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MANUEL CASTELLS

O PODER da
COMUNICAÇAO

Tradução
Vera Lúcia Mello )oscelyne

Revisão de tradução
Isabela Machado de Oliveira Fraga

5ª edição

Rio de Janeiro I São Paulo


2021
Copyright© 2009 Manuel Castells
Copyright da tradução© Paz & Terra, 2015
Título original em inglês: Communication Power

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora


Paz e Terra. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser
ap�opriada e estocada em sistema de bancos de dados ou processo similar, em
qualquer forma ou meio, seja eletrônico, fotocópia, gravação etc., sem a permissão do
detentor do copyright.

Comunication Power, 1 ª edição, foi originalmente publicado em inglês em 2009. Esta Em memória de Nicas Poulantzas,
tradução foi publicada por meio de acordo com a Oxford University Press.
meu irmão, teórico do poder.
Editora Paz e Terra Ltda.
Rua do Paraíso, 139, 10° andar, conjunto 101 - Paraíso
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Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Castells, Manuel, 1942-


C344p O poder da comunicação/ Manuel Castells;
5° ed. tradução de Vera Lúcia Mello Joscelyne; revisão de
tradução de Isabela Machado de Ol_iveira Fraga. -
5• ed. - São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.
il.

Tradução de: Communication power


Apêndice
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-7753321-3

1. Sociedade da informação. 2. Mídia


social. 3. Comunicação de massa - Aspectos
sociais. I. Joscelyne, Vera. II. Título.

CDD: 303.4833
15-27876 CDU: 316.422
'-

Impresso no Brasil
2021
de tomada de riscos. Quando o processo de ação comunicativa induz à ação
coletiva e a mudança é promovida, a emoção positiva mais potente prevalece:
o entusiasmo, que alimenta a mobilização social propositada. Os indivíduos
l1 1

1
entusiasmados em rede, tendo superado o medo, são transformados em um Ü PODER NA SOCIEDADE EM REDE
ator consci�nte e coletivo. Desse modo, a mudança social resulta da ação co­ 1
1
municativa que envolve a conexão entre redes de redes neurais dos cérebros
humanos estimuladas por sinais de um ambiente comunicativo por meio das
redes de comunicação.
A tecnologia e a morfologia dessas redes de comunicação moldam o pro­
cesso de mobilização e, consequentemente, o de mudança social, tanto como
1 Ü QUE É PODER?

1i
processo quanto como resultado. A ascensão das redes de comunicação digital !
como forma prevalente de interação humana mediada fornece o novo contexto,
no cerne da sociedade em rede como uma nova estrutura social, na qual os O poder é o processo mais fundamental na sociedade, já que a sociedade é defi­
movimentos sociais do século XXI estão sendo formados. E o projeto do livro nida em torno de valores e instituições e o que é valorizado e institucionalizado
que você tem em mãos, O poder da comunicação, é fornecer o quadro teórico é definido pelas relações de poder.
fundamentado para entender os caminhos das mudanças sociais e políticas de O poder é a capacidade relacional que permite a um ator social influenciar
nosso tempo - um quadro hipotético que deve ser contrastado e, enfim, retifi­ assimetricamente as decisões de outro(s) ator(es) social(is) de formas que
cado pela experiência histórica conforme registrada pelas pesquisas acadêmicas. favoreçam a vontade, os interesses e os valores do ator que detém o poder. O

l poder é exercido por meio de coerção (ou a possibilidade de coerção) e/ou pela

1
construção de significado com base em discursos por meio dos quais os atores
sociais orientam suas ações. As relações de poder são marcadas pela dominação,
que é o poder entranhado nas instituições da sociedade. A capacidade relacional
do poder está condicionada, mas não determinada, pela capacidade estrutural de

1
dominação. Instituições podem se envolver em relações de poder que dependem
da dominação exercida sobre seus sujeitos.
Essa definição é ampla o suficiente para abranger a maior parte das formas
de poder social, mas exige algumas especificações. O conceito de ator refere­
-se a uma variedade de sujeitos da ação: atores individuais, atores coletivos,
organizações, instituições e redes. Em última instância, no entanto, todas as
organizações, instituições e redes expressam a ação de atores humanos, mesmo

1
que essa ação tenha sido institucionalizada ou organizada por processos no
passado. Capacidade relacional significa que o poder não é um atributo, mas
uma relação. Ele não pode ser abstraído da relação específica entre os sujeitos
do poder, aqueles que têm o poder e aqueles que estão sujeitos a esse poder em
determinado contexto. Assimetricamente significa que, embora a influência em
uma relação seja sempre recíproca, nas relações de poder há sempre um grau
maior de influência por parte de um ator sobre o outro. No entanto, nunca há
um poder absoluto, um grau zero de influência daqueles submetidos ao poder
em relação àqueles em posições de poder. Há sempre a possibilidade de resis­
tência que questiona esse tipo de relação. Além disso, em qualquer relação de
poder, há certo grau de consentimento e aceitação do poder por parte daqueles

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sujeitos. Quando a resistência e a rejeição se tornam significativamente mais massas, pode, mesmo assim, ser decisivo para um sentimento poderoso de
fortes que o consentimento e a aceitação, as relações de poder são transforma­ solidariedade, apesar dos maiores antagonismos internos" ((1919] 1946:177).
das: os termos mudam, o poderoso perde poder, e finalmente há um processo É por essa razão que o processo de legitimidade, o cerne da teoria política
de mudança institucional ou estrutural, dependendo da extensão da transfor­ de Habermas, é a chave que permite ao Estado estabilizar o exercício de sua
mação dos relacionamentos. Ou então relações de poder tornam-se relações dominação (Habermas, 1976). E a legitimidade pode ser obtida por vários pro­
não sociais. Isso ocorre porque, se uma relação de poder só pode existir na cedimentos, entre os quais a democracia constitucional, que é a preferência de
dependência da dominação estrutural apoiada pela violência, aqueles no poder, Habermas, é apenas um. Como a democracia envolve um conjunto de processos
a fim de manter sua dominação, devem destruir a capacidade relacional do(s) e procedimentos, ela não envolve políticas. De fato, se o Estado intervém na
ator(es) resistente(s), cancelando, assim, a própria relação. Proponho a noção esfera pública em nome dos interesses específicos que nele predominam, ele
de que a mera imposição pela força não é uma relação social porque leva à provoca uma crise de legitimidade porque se revela como um instrumento de
obliteração do ator social dominado, de tal forma que a relação desaparece dominação e não uma instituição de representação. A legitimidade depende
com a extinção de um de seus termos. Trata-se, no entanto, de uma ação social em grande parte do consentimento obtido pela construção de significado
com significado social porque o uso da força constitui uma influência intimi­ compartilhado: a crença na democracia representativa, por exemplo. O signi­
dante sobre os sujeitos sobreviventes sob dominação semelhante, ajudando a ficado é construído na sociedade por meio do processo de ação comunicativa.
reafirmar as relações de poder entre esses sujeitos. Além disso, assim que a A racionalização cognitiva fornece a base para as ações dos atores. Portanto, a
relação de poder é restabelecida em seus componentes plurais, a complexidade capacidade da sociedade civil de fornecer o conteúdo da ação estatal por meio
do mecanismo de dominação de várias camadas funciona outra vez, fazendo da esfera pública ("uma rede para comunicar a informação e pontos de vista"
com que a violência seja um fator entre outros em um conjunto mais amplo [Habermas, 1996:360]) é o que garante a democracia e, em última instância,
de determinação. Quanto maior for o papel desempenhado pela construção cria as condições para o exercício legítimo de poder: poder como representa­
de significado em nome de interesses e valores específicos na afirmação do ção dos valores e interesses dos cidadãos expressos por meio de seu debate na
poder em uma relação, menor é a necessidade do recurso à violência (legítima esfera pública. Assim, a estabilidade institucional está baseada na capacidade
ou não). No entanto, a institucionalização do recurso à violência no Estado e de articular interesses e valores diferentes no processo democrático por meio
seus complementos estabelecem o contexto de dominação em que a produção de redes de comunicação (Habermas, 1989).
cultural do significado pode ser eficaz. Quando há separação entre um Estado intervencionista e uma sociedade
Há complementaridade e apoio recíproco entre os dois mecanismos prin­ civil crítica, o espaço público desmorona, suprimindo assim a esfera interme­
cipais da formação de poder identificados pelas teorias do poder: violência diária entre o aparato administrativo e os cidadãos. O exercício democrático do
e discurso. Afinal, Michel Foucault começa seu Vigiar e punir (1975) com poder depende, em última instância, da capacidade institucional de transferir
a descrição da tortura de Damiens antes de continuar para sua análise da o significado gerado pela ação comunicativa na coordenação funcional da ação
construção de discursos disciplinares que constituem uma sociedade na qual organizada no Estado sob os princípios do consenso constitucional. Logo, o
"fábricas, escolas, quartéis militares, hospitais, todos parecem prisões" (1975: acesso constitucional à capacidade coercitiva e aos recursos comunicativos que
264). Essa complementaridade das fontes de poder também pode ser observada permitem a coprodução de significado se complementam no estabelecimento de
em Max Weber: ele define o poder social como "a probabilidade de que um relações de poder.
ator em uma relação social esteja em uma posição que lhe permita realizar sua Assim, a meu ver, algumas das teorias do poder mais influentes, apesar de
própria vontade apesar da resistência, independentemente da base na qual essa suas diferenças teóricas e ideológicas, compartilham uma análise multifacetada
probabilidade se apoia" ((1922] 1978:53). E finalmente ele estabelece conexão semelhante da construção do poder na sociedade1 : a violência, a ameaça de
entre poder e política e política e Estado, "uma relação de homens dominando recorrer a ela, discursos disciplinares, a ameaça de acionar a disciplina, a insti­
homens, uma relação sustentada por meio de violência legítima (i.e., conside­ tucionalização das relações de poder como dominação reprodutível, e o processo
rada como legítima). Para que o Estado exista, os dominados devem obedecer
à autoridade reivindicada pelos poderes sejam eles quais forem... o meio deci­
sivo para a política é a violência" ((1919] 1946:78,121). Mas ele também adverte 1 A análise de Gramsci das relações entre o Estado e a sociedade civil em termos de hege­
que um Estado existente "cuja época heroica não é considerada como tal pelas monia é próxima a essa formulação, embora conceitualizada em uma perspectiva teórica
diferente, com raízes na análise de classes (ver Gramsci, 1975).

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de legitimação pelo qual valores e regras são aceitos pelos sujeitos de referência, atores sociais que conseguem uma posição vantajosa na luta pelo poder, por
são todos elementos que interagem no processo da produção e reprodução das vezes a custo de permitir algum grau de representação institucional para a
relações de poder nas práticas sociais e nas formas organizacionais. pluralidade de interesses e valores que permanecem subordinados. Assim, as
Essa perspectiva eclética sobre o poder - espero que útil como uma fer­ instituições do Estado e, além do Estado, as instituições, organizações e discur­
ramenta de pesquisa que vá além de seu nível de abstração - articula os dois sos que forjam e regulam a vida social nunca são a expressão da "sociedade",
termos da distinção clássica entre poder sobre e poder para proposta por Talcott uma caixa-preta de significado polissêmico cuja interpretação depende das
Parsons (1963) e desenvolvida por vários teóricos (por exemplo, a distinção de perspectivas dos atores sociais. Elas são relações cristalizadas de poder; isto
Goehler [2000] entre poder transitivo [poder sobre] e poder intransitivo [poder é, os "meios generalizados" (Parsons) que permitem aos atores exercer poder
para]). Porque, se presumirmos que todas as estruturas sociais são baseadas em sobre outros atores sociais a fim de ter o poder para realizar seus objetivos.
relações de poder que estão engastadas nas instituições e organizações (Lukes, Isso não é exatamente uma abordagem teórica nova. Ela tem como base a
1974) para que um ator social se envolva em uma estratégia com um determina­ teoria da produção da sociedade de Touraine (1973) e a teoria de estrutura­
do objetivo, ter o poder de atuar nos processos sociais necessariamente significa ção de Giddens (198 4). Atores produzem as instituições da sociedade sob as
intervir em um conjunto de relações de poder que moldam qualquer processo condições das posições estruturais que mantêm, mas com a capacidade (em
social e condicionam a obtenção de uma meta específica. O empoderamento última instância, mental) de realizar uma ação social autogerada, intencional e
de atores sociais não pode estar separado de seu empoderamento contra outros significativa. É assim que a estrutura e a agência são integradas na compreensão
atores sociais, a menos que aceitemos a imagem ingênua de uma comunidade da dinâmica social, sem ter de aceitar ou rejeitar os reducionismos gêmeos do
humana apaziguada, uma utopia normativa que é desmentida pela observação estruturalismo ou do subjetivismo. Essa abordagem não é apenas um ponto
histórica (Tilly, 1990, 1993; Fernández-Armesto, 2000). O poder para fazer algo, plausível de convergência de teorias sociais relevantes, mas também o que o
apesar do que diz Hannah Arendt (1958), é sempre o poder de fazer algo contra registro da pesquisa social parece indicar (Giddens, 1979; Mann, 1986, 1992;
alguém, ou contra os valores e interesses desse "alguém" que estão sacralizados Melucci, 1989; Dalton e Kuechler, 1990; Bobbio, 1994; Calderon, 2003; Tilly,
nos aparatos que governam e organizam a vida social. Como Michael Mann 2005; Sassen, 2006).
escreveu na introdução de seu estudo histórico das fontes do poder social, "no No entanto, os processos de estruturação têm camadas e escalas múltiplas.
seu sentido mais geral, o poder é a capacidade de perseguir e alcançar metas por Eles operam em formas e níveis diferentes de prática social: econômicos (pro­
meio do domínio de nosso ambiente" (1986:6). E, após se referir às distinções dução, consumo, intercâmbio), tecnológicos, ambientais, culturais, políticos e
de Parsons entre poder distributivo e poder coletivo, ele afirma que: militares. E incluem relações de gênero que constituem relações de poder que
atravessam toda a estrutura. Esses processos de estruturação de várias cama­
Na maioria das relações sociais, ambos os aspectos do poder, distributivo das geram formas temporais e espaciais específicas. Cada um desses níveis de
e coletivo, explorador e funcional, operam simultaneamente e estão en­ prática e cada forma espaço temporal (re)produzem e/ou desafiam as relações
trelaçados. De fato, o relacionamento entre os dois é dialético. Na busca de poder na fonte das instituições e dos discursos. E essas relações envolvem
de suas metas, os humanos entram em relações de poder cooperativas e ajustes complexos entre os vários níveis de prática e das instituições: global,
coletivas uns com os outros. Mas na implementação de metas coletivas, a nacional, local e individual (Sassen, 2006). Portanto, se a estruturação é múltipla,
organização social e a divisão de trabalho são estabelecidas. [...] Os poucos o desafio analítico é compreender a especificidade das relações de poder em
no alto podem manter as massas na base aquiescentes, contanto que seu cada um desses níveis, formas e escalas da prática social, bem como em seus
controle esteja institucionalizado nas leis e normas do grupo social no qual
resultados estruturados (Haugaard, 1997). Assim, o poder não está localizado
ambos operam (1968:6-7).
em uma esfera social ou instituição específica, mas está distribuído por toda a
esfera da ação humana. No entanto, há expressões concentradas de relações de
Assim, sociedades não são comunidades que compartilham valores e interesses. poder em certas formas sociais que condicionam e forjam a prática do poder na
São estruturas sociais contraditórias estabelecidas em conflitos e negociações sociedade como um todo ao reforçar a dominação. O poder é relacional, a do­
entre atores sociais diferentes e muitas vezes opostos. Os conflitos nunca termi­ minação é institucional. Uma forma particularmente relevante de dominação
nam; eles simplesmente pausam por meio de acordos temporários e contratos foi, em toda a história, o Estado em suas diferentes manifestações (Poulantzas,
instáveis que são transformados em instituições de dominação por aqueles 1978; Mulgan, 2007). Mas os Estados são entidades históricas (Tilly, 1974).

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0 PODER DA COMUNICAÇÃO 1 61
o

0 PODER DA COMUNICAÇÃO 1 61
Portanto, a quantidade de poder que eles mantêm depende da estrutura social por meio do fisco e concentra o poder de moldar as mentes, mais recente­
total na qual operam. E essa é a questão mais decisiva para a compreensão da mente por meio dos grandes sistemas de educação e comunicação, que são
relação entre o poder e o Estado. a dupla liga do Estado-Nação moderno... Das três fontes de poder, a mais

l1
Na formulação weberiana clássica, "em última instância, só podemos defi­ importante para a soberania é o poder sobre os pensamentos que dão origem
nir o Estado moderno em termos dos meios específicos que lhe são peculiares, à confiança. A violência só pode ser usada negativamente; o dinheiro só pode
como de toda associação política, ou seja, o uso da força política. Todos os ser usado em duas dimensões: dando ou tirando. Mas o conhecimento e os
pensamentos podem transformar as coisas, mover montanhas e faztr com
Estados são fundados na força" ((1919] 1946:77; grifo acrescentado). Como 0
que o poder efêmero pareça permanente (Mulgan, 2007:27).
Estado pode ser invocado para fazer cumprir as relações de poder em todas
as áreas da prática social, ele é o garantidor final dos micropoderes; isto é, de
poderes exercidos longe da esfera política. Quando as relações de micropoder No entanto, os modos de existência do Estado e sua capacidade de atuar sobre
entram em contradição com as estruturas de dominação engastadas no Estado, as relações de poder dependem das especificidades da estrutura social em que
ou o Estado muda ou a dominação é restabelecida por meios institucionais. ele opera. Com efeito, as próprias noções de Estado e sociedade dependem dos
Embora a ênfase aqui seja na força, a lógica da dominação também pode estar limites que definem sua existência em um determinado contexto histórico. E
embutida em discursos como formas alternativas ou complementares do exer­ nosso contexto histórico é caracterizado pelos processos contemporâneos de

1
cício do poder. Os discursos são entendidos, na tradição foucaultiana, como globalização e pelo surgimento da sociedade em rede, ambos dependentes das

1i
combinações de conhecimento e linguagem. Mas não há qualquer contradição redes de comunicação que processam o conhecimento e as ideias para criar e
entre dominação pela possibilidade de uso da força e dominação por meio de destruir a confiança, a fonte decisiva do poder.
discursos disciplinares. Com efeito, a análise feita por Foucault da dominação
por discursos disciplinares que sustentam as instituições da sociedade se refere
1
1
principalmente ao Estado ou às instituições paraestatais: prisões, instâncias ESTADO E PODER NA ERA GLOBAL
militares, hospícios. A lógica baseada no Estado também se estende para os
mundos disciplinares da produção (a fábrica) ou da sexualidade (a família pa­
_ Para Weber, a esfera de ação de qualquer Estado é limitada territorialmente:
triarcal heterossexual; Foucault, 1976, 1984a,b). Em outras palavras, os discursos
"Hoje temos de dizer [em contraste com várias instituições baseadas na for­
disciplinares apoiam-se no uso potencial da violência e a violência do Estado é
racionalizada, internalizada, e, em último caso, legitimada pelos discursos que ça no passado] que o Estado é uma comunidade humana que (com sucesso)
reivindica o monopólio sobre o uso legítimo da força física dentro de um
forjam/moldam a ação humana (Clegg, 2000). De fato, as instituições e para­
-instituições do Estado (por exemplo, instituições religiosas, universidades, as determinado território. Observe que o território é uma das características do
Estado" ((1919] 1946:78). Esse não é necessariamente um Estado-Nação, mas,
elites cultas e, até certo ponto, a mídia) são as fontes principais desses discursos.
em sua manifestação moderna, ele normalmente o é: "Uma nação é uma co­
Para desafiar as relações de poder existentes é necessário produzir discursos
alternativos que tenham o potencial de sobrepujar a capacidade discursiva do munidade de sentimento que se manifestaria adequadamente em um Estado
próprio; portanto, uma nação é uma comunidade que normalmente tende a
Estado como um passo necessário para neutralizar seu uso da violência. Por­
tanto, embora as relações de poder estejam distribuídas na estrutura social, 0 1 produzir um Estado próprio" ((1922] 1978:176). Portanto, nações (comunida­
des culturais) produzem Estados ao reivindicar o monopólio da violência em
Estado, de uma perspectiva histórica, continua a ser uma instância estratégica
determinado território. A articulação do poder do Estado e da política ocorre
do exercício do poder por vários meios distintos. Mas o próprio Estado depende
em uma sociedade definida como tal pelo Estado. Essa é a premissa implícita
de uma diversidade de fontes de poder. Geoff Mulgan sugeriu que a capacidade
do Estado de assumir e exercer poder tem como base a articulação de três fontes: na maioria das análises do poder, que veem as relações de poder dentro de um
Estado territorialmente constituído ou entre Estados. Nação, Estado e território
violência, dinheiro e confiança. 1 definem os limites da sociedade.
Esse "nacionalismo metodológico" é corretamente questionado por Ulrich
As três fontes de poderjuntas servem de base para o poder político, 0 poder
Beck porque a globalização redefiniu os limites territoriais do exercício do
soberano de impor leis, emitir ordens e manter um povo e um território
unidos... Ele concentra força por meio de seus exércitos, concentra recursos poder:

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l
1
A globalização, quando levada a sua conclusão lógica, significa que as ciên­ "constituídas de redes socioespaciais de poder, múltiplas, sobrepostas e intera­
cias sociais precisam ser fundamentadas novamente como uma ciência do gentes" (1986:1). Portanto, em vez de procurar limites territoriais, precisamos
transnacional, baseada na realidade - conceitua!, teórica, metodológica e identificar as redes socioespaciais de poder (locais, nacionais, globais) que, em

1
organizacionalmente também. Isso inclui o fato de haver uma necessidade sua interseção, configuram as sociedades. Embora uma visão da autoridade
de os conceitos básicos da "sociedade moderna" - moradia, família, classe,
política mundial centrada no Estado nos desse uma clara indicação dos limites
democracia, dominação, Estado, economia, esfera pública, política e assim
da sociedade e, portanto, dos locais de poder no contexto da era global, para
por diante - serem libertados das fixações do nacionalismo metodológico e
redefinidos e reconceituados no contexto do cosmopolitismo metodológico usar a definição de Beck, temos de começar nas redes para compreender as
(Beck, 2005:50). instituições (ver Beck, 2005). Ou, na terminologia de Sassen, são as formas de
agrupamentos - nem globais nem locais, mas ambos simultaneamente - que
definem o conjunto específico de relações de poder que fornecem a base para
DavidHeld, desde seu artigo seminal em 1991 e ao longo de uma série de análises
1 cada sociedade. Ou seja, a noção tradicional de sociedade pode ser questionada
políticas e econômicas da globalização, mostrou como falta à clássica teoria do
poder- que se concentra no Estado-Nação ou em estruturas governamentais 1
!
porque cada rede (econômica, cultural, política, tecnológica, militar e outras
semelhantes) tem suas próprias configurações espaço temporais e organiza­
subnacionais- um quadro de referência a partir do momento em que os com­ 1 cionais, de tal forma que seus pontos de interseção estão sujeitos a mudanças
ponentes mais importantes da estrutura social são ao mesmo tempo locais e
constantes. os termos de Michael Mann, "uma sociedade é uma rede de
globais, e não locais ou nacionais (Held, 1991, 2004; Held et al., 1999; Held e
interação social em cujos limites existe certo nível de separação da interação
McGrew, 2007). Habermas (1998) reconhece os problemas que surgem com a
entre ela e seu ambiente. Uma sociedade é uma unidade com limites"
chegada daquilo que chama de "constelação pós-nacional" para o processo de
(1986:13).
legitimidade democrática, à medida que a Constituição (a instituição definidora)
Com efeito, é difícil conceber uma sociedade sem limites. Mas as redes
é nacional e as fontes de poder são cada vez mais construídas em uma esfera
não têm limites estabelecidos; elas são ilimitadas e têm várias bordas, e sua
supranacional. Bauman (1999) sugere uma nova compreensão da política em
expansão ou contração depende da compatibilidade ou competição entre os
um mundo globalizado. E Saskia Sassen (2006) mostrou a transformação da
interesses e valores programados em cada rede e os interesses e valores
autoridade e dos direitos, e, portanto, das relações de poder, com a evolução
programados nas redes com os quais elas entram em contato em seu
da estrutura social na direção de "arranjos globais". movimento de expansão. Em termos históricos, o Estado (nacional ou de
Em suma: se as relações de poder existem em estruturas sociais específicas outro tipo) pode ter sido capaz de funcionar como um zelador da interação
que são constituídas com base em formações espaço temporais, e essas for­ entre redes, fornecendo certo grau de estabilidade para uma configuração
mações espaço temporais já não estão primordialmente localizadas no nível específica de redes de poder sobrepostas. No entanto, sob as condições da
nacional, mas são globais e locais ao mesmo tempo, as fronteiras da socieda­ globalização e de múltiplas camadas, o Estado se torna apenas um nó (por
de se alteram, assim como o quadro de referência das relações de poder que mais importante que ele seja) de uma rede específica, a rede política,
transcendem o nacional (Fraser, 2007). Não significa dizer que o Estado-Nação institucional e militar que se sobrepõe a outras redes impor­tantes na
desaparece. Mas que as fronteiras nacionais das relações de poder são apenas construção da prática social. Assim, a dinâmica social construída ao redor
uma das dimensões nos quais o poder e o contrapoder operam. Finalmente, das redes parece dissolver a sociedade como uma forma de organização
isso afeta o próprio Estado-Nação. Mesmo se ele não desaparecer como uma social estável. No entanto, uma abordagem mais construtiva à compreensão
forma específica de organização social, seu papel... sua estrutura e suas funções do processo de mudança histórica é conceitualizar uma nova forma de
mudam, e ele evolui gradativamente para uma nova forma de Estado: o Estado sociedade, a sociedade em rede, composta de configurações específicas de
em rede, que analiso a seguir. redes globais, nacionais e locais em um espaço multidimensional de
Como, nesse novo contexto, podemos entender as relações de poder que não interação social. Minha hipótese é que configurações relativamente estáveis
são primordialmente definidas dentro de limites territoriais estabelecidos pelo construídas nas interseções dessas redes podem fornecer os limites que
Estado? A construção teórica proposta por Michael Mann para o entendimento redefiniriam uma nova "sociedade", com o entendimento de que esses limites
das fontes sociais de poder nos fornece alguns insights sobre a questão, porque, são altamente voláteis em virtude da mudança constante na geometria das
com base em sua investigação histórica, ele conceitualiza as sociedades como redes globais que estruturam as práticas

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e as organizações sociais. Para investigar essa hipótese, preciso fazer um desvio Redes (e os conjuntos de interesses e valores que elas representam) cooperam
pela teoria de redes e, então, devo introduzir a especificidade da sociedade em ou competem umas com as outras. A cooperação é baseada na capacidade de
rede como um tipo particular de estrutura social. Só então poderemos redefinir comunicação entre redes. Essa capacidade depende da existência de códigos de
as relações de poder sob as condições de uma sociedade global em rede. tradução e interoperabilidade entre elas (protocolos de comunicação) e do acesso
a pontos de conexão (comutadores). A competição depende de uma capacidade
de desempenho superior à de outras redes em termos de eficiência no próprio
desempenho ou na capacidade de cooperação. A competição também pode
REDES assumir uma forma destrutiva ao interromper os comutadores de redes rivais
e/ou ao interferir com seus protocolos de comunicação. As redes funcionam
Uma rede é um conjunto de nós interconectados. Como a relevância dos nós em uma lógica binária: inclusão/exclusão. Dentro da rede, a distância entre nós
para a rede pode variar, os mais importantes são chamados de "centros" em tende a zero quando todos os nós estão diretamente conectados com todos os
algumas versões da teoria de redes. Ainda assim, qualquer componente de uma outros. Entre nós dentro e fora da rede a distância é infinita, já que não há acesso,
rede (inclusive os "centros") é um nó e sua função e significado dependem dos a menos que o programa da rede seja alterado. Quando os nós na rede estão
programas da rede e de sua interação com outros nós na rede. A importância dos aglomerados, essas seguem a lógica das propriedades de pequenos mundos: os
nós para a rede aumenta de acordo com sua capacidade de absorver informações nós são capazes de se conectar, com um número de passos, com toda a rede e
mais relevantes e de processá-las de maneira mais eficiente. A importância redes relacionadas a partir de qualquer nó na rede (Watts e Strogatz, 1998). No
relativa de um nó não está em suas características específicas, mas em sua ca­ caso de redes de comunicação, eu acrescentaria a condição de compartilhar
pacidade de contribuir para a eficácia da rede na concretização de suas metas, protocolos de comunicação.
definidas pelos valores e interesses programados nas redes. No entanto, todos Assim, as redes são estruturas complexas de comunicação construídas em
os nós de uma rede são necessários para o desempenho da rede, embora ela torno de um conjunto de metas que simultaneamente garantem a unidade de
permita alguma redundância como garantia para seu funcionamento adequado. propósito e a flexibilidade de execução em virtude de sua adaptabilidade ao
Quando os nós se tornam desnecessários para a concretização das metas das ambiente operacional. Elas são programadas e, ao mesmo tempo, autocon­
redes, essas tendem a se reconfigurar, apagando alguns nós e acrescentando figuráveis. Nas redes sociais e organizacionais, suas metas e procedimentos
outros novos. Os nós só existem e funcionam como componentes de redes. A operacionais são programados por atoressociais. Sua estrutura evolui de acordo
rede é a unidade, não o nodo. com a capacidade da rede de se autoconfigurar em uma busca permanente por
Na vida social, as redes são estruturas comunicativas. "Redes de comu­ combinações de redes mais eficientes.
nicação são os padrões de contato criados pelo fluxo de mensagens entre co­ As redes não são construções específicas das sociedades do século XXI, nem,
municadores no tempo e no espaço" (Monge e Contractor, 2003:3). Portanto, aliás, da organização humana (Buchanan, 2002). As redes constituem um mo­
redes processam fluxos. Os fluxos são correntes de informação entre nós, que delo de vida - de todos os tipos de vida - que é fundamental. Como escreve
circulam por meio dos canais de conexão entre os nós. Uma rede é definida Fritjof Capra "a rede é um padrão comum a todo tipo de vida. Onde quer que
pelo programa que atribui a ela suas metas e os regulamentos de seu desempe­ exista vida, existem redes" (2002:9). Na vida social, os analistas das redes sociais
nho. Esse programa é feito de códigos que incluem a avaliação do desempenho há muito investigam a dinâmica dessas redes no âmago da interação social e
e critérios para o sucesso ou o fracasso. Nas redes sociais e organizacionais, na produção de significado (Burt, 1980) que leva à formulação de uma teoria
atores sociais, que promovem seus valores e interesses e interagem com outros sistemática de redes de comunicação (Monge e Contractor, 2003). Além disso,
atores sociais, estão na origem da criação e da programação das redes. No en­ em termos de estrutura social, arqueólogos e historiadores da Antiguidade
tanto, uma vez que elas foram estabelecidas e programadas, as redes seguem nos lembram de que os registros históricos mostram a difusão e a relevância
as instruções inscritas em seu sistema operacional e tornam-se capazes de se das redes como a espinha dorsal de sociedades, milhares de anos atrás, nas
autoconfigurar dentro dos parâmetros das metas e dos procedimentos que lhes civilizações antigas mais avançadas, em várias regiões do planeta. De fato,
foram atribuídos. Para alterar os resultados da rede, é necessária a instalação se transferirmos a noção de globalização para a geografia do mundo antigo,
de um novo programa (um conjunto de códigos compatíveis orientados para levando em conta as tecnologias de transporte disponíveis, havia um tipo de
uma meta) na rede - que venha de fora dela. globalização em rede na Antiguidade, uma vez que as sociedades dependiam

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da conectividade de suas principais atividades a redes que transcendiam os especialmente o caso com a possibilidade de depender de uma rede de distri­
limites de sua localização, para sua sobrevivência, seus recursos e seu poder buição de energia que caracterizou o advento da Revolução Industrial (Hughes,
(LaBianca, 2006). A cultura muçulmana foi historicamente baseada em redes 1983). As ferrovias e o telégrafo constituíram a primeira infraestrutura para
globais (Cooke e Lawrence, 2005). E McNeill e McNeill (2003) demonstraram a rede de comunicação quase global com capacidade de autorreconfiguração
o papel essencial das redes na organização social em toda a história. (Beniger, 1986). No entanto, a sociedade industrial (tanto em sua versão ca­
Essa observação dos registros históricos verdadeiros contradiz a visão pre­ pitalista quanto em sua versão estatista) foi predominantemente estruturada
dominante da evolução da sociedade que se concentrou em um tipo diferente em torno de organizações de produção verticais e de grande escala, bem como
de organização: burocracias hierárquicas baseadas na integração vertical de de instituições estatais extremamente hierárquicas que, em alguns casos, se
recursos e sujeitos como forma de expressão do poder organizado de uma transformaram em sistemas totalitários. Ou seja, as primeiras tecnologias de
elite social, legitimada pela mitologia e pela religião. Essa é, até certo ponto, comunicação baseadas na eletricidade não eram poderosas o suficiente para
uma visão distorcida, já que a análise histórica e social, com mais frequência equipar redes com autonomia em todos seus nós, já que essa autonomia exigiria
do que o esperado, foi construída com base no etnocentrismo e na ideologia, e multidirecionalidade e um fluxo contínuo de processamento interativo de in­
não na investigação acadêmica da complexidade de um mundo multicultural. formação. Mas isso também significa que a disponibilidade de uma tecnologia
Mas essa indiferença relativa de nossa representação histórica em relação à adequada é uma condição necessária, mas não suficiente, para a transformação
importância das redes na estrutura e na dinâmica da sociedade pode também da estrutura social. Foi só sob as condições de uma sociedade industrial madura
estar ligada à real subordinação dessas redes à lógica das organizações verticais, que projetos autônomos de formação organizacional em redes puderam surgir.
cujo poder estava inserido nas instituições da sociedade e distribuído em fluxos Quando isso aconteceu, esses projetos puderam usar o potencial das tecnologias
unidirecionais de comando e controle (Braudel, 1949; Mann, 1986, 1992; Colas, de comunicação digitais com base na microeletrônica (Benkler, 2006).
1992; Fernández-Armesto, 1995). Minha hipótese para explicar a superioridade Assim, as redes se tornaram as formas organizacionais mais eficientes
histórica das organizações verticais/hierárquicas sobre as redes horizontais é como resultado de três de suas características principais que se beneficiaram
que a forma descentralizada e reticulada de organização social tinha limites do novo ambiente tecnológico: flexibilidade, "escalabilidade" e capacidade de
materiais a serem superados, limites que tinham relação fundamental com as sobrevivência. Flexibilidade é a habilidade da rede de se reconfigurar de acordo
tecnologias disponíveis. Realmente, a força das redes está em sua flexibilidade, com as mudanças ambientais e de manter suas metas ao mesmo tempo que
adaptabilidade e capacidade de se autoconfigurar. No entanto, além de um certo muda seus componentes, às vezes contornando pontos que bloqueiam os
limiar de tamanho, complexidade e volume de fluxos, elas se tornam menos canais de comunicação para encontrar novas conexões. Escalabilidade é a
eficientes do que as estruturas verticalmente organizadas de comando e controle capacidade de expandir ou encolher em tamanho sem grandes interrupções.
sob as condições da tecnologia de comunicação pré-eletrônica (Mokyr, 1990). A capacidade de sobrevivência (survivability) é a capacidade que as redes
Sim, os navios movidos a vento podiam construir redes de comércio e conquista têm de suportar ataques a seus nós e a seus códigos em virtude de não terem
pelos mares e até pelos oceanos. E mensageiros a cavalo ou mensageiros velozes um único centro e poderem operar em diversas configurações. Isso ocorre
a pé conseguiam manter a comunicação do centro com a periferia de vastos porque os códigos da rede estão contidos em nós múltiplos que podem re­
impérios territoriais. Mas o intervalo de tempo até o retorno no processo de produzir as instruções e descobrir novas formas de realizar seu desempenho.
comunicação era tal que a lógica do sistema consistia no final em um fluxo Portanto, só a habilidade material de destruir os pontos de conexão é capaz
em mão única de transmissão de informação e instruções. Nessas condições, de eliminar a rede.
as redes eram uma extensão do poder concentrado no topo das organizações No âmago dessa mudança tecnológica que desencadeou o poder das redes
verticais que moldaram a história da humanidade: Estados, aparatos religiosos, estava a transformação das tecnologias de informação e comunicação, a par­
senhores da guerra, exércitos, burocracias e seus subordinados encarregados tir da revolução microeletrônica que se formou nas décadas de 1950 e 1960
da produção, do comércio e da cultura. (Freeman, 1982; Perez, 1983). Ela constituiu a fundação de um novo paradigma
A capacidade das redes de introduzir novos atores e novos conteúdos no tecnológico, consolidado na década de 1970, primeiro nos Estados Unidos e
processo-da organização social, com uma relativa autonomia diante dos centros depois rapidamente difundida pelo mundo todo, abrindo caminho para aquilo
de poder, aumentou com o passar do tempo com as mudanças tecnológicas e, que caracterizei como a Era da Informação (Castells, 2000a, c, 2004c). William
mais precisamente, com a evolução das tecnologias de comunicação. Esse foi Mitchell (2003) conceituou a evolução da lógica em tecnologia da informação e

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da comunicação através da história como um processo de expansão e ampliação territoriais e institucionais por meio de redes telecomunicadas de computado­
do corpo e da mente humanos: um processo que, no começo do século XXI, é res. Assim, uma estrutura social cuja infraestrutura esteja baseada em redes
caracterizado pela explosão de dispositivos portáteis que fornecem uma capa­ digitais tem a capacidade potencial de ser global. No entanto, a tecnologia e
cidade de comunicação sem fio e de informatização generalizada. Isso permite a organização de redes são apenas meios de colocar em prática as tendências
que as unidades sociais (indivíduos ou organizações) interajam em qualquer inseridas na estrutura social. O processo contemporâneo de globalização teve
lugar, a qualquer momento, enquanto dependem de uma infraestrutura de apoio sua origem em fatores econômicos, políticos e culturais, como foi documen­
que administra recursos materiais em uma grade de energia de informação tado pelas análises acadêmicas da globalização (Beck, 2000; Held e McGrew,
distribuída (Castells et al., 20066). Com o advento da nanotecnologia e a con­ 2000, 2007, Stiglitz, 2002). Mas, como sugerem vários estudos, as forças que
vergência da microeletrônica com processos e materiais biológicos, a fronteira impulsionaram a globalização só puderam ser postas em ação porque têm à
entre a vida humana e a vida da máquina tornou-se indistinta, de tal forma que sua disposição a capacidade de formar redes globais, proporcionada por tecno­
as redes estendem sua interação a partir de nosso ego interior para todas as áreas logias de comunicação digital e sistemas de informação, inclusive as redes de
da atividade humana, ultrapassando as barreiras do tempo e do espaço. Nem transporte informatizadas, de longa distância e alta velocidade (Kiyoshi et al.,
Mitchell nem eu somos muito adeptos de cenários de ficção científica como 2006; Grewal, 2008). Na verdade, é isso que separa em tamanho, velocidade e
um substituto para análises do processo de transformação técnico-social. Mas complexidade o processo atual de globalização das formas prévias de globali­
é essencial, justamente em benefício da análise, enfatizar o papel da tecnologia zação em períodos históricos anteriores.
no processo de transformação social, especialmente quando consideramos a Assim, a sociedade em rede é uma sociedade global. No entanto, isso não
tecnologia central de nossa época - a tecnologia da comunicação -, que tem significa que as pessoas de todo o mundo estão incluídas nessas redes. Por
ligação com a essência da especificidade da espécie humana: a comunicação enquanto, a maioria não está (Hammond et al., 2007). Mas todos são afetados
consciente e significativa (Capra, 1996, 2002; Damasio, 2003). Foi em virtude pelos processos que ocorrem nas redes globais que constituem a estrutura social.
da informação eletrônica e das tecnologias da comunicação que a sociedade As principais atividades que moldam e controlam a vida humana em todos os
em rede pôde se organizar plenamente, ultrapassando os limites históricos de cantos do planeta estão organizadas em redes globais: mercados financeiros
redes como formas de organização e interação sociais. e produção, administração e distribuição de bens e serviços transnacionais;
uma mão de obra altamente especializada; ciência e tecnologia, inclusive maior
escolaridade; a mídia de massa; as redes da· internet de comunicação interativa
e multifuncional; a cultura; a arte; a diversão; os esportes; as instituições inter­
A SOCIEDADE EM REDE GLOBAL2 nacionais que gerenciam a economia global e as relações intergovernamentais;
a religião, a economia do crime; e as ONGs e movimentos sociais transnacionais
Uma sociedade em rede é uma sociedade cuja estrutura social é construída que defendem os direitos e valores de uma nova sociedade civil global (Held
em torno de redes ativadas por tecnologias de comunicação e de informação et al., 1999; Volkmer, 1999; Castells, 2000a; Jacquet et al., 2002; Stiglitz, 2002;
processadas digitalmente e baseadas na microeletrônica. Considero estruturas Kaldor, 2003; Grewal, 2008; Juris, 2008). A globalização deve ser considera­
sociais como arranjos organizacionais de seres humanos em relações de produ­ da a conexão em rede de todas essas redes globais socialmente importantes.
ção, consumo, reprodução, experiência e poder, expressos em uma comunicação Portanto, a exclusão dessas redes, muitas vezes em um processo de exclusão
significativa codificada pela cultura. cumulativo, é equivalente à marginalização estrutural na sociedade global em
As redes digitais são globais, pois têm a capacidade de se reconfigurar de rede (Held e Kaya, 2006).
acordo com as instruções de seus programadores, ultrapassando fronteiras A sociedade em rede se espalha seletivamente por todo o planeta, fun­
cionando em locais, culturas, organizações e instituições preexistentes que
2 Esta seção elabora e atualiza a análise apresentada em meu livro The Rise ofthe Network ainda compreendem a maior parte do ambiente material da vida das pesso­
Society (2000c) [A sociedade em rede]. Tomo a liberdade de sugerir ao leitor aquele livro as. A estrutura social é global, mas a maior parte da experiência humana é
para uma teorização adicional e um apoio empírico à argumentação apresentada aqui. local, tanto em termos territoriais quanto culturais (Borja e Castells, 1997;
Material de apoio adicional pode ser encontrado em alguns de meus escritos em anos re­
Norris, 2000). Sociedades específicas, definidas pelas atuais fronteiras dos
centes (Castells, 20006, 2001, 2004b, 2005a, b, 2008a,b; Castells e Himanen, 2002; Castells
et al., 2006b, 2007). Estados-Nação, ou pelas fronteiras culturais de suas identidades históricas,

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estão profundamente fragmentadas pela lógica dupla da inclusão e exclusão uma interação de segunda ordem entre essas redes dominantes e a geometria e
das redes globais que estruturam a produção, o consumo, a comunicação e a geografia da desconexão de formações sociais deixadas fora da lógica global
o poder. Proponho a hipótese de que essa fragmentação das sociedades entre da operação das redes.
as incluídas e as excluídas é mais do que a expressão do tempo necessário A compreensão das relações de poder em nosso mundo deve ser específica
para a incorporação gradual de formas sociais anteriores na nova lógica para essa sociedade particular. Uma discussão bem fundamentada dessa espe­
dominante. Ela é, na verdade, uma característica estrutural da sociedade cificidade exige uma caracterização da sociedade em rede em seus componentes
global em rede. E isso ocorre porque a capacidade de reconfiguração inscrita principais: a produção e apropriação de valor, o trabalho, a comunicação, a
no processo de formação de redes permite que os programas que controlam cultura e seu modo de existência como uma formação espaço temporal. Só
cada rede busquem acréscimos valiosos por todas as partes e os incorporem, então poderei introduzir uma hipótese provisória sobre a especificidade das
ao mesmo tempo que se ignoram e excluem aqueles territórios, atividades relações de poder na sociedade global em rede - uma hipótese que irá guiar
e pessoas que têm pouco ou nenhum valor para o desempenho das tarefas a análise apresentada por todo este livro.
atribuídas àquela rede. De fato, como observou Geoff Mulgan, "as redes são
criadas não apenas para comunicar, mas também se posicionar, para se co­
municar mais e melhor que as outras redes" (1991:21). A sociedade em rede
funciona com base em uma lógica binária de inclusão/exclusão cujos limites Q QUE É VALOR NA SOCIEDADE EM REDE?
se alteram com o passar do tempo, tanto com as mudanças nos programas
das redes quanto com as condições de desempenho desses programas. Ela Estruturas sociais, tais como a sociedade em rede, se originam em processos
depende também da capacidade dos atores sociais, em vários contextos, de da produção e da apropriação de valor. Mas o que constitui valor na sociedade
agir sobre esses programas, modificando-os de acordo com seus interesses. em rede? O que move o sistema de produção? O que motiva os apropriadores de
A sociedade global em rede é uma estrutura dinâmica altamente maleável valor e controladores da sociedade? Não há mudança nesse conceito em relação
às forças sociais, à cultura, à política e às estratégias econômicas. Mas o que às primeiras estruturas sociais na história: valor é aquilo que as instituições
permanece em todos os casos é seu domínio sobre atividades e pessoas ex­ dominantes da sociedade decidem que é. Portanto, se o capitalismo global mol­
ternas às redes. Nesse sentido, o global supera o local - a menos que o local da o mundo, e a acumulação de capital pela valorização de ativos financeiros
se conecte ao global como um nó em redes globais alternativas construídas nos mercados financeiros globais é o valor supremo, esse será valor em todos
pelos movimentos sociais. os casos, já que, sob o capitalismo, a obtenção do lucro e sua materialização
Assim, a globalização desigual da sociedade em rede é, na verdade, uma em termos monetários podem, em última instância, adquirir todo o resto. A
característica extremamente significativa de sua estruturasocial. A coexistência questão crucial é que, em uma estrutura social organizada em redes globais,
da sociedade em rede, como estrutura global, com as sociedades industriais, seja qual for a hierarquia existente entre as redes, esta irá se tornar regra em
rurais, comunitárias ou de subsistência, caracteriza a realidade de todos os toda a grade de redes que organizam/dominam o planeta. Se, por exemplo,
países, embora com proporções diferentes da população e do território nos dois dissermos que a acumulação de capital é o que move o sistema, e o retorno ao
lados da equação, de acordo com a relevância de cada segmento para a lógica capital é fundamentalmente realizado nos mercados financeiros globais, os
dominante de cada rede. Ou seja, várias redes terão geometrias e geografias mercados financeiros globais atribuirão valor a cada transação em cada país,
diferentes de inclusão e exclusão: o mapa da economia global do crime não é já que nenhuma economia é independente da avaliação financeira decidida
o mesmo que o mapa resultante dos padrões de localização internacional da nos mercados financeiros globais. Mas se, ao contrário, considerarmos que
indústria de alta tecnologia. o valor supremo é o poder militar, a capacidade tecnológica e organizacional
Em termos teóricos, a sociedade em rede deve ser analisada, primeiramente, das máquinas militares estruturarão o poder em suas esferas de influência e
como uma arquitetura global de redes que se autorreconfiguram constante­ criarão as condições para que outras formas de valor - por exemplo, a acu­
mente programadas e reprogramadas pelos poderes existentes em cada esfera; mulação de capital ou a dominação política - continuem sob sua proteção. No
em segundo lugar, como resultado da interação entre as várias geometrias e entanto, se a transmissão de tecnologia, informação e conhecimento para uma
geografias das redes que incluem as atividades centrais - isto é, as atividades organização armada for bloqueada, essa organização torna-se irrelevante no
que moldam a vida e o trabalho na sociedade; e, em terceiro, como resultado de contexto mundial. Assim, podemos dizer que as redes globais de informação

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e tecnologia são as redes dominantes porque elas condicionam a capacidade caso de alianças ou de invasão, ele tem de se tornar imperial ou se configurar
militar, que, por sua vez, dá segurança para o mercado. Outra ilustração em rede para se relacionar com outras redes na definição do valor. É por isso
dessa diversidade de processos de atribuição de valor: podemos afirmar que que, por exemplo, os EUA, no início do século XXI, fizeram questão de definir
a fonte mais importante de influência no mundo atual é a transformação da a segurança contra o terrorismo como o valor universal para o mundo inteiro.
mente das pessoas. Se isso é verdade, então os meios de comunicação são as Foi uma maneira de construir uma rede com base militar que garantiria sua
redes-chave, já que, organizados em conglomerados globais e suas redes dis­ hegemonia ao colocar a segurança acima da obtenção do lucro, ou de metas
tributivas, são as fontes primordiais de mensagens e imagens que atingem a menores (como os direitos humanos ou o meio ambiente) como o valor supre­
mente das pessoas. Mas se considerarmos a mídia antes de tudo uma empresa mo. No entanto, a lógica capitalista muitas vezes se mascara nos projetos de
midiática, então a lógica da obtenção de lucros, tanto na comercialização da segurança, como os negócios lucrativos das companhias clientelistas no Iraque
mídia pela indústria da publicidade quanto na avaliação de seu estoque, passa ilustram çlaramente (Klein, 2007).
a ser o mais importante. O capital sempre gostou da noção de um mundo sem fronteiras, como
Assim, dadas as variadas origens potenciais da dominação das redes, a so­ David Harvey nos lembrou tantas vezes, de tal forma que as redes financeiras
ciedade em rede é uma estrutura social multidimensional na qual redes de tipos globais têm uma vantagem inicial como as instâncias definidoras de valor na
diferentes têm lógicas diferentes na atribuição de valor. A definição daquilo que sociedade global em rede (Harvey, 1990). No entanto, o pensamento humano é
constitui valor depende da especificidade da rede e de seu programa. Qualquer provavelmente o elemento de mais rápida propagação e influência em qualquer
tentativa de reduzir todo o valor a um padrão comum enfrenta dificuldades sistema social, dependendo de um sistema de comunicação interativo global/
metodológicas e práticas insuperáveis. Por exemplo, se a obtenção de lucro é local em tempo real - exatamente o que surgiu agora, pela primeira vez, na
o valor supremo sob o capitalismo, o poder militar é, em última instância, a história (Dutton, 1999; Benkler, 2006). Assim, ideias e conjuntos específicos
base do poder do Estado, e o Estado tem uma capacidade considerável de tomar de ideias poderiam se afirmar como o verdadeiro valor supremo (como a pre­
decisões e fazer cumprir novas regras para as operações empresariais (per­ servação de nosso planeta e de nossa espécie, ou servindo o desígnio de Deus)
gunte aos oligarcas russos sobre Putin). Ao mesmo tempo, o poder do Estado, como um pré-requisito para todo o resto.
mesmo em contextos não democráticos, depende em grande parte das crenças Em suma: a antiga pergunta da sociedade industrial - a verdadeira pedra
das pessoas, de sua capacidade de aceitar as regras ou de sua disposição para angular da economia política clássica - ou seja, "o que é valor?", não tem ne­
resistir. Então o sistema da mídia e outros meios de comunicação, tais como nhuma resposta definitiva na sociedade global em rede. Valor é aquilo que é
a internet, pode preceder o poder do Estado, que, por sua vez, estabeleceria as processado em todas as redes dominantes em todos os momentos e em todos os
regras da obtenção de lucro e assim substituiria o valor do dinheiro como o lugares de acordo com a hierarquia programada na rede pelos atores que atuam
valor supremo. sobre ela. O capitalismo não desapareceu. Na verdade, ele está mais dominante
Assim, o valor é, na verdade, uma expressão de poder: quem quer que do que nunca. Mas ele não é, ao contrário de uma percepção ideológica comum,
seja o detentor do poder (muitas vezes diferente de quem está'no governo) o único jogo na cidade global.
decide o que é valioso. Nesse sentido, a sociedade em rede não inova. O que
é novo, no entanto, é seu alcance global e sua arquitetura em rede. Isso sig­
nifica, por um lado, que as relações de dominação entre as redes são cruciais.
Elas são caracterizadas por uma interação flexível e constante: por exemplo, TRABALHO, MÃO DE OBRA, CLASSE E GÊNERO: A EMPRESA DA
entre mercados financeiros globais, processos geopolíticos e estratégias de REDE E A NOVA DIV ISÃO SOCIAL DO TRABALHO
mídia. Por outro lado, como a lógica da atribuição de valor como expressão
de dominação é global, casos que têm um impedimento estrutural para A análise anterior da nova economia política da atribuição de valor nas redes
existir globalmente estão em desvantagem em relação a outros cuja lógica é globais abre o caminho para a compreensão da nova divisão do trabalho, e assim
inerentemente global. Isso tem uma importância prática considerável, porque do próprio trabalho, da produtividade e da exploração. As pessoas trabalham:
está na raiz da crise do Estado-Nação da era industrial (não do Estado como elas sempre o fizeram. De fato, as pessoas hoje trabalham mais (em termos de
tal, porque cada estrutura social gera sua própria forma de Estado). Como o número total de horas de trabalho em uma determinada sociedade) do que
Estado-Nação só pode fazer cumprir suas regras em seu território, exceto no jamais o fizeram, já que a maior parte das funções da mulher anteriormente

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não era considerada trabalho (pago) ou era socialmente reconhecida. A questão das mulheres está empregada como mão de obra genérica, seu nível educacional
crucial sempre foi como ele é organizado e recompensado. A divisão do tra­ aumentou consideravelmente em relação aos homens, enquanto seus salários e
balho foi, e ainda é, a medida daquilo que é ou não valorizado em termos de condições de trabalho não melhoraram no mesmo ritmo. Assim, as mulheres
contribuição de trabalho. Esse juízo de valor organiza o processo de produção. passaram a ser os trabalhadores ideais para a economia capitalista global em
Ele define também os critérios segundo os quais o produto é compartilhado, rede: por um lado, elas são capazes de trabalhar de forma eficiente, e se adaptar
determinando o consumo diferencial e a estratificação social. A divisão mais às exigências voláteis da empresa; por outro, elas recebem recompensa menor
fundamental na sociedade em rede, embora não a única, é entre a mão de obra pelo mesmo trabalho e têm menos oportunidades de promoção em virtude da
autoprogramável e a mão de obra genérica (Carnoy, 2000; Castells, 2000c; Ben­ ideologia e da prática da divisão do trabalho por gênero sob o patriarcalismo.
ner, 2002). A mão de obra autoprogramável tem a capacidade autônoma de focar No entanto, a realidade é - para usar uma velha palavra - dialética. Embora
na meta que lhe foi atribuída no processo de produção, encontrar a informação a incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada, par­
relevante, reorganizá-la em conhecimento usando o estoque de conhecimento cialmente em virtude de sua condição de subordinação patriarcal, tenha sido
disponível e aplicá-lo na forma de tarefas voltadas para as metas do processo. um fator decisivo na expansão do capitalismo global informacional, a própria
Quanto mais complexos forem nossos sistemas de informação e quanto mais transformação da condição das mulheres como assalariadas acabou por minar
conectados interativamente com bancos de dados e fontes de informação via o patriarcalismo. As ideias feministas que surgiram dos movimentos sociais
redes informatizadas, mais será exigida da mão de obra a capacidade de buscar culturais da década de 1970 encontraram um solo fértil na experiência de mu­
e reorganizar informação. Isso exige educação e treinamento apropriados, não lheres trabalhadoras expostas à discriminação. Ainda mais importante, o poder
em termos de técnicas, mas em termos de capacidade criativa, bem como em de barganha econômica conseguido pelas mulheres na família fortaleceu sua
termos da capacidade de coevoluir com as mudanças na organização, na tec­ posição de poder frente ao chefe de família masculino, ao mesmo tempo que
nologia e no conhecimento. Em contraste, tarefas que são pouco valorizadas e minava a justificação ideológica de sua subordinação com base no respeito à
ainda assim necessárias são atribuídas à mão de obra genérica, eventualmente autoridade do provedor masculino. Assim, a divisão da mão de obra na nova
substituída por máquinas, ou transferida para locais de produção mais bara­ organização do trabalho é determinada pelo gênero, mas esse é um processo
tos, dependendo de uma análise dinâmica de custo/benefício. A esmagadora dinâmico em que as mulheres estão invertendo tendências estruturais domi­
massa de trabalhadores no planeta e a maioria nos países avançados ainda são nantes e induzindo as empresas a trazerem os homens para os mesmos padrões
mão de obra genérica. São descartáveis, a menos que reivindiquem seu direito de flexibilidade, insegurança no emprego, redução de salários e realocações que
de existir como humanos e cidadãos por meio de sua ação coletiva. Mas em costumava ser a sina das mulheres. Dessa forma, em vez de as mulheres alça­
termos de atribuição de valor (na área financeira, na manufatura, na pesquisa, rem ao nível dos trabalhadores homens, a maioria deles está sendo rebaixada
nos esportes, no entretenimento, na ação militar, ou no capital político) é o ao nível da maioria das trabalhadoras, enquanto elas alcançaram um nível
trabalhador autoprogramável que conta para qualquer organização em controle maior de conectividade naquilo que costumava ser o Clube do Bolinha. Essas
de seus recursos. Assim, a organização do processo de trabalho na sociedade em tendências têm implicações profundas tanto para a estrutura de classes da so­
rede atua com uma lógica binária, dividindo a mão de obra autoprogramável ciedade quanto para o relacionamento entre homens e mulheres no trabalho e
da mão de obra genérica. Além disso, a flexibilidade e adaptabilidade dos dois na família (Castells e Subirats, 2007).
tipos de mão de obra a um ambiente de mudança constante são precondição A criatividade, a autonomia e a capacidade autoprogramável da mão de obra
para sua utilidade como mão de obra. qualificada (knowledge labour) não compensariam em termos de produtividade
Essa divisão do trabalho específica também é determinada pelo gênero. O se essa mão de obra não pudesse ser combinada com a formação de redes de
surgimento do trabalho flexível está diretamente relacionado com a feminização trabalho. De fato, a razão fundamental para a necessidade estrutural de flexibi­
da força de trabalho remunerada, uma tendência fundamental da estrutura lidade e autonomia é a transformação da organização do processo de produção.
social nas três últimas décadas (Carnoy, 2000). A organização patriarcal da Essa transformação está representada pelo surgimento da empresa em rede. Essa
família induz as mulheres a valorizarem a organização flexível de seu trabalho nova forma organizacional da empresa é o equivalente histórico - no infor­
profissional como a única maneira de compatibilizar tarefas familiares e as macionalismo - da chamada organização fordista do industrialismo (tanto
profissionais. É por isso que a maioria de trabalhadores temporários e de meio capitalista quanto estatizante), caracterizada por uma produção em massa de
período na maior parte dos países são mulheres. Além disso, enquanto a maioria grande escala e padronizada e um controle vertical do processo de trabalho de

76 1 MANUEL CASTELLS Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 77


acordo com um esquema racionalizado de cima para baixo (o "gerenciamento A avaliação financeira determina a dinâmica da economia em curto prazo,
científico" e o taylorismo, métodos que provocaram a admiração de Lênin, mas, em longo prazo, tudo depende do crescimento da produtividade. É por
levando à imitação deles na União Soviética). Embora ainda existam milhões isso que a fonte da produtividade constitui a pedra angular do crescímen­
de trabalhadores em fábricas dirigidas de forma semelhante, as atividades que to econômico, e, portanto, de lucros, salários, acumulação e investimento
produzem valor nos altos postos de comando do processo de produção (P&D, (Castells, 2006). E o fator-chave para o crescímento da produtividade nessa
inovação, design, marketing, administração e a produção de grande escala, cus­ economia em rede de conhecimento intensivo é a inovação (Lucas, 1999;
tomizada e flexível) dependem de um tipo de empresa inteiramente diferente e, Tuomi, 2002), ou a capacidade de recombinar fatores de produção de forma
portanto, um tipo de processo de trabalho e de mão de obra também diferente: mais eficiente, e/ou produzir maior valor agregado no processo ou no pro­
a empresa em rede. Isso não é equivalente a uma rede de empresas. É uma rede duto. Os inovadores dependem de criatividade cultural, de uma abertura
feita ou de firmas, de segmentos de firmas e/ou da segmentação interna das institucional para o empreendedorismo, de autonomia dp. mão de obra no
firmas. Assim, grandes corporações são descentralizadas internamente como processo de trabalho, e do tipo apropriado de financiamento para essa eco­
redes. Pequenas e médias empresas estão conectadas em redes, garantindo assim nomia impulsionada pela inovação.
a massa crítica de sua contribuição como subcontratantes ao mesmo tempo que A nova economia de nossa época é certamente capitalista, mas uma nova
mantêm sua vantagem principal: a flexibilidade. Redes de pequenas e médias marca de capitalismo. Ela depende da inovação como fonte de crescimento
empresas são muitas vezes subsidiárias de grandes corporações, na maioria da produtividade; dos mercados financeiros globais informatizados em rede,
dos casos de várias delas. As grandes corporações, e suas redes subsidiárias, cujos critérios de avaliação estão influenciados pelas turbulências na infor­
normalmente formam redes de cooperação chamadas, na prática empresarial, mação; da formação de redes de produção e gerenciamento, tanto interna
de alianças ou parcerias estratégicas. quanto externamente, tanto local quanto globalmente; e de uma mão de
No entanto, essas alianças raramente são estruturas cooperativas per­ obra flexível e adaptável. Os criadores de valor têm de ser autoprogramáveis
manentes. Esse não é um processo de cartelização oligopolista. Essas redes e capazes de processar informação de forma autônoma inserindo-a em um
complexas se conectam em projetos de negócios específicos e reconfiguram tipo de conhecimento específico. Trabalhadores genéricos, reduzidos a seu
sua cooperação em redes diferentes a cada projeto novo. A prática empresarial papel de executores, devem estar prontos para se adaptar às necessidades da
normal nessa economia em rede é formar alianças, parcerias e colaborações que empresa em rede, para não serem substituídos por máquinas ou por forças
são específicas para um produto, um processo, um momento e um espaço de trabalho alternativas.
determinados. Essas colaborações são baseadas no compartilhamento de Nesse sistema, além da persistência da exploração no sentido tradicional,
capital e de mão de obra, mas mais fundamentalmente, de informação e a questão fundamental para a mão de obra é a segmentação entre três catego­
conhecimento a fim de ganhar uma participação maior no mercado. Por rias: aqueles que são a fonte de inovação e valorização; aqueles que são meros
isso, são principalmente de informação que conectam fornecedores e clientes executores de instruções; e aqueles que são estruturalmente irrelevantes do
por meio da firma em rede. A unidade do processo de produção não é a ponto de vista dos programas de obtenção de lucro do capitalismo global, seja
firma, mas o projeto de negócio, executado por uma rede, a empresa em rede. como trabalhadores (qualificados inapropriadamente e morando em áreas sem
A firma continua a ser a unidade legal da acumulação de capital. Mas, como a infraestrutura e o ambiente institucional adequado para a produção global),
o valor da firma depende, em última instância, de sua avaliação financeira no seja como consumidores (pobres demais para participarem do mercado), ou
mercado de ações, a unidade de acumulação de capital, a firma, passa a ser ela ambos. A principal preocupação para grande parte da população mundial
própria um nó em uma rede global de fluxos financeiros. Assim, na economia é evitar a irrelevância e, para isso, se envolver em uma relação significativa,
em rede, a camada dominante é o mercado financeiro global, a mãe de todas como a que chamamos de exploração - porque a exploração realmente tem
as avaliações; O mercado financeiro global funciona apenas parcialmente um significado para o explorado. O perigo maior é para aqueles que se tornam
segundo as regras do mercado. Ele também é moldado e movimentado pelas invisíveis para os programas que comandam as redes globais de produção,
turbulências de informação de várias origens, processadas e comunicadas distribuição e avaliação.
pelas redes de computadores que constituem o sistema nervoso da economia
capitalista global e informacional (Hutton e Giddens, 2000; Obstfeld e Taylor,
2004; Zaloom, 2006).

78 1 MANUEL CASTELLS 0 PODER DA COMUNICAÇÃO 1 79


0 ESPAÇO DE FLUXOS E TEMPO INTEMPORAL conectam essas atividades; e o conteúdo e a geometria dos fluxos de infor­
mação que desempenham as atividades em termos de função e significado.
Como em todas as transformações históricas, a emergência de uma nova es­ Isso é o espaço de fluxos.
trutura social está conectada com a redefinição das bases materiais de nossa O tempo, em termos sociais, costumava ser definido como o sequenciamen­
existência, o espaço e o tempo, como Giddens (1984), Adam (1990), Harvey to de práticas. O tempo biológico, característico da maior parte da existência
(1990), Lash e Urry (1994), Mitchell (1999, 2003), Dear (2000, 2002), Graham e humana (e ainda o destino da maioria das pessoas no mundo), é definido pela
Simon (2001), Hall e Pain (2006) e Tabboni (2006), entre outros, argumentaram. sequência programada nos ciclos vitais da natureza. O tempo social foi mol­
As relações de poder estão incrustadas na construção do espaço e do tempo, dado durante toda a história por aquilo que chamo de tempo burocrático, que
e são condicionadas pelas formações temporais e espaciais que caracterizam é a organização do tempo, em instituições e na vida cotidiana, pelos códigos
a sociedade. de aparatos militar-ideológicos, impostos sobre os ritmos do tempo biológico.
Duas formas sociais emergentes de tempo e de espaço caracterizam a Na era industrial, o tempo do relógio surgiu gradativamente, induzindo àquilo
sociedade em rede, ao mesmo tempo que coexistem com formas anteriores: que eu chamaria, na tradição foucaultiana, de tempo disciplinar. Essa é a me­
o espaço defluxos e o tempo intemporal. O espaço e o tempo estão relaciona­ dida e a organização do sequenciamento com precisão suficiente para atribuir
dos, na natureza e na sociedade. Na teoria social, o espaço pode ser definido tarefas e ordem a cada momento da vida, começando pelo trabalho industrial
como o suporte material das práticas sociais de compartilhamento do tempo, padronizado, e o cálculo do horizonte de tempo das transações comerciais,
isto é, a construção da simultaneidade. O desenvolvimento das tecnologias dois componentes fundamentais do capitalismo industrial que não poderiam
de comunicação pode ser compreendido como a desconexão gradativa da funcionar sem o tempo do relógio: tempo é dinheiro e dinheiro é feito com o
contiguidade e do compartilhamento do tempo. O espaço de fluxos se refere passar do tempo. Na sociedade em rede, a ênfase no sequenciamento é inver­
à possibilidade tecnológica e organizacional de praticar simultaneidade sem tida. A relação com o tempo é definida pelo uso das tecnologias de informação
contiguidade. Ele se refere também à possibilidade de interação assincrônica e comunicação em um esforço permanente de aniquilar o tempo negando o
em determinado tempo, a distância. A maior parte das funções predominantes sequenciamento: por um lado, comprimindo o tempo (como nas transações
na sociedade em rede (mercados financeiros, redes de produção transna­ financeiras globais realizadas em uma fração de segundo ou a prática gene­
cionais, redes de mídia, formas em rede de governança global, movimentos ralizada de realizar várias tarefas simultâneas, espremendo tudo num mesmo
sociais globais) é organizada ao redor do espaço de fluxos. No entanto, o espaço de tempo); por outro lado, ao borrar a sequência de práticas sociais,
espaço de fluxos não é sem local ou lugar fixo. Ele é feito de nós e redes; quer inclusive o passado, o presente e o futuro em uma ordem aleatória, como no
dizer, de lugares conectados pelas redes de comunicação eletrônicas nas quais hipertexto eletrônico da Web 2.0, ou obscurecendo os padrões dos ciclos vitais
circulam e interagem os fluxos de informação que garantem o compartilha­ tanto no trabalho quanto na criação de filhos.
mento do tempo de práticas processadas nesse espaço. Enquanto no espaço Na sociedade industrial, organizada ao redor da ideia do progresso e do
de locais, baseado na contiguidade de prática, o significado, a função e a lo­ desenvolvimento das forças produtivas, o se tornar estruturava o ser, o tempo
calidade estão intimamente inter-relacionados, no espaço de fluxos os lugares amoldava o espaço. Na sociedade em rede, o espaço de fluxos dissolve o tempo,
recebem significado e função de seu papel nodal nas redes específicas a que desordenando a sequência de eventos e tornando-os simultâneos nas redes de
pertencem. Assim, o espaço de fluxos não é igual para atividades financeiras comunicação, instalando assim a sociedade na efemeridade estrutural: o ser
e para a ciência, para redes da mídia e para redes de poder político. Na teoria cancela o tornar-se.
social, o espaço não pode ser concebido como separado das práticas sociais. A construção do espaço e do tempo é diferenciada socialmente. O espaço
Portanto, todas as dimensões da sociedade em rede que analis.amos neste múltiplo de lugares, fragmentados e desconectados, exibe temporalidades
capítulo têm uma manifestação espacial. Como as práticas estão, conectadas diversas, desde o mais tradicional domínio dos ritmos biológicos até o con­
em rede, o mesmo ocorre com seu espaço. Como as práticas co�ectadas em trole do tempo do relógio. Funções e indivíduos selecionados transcendem
rede estão baseadas em fluxos de informação processadas entre vários locais o tempo (como a mudança dos fusos horários globais) ao mesmo tempo que
pelas tecnologias de comunicação, o espaço da sociedade em rede é composto atividades desvalorizadas e pessoas subordinadas levam a vida à medida
da articulação entre três elementos: os lugares onde as atividades (e as pessoas que o tempo passa. Há, no entanto, projetos alternativos da estruturação do
que as executam) estão localizadas; as redes materiais de comunicação que tempo e do espaço, como vários movimentos sociais que têm como objeti-

80 1 MANUEL CASTELLS Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 81


vo modificar os programas dominantes da sociedade em rede. Assim, em mandava em todos os países capitalistas, mas sob tantas regras específicas
vez de aceitar o tempo intemporal como o tempo do autômato financeiro, e com tal variedade de formas culturais que identificar uma cultura como
o movimento ambiental propõe que se viva o tempo em uma perspectiva capitalista não tem muita utilidade analítica, a não ser se quisermos nos
cosmológica de Zangue durée, vendo nossas vidas como parte da evolução referir à cultura norte-americana ou ocidental, o que, então, passa a ser
de nossas espécies e em solidariedade com as gerações futuras e com nosso empiricamente equivocado.
pertencimento cosmológico: é aquilo que Lash e Urry (1994) conceitualiza­ Da mesma maneira, a sociedade em rede se desenvolve em uma multi­
ram como tempo glacial. plicidade de cenários culturais, produzidos pela história específica de cada
Comunidades ao redor do mundo lutam para preservar o significado da contexto. Ela se materializa sob suas formas específicas, levando à formação
localidade e para reivindicar o espaço dos lugares - baseadas na experiência de sistemas institucionais e culturais extremamente variados (Castells, 2004b).
- sobre a lógica do espaço de fluxos - fundamentada na instrumentalidade No entanto, há ainda um núcleo comum à sociedade em rede, como havia no
- no processo que analisei como a transformação em "comunidades de base" caso da sociedade industrial, embora com uma camada de unidade adicional.
do espaço de fluxos (Castells, 1999). De fato, o espaço de fluxos não desaparece, Ela existe globalmente em tempo real. Ela é global em sua estrutura. Assim, ela
já que é a forma espacial da sociedade em rede, mas sua lógica pode ser trans­ não só aplica sua lógica ao mundo todo, mas mantém sua organização em rede
formada. Em vez de incluir significado e função nos programas das redes, ele no nível global enquanto se particulariza em cada sociedade. Esse movimento
forneceria o apoio material para a conexão global da experiência local, como duplo de semelhança e singularidade tem duas consequências principais no
ocorre nas comunidades da internet que surgem com a formação de redes de nível cultural.
culturas locais (Castells, 2001). Por um lado, as identidades culturais específicas passam a ser comunas de
O espaço e o tempo são redefinidos tanto pela emergência de uma nova autonomia e às vezes trincheiras de resistência para grupos e indivíduos que
estrutura social quanto pelas lutas de poder sobre a forma e os programas se recusam a desaparecer na lógica das redes dominantes (Castells, 2004c).
dessa estrutura social. O espaço e o tempo expressam as relações de poder da Ser francês torna-se tão relevante quanto ser um cidadão ou um consumidor.
sociedade em rede. Ser catalão, basco, galego, irlandês, galês, escocês, quebequense, curdo, xiita,
sunita, aimará ou maori torna-se uma bandeira de autoidentificação frente à
dominação imposta pelos Estados-Nação. Em contraste com visões normati­
vas ou ideológicas que propõem uma fusão de todas as culturas no cadinho
A CULTURA NA SOCIEDADE EM REDE cosmopolita dos cidadãos do mundo, o mundo não é plano. As identidades de
resistência cresceram rapidamente nesses primeiros estágios do desenvolvi­
As sociedades são construtos culturais. Entendo cultura como um conjunto mento da sociedade global em rede e provocaram os conflitos sociais e políticos
de valores e crenças que informam, orientam e motivam o comportamento mais dramáticos dos últimos tempos. Teóricos respeitáveis e ideólogos menos
das pessoas. Portanto, se há uma sociedade em rede específica, deve haver respeitáveis podem nos prevenir dos perigos de um desenvolvimento assim,
uma cultura da sociedade em rede que podemos identificar como seu marca­ mas nós não podemos ignorá-lo. A observação precisa dar informações à teoria,
dor histórico. Aqui, uma vez mais, no entanto a complexidade e a novidade não o contrário. Assim, o que caracteriza a sociedade global em rede é a con­
da sociedade em rede exigem precaução. Em primeiro lugar, como a socie­ traposição entre a lógica da rede global e a afirmação de uma multiplicidade de
dade em rede é global, ela opera e integra uma multiplicidade de culturas, eus locais, como tentei argumentar e documentar em meu trabalho (Castells,
relacionadas à história e à geografia de cada parte do mundo. Com efeito, o 2000a,c, 2004c; ver também Tilly, 2005).
industrialismo e a cultura da sociedade industrial não fizeram com que cul­ Em vez do surgimento de uma cultura homogênea global, o que observa­
turas específicas desaparecessem ao redor do mundo. A sociedade industrial mos é a diversidade cultural histórica como a principal tendência comum:
tinha muitas manifestações culturais diferentes e até mesmo contraditórias fragmentação em vez de convergência. A questão-chave que surge, então, é
(dos Estados Unidos à União Soviética e do Japão ao Reino Unido). Havia a capacidade dessas identidades culturais específicas (feitas com os mate­
também núcleos industrializados em sociedades que, não fosse por isso, riais herdados de histórias singulares e retrabalhadas no novo contexto) de
seriam principalmente rurais e tradicionais. Nem mesmo o capitalismo se comunicarem umas com as outras (Touraine, 1997). Caso contrário, o
unificou culturalmente sua esfera de existência histórica. Sim, o mercado compartilhamento de uma estrutura social global interdependente, ao não

82 1 MANUEL CASTELLS Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 83


conseguir falar uma língua comum de valores e crenças, leva a mal-entendidos
Ü ESTADO EM REDE
sistémicos, na raiz da violência destrutiva contra o outro. Assim, protocolos
de comunicação entre culturas diferentes são a questão crucial para a socie­
dade em rede, já que, sem eles, não há sociedade, apenas redes dominantes e o poder não pode se limitar ao Estado. Mas uma compreensão do E�t�do e
comunidades resistentes. O projeto de uma cultura cosmopolita comum aos de suas especificidades histórica e cultural é um componente necessano de
cidadãos do mundo lança a base para uma governança global democrática e qualquer teoria do poder. Por Estado, quero dizer as instituições de go�ernança
_ _
aborda a questão cultural-institucional que é central na sociedade em rede da sociedade e súas agências institucionalizadas de representaçao poht1ca e de
(Habermas, 1998; Beck 2005). Infelizmente, essa visão propõe a solução sem gerenciamento e controle da vida social; ou seja, o executivo, o legislativo, o
identificar, a não ser em termos normativos, os processos pelos quais esses judiciário, a administração pública, os militares, as �gências q�e faze1:1 cum­
, _ _
protocolos de comunicação devem ou poderiam ser criados, dado o fato de prir a lei, as agências regulatórias e os partidos pohtrcos, nos vanos mve1s de
a cultura cosmopolita, segundo a pesquisa empírica, só estar presente em aovernança: nacional, regional, local e internacional.
uma parte muito pequena da população, inclusive na Europa (Norris, 2000; 1J O Estado tem o objetivo de garantir a soberania, o monopólio das tomadas
Eurobarometer da Comissão Europeia, 2007, 2008). Assim, embora eu pes­ de decisões fundamentais sobre seus sujeitos dentro dos limites territoriais
soalmente deseje que a cultura do cosmopolitismo aumente gradativamente determinados. O Estado define a cidadania, conferindo direitos e reivindicando
a comunicação entre povos e culturas, a observação das tendências atuais deveres de seus sujeitos. Ele também estende sua autoridade a estrangeiros sob
aponta em direção contrária. sua jurisdição. E envolve-se em relações de coo�eração, competi�ão e poder
A determinação desses protocolos de comunicação intercultural pode ser com outros Estados. Na análise apresentada anteriormente, mostrei, de acordo
uma questão a ser investigada. Essa investigação será realizada neste livro, com uma série de estudiosos e observadores, a contradição crescente entre a
com base na seguinte hipótese: a cultura comum da sociedadeglobal em rede é estruturação de relações instrumentais nas redes globais e o confinamento da
uma cultura de protocolos de comunicação que permitem a comunicação entre autoridade do Estado-Nação em seus limites territoriais. Há, sem dúvida, uma
culturas diferentes com base não em valores compartilhados, mas sim no com­ crise do Estado-Nação como uma entidade soberana (Appadruai, 1996; Nye
partilhamento do valor da comunicação. Ou seja, a nova cultura não é feita de e Donahue, 2000; Jackquet et al., 2002; Price, 2002: Beck, 2005; Fraser, 2007 ).
conteúdo, mas sim de processo, como a cultura democrática constitucional No entanto, os Estados-Nação, apesar de suas crises em diversas dimensões,
baseia-se em procedimentos, não em programas substantivos. A cultura global não desaparecem; eles se transformam para se adaptar ao novo contexto. Sua
é uma cultura de comunicação em prol da comunicação. É uma rede em aberto transformação pragmática é o que realmente muda a paisagem da política e
de significados culturais que podem não só coexistir, mas também interagir e da elaboração de políticas na sociedade global em rede. Essa transformação é
modificar uns aos outros com base nesse intercâmbio. A cultura da sociedade influenciada e disputada por vários projetos que constituem o material cultural/
em rede é uma cultura de protocolos de comunicação entre todas as culturas conceitua! no qual os diversos interesses sociais e políticos presentes em cada
no mundo, desenvolvida com base na crença comum no poder de formar re­ sociedade operam para realizar a transformação do Estado.
des e na sinergia obtida ao dar e receber de outros. O processo de construção Os Estados-Nação respondem às crises provocadas pelos processos duplos
material da cultura da sociedade em rede já começou. Mas ele não é a difusão de globalização da instrumentalidade e identificação da cultura por meio de
da mente capitalista por meio do poder exercido nas redes globais pelas elites três mecanismos principais:
dominantes herdadas da sociedade industrial. Tampouco é a proposta idealista 1. Eles se associam e formam redes de Estados, algumas delas com objetivos
de filósofos que sonham com um mundo de cidadãos abstratos e cosmopolitas. múltiplos e de soberania compartilhada, tal como a União E�r�peia. Outros se
É o processo pelo qual atores sociais conscientes e de origens múltiplas trazem concentram em um conjunto de questões, geralmente comeroa1s (por exemplo,
seus recursos e crenças para outros, esperando receber o mesmo em retorno, a Nafta ou o Mercosul), ou questões de segurança (por exemplo, a Otan). Outros
e mais ainda: o compartilhamento de um mundo diverso, pondo assim fim ao ainda são constituídos como espaços de coordenação, negociação e debate entre
medo ancestral do outro. Estados com interesses em regiões específicas do mundo: por exemplo, � OEA
(Organização dos Estados Americanos), a UA (União Africana), a Liga Ara�e,
a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), a Apec (Cooperaçao
Econômica da Ásia e do Pacífico), a Cúpula do Leste Asiático, a Organização de

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0 PODER DA COMUNICAÇÃO j 85
um todo. Dessa forma, eles prej udicam também a própria segu rança, porque
S0 dais desconectada s (Ba rzi lai-Nahon, 2008). Atores soci ais podem estabelecer
suas ações unilaterais no conte xto d e um mundo globalm ente interdependente
produzem o caos sistêmico (por e xemplo, a conexão ent re a Guerra do Iraq ue, sua P osição d e poder constituindo uma rede q ue acumu le rec u rsos val'1osos e
as tensões com o Irã, a intensifica ção d a guerra n o Afega nistão, o aum ento dos
então exercendo suas est ratégias de gatekeeping para impedir o ace.sso a, que1es
que não agregam va lor à rede ou prejudicam os interesses predomma ntes n os
preços do petróleo e a ret ração econômica global). Enqua nto essas contradições
programas da quela mesma rede .
geopolíticas persistirem, o mundo não pode passar de uma forma pragmáti­ . . . _
ca e ad hoc de processos decisórios negociado s em rede, pa ra um sistema de
o poder da rede pode ser mais bem compreendid o n a c once1t uahzaça� pro-
p osta por Grewa l (2008) para teorizar a globalização a pa rtir da ?ersp�ct1va da
governa nça glob al, conectado em redes, c onstit uci onalmente fundamentado.
a nálise da rede . Nessa visão, a glob a lização envo lv e c oordenaçao social e ntre
Em último c aso, só o poder d a sociedade civil global at uando sobre a mente
múltiplos a tores em rede. Essa coordenação exige padrões:
pública por meio das redes de mídia e de comunicação pode ac abar vencendo
a inércia histórica d os Est ad os-Nação e assim levá-los a aceita r a r ealidade de
seu poder limitado em troca de um aumento de sua legitimidade e eficiência . Os padrões que permit em a coordenaçã o globa! apresent a� o q:1e cham o
de poder da rede. A noção de poder da rede consiste na combmaçao de duas
ideias: primei ro que os padrões de coordenação são mais va liosos quando
números maiores de pessoas os usam, e segundo que essa dinâmíca - que
Ü PODER NAS REDES descrevo como uma forma de poder - pode levar à eliminação progressiva
das alternativas sobre as quais a livre escolha seria exercida coletivamente
(...) Os pa drões gl obais emergentes(...) [fornecem] a solução para o problema
Reuni agora os elementos a nalíticos necessários pa ra abordar a questão que de coordenação global ent re participant es diferentes, mas o fazem coloca�do
constitui o tema centra l deste livro: onde reside o poder na sociedade global uma solução acima das outras e ameaçando eliminar as soluções alternativas
em rede? Para aborda r a qu estão preci so primei ramente diferenciar quatro para o mesmo problema (Grewal, 2008:5).
formas distintas de poder :
• poder n as redes (networking power); Portanto, os padrões o u, em minha terminologia, os protocolos de comu nicação
• poder da rede (network power); determin am as regras que serão aceitas qua ndo se entra n a rede . Ne sse caso, o
• poder trabalhado pela rede (networked power); poder é e xercido nã o p ela exclusã o das redes, e sim pela imposição das regras
• poder de criar redes (network-making power). de inclusão. É claro, dependendo do nível de abertura da rede, essas regras po­
dem ser negociadas e ntre seus comp onentes. Mas uma vez que as regras forem
estab elecidas, elas passam a s er ob rigatórias para todos o s nós na rede, já q ue o
Cada uma dessas formas de poder define proce ssos específicos de exercer poder.
Poder pelo uso das redes refere-se ao poder que os ato res e organiza çõe s respeit o a essas regras é o que p ossibilita a existência d a rede como uma e str u ­
incluídos n as redes q ue constituem o núcleo d a socied ade glob a l em rede têm tu ra comu nicativa . O po der da rede é o poder dos padrões da rede sobre seus
so bre grupos ou indivíduos hu ma n os que não estão incluídos nessas redes comp onentes, embora esse poder da rede possa, em ú�ti:11ª instância, favorec:r
os interesses d e um co njunto específico de atores sociais na fonte da formaç ao
globais. Essa forma de poder opera por e xclusão/inclusão . Tongia e Wilson
(2007) propuseram uma análise formal na qual demonstra ram que o c usto de da rede e do est ab elecimento dos padrões (protocol os de comu nicação). A no ­
exclusão das redes aumenta mai s rapidamente que os benefício s d a inclusão ção do cha mado "Consenso de Washington" como o princípio operaciona l da
economia global de merca do il ustra o signific ado de p oder da rede.
nelas. Isso ocorre porque o v alor d e est ar na rede aumenta expo nencia lmente
Mas quem tem poder nas redes domina ntes? Como o poder distribuído em
com o tama nho da rede, como proposto em 1976 pela Lei de Metc alfe. M as,
ao mesmo tempo , a desva loriza ç ão rel acion ad a à excl us ão d a r�de t amb ém
redes opera? Como propus anteriormente, o po der é a ca pacidade relacional de
aumenta exponencialmente , e em um ritmo mais veloz do que'ª valoriz ação
impor a vonta de de um ator sobre a vontade de o utro com base n a capaci�ade
estrut u r al de domina ção engasta da na s instit uições d a sociedade. S eg u indo
por estar n a rede . A teoria de gatekeeping da rede investigou os vários pro ­
essa d efinição, a perg unt a sobre quem tem pod er na s redes da sociedade em
cesso s pelos q uais os nós são incluídos ou excluíd os na rede, mo stra ndo o
rede pode ser muito simples ou impossível de responder.
importante papel da capacidade de gatekeeping para re força r o poder coletivo
El a é simples se a resp ondermos a na lisa ndo o funcionamento de cada re de
de algumas redes sobre outras, ou d e uma determinada rede sobre unidades
domina nte específica. Cada re de define suas próprias relações de poder a pa rtir

88 1 MANUEL CASTELLS
0 PODER DA COMUNICAÇÃO 1 89
de suas metas programadas. Assim, no capitalismo global, o mercado finan­ até os mais poderosos, têm algum poder (principalmente um poder destrutivo),
ceiro global tem a última palavra, e o FMI ou as agências de avaliação de risco mas não O Poder.
financeiro (por exemplo, a Moody's ou a Standard and Poor's) são os intérpretes Então, talvez a questão do poder, como era formulada tradicionalmente,
oficiais para os mortais comuns. Fala-se normalmente no idioma do Depar­ não faça sentido na sociedade em rede. Mas novas formas de dominação e
tamento de Tesouro dos Estados Unidos, da diretoria da Reserva Federal dos determinação são críticas para moldar a vida das pessoas independentemente
Estados Unidos (o Fed) ou a Wall Street, com algum sotaque alemão, francês, de sua vontade. Há relações de poder em ação, sim, embora em novas formas e
japonês, chinês ou das Universidades de Oxford e Cambridge, dependendo da com novos tipos de atores. E as formas mais cruciais de poder seguem a lógica
época e do local. Ou então, o poder dos Estados Unidos, em termos militares do poder de criar redes. Deixem que eu me explique.
estatais e, em termos mais analíticos, o poder de qualquer aparato capaz de Em um mundo de redes, a capacidade de exercer controle sobre outros
atrelar a inovação e o conhecimento tecnológicos na obtenção de poder mili­ depende de dois mecanismos básicos: (1) a capacidade de constituir rede(s) e de
tar, que tenha os recursos materiais para investimentos de grande escala em programar/reprogramar a(s) rede(s) em termos das metas a ela(s) atribuídas; e (2)
capacidade bélica. a capacidade de se conectar e garantir a cooperação de várias redes, por meio do
No entanto, a pergunta poderia se tornar um beco sem saída analítico se compartilhamento de metas comuns e associação de recursos, ao mesmo tempo
tentarmos respondê-la unidimensionalmente e determinar a Fonte do Poder que se afasta a competição por parte de outras redes por meio do estabelecimento
como uma entidade única. O poder militar não pode evitar uma crise finan- de uma cooperação estratégica.
ceira catastrófica; na verdade, poderia até provocá-la sob certas condições Chamo aqueles que detêm a primeira posição de poder de programadores;
de paranoia defensiva irracional e de desestabilização de países produtores e aqueles que detêm a segunda posição de poder de comutadores. É importante
de petróleo. Ou os mercados financeiros globais poderiam se tornar um observar que esses programadores e comutadores são sem dúvida atores sociais,
autômato, além do controle de qualquer instituição reguladora importante, mas não necessariamente identificados com um grupo ou indivíduo particular.
em virtude do tamanho, do volume e da complexidade dos fluxos de capital Com mais frequência do que o esperado, esses mecanismos operam na interface
que circulam por suas redes e também da dependência de seus critérios de entre vários atores sociais, definidos em termos de sua posição na estrutura
avaliação sobre turbulências imprevisíveis de informação. Diz-se que o pro­ social e no sistema organizacional da sociedade. Assim, sugiro que, em mui­
cesso decisório político depende da mídia, mas a mídia é um terreno plural, tos casos, os detentores do poder são as próprias redes. Não redes abstratas e
por mais tendenciosa que ela possa ser em termos ideológicos e políticos, e inconscientes ou autômatos: elas são humanos organizados em torno de seus
o processo da política midiática é extremamente complexo (veja o Capítulo projetos e interesses. Mas não são atores únicos (indivíduos, grupos, classes,
4). Quanto à classe capitalista, ela realmente tem algum poder, mas não o líderes religiosos, líderes políticos), já que o exercício do poder na sociedade
poder sobre todos e sobre tudo; ela é muito dependente tanto da dinâmica em rede requer um conjunto complexo de ações associadas que vai além das
autônoma dos mercados globais quanto das decisões governamentais em alianças para se tornar uma nova forma de sujeito, semelhante ao que Bruno
termos de regulamentações e políticas. Finalmente, os próprios governos Latour (2005) conceituou de forma brilhante como "ator-rede".
estão conectados em redes complexas de governança global imperfeita, Examinemos o funcionamento desses dois mecanismos de geração de po­
condicionados pelas pressões dos grupos empresariais e de interesse, obri­ der nas redes: programação e comutação. A capacidade de programação das
gados a negociar com a mídia que traduz as ações governamentais para seus metas da rede (assim como a capacidade de reprogramá-las) é, obviamente,
cidadãos, e periodicamente atacados pelos movimentos sociais e por grupos decisiva, já que, uma vez programada, a rede terá um desempenho eficiente
de resistência que não recuam facilmente para os quartos dos fundos no fim e irá se reconfigurar em termos de estrutura e nós para alcançar suas metas.
da história (Nye e Donahue, 2000; Price, 2002; Juris, 2008; Sirota, 2008). No A maneira como os vários atores programam a rede é um processo específico
entanto, em alguns casos, tais como nos EUA depois de 11 de Setembro, ou nas de cada rede. O processo nas finanças globais não é o mesmo que no poder
áreas de influência da Rússia, da China, do Irã ou de Israel, os governos podem militar, na pesquisa científica, no crime organizado, ou em esportes profissio­
se envolver em ações unilaterais que trazem caos para o cenário internacional. nais. Portanto, as relações de poder no nível da rede têm de ser identificadas e
Mas o fazem por sua conta e risco (e nós nos tornamos as vítimas de danos compreendidas em termos específicos a cada rede. No entanto, todas as redes
colaterais). Assim, o unilateralismo geopolítico, em última instância, cede às compartilham uma característica comum: ideias, visões, projetos e molduras
realidades de nosso mundo globalmente interdependente. Em suma, os Estados, (frames) geram os programas. Esses são materiais culturais. Na sociedade em

90 1 MANUEL CASTELLS Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 91


rede, a cultura está quase sempre embutida nos processos de comunicação, expressão e controle cultural). E eles devem ser capazes, por meio dos processos
particularmente no hipertexto eletrônico, com as redes comerciais de multi­ de comutação realizados por atores-redes, de se comunicar uns com os outros,
mídia global e a internet como seu núcleo. Portanto, ideias podem ser geradas induzindo sinergia e limitando a contradição. Por isso é tão importante que os
a partir de várias origens e podem ter relação com interesses e subculturas maanatas
0 da mídia não se tornem líderes políticos, como no caso de Berlusconi.
específicos (por exemplo, economia neoclássica, religiões, identidades culturais, ou que governos não tenham controle total sobre a mídia. Quanto mais os co­
o culto de liberdade individual e coisas semelhantes). No entanto, as ideias são mutadores forem expressões grosseiras de dominação com um objetivo único,
processadas na sociedade de acordo com a maneira como são representadas na mais as relações de poder na sociedade em rede sufocarão o dinamismo e a
esfera da comunicação. E, em última instância, essas ideias atingem os clientes iniciativa de suas fontes múltiplas de estruturação e mudança social. Comuta­
de cada rede, dependendo do nível de exposição das clientelas aos processos de dores não são pessoas, mas são feitos de pessoas. Eles são atores, feitos de redes
comunicação. Assim, o controle das redes de comunicação e a influência sobre de atores que se envolveram nas interfaces dinâmicas especificamente operadas
elas, bem como a capacidade de criar um processo eficiente de comunicação e em cada processo de conexão. Programadores e comutadores são aqueles atores
persuasão ao longo das linhas que favoreçam os projetos dos programadores e redes de atores que, em virtude de sua posição na estrutura social, detêm o
potenciais, são as qualidades principais na programação de cada rede. Em outras poder de criar redes, a forma de poder mais importante na sociedade em rede.
palavras, o processo de comunicação na sociedade e as organizações e redes que
o promovem são os campos mais importantes onde os projetos de programação
são formados e onde as clientelas para esses projetos são desenvolvidas. Eles
PODER E CONTRAPODER NA SOCIEDADE EM REDE
são campos de poder na sociedade em rede.
Há uma segunda fonte de poder: o controle dos pontos de conexão entre várias
redes estratégicas. Chamo os detentores dessas posições de comutadores. Por Processos de formação de poder devem ser vistos de duas perspectivas: por
exemplo, as conexões entre redes de liderança política, redes de mídia, redes um lado, esses processos podem reforçar a dominação existente ou aproveitar
científicas e tecnológicas e redes militares e de segurança para lutar por uma posições estruturais de dominação; por outro lado, há também processos de
estratégia geopolítica. Ou a conexão entre redes políticas e redes de mídia para compensação que resistem à dominação estabelecida em nome dos interesses,
produzir e divulgar discursos político-ideológicos. Ou ainda a relação entre valores e projetos que são excluídos ou sub-representados nos programas e
redes religiosas e redes políticas para promover uma agenda religiosa em uma na composição das redes. Analiticamente, ambos os processos configuram a
sociedade secular. Ou entre redes acadêmicas e redes empresariais para forne­ estrutura do poder por meio de sua interação. Embora sejam diferentes, eles
cer conhecimento e legitimidade em troca de recursos para as universidades e operam, no entanto, na mesma lógica. Isso significa que a resistência ao poder
empregos para seus produtos (também conhecidos como formandos). Isso não é alcançada por meio dos mesmos dois mecanismos que constituem poder na
é a rede dos ex-alunos. São sistemas de interface específicos estabelecidos em sociedade em rede: os programas das redes e as comutações entre redes. Assim,
uma base relativamente estável como um meio de articular o sistema opera­ a ação coletiva por parte dos movimentos sociais, sob suas várias formas, tem
cional real da sociedade para além da autoapresentação formal das instituições como objetivo introduzir novas instruções e novos códigos nos programas das
e organizações. redes. Por exemplo, novas instruções para as redes financeiras globais signi­
No entanto, não estou ressuscitando a ideia de uma elite do poder. Ela ficam que, sob condições de pobreza extrema, alguns países devem ter suas
não existe. Essa é uma imagem simplificada do poder na sociedade cujo va­ dívidas perdoadas, como foi exigido e parcialmente obtido pelo movimento
lor analítico é limitado a alguns casos extremos. É precisamente porque não do Jubileu.* Outro exemplo de novos códigos nas redes financeiras globais é
há qualquer elite do poder capaz de manter as operações de programação e 0 projeto de avaliação das ações de companhias segundo a ética dessas em­

comutação de todas as redes importantes sob seu controle que sistemas mais presas em relação ao meio ambiente ou a seu respeito pelos direitos humanos
sutis, complexos e negociados de aplicação do poder devem ser estabelecidos.
Para que essas relações de poder sejam constituídas, os programas das redes
dominantes da sociedade precisam estabelecer metas compatíveis entre essas * No original Jubilee Movement, o Jubilee 2000 foi um movimento de coalizão internacional
em mais de quarenta países que pediu o cancelamento da dívida do Terceiro Mundo até o
redes (por exemplo, dominação do mercado e estabilidade social; poder militar
ano 2000. Esse movimento coincidiu com a comemoraç ão do ano 2000 na Igreja Católica,
e contenção financeira, representação política e reprodução do capitalismo; livre o Grande Jubileu, e, por isso, seu nome. (N. da T.)

Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 93
92 1 MANUEL CASTELLS
na expectativa de que isso tenha um impacto na atitude de investidores e esferas da vida. Há, por certo, uma relação simbiótica entre a interrupção de
acionistas para com as empresas consideradas bons ou maus cidadãos do comutadores estratégicos por ações de resistência e a reconfiguração das redes
planeta. Sob essas condições, o código de cálculo econômico muda de cresci­ de poder com um novo conjunto de comutadores que são organizados em torno
mento potencial para crescimento potencial sustentável. Reprogramação mais das redes de segurança.
radical vem de movimentos de resistência cujo objetivo é alterar o princípio A resistência ao poder programado nas redes também ocorre por meio das
fundamental de uma rede - ou o núcleo do código programático, se você redes e por elas. Essas são também redes de informação alimentadas pelas
permite que eu mantenha a comparação com a linguagem dos softwares. Por tecnologias de informação e comunicação (Arquilla e Rondfeldt, 2001). O
exemplo, se a vontade de Deus deve prevalecer sob todas as condições (como movimento erroneamente chamado de "movimento antiglobalização" é
na declaração dos fundamentalistas cristãos), as redes institucionais que cons­ uma rede global-local organizada e discutida na internet e estruturalmente
tituem o sistema legal e judicial devem ser reprogramadas não para seguir a comutada com a rede de mídia (ver o Capítulo 5). A al-Qaeda e organizações
constituição política, as prescrições legais, ou as decisões governamentais (tais a ela ligada formam uma rede feita de nós, múltiplos com pouca coordenação
como deixar que as mulheres tomem decisões sobre seu corpo e sua gravidez), central e voltada diretamente para sua comutação com as redes da mídia,
mas para submetê-las à interpretação de Deus por seus bispos terrenos. Em por meio das quais eles esperam infligir medo entre os infiéis e despertar a
outro exemplo, quando os movimentos por justiça global exigem que sejam esperança entre as massas oprimidas de seus seguidores (Gunaratna, 2002;
reescritos os acordos comerciais administrados pela Organização Mundial do Seib, 2008). O movimento ambiental é uma rede conectada globalmente mas
Comércio para incluir a preservação ambiental, direitos sociais e o respeito com raízes locais, cujo objetivo é mudar a mente da população como um meio
pelas minorias indígenas, eles têm o objetivo de modificar os programas sob de influenciar decisões de políticas para salvar o planeta ou nosso próprio
os quais as redes da economia global funcionam. bairro (ver Capítulo 5).
O segundo mecanismo de resistência consiste em bloquear os comutadores Uma característica central da sociedade em rede é que ambas as dinâmicas
de conexão entre redes que permitem que as redes sejam controladas pelo me­ de dominação e de resistência à dominação dependem da formação de redes e
taprograma de valores que expressam a dominação estrutural - por exemplo, de estratégias de redes para ataque e defesa. De fato, isso remonta à experiên­
arquivando processos legais ou influenciando o Congresso norte-americano cia histórica de tipos anteriores de sociedades, como a sociedade industrial.
a fim de desfazer a conexão entre empresas oligopolistas da mídia e o gover­ A fábrica e a grande corporação industrial organizada verticalmente foram a
no, desafiando as regras da Comissão de Comunicação Federal dos EUA que base material para o desenvolvimento tanto do capital corporativo quanto do
permitem maior concentração de propriedade. Outras formas de resistência movimento dos trabalhadores. Da mesma forma, hoje, as redes de computadores
incluem o bloqueio da formação de redes entre as empresas corporativas e para os mercados financeiros globais, sistemas transnacionais de produção, for­
o sistema político regulamentando as finanças das campanhas ou levar ao ças armadas "inteligentes" com alcance global, redes de resistência terrorista, a
público a incompatibilidade entre ser vice-presidente e receber dividendos sociedade civil global e movimentos sociais em rede que lutam por um mundo
de nossa antiga companhia que se beneficia de contratos militares. Ou se melhor são todos componentes da sociedade global em rede. Os conflitos de
opor à servidão intelectual aos poderes constituídos, o que ocorre quando nosso tempo são travados por atores sociais em rede com o objetivo de atingir
acadêmicos usam suas cátedras como plataformas para propaganda. Uma sua clientela e seus públicos-alvo por meio da comutação decisiva com as redes
perturbação mais radical dos comutadores afeta a infraestrutura material da de comunicação multimídia.
sociedade em rede; os ataques materiais e psicológicos ao transporte aéreo, Na sociedade em rede, o poder é redefinido, mas não desaparece. E tampouco
às redes de computadores, a sistemas de informação, a redes de instalações desaparecem as lutas sociais. A dominação e a resistência à dominação mudam
das quais depende a sobrevivência das sociedades no sistema alt�mente com­ de caráter de acordo com a estrutura social específica da qual elas se originam
plexo e interdependente que caracteriza o mundo informacional. O desafio e que elas modificam por meio de sua ação. O poder governa, os contrapodtres
do terrorismo é precisamente baseado nessa capacidade de ter.·como alvo os lutam. As redes processam seus programas contraditórios enquanto as pessoas
comutadores materiais estratégicos, de tal forma que sua interrupção, ou a tentam encontrar sentido nas fontes de seus medos e de suas esperanças.
ameaça de sua interrupção, desorganiza a vida cotidiana das pessoas e as força
a viver em uma situação de emergência - alimentando assim o crescimento
de outras redes de poder, as redes de segurança, que se estendem a todas as

94 1 MANUEL CASTELLS 0 PODER DA COMUNICAÇÃO 1 95


CONCLUSÃO: COMPREENDENDO AS RELAÇÕES valores dominantes do presente nas projeções: como fazer o mesmo, com mais
DE PODER NA SOCIEDADE EM REDE GLOBAL lucro e mais poder, daqu i a vinte anos. A capacidade de se projetar o tempo
atual, e ao mesmo tempo negar o passado e o futu ro para a hu manidade como
um todo, é ou tra forma de estabelecer o tempo intemporal como u ma forma
As fontes de poder social em nosso mundo - a violência e o discurso, a coerção
e a persuasão, a dominação política e o enquadramento (Jraming) cultural - de afirmação do poder na sociedade em rede.
não são fundamentalmente diferentes de nossa experiência histórica, como Mas como o poder é exercido dentro das redes e pelas redes para aqueles que
foi teorizado por alg uns dos pensadores mais importantes sobre o poder. Mas estão inclu ídos nas redes centrais que estr uturam a sociedade? Considerarei
o terreno onde as relações de poder operam mudou principalmente em dois em primeiro lugar as formas contemporâneas de exercer poder por meio do
sentidos: ele é primordialmente constr uído em torno da articulação entre o monopólio da violência e depois por meio da constr ução de significado por
local e o global; e ele é primordialmente organizado em torno de redes, não de discursos disciplinares.
unidades. Como as redes são múltiplas, as relações de poder são específicas a
Primeiro, como as redes são globais, o Estado, encarregado do poder pelo
cada uma delas. Mas há uma forma fundamental de exercer poder que é comum monopólio da violência, encontra limites consideráveis para su a capacidade
a todas as redes: a exclusão da rede. Isso também é específico a cada uma delas: coercitiva a menos que forme redes com outros Estados e com os detentores do
uma pessoa, grupo ou território pode ser excl u ído de uma rede mas inclu ído
poder nas redes decisivas qu e moldam as práticas sociais em seus territórios,
em outras. No entanto, como as redes principais e estratégicas são globais, ao mesmo tempo que estão sendo posicionadas na esfera global. Portanto, a
há uma forma de exclusão - de poder, portanto - qu e é abrangente em um capacidade de conectar várias redes e de restaurar algum tipo de fronteira dentro
da qual o Estado retenha sua capacidade de intervir passa a ser essenci�l para a
mundo de redes: incluir tudo que é valioso no global e ao mesmo tempo excluir
reprodução da dominação institucionalizada no Estado. Mas a capacidade de
o local desvalorizado. Há cidadãos do mundo, vivendo no espaço de fluxos,
estabelecer a conexão não está, necessariamente, nas mãos do Estado. O poder
versus os locais, vivendo no espaço dos lugares. Como o espaço na sociedade
do comutador é detido pelos comutadores, atores sociais de diferentes tipos que
em rede é configurado em torno da oposição entre o espaço de fluxos (global) e
são definidos pelo contexto no qual redes específicas têm de ser conectadas por
o espaço de lugares (local), a estr utura espacial de nossa sociedade é uma fonte
razões específicas. Claro, os Estados ainda podem bombardear, prender e tortu­
importante da estr uturação das relações de poder.
rar. Mas a menos qu e eles encontrem meios de reunir várias redes estratégicas
O mesmo ocorre com o tempo. O tempo intemporal, o tempo da socie­
interessadas nos benefícios de sua capacidade de exercer violência, o exercício
dade em rede, não tem passado nem futuro. Nem mesmo o passado recente.
pleno de seu poder coercitivo normalmente não dura muito. A dominação es­
É o cancelamento da sequência e, assim, do tempo, pela compressão ou pelo
tável, que fornece a base para a realização das relações de poder em cada rede,
obscurecimento da sequência. Portanto as relações de poder são constr uídas
exige uma negociação complexa para estabelecer parcerias com os Estados, ou
em torno da oposição entre o tempo intemporal e todas as outras formas de
com O Estado em rede, que contribui para acentu ar as metas atribuídas a cada
tempo. O tempo intemporal, que é o tempo do breve "agora", sem sequência ou
rede por se us respectivos programas.
ciclo, é o tempo dos poderosos, daqu eles que saturam se u tempo até o limite Segundo, os discursos do poder fornecem metas substantivas para os progra­
máximo porque sua atividade é muito valiosa. E o tempo é comprimido até 0 mas das redes. As redes processam os materiais culturais qu e são constr u ídos
nanossegundo para aqueles para quem tempo é dinheiro. O tempo da história, na esfera múltipla do discurso. Esses programas são orientados para a satisfa­
e das identidades históricas, desaparece em um mundo onde apenas a gratifi­ ção de certos interesses e valores sociais. Mas, para ser eficaz na programação
cação imediata importa, e onde o fim da história é proclamado pelos bardos dessas redes, eles precisam depender de um metaprograma que garanta qu e
dos vitoriosos. Mas o tempo do relógio do taylorismo ainda é a sina da maioria os receptores do discu rso internalizem as categorias por meio das quais eles
dos trabalhadores e o tempo de Zangue durée daqueles que preveem o que pode encontram um sentido para suas próprias ações que esteja de acordo com os
acontecer com o planeta é o tempo dos projetos alternativos que recusam se programas das redes. Isso é particu larmente importante em u m contexto de
submeter à dominação dos ciclos acelerados do tempo instr umental. E é inte­ redes globais porque a diversidade cultural do mundo tem de ser coberta com
ressante, há também um "tempo fut uro" mítico dos poderosos que é o tempo _ _
alg umas estr uturas comu ns referentes aos discursos que transmitem os mte­
projetado dos fut urologistas do mundo corporativo. De fato, essa é a forma resses compartilhados de cada rede global. Em outras palavras, há necessidade
definitiva de conquistar o tempo. É a colonização do futuro extrapolando os de produzir uma cu lt ura global qu e acrescente algo às identidades cultu rais

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Ü PODER DA COMUNICAÇÃO 1 97
específicas em vez de supla ntá-las, para pôr em prática os progra mas de redes em nossa sociedade , molda m a mente públic a por meio de uma tecnologia espe­
que são globais em seu alca nce e objetivo. Para que a gl oba lização exista , ela cífica: redes de comunicação que organiza m a c omunicação socia lizada. Como
preci sa afirmar um discurso disciplina r capaz de enquadrar culturas específicas a mente pública - isto é, o conjunto de valores e comportamento s que têm
(L ash e Lury, 2007). uma exposição ampla na sociedade - é, em última instância,·o que influencia o
Assim, a c omutação e a progra mação das redes globais são as formas de c omp ortamento individual e coletivo, a programação das redes de comunicação
exercer poder em nossa sociedade global em rede. A comutação é executada por é a ma ior fonte de materiais culturais que a limentam as metas programadas de
c omutadores; a program ação é rea lizada por progr am adores. O s comutadores qualquer outra re�e. Além disso, como as redes de c o�unicação conecta m o
e os progra madores em cada rede são específicos àquela rede e não podem ser local com o global, os códigos difundidos nessas redes tem um a lcance global.
determinados sem uma investiga çã o em cada caso par ticular. Projetos e valores alternativos propost os pelos atores sociais que têm como
A resistência à programação e a interrupção da comutação a fim de defender objetiv o reprograma r a s o ciedade precisam ta mbém passar pelas redes de co­

val ores e interesses alternativos sã o as formas de contrapoder postas em prá­ municação para transform a r a consciência e as visõe s na mente das pessoas a
tica pel os movimentos s ociais e pela sociedade civil - local, na cional e glob a l fim de desafiar os poderes c onstituídos. E é apenas atua ndo sobre os discursos
- c om a dificuldade adiciona l de que as re des de poder são n orma lmente 1 glo bais p or meio das redes glo bais de co municação que esses atores podem
globais, enqua nt o a resistência de c ontrapoder é n ormalmente loca l. Como 1 influenciar as relações de poder nas redes globais que estrutura m todas as
a tingir o gl obal a par tir do l o c al por mei o da forma ção de redes c om out ras so ciedades. Em último caso, o poder da progra mação condiciona o poder da
localidades ou seja, c omo transformar em "c omunidades de base" o espaço comutação, porque os progra mas das redes determinam a variedade de pos­
de fluxos - passa a ser a questão estratégica fundamenta l para os moviment os síveis interfaces no processo de comutação. Os discursos limita m as opçõe s
sociais de nossa era . daquilo que as redes podem ou não fazer. Na so ciedade em rede os discurs os
'.
Os meios específicos de comutaçã o e program ação determinam em gra nde são gerados, difundidos, disputados, internalizados e finalmente mc orporados
pa rte as formas de pode r e c ontr apoder na so ciedade em rede. A comutação de na ação humana , na esfera de comunica ção socializada co�struí�a em t� r� o de
1 redes locais-globais de comunicação digital multimodal, mclus1ve a m1dia e a
várias redes exige a capacidade de constr uir uma interface cultural e orga ni­
zaciona l, uma língua comum, um meio comum, e o apoio de um va lor a ceit o internet. O poder na sociedade em rede é o poder da c omunicação.
universalmente: o val or de tro ca. Em n osso mundo, a forma mais comum e
versátil de valor de troc a é o dinheiro. É por meio dessa m oeda c omum que
o compartilhamento do p oder é medi do com mais frequência ent re as várias
rede s. Esse padrã o de medida é essencia l porque ele remove o papel deci sivo do
Estado, já que a apropriação do valor por todas as redes torna - se dependente
de tra nsações financeiras. Iss o não significa que os ca pitalistas c ontr ol a m tudo.
Significa apenas que as pessoas que têm dinheiro suficiente, inclusive líderes
políticos, terão melhores op ortunidades de opera r o comutador em seu bene­
fício . Mas, na economia capita lista , a lém de tra nsações monetárias, a permuta
ta mbém pode ser utilizada: uma troca de serviços entre redes (por exempl o,
pode r regulatóri o em tro ca de financia mento político por parte das empresas,
ou em ma ior acesso à mídia em tro ca de influência polític a). Assim, o poder
da comut ação depende da capa cidade de gera r v al or de troca , seja por mei o de
dinhei ro ou de tro cas.
Há uma segunda fonte principa l de poder: a capa cidade de programação
das redes. Essa capacidade depende, em última instância , da habilidade pa ra
gera r, difundir e influenciar os discursos que moldam a ação humana . Sem essa
capacidade discursiva, a programação de redes específicas é frágil e depende
unicamente do poder dos atores entrincheirados nas instituições. Os discursos,

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