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Catirina e Pai Francisco: conheça a história dos

personagens, símbolos do período junino no Mito e tradição popular


Maranhão “Ai, Catirina! Poupa esse boi”, diz o lamento entoado no refrão de
A história de Catirina e Pai Francisco é considerada um dos enredos “Catirina”, êxito musical de autoria do compositor Josias Sobrinho,
essenciais na tradição do bumba meu boi, no estado. gravado, ao fim dos anos 1970, pelo cantor e percussionista Papete.
A canção expressa o desejo de Catirina – grávida, como retrata o
Por g1 MA — São Luís - 20/06/2023 14h49 folguedo –, em comer a língua de um boi. O novilho, contudo, é tido
em alta conta pelo amo da fazenda [chefe da propriedade] em que a
jovem e seu marido, Pai Francisco, trabalhavam, escravizados, à
época do período colonial brasileiro.

A insistência de Catirina, porém, vincula-se à tradição popular que


orienta o cumprimento dos desejos de gestantes, sob a condição de
que as crianças esperadas não tenham problemas ou padeçam com
mau agouro. Pai Francisco, conforme reza o dito popular, não teve
outra escolha senão selar o destino do boi, para agradar a amada,
às custas de aborrecer o patrão.

O sacrifício do animal foi sentido pelo fazendeiro, que ameaçou de


morte Catirina e Pai Francisco, caso não fosse possível cessar a
agonia do boi, ferido de morte. A história, em sua moral, traz um
desfecho satisfatório aos personagens: pajés e curandeiros,
convocados para trazer o boi à vida, ressuscitaram-no. Catirina e Pai
Bu
mba Meu Boi — Foto: Davi Mello/Divulgação
Francisco, por sua vez, foram poupados. O urro do gado, já
restituído, pôs a fazenda em cantoria e festa, a partir de então.
No rico universo do folclore maranhense, o período junino se
destaca ao apresentar histórias e ritos singulares, estimados pela Bumba meu boi e tradição literária
população e prosseguidos em diversas manifestações culturais. Celebrado em todo o Brasil sob diferentes denominações, o bumba
Apreciada e evocada com destaque, a história de Catirina e Pai meu boi traz, em sua estrutura simbólica, elementos dos autos
Francisco define, com particularidade, a simbologia das festas de teatrais, principiados durante a Idade Média.
bumba meu boi no estado.
A narrativa, cujo enredo inclui elementos de paixão, humor, Na literatura, o termo “auto” é originário do gênero literário definido
moralidade e sacrifício, é basilar, ao retratar, de forma alegórica, as como “auto sacramental”, popular entre os séculos XIV a XVIII, e
origens e a influência da celebração do bumba meu boi na cultura constituído por alegorias e elementos dramáticos, empregados para
popular. retratar cenas e personagens relacionados à temática religiosa.
como dança dramática, não tem geração espontânea. Trata-se
Em entrevista ao g1 Maranhão, o jornalista, pesquisador e teatrólogo, de auto, na sua concepção original, com todas as características
Américo Azevedo Neto, argumenta que a essência do mito de de um auto. Assinado por Gil Vicente [dramaturgo e poeta
Catirina e Pai Francisco pode ser expressa como “dança dramática”, português da Idade Média], seria inteiramente pertinente. Então,
conforme a definição utilizada pelo poeta modernista e pesquisador, historicamente, a criação de Pai Francisco e Catirina é a criação de
Mário de Andrade, em seu estudo, “Danças Dramáticas do Brasil”. dois personagens de um auto, criado, possivelmente, com
intenções catequéticas”, argumenta.
Segundo Azevedo Neto, a lenda também pode ser associada ao
período econômico brasileiro havido entre os séculos XVII a XVIII,
denominado de “Ciclo do Gado”. Fé na dança
A dança e a música, nas representações de Chico e Catirina,
compõem a experiência cultural relacionada ao folclore do bumba
meu boi. A festa, no Maranhão, desde a sua origem, além de
sincretizar elementos de matriz africana, indígena e ibérica, contém,
em seus ritos fundamentais, associações com datas religiosas, como
13 de junho (dia de Santo Antônio), 24 de junho (dia de São João), 29
de junho (dia de São Pedro) e 30 de junho (dia de São Marçal).

A substância religiosa presente no enredo de Catirina e Pai


Francisco, e nos autos de Bumba Meu Boi, sintonizam um mesmo
teor sacro. Em sua origem, os grupos tradicionais de bumba meu
boi o faziam como “pagamento” de promessas a São João, ou ao zelo
pelo “apadrinhamento” do santo aos bois. O sacrifício do animal,
portanto, na história de Catirina e Pai Francisco, violaria o desejo do
amo em sacrificá-lo, em um ato de devoção a São João.

“A importância da dança e dos cantos, era não só em relação a


Catirina e Pai Francisco, mas em relação ao boi e ao auto, como um
todo. [O enredo] se referia à manifestação cultural como um todo”,
avalia Américo Azevedo Neto.

Grupo de bumba meu boi durante apresentação — Foto: Brawny Meireles Catirina, Pai Francisco e as novas gerações
Embora com componentes dos autos religiosos em sua estrutura, a
“A criação de Pai Francisco e Catirina; a criação do auto do lenda de Catirina e Pai Francisco passou por diversificações de
boi, que Mário de Andrade, há mais de 100 anos, registrou enredo e conteúdos, historicamente. O aspecto regional também
produziu alterações no motivo condutor da história, conhecida e
retratada em diversos estados brasileiros.

A aderência dos grupos de bumba meu boi do Maranhão ao “mito


fundador” da festa, no Maranhão, de acordo com Américo Azevedo
Neto, acompanha um processo de transformação similar. Os temas
dos conjuntos folclóricos, afirma o pesquisador, se ampliaram, sem,
no entanto, haver o esquecimento da história e o seu repasse às
novas gerações.

“A lenda de Catirina tem sido preservada esse tempo todo, como


toda manifestação cultural é preservada: enquanto não há um
volume maior de informações. Agora, a história já não é contada
com mesma frequência, porque os grupos de bumba meu boi vêm
sofrendo as alterações normais, que toda manifestação folclórica
viva sofrem”, sentencia Azevedo Neto, ao descrever as
mudanças ocorridas nas temáticas trabalhadas pelos conjuntos
folclóricos.

Fonte:
https://g1.globo.com/ma/maranhao/saojoao/noticia/2023/06/20/catirina-e-
pai-francisco-conheca-a-historia-dos-personagens-simbolos-do-periodo-
junino-no-maranhao.ghtml

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