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PAZ

CartILHA da

Cultura de Paz em Educação


A Arte de Viver em Paz

Pierre Weil e Colaboradores


Todos os direitos desta obra pertencem a
Fundação Cidade da Paz - Brasília/DF

Programa A Arte de Viver em Paz

Esta CartiIha é dedicada ao cuidado de si, com o outro e com a natureza.


Cuide da semeadura desse precioso legado, vivenciando Biofilia.

Autor
Pierre Weil

Textos Colaborativos
Cristina Torres
Fábio Otuzi Brotto
Lydia Rebouças
Maurício Andrés Ribeiro
Regina Fittipaldi
Roberto Crema

Coordenação Editorial
Lydia Rebouças

Supervisão editorial
Camila Gonzalez
Nelma da Silva Sá

Assistência Editorial
Heliane Carnevalli
Laura Lobo

Capa e Projeto Gráfico


Fabio Gil Nucci

UNIPAZ

WWW.UNIPAZ.ORG.BR

Outubro/2020
Fábula do Beija-Flor
Por Pierre Weil

Diante da magnitude e complexidade dos problemas da nossa época, muitas são as pessoas
desanimadas, achando que não têm nem competência, nem poder para resolvê-los. Acham que
isto é atribuição de governos, ou de organismos das Nações Unidas. Este é apenas um aspecto da
questão. Outro, pode ser ilustrado pela fábula indiana.

Era uma vez um incêndio na floresta.


Todos os animais fugiam desesperados.
Um beija-flor fazia um caminho diferente.
Com o bico, ele pegava água em um lago e jogava no fogo.
Um tatu, intrigado, perguntou:
- Beija-flor, você acha mesmo que pode apagar o incêndio?
O beija-flor respondeu:
- Tenho certeza de que não vou apagar o incêndio. Mas eu faço a minha parte.

Se você quiser realmente viver em paz, pratique as Ecologias do Ser, Social e Ambiental. A sua
existência irá melhorar de uma maneira que você nem imagina.

Para obter tal resultado, aplique com assiduidade as recomendações desta Cartilha.

Faça sua parte. Seja um beija-flor da paz.


ÍNDICE
PREFÁCIO 5

Paz, uma utopia realizável 5

A UNIPAZ 8

A ARTE DE VIVER EM PAZ 10

INTRODUÇÃO 13

Unipaz: todo dia é dia de Cultura de Paz 13

O MODELO PEDAGÓGICO E AS TRÊS ECOLOGIAS 16

As Causas da Violência 16

Como despertar a Paz? 17

AS TRÊS ECOLOGIAS 19

Ecologia Pessoal A arte de viver em paz consigo mesmo 19

Ecologia Social A Arte de viver em paz com os outros 23

Ecologia Ambiental A arte de viver em paz com a natureza 26

EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS 29

Educar para a Inteireza 29

OS ELEMENTOS DA MATÉRIA e as Funções Psíquicas 32

AS QUATRO APRENDIZAGENS, os quatro elementos, as quatro


funções psíquicas 35

APRENDER A SER Intuição / Fogo 38

OS QUATRO ESTILOS DO CONHECIMENTO, as quatro aprendizagens,


os quatro elementos e as quatro funções psíquicas 39

A CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE 42

Carta da Transdisciplinaridade 42

DOCUMENTOS E TEXTOS 45

Manifesto da Unipaz Declaração universal dos direitos à paz 45

Declaração Universal dos Direitos Humanos 47

Declaração das Responsabilidades Humanas Para a Paz e o


Desenvolvimento Sustentável 52

17 Objetivos para transformar o nosso mundo: Agenda 2030 para o


desenvolvimento sustentável 55

Carta da Terra e Unipaz: convergindo pela Cultura de Paz 58

Cooperar no cotidiano 68

Ecologizar o cotidiano 70

Banho de Floresta 73

Austeridade feliz, conforto essencial, simplicidade voluntária e frugalidade 79


PREFÁCIO

Paz, uma utopia realizável


Por Roberto Crema, reitor da Unipaz

Jogo a garrafa ao mar.


Quem a encontrar que apanhe a mensagem nela contida, e, se quiser e
achar oportuno e viável, beneficie a si mesmo e a própria humanidade.
É esse o meu último voto.

(PIERRE WEIL, 1924-2008).

Uma simbólica trindade de letras e um desafio para todos os passos na trilha da existência: PAZ.
Pax, em latim, segundo uma opinião geral, designa um estado de tranquilidade, de calma e de
ausência de agitação, de perturbação e de conflito. Converge com hêsychia, em grego, raiz da
palavra Hesicasmo, uma linhagem do cristianismo original. Entretanto, precisamos mergulhar
além do pensamento binário do senso comum, rumo aos meandros paradoxais envolvidos nos
sentidos e nas experiências contidas no interior desta palavra tão imperiosa nos tempos de
desabamentos e de florescimentos que estamos velejando, ao sabor de ventanias e de melodias,
neste alvorecer numinoso do terceiro milênio.
Algumas abordagens da filosofia ocidental focalizam o tema da paz, através de óticas diversas,
geralmente considerando-o como um estado oposto ao da guerra. Thomas Hobbes considerava
o ser humano violento por natureza, vivendo num estado permanente de conflito, homo homini
lupis. A existência de um contrato social, neste enfoque, torna-se imprescindível, para que alguma
harmonia seja possível. Por outro lado, o filósofo do Iluminismo, Jean-Jacques Rousseau, que
sustentava o mito do bom selvagem, considerava a guerra essencialmente uma realidade social e
política - jamais como um estado natural. Em outras palavras, a belicosidade seria o sintoma de
uma perversão causada por uma sociedade cultivadora de necessidades supérfluas e irreais, que
nos tornam miseráveis, sobretudo pela arraigada rivalidade em torno da propriedade.
A concepção de Hobbes refere-se ao postulado de uma antropologia polemológica – do grego
polemos, que significa guerra –, afirmando um primado desta sobre a paz. Enquanto a de
Rousseau diz respeito a uma antropologia irenista – do grego eirene, uma divindade mitológica
que simboliza a paz, que afirma o primado desta sobre a guerra.
O paradigmático Emmanuel Kant, herdeiro da concepção de Hobbes, no seu texto clássico,
Rumo à paz perpétua, afirma que, entre os seres humanos, o estado da guerra é natural e que, por
esta razão, torna-se necessário que o estado da paz seja instituído. Para Kant, a paz deve ser

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Prefácio

estabelecida juridicamente, através de certo número de princípios destinados a criar a


possibilidade voluntária de uma paz permanente, além de uma simples cessação provisória das
hostilidades naturais humanas. De maneira paradoxal, a abordagem kantiana indica que a guerra
pode ser um mal necessário e, mesmo, um prelúdio à paz, em função da dialética histórica entre
o bem e o mal: o bem procede do mal como a paz se origina da guerra, sem que, por esta razão, o
mal e a guerra sejam justificados. Eis o paradoxo: exercitando a guerra o ser humano busca a
vitória, ou seja, a paz.
A dialética entre estes dois conceitos foi formulada, há milênios, através da filosofia perene de
Heráclito de Éfeso, que afirmava a indissociabilidade entre a guerra e a paz. Para este notável
filósofo da transmutação, nem a paz e nem a guerra são fenômenos puros e dissociados, já que
formam uma união viva, segundo o princípio da unidade dos contrários e a harmonia dos
opostos, como a do arco e da lira.
Num movimento convergente, a sabedoria ancestral chinesa, através do seu clássico I Ching,
aponta na mesma direção. Considerado o mais antigo texto chinês entre as obras de Confúcio
com influência taoísta, sustenta-se na visão da interpenetração dos contrários, contida no vasto e
insondável símbolo do Tao. Este tratado singular de sabedoria investiga os mecanismos
cósmicos, sobre a base do jogo do Yin e do Yang, nos fundamentos de uma perene mutação: não
há o que passa, não há quem passa; só há passagem. É instigante constatar que o hexagrama da
Paz do I CHING, número 11, consiste no princípio do céu, Yang, sustentando o princípio da terra,
Yin. O seu oposto, o hexagrama número 12, indica uma inversão: o princípio da terra sustentando
o princípio do céu. O seu nome, contrariando a expectativa da mente binária, não é nem guerra,
nem conflito: é estagnação.
Este preceito de sabedoria esclarece que nós perdemos a paz e a saúde, onde há uma
interdição do processo, um congelamento do devir, uma esclerose da dinâmica. A imagem de
uma poça d’água estagnada ilustra, com eloquência, esta concepção: basta observar a sua
degradação, a sua toxidez e periculosidade – tão diversa da água corrente e límpida de um riacho
ou uma cachoeira…
Nesta visão aberta e acolhedora da sabedoria do paradoxo, paz não é mera ausência de tensão
e de conflito. Como afirma o poeta, quantas guerras eu terei que viver por um pouco de paz?… A
paz, como a saúde, é uma função da consciência do fluxo, do devir, de uma entrega ao processo
infindo do kairós do Agora. O seu oposto é um estado de paralisia do movimento, de petrificação
do vir-a-ser, de asfixia do Processo e surdez ao Instante, causada pela ilusão do passado e pela
ficção do futuro.
Os artesãos da paz, portanto, são militantes e guerreiros do bom combate, seres humanos que
ficam de pé e seguem adiante, transgredindo a estagnação típica da normose – patologia da
normalidade –, com as armas da consciência, a espada do discernimento, a infantaria do amor e
o batalhão da fraternidade e do serviço. Nunca é demais lembrar que a palavra japonesa samurai,
na sua acepção original, significa aquele que serve, ou seja, servidor da paz.
Por outro lado, o humano é um ser inacabado. Esta concepção remonta a Confúcio, que falava
da nobreza humana como produto de uma tarefa educativa que visa ao aperfeiçoamento e uma
maior completude. Na abordagem confuciana, a originalidade humana é a de ser educável, sendo
que as virtudes do belo, do bom e do bem se encarnam no ideal do nobre, a pessoa que se educa
e se desenvolve na direção da sua plena realização. O que nos diferencia dos demais reinos é que
não nascemos humanos; nós nos fazemos humanos, através de um investimento disciplinado e
resiliente no potencial de uma plenitude possível, na ousadia e disciplina do passo nosso de cada
dia em trilhas com coração. Como afirma o belo lema do Bildungsroman do romantismo alemão,
“Torne-se quem você é!”
O eminente educador brasileiro, Paulo Freire, através da sua visão crítica e emancipadora de

6
Prefácio

uma pedagogia do oprimido, sempre insistiu no fato incontornável do inacabamento humano.


Para Freire, a razão de ser da educação reside na nossa condição de incompletude, que solicita
um processo pedagógico centrado no encontro, no diálogo e na problematização, para que uma
pessoa possa ler e pronunciar o mundo na condição de protagonista, evoluindo da condição de
objeto para a de sujeito da própria existência.
Em total convergência, em hebraico, a palavra que designa paz, shalom, deriva da mesma raiz
de shalem, que significa inteireza – como o termo holístico, derivado do grego holos, significa
totalidade. Já no idioma inglês, a expressão whole – inteiro; total – se origina da mesma raiz de
holy, que significa sagrado. Assim, as virtudes complementares da paz, da saúde e da plenitude
implicam, por um lado, na força dinâmica do processo, do vir-a-ser e, por outro, na conquista da
consciência de inteireza, já que tudo que é inteiro é belo, é justo, é saudável, é pacífico e é sagrado.
Neste sentido, a paz é uma consequência natural de certa integridade lograda, de um mínimo de
completude conquistada, de uma integridade em movimento. Enfim, paz é integração entre a
terra e o céu, entre o imanente e o transcendente, entre a razão e o coração, entre a sensação e a
intuição, entre o pessoal e o transpessoal, entre a matéria e a Luz…
Necessitamos, com premência, de uma educação para a paz, que nos liberte do fardo da
estagnação típica de uma normose da pequenez, do desencontro e de uma distração crônica,
para vincular-nos a uma Ecologia da Presença, despertar para o Agora, templo do Encontro. E
que também nos propicie um solo fértil, para que o potencial humano de inteireza e de plenitude
floresça, abrindo espaço para a emergência de uma humanidade mais digna, sábia, amorosa e
íntegra, reconciliada nas dimensões do saber e do Ser.
A Universidade Internacional da Paz, UNIPAZ, por meio da sua teoria fundamental, alicerçada
no paradigma transdisciplinar holístico, há mais de três décadas desenvolve, de forma ousada e
inovadora, uma Escola Superior de Paz, o sonho do nosso saudoso e perene Samurai da Paz,
Pierre Weil. Esta é a mensagem contida na garrafa que ele lançou ao mar, após ter dedicado toda
sua existência e obra a uma promessa feita na sua adolescência, de desenvolver uma educação
que lance pontes sobre todas as fronteiras que dissociam, fragmentam e dilaceram a
humanidade. Um sonho plenamente realizado, transmutado em Obra Prima, que se irradiou por
todo o Brasil e vai se difundindo mundos afora, consciências adentro.
“Tudo que não regenera, degenera”, afirma o filósofo da complexidade, Edgar Morin. Esclarecer
para não esclerosar, ousar para não findar. Que nosso mutirão por uma cultura da paz, alicerçado
no desafio de uma educação holística e de um cuidado integral, siga tocando mentes sensíveis e
corações abertos. Trata-se de fomentar uma massa crítica consciencial para um salto evolutivo
rumo à tarefa premente de regeneração do ser humano, essa terra prometida, espaço de Aliança
entre todos os Reinos, onde o Universo pode se saborear, a canção da paz ressoar e a poesia da
Vida nos embriagar. Em marcha!

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Prefácio

A UNIPAZ

Tem por finalidade essencial contribuir para o despertar de uma nova consciência, alicerçada
na visão do todo. Formada pela Universidade Internacional da Paz e a Fundação Cidade da Paz.

A Universidade Internacional da Paz é:


• Lugar para descoberta do nosso propósito de ser e existir no mundo
• Centro de pesquisa de questões essenciais à vida
• Espaço de encontro entre oriente e ocidente
• Incentivo às universidades para reencontrar a sua uni-diversidade
• Proposta de solução para a crise de fragmentação
• Centro de Educação da Arte de Viver em Paz
• Local de retiro e encontro de tradições espirituais vivas
• Centro de desenvolvimento de uma cultura da Paz e de preservação de aspectos pacíficos e
integrativos da cultura brasileira
• Estímulo para um viver pleno e consciente
• A terceira Universidade da Paz criada por entidade não governamental

A Fundação Cidade da Paz é:


• Um organismo não governamental
• Uma instituição reconhecida como de utilidade pública
• Criada para manter e administrar a Universidade Internacional da Paz (Unipaz)

A Cidade da Paz é:
• Título dado a Brasília pelo Conselho Mundial da Paz de Helsinki.

Unipaz – unidade na diversidade:


A Unipaz realiza suas atividades por meio de diversas unidades sob a forma de Associações e
Núcleos: Unidade Portugal, Unidade DF, Unidade GO, Unidade MG, Unidade PR, Unidade PE,

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Prefácio

Unidade RJ, Unidade SC, Unidade SP, Unidade Baixada Santista (SP), Núcleo Aracaju (SE), Núcleo
Boa Vista do Sul (RS), Núcleo Chapecó (SC), Núcleo Fortaleza (CE), Núcleo Palmas (TO), Núcleo
Poços de Caldas (SP), Núcleo Porto Velho (RO), Núcleo Salvador (BA), Núcleo Uberlândia (MG),
Núcleo Vitória (ES).

Missão e princípios éticos da Unipaz:


Propiciar a pessoas condições para que encontrem caminhos que lhes permitam, através do
despertar da consciência da paz, vivenciar o amor, a sabedoria e a ética, indissociáveis, inerentes a
todos os seres.

I – Inteireza:
• Atentar à utilização da terminologia holística (do grego holos: inteiro). O novo paradigma
contempla uma visão na qual o todo-e-as-partes estão sinergeticamente em inter-relações
dinâmicas, constantes e paradoxais.
• Cultivar discernimento, tolerância, respeito, alegria, simplicidade e clareza nos encontros entre
representantes das Ciências, Filosofias, Artes e Tradições Espirituais, qualidades inerentes à
abordagem transdisciplinar holística.
• Focalizar com abertura e exame crítico a complementaridade e a contradição na
consideração do relativo e do absoluto, da vida quantitativa e da qualitativa, a serviço da vida,
do ser humano e da evolução.

II – Inclusividade:
• Respeitar as diferentes áreas do conhecimento humano e suas singularidades.
• Reconhecer e acolher cada ser e cada cultura como manifestações da realidade plena.
• Corresponder ao fato de que o produto de toda criatividade não tem, em última instância,
nenhum proprietário, honrando, contudo, os autores individuais e coletivos.

III – Plenitude:
• Solidarizar com o outro na satisfação de suas necessidades de sobrevivência e
transcendência.
• Colaborar com o outro na preservação do bem comum e na convivência harmoniosa com a
natureza.
• Buscar um ideal de sabedoria indissociado da dimensão do amor e do serviço.

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Prefácio

A ARTE DE VIVER
EM PAZ

A Arte de Viver em Paz, de autoria do Professor Dr. Pierre Weil, recomendada pela Unesco, é
uma contribuição da Unipaz para a construção da Cultura de Paz. Trata-se de um programa de
educação para a paz com base em uma metodologia descrita no livro do mesmo título, publicado
pela UNESCO e divulgado em seis diferentes idiomas: francês, inglês, espanhol, alemão, catalão e
português.
Pierre Weil foi inspirado pela Declaração de Veneza (1986) para a criação de A Arte de Viver
em Paz. O conteúdo do programa obedece às recomendações de vários textos produzidos ou
patrocinados pela Unesco e apresenta um novo paradigma para a Educação.

Declaração de Veneza

Comunicado final do Colóquio "A Ciência diante das Fronteiras do Conhecimento".


Os participantes do colóquio "A Ciência diante das Fronteiras do Conhecimento", organizado
pela UNESCO, com a colaboração da Fundação Giorgio Cini (Veneza, 3 a 7 de março de 1986),
animados por um espírito de abertura e de questionamento dos valores de nosso tempo, ficaram
de acordo sobre os seguintes pontos:

1. Somos testemunhas de uma revolução muito importante no domínio da ciência, provocada


pela ciência fundamental (em particular a física e a biologia), devido a transformação que ela
traz à lógica, à epistemologia e também, por meio das aplicações tecnológicas, à vida de
todos os dias. Mas, constatamos, ao mesmo tempo, a existência de uma importante
defasagem entre a nova visão do mundo que emerge do estudo dos sistemas naturais e os
valores que ainda predominam nas filosofias, nas ciências do homem e na vida da sociedade
moderna. Pois estes valores baseiam-se em grande parte no determinismo mecanicista, no
positivismo ou niilismo. Sentimos esta defasagem como fortemente nociva e portadora de
grandes ameaças de destruição de nossa espécie.
2. O conhecimento científico, devido a seu próprio movimento interno, chegou aos limites em
que pode começar um diálogo com outras formas de conhecimento. Neste sentido,
reconhecendo as diferenças fundamentais entre Ciência e Tradição, constatamos não sua

10
Prefácio

oposição, mas sua complementaridade. O encontro inesperado e enriquecedor entre a ciência


e as diferentes tradições do mundo permite pensar no aparecimento de uma nova visão da
humanidade, até mesmo num novo racionalismo, que poderia levar a uma nova perspectiva
metafísica.
3. Recusando qualquer projeto globalizante, qualquer sistema fechado de pensamento, qualquer
nova utopia, reconhecemos ao mesmo tempo a urgência de uma procura verdadeiramente
transdisciplinar, de uma troca dinâmica entre as ciências "exatas”, as ciências "humanas", a
arte e a tradição. Pode-se dizer que este enfoque transdisciplinar está inscrito em nosso
próprio cérebro, pela interação dinâmica entre seus dois hemisférios. O estudo conjunto da
natureza e do imaginário, do universo e do homem, poderia assim nos aproximar mais do real
e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa época.
4. O ensino convencional da ciência, por uma apresentação linear dos conhecimentos,
dissimula a ruptura entre a ciência contemporânea e as visões anteriores do mundo.
Reconhecemos a urgência da busca de novos métodos de educação que levem em conta os
avanços da ciência, que agora se harmonizam com as grandes tradições culturais, cuja
preservação e estudo aprofundado parecem fundamentais. A UNESCO seria a organização
apropriada para promover tais ideias.
5. Os desafios de nossa época: o risco da autodestruição de nossa espécie, o impacto da
informática, as implicações da genética etc., mostram de uma maneira nova a
responsabilidade social dos cientistas no que diz respeito à iniciativa e à aplicação da
pesquisa. Se os cientistas não podem decidir sobre a aplicação da pesquisa, se não podem
decidir sobre a aplicação de suas próprias descobertas, eles não devem assistir passivamente
à aplicação cega destas descobertas. Em nossa opinião, a amplidão dos desafios
contemporâneos exige, por um lado, a informação rigorosa e permanente da opinião pública
e, por outro lado, a criação de organismos de orientação e até de decisão de natureza pluri e
transdisciplinar.
6. Expressamos a esperança de que a UNESCO dê prosseguimento a esta iniciativa,
estimulando uma reflexão dirigida para a universalidade e transdisciplinaridade.

Agradecemos a UNESCO que tomou a iniciativa de organizar este encontro, de acordo com
sua vocação de universalidade.
Agradecemos também à Fundação Giorgio Cini por ter oferecido este local privilegiado para a
realização deste fórum.

UM NOVO PARADIGMA PARA A EDUCAÇÃO

A mudança de paradigma na ciência tem constituído um sério desafio à educação em todos os


níveis, questionando conceitos, valores, atitudes educacionais e métodos. O quadro sinótico a
seguir constitui um resumo das características dessa mudança. (WEIL, P., 2004)

O antigo e o novo paradigma em educação


Quadro Sinótico

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Prefácio

ANTIGO PARADIGMA PARADIGMA HOLÍSTICO

Conceito de • Informação. • Formação. Educação da pessoa.


educação • Ensino limitado ao intelecto. • Processo de harmonização e de pleno
• Instrução dirigida à memória e à desenvolvimento da sensação, do
razão. sentimento, da razão e da intuição.

Conceito de • Aluno considerado como “objeto” • Aluno considerado como sujeito estudando,
estudante de ensino, como mecanismo como participante ativo do processo
automático de registro. educativo.

Sistema • Lado esquerdo do cérebro. • Lado esquerdo e direito.


nervoso • Todo o sistema nervoso cérebro-espinhal.
(neurociências)

Campo de ação • Aquisição de conhecimentos; • Transformação da personalidade em seu


ênfase sobre o conteúdo. Troca de conjunto.
opiniões. • Troca de opiniões, de atitude e de
comportamento efetivo.

Agente • A escola como agente da • A família, a escola e a sociedade em um


educativo educação intelectual; a família esforço concentrado. O educador como
como auxiliar da escola. O animador, facilitador, focalizador, ou mesmo
professor como corpo “docente”. catalisador de evolução.

Conceito de • A evolução para na adolescência. • A evolução continua no adulto.


evolução Maturidade limitada ao intelecto, á • Maturidade vista como um estado de
capacidade de procriar e de consciência ampliado, harmonia, plenitude e
trabalhar. Esta evolução é pessoal. paz, de natureza pessoal e transpessoal.

Tipo de • Predominância da • Formação geral precede à especialização.


formação especialização. Valores • Valores pragmáticos e éticos.
pragmáticos.

Orientação de • Consumismo, competição, poder, • Simplicidade voluntária, cooperação,


valores possessividade, celebridade. generosidade, igualdade, equanimidade.

Métodos de • Exposição verbal, oral, • Pesquisa e trabalho individual e de grupo.


educação complementada por livros e • Exposições verbais e orais para os
manuais. estudantes e o professor. Método ativo.
• Método passivo. Métodos audiovisuais. Exposições, excursões,
• Recompensas e punições em um visitas.
sistema seletivo e competitivo. • O estudante é ativo, pesquisa e ensina aos
• Professor ensina, o aluno escuta. outros. O professor como conselheiro,
• Escola separada da comunidade. consulente, orientador.
O professor “induz” opiniões, • Escola integrada à comunidade.
atitudes e mudanças de • O educador é um exemplo de integração
comportamentos. de princípios e comportamento que
recomenda.

Fonte: Weil, Pierre. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos. 2004.

12
INTRODUÇÃO

Unipaz: todo dia é dia


de Cultura de Paz
Lydia Rebouças, vice-reitora da Unipaz

A Universidade Internacional da Paz (Unipaz) é uma das instituições abre-alas do movimento


de Cultura de Paz no mundo. Há 33 anos nos dedicamos a cultivar e irradiar uma trilha de Cultura
de Paz.
O conceito “Cultura de Paz” é bastante recente. A primeira vez que entramos em contato com
ele foi na Conferência Internacional sobre a Paz na Mente dos Homens, promovida pela Unesco
em Yamoussoukro, Costa do Marfim, em 1989.
Logo após, em 1990, o professor Dr. Pierre Weil escreveu o livro A Arte de Viver em Paz
(AViPaz), que foi publicado pela Unesco em vários idiomas. No ano 2000, a 26ª Assembleia Geral
da Unesco recomendou A Arte de Viver em Paz como um novo método de Educação para a Paz.
Pierre recebeu pessoalmente essa homenagem, tão importante para todo o movimento da
Cultura de Paz.
A Assembleia Geral da ONU, realizada em 1998, proclamou 2001 a 2010 como a Década
Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência. Naquela década ocorreu uma
importante sensibilização das pessoas para esse tema fundamental, o que inspirou o surgimento
de novos movimentos e fortaleceu aqueles que estavam iniciando e criando metodologias de
ação fundamentadas na Cultura de Paz. Na Unipaz, continuamos a promover e cuidar para que
essa manifestação seja cotidiana: todo dia é dia de Cultura de Paz.
Em A Arte de Viver em Paz, Pierre Weil se dedicou à Cultura de Paz na Educação, costurando
três manifestações da Paz. Cada uma delas se apresenta como uma forma de consciência e um
tipo de ecologia: interior, social e ambiental. Também integrou ensinamentos da Psicologia
Oriental à AViPaz, realizando assim uma ponte ocidente-oriente. A AViPaz é a síntese de um
caminho mais amplo que Pierre denominou A Arte de Viver a Vida.
Sou encantada por essa metodologia de ação da cultura de paz, uma pedagogia ecológica.
Tenho a alegria de atuar, há 30 anos, como facilitadora do seminário AViPaz e da Formação de
Facilitadores AViPaz. Em contato com os diferentes grupos, constato, através de suas avaliações e
depoimentos espontâneos, como a AViPaz é um precioso instrumento pedagógico de Cultura de
Paz. Tem potencial para contribuir significativamente na transformação de todos que estiverem
abertos a essa trilha de inteireza e cuidado, inspirando diferentes formas de atuação. Somos
convidados, cotidianamente, a exercer o potente protagonismo do beija-flor.
Destaco, como exemplo da relevância dessa metodologia, a compreensão do que Pierre
denominou de Fantasia da Separatividade. Essa ilusão é formada na mente de cada um de nós,
gerando uma visão fragmentada e reducionista.

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INTRODUÇÃO

Mente
Separatividade

Prazer Apego

Emoção
Medo

Raiva Orgulho Ciúme

Stress

Corpo
Doença

Sofrimento

Pierre explicitava esse esquema iniciando pelo Prazer - possível de ser sentido sem Apego,
mas que na maioria das vezes leva ao Apego do que promove o prazer relacionado a coisas,
pessoas ou ideias. O Apego, por sua vez, gera o Medo de perder essas coisas, pessoas ou ideias
que geram prazer.
O Medo desencadeia incontáveis emoções destrutivas, que repercutem no Corpo como
Estresse. O Estresse pode levar à Doença física de acordo com a intensidade das emoções nele
envolvidas. Nesse processo, ocorre um Sofrimento físico e emocional. Muitas vezes não nos
damos conta da conexão corpo-emoções porque vivenciamos a normose de cultivar a “Fantasia
da Separatividade”, que inicia na Mente de cada um de nós, provocando o esquecimento da
unidade corpo-emoções-mente.
Apego > Medo > Estresse.
Esse é um círculo vicioso destrutivo. Ao respirar mais suave e profundamente, podemos
observar a cena com distanciamento, sem julgamento, tomando consciência desse processo
destrutivo. A partir de então, damos passos em direção à mudança, o outro lado desse esquema.

não separatividade
Mente

desapego

Emoções

amor

Corpo
harmonia

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INTRODUÇÃO

Na obra de Pierre, a tomada de consciência da inseparabilidade EuNatureza é fundamental.


Vivenciamos essa não separatividade em nosso corpo e, com isso, conseguimos dar um passo a
mais em direção à roda da paz.
Para vivenciarmos a não separatividade, primeiramente é importante e imprescindível
desapegar da ideia de que somos separados. Esse desapego promove a vivência do Amor, que
prefiro denominar Biofilia - o amor à vida em todas as suas manifestações.
Isso acontece conosco em nível emocional e repercute no corpo, propiciando mais harmonia.
Quando nosso corpo está mais vital e em harmonia, isso contribui positivamente com a Mãe
Terra e tudo o que existe. Assim vivenciamos a Paz como um movimento que emana do estado
de inteireza, ao cultivarmos na mente a ideia da não separatividade ou da Unidade. Confio que a
experiência da pandemia ajudará a humanidade a vivenciar mais e mais Biofilia.
Na concepção de A Arte de Viver em Paz, Pierre Weil se deixou inspirar por outros dois Pierres:
Pierre Teilhard Chardin e Pierre Dansereau. Pierre Teilhard Chardin (1881-1955) foi tão presente
nos primórdios da sistematização de A Arte de Viver em Paz, que o termo Noosfera, por ele
criado, era utilizado na Ecologia Ambiental. Com o tempo, Weil substituiu essa expressão por
outras que todos pudessem compreender com mais facilidade: informação, programa e
inteligência da natureza.
Pierre Dansereau (1911-2011) foi um ecologista pé descalço do Quebec/Canadá que propôs a
via da “austeridade feliz”. Só compreendi essa alternativa durante o Caminho de Santiago,
quando viajei com uma muda de roupa, além daquela que vestia o corpo. Estou voltando a viver
isso agora, no Caminho da Quarentena.
Inspirado em Dansereau, Weil propôs uma reflexão a respeito do que é Conforto Essencial.
Pessoas economicamente estáveis são confrontadas com seus excessos e consumismos por
meio das seguintes perguntas: - O que é essencial em relação à minha alimentação? Para a
minha vestimenta? Para minha moradia? Para minha mobilidade?
Podemos nos inspirar em Mahatma Gandhi que disse “todo aquele que tem coisas de que não
precisa é ladrão”. Essa reflexão, enraizada no cotidiano, facilita experienciar o que em A Arte de
Viver em Paz é denominado de simplicidade voluntária.
Para pessoas economicamente desfavorecidas, a questão poderá ser - Como podemos obter o
conforto essencial em relação a alimentação, vestimenta, moradia e mobilidade?
A Arte de Viver em Paz é apresentada por meio do livro, palestra, seminário, retiro, formação de
facilitadores, mas não se reduz a isso. Na verdade, consiste em uma trilha que possibilita a
vivência da Cultura de Paz no cotidiano. Confio que possamos, como beija-flores, cuidar da
semeadura desse precioso legado, vivenciando Biofilia.

15
O MODELO PEDAGÓGICO E
AS TRÊS ECOLOGIAS

As Causas da Violência
NO INDIVÍDUO
A violência começa na mente de cada um de nós, gerada pela ideia fantasiosa de que somos
separados do mundo. Assim, surge o apego a tudo o que nos dá prazer e a rejeição a tudo o que
nos ameaça, quer sejam coisas, pessoas ou ideias. Do apego, surge o medo da perda, a
desconfiança, a intolerância no plano das emoções (raiva, ciúme, orgulho) que, afetando o corpo,
leva ao estresse, à doença e ao sofrimento, aumentando ainda mais a sensação de sermos
separados. Está, assim, criado um círculo vicioso repetitivo.

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EMOÇÕES

NA SOCIEDADE
O ser humano desajustado cria, por sua vez, uma sociedade desajustada, com uma cultura de
violência e guerra, com fragmentação multidisciplinar do conhecimento, produto de uma
dominação do masculino racional e uma repressão do amor feminino, com extremismos e a
consequente intolerância política, religiosa e nacionalista, além do predomínio de valores
destrutivos. A vida social é dominada pela competição, conflitos violentos, terrorismo e guerras. A
vida econômica é caracterizada por extremos: consumismo, pobreza, riqueza excessiva e
exploração desenfreada dos recursos naturais.

16
O MODELO PEDAGÓGICO E AS TRÊS ECOLOGIAS

NA NATUREZA
Esta sociedade desajustada, além de reforçar a formação do desequilíbrio individual, devasta a
natureza, polui a matéria, destrói a vida e intervém nas programações genética e nuclear. Por sua
vez, a destruição progressiva da natureza ameaça a vida de cada um de nós. E, assim, está
fechado o círculo vicioso do nosso suicídio coletivo.

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Como despertar a Paz?


É necessário um novo conceito e processo de Educação para a Paz tal como é definido pela
Unesco: “Aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser”. É indispensável, também, um novo
conceito de Terapia que abranja, além da Terapia Individual, uma Terapia Social (incluindo a
Organizacional) e uma Terapia Ambiental. Tanto a Educação como a Terapia precisam alcançar
três níveis de Ecologia e de Consciência.

ECOLOGIA E CONSCIÊNCIA PESSOAIS


A Paz existe em cada um de nós e precisa ser, primeiramente, despertada no nosso íntimo,
através da Educação para a Paz. A Paz do corpo pode ser alcançada com relaxamento,
massagens, atividades físicas e alimentação adequada. Para a Paz do coração, é importante
cultivar a alegria, com canto, dança e música, despertando o amor, que deseja a felicidade de
todos os seres vivos, e a compaixão, que alivia a dor e a infelicidade de todos os seres.
Enfim, é preciso que nos tornemos cada vez mais conscientes da nossa raiva, ciúme, orgulho e
apego na hora em que se apoderarem de nós. Diferentes psicoterapias complementam este

17
O MODELO PEDAGÓGICO E AS TRÊS ECOLOGIAS

processo. A Paz de espírito se obtém acalmando a agitação mental e descobrindo a nossa


verdadeira natureza através da meditação. Isto significa descobrir a interdependência de tudo,
pela ativação da Sabedoria, inseparável do Amor, dando fim à fantasia da separatividade.

ECOLOGIA E CONSCIÊNCIA SOCIAIS


Além da Educação para a Paz, a Cultura de Paz é alcançada através da prática dos valores
universais como a Verdade, a Justiça, a Beleza, a Tolerância, a Liberdade e a Solidariedade. Não há
mais lugar para os preconceitos nos manuais escolares, nem para os conceitos de “guerra justa” e
“do direito da força” que devem ser substituídos pela força do Direito, mais especialmente pela
Declaração dos Direitos Humanos. É preciso reequilibrar os gêneros masculino e feminino e
introduzir a Transdisciplinaridade nas escolas e universidades.
A Paz na sociedade é obtida através do desenvolvimento do espírito de cooperação e de
sinergia a serviço de propósitos superiores. Convém que os organismos e as empresas usem o
gerenciamento participativo, união da efetividade masculina e da afetividade feminina, assim
como, no tratamento dos conflitos, a mediação e o diálogo com esforço de compreensão mútua.
A Paz no domínio da Economia é obtida pela eliminação da fome e das desigualdades
socioeconômicas, pelo incentivo à simplicidade voluntária e ao conforto essencial, pelo
desenvolvimento de comunidades autossustentáveis, tais como ecovilas, pela redução do
consumo dos países ricos em níveis ecologicamente viáveis, pela pesquisa e experimentação de
novos sistemas econômicos integrados.

ECOLOGIA E CONSCIÊNCIA PLANETÁRIAS


A Paz com o meio ambiente implica em harmonia com a Matéria, respeito à Vida sob todas as
suas formas, pesquisa aprofundada da Programação genética e nuclear, visando evitar erros
danosos, recuperando o que foi deteriorado, num constante programa de proteção ambiental.

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VISÃO
HOLÍSTICA

18
AS TRÊS ECOLOGIAS

Ecologia Pessoal
A arte de viver em paz
consigo mesmo

Como já expressamos anteriormente, sabemos que muitos procuram a Paz fora de si. Para
descobri-la, precisamos saber que isto exige uma tomada de consciência de onde e como
encontrá-la.
Há três grandes espaços do nosso ser mais íntimo, onde podemos encontrar a paz: o nosso
corpo físico, o nosso espaço emocional e a nossa mente. Vamos, para cada um destes níveis,
mostrar como, de maneira bem concreta, podemos experienciar e vivenciar a paz.

A Paz do Corpo
A paz pode ser experienciada, isto é, vivenciada através do relaxamento. Vivemos
constantemente em uma agitação frenética. Emoções como raiva e ciúme, criam tensões no
nosso corpo. A melhor resposta é o relaxamento.
Relaxamento se aprende. Você pode realizar a experiência agora, durante esta leitura. Basta
para isto fechar os olhos, ficar bem à vontade, fazer três respirações profundas, soltar os
músculos, imaginar que você está num lugar ideal de descanso, como uma praia ou uma rede na
montanha.
Fique uns dez minutos neste estado relaxado. Tome consciência do seu estado físico. “Bem-
estar”, “descontraído”, “em paz”, “solto”, “repousado”, são entre outras, as declarações dos que
estão saindo de um relaxamento.
No caso de você ter gostado, convêm fazer um curso de relaxamento ou de ioga. Sua vida
cotidiana vai mudar se você resolver praticar relaxamento todos os dias, de manhã e de noite.

19
AS TRÊS ECOLOGIAS

Esta melhora será muito maior se você tratar da fonte das tensões musculares: as emoções
que não te fazem feliz. É disto que vamos tratar agora.

A Paz do Coração
Por que e como lidar com as emoções que te incomodam? Se você quiser despertar a paz do
seu coração, aprenda a lidar com essas emoções. Estudos das causas do estresse indicam tais
emoções como sendo as suas grandes causadoras. Quais são essas emoções?
Podemos defini-las como as que causam conflitos com os outros e para si mesmo. São as
expressões internas e externas das nossas neuroses. Uma boa definição do neurótico é a que o
descreve como uma pessoa que sofre e faz sofrer os outros; e o que faz sofrer os outros, senão o
ciúme, o apego exagerado às coisas, pessoas ou mesmo ideias, a rejeição e a raiva, o orgulho e a
indiferença?
Nas próximas semanas observe bem você mesmo e os outros ao seu redor. E veja se o que
está sendo questionado aqui não corresponde a uma grande verdade. Como então lidar com
estas emoções já que elas são tão destrutivas?
Grande parte da humanidade costuma se deixar levar por elas, perdendo o autocontrole.
Tomemos o exemplo da raiva. As pessoas gritam, ofendem, magoam, muitas vezes, a quem
amam e depois se sentem culpadas e sofrem.
Existe uma terceira alternativa, uma espécie de caminho do meio. Em vez de soltar a raiva ou
de dominá-la, o melhor é tomar consciência dela e deixá-la passar, como uma nuvem de
tempestade que passa e deixa o céu azul e o sol brilhar novamente.
É claro que você precisará de certo tempo, algumas semanas ou meses para conseguir bom
resultado. Quanto mais cedo você começar, maiores serão as oportunidades para você se tornar
um ser livre das emoções pesadas. A verdadeira liberdade é esta.
No início, a gente se esquece; mas aos poucos acaba constatando que chegou ao ponto de ver
a emoção chegar. Você poderá dizer com um certo senso de humor: “lá vem ela de novo!”. Este
será um excelente sinal de sucesso. Você não pode se livrar de todo da raiva, mas pode fazer com
que ela se transforme em sentimentos de amizade ou mesmo de amor. E, aos poucos, isto se
transformará numa segunda natureza. Você começará a irradiar a paz e serenidade em torno de
você, sobretudo se paralelamente você praticar o relaxamento diário do corpo.
Com todos esses cuidados no nível pessoal, você conseguirá viver em harmonia, lidando
melhor com suas emoções e buscando cultivar altos sentimentos humanos como a alegria, o
amor, a compaixão e a equidade. A alegria, por compartilhar felicidade com as pessoas. O amor,
por querer a felicidade das pessoas ao seu redor. A compaixão, significando o sentimento e o ato
de ajudar o outro a aliviar o sofrimento. E a equidade no tratamento igual a todos os seres do
mundo, sem preferência por um ou outro. Assim você terá adquirido a paz do coração, além da
paz do corpo.

A Paz na Mente
Mas, mesmo tendo adquirido a paz do corpo e a paz no nível das emoções, isto é, a paz de
coração, a sua mente continua agitada, gerando uma hiperatividade no mundo externo e uma
invasão, para não dizer uma inflação, de pensamentos. Ideias, imagens, formas, símbolos,

20
AS TRÊS ECOLOGIAS

memórias desfilam, numa dança incessante. No fim do dia você só tem uma vontade, ir para
cama e dormir.
Esta é a atividade típica da sua mente com as suas infinitas produções e funções bastante úteis
para o nosso cotidiano. A mente nos permite raciocinar, lembrar, apreciar, comparar, julgar, decidir,
avaliar, nos defender, ou melhor, defender a nossa existência. Só que por vezes ela nos atrapalha
por funcionar demasiadamente, como se fôssemos educados para sermos somente intelectuais
e hipertrofiamos esta função.
Embora seja uma atividade normal da mente, em certas ocasiões ela gera emoções
destrutivas. Basta, por exemplo, lembrar-se de um inimigo para você ficar com raiva. Com isso,
perde-se a paz da mente. A atividade da mente acaba obstruindo a nossa via de acesso à paz
natural, característica da própria mente. Resultado: perdemos o controle de nós mesmos.
Mas ainda, existe um aspecto muito sutil do pensamento. É próprio de sua natureza, tudo
dividir. Particularmente, o conceito do “Eu” divide a nossa percepção em duas partes: Eu e o
mundo. O espaço interior e o espaço exterior. Você e os objetos. E assim por diante.
Na realidade, esta divisão é ilusória. A ciência nos ensina que tanto o ser humano como todos
os objetos e o mundo ao seu redor são constituídos de energia. Assim sendo, nada é separado
nesse nível de compreensão da verdadeira natureza das coisas. Esta ilusão ou fantasia é que
constitui a causa primordial de todos os nossos problemas.
Por causa desta miragem da separação, nos apegamos a tudo que dá prazer, evitamos ou
rejeitamos o que nos causa dor, e ficamos indiferentes ao que não nos cause nem prazer nem
dor. Isto se refere a coisas, pessoas ou mesmo ideias.
Esta é a raiz da raiva, da possessividade e da indiferença. Por exemplo, porque estamos
percebendo o mundo como exterior a nós, exploramos a natureza até não sobrar mais nada. A
possessividade dos madeireiros, seu apego ao lucro sem fim, causam a devastação das florestas
tropicais.
Mas pode-se observar o mesmo apego e suas consequências nefastas bem junto de nós
mesmos, dentro de cada um. O exemplo mais clássico é o que acontece no início de um namoro.
Ele e ela se encontram pela primeira vez, trocam carinhos, acham gostoso, querem a
continuidade do prazer.
À medida que o outro não atende a todas as suas expectativas, o apego vai se manifestando
sob várias formas. Eles vão ficar ansiosos e com medo de não se encontrar ou com ciúmes por
ignorar se existe outra pessoa. Se um chegar muito atrasado ao encontro, o outro ficará com raiva
ou, no mínimo, ressentido. Se soubessem que não estão separados, mas originados e constituídos
da mesma essência, o próprio apego cairia por si só, pois é a energia se apegando a ela mesma.
Na espera do novo encontro, cada um cuidaria das suas coisas e dos seus afazeres, sem
expectativa nem medo, com abertura para o que vier a acontecer. Se cada um vier, será uma nova
alegria; se um falhar, não haverá decepção, pois não se esperou nada.
Como então dissolver esta ilusão de separabilidade, já que ela é a fonte última de todo
sofrimento?
Isto pode ser feito através da meditação diária, uma ou duas vezes por dia, de manhã e/ou de
noite.
Meditar consiste em aquietar-se, recolher-se, adentrar-se. Deixar passar os pensamentos e as
emoções que aparecem na mente. Neste ato de tranquilizar a mente, aparece a verdadeira
natureza do Espírito em que inexiste separação, pois se vivencia a indivisibilidade do espírito
pessoal e do espírito do universo. O cosmo é autoconsciente; a nossa consciência percebida pela

21
AS TRÊS ECOLOGIAS

mente como individual é a Autoconsciência do Universo. Ela é representada no meio do círculo


de A Arte de Viver em Paz – mostrado mais adiante, neste texto. Inexiste separação entre as duas
consciências. Elas são uma só, absolutamente indivisíveis.
Existem muitos cursos de meditação à sua disposição. Faça uma escolha prudente e lúcida.
Antes de tomar uma decisão, informe-se junto a amigos ou conhecidos, sobre a idoneidade e a
competência do professor ou da instituição que pretende escolher.
A verdadeira paz da mente encontra-se no espaço entre dois pensamentos. Lá, de onde saem
e para onde voltam. É este espaço que a prática da Meditação lhe ajudará a descobrir de modo
vivenciado.

Escala de autoavaliação

Nunca Raramente Às vezes Muitas vezes Sempre

1 2 3 4 5

Ao final de cada questão, responda assinalando o valor correspondente à percepção que você
tem de si mesmo. Lembre-se, não existem respostas certas ou erradas, trata-se de um convite
para uma autorreflexão – passível de mudanças.
1. Alegria e bom humor fazem parte do seu dia a dia? ( )
2. Você se sente harmônico, equilibrado, consigo mesmo? ( )
3. Você decide e age com lucidez e consciência? ( )
4. Pisando no seu calo, você conserva serenidade e paciência? ( )
5. Você se sente bem ajudando os menos favorecidos? ( )
6. Diante de bonitas paisagens você entra em estado de contemplação? ( )
7. Você cuida do bem-estar do seu corpo? ( )
8. O seu coração está aberto para aprender a amar incondicionalmente? ( )
9. Você se sente em comunhão com a Natureza ou com Deus? ( )
10. Você cuida da sua saúde física, emocional, mental e espiritual? ( )

Se você respondeu uma ou mais perguntas escolhendo os valores das categorias 1 e 2,


procure examinar a sua postura, começar ou aprofundar práticas que potencializem uma relação
de paz consigo mesmo.

22
AS TRÊS ECOLOGIAS

Ecologia Social
A Arte de viver em paz
com os outros

Se despertarmos a paz dentro de nós, estaremos aptos a viver em paz com os outros, isto é,
com os familiares, com os amigos, e assim por diante.

Mas a ecologia social exige de nós uma consciência e uma vigilância constantes se queremos
ser verdadeiros cidadãos do mundo em que vivemos. Assim sendo, precisamos levar em
consideração a cultura que nos influencia o tempo todo, a vida social e política e, além disto, os
aspectos econômicos como, por exemplo, a nossa relação com o dinheiro.

A Paz na Cultura
Precisamos em primeiro lugar definir o que entendemos por cultura de uma determinada
sociedade.
A cultura é um conjunto de normas, leis jurídicas, costumes, produções artísticas e hábitos que
caracterizam uma sociedade. A cultura dita a maneira de ser de cada um dos seus cidadãos. Por
exemplo, enquanto o inglês, para cumprimentar um amigo, acena com a cabeça, o indiano se
curva e junta as mãos, o francês dá as mãos, e o brasileiro dá um abraço com o seu corpo inteiro.
A cultura, por conseguinte, dita o que é e o que deve ser considerado como normal. Ora, nem
tudo que é visto como sendo normal é sadio e construtivo. Por exemplo, fumar era ainda há
pouco tempo considerado como normal, inclusive o fato de aspirar a fumaça dos outros. Hoje, o
ato de fumar é considerado como anormal e nocivo. Há muitos outros hábitos ou mesmo leis que
ditam normas, mas são na realidade nocivos à saúde, à harmonia e à paz. Por isso, cuidar da paz
na cultura exige do cidadão uma vigilância constante e permanente, em duas direções
simultâneas.
De um lado, a pessoa precisa constantemente estar consciente dos aspectos em que ela
mesma se deixa levar pela cultura em que vive, decidindo se isto lhe convém do ponto de vista
ético.
De outro lado, naquilo que não convém seguir, do ponto de vista da ética, a pessoa poderá, se
assim o quiser ou puder, atuar para modificar os aspectos nocivos da cultura.
É normal, por exemplo, comer açúcar refinado. Mas se você descobrir que isto afeta os seus
dentes e seus ossos e que o açúcar mascavo é mais saudável e nutritivo, será um ato razoável e
consciente limitar-se a consumir açúcar mascavo.
Outro exemplo: hoje é normal assistir a programas violentos na TV. Mas se você descobrir que

23
AS TRÊS ECOLOGIAS

isto lhe torna pessoalmente tenso e lhe tira a paz interior, você pode decidir parar de assistir a
eles. Essa é uma decisão pessoal. Mas você pode ampliar o alcance de sua reação. Pode decidir,
por exemplo, aderir a um movimento para reduzir estes programas ou mesmo procurar o
deputado da sua região, pedindo para apresentar um projeto de lei neste sentido.
Tudo isto poderá ser feito de modo calmo e harmonioso sem perder a Paz.

A Paz na Vida Social e Política


Desde muito cedo na nossa infância, somos estimulados a disputar vagas, prêmios, medalhas,
lugares com irmãos, colegas de escola e depois de trabalho. Vivemos num mundo de competição
que leva a conflitos, violências e guerras.
Se você quer contribuir para um mundo de paz, comece por examinar o quanto se deixa levar
por esta competição desenfreada. Diminuindo a sua luta pelo poder na família, no trabalho e até
nos jogos esportivos, você viverá mais em paz com os outros e poderá dar a sua contribuição
para a paz social.
E, se for pai, mãe ou educador, introduza jogos cooperativos no seu parque de brinquedos, e tire
os que remetem à violência, levando a criança a considerar o ato de matar e a guerra como algo
normal.
Se você quiser ficar em paz com os outros, seja tolerante com quem tiver opiniões políticas e
religiosas ou outras ideias diferentes das suas.

A Paz Econômica
Uma das maiores fontes de conflito e de violência é a disputa da posse de bens materiais, mais
particularmente o dinheiro. A preocupação exagerada pela moeda também é responsável pela
perda da paz interior – resultado de emoções destrutivas como o apego e a possessividade.
Quem passa fome por não ter emprego, tem motivos justos de se preocupar em ganhar
dinheiro. Para os excluídos, ganhá-lo é uma necessidade vital e fora de qualquer espécie de
contestação.
O que estamos apontando aqui são os cidadãos que procuram desesperadamente, sem
nenhuma razão objetiva, alcançar uma meta indefinida e vaga, de tornarem-se ricos e poderosos.
Há também os que já se encontram nesta situação e querem cada vez mais, numa busca infinita.
Eles têm algo em comum. A perda da paz, por causa de uma vida agitada que só pode levá-los
ao estresse e à doença, devido à identificação com um sistema econômico voraz que
hipervaloriza o consumo.
Se você sentir que está preso nesta engrenagem, qualquer que seja o seu nível econômico, dê
uma paradinha para examinar a situação. Procure ficar plenamente consciente de quais são as
verdadeiras necessidades e qual o conforto essencial para você.
Durante esse exame, você pode descobrir que suas metas são exageradas e que na realidade
você não precisa de tantos bens para viver feliz e em paz. Talvez chegue a concluir que está se
acabando nesta busca insana, ou que poderia investir seu tempo com os que você ama ou fazer o
que sempre sonhou, como por exemplo, viajar ou, simplesmente, contemplar o pôr do sol…
O cidadão dentro de você talvez descubra ainda que milhões de pessoas do terceiro mundo

24
AS TRÊS ECOLOGIAS

resolveram, depois de um exame de consciência, entrar num estado de vida frugal voluntário. Ao
reduzir o seu consumo ao necessário, elas estão contribuindo para diminuir o consumo e através
desta diminuição reduzir os estragos causados pela destruição sistemática da vida no Planeta.
Isto será uma grande contribuição à Ecologia da Natureza, da qual iremos tratar a seguir. Antes,
porém, uma pausa para uma autoavaliação de como você está exercitando a ecologia social, ou
seja, a sua Paz com a Sociedade.

Escala de autoavaliação

Nunca Raramente Às vezes Muitas vezes Sempre

1 2 3 4 5

Ao final de cada questão, responda assinalando o valor correspondente à percepção que você
tem de si mesmo. Lembre-se, não existem respostas certas ou erradas, trata-se de um convite
para uma autorreflexão – passível de mudanças.

1. Você respeita a liberdade dos seus familiares, amigos e pessoas próximas? ( )


2. Como pedestre ou motorista, você respeita as leis do trânsito? ( )
3. Você pensa antes de seguir as imposições das propagandas? ( )
4. Você tem afeição a pessoas com opinião política oposta? ( )
5. Você aceita amizade de quem tem postura religiosa oposta? ( )
6. Expressa as suas opiniões com moderação e sem fanatismo? ( )
7. É prestativo e solidário, ajudando pessoas em dificuldade? ( )
8. Exercita desapego em relação a dinheiro? ( )
9. Participa de mutirões, subscrições ou abaixo-assinados? ( )
10. Você pratica doação para os necessitados? ( )

Se você respondeu uma ou mais perguntas escolhendo os valores das categorias 1 e 2,


procure examinar a sua postura, começar ou aprofundar práticas que potencializem uma relação
de paz com os outros.

25
AS TRÊS ECOLOGIAS

Ecologia Ambiental
A arte de viver em paz
com a natureza

Viver em paz com a natureza é fundamental para a nossa própria sobrevivência. O ser humano
está cometendo massacres coletivos, levando consigo a vida do planeta Terra.
Os recursos do planeta são inesgotáveis, como se dizia. Eles têm fim e estão exaurindo
rapidamente.
Já falamos das medidas econômicas que cada um pode tomar para dar a sua contribuição
pessoal. Esta pode ser estendida a ações práticas que dependem de sentimentos de
solidariedade próprios à cidadania planetária.
Com esta finalidade, vamos considerar a natureza sob três aspectos principais que
encontramos em todos os sistemas do Universo: a matéria, a vida e a programação da natureza.

A Paz com a Matéria


Viver em paz com a matéria consiste essencialmente em viver em harmonia com seus
elementos: terra, água, fogo, ar e espaço.
Esta harmonia é mais essencial do que estamos pensando, pois nós também somos feitos
destes elementos. Se poluirmos a terra com agrotóxicos, os nossos ossos serão poluídos, pois
são feitos de terra que o nosso corpo absorve mediante o cálcio dos alimentos. Do mesmo modo,
se poluímos o ar que respiramos, vamos afetar a nossa saúde. O mesmo é verdade para a água.
O uso indevido do fogo queima nossas florestas e aumenta o gás carbônico no ar, provocando o
efeito estufa, derretendo a calota polar e fazendo subir o nível dos mares. Até o espaço está
sendo poluído com radiações atômicas.
Por todas estas razões, viver em paz com a matéria consiste em cada um de nós evitar poluir
seus elementos.
Se, além destas razões intelectuais, você amar profundamente a Terra, como a Mãe que nos
nutre e nos hospeda, então terá conseguido a atitude mais adequada para ser um protetor da
natureza.

A Paz com a Vida


O mesmo podemos dizer da vida. Amando-a sob todas as suas formas, você terá o respeito
por ela.

26
AS TRÊS ECOLOGIAS

Respeitá-la consiste em evitar o destruir por destruir. Existem pessoas que deixaram de comer
carne para não fazer sofrer os animais. Elas se tornaram vegetarianas. As Nações Unidas
recomendam o regime vegetariano por uma outra razão ainda, a proteção das matas virgens
devastadas para cultivar pastos para eventuais candidatos a hambúrgueres, em vez das culturas
de grãos. Segundo cálculos divulgados, diminuindo em 10% o consumo de carne, somente nos
EUA, seria o suficiente para alimentar com grãos toda a população faminta do mundo.
As razões tratadas para harmonizar-se com a matéria, valem também para a vida, pois temos
vida dentro de nós, e se trata da mesma vida que existe fora.
O mesmo se dá com a informação e a programação do universo. É o que vamos examinar a
seguir.

A Paz com a Programação da Natureza


A tese segundo a qual o Universo é autoconsciente está caminhando a passos largos nos
meios científicos de ponta. Os programas e a informação genética, assim como a nossa própria
inteligência, são a expressão desta consciência e espírito do Universo. Aceitando esta tese,
podemos aplicar o mesmo princípio que usamos para a matéria e a vida.
Do mesmo modo que há a mesma matéria e a mesma vida dentro de nós, existe inteligência e
plano dentro e fora de nós. Trata-se da mesma inteligência.
Por isso, podemos nos perguntar se não será perigoso intervir na programação atômica da
matéria e genética da vida, pois esta intervenção está desorganizando a programação e
interferindo na inteligência do próprio universo. As consequências são imprevisíveis para a
própria humanidade. O que está acontecendo com a intervenção na programação atômica já fala
por si só. O que dizer então da clonagem? Outras perguntas devem ser feitas.
Será que os indiscutíveis benefícios compensam os riscos destrutivos ainda pouco
conhecidos? Temos direito de esperar o futuro para poder julgar, sabendo que estamos pondo
em risco a vida dos nossos filhos e netos? O que iremos responder a eles, quando nos
perguntarem por que não fizemos nada, apesar de termos sérias dúvidas quanto aos riscos?
Vamos, então, à autoavaliação da sua disposição em contribuir para a ecologia ambiental.

27
AS TRÊS ECOLOGIAS

Escala de autoavaliação

Nunca Raramente Às vezes Muitas vezes Sempre

1 2 3 4 5

Ao final de cada questão, responda assinalando o valor correspondente à percepção que você
tem de si mesmo. Lembre-se, não existem respostas certas ou erradas, trata-se de um convite
para uma autorreflexão – passível de mudanças.
1. Você usa produtos biodegradáveis? ( )
2. Fecha as torneiras ou apaga a luz por causa da ecologia? ( )
3. Ao caminhar no mato, você evita destruir os ecossistemas? ( )
4. Surgindo a oportunidade, você protege a vida dos animais? ( )
5. Você evita jogar lixo e plástico em qualquer lugar? ( )
6. Usa papel reciclado para diminuir o desmatamento? ( )
7. Evita arrancar flores e plantas inutilmente? ( )
8. Compra frutas e verduras orgânicas sem agrotóxicos? ( )
9. Apoia movimentos em defesa do meio ambiente? ( )
10. Você liberta pequenos animais presos? ( )

Se você respondeu uma ou mais perguntas escolhendo os valores das categorias 1 e 2,


procure examinar a sua postura, começar ou aprofundar práticas que potencializem uma relação
de paz com o meio ambiente.

28
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

Quando a educação objetiva o desenvolvimento da plena consciência e educa o ser humano


para a sua inteireza, ela potencializa os valores humanos universais:

Saúde Sabedoria Conhecimento Confiança Perdão

Amor Paz Harmonia Verdade Não-violência

Alegria Valores Éticos Respeito Abertura Credibilidade

Consenso não Conforto Consumo


Escuta Silêncio
dualista essencial sustentável

Compaixão Sinergia Criatividade Flexibilidade Humildade

Equidade Cooperação Humor Paciência Solidariedade

Educar para a Inteireza


Lydia Rebouças

Para ser grande, sê inteiro.


Nada teu exagera, ou exclui.
(Fernando Pessoa)

Introdução
Educar para a inteireza é um processo que pode ser percorrido através de diferentes trilhas.
Aqui irei compartilhar minha peregrinação enquanto Educadora e Terapeuta. Quando comecei a
atuar como educadora, abordava as 4 funções psíquicas preconizadas por Carl G. Jung
(pensamento, sentimento, sensação e intuição) e os 4 elementos da matéria de forma separada.

29
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

Aos poucos fui tomando consciência de que era possível estabelecer uma costura entre ambos,
experimentando a não separatividade na relação pessoa x natureza.
Assim que ocorreu a publicação do Relatório Delors (2003), minhas costuras continuaram.
Naquela época compreendi que os 4 pilares de uma nova educação, propostos naquele relatório
(aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser) estavam associados às 4 funções psíquicas e
aos 4 elementos da matéria. Daí em diante, restava integrar os 4 diferentes estilos do
conhecimento (ciência, artes, filosofia e tradições espirituais), conforme já era vivenciado na
Universidade da Paz - UNIPAZ. Todos esses passos foram possíveis graças ao exercício dos
princípios transdisciplinares da troca, abertura, comunicação e generosidade, sempre em contato
com a inteligência do coração.
Vivemos um tempo que pede, com urgência, por uma Educação voltada ao desenvolvimento
integral da pessoa, ao seu despertar; uma educação que se alie com o que está saudável na
pessoa, como forma de resgatar sua inteireza; uma educação que possa ser vivenciada como um
processo contínuo, uma educação para toda a vida.

A fundamental contribuição de Carl G. Jung

AS FUNÇÕES PSÍQUICAS
Carl G. Jung (1875/1961), médico psiquiatra suíço, foi um dos maiores estudiosos da vida
interior do ser humano. Constatou, em todos nós, a existência de quatro funções psíquicas:
pensamento, sentimento, sensação e intuição. Segundo Jung (1987), “a Sensação (isto é, a
percepção sensorial) nos diz que alguma coisa existe; o Pensamento mostra-nos o que é essa
coisa; o Sentimento revela se ela é agradável ou não; e a Intuição dir-nos-á de onde vem e para
onde vai”.

PENSAMENTO

SENSAÇÃO INTUIÇÃO

SENTIMENTO

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EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

Pensamento/Sentimento e Sensação/Intuição são funções opostas e, ao mesmo tempo,


complementares. Funcionam como as duas faces de nossa mão, isto é, a função que predomina é
como o dorso da mão, mais exposto. A função menos utilizada é como a parte interna da mão,
mais preservada. Porém, ambas as faces são de igual tamanho e importância.
Aqueles que são predominantemente Pensamento terão dificuldade para acolher a vastidão de
seus Sentimentos e vice-versa. Quando falta esse equilíbrio, vive-se de forma temerosa e
incompleta. A sabedoria popular perpetua tal conhecimento ao dizer: “Quem pensa muito não
casa” ou “Quem casa, não pensa”.
Da mesma forma, pessoas que se identificam mais com a Sensação (o “São Tomé”, aquela
parte de cada um de nós que precisa ver para crer) tenderão a negar ou ter dificuldades para
vivenciar a Intuição. Assim como pessoas muito Intuitivas poderão ter dificuldade com a
percepção sensorial baseada nos 5 sentidos: não veem o que está diante de seu nariz.
As crianças integram espontaneamente todas essas funções, uma qualidade característica do
exercício transdisciplinar. Como pais, educadores e terapeutas, conhecemos bem o despertar da
função Sensação, onde as crianças buscam, literalmente, experimentar o gosto tão diverso do
mundo, sentir suas formas, olhar em todas as direções, se deixar deslumbrar ou aterrorizar pelos
sons e cheiros…
A função Pensamento apresenta-se, em nossa infância, na sua forma mais aberta e profunda.
A fase do “O que é?”, é marcante. A maioria de nós também consegue lembrar-se das perguntas
que são formuladas e que vão nortear ou desnortear nossa vida: “- Quem sou eu? - De onde vim?
- O que faço aqui? - Para onde vou?”
O Sentimento é, desde que o bebê nasce, demonstrado sem nenhuma dificuldade. Vemos
claramente o que agrada ou desagrada a uma criança. Nenhuma máscara dificulta as
manifestações de amor ou de raiva. E todos esses sentimentos passam, como passa a brisa
desse instante em que escrevo. A criança pode sentir muita raiva de um amigo e, passados
alguns minutos, voltar a brincar com alegria. Ela acolhe seus sentimentos através das mais
diferentes cores de suas manifestações (algumas inominadas).
A Intuição é uma forma de conhecer que transcende a lógica e as crenças mentais. Tudo é
novo e desconhecido para as crianças, bem como para cada um de nós, quando vivenciamos
essa função psíquica. “Nascer a cada momento para a eterna novidade do mundo”, como diz o
poeta Pessoa, é deixar-se guiar por essa função psíquica, é intuir. Todos somos intuitivos.
O Colégio Internacional dos Terapeutas (CIT), fundado por Jean-Yves Leloup e coordenado por
Roberto Crema, entende que a tarefa primordial de um Terapeuta é Cuidar. Assim, os Pais e
Educadores que têm consciência de serem “cuidadores” são Terapeutas. Poderão acolher,
cotidianamente, algumas questões:
- Como poderei cuidar melhor da integração das 4 funções psíquicas em mim mesmo?
- Como poderei, enquanto mãe, pai, educador, enfim, facilitar para que o outro integre essas
funções?

31
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

OS ELEMENTOS DA MATÉRIA
e as Funções Psíquicas
A modernidade é particularmente mortífera. Ela
inventou toda espécie de “morte” e de “fim”: a morte
de Deus, a morte do homem, o fim das ideologias, o
fim da História. Mas há uma morte da qual se fala
bem menos, por vergonha ou ignorância: a morte da
Natureza. A meu ver, esta morte da Natureza é a
origem de todos os outros conceitos mortíferos que
acabamos de invocar.
(NICOLESCU, 1999, p. 59)

Hoje todos nós sentimos na pele o quanto descuidamos de nossa relação com a Natureza,
tratando-a como um objeto de consumo inesgotável. É cada vez mais urgente despertar a
consciência de que vivemos todos compartilhando a mesma casa própria - o planeta Terra, hoje
seriamente doente, em função dos descuidos de nossa espécie. Precisamos todos daquilo que
Fritjof Capra (2005), físico, teórico de sistemas e fundador do Centro de Eco-Alfabetização de
Berkeley / Califórnia, denominou alfabetização ecológica. Tal processo requer um conhecimento
de como a natureza sustenta a teia da vida, para que seja possível desenvolver um profundo
respeito e cuidado pela natureza viva.
O processo de destruição do planeta, que é um processo de autodestruição da espécie
humana, é iniciado com o cultivo da ideia de que somos separados da Natureza. Uma das
consequências dessa ideia é o esquecimento que temos um corpo semelhante ao corpo do
planeta. Sabemos que tudo o que existe na Natureza, do ponto de vista da matéria, é composto
de quatro elementos: terra, água, fogo, ar. O espaço, denominado pelos orientais de “vazio fértil”, é
o que permeia todos esses elementos.

PENSAMENTO
AR

SENSAÇÃO INTUIÇÃO
TERRA FOGO

SENTIMENTO
ÁGUA

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EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

Nossa visão fragmentada e reducionista nos leva a acreditar que a Natureza está fora de nós.
Apontamos o dedo para as árvores, as estrelas, os rios e as flores procurando explicitar o que é a
Natureza e nos esquecemos que, nesse ato de apontar, como já ensinava Buda, no século V a. C.,
três dedos estão apontados para nós mesmos.
É importante despertar a consciência somática de que existe uma não-separatividade entre
cada um de nós e a Natureza.

ÁGUA / Sentimento:
Se compararmos nosso corpo com o Planeta, encontraremos os quatro elementos em
proporções semelhantes. Mais de 70% da superfície do planeta é composta de água. “Terra,
planeta água”. Nosso corpo é também um grande oceano.
A água é fluida, assume as mais diferentes formas, sem resistir, sem se opor. O sentimento
também flui para todos os cantos de nosso corpo, além de extravasar, atingindo pessoas e coisas.
Tem uma natureza líquida, e por isso que dizemos: “Estou por aqui com você!”, o que significa que
se está transbordando.
Hoje, mais que nunca, precisamos reaprender a cuidar dessa Água/Sentimento, conhecê-la,
respeitar seu mistério e vastidão, despoluí-la, harmonizar-se com ela.
A Educação não nos prepara para lidar com nossos sentimentos. Todos nós sofremos, em
maior ou menor grau, de um considerável, e às vezes desastroso, analfabetismo emocional.
Humberto Maturana (2000, in Educação e Transdisciplinaridade) afirma que “quando você muda
a emoção, você muda o cérebro”; e continua sua reflexão dizendo: “Se um professor quer que seu
aluno seja reprovado, basta criar medo. É evidente que todos sabemos disso! E sabemos também
que se queremos que nossos alunos não repitam, criamos o quê? Amor”.
Como podemos criar Amor em nossa práxis de Educadores para a inteireza? Essa é uma
questão que deve estar presente na elaboração de nossos cotidianos planos de aula.

TERRA / Sensação:
A pele está para nosso corpo, assim como a terra está para o planeta. O que chamamos de
terra no nosso planeta é, na verdade, só uma crosta, a pele do planeta água. A generosidade desta
pequena crosta pode nos ensinar muito. Os povos primitivos sempre se referiram à terra como
mãe, Mãe Terra, fonte de nutrição para todos os seres vivos.
“Pôr os pés na terra” nos ajuda a estar mais presentes, nos lembra que também temos raízes.
O contato com a terra pode reavivar nossos sentidos e despertar a vital consciência corporal:
como respiro, o que sinto em meu corpo, como posso cuidar melhor desse corpo.
O afastamento desse arquétipo primordial, a Terra como Mãe, nos fragmenta, adoece e pode
inviabilizar a vida no planeta.
Como ensinar as crianças e jovens a amarem a terra?

33
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

AR / Pensamento:
O ar, o sopro da vida, é o combustível que traz energia para o processo de crescimento e
transformação de todos os seres vivos. O Pensamento é também o que cria e transforma.
Dizemos, com frequência, quando estamos tendo boas idéias: “Como estou inspirado!”. É isso
mesmo, estamos deixando que a respiração flua com suave profundidade, trazendo a criação do
novo. Essa qualidade de abertura, experimentada fisicamente, é essencial para a germinação do
pensamento transdisciplinar.
Sabemos que através da fotossíntese, as plantas transformam gás carbônico em oxigênio.
Nossos pulmões são como árvores invertidas que inspiram oxigênio e devolvem o gás carbônico
à atmosfera. Essa troca demonstra que estamos ligados, mesmo que a consciência de tal fato
não esteja presente.
Em um mundo onde o pânico tornou-se uma normose, isto é, uma patologia da normalidade
(WEIL, LELOUP e CREMA. 2003), é fundamental reaprender a respirar. Digo reaprender porque a
criança sabe. Basta olhar para o corpo de um bebê saudável e teremos a trilha. Falamos com
frequência do psicossomático, isto é, de como nossa dimensão psicológica repercute no corpo, no
soma. Acontece que o inverso também é verdadeiro e aqui iremos falar do somatopsíquico, isto é,
como a mudança no corpo, na respiração, irá mudar as emoções.
A respiração curta e superficial move mais o nosso peito e estimula o sistema nervoso
simpático. Ao fazer isso, lançamos cortisol e adrenalina, hormônios do estresse, na corrente
sanguínea. Estamos prontos para lutar ou fugir. Podemos brigar exageradamente com os filhos
ou na sala de aula. Podemos chegar a matar no trânsito. Por outro lado, a respiração
diafragmática lenta e profunda, aquela que move a musculatura da barriga, irá estimular o
sistema nervoso parassimpático, o que significa que será impossível sentir-se tenso e ansioso,
pois já não será possível lançar cortisol e adrenalina no sangue. Respirando assim, poderemos
lidar com absurdos e graças com mais presença. Poderemos cuidar melhor de tudo.
Assim, em meio a tudo e sempre, é vital respirarmos suave e profundamente. Antes de iniciar a
aula. Durante a aula. Depois da aula…

FOGO / Intuição:
O Fogo é o elemento que mais purifica. Quando nos lavamos com a água, ela nos limpa e
também se deixa turvar. O fogo permanece o que é, durante e após a queima. Ilumina e
transforma. Michel Randon (2000, in Educação e Transdisciplinaridade) nos lembra que “a beleza
é o sabor do fogo”.
Quando experimentamos a intuição, os insigths, sabemos que eles têm o mesmo poder de
iluminar e transformar que o fogo. A Intuição é a bela luz que nos orienta na escuridão do
desconhecido. É o que possibilita a aventura em meio ao mistério e tem a capacidade de
descortinar, em um flash, nossa inteireza.
No nosso corpo, o fogo se expressa como calor e luz. Há luz e calor, fogo, dentro e fora de mim.
Nos reencontrarmos, enquanto Natureza, poderá ser um caminho fecundo em direção a uma vida
mais plena, tanto nossa quanto do Planeta. Como despertar o contato com a intuição/fogo em
nós mesmos e nos outros?

34
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

AS QUATRO APRENDIZAGENS,
os quatro elementos, as quatro
funções psíquicas
As distintas emoções têm efeitos diferentes sobre a inteligência.
Assim, a inveja, a competição, a ambição … reduzem a inteligência;
só o amor amplia a inteligência.
(MATURANA, 2000)

Carl Rogers define Aprendizagem Significativa como algo muito além da simples acumulação
de fatos. É uma aprendizagem que provoca modificação, quer seja no comportamento da pessoa,
na orientação de sua ação futura, nas suas atitudes e na sua personalidade. É uma aprendizagem
penetrante, que adentra profundamente toda a existência da pessoa.
Assim, parto do princípio de que todos nós, pais, educadores e terapeutas, podemos Aprender
a Aprender de forma mais significativa, penetrante e amorosa. Esse Aprendizado tem diferentes
formas de acontecer, conforme foi explicitado recentemente pela “Comissão Internacional sobre
a Educação para o século XXI”, ligada à UNESCO e presidida pelo pesquisador Jacques Delors. O
“Relatório Delors” (2003) enfatiza que, dentre as várias formas de manifestação da
aprendizagem, existem quatro pilares que são essenciais para um novo tipo de educação.
A seguir, proporei uma correlação dessas aprendizagens, com as funções psíquicas e os
elementos da matéria.

PENSAMENTO
AR
APRENDER A
CONHECER

SENSAÇÃO INTUIÇÃO
TERRA FOGO
APRENDER APRENDER
A FAZER A SER

SENTIMENTO
ÁGUA
APRENDER A
CONVIVER

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EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

APRENDER A FAZER / Terra / Sensação


Nos transformamos em habitantes de um mundo descartável. Podemos adquirir tudo pronto
nas enormes caixas do Consumo. Em meio a tudo isso, nossas mãos gritam, denunciam nossas
contradições com enorme índice de LER (lesão do esforço repetitivo), anseiam por expressar-se
de modo mais criativo.
Muitos professores não conseguem desvencilhar-se do “Tudo Pronto” e agem assim com seus
alunos. Entregam às crianças, por exemplo, uma folha de papel com o estereótipo de uma flor
desenhada para ser colorida. Desrespeitam o potencial criativo das crianças. Não percebem que
há formas infinitas de se ver uma flor…
Nossas mãos anseiam pela autoexpressão criativa. Fazer, às vezes, “o pão nosso de cada dia”, e
sentir nas mãos o milagre do crescimento da massa, é algo recompensador e emocionante. Fazer
uma pipa, um carrinho de rolimã, uma boneca de palha de milho, um bolo, um quadro, uma
escultura com argila ou madeira, uma tinta de pigmentos, um arranjo floral… Aprender a fazer é
reencontrar a força de nossa criatividade.
Fazer. Identificar o desejo de nossas mãos pode ser curativo. Desenvolveremos virtudes como
a paciência, a contemplação, a tranquilidade e a satisfação.
Em Educação, Maria Montessori, Jean Piaget e Emilia Ferrero enfatizaram o Aprendizado
através do Fazer.

APRENDER A CONHECER / Pensamento / Ar


A Educação valoriza o aspecto cognitivo. Precisamos entender que o conhecimento intelectual
é mais que a incorporação da informação, é a descoberta do processo de buscar conhecer.
A criança tem enorme facilidade para absorver e compreender o novo. Porém, isso geralmente
é tolhido por adultos que desenvolvem uma visão reducionista, voltada para o resultado, para a
informação em si. Com isso, o processo rico e misterioso do Aprender a Conhecer pode acabar
se reduzindo à memorização, ao trivial “decoreba” para passar na prova.
Citando o Relatório Delors (2003):
Esse tipo de aprendizagem que visa não tanto a aquisição de um repertório de
saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do
conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como um meio e como
uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda
a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é
necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades
profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de
compreender, de conhecer, de descobrir.
Compreender o mundo do qual fazemos parte, vivenciando respeito, solidariedade e
cooperação, é parte do sistema de conhecimento transdisciplinar.
Pierre Weil (1993) desenvolveu uma rica metodologia de Educação para a Paz, premiada pela
Unesco, onde propõe trabalharmos com três Ecologias: Interior, Social e Ambiental. O primeiro
passo é conhecer a Ecologia Interior: consciência corporal, mental, emocional e espiritual. Depois,
dar passos em direção ao outro, conhecer a Ecologia Social: adquirir consciência a respeito das
relações que estabeleço com os outros. E, finalmente, conhecer a Ecologia Ambiental: nosso

36
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

relacionamento com a natureza - saber-se Natureza; reconhecer o Planeta que habitamos como
um organismo vivo, “Gaia”, casa própria comum.
Ao estabelecermos pontes entre essas Ecologias, o Conhecimento refletirá a Sabedoria de nos
sentirmos parte da complexa e delicada teia da vida . Poderá então haver o despertar da
consciência na aquisição do conhecimento…

APRENDER A CONVIVER / Sentimento / Água


O primeiro a reconhecer a importância da Educação dos Sentimentos foi Rousseau, pai do
Romantismo. As crises que vivenciamos hoje estão intimamente relacionadas à deficiência nesse
aprendizado.
A maioria das pessoas tem muitas dificuldades para identificar e lidar com seus próprios
sentimentos, sem reprimi-los ou se deixar cegar por eles. Assim, facilitamos a perpetuação desse
processo doentio e oferecemos ao mundo pessoas fixadas em padrões infantis de
comportamento, imaturas emocionalmente.
Para Aprender a Conviver, precisamos primeiro reaprender a conviver em paz conosco. A Paz é
um movimento, como diz a canção “de dentro pra fora, de fora pra dentro. A toda hora, a todo
momento”. Podemos acolher nossos sentimentos, assumindo a responsabilidade por eles (de
novo, não apontando o dedo), buscando um caminho de maior equilíbrio.
Nossa capacidade de Amar poderá ser desenvolvida se não nos reduzirmos aos nossos
medos. Leloup nos lembra que o oposto do Amor é o medo de Amar, de com-viver, com o outro,
com o diferente de nós. Entregar-se à grande e complexa aventura de viver a unidade na
diversidade. Segundo Nicolescu (1999), um aspecto fundamental da educação transdisciplinar é
desenvolver a capacidade de “reconhecer-se a si mesmo na face do outro”.
Os místicos de todos os tempos sempre afirmaram que todos nós, humanos, somos irmãos.
Hoje, a Ciência, através do Projeto Genoma, confirma tal irmandade do ponto de vista genético, já
que 99,9% de nossos genes são idênticos. Estamos diante de mais um mistério: somos tão iguais
e ao mesmo tempo tão únicos.
Rubem Alves (1999) nos convida a exercitar a arte da “escutatória”. Falamos muito. Podemos
reaprender a ouvir sem julgamento, encontrando verdadeiramente o outro. A maior parte do
tempo, em nossas relações interpessoais, estamos fechados em nós mesmos, projetando no
outro a nossa própria história. Com-Viver, respeitando a diversidade, buscando a unidade na
diversidade, é nosso maior aprendizado hoje. Esse é o aprendizado que o “Relatório Delors”
(2003) propõe que seja enfatizado no século XXI.

37
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

APRENDER A SER
Intuição / Fogo
O sagrado é aquilo que liga. Ele se une, pelo seu sentido, à origem
etimológica da palavra “religião” (religare – religar), mas ele não é
em si mesmo, atribuído a uma ou outra religião.
(NICOLESCU, 1999, p. 126)

Em minha oficina de artesanato d’alma, onde atuo como Psicóloga clínica há 27 anos, durante
muitos anos atendi crianças e jovens. Na entrevista inicial com os pais, uma das perguntas
sempre dizia respeito à educação espiritual que haviam dado ao filho(a). Quase todos
respondiam da mesma forma: “Nenhuma!”
Essas respostas me remetem a várias perguntas. Sabemos que antigamente o ensino da
Religião era obrigatório e dogmático. Com o tempo, muitas Escolas retiraram essa disciplina de
seus currículos, se afastando das Igrejas. Isso poderia ter sido muito saudável se as famílias não
tivessem feito o mesmo. Claúdio Naranjo (1991, in Visão Holística em Psicologia e Educação), a
esse respeito, coloca uma questão que também é a minha: “Será que o bebê não foi despejado
junto com a água suja do banho?”. É importante discriminar o que é a independência em relação
às Igrejas, aos dogmas e a todo um sistema fechado de pensamento, e o que é o sagrado, a
educação espiritual, o Aprender a Ser.
Para Nicolescu (1999), o sagrado é uma experiência que é traduzida pelo sentimento religioso
daquilo que une todos os seres e coisas, reavivando no ser humano um respeito visceral por toda
e qualquer alteridade. Tal experiência é a origem da atitude transreligiosa. Assim, “a
transdisciplinaridade não é religiosa nem arreligiosa: ela é transreligiosa”
Em Psicologia, Carl G. Jung voltou a unificar o que, de verdade, nunca foi separado: a Ciência e
a Espiritualidade. O trabalho de Rodolf Steiner inspira as escolas Waldorf e Steiner enfatiza o
desenvolvimento da Intuição, na Educação, que reconhece diferentes níveis de realidade. A
Psicologia Transpessoal também integra esse aprendizado que inclui diferentes lógicas.

38
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

OS QUATRO ESTILOS DO
CONHECIMENTO,
as quatro aprendizagens, os
quatro elementos e as quatro
funções psíquicas

Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela


iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver.
O mundo necessita ser visto sob outra luz, a luz do luar, essa claridade
que cai com respeito e delicadeza.
Só o luar revela o lado feminino dos seres. Só a lua revela intimidade
da nossa morada terrestre. Necessitamos não do nascer do sol.
Carecemos do nascer da terra.
(MIA COUTO, 1997)

Como supervalorizamos a razão, a Ciência passou a ser sinônimo de Conhecimento. Porém,


existem várias formas de conhecimento, vários estilos que poderão ser descortinados a partir da
predominância das funções psíquicas, conforme gráfico a seguir.

PENSAMENTO
AR
APRENDER A
CONHECER

Ciência Filosofia

SENSAÇÃO INTUIÇÃO
TERRA FOGO
APRENDER A FAZER APRENDER A SER

Tradições
Arte
Sapienciais

SENTIMENTO
ÁGUA
APRENDER A
CONVIVER

39
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

A Ciência tem como funções psíquicas predominantes o Pensamento e a Sensação, pois a


reflexão científica busca encontrar sua comprovação através dos “experimentos científicos”.
A Filosofia tem como funções principais o Pensamento e a Intuição. O filósofo é alguém
que reflete muito a respeito do intangível, do invisível.
O Artista é um ser à flor da pele que expressa toda a riqueza de seus Sentimentos através
dos cinco sentidos. Sua obra se expressa na pintura, na música, na dança, na escultura, entre
outras.
Todas as diferentes Tradições Espirituais concordam que Deus, independente de como
possa ser nomeado, é Amor. As funções mais desenvolvidas nesse estilo de conhecimento
são o Sentimento e a Intuição.
O que importa é não nos isolarmos no exercício daquele estilo de conhecimento com o
qual mais nos identificamos. É um convite para estabelecermos pontes entre Ciência, Arte,
Filosofia e Tradições Espirituais. Se, por exemplo, eu sou um cientista, posso assumir esse
meu lugar no mundo estabelecendo, nas minhas reflexões e práxis, pontes com a Filosofia, a
Arte e as Tradições Espirituais. Foi isso que o conhecido físico Fritjof Capra fez ao escrever
O Tao da Física. No título está explicita a ponte entre Ciência e Espiritualidade e, no livro, as
demais funções psíquicas foram espontaneamente incluídas.
No conjunto do conhecimento, a arte e, principalmente, a poesia são reconhecidas como
exemplos da síntese que tanto buscamos, são naturalmente transdisciplinares. A vida fica
enriquecida ao integrar o exemplo do pensamento poético e da expressão artística, ou seja,
quando são estabelecidas pontes entre todos os estilos de conhecimento.

Considerações Finais
A vivência da abordagem holística e transdisciplinar facilita o florescimento do Educador
para a Inteireza, mais pleno, capaz de cultivar a abertura em relação a si mesmo e ao outro,
de comunicar-se com toda alteridade, com humildade e respeito.
No entanto, continua sendo necessário “vigiar e orar”, pois estamos todos viciados em
utilizar uma visão fragmentada e reducionista. A cura para qualquer vício, bem sabem os
toxicômanos, passa pela aplicação diária de uma nova afirmação construtiva que inicia com
“só por hoje”. Esse é um tempo possível. É o “passo a mais” viável. - Só por hoje eu me
permitirei uma visão mais ampla, mais aberta. Só por hoje vivenciarei a inteligência de meu
coração. Só por hoje vou estar inteira. Só por hoje...
Esse enraizamento cotidiano nos ajudará a atingir aquele que é, segundo Basarab
Nicolescu (1999), o objetivo da transdisciplinaridade: “a compreensão do mundo presente,
para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.”
A vivência desse processo de educação contínua poderá transformar o Educador em um
facilitador holocentrado, como tão bem definiu Roberto Crema (1991, in Visão Holística em
Psicologia e Educação). Algumas características do facilitador holocentrado são: abertura,
inclusividade, flexibilidade, espaço interior, humor, plena atenção, vocação, paciência,
humildade e intuição, enquanto permanece centrado na pessoa e no mistério do Todo.

40
EDUCAÇÃO E VALORES UNIVERSAIS

Desejo que a nossa peregrinação rotineira possa ser iluminada por uma visão ampla e
amorosa e que possamos criar o que BACHELARD (2006) denominou a “pedagogia da
leveza do ser”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Rubem. O Amor que acende a Lua.Campinas-SP: Ed. Papirus, 1999


BACHELARD, G. A Poética do Devaneio.São Paulo: Martins Fontes, 2006
BRANDÃO, D. e CREMA, R. (org). Visão Holística em Psicologia e Educação.São Paulo-SP: Ed. Summus, 1991
CAPRA, Fritjof e outros. Alfabetização Ecológica.São Paulo: Cultrix, 2005
COUTO, Mia. Contos do Nascer da Terra. Lisboa-Portugal: Editorial Caminho, 1997
DELORS, Jacques. Educação, um tesouro a descobrir. Brasília-DF: Ed.Cortez/ MEC/ Unesco, 2003
JUNG, Carl G., O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro-RJ: Ed. Nova Fronteira, 1987
LELOUP, Jean Yves. Cuidar do Ser.. Petrópolis-RJ: Ed. Vozes
MATURANA, Humberto e REZEPKA, Sima N. Formação Humana e
Capacitação. Petrópolis-RJ: Ed. Vozes, 2000
NICOLESCU, Basarab (org). Educação e Transdisciplinaridade. Brasília-DF: Edições Unesco, 2000
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999
PESSOA, Fernando.Obra Poética. Rio de Janeiro-RJ: Ed. Nova Aguilar, 1981
RANDOM, Michel. O Pensamento Transdisciplinar e o Real. São Paulo-SP: Ed.Triom, 2000
ROGERS, C. R. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1981
WEIL, Pierre. A Arte de Viver em Paz. São Paulo-SP: Ed. Gente, 1993
WEIL, Pierre. A Mudança de Sentido e o Sentido da Mudança.
Rio de Janeiro-RJ: Ed. Rosa dos Tempos, 2000.
WEIL, Pierre. A Arte de Viver a Vida. Brasília-DF: Ed. Letrativa, 2001
WEIL, Pierre. Os Mutantes. Campinas-SP: Verus Editora, 2003
WEIL, LELOUP e CREMA. Normose: a patologia da normalidade. São Paulo: Verus editora, 2003

41
A CARTA DA
TRANSDISCIPLINARIDADE
A Carta da Transdisciplinaridade é um dos principais documentos que fundamenta a
abordagem transdisciplinar holística utilizada na Unipaz em todos os seus cursos e atividades.

Carta da Transdisciplinaridade
Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994
Comitê de Redação:
Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu

Preâmbulo
• Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas e não acadêmicas conduz
a um crescimento exponencial do saber, o que torna impossível uma visão global do ser
humano;
• Considerando que somente uma inteligência que leve em consideração a dimensão
planetária dos conflitos atuais poderá enfrentar a complexidade do nosso mundo e o desafio
contemporâneo de autodestruição material e espiritual de nossa espécie;
• Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante, que só
obedece à lógica apavorante da eficácia pela eficácia;
• Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um
ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas
consequências, no plano individual e social, são incalculáveis;
• Considerando que o crescimento dos saberes, sem precedente na história, aumenta a
desigualdade entre os que os possuem e os que deles estão desprovidos, gerando assim uma
desigualdade crescente no seio dos povos e entre nações do nosso planeta;
• Considerando, ao mesmo tempo, que todos os desafios enunciados tem sua contrapartida de
esperança e que o crescimento extraordinário dos saberes pode conduzir, a longo prazo, a
uma mutação comparável à passagem dos hominídeos à espécie humana;
• Considerando os aspectos acima, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de
Transdisciplinaridade (Convento da Arábia, Portugal, 2 a 7 de novembro de 1994) adotam a
presente carta, entendida como um conjunto de princípios fundamentais da comunidade dos
espíritos transdisciplinares, constituído um contrato moral que todo signatário dessa carta faz
consigo mesmo, livre de qualquer espécie de pressão jurídica ou institucional.

42
A CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Artigo 1
Toda e qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo no meio de
estruturas formais, sejam quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.
Artigo 2
O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regido por lógicas diferentes,
é inerente à atitude transdisciplinar. Toda tentativa de reduzir a realidade a um só nível, regido por
uma lógica única, não se situa no campo da transdisciplinaridade.
Artigo 3
A Transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir novos dados
a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da
natureza da realidade. A Transdisciplinaridade não procura a mestria de varias disciplinas, mas a
abertura de todas as disciplinas ao que as une e as ultrapassa.
Artigo 4
A pedra angular da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das
acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta a um novo
olhar sobre a relatividade das noções de “definição” e de “objetividade”. O formalismo excessivo, a
rigidez das definições e a absolutização da objetividade, incluindo-se a exclusão do sujeito,
conduzem ao empobrecimento.
Artigo 5
A visão transdisciplinar é completamente aberta, pois, ela ultrapassa o domínio das ciências
exatas pelo seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas
também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior.
Artigo 6
Em relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é
multirreferencial. Leva em consideração, simultaneamente, as concepções do tempo e da história.
A transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte transitório.
Artigo 7
A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma
nova metafísica, nem uma ciência da ciência.
Artigo 8
A dignidade do ser humano também é de ordem cósmica e planetária. O aparecimento do ser
humano na Terra é uma das etapas da história do universo. O reconhecimento da Terra como
pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma
nacionalidade; mas com o título de habitante da Terra, ele é ao mesmo tempo um ser
transnacional. O reconhecimento, pelo direito internacional, dessa dupla condição – pertencer a
uma nação e à Terra - constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar.
Artigo 9
A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos, às religiões e temas
afins, num espírito transdisciplinar.

43
A CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Artigo 10
Inexiste laço cultural privilegiado a partir do qual se possam julgar as outras culturas. O
enfoque transdisciplinar é, ele próprio, transcultural.
Artigo 11
Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Ela deve ensinar a
contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do
imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão do conhecimento.
Artigo 12
A elaboração de uma economia transdisciplinar é fundamentada no postulado segundo o qual
a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso.
Artigo 13
A ética transdisciplinar recusa toda e qualquer atitude que rejeite o diálogo e a discussão,
qualquer que seja a sua origem – de ordem ideológica, científica, religiosa, econômica, política,
filosófica. O saber compartilhado deve levar a uma compreensão compartilhada, fundamentada
no respeito absoluto às alteridades unidas pela vida comum numa só e mesma Terra.
Artigo 14
Rigor, abertura e tolerância são as características fundamentais da visão transdisciplinar. O
rigor da argumentação que leva em conta todos os dados é o agente protetor contra todos os
possíveis desvios. A abertura pressupõe a aceitação do desconhecido, do inesperado e do
imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito a ideias e verdades diferentes das
nossas.
Artigo final
A presente Carta da Transdisciplinaridade está sendo adotada pelos participantes do Primeiro
Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, não se reclamando a nenhuma outra autoridade a
não ser a da sua obra e da sua atividade.
Segundo os procedimentos que serão definidos em acordo com os espíritos transdisciplinares
de todos os países, a Carta está aberta à assinatura de todo ser humano interessado em medidas
progressivas de ordem nacional, internacional e transnacional, para aplicação dos seus artigos
nas suas vidas.

44
DOCUMENTOS E TEXTOS
Tudo o que concerne ao ser humano, nas 3 ecologias: individual, social e ambiental interessa à
Unipaz. A seguir, trazemos alguns documentos que enriquecem a base sobre a qual a Unipaz foi e
continua sendo edificada a cada dia para cumprir os seus objetivos. Trazemos também alguns
textos escritos por facilitadores ou parceiros da Unipaz, apresentando aspectos da abordagem
transdisciplinar holística nas áreas da educação e sustentabilidade.

Manifesto da Unipaz
Declaração universal dos
direitos à paz
Colegiado da Unipaz do Distrito Federal
Brasília, 18 de outubro de 2018

Nós, os povos do mundo, temos direito à paz;


Paz para as crianças, futuro da humanidade;
Paz para o desenvolvimento e florescimento humano;
Paz em todos os lugares;
Paz entre seres humanos;
Paz entre as religiões;
Paz entre os partidos políticos;
Paz com democracia e tolerância à diversidade;
Paz entre as nações;
Paz como solução dos conflitos;
Paz nos meios de comunicação;
Paz sem o uso de violência de qualquer natureza;
Paz sem fome nem miséria;
Paz além do medo e do ódio;
Paz com liberdade e dignidade;
Paz com solidariedade e cooperação;
Paz com preservação do meio ambiente;
Paz com desenvolvimento sustentável;
Paz de espírito;
Paz como cultivo dos valores eternos do Amor, da Beleza, da Verdade, da Justiça, da Liberdade,
da Igualdade e da Fraternidade.
Que a paz possa fazer morada no coração dos seres humanos por meio de uma educação
integral, que amplie sua consciência de mundo, desperte para seu papel de artífice da realidade e
desenvolva o protagonismo da vida.

45
DOCUMENTOS E TEXTOS

Que a visão que inspira a cada ser seja construída a partir de um paradigma de paz e não
violência por meio de instituições e políticas públicas orientadas para a cultura de paz.
Que cada pessoa cuide de despertar a paz dentro de si para o bom exercício da cidadania.
Que se priorizem as práticas compassivas que geram no cotidiano vivência de paz e unidade
nos níveis individual, social, ecológico, planetário e cósmico.
Que sejam respeitadas todas as formas de expressão do amor e do afeto.
Que governos e seus colaboradores assumam o dever e a responsabilidade de colocar as
estruturas que dirigem a serviço dos diferentes aspectos da paz, contribuindo, assim, para a
transformação da Cultura de Guerra em Cultura de Paz.
Que os currículos das instituições educacionais tenham como foco a educação para uma
cultura de paz e não violência, promovendo a paz consigo mesmo, com os outros e com a
natureza.
Que se desenvolva a consciência da unidade que permeia o visível e o não visível.
Que se promovam formas criativas de integração entre a riqueza da razão e a inteligência do
coração, visando a transição da Cultura do ter para a Cultura do Ser.
Que a educação se apoie sobre a visão transdisciplinar holística fundamentada no aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (segundo o relatório Delors da
UNESCO de 1994).
Que esse espírito de educação inspire a justiça e a segurança pública.
Que as prisões se transformem em centros de recuperação, por meio da educação e ações de
reinserção na sociedade.
Que as forças armadas estejam a serviço da comunidade na construção de uma coletividade
pacífica, justa e inclusiva.
Que a paz se faça presente na reverência e cuidado com as Águas em todas as suas
manifestações.
Que haja paz no manejo da Terra, honrando a biodiversidade, priorizando a saúde integral e o
equilíbrio dinâmico da Vida.
Que as culturas e saberes dos povos tradicionais sejam honradas, respeitadas e apoiadas.
Cabe à sociedade civil e às organizações não governamentais incentivarem e apoiarem os
esforços dos governos no sentido de fortalecer uma cultura de paz.
Que cada consciência desperta seja um exemplo da paz, que se deseja ver florescer no mundo,
conspirando pacificamente para o desenvolvimento da unidade de toda a humanidade, para a
integridade de cada indivíduo e a plenitude de todos os seres.
Que as fronteiras e limites internos que separam os seres humanos de sua própria espécie e
de todos os demais seres vivos, se transformem em uma convivência fraterna, próspera e
benéfica.
Que nós, os povos da Terra, estejamos reunidos na construção de pontes em prol da utopia
realizável da paz, dançando no infinito do espaço eterno sem começo e sem fim.
Diante do atual cenário, a Unipaz resgata, se inspira e atualiza a declaração elaborada sob a
coordenação de seu fundador Pierre Weil, no I Festival Mundial da Paz (2006).

46
DOCUMENTOS E TEXTOS

Declaração Universal dos


Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A da III
Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos
bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que
todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para
que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a
opressão,
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos
direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de
direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores
condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com
as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a
observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta
importância para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto
A ASSEMBLÉIA GERAL proclama A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o
objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos
e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por
assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos
próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo I
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

47
DOCUMENTOS E TEXTOS

Artigo II
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou
internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território
independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de
soberania.
Artigo III
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão
proibidos em todas as suas formas.
Artigo V
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Artigo VI
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante
a lei.
Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração
e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo
para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição
ou pela lei.
Artigo IX
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de
um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

48
DOCUMENTOS E TEXTOS

Artigo XI
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até
que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual
lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não
constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena
mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Artigo Artigo
XII
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua
correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção
da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de
cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo XIV
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros
países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por
crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de
nacionalidade.
Artigo XVI
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou
religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em
relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da
sociedade e do Estado.
Artigo XVII
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito

49
DOCUMENTOS E TEXTOS

inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou


crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade
de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por
quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por
intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em
eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente
que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização
pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos
de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao
livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe
assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que
se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de
seus interesses.
Artigo XXIV
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de
trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família,
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,

50
DOCUMENTOS E TEXTOS

velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,
nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.
Artigo XXVI
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-
profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e
do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A
instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a
seus filhos.
Artigo XXVII
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de
fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de
qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo XXVIII
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e
liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às
limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente
aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a
qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer
ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

51
DOCUMENTOS E TEXTOS

Declaração das Responsabilidades


Humanas Para a Paz
e o Desenvolvimento Sustentável
Realização:
Universidade da Paz das Nações
Unidas na Costa Rica

CAPÍTULO I – A UNIDADE DO MUNDO

Artigo 1
Cada coisa que existe é parte de um universo interdependente. Todas as criaturas vivas
dependem umas das outras para sua existência, seu bem-estar e desenvolvimento.
Artigo 2
Todos os seres humanos são partes inseparáveis da natureza, na qual a cultura e a civilização
humanas têm sido construídas.
Artigo 3
A vida na Terra é diversificada e abundante.

CAPÍTULO II - A UNIDADE DA FAMÍLIA HUMANA

Artigo 4
Todos os seres humanos são partes inseparáveis da família humana e dependem uns dos
outros para sua existência, seu bem-estar e desenvolvimento. Cada ser humano é uma expressão
e manifestação singular da vida, e tem uma contribuição individual a dar para a vida na Terra.
Cada ser humano tem direitos e liberdades inalienáveis e fundamentais, sem distinção de raça,
cor, sexo, língua, religião, política ou outra opinião, origem social e nacional, status econômico e
outras situações sociais.
Artigo 5
Todos os seres humanos têm as mesmas necessidades básicas e as mesmas aspirações
fundamentais a serem satisfeitas. Todo indivíduo tem direito ao desenvolvimento, cujo propósito é
a realização do potencial máximo de cada pessoa.

52
DOCUMENTOS E TEXTOS

CAPÍTULO III - AS AÇÕES ALTERNATIVAS DA HUMANIDADE


E A RESPONSABILIDADE UNIVERSAL

Artigo 6
A responsabilidade é um aspecto inerente a qualquer relação em que seres humanos estejam
envolvidos. Essa capacidade de agir responsavelmente, de maneira consciente, independente,
única e pessoal, é uma qualidade criativa inalienável do ser humano. Não existe limite para o seu
alcance, e este deve ser estabelecido por cada pessoa individualmente. Quanto maior o número
de atividades desenvolvidas pelo ser humano, mais ele crescerá e se fortalecerá.
Artigo 7
Entre todas as criaturas vivas, os seres humanos têm a capacidade única de decidir,
conscientemente, entre proteger e prejudicar a qualidade e as condições de vida na Terra. Ao
refletirem sobre o fato de que pertencem ao mundo natural e ocupam uma posição especial
como participantes da evolução de processos naturais, as pessoas podem desenvolver, sobre
uma base de compaixão e amor, um senso de responsabilidade universal para com o mundo
como um conjunto integrado, através da proteção à natureza e da promoção do mais alto
potencial para mudança, com o objetivo de criar as condições que lhes possibilitarão obter o mais
alto nível de bem-estar material e espiritual.
Artigo 8
Neste momento decisivo da história, as ações alternativas da humanidade são cruciais. Ao
direcionarem suas ações através da aquisição do progresso na sociedade, os seres humanos têm
frequentemente esquecido seus papéis inerentes no mundo natural e na indivisível família
humana, e suas necessidades básicas para uma vida saudável. O consumo excessivo, o abuso do
meio ambiente e a agressão entre pessoas têm conduzido os processos naturais da Terra a um
estágio crítico que ameaça sua sobrevivência. Pela reflexão sobre esses problemas, os indivíduos
serão capazes de discernir suas responsabilidades e assim reorientar suas condutas para com a
paz e o desenvolvimento sustentável.

CAPÍTULO IV - A REORIENTAÇÃO PARA A PAZ E O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Artigo 9
Levando-se em conta que todas as formas de vida são únicas e essenciais, que todos os seres
humanos têm direito ao desenvolvimento, e que tanto a paz como a violência são produtos da
mente humana, o senso de responsabilidade desenvolverá na mente humana uma maneira
pacífica de agir e pensar. Por meio da paz orientada e consciente, os indivíduos entenderão a
natureza das condições necessárias ao seu bem-estar e desenvolvimento.
Artigo 10

53
DOCUMENTOS E TEXTOS

Sendo conscientes da sua responsabilidade para com a família humana e o ambiente em que
vivem, e da necessidade de pensar e agir de forma pacífica, os seres humanos têm a obrigação
de agir de modo coerente com a observância e o respeito aos direitos humanos intrínsecos,
garantindo o acesso aos recursos e preservando a satisfação das necessidades básicas de todos.
Artigo 11
Quando os membros da família humana reconhecerem que são responsáveis por si mesmos e
pelas gerações presentes e futuras no que se refere à conservação do planeta e à proteção do
mundo natural, e que são promotores de seu desenvolvimento permanente, eles agirão de
maneira racional e ordenada para garantir uma vida sustentável.
Artigo 12
Os seres humanos têm uma responsabilidade contínua quando se colocam em posição de
liderança, quando tomam parte ou representam unidades sociais, associações e instituições,
sejam privadas ou públicas. Além disso, todas as entidades são responsáveis pela promoção da
paz e da sustentabilidade. Colocar em prática tais objetivos inclui o estímulo à consciência da
interdependência entre os seres humanos e entre estes e a natureza, e à consciência da
responsabilidade universal na solução de problemas que eles têm criado através de suas atitudes
e ações. Tal solução deve ser obtida de forma coerente com a proteção dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais.

Estejamos à altura do privilégio das nossas responsabilidades.

__________
Reproduzido do livreto 'A Arte de Viver em Paz', Pierre Weil, Fundação Cidade da Paz, Unipaz, Campus de Brasília, 52 p., pp. 25-28.
A tradução foi revisada pela Unipaz Pernambuco.

54
DOCUMENTOS E TEXTOS

17 Objetivos para transformar


o nosso mundo:
Agenda 2030 para o
desenvolvimento sustentável
Cúpula das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável 2015

Preâmbulo
Esta Agenda é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade. Ela
também busca fortalecer a paz universal com mais liberdade. Reconhecemos que a erradicação
da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio
global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Todos os países e todas
as partes interessadas, atuando em parceria colaborativa, implementarão este plano. Estamos
decididos a libertar a raça humana da tirania da pobreza e da penúria e a curar e proteger o nosso
planeta. Estamos determinados a tomar as medidas ousadas e transformadoras que são
urgentemente necessárias para direcionar o mundo para um caminho sustentável e resiliente. Ao
embarcarmos nesta jornada coletiva, comprometemo-nos que ninguém seja deixado para trás.
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas que estamos anunciando hoje
demonstram a escala e a ambição desta nova Agenda universal. Eles se constroem sobre o
legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e concluirão o que estes não conseguiram
alcançar. Eles buscam concretizar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero
e o empoderamento das mulheres e meninas. Eles são integrados e indivisíveis, e equilibram as
três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.
Os Objetivos e metas estimularão a ação para os próximos 15 anos em áreas de importância
crucial para a humanidade e para o planeta:

Pessoas
Estamos determinados a acabar com a pobreza e a fome, em todas as suas formas e
dimensões, e garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade
e igualdade, em um ambiente saudável.
Planeta
Estamos determinados a proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e
da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos naturais e tomando medidas
urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa suportar as necessidades das gerações
presentes e futuras.

55
DOCUMENTOS E TEXTOS

Prosperidade
Estamos determinados a assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma
vida próspera e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico
ocorra em harmonia com a natureza.
Paz
Estamos determinados a promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas que estão livres do
medo e da violência. Não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e não há paz sem
desenvolvimento sustentável.
Parceria
Estamos determinados a mobilizar os meios necessários para implementar esta Agenda por
meio de uma Parceria Global para o Desenvolvimento Sustentável revitalizada, com base num
espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em especial nas necessidades dos mais
pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos os países, todas as partes interessadas
e todas as pessoas. Os vínculos e a natureza integrada dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável são de importância crucial para assegurar que o propósito da nova Agenda seja
realizado. Se realizarmos as nossas ambições em toda a extensão da Agenda, a vida de todos
será profundamente melhorada e nosso mundo será transformado para melhor.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Objetivo 1
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.
Objetivo 2
Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a
agricultura sustentável.
Objetivo 3
Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.
Objetivo 4
Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida para todos.
Objetivo 5
Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Objetivo 6
Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos.

56
DOCUMENTOS E TEXTOS

Objetivo 7
Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos.
Objetivo 8
Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todos.
Objetivo 9
Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e
fomentar a inovação.
Objetivo 10
Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.
Objetivo 11
Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
Objetivo 12
Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
Objetivo 13
Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos (*)18.
Objetivo 14
Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o
desenvolvimento sustentável.
Objetivo 15
Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma
sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter
a perda de biodiversidade.
Objetivo 16
Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar
o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos
os níveis.
Objetivo 17
Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento
sustentável.
(*) Reconhecendo que a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima [UNFCCC] é o fórum internacional
intergovernamental primário para negociar a resposta global à mudança do clima.
Traduzido pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), última edição em 13 de outubro de 2015.

57
DOCUMENTOS E TEXTOS

Carta da Terra e Unipaz:


convergindo pela Cultura de Paz
Regina Fittipaldi,
pró reitora de Meio Ambiente
UNIPAZ DF • Brasil

A presença humana na Terra vem acontecendo em um crescimento exponencial e é


fundamental que esse dado seja considerado tanto no aspecto quantitativo das populações,
quanto no aspecto qualitativo dessa presença, que se traduz hoje pela adoção de uma ética de
exclusão e falta de solidariedade entre os seres humanos.
Desafios contemporâneos sobre a natureza, o meio ambiente, a biodiversidade, afetam a todos
– direta ou indiretamente - em função principalmente do modelo econômico que estabeleceu
uma espécie de "mandamento" sobre a sociedade humana. Assistimos à massificação de valores
e propósitos, que perigosamente vem provocando impactos desastrosos em diferentes culturas e
sob diferentes formas. A realidade evidencia que a harmonia e o equilíbrio dinâmico e sistêmico
da Terra, nossa Mãe, demanda outros padrões de atitudes e convoca a humanidade para novos
patamares de relacionamento do ser humano com sua própria espécie e que reverencie a teia da
vida do micro ao macro.
O momento clama pela convergência de parcerias, pela criação de alianças que coloquem
numa mesma perspectiva propósitos edificantes de transformação, em que aspectos como
solidariedade, compartilhamento de saberes, encontro de expertises sejam forças a alavancar
mudanças estruturantes rumo à cultura de paz.
A Carta da Terra é a expressão de um pacto ético planetário. Um instrumento claro de metas
globais que considera a especificidade e a pluralidade de realidades e culturas, com a vocação de
ser um espaço inspirador para o laboratório vivo que é o exercício de educar. Seja no que tange
pontualmente o indivíduo nas suas relações com o mundo ou no ser social inserido em
realidades diversas, seja ainda no que tange as possibilidades deste ser humano – individual ou
coletivamente - perceber-se inserido numa teia de pertencimentos com a rede viva e pulsante da
natureza expressa em ecossistemas no planeta Terra.
A UNIPAZ – Universidade Internacional da Paz, no DF, vem desde 1987 atuando na missão de
educar para a paz, considerando que a crise que atravessamos é decorrente de uma percepção
fragmentada da realidade. Portanto, em processo, e onde cada um pode ser um agente de
superação e transformação, como na metáfora do Beija-Flor. Desenvolve, a partir de uma
abordagem transdisciplinar e da visão holística, uma releitura das bases da relação do indivíduo –
a paz consigo; do ser humano com o outro – a paz social; e do ser humano com a natureza e o
meio ambiente – a paz com a Terra, nesta contemplada a grande família dos filhos e filhas do
processo evolutivo que nos trouxe até aqui.
Assim, a Carta da Terra e a UNIPAZ DF são entidades que trazem nas suas realizações e
propósitos um mesmo anseio convergente de transformação. Desejam enraizar no mundo
valores e princípios de uma cultura de paz. Em uma aliança planetária e global com diferentes
organizações e associações de inúmeros países, a UNIPAZ DF compõe com a Carta da Terra uma
rede de educadores e ativistas pela paz, para o enraizamento transformador do pacto ético que
está proposto. Através da cooperação mútua em programas e projetos, enraizaremos as

58
DOCUMENTOS E TEXTOS

mudanças que acreditamos serem essenciais para a experiência de um mundo sustentável,


harmonioso e ético.
Nessa convergência de propósitos para o enraizamento da cultura de paz vamos compreender
a profundidade do significado humano - húmus – de seres do território, do Bioma, da paisagem,
da cultura, inseridos numa grande família de seres completamente interdependentes na teia de
vida, rumo à humanidade que podemos vivenciar.
Carta da Terra e Unipaz: campo de fomentar semeadores para um tempo de cuidado.

A CARTA DA TERRA

PREÂMBULO
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a
humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais
interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes
promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade
de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um
destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada
no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura
da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa
responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras
gerações.
Terra, Nosso Lar
A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com
uma comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura
exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A
capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da
preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade
de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus
recursos finitos é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade,
diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.
A Situação Global
Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental,
redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo
arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o
fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos
violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da
população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança
global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.
Desafios Para o Futuro
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar
a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos
nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades

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DOCUMENTOS E TEXTOS

básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais, não
a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir
nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando
novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios
ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar
soluções includentes.
Responsabilidade Universal
Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade
universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade
local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual a
dimensão local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e
pelo futuro, pelo bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de
solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com
reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade
considerando em relação ao lugar que ocupa o ser humano na natureza. Necessitamos com
urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético
à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes
princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como critério comum,
através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos, e
instituições transnacionais será guiada e avaliada.

PRINCÍPIOS

I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DA VIDA


1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
a. Reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor,
independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual,
artístico, ético e espiritual da humanidade.

2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor.


a. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de
impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.
b. Assumir que o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder implica
responsabilidade na promoção do bem comum.

3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e


pacíficas.
a. Assegurar que as comunidades em todos níveis garantam os direitos humanos e as
liberdades fundamentais e proporcionem a cada um a oportunidade de realizar seu pleno
potencial.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

b. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a consecução de uma


subsistência significativa e segura, que seja ecologicamente responsável.

4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações.


a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades
das gerações futuras.
b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apoiem, em longo prazo, a
prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra.

Para poder cumprir estes quatro amplos compromissos, é necessário:

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA


5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial
preocupação pela diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam a
vida.
a. Adotar planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável em todos os níveis que
façam com que a conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as
iniciativas de desenvolvimento.
b. Estabelecer e proteger as reservas com uma natureza viável e da biosfera, incluindo terras
selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a
biodiversidade e preservar nossa herança natural.
c. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçadas.
d. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que causem
dano às espécies nativas, ao meio ambiente, e prevenir a introdução desses organismos
daninhos.
e. Manejar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de
forma que não excedam as taxas de regeneração e que protejam a sanidade dos ecossistemas.
f. Manejar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis
fósseis de forma que diminuam a exaustão e não causem dano ambiental grave.

6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e,


quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.
a. Orientar ações para evitar a possibilidade de sérios ou irreversíveis danos ambientais
mesmo quando a informação científica for incompleta ou não conclusiva.
b. Impor o ônus da prova àqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano
significativo e fazer com que os grupos sejam responsabilizados pelo dano ambiental.
c. Garantir que a decisão a ser tomada se oriente pelas consequências humanas globais,
cumulativas, de longo prazo, indiretas e de longo alcance.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

d. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de


substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas.
e. Evitar que atividades militares causem dano ao meio ambiente.

7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades


regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.
a. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir
que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
b. Atuar com restrição e eficiência no uso de energia e recorrer cada vez mais aos recursos
energéticos renováveis, como a energia solar e do vento.
c. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias
ambientais saudáveis.
d. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e
habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam as mais altas normas sociais e
ambientais.
e. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a
reprodução responsável.
f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo
finito.

8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e a


ampla aplicação do conhecimento adquirido.
a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada a sustentabilidade, com
especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento.
b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as
culturas que contribuam para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
c. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção
ambiental, incluindo informação genética, estejam disponíveis ao domínio público.

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA


9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.
a. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não
contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos nacionais e
internacionais requeridos.
b. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma subsistência
sustentável, e proporcionar seguro social e segurança coletiva a todos aqueles que não são
capazes de manter-se por conta própria.
c. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem, e permitir-lhes
desenvolver suas capacidades e alcançar suas aspirações.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam


o desenvolvimento humano de forma equitativa e sustentável.
a. Promover a distribuição equitativa da riqueza dentro das e entre as nações.
b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em
desenvolvimento e isentá-las de dívidas internacionais onerosas.
c. Garantir que todas as transações comerciais apoiem o uso de recursos sustentáveis, a
proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas.
d. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com
transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas consequências de suas
atividades.

11. Afirmar a igualdade e a equidade de gênero como pré-requisitos para o


desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência de
saúde e às oportunidades econômicas.
a. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência
contra elas.
b. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica,
política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e
beneficiárias.
c. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e a educação amorosa de todos os membros da
família.

12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente


natural e social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar
espiritual, concedendo especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.
a. Eliminar a discriminação em todas suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero,
orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos,
assim como às suas práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida.
c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu papel
essencial na criação de sociedades sustentáveis.
d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual.

IV. DEMOCRACIA, NÃO-VIOLÊNCIA E PAZ


13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e proporcionar-lhes
transparência e prestação de contas no exercício do governo, participação inclusiva na
tomada de decisões, e acesso à justiça.
a. Defender o direito de todas as pessoas no sentido de receber informação clara e oportuna

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DOCUMENTOS E TEXTOS

sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que poderiam


afetá-las ou nos quais tenham interesse.
b. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de
todos os indivíduos e organizações na tomada de decisões.
c. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de assembleia pacífica, de
associação e de oposição.
d. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos administrativos e judiciais
independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais
danos.
e. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas.
f. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e
atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas
mais efetivamente.

14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os


conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.
a. Oferecer a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes
permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
b. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação
para sustentabilidade.
c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no sentido de aumentar a
sensibilização para os desafios ecológicos e sociais.
d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma subsistência
sustentável.

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.


a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de
sofrimentos.
b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem
sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
c. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas.

16. Promover uma cultura de tolerância, não-violência e paz.


a. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as
pessoas, dentro das e entre as nações.
b. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na
resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
c. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até chegar ao nível de uma postura não

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DOCUMENTOS E TEXTOS

provocativa da defesa e converter os recursos militares em propósitos pacíficos, incluindo


restauração ecológica.
d. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa.
e. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico mantenha a proteção ambiental e a paz.
f. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras
pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.

O CAMINHO ADIANTE
Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal
renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos
que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta. Isto requer uma
mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de
responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo
de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma
herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar
esta visão. Devemos aprofundar expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra, porque
temos muito que aprender a partir da busca iminente e conjunta por verdade e sabedoria. A vida
muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis.
Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o
exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo.
Todo indivíduo, família, organização e comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes,
as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as
organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança
criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma
governabilidade efetiva. Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo
devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações
respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da
Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente unificador quanto ao ambiente e ao
desenvolvimento. Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face
à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela
justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.

A Carta do Chefe Seattle

Em 1854, o governo dos Estados Unidos propôs comprar uma ampla extensão de terra dos
índios, prometendo criar, em troca, uma reserva indígena. A resposta do Chefe Seattle, aqui
transcrita integralmente, tem sido considerada a mais bela e profunda declaração jamais feita
sobre o meio ambiente.
“Como se pode comprar ou vender o firmamento ou mesmo o calor da terra? Esta ideia nos é
desconhecida”.
Se não somos donos da frescura do ar, nem do reflexo das águas, como vocês poderão
comprá-los?

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Cada parcela desta terra é sagrada para o meu povo.


Cada verdejante mata de pinho, cada grão de areia das praias, cada gota de orvalho nos
bosques escuros, cada montanha e até o ruído de cada inseto são sagrados para a memória e o
passado do meu povo.
A seiva que circula pelas veias das árvores leva consigo a memória dos peles-vermelhas.
Os homens brancos que morrem esquecem seus pais de origem quando passeiam entre as
estrelas; no entanto, nossos mortos nunca podem esquecer esta terra bondosa, já que ela é a
mãe dos peles-vermelhas. Somos parte da terra, assim como ela é parte de nós. As flores
perfumadas são nossas irmãs; o veado, o cavalo, a grande águia, nossos irmãos. As montanhas
íngremes, os campos úmidos, o calor do corpo do cavalo e o homem, todos pertencem à mesma
família.
Por tudo isso, quando o Grande Chefe de Washington nos envia esta mensagem, dizendo que
quer comprar nossas terras, nos está pedindo demasiado. O Grande Chefe também diz que nos
será reservado um lugar para que possamos viver confortavelmente. Ele se converterá em nosso
pai e nós em seus filhos.
Por isso, estudamos a sua oferta de comprar nossas terras. Isto não é fácil, já que esta terra é
sagrada para nosso povo.
A água cristalina que corre pelos rios e riachos não é somente água; ela também representa o
sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, deverão sempre lembrar-se de que
ela é sagrada, e por sua vez, também deverão ensinar a seus filhos que é sagrada e que cada
reflexo fantasmagórico das águas claras dos lagos conta os sucessos e memórias da vida de
nossa gente. O murmúrio da água é a voz do pai do meu pai. Os rios são nossos irmãos e saciam
nossa sede; levam nossas canoas e alimentam nossos filhos.
Se lhes vendermos nossas terras, vocês deverão lembrar sempre e ensinar a seus filhos que os
rios são nossos irmãos e que, também, são irmãos de vocês e, portanto, deverão tratá-los com o
mesmo carinho com que se trata um irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de vida. Ele não sabe
distinguir um pedaço de terra de outro, já que é um estranho que chega de noite e toma da terra
aquilo que necessita. A terra não é sua irmã, mas, sim, sua inimiga. Uma vez conquistada a terra, o
homem branco segue seu caminho, deixando atrás de si o túmulo dos seus pais, sem se importar
com isso. E nega a terra a seus filhos. Tampouco se importa com isto. Tanto o túmulo de seus
pais como o patrimônio dos seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu,
como objetos que se compram e se vendem, como ovelhas ou contas coloridas.
Seu apetite devorará a terra, deixando atrás de si apenas um deserto.
Não sei, mas o nosso modo de vida é diferente do de vocês. A simples visão de suas cidades
causa pena aos olhos do pele-vermelha. Talvez seja porque o pele-vermelha seja um selvagem e
não compreenda nada.
Não existe um lugar tranquilo nas cidades do homem branco, nem há local onde se possa
escutar o abrir das folhas das árvores na primavera, ou o voo dos insetos. Mas, talvez, isso
também seja porque eu sou um selvagem que não compreende nada.
O ruído gratuito parece insultar nossos ouvidos. Além do mais para que serve a vida se o
homem não pode escutar o grito solitário do noitibó, nem as discussões noturnas das rãs à beira
dos alagados? Sou um pele vermelha e não entendo nada.
Nós preferimos o sussurro suave do vento sobre a superfície de um lago, assim como o odor

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DOCUMENTOS E TEXTOS

desse mesmo vento purificado pela chuva do meio-dia ou perfumado com aroma de pinho. O ar
tem um valor inestimável para o pele-vermelha, já que todos os seres compartilham o mesmo
ambiente: o animal, a árvore e o homem, todos respiramos o mesmo ar.
O homem branco não parece consciente do ar que respira: como um moribundo que vem
agonizando há muitos dias, é insensível ao que o rodeia.
Mas, se lhes vendermos nossas terras, deverão lembrar-se de que o ar nos é inestimável, de
que o ar compartilha seu espírito com vida que sustenta. O vento, que deu a nossos avós o
primeiro sopro de vida, também recebe seus últimos suspiros. E se lhes vendermos nossas terras,
vocês deverão conservá-las como coisa muito especial e sagrada, como lugar onde até o homem
branco possa saborear o vento perfumado pelas flores das pradarias.
Por isso, consideramos sua oferta de comprar nossas terras. Se decidirmos aceitá-la, eu
colocarei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida.
Tenho visto milhares de búfalos apodrecendo nas pradarias, mortos a tiros pelo homem
branco, de dentro de um trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como uma
máquina a vapor pode ser mais importante que o búfalo que nós matamos somente para
sobreviver.
Que seria do homem sem os animais? Se todos os animais fossem exterminados, o homem
também morreria de uma grande solidão espiritual. Porque o que acontecer com os animais,
também acontecerá aos homens.
Tudo está entrelaçado.
Deverão ensinar a seus filhos que o solo em que pisam é formado das cinzas dos nossos avós.
Inculquem em seus filhos o que nós temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo o
que acontecer com a terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens estragam o solo,
estragam a si mesmos.
Isto nós sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra, isto nós
sabemos. Tudo está entrelaçado como o sangue une a família.
Tudo está entrelaçado.
Tudo o que acontecer à terra, ocorrerá a seus filhos. O homem não teceu a trama da vida, ele é
só um elo: o que ele faz à trama, ele faz a si mesmo.
Nem sequer o homem branco, cujo Deus passeia e fala com eles de amigo para amigo, está
isento do destino comum. Depois de tudo, talvez sejamos irmãos. Logo veremos.
Sabemos de uma coisa que talvez o homem branco descubra um dia: nosso Deus é o mesmo
Deus de vocês. Vocês podem pensar hoje que Ele lhes pertence, do mesmo modo que desejam
que nossas terras lhes pertençam; mas não é assim. Ele é o Deus de todos os homens e sua
compaixão se divide por igual entre os peles-vermelhas e o homem branco. Esta terra tem um
valor inestimável para Ele e, se vier a ser destruída, provocara a ira do criador.
Também os brancos se extinguirão antes, quem sabe, que nossas tribos. Contaminem o leito
dos rios e uma noite morrerão afogados em seus próprios resíduos.
Porém vocês caminharão até a destruição, rodeados de gloria, inspirados pela força de Deus
que lhes trouxe a esta terra e que, por algum desígnio especial, lhes deu domínio sobre ela e
sobre o pele-vermelha. Este destino é um mistério para nós, pois não entendemos porque se
exterminam búfalos, se domam os cavalos selvagens, se saturam os cantos secretos dos
bosques com o hálito de tantos homens e se entulham a paisagem das colinas exuberantes com

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Cooperar no cotidiano
Fábio Otuzi Brotto

Os Jogos Cooperativos surgiram da preocupação com a excessiva valorização que a


sociedade moderna atribui à competição.
Temos competido em lugares, com pessoas, em momentos que não deveríamos, como se
essa fosse a única opção.
Ao contrário de ser uma característica única e inerente à espécie humana, a competição e a
cooperação são valores culturais, ou seja, são valores e atitudes construídas pela educação
formal e informal.
De acordo com Terry Orlick, nós não ensinamos nossas crianças a terem prazer em buscar o
conhecimento, nós as ensinamos a se esforçarem para conseguir notas altas. Da mesma forma,
não as ensinamos a gostar dos esportes, nós as ensinamos a vencer jogos.
A hipervalorização da competição se manifesta nos jogos através da ênfase no resultado
numérico e na vitória. Os jogos tornaram-se rígidos e organizados, dando a ilusão que só existe
uma maneira de jogar.
Os Jogos em sua maioria são verdadeiros campos de batalha capazes de eliminar a diversão e
a pura alegria de jogar. Estruturados para a eliminação de pessoas e para produzir mais
perdedores do que vencedores, muitos jogos tornaram-se um espaço para tensão, derrota, ilusão
de ser melhor ou pior que alguém e para sentimentos como raiva, medo, frustração, fracasso,
rejeição e animosidade.
Se fizermos um balanço de nossas experiências de jogar, na escola ou fora dela, verificamos
que pendem muito para o lado dos Jogos Competitivos. Nem sempre os programas de Educação
Física, Esporte ou Recreação dão ênfase a atividades que promovam interações positivas,
colaborando para que a competição deixe de ser um comportamento condicionado,
oportunizando a percepção e o exercício de outras formas de nos relacionarmos com as pessoas,
com a natureza e com a gente mesmo.
Os Jogos Cooperativos são jogos com uma estrutura alternativa onde os participantes jogam
COM o outro, e não contra o outro.
Joga-se para superar desafios e não para derrotar os outros; joga-se para se gostar do jogo e
pelo prazer de jogar. São jogos onde o esforço cooperativo é necessário para se atingir um
objetivo comum e não para fins mutuamente exclusivos.
Estes Jogos são estruturados para diminuir a pressão para competir, promover a interação e a
participação de todos como solidários ao invés de adversários, e para deixar aflorar a
espontaneidade e a alegria de jogar.
Os Jogos Cooperativos são jogos de compartilhar, unir pessoas, jogos que eliminam o medo
do fracasso e que reforçam a confiança em si mesmo e nos outros.
Neles todos podem ganhar e ninguém precisa perder.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Dessa forma os Jogos Cooperativos resultam no envolvimento total, em sentimentos de


aceitação e vontade de continuar jogando.
Sintetizando, podemos relacionar os Jogos Cooperativos e os Jogos Competitivos observando
algumas de suas principais características.
Exercitando a reflexão criativa, a comunicação sincera e a tomada de decisão por consenso
para aprimorar o jogo, as crianças e jovens - e nós, educadores, também poderão descobrir que
têm plenas condições de intervir positivamente na construção, transformação e emancipação de
si mesmos e da comunidade onde convivem. Todo tipo de Jogo tem uma intenção que ultrapassa
os limites do campo e da quadra. Assim, é importante perceber quais os valores que estão por
trás dos jogos e a que tipo de propósitos as atividades estão servindo. Além de conhecer o Jogo é
preciso re-conhecer ao que e a quem ele serve. O propósito essencial dos Jogos Cooperativos é
colaborar para a construção de um mundo melhor para todos… sem exceções, onde “se o
importante é competir, o fundamental é cooperar.” Jogando dentro desse Estilo Cooperativo
podemos desfazer a ilusão de sermos separados e isolados uns dos outros e percebermos o
quanto é bom e importante ser a gente mesmo, abraçar a diversidade, celebrar nossa comum-
unidade e jogar para VenSer juntos!

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Ecologizar o cotidiano

Maurício Andrés Ribeiro

Para quem se pauta pela consciência e ética ecológicas, cada papel que desempenha traz
oportunidades para ecologizar a vida.
Somos seres humanos multidimensionais. A vida cotidiana é pródiga em oportunidades de
ação ecologicamente consciente. Cada um pode, a cada momento, dar sua contribuição para
reduzir a pressão sobre a natureza: na vida pessoal, por meio dos hábitos alimentares, da
educação dos filhos, dos hábitos de consumo, das práticas frugais, nas aspirações e desejos,
internalizando a consciência ecológica e a ética ecológica em seus pensamentos, emoções e
ações, bem como em sua relação com a sociedade e a natureza, vivendo conforme os princípios
da simplicidade voluntária, da austeridade feliz, do conforto essencial, da frugalidade. Isso implica
em mudar desejos, paixões, necessidades, vontades; em suma, transformar as consciências e as
energias que movem a ação humana.

CIDADÃO
PRODUTOR
TRABALHADOR EDUCADOR

SER ELEITO
ELEITOR HUMANO AUTORIDADE

APRENDIZ CONSUMIDOR

CONTRIBUINTE

O cidadão pode exercer direitos e ser corresponsável pela qualidade do meio ambiente; evitar
sujá-lo; associar-se a movimentos coletivos pelo ambiente e depurar o próprio ambiente interior
do corpo, da mente e das emoções. Cada um de nós é um ser em evolução que na vida cotidiana
respira, se alimenta, exercita o corpo.
A redução do consumismo e do acúmulo de bens materiais reduz as pressões sobre a
natureza.
O consumidor responsável reduz o volume e peso dos produtos usados; evita desperdícios de
água, de energia, de alimentos. Na alimentação, reduz as proteínas animais que são mais
pressionadoras do ambiente do que os produtos de origem vegetal, do ponto de vista da ecologia

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DOCUMENTOS E TEXTOS

energética. Adota valores pós-materialistas, que desassociem a noção de qualidade de vida da


posse material. Pode boicotar os produtos que tenham causado impactos ambientais negativos
durante sua produção e preferir aqueles que tenham o selo verde. Pode selecionar os produtos
que compra a partir de critérios ecológicos; adotar estilo de vida de baixo impacto e baixa
demanda de carbono. Pode tornar mais leve o peso da pegada ecológica sobre o Planeta. Nessa
perspectiva, adotada voluntaria e conscientemente, ter à disposição menor quantidade de bens
materiais não significa desfrutar de pior qualidade de vida. O voto de pobreza é uma opção
ecológica radical, que reduz os riscos da ganância, da voracidade e da ambição pelo acúmulo de
patrimônio e de riqueza material.
O trabalhador pode adotar processos de produção limpos: gastar o mínimo possível de
energia, de preferência renovável; reduzir o uso do papel, para salvar árvores e florestas; poupar
água; reduzir a geração de resíduos. Na mobilidade para o trabalho, praticar o transporte solidário,
compartilhando o mesmo veículo com outras pessoas ou usar a bicicleta ou o transporte coletivo
ajudam a economizar energia e, portanto, a reduzir a poluição do ar, com ganhos para a saúde. O
“home office”, trabalhar em casa, elimina radicalmente esse tipo de gasto no deslocamento. A
pandemia de 2020 induziu a esse tipo de trabalho.
O produtor e empresário, o acionista e o investidor podem transcender as preocupações com
o lucro financeiro, praticar a responsabilidade socioambiental e distribuir de forma justa os
resultados do trabalho. Os fundos de investimentos éticos – que aplicam recursos em
empreendimentos não destrutivos – são uma opção dos investidores conscientes e responsáveis.
O correntista pode optar por bancos que não façam marketing enganoso e maquiagem
ecológica. Os bancos podem assumir a responsabilidade ecológica pelo destino que dão a seus
empréstimos e considerar os impactos por eles causados, bem como redistribuir seus lucros em
ações de solidariedade social e ambiental.
O contribuinte pode influir no destino dado aos tributos recolhidos do trabalho e da riqueza
que ajuda a gerar, por meio de escolhas nos orçamentos participativos, de doações e deduções
fiscais.
O eleitor pode votar em políticos que tenham compromisso ecológico e eleger candidatos que
tomem decisões, nas políticas públicas e na administração, conscientes dos desafios climáticos e
ecológicos.
O governante precisa ter visão de futuro e do interesse público, para além de seus objetivos
eleitorais imediatos. Precisa ser proativo e propor normas e leis que estimulem o avanço
tecnológico e induzam a adoção das tecnologias limpas.
O jovem pode informar-se, estar consciente, não se deixar manipular por propaganda ou por
apelos de consumo fácil, perceber as injustiças e lutar por ideais para além dos interesses
materiais básicos além de adotar estilo de vida que seja amigável com a natureza e que ajude a
proteger seu próprio futuro diante dos riscos e das incertezas do mundo contemporâneo.
Agricultores, autoridades locais, bem como todos e cada um dos grupos da sociedade podem
ser sujeitos ativos de mudanças em seus campos de ação.
Essas são algumas das formas de se exercer a ação ecológica no cotidiano. Ao final de cada
dia podemos nos perguntar: quais foram os ecopensamentos, os ecosentimentos e as ecoações,
pelas quais fiz a minha parte para me aprimorar, para melhorar minha qualidade de vida e as das
demais pessoas e da natureza?
Podemos aplicar aos relacionamentos interpessoais os princípios da tolerância, ética,
honestidade, não violência e solidariedade.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Riquezas intangíveis e imateriais são tão importantes quanto a prosperidade física e material,
pois cada ser humano tem seu corpo físico, material, e sua mente, suas emoções, sua alma e seu
espírito.
No dia a dia cada ação tem efeitos sobre a natureza, da qual somos partes integrantes. O
somatório das atitudes de bilhões de seres humanos ajuda a construir uma nova era na evolução
do planeta.
Somos seres em transição e uma espécie co-gestora do rumo da evolução.
A somatória de pequenas ações individuais (como as atitudes do beija-flor num incêndio) é
necessária para melhorar o todo, mas não é suficiente para fazê-lo. No âmbito coletivo, ação
relevante pode ser feita por meio da participação em redes sociais, de associações locais, de
vizinhança, regionais ou globais, que lutem por melhorias e pela saúde do ambiente; ações para
levar as empresas e os governos a despertar para a gravidade dos problemas ambientais e
climáticos. As práticas da democracia direta e da participação encontram novas opções com o
uso da internet, que permite pressionar os tomadores de decisão com mensagens por causas
ecológicas. A partir dos teclados de computadores, compartilham-se ideias, também se constrói
cultura e faz-se ação política sem sair de casa.
A magnitude dos problemas atuais nesse estágio terminal da era cenozoica exige que
tomemos consciência de que cada um dos atos cotidianos, individuais ou coletivos tem
consequências diretas e imediatas e repercutem na direção que tomará a evolução da vida na
Terra. Fortalecer a unidade humana para além das diferenças, bem como exercitar a
solidariedade para além da competição individualista podem facilitar a transição da atual
sociedade com suas várias normoses para uma sociedade mais saudável na relação com a
natureza que a sustenta.
Ecologizar a vida, trazer as práticas de ecologia integral para o cotidiano de cada um é um
modo harmônico de inserir o ser humano no ambiente em que vive e que o sustenta. Aprender
como fazer isso, aproveitando o conhecimento acumulado por antigas sociedades e civilizações e
agregando-lhe os conhecimentos contemporâneos, pode ser vital para que o ser humano, um ser
em transição, se torne um cogestor consciente da evolução neste planeta.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Banho de Floresta
Trilha de reconexão, saúde integral e inspiração
Cristina Torres

Apresentação

“Paz é movimento”. A voz e as canções que costuravam as vivências de A Arte de Viver em


Paz, com a batuta da mestra Lydia Rebouças, ecoaram durante um longo tempo em mim. Sabia
da potência de tudo ouvido, sentido, experimentado naquele tempo, idos de 2017, na Unipaz DF.
Ao mesmo tempo me perguntava: “que nota trago cá dentro para ajudar a compor a sinfonia da
vida?”. Afinal, cantarolava Lydia: “viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora, de fora pra
dentro. A toda hora, a todo momento. De dentro pra fora de fora pra dentro (…) Tudo é uma
questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.1
Nessa toada, durante um ano sabático em Barcelona, as falas, aprendizados e canções fizeram
sentido a um só tempo. Tal percepção foi experimentada na trilha vivencial dos chamados “Baños
de Bosque”, em percursos de abertura dos sentidos, silêncios e maravilhas experimentados nos
bosques da Catalunha.
Este texto traz algumas anotações sobre Banho de Floresta, tal como denominado no Brasil. A
prática, voltada à saúde integral, expressa uma relação direta com as dimensões individual, social,
ambiental e espiritual, base da metodologia AViPaz. É, sobretudo, um caminho para reconexão
com a nossa essência, natureza que somos.
Assim, para além dos conceitos e filosofias inerentes ao Banho de Floresta, destaca-se a
importância de conjugar de outra forma os verbos ser, estar e relacionar com todas as formas de
vida. Oportunidades que se apresentam no período de isolamento social e pós pandemia Covid-
19. Trata-se mesmo de afinar o instrumento. Movimento de dentro pra fora, de fora pra dentro, no
compasso de A arte de viver em paz, com a rede que promove e sustenta a vida na casa maior, o
planeta Terra.

Desconexão
A degradação ambiental revela, com lente ampliada, a crise civilizatória que vivemos. Contexto
que está dado pelas dimensões produtivas, culturais e econômicas das sociedades
industrializadas, em descompasso com a capacidade de equilíbrio ecossistêmico do planeta. O
resultado desse cenário está expresso na crise de percepção, adoecimento das pessoas,
comunidades e ambientes. Tudo isso graças ao distanciamento ou negação da natureza em nós,
ou de sermos parte de uma rede maior – a teia da vida.

1 Canção “Serra do Luar”, de Walter Franco (1981).

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DOCUMENTOS E TEXTOS

No livro O princípio da natureza, o autor Richard Louv destaca o chamado transtorno por déficit
de natureza. Louv aborda o tema como uma advertência dos riscos implicados pela falta de
contato com o ambiente natural. Entre eles, transtornos de déficit de atenção com hiperatividade,
obesidade infantil, dificuldades cognitivas e psicomotoras, estresse e depressão.
“O que mais necessitamos é escutar, dentro de nós, os sons da Terra chorando”, disse o monge
budista Thich Nhat Hanh ao ser indagado sobre como devemos lidar com a degradação
ambiental. Eis a questão: quando prestamos atenção às paisagens internas, reconhecemos
hábitos e pensamentos que inviabilizam a vida em equilíbrio, seja no plano individual, social e
ambiental. Assim, somos chamados a recuperar a inspiração, as conexões inatas, e profundas,
que temos com outros seres, com a Terra e a capacidade de autocura da rede de vida. Significa
silenciar, retornar à casa-natureza, dentro e fora, tal como demonstra a nossa história evolutiva.

Shirin-Yoku – natureza e saúde


Shirin-Yoku é um termo japonês que, literalmente, significa banhar-se na atmosfera da floresta.
O termo foi criado em 1982 por Tomohide Akiyama, diretor da Agência Florestal do Japão, com a
implantação de um programa de saúde nacional para prática de Shirin-Yoku. A atividade ficou
conhecida no ocidente como Forest Bathing, Baño de Bosque ou Banho de Floresta.
Estudos da década de 80 demonstraram os benefícios dos banhos de floresta para a saúde
física e mental, inclusive quando as pessoas estão temporariamente incapacitadas para mover-
se. Yoshifumi Miyazaki, da Universidade de Chiba e Qing Li, da Escola de Medicina Nippon de
Tokio, são nomes que se destacam na pesquisa sobre tais benefícios. No Brasil, há estudos sobre
benefícios da natureza e saúde humana com recortes variados, a exemplo da pesquisa e-
Natureza, desenvolvida pela equipe da professora Eliseth Leão, em ambiente hospitalar. Este
estudo tem como objetivo validar imagens da natureza e verificar seu potencial terapêutico no
cuidado a pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico2.
Se no Japão o Shirin-Yoku é política pública, e conta com cerca de dois milhões de praticantes,
os Banhos de Floresta ganham cada vez mais adeptos em diversos países, a exemplo da
Espanha, Itália, França, Austrália, Canadá, Alemanha, Reino Unido, Colômbia, Chile, Estados
Unidos. No Brasil, ainda é uma prática pouco difundida, especialmente quando observadas as
políticas públicas voltadas à prevenção e saúde com base na natureza.
A prescrição médica com imersão no ambiente natural já faz parte de iniciativas na Colômbia,
com o programa Vitamina N, no Chile, com o Bosques para Ti, ou na Irlanda, Green Prescription
Iniciative (prescrição verde, com programas semanais na natureza, voltados à saúde e bem-
estar). O programa Healthy Parks, Healthy People3, com origem na Austrália, em 2010, é um
movimento global que reorienta o papel dos parques nacionais e locais, como estratégia de
prevenção e promoção da saúde.
Informe da Organização Mundial da Saúde (OMS), dedicado aos espaços verdes e à saúde,
destaca que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas
(ONU) sugerem proporcionar acesso universal a espaços verdes e públicos, seguros, inclusivos e
acessíveis. Também na esteira dessa indicação, há diversos estudos científicos e artigos de
revisão sobre os benefícios dos espaços naturais para a saúde. Para tanto, consideram-se as
florestas, parques, jardins. Outros estudos incluem, ainda, os chamados espaços azuis (mares,
lagos e rios).
O Primer Congresso Virtual Iberoamericano de Práticas de Salud Y Bienestar Basadas en La

2 e-natureza: www.einstein.br/pesquisa/pesquisa-assistencial/projetos-pesquisa
3 Ver https://www.iucn.org/sites/dev/files/content/documents/improving-health-and-well-being-stream-report_0.pdf

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Naturaleza, realizado pelo Forest Therapy Institute em maio de 2020, registrou experiências de
instituições de diversos países. Trata-se de ações e políticas públicas ancoradas na importância
da visão holística como base da saúde humana e do planeta, considerados todos os seres vivos.
Entre as atividades apresentadas, destaca-se o Banho de Floresta (como prática de conexão com
a natureza, para promoção de saúde e bem-estar) e Terapia de Floresta (que utiliza o Banho de
Floresta no tratamento terapêutico e reabilitação). Vale destacar que para ambos percursos se
abre um campo de atuação profissional, transdisciplinar, com formação de guias e/ou terapeutas
de floresta4.

Benefícios do Banho de Floresta


Segundo o médico e pesquisador Yoshifumi Miyazaki, viver na sociedade moderna nos leva a
um estado de estresse permanente. Por isso, “entrar em contato com a natureza pode ajudar-nos
a entrar em um estado fisiológico de relaxamento, assim como aproximar-nos ao nosso estado
natural original como seres humanos”. Miyazaki destaca que ao largo da história, a humanidade
passou mais de 99,99% do tempo em um entorno natural. “Isto explica por que os seres
humanos se adaptaram à natureza” e, também por isso, o retorno ao ambiente natural – a teoria
da reconexão - nos faz tão bem. É o que nos diz, também, o conceito de Biofilia, popularizado pelo
biólogo E.O. Wilson, que trata do amor pela vida e pelo mundo vivo, ou seja, a natureza que está
em nós, com a qual estamos interconectados, que faz parte da nossa história.
“A arte dos Banhos de Floresta é a arte de conectar com a natureza, através dos nossos cinco
sentidos. Eles desempenham um papel crucial nos efeitos curativos dos Banhos de Floresta”,
afirma Dr. Qing Li. Segundo ele, as imagens, os sons, os sabores, o toque e o olfato têm um
potente impacto no nosso bem-estar no espaço natural. Como exemplo, o pesquisador destaca o
papel das Fitoncidas, substâncias que protegem as plantas das bactérias, insetos, fungos e,
também, fazem parte da rede de comunicação entre as árvores. Os principais componentes dos
Fitoncidas são os Terpenos, que sentimos pelo olfato, durante um Banho de Floresta e, segundo
as pesquisas, favorecem as mudanças hormonais e melhoram a nossa saúde. Entre tantos
benefícios, “o poder das árvores pode nos trazer clareza de ideias, criatividade, fazer com que
sejamos mais amáveis e generosos”, ressalta Dr. Li.

A seguir, estão listados os principais benefícios do Banho de Floresta.5


1. Reforça o sistema imunológico, especialmente as células NK, que combatem diretamente
as células tumorais.
2. Contribui para reduzir a pressão sanguínea e do ritmo cardíaco.
3. Reduz o nível de açúcar no sangue.
4. Contribui para o menor nível de sobrepeso e obesidade.
5. Reduz os níveis de estresse.
6. Promove a serenidade. Ajuda para que o sistema nervoso seja menos propenso a reações
de luta ou fuga.
7. Melhora o estado de ânimo e a sensação geral de plenitude.

4 Ver https://foresttherapyinstitute.com/pt/home/ e https://www.natureandforesttherapy.org/


5 LI, Qing – El poder del Bosque. Shinrin-Yoku. Rocaeditorial, Barcelona, 2018

García, Hector e Miralles, Francesc – Shinrin-Yoku – El arte japonés de los baños de bosque

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DOCUMENTOS E TEXTOS

8. Potencializa a capacidade para concentrar-se, inclusive em crianças com TDAH


(Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade).
9. Favorece o bom sono.
10. Melhora a concentração e a memória

Como praticar um Banho de Floresta


A bibliografia disponível indica que não há uma receita única para a prática do Banho de
Floresta. São vários os caminhos, a depender do local escolhido, de quem vai praticar (o ideal é
que seja em grupo), do tempo de percurso e a frequência, se haverá guias treinados (o que seria
ideal). Uma simples caminhada em parques urbanos, ou jardins, já propicia uma série de
possibilidades de banhar-se na natureza. Todavia, é importante considerar que o Banho de
Floresta nos oferece mais que a oportunidade de estar na natureza. “Significa dizer que, para
além da natureza objetiva, há uma natureza subjetiva, de conexão, de reconexão, de experiência
autêntica e profunda. Ou seja, mais do que estar na natureza, é estar com a natureza”, afirma o
psicólogo Marco Aurélio Bilibio, presidente do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia e da
International Ecopsychology Society (IES). Para tanto, é preciso vivenciar o momento, com todos
os sentidos postos no instante do percurso. Presença, silêncio, escuta, abertura, observação,
respeito, interação, são algumas das palavras-chave nessa prática.
Para chegar a sentir a natureza no mais profundo de nosso ser, não só temos que contemplá-
la, como também escutá-la, cheirá-la, prová-la e tocá-la. Observar o sentido da impermanência,
como nas estações – do tempo e de cada ser. Sentir que, a exemplo do espaço natural, os
elementos, água, terra, fogo, ar, vazio, também nos formam. Para cada um dos cinco sentidos e
elementos podemos experimentar diversas possibilidades de vivências. Um Banho de Floresta
deve observar três momentos principais: desvinculação da rotina diária; respiração profunda para
conectar à natureza, por meio de atividades tranquilas sugeridas; transição de retorno à vida
cotidiana (ver referências de leituras ao final).
“O Banho de Floresta nos convida a receber. Usamos os nossos sentidos para dar as boas-
vindas aos presentes que a floresta nos oferece, como os sons, paisagens e energias únicas que
sentimos em cada lugar da trilha. Receber é parte da comunicação com o mundo mais-que-
humano”, explica M. Amos Clifford, na obra “Your Guide to Forest Bathing” (2018). Clifford
também ressalta a importância do princípio da Reciprocidade. Trata-se de ter a natureza como
parceira, como guia, num movimento de interação, de dar e receber. Por isso, é fundamental que
se faça a saudação ao chamado “espírito do lugar”, antes de entrar no ambiente natural,
demonstrar respeito, evocar proteção e interconexão e, ao sair, expressar a gratidão pela
experiência vivida, compartilhada.

Dez convites durante um Banho de Floresta6


1. Sacudir o pó do caminho: como fazem alguns animais, antes de começar a andar, sacode
a poeira do cotidiano, para liberar o estresse, o cortisol. Trabalhe a respiração profunda e alongue.
Faça a conexão com o momento presente.
2. Gratidão: Observe o entorno natural e siga a intuição para eleger uma árvore, planta ou

6 Adaptado do livro A Little Handbook of Shirin-Yoku, de M. Amos Clifford, 2013, in Baños de Bosque, una propuesta de Salud

(DKV). https://dkvsalud.com/es/instituto/observatorio/bosques-saludables

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DOCUMENTOS E TEXTOS

elemento que te chame a atenção. Observe, interaja e agradeça a sua presença e oportunidade
de estar com, de ser parte.
3. Sentidos: Feche os olhos e sinta os pés na terra. Respire profundamente e observe os
movimentos do seu corpo. Sinta os prazeres dos sentidos. Balance os braços e sinta o ar, o
espaço que te acolhe. Preste atenção à sua pele, experimente a temperatura. Escute os diferentes
sons – perto ou distantes. Sintonize com seu olfato e observe os cheiros presentes. Pode
identificar algum? Abra a boca, tateie o ar com a língua. Algum sabor a ser observado?
Finalmente, abra os olhos e contemple a paisagem. Como se fosse a primeira vez. O que você
observa?
4. O que há em movimento: Qual é o ritmo da natureza? Observe movimentos próximos,
distantes. Sinta. Observe as diferentes velocidades dos movimentos ao redor. Perceba as
diferenças dos movimentos ao andar e ao observar na quietude.
5. Passos silenciosos: Caminhe silenciosamente, com todos os sentidos alertas. Como um
lobo, que se move pela paisagem. Observe o contato e movimento dos seus pés ao tocar o solo.
Pare quando algo te chamar atenção e observe os detalhes.
6. Olhar ao redor: Observe algo pequeno, próximo a você. Algo que te chame atenção, que
te escolha. Dedique ao elemento escolhido toda a sua atenção. Observe detalhes que não tivesse
notado antes. O que se passou com você ao observar? O que mais te chamou atenção? Alguma
diferença na observação de agora para o início do percurso?
7. Orelhas de veado campeiro: Coloque as mãos atrás das orelhas, para aumentá-las.
Caminhe tranquila e lentamente, como um veado campeiro, alerta com os sons que te rodeiam.
Oriente suas orelhas de veado campeiro até os sons que te chamem atenção. Identificou algo
diferente, novo, com sua audição amplificada?
8. Fareje: A intenção é envolver o sentido do olfato em relação ao entorno natural. Atenção
para não alcançar plantas tóxicas ou irritantes. Esfregue diferentes folhas para liberar o cheiro e
sentir. Que recordações te trazem?
9. Presente na floresta: Encontre três ou quatro elementos que te atraiam e possam ser
recolhidos. Deixe que os objetos “te chamem”. Com estes objetos naturais, e em um lugar que te
agrade, deixe um “presente” para a floresta que te acolheu. Não pense em resultado ou perfeição.
Simplesmente desfrute o processo de criação, interação, doação e sorria.
10. Despedida: Antes de deixar a floresta, preste atenção ao tempo que pode dedicar a você e
à floresta. Lembre-se que é um ecossistema vivo, com uma diversidade de seres vivos, que você
passou pela casa de alguém. Que diferenças você observa depois dessa vivência? O que mais
você gostou nesse espaço e processo? Há algo em especial que queira recordar desse Banho de
Floresta?

Uma xícara de chá


Os Banhos de Floresta costumam ser finalizados com um círculo de partilha de infusão de
ervas colhidas (ou não) e impressões sobre a experiência vivida. Ou simplesmente o silêncio em
grupo e a apreciação do chá e dos temperos do coração.
Os estudos sobre Banhos de Floresta indicam que os benefícios são duradouros. Entretanto,
recomenda-se que a prática seja incorporada e adaptada ao cotidiano de quem experimenta o
poder de banhar-se nas florestas, parques, jardins.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Fica o convite: Sinta o Yugen, ou seja, experimente o prazer e a conexão profunda de ser uno
(una) com a natureza. “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o
coração tranquilo”.

Leituras sugeridas
CLIFFORD, M. Amos. Your guide to forest bathing : experience the healing power of Nature. Newbury : Conari Press, 2018.
CLIFFORD, M. Amos. A little handbook of Shinrin-yoku., 2013.
GARCÍA, Héctor, MIRALLES, Francesc. Shinrin-Yoku: el arte japonés de los baños de bosque. Barcelona : Editorial Planeta, 2018.
LAVRIJSEN, Annette. Shinrin-yoku : Sumergirse en el bosque. Barcelona: Lince, 2018.
LI, Qing. El podel del bosque : Shinrin-yoku. Barcelona : Roca, 2018.
LOUV, Richard. O principio da natureza: reconectando-se ao meio ambiente na era digital. São Paulo : Cultrix, 2014.
MIYASAKI, Yoshifumi. Shinrin-yoku: Baños curativos de bosque. Barcelona: Blume, 2018.

Sites
https://foresttherapyinstitute.com/pt/home/
https://www.natureandforesttherapy.org/

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Austeridade feliz, conforto essencial,


simplicidade voluntária e frugalidade
Maurício Andrés Ribeiro

Durante a pandemia do corona vírus em 2020, houve efeitos colaterais positivos do


isolamento e das quarentenas adotadas em inúmeros países. Reduziu-se a poluição do ar,
reapareceram paisagens que antes ficavam encobertas pela poeira, como os Himalaias, reduziu-
se a poluição das águas; tartarugas e peixes voltaram a rios e baías, reduziram-se as emissões de
gases de efeito estufa, as doenças respiratórias por meio da redução das poluições urbanas.
Além disso, manifestações de solidariedade tornaram-se mais frequentes. Palestinos e
israelenses se uniram para lidar com o corona vírus de modo cooperativo; grandes empresas e
seus acionistas deixaram de buscar egoisticamente apenas seus lucros e doaram recursos para
lidar com a doença; comunidades carentes descobriram novas formas de cooperar diante desse
risco.
De certo modo o vírus impôs, de fora para dentro, uma mudança de hábitos cotidianos que
trouxe ganhos para o ambiente natural e social. Esses resultados positivos da parcial hibernação
provocada pela pandemia evidenciam como o intenso ritmo de atividades humanas causa
impactos negativos que adoecem a natureza.
Uma vez passada a fase crítica da pandemia, o que fazer para que tais atitudes de fraternidade,
cooperação e união se tornem, voluntária e conscientemente, “o novo normal” nas sociedades? O
que fazer para que os efeitos colaterais ambientais positivos passem a ser produtos de atitudes
conscientes e deixem de ser apenas contingências impostas de fora para dentro pelo corona
vírus?
De certo modo a pandemia valorizou um sentido de unidade humana para além das diferenças
e fez aflorar um sentido de superação do egoísmo e de fortalecimento da fraternidade.
O “novo normal” depois da pandemia significa viver com menos consumismo, com menos
‘viajismo’, com menos carnivorismo, com menos agressão aos animais silvestres, com menos
pressões sobre a capacidade de suporte da natureza. Em suma, reduzir as normoses existentes
no período anterior à pandemia. Ao mesmo tempo, viver com maior sentido de unidade humana,
para além das diferenças e com mais fraternidade. Isso se traduz nas atitudes de se adotar a
austeridade feliz, a simplicidade voluntária, o conforto essencial e a frugalidade.
Austeridade feliz é a proposta de se adotar voluntariamente um modo de vida austero com
ética ecológica e que proporcione bem-estar. A renúncia ao luxo e ao supérfluo, a contenção e
autolimitação do consumo reduzem os impactos ambientais da ação humana. A austeridade feliz
vai na contramão dos apelos valorizados pela propaganda como relevantes para a felicidade.

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DOCUMENTOS E TEXTOS

Propõe reduzir o consumo material para poupar os recursos da natureza. A austeridade feliz
produz um modo de vida que torna mais leve a pegada ecológica. É uma atitude de vida capaz de
harmonizar o ser humano com o ambiente, e um modo de vida que reflete uma visão compassiva
e solidária.
Simplicidade voluntária é uma opção deliberada de quem reduz suas demandas para poupar
os recursos da natureza. Para que seja adotada, é preciso dissolver os desejos por aquisição de
mais bens, mais viagens, mais eletrodomésticos, mais conforto material, que têm como
consequências mais poluição e mais gastos de recursos naturais. A simplicidade voluntária é
diferente da privação forçada e involuntária.
Já o conforto essencial é o nível de conforto básico que traz bem-estar e que evita o supérfluo.
Em alguns casos, para alcançar o conforto essencial é necessário virar a própria mesa e sair do
comodismo e do conformismo.
Frugalidade é sobriedade, temperança, parcimônia, simplicidade de costumes e de modo de
vida. Ela supera a idolatria e o apego irracional ao crescimento exponencial contínuo num planeta
finito. Propõe que se alcance uma economia estável, que respeite os limites da biosfera. A
frugalidade pode reduzir a emissão de CO2 na atmosfera e a emissão de todos os tipos de
resíduos na biosfera.
Há exemplos históricos de frugalidade em antigas civilizações. Gandhi disse que “A civilização,
no verdadeiro sentido da palavra, não consiste em multiplicar nossas necessidades, mas em
reduzi-las voluntariamente, deliberadamente.” Milenarmente, a Índia adotou estilo de vida frugal e
adotou uma economia que respeitou os limites da biosfera. Sacralizou bichos e plantas. Praticou
o vegetarianismo. Organizou-se espacialmente em uma rede de pequenas aldeias e em ashrams
ou comunidades espirituais. Exercitou posturas corporais que reduzem a demanda por objetos.
Entretanto, na Índia atual (como também no mundo todo), os apelos ao consumo se
exacerbam e com eles a pressão sobre a natureza e o clima. A frugalidade adotada por milênios é
colocada em risco por estilos de vida predatórios e crescentes aspirações de bem-estar material
por parte daqueles que sofrem privações. Ainda não se sabe se no período pós-pandemia essa
tendência prevalecerá ou se cederá lugar para um mundo mais frugal no qual a austeridade
possa ser feliz, a simplicidade seja adotada voluntariamente e os desperdícios cedam lugar a
uma atitude de busca do conforto essencial.

Bibliografia
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo, Ed. Triom, 1999.
RIBEIRO, Maurício Andrés. Ecologizar: Pensando o Ambiente Humano. Ed. Universa. Brasília, 2005.
WEIL, Pierre. A Arte de Viver em Paz. São Paulo, Ed. Gente, 1998. 5º Edição – Copyright Unesco – Prefácio de Robert Mueller.
WEIL, Pierre. A Mudança de Sentido e o Sentido da Mudança. Rio de Janeiro, Ed Rosa dos Tempos, 2000.
WEIL, Pierre. A Arte de Viver a Vida. São Paulo, Ed. Vozes, 2000.
Revista META, Nº 2, Salvador (BA), 1999 - Rede da Paz, Unipaz.

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