do comutadores estratégicos por ações de resistência e a reconfiguração das redes
planeta. Sob essas condições, o código de cálculo econômico muda de cresci de poder com um novo conjunto de comutadores que são organizados em torno
mento potencial para crescimento potencial sustentável. Reprogramação mais das redes de segurança.
radical vem de movimentos de resistência cujo objetivo é alterar o princípio A resistência ao poder programado nas redes também ocorre por meio das
fundamental de uma rede - ou o núcleo do código programático, se você redes e por elas. Essas são também redes de informação alimentadas pelas
permite que eu mantenha a comparação com a linguagem dos softwares. Por tecnologias de informação e comunicação (Arquilla e Rondfeldt, 2001). O
exemplo, se a vontade de Deus deve prevalecer sob todas as condições (como movimento erroneamente chamado de "movimento antiglobalização" é
na declaração dos fundamentalistas cristãos), as redes institucionais que cons uma rede global-local organizada e discutida na internet e estruturalmente
tituem o sistema legal e judicial devem ser reprogramadas não para seguir a comutada com a rede de mídia (ver o Capítulo 5). A al-Qaeda e organizações
constituição política, as prescrições legais, ou as decisões governamentais (tais a ela ligada formam uma rede feita de nós, múltiplos com pouca coordenação
como deixar que as mulheres tomem decisões sobre seu corpo e sua gravidez), central e voltada diretamente para sua comutação com as redes da mídia,
mas para submetê-las à interpretação de Deus por seus bispos terrenos. Em por meio das quais eles esperam infligir medo entre os infiéis e despertar a
outro exemplo, quando os movimentos por justiça global exigem que sejam esperança entre as massas oprimidas de seus seguidores (Gunaratna, 2002;
reescritos os acordos comerciais administrados pela Organização Mundial do Seib, 2008). O movimento ambiental é uma rede conectada globalmente mas
Comércio para incluir a preservação ambiental, direitos sociais e o respeito com raízes locais, cujo objetivo é mudar a mente da população como um meio
pelas minorias indígenas, eles têm o objetivo de modificar os programas sob de influenciar decisões de políticas para salvar o planeta ou nosso próprio
os quais as redes da economia global funcionam. bairro (ver Capítulo 5).
O segundo mecanismo de resistência consiste em bloquear os comutadores Uma característica central da sociedade em rede é que ambas as dinâmicas
de conexão entre redes que permitem que as redes sejam controladas pelo me de dominação e de resistência à dominação dependem da formação de redes e
taprograma de valores que expressam a dominação estrutural - por exemplo, de estratégias de redes para ataque e defesa. De fato, isso remonta à experiên
arquivando processos legais ou influenciando o Congresso norte-americano cia histórica de tipos anteriores de sociedades, como a sociedade industrial.
a fim de desfazer a conexão entre empresas oligopolistas da mídia e o gover A fábrica e a grande corporação industrial organizada verticalmente foram a
no, desafiando as regras da Comissão de Comunicação Federal dos EUA que base material para o desenvolvimento tanto do capital corporativo quanto do
permitem maior concentração de propriedade. Outras formas de resistência movimento dos trabalhadores. Da mesma forma, hoje, as redes de computadores
incluem o bloqueio da formação de redes entre as empresas corporativas e para os mercados financeiros globais, sistemas transnacionais de produção, for
o sistema político regulamentando as finanças das campanhas ou levar ao ças armadas "inteligentes" com alcance global, redes de resistência terrorista, a
público a incompatibilidade entre ser vice-presidente e receber dividendos sociedade civil global e movimentos sociais em rede que lutam por um mundo
de nossa antiga companhia que se beneficia de contratos militares. Ou se melhor são todos componentes da sociedade global em rede. Os conflitos de
opor à servidão intelectual aos poderes constituídos, o que ocorre quando nosso tempo são travados por atores sociais em rede com o objetivo de atingir
acadêmicos usam suas cátedras como plataformas para propaganda. Uma sua clientela e seus públicos-alvo por meio da comutação decisiva com as redes
perturbação mais radical dos comutadores afeta a infraestrutura material da de comunicação multimídia.
sociedade em rede; os ataques materiais e psicológicos ao transporte aéreo, Na sociedade em rede, o poder é redefinido, mas não desaparece. E tampouco
às redes de computadores, a sistemas de informação, a redes de instalações desaparecem as lutas sociais. A dominação e a resistência à dominação mudam
das quais depende a sobrevivência das sociedades no sistema alt�mente com de caráter de acordo com a estrutura social específica da qual elas se originam
plexo e interdependente que caracteriza o mundo informacional. O desafio e que elas modificam por meio de sua ação. O poder governa, os contrapodtres
do terrorismo é precisamente baseado nessa capacidade de ter.·como alvo os lutam. As redes processam seus programas contraditórios enquanto as pessoas
comutadores materiais estratégicos, de tal forma que sua interrupção, ou a tentam encontrar sentido nas fontes de seus medos e de suas esperanças.
ameaça de sua interrupção, desorganiza a vida cotidiana das pessoas e as força
a viver em uma situação de emergência - alimentando assim o crescimento
de outras redes de poder, as redes de segurança, que se estendem a todas as
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Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 97
específicas em vez de supla ntá-las, para pôr em prática os progra mas de redes em nossa sociedade , molda m a mente públic a por meio de uma tecnologia espe
que são globais em seu alca nce e objetivo. Para que a gl oba lização exista , ela cífica: redes de comunicação que organiza m a c omunicação socia lizada. Como
preci sa afirmar um discurso disciplina r capaz de enquadrar culturas específicas a mente pública - isto é, o conjunto de valores e comportamento s que têm
(L ash e Lury, 2007). uma exposição ampla na sociedade - é, em última instância,·o que influencia o
Assim, a c omutação e a progra mação das redes globais são as formas de c omp ortamento individual e coletivo, a programação das redes de comunicação
exercer poder em nossa sociedade global em rede. A comutação é executada por é a ma ior fonte de materiais culturais que a limentam as metas programadas de
c omutadores; a program ação é rea lizada por progr am adores. O s comutadores qualquer outra re�e. Além disso, como as redes de c o�unicação conecta m o
e os progra madores em cada rede são específicos àquela rede e não podem ser local com o global, os códigos difundidos nessas redes tem um a lcance global.
determinados sem uma investiga çã o em cada caso par ticular. Projetos e valores alternativos propost os pelos atores sociais que têm como
A resistência à programação e a interrupção da comutação a fim de defender objetiv o reprograma r a s o ciedade precisam ta mbém passar pelas redes de co
val ores e interesses alternativos sã o as formas de contrapoder postas em prá municação para transform a r a consciência e as visõe s na mente das pessoas a
tica pel os movimentos s ociais e pela sociedade civil - local, na cional e glob a l fim de desafiar os poderes c onstituídos. E é apenas atua ndo sobre os discursos
- c om a dificuldade adiciona l de que as re des de poder são n orma lmente 1 glo bais p or meio das redes glo bais de co municação que esses atores podem
globais, enqua nt o a resistência de c ontrapoder é n ormalmente loca l. Como 1 influenciar as relações de poder nas redes globais que estrutura m todas as
a tingir o gl obal a par tir do l o c al por mei o da forma ção de redes c om out ras so ciedades. Em último caso, o poder da progra mação condiciona o poder da
localidades ou seja, c omo transformar em "c omunidades de base" o espaço comutação, porque os progra mas das redes determinam a variedade de pos
de fluxos - passa a ser a questão estratégica fundamenta l para os moviment os síveis interfaces no processo de comutação. Os discursos limita m as opçõe s
sociais de nossa era . daquilo que as redes podem ou não fazer. Na so ciedade em rede os discurs os
'.
Os meios específicos de comutaçã o e program ação determinam em gra nde são gerados, difundidos, disputados, internalizados e finalmente mc orporados
pa rte as formas de pode r e c ontr apoder na so ciedade em rede. A comutação de na ação humana , na esfera de comunica ção socializada co�struí�a em t� r� o de
1 redes locais-globais de comunicação digital multimodal, mclus1ve a m1dia e a
várias redes exige a capacidade de constr uir uma interface cultural e orga ni
zaciona l, uma língua comum, um meio comum, e o apoio de um va lor a ceit o internet. O poder na sociedade em rede é o poder da c omunicação.
universalmente: o val or de tro ca. Em n osso mundo, a forma mais comum e
versátil de valor de troc a é o dinheiro. É por meio dessa m oeda c omum que
o compartilhamento do p oder é medi do com mais frequência ent re as várias
rede s. Esse padrã o de medida é essencia l porque ele remove o papel deci sivo do
Estado, já que a apropriação do valor por todas as redes torna - se dependente
de tra nsações financeiras. Iss o não significa que os ca pitalistas c ontr ol a m tudo.
Significa apenas que as pessoas que têm dinheiro suficiente, inclusive líderes
políticos, terão melhores op ortunidades de opera r o comutador em seu bene
fício . Mas, na economia capita lista , a lém de tra nsações monetárias, a permuta
ta mbém pode ser utilizada: uma troca de serviços entre redes (por exempl o,
pode r regulatóri o em tro ca de financia mento político por parte das empresas,
ou em ma ior acesso à mídia em tro ca de influência polític a). Assim, o poder
da comut ação depende da capa cidade de gera r v al or de troca , seja por mei o de
dinhei ro ou de tro cas.
Há uma segunda fonte principa l de poder: a capa cidade de programação
das redes. Essa capacidade depende, em última instância , da habilidade pa ra
gera r, difundir e influenciar os discursos que moldam a ação humana . Sem essa
capacidade discursiva, a programação de redes específicas é frágil e depende
unicamente do poder dos atores entrincheirados nas instituições. Os discursos,