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Saúde da família e cuidados paliativos infantis:

ARTIGO ARTICLE
ouvindo os familiares de crianças dependentes de tecnologia

Family Health Program and children palliative care:


listening the relatives of technology dependent children

Cláudia Azevedo Ferreira Guimarães Rabello 1


Paulo Henrique de Almeida Rodrigues 2

Abstract This study discusses the creation of a Resumo O estudo discute um modelo de cuida-
new children palliative care program based on the dos paliativos infantis baseado na Saúde da Fa-
Family Health Program, considering the level of mília quando da assistência domiciliar, articula-
care at home and yielding to family requests. The do com os demais níveis de atenção e nas deman-
study focused on eighteen members of nine fami- das das famílias. Participaram do estudo dezoito
lies of technology dependent children (TDC) who membros de nove famílias de crianças do Institu-
were hospital patients at Instituto Fernandes to Fernandes Figueira (IFF), das quais quatro
Figueira (IFF): four who are being assisted by its estão assistidas pelo Programa de Assistência Do-
palliative care program Programa de Assistência miciliar Interdisciplinar (PADI), três internadas
Domiciliar Interdisciplinar (PADI); three who aguardando a inclusão no programa e duas inter-
were inpatients waiting for inclusion in the Pro- nadas e já pertencentes ao PADI. O PADI foi estu-
gram, and finally two inpatients already included dado por ser o único que oferece cuidados paliati-
in PADI. PADI was chosen because it is the only vos infantis na rede pública de saúde. Os resulta-
child palliative care program in Brazil. The re- dos demonstram-se positivos quanto ao vínculo
sults are positive in regards to the connection es- estabelecido com a equipe; o acolhimento; o co-
tablished between the families and the health care nhecimento pelos familiares acerca da doença e a
team, the reception of the children, the explana- dinâmica entre o PADI e o IFF. Como pontos ne-
tion to the family concerning the disease, and the gativos, aparecem as dificuldades, que vão desde a
functional dynamics between the PADI and IFF. implantação do programa até sua continuidade e
As negative points, difficulties arose as a result of que quase todos os familiares referem agravos ou
the implementation of the program, from its con- doenças. Concluiu-se que, apesar do PADI se apre-
tinuity to the worsening or illness of the entire sentar como a forma encontrada pelo IFF para a
family. In conclusion, although the PADI is the desospitalização, os cuidados domiciliares pela
IFF’s way of discharging patients, the domiciliary Saúde da Família, bem articulados com a rede,
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Instituto Nacional de cares taken by the Family Health Program, well seria o ideal por ser o nível de assistência adequa-
Câncer. Praça Cruz Vermelha
articulated with the healthcare system, would be do para tal.
23/5º andar, Bairro de
Fátima. 20230-130. Rio de ideal for being the adequate assistance for such. Palavras-chave Cuidados paliativos, Cuidados
Janeiro RJ. Key words Palliative care, Home care, Family domiciliares, Saúde da Família
claudiaafgrabell@terra.com.br
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Health Program
Pós-graduação em Saúde da
Família, Universidade
Estácio de Sá.
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Rabello CAFG, Rodrigues PHA

Introdução Integrada (PADI), do Instituto Fernandes Figueira


(IFF), no Rio de Janeiro. O PADI, criado em 2001,
O desenvolvimento da tecnologia na área de saú- visa oferecer atendimento domiciliar para crian-
de vem pondo em xeque, entre outros aspectos, ças dependentes de tecnologia tratadas pelo IFF,
questões como a finitude e a qualidade do viver através de equipe multidisciplinar5.
de acordo com Moura1 e Schramm2. Se a tecnolo- O desenvolvimento do estudo envolveu os
gia pode, por um lado, acelerar o processo de seguintes procedimentos: visitas para observação
cura, leva, por outro, ao prolongamento da vida da dinâmica familiar e a aplicação de roteiro de
ou a manutenção desta, muitas vezes sem quali- entrevista semi-estruturado, precedida do devido
dade. Segundo Barreto3, o desenvolvimento do termo de consentimento informado, para ouvir
ramo da neonatologia propiciou o aumento nas os familiares com parentesco por afinidade ou
taxas de sobrevivência de prematuros e de porta- consanguinidade. Foram desconsiderados outros
dores de anomalias congênitas, dando origem ao moradores, mesmo que desempenhem função de
surgimento dos chamados “filhos da tecnologia” cuidador. Os cenários de investigação foram: os
ou crianças dependentes de tecnologia (CDT), espaços domiciliares referidos pelo PADI e os es-
portadores de doenças crônicas e que necessitam paços de internação do IFF. O grupo pesquisado
de vários artefatos para prolongar a sobrevida. foi composto de familiares e cuidadores de paci-
Persiste uma dificuldade, entretanto, na apli- entes com diagnósticos variados, sendo a amos-
cação da terminologia “cuidados paliativos” às tra escolhida aleatoriamente e com base no per-
crianças e aos adolescentes, tais como as CDT, curso realizado pelo PADI para as visitas domici-
uma vez que o termo emergiu na atenção onco- liares. Todos entrevistados são residentes no Es-
lógica a pacientes terminais. Esta dificuldade pos- tado do Rio de Janeiro, atendidos pelo PADI ou
sivelmente se reflete na ausência de oferta desses aguardando sua inclusão no mesmo.
cuidados por parte da rede pública brasileira de Foram entrevistadas pessoas de nove famíli-
assistência à saúde no nível da atenção primária as (dezoito pessoas), assim subdivididas: quatro
ou básica, principalmente quando o locus é o famílias com crianças sob internação domiciliar,
domicílio. três famílias com crianças em internação hospi-
Partimos do pressuposto de que o conceito e talar aguardando a inclusão no PADI e duas fa-
o oferecimento dos cuidados paliativos devem mílias com crianças internadas, mas já inclusas
ser destinados tanto às CDT como às outras no PADI.
doenças incuráveis e crônicas e que, pela proxi- Em atendimento ao que dispõe a Resolução
midade da filosofia e atribuições contidas na le- no196/96 do CNS6, este estudo teve sua aprova-
gislação, a atenção básica, através do Programa ção pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IFF re-
Saúde da Família (PSF), deve ser a responsável gistrada sob o no 062/06.
pelos cuidados paliativos quando realizados no
domicílio, assistindo não só as crianças mas, pre-
cipuamente, os familiares, que não são alvo de Cuidados paliativos
cuidado específico pelo sistema de saúde em um e crianças dependentes de tecnologia
programa de cuidados paliativos.
Este artigo visa apontar alguns subsídios que Um dos princípios do SUS estabelece a integrali-
sustentem a possibilidade de atuação do PSF na dade de assistência, entendida como “conjunto
oferta de apoio adequado às famílias das crian- articulado e contínuo das ações e serviços pre-
ças sob cuidados paliativos, como também para ventivos e curativos, individuais e coletivos, exi-
auxiliar na assistência destes cuidados, quando gidos para cada caso em todos os níveis de com-
realizados em domicílio, em comunicação com a plexidade do sistema” - Lei nº 8080/90, art. 7º, II7.
rede de assistência à saúde. A formulação deste princípio não ampara, ex-
pressamente, os cuidados paliativos, que não se
enquadram nem nas ações preventivas, nem cu-
Metodologia rativas, devendo sua fundamentação ser busca-
da através de outros dois princípios, quais se-
O desenvolvimento do trabalho envolveu, além jam, o da qualidade de vida8 e o da dignidade da
de revisão da literatura e das normas, uma pes- pessoa humana contido no art.1º., III da CRFB/
quisa qualitativa, com análise de conteúdo por 889, além de um novo sentido da integralidade da
Bardin4. A pesquisa foi feita junto a famílias rela- assistência que se baseia no cuidado segundo
cionadas ao Programa de Assistência Domiciliar Mattos10.
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O modelo de atenção à saúde, que ainda en- Cunha16 mostra que no campo da neonato-
fatiza as ações curativas, precisa adotar um novo logia as unidades de terapia intensiva “[...] pro-
paradigma, no qual a doença não somente é cu- duziram uma grande contradição, pois ao mes-
rável, mas também “tratável”, o que se faz sentir mo tempo que contribuem para a redução das
sob a ética do cuidado. Vale ressaltar, neste senti- taxas de mortalidade criaram uma nova ‘gera-
do, as palavras de Schramm11: “[...] permitiu-se ção’ de crianças[...]”. Em função deste tipo de si-
praticamente estabilizar-se muitas doenças ter- tuação, que também ocorre com pacientes de
minais [...] e com isso, surge também uma nova outras faixas etárias, começou a surgir, na déca-
atmosfera ao redor do morrer”. da de oitenta, uma política voltada para a cha-
A origem dos cuidados paliativos se deu na mada home care, ou atenção domiciliar (AD).
Idade Média, constituindo-se no principal tipo Nota-se que, no Brasil, tanto as crianças de-
de cuidado oferecido pelas instituições hospita- pendentes de tecnologia como as crianças com
lares religiosas até o século XVIII. Mais recente- câncer que estão em cuidados paliativos, que ge-
mente, em 1967, Saunders introduziu uma nova ram uma grande demanda emergente, não são
concepção dos cuidados especializados para pa- contempladas com programas de saúde ou soci-
cientes terminais desenvolvidos em unidades es- ais, tampouco há estudos epidemiológicos que
peciais denominadas hospices12. Hoje, os cuida- demonstrem tal realidade. Cunha17 comenta que:
dos paliativos não implicam um lugar específico “No contexto brasileiro, no entanto, essas crian-
para se morrer, mas uma filosofia aplicada a ser- ças parecem permanecer à margem dos serviços,
viços prestados onde quer que o paciente se en- como que invisíveis, no interior das famílias e
contre, inclusive no espaço domiciliar. no meio social mais amplo [...]” (grifo nosso).
Como assinala Figueiredo13, “a denomina- Não se conta no Brasil com dados que permitam
ção ‘doente fora de recursos terapêuticos de cura’ avaliar quantas crianças vivem em condições li-
é, portanto, mais apropriada, pois se não há cura, mítrofes de vida ou sobrevivendo por uso de tec-
o alívio dos sintomas, ou conforto e o consolo nologia, o que por sua vez contribui para o qua-
são ainda possíveis”. A expressão, pacientes fora dro de negligência no oferecimento deste tipo de
de possibilidades terapêuticas atuais (FPTA), é a tratamento e na assistência aos familiares.
mais apropriada por permitir englobar desde o Apesar da política do SUS propor um modelo
tratamento dos pacientes internados até os aten- de desospitalização, conforme documentos cita-
didos em ambulatório para controle da sinto- dos a seguir, há ainda o predomínio do modelo
matologia, principalmente, a dor, e em domicí- hopitalocêntrico18 e o tipo de cuidados paliativos
lio, caso houvesse este tipo de assistência. oferecidos nos hospitais às crianças é inadequado,
No Brasil, o único instrumento legal - Portaria em geral, por não considerar o espaço domiciliar
GM/MS nº 2.439/ 200514 - que institui os cuidados como um forte aliado, já que os grandes institutos
paliativos, apenas o faz no bojo da atenção onco- brasileiros, a exemplo do Instituto Nacional de
lógica, deixando de fora uma gama de outras do- Câncer (INCa), só os oferece aos adultos19. En-
enças e sujeitos, que necessitam de igual maneira tendemos que o modelo ideal de cuidados paliati-
desses cuidados e de políticas públicas que os auxi- vos deve englobar todas as fases da doença, e deve
liem, principalmente no que tange às crianças. ser instituído desde o seu diagnóstico, em conjun-
Em relação às CDT, deve-se mencionar que o to com o tratamento clínico, indo até o pós-luto,
United States Office of Technology Assistance (US quando em caso de pacientes terminais, conforme
OTA), em documento de 1987, as classifica como propõem Wolfe et al.20 e Himelstein et al.21. A fa-
“[...] aquelas que necessitam ao mesmo tempo mília e o cuidador familiar do paciente sob cuida-
de dispositivo médico para compensar a perda dos paliativos também não são objeto de cuida-
de uma função vital e de cuidado substancial e dos e proteção pelos serviços de atenção domicili-
contínuo de enfermagem para prevenir a morte ar existentes, os quais estão relacionados ao nível
ou futuras disfunções”15. terciário, como já se viu, até porque este não é o
Neste artigo, consideramos como semelhan- nível de atenção adequado para esta finalidade.
tes o cuidado dispensado às CDT e às crianças No Brasil, vêm sendo editadas normas sobre
com câncer, já que as demandas e necessidades a AD, como por exemplo: o documento do Mi-
parecem ser as mesmas, seja quando não se ob- nistério da Saúde (MS) “1997, o Ano da Saúde
têm a cura e se põem diante da terminalidade da no Brasil, Ações e Metas Prioritárias”22; a Porta-
vida, seja quando a vida só seja viável utilizando ria GM/MS nº 2.416/199823; a Lei nº 10.424/
tecnologias. Ambas crianças estão sobre cuida- 200224; a Portaria SAS/MS nº 249/200225e a Por-
dos paliativos. taria GM/MS nº 2.439/200514. Só esta última
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aponta para a necessidade de articulação entre As famílias dos pacientes sob cuidados palia-
os níveis de atenção e também que os cuidados tivos pediátricos vivem um processo arrastado de
paliativos, quando da assistência domiciliar, de- doença de um de seus componentes. Segundo Ta-
vem ser de responsabilidade da atenção básica. vares e Takeda30: “O paciente nunca fica doente
As iniciativas concretas de programas de AD sozinho, mas toda sua família adoece junto”.
existentes no Brasil não estão integradas ao Pro- Numa pesquisa realizada no Instituto Nacional
grama Saúde da Família, como é o caso do Pro- de Câncer (INCa) no ano de 2004 por Chaves31,
grama de Internação Domiciliar (PID), o Progra- na unidade destinada aos cuidados paliativos on-
ma de Assistência Domiciliar (PAD), implanta- cológicos em adultos (HCIV), detectou-se que a
dos em alguns municípios, como Marília, Santos maioria dos cuidadores eram familiares (92%) e
e Londrina, apontados por Silva et al.26, e o pró- do sexo feminino (96%) e que o processo de ado-
prio PADI/IFF aqui analisado. Em algumas expe- ecimento de um membro da família altera direta-
riências internacionais de cuidados paliativos, mente seus cotidianos por apresentarem vários
como as do Canadá e da Espanha, aqueles cuida- agravos, tais como: cansaço físico (44%), emoci-
dos se fazem junto à atenção primária, como onal (76%), estresse (40%) e problemas de saúde
mostram Rehem e Trad27, e INSALUD/ESAD28, (28%). Stone et al.32 também encontraram dados
respectivamente, apesar do sistema de saúde ca- semelhantes: os cuidadores costumam ser famili-
nadense ser totalmente público. Ambos apresen- ares e amigos (86%) e do sexo feminino (75%).
tam problemas em proporções bem menores que Em geral, as pesquisas que envolvem os fa-
o Brasil, em relação a seus financiamentos, crité- miliares apenas o fazem com adultos ou com os
rios de inclusão nos programas, dentre outros. cuidadores familiares de crianças e adolescentes
Nestes também não há um programa de cuida- com doenças oncológicas. Também os poucos
dos paliativos exclusivo para crianças. estudos que envolvem familiares das CDT não
O PADI se apresenta como uma alternativa trazem como preocupação fundamental da as-
que o IFF encontrou para amenizar o tratamen- sistência à saúde direcionada à família. Segundo
to de crianças em condições crônicas no seu do- Himelnstein et al.21, a família deve ser considera-
micílio, porém a equipe de atendimento não é da como uma entidade única nos programas de
exclusiva deste, haja vista não ser o mesmo ca- cuidados paliativos.
dastrado pelo Ministério da Saúde, comportar o Desta forma, torna-se urgente conhecer o que
atendimento de no máximo oito crianças e haver acontece com os familiares de outras crianças sob
problemas para suas inclusões, tais como: con- cuidados paliativos, comparando os dados, apre-
dições de moradia, necessidade de equipamen- sentando alternativas de como tratá-las efetiva-
tos e insumos, dentre vários5. mente e do papel da rede de saúde neste contex-
to. De acordo com o que traz a literatura científi-
ca, de que a maioria dos cuidadores são familia-
O Programa Saúde da Família res e do sexo feminino e do conhecimento de al-
e cuidados paliativos gumas demandas familiares, permiti-se a priori
sugerir que o modelo de saúde da família repre-
Os cuidados paliativos devem ter íntima ligação sentado pelo PSF é o que melhor está juridica-
com a saúde da família, porque os familiares são mente estruturado para isso33.
tanto sujeitos importantes no processo de cuida-
do, como também merecedores e carecedores
deste. O próprio Sistema Único de Saúde (SUS) Resultados e discussão
coloca a internação domiciliar como uma dire-
triz para a equipe básica de saúde - Lei no10.424/ A pesquisa constatou o predomínio das doenças
200224 - a fim de proporcionar o cuidado integral congênitas que envolvem o sistema nervoso cen-
dos usuários em seu domicílio, pela proximida- tral (quatro crianças) e o predomínio das crian-
de com a família e com a busca do apoio interse- ças entre a fase lactente e pré-escolar (cinco cri-
torial necessário, já que trabalha diretamente com anças com menos de cinco anos), todas (nove
a noção do chamado “território comum”, men- crianças) com dependências tecnológicas seme-
cionado por Silva e Mascarenhas29, além de bus- lhantes (gastrostomia, traqueostomia, medica-
car fortalecer o seu vínculo com a comunidade e mentos de uso contínuo e dieta industrializada),
fazer que a rede de saúde funcione a partir da além da necessidade de oxigenoterapia ou venti-
atenção básica, através da referência e contra- lação não-invasiva (BIPAP), conforme a defini-
referência e da oferta organizada18. ção de Kirk34. Nota-se que por possuírem enfer-
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midades crônicas necessitam de apoio de uma saúde, não são de competência exclusiva da aten-
equipe para assisti-las em domicílio, e em muito ção básica e não devem objetivar apenas o trei-
ajudaria o auxílio das equipes do PSF em comu- namento técnico da família. Os estudos de Wolfe
nicação com o Instituto, haja vista que a equipe et al.20 no âmbito internacional demonstram ha-
do PADI está ligada ao mesmo5; só comportan- ver falhas na comunicação quando se comparou
do o atendimento de no máximo oito crianças, os dados obtidos pelas falas dos parentes das
não está cadastrado no Ministério da Saúde e crianças com câncer após seus óbitos, relativos à
depende do financiamento do IFF. sintomatologia, com os dos prontuários. Neste
Devem ser ressaltadas as seguintes caracte- ponto, o papel do PSF é fundamental para dar
rísticas dos pacientes e seus familiares: a) a pre- continuidade as ações educativas iniciadas na alta
sença de irmãos menores em cinco famílias, sen- complexidade, além de cuidar efetivamente da
do que, em duas, as crianças doentes encontram- família e do cuidador.
se internadas e ainda não inclusas no PADI; b) Ainda de acordo com a autora supracitada,
três crianças encontravam-se internadas, prati- as ações educativas também representam um dos
camente desde o nascimento; e, c) a Baixada Flu- principais eixos dos cuidados paliativos, já que
minense como o principal local de moradia – o além do dever preparar os familiares para o au-
que dificulta o acesso do PADI e do fluxo da fa- xílio aos cuidados, exige-se a eticidade neste pro-
mília para o hospital. Dos dezoito familiares en- cesso, devendo a equipe favorecer o exercício da
trevistados, a maioria era do sexo feminino autonomia. Os depoimentos dos pais e de ou-
(quinze), onde o papel de cuidador principal foi tros familiares demonstraram o conhecimento
desempenhado pela mãe (oito), seguido das avós da doença, nem sempre importando o nome téc-
(três). Suas idades variaram entre 18 e 39 anos e nico do diagnóstico ou dos sintomas e nem tam-
entre 38 e 66 anos, respectivamente. Este predo- pouco o grau de instrução que possuem. Como
mínio das mulheres como cuidadoras é compa- o processo de comunicação/percepção também
tível com informações encontradas na literatura. depende de outros fatores (aceitação, capacida-
Apenas cinco entrevistados possuem renda de intelectual, religião, dentre outros) e é indivi-
oriunda do próprio trabalho, sendo um autô- dual, percebem-se apenas algumas nuances dis-
nomo, três com vínculo empregatício e um apo- tintas entre os entrevistados. A maior parte dos
sentado. Os demais entrevistados não mais tra- pais cujas crianças estavam sob assistência do-
balham e, quando o faziam, exerciam atividades miciliar demonstraram conhecer bem a doença
informais. Todas as mães são cuidadoras princi- de seu (sua) filho (a).
pais, sendo que seis delas tiveram que deixar seus Pôde se verificar que entre as famílias de cri-
empregos e apenas duas nunca trabalharam. A anças internadas há um melhor conhecimento
escolaridade dos entrevistados variou entre o ní- por parte de todos os entrevistados, não haven-
vel técnico (três entrevistados) até o analfabetis- do diferenças que permitam apontar que a co-
mo (um entrevistado), sendo predominante o municação dirigida aos familiares das crianças
ensino médio incompleto (treze entrevistados). em assistência domiciliar seja melhor em relação
Apenas um entrevistado terminou o ensino mé- àquelas. Isto pode estar associado a alguns fato-
dio. As dificuldades para trabalhar em função res, como o estabelecimento de elos com alguns
do papel como cuidadores somaram-se à baixa membros da equipe do hospital e a troca de in-
escolaridade, tendo forte impacto sobre a econo- formações com pais de outras crianças que estão
mia doméstica. em condições semelhantes à de seu parente, devi-
A análise de conteúdo das entrevistas foi feita do ao longo tempo de internação das crianças.
com base nas seguintes categorias: 1) conhecimen- Deve-se destacar que a percepção sobre a gravi-
to sobre a complexidade da doença; 2) benefícios dade da doença é mais presente entre familiares
e desafios da assistência domiciliar; 3) necessida- com crianças atendidos pelo PADI do que em
des e dificuldades dos familiares; 4) conflitos fa- crianças não inclusas no mesmo, o que mostra a
miliares; e, 5) agravos e doenças referidas. necessidade de pessoal especialmente treinado
Com base na primeira delas, pôde se verificar para lidar com os familiares.
como a comunicação entre a equipe e a família é Foi observado que o entendimento sobre a
fundamental tanto para o processo do cuidado complexidade da doença apreendido pelos fami-
com a criança doente, quanto para a amenização liares estudados é bem distinto do que revelam
de seus sofrimentos e prevenção de agravos. De- os estudos feitos por Lima35 com pacientes on-
vemos lembrar que, apesar das ações educativas cológicos. Vale dizer que, embora tais estudos se
terem prioridade no processo de promoção à deram em contextos distintos, dizem respeito ao
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mesmo objeto, qual seja, crianças em cuidados lhante a do PSF, o que nos permite aferir os be-
paliativos. Nestes, aparecem como agravantes o nefícios e aplicá-los analogicamente. Esses dados
longo tempo entre o diagnóstico e o início do poderão servir de alicerce para a fundamentação
tratamento, bem como falhas de comunicação e criação de um programa de assistência domici-
em relação ao controle da sintomatologia e à liar que esteja voltado para os cuidados paliati-
possibilidade da morte. Os pacientes do IFF, vin- vos infantis que abarque outras doenças além
culados ou não ao PADI, tiveram uma melhor do câncer e da população adulta.
compreensão da doença em relação a esses estu- Há carência de estudos empíricos que confir-
dos com crianças com câncer. mem o desejo dos familiares de que as crianças
O perfil institucional e o processo de cronici- em cuidados paliativos sejam assistidas em casa,
dade das doenças são fatores que podem expli- que foi percebido como afirmativo pelo presente
car tais diferenças. Enquanto o câncer aparece estudo e que pode servir, neste sentido, de ponto
em qualquer fase de idade da criança, as CDT se de partida para novas pesquisas. Alguns estudos
correlacionam fortemente com alterações gené- realizados no âmbito internacional menciona-
ticas ou prematuridade, sendo, por isso, frequen- dos por Lima35 apontam alguns benefícios seme-
temente diagnosticadas logo após o nascimento. lhantes ao PADI, tais como maior liberdade e
Desta forma, as famílias podem se apropriar gra- menor alteração da dinâmica familiar, mas tam-
dativamente desse conhecimento a ponto de não bém divergências em relação aos seus benefícios,
existirem diferenças marcantes, independente de como: dificuldade para readmissão hospitalar e
estarem sendo atendidas, ou não, no domicílio. preocupação com o tipo de suporte que recebe-
A categoria “benefícios e desafios da assistên- riam em seus domicílios. No grupo estudado do
cia domiciliar” permitiu avaliar os possíveis be- PADI, esses dois últimos elementos não foram
nefícios da AD. Verificaram-se vários pontos de mencionados por nenhum entrevistado; pelo
convergência entre os discursos das famílias quan- contrário, os pais demonstram grande seguran-
do os próprios comparam o período de interna- ça em relação aos mesmos, exceto quanto à difi-
ção até o ingresso no PADI. Sobressaem-se a culdade de transporte de urgência.
noção de maior gasto econômico com transpor- Com base na categoria “necessidades e difi-
te e o maior desgaste físico e emocional, fazendo culdades dos familiares”, a análise revelou os prin-
crer na idéia de que o PADI na vida dessas famí- cipais desafios para implantação de programas
lias foi um divisor de águas. Também deixa clara de atenção domiciliar. Foram detectados proble-
a noção do vínculo com a equipe e a correspon- mas, tanto pelos que têm assistência domiciliar
sabilização no processo do cuidado, semelhante pelo PADI, quanto pelos que não a têm em rela-
ao que é preconizado pela política do PSF33. ção à ausência ou insuficiência de: estratégias de
Em relação aos discursos dos familiares de apoio; referência e contra-referência; continui-
crianças internadas e não inclusas no PADI, há dade do cuidado; e, dificuldades para implanta-
evidências que apontam para a dificuldade de ção do PADI. Todas as famílias têm ou tiveram
acesso, alguns desgastes com a equipe hospitalar que obter os equipamentos e insumos necessári-
e a ausência de serviços de saúde próximo ao os através da justiça com ações ajuizadas pela
bairro que residem. Defensoria Pública. Este ponto evidencia, além
Nota-se que existem elementos semelhantes de um desrespeito ao direito à saúde, uma diver-
entre o PADI e os demais modelos assistência gência entre o discurso do Ministério da Saúde
domiciliar apontados anteriormente pelos estu- favorável à desospitalização23,24 e à humanização36
dos de Silva et al.26 e o pelo modelo espanhol no e o que de fato se encontra.
que tange à necessidade de alguns critérios e con- Da mesma forma, a intersetorialidade e a co-
dições para admissão nos mesmos. Tais elemen- municação com os outros níveis de assistência
tos de certa forma excluem uma parcela de indi- mostraram-se muito débeis ou inexistentes, o que
víduos e apresentam-se como desafios na sus- ajuda a explicar o fato de que o IFF, ao criar o
tentação dos programas. PADI, desistisse de buscar apoio de outras ins-
Já as famílias que estão com a criança ou ado- tâncias. Cunha17, Leite37e Mendes38 apontam di-
lescente internados, e já são assistidas em domi- ficuldades semelhantes de apoio às CDT pelos
cílio, enfatizam o fortalecimento da relação com diferentes níveis de atenção; todos os estudos
os irmãos e a facilitação para cuidar também dos basearam-se em crianças em cuidados paliati-
outros filhos. vos, apesar de contextos distintos.
Apesar do modelo do PADI não estar ligado Outras dificuldades encontradas dizem res-
à atenção básica, mas apenas voltado para a de- peito ao aumento das despesas com energia elé-
manda exclusiva do IFF, adota ele filosofia seme- trica; a complementação de atendimento fisiote-
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rapêutico próximo à residência para as crianças alguns casos, os problemas foram referidos por
que mais necessitam; as condições das moradias outros familiares que não o próprio, como epi-
para a implantação do PADI; as despesas com sódios de ocorrência de “dor no peito”; alcoolis-
alimentação adequada para as necessidades das mo; e a não submissão a exames de rotina, inclu-
crianças quando da alta hospitalar; e, por fim, a sive o preventivo de câncer de colo uterino.
dificuldade para o reingresso, principalmente da Quase não foi mencionada a situação de saú-
mãe, no mercado de trabalho e na escola, por de dos outros irmãos, embora os mesmos te-
falta de apoio de creches públicas com cuidado- nham aparecido como alvo de preocupação em
res especializados. alguns momentos (não cumprimento dos pra-
A utilização da categoria “conflitos familia- zos de vacinação, impossibilidade de compareci-
res” surgiu da observação da dinâmica familiar. mento a consultas pediátricas de rotina). Outro
Afinal, a presença de uma criança ou adolescente fator destacado pelos familiares foi a tristeza des-
com doença crônica ou incurável pode levar a sas crianças em função ao sentimento de distân-
desajustamentos familiares, pois precipita ou cia em relação aos pais e ao (a) irmão (ã) doente.
acentua desequilíbrios e conflitos no interior da A negligência com a própria saúde esteve mais
dinâmica familiar. Os principais sentimentos associada à falta de tempo pelo desempenho de
apontados pelos entrevistados foram: o senti- função de cuidador principal. As principais do-
mento de perda diante da possibilidade da morte enças referidas e agravos entre os familiares fo-
e nas relações familiares; privações econômicas e ram hipertensão arterial, obesidade e transtor-
da liberdade pessoal; e a negação da incurabili- nos emocionais (depressão, estresse, tristeza e
dade da doença, dados também encontrados no perturbação do sono).
estudo de Leite37. Com a exceção de uma, todas as cuidadoras
Os conflitos familiares foram relacionados principais entrevistadas referiram maior núme-
pelos entrevistados às seguintes situações: queda ro de doenças e agravos, mostrando-se, portan-
da renda familiar; dificuldades para reingressar do, mais vulneráveis e com necessidade de assis-
nos estudos e no trabalho; e, problemas de saúde tência, havendo poucas diferenças em relação ao
de outros familiares. Duas das mães de crianças acesso e aos riscos de desenvolverem doenças
internadas e não inclusas no PADI denotaram entre as cuidadoras cuja criança já esteja inclusa
sensação de abandono e desordens emocionais no PADI e as demais. A vigilância da saúde destas
evidenciadas, principalmente pela ruptura do pessoas poderia ser mais efetiva se os cuidados
cuidado com os demais filhos e, problemas de paliativos domiciliares fossem oferecidos pelo PSF
dimensão social, como dificuldades financeiras e bem estruturado.
de lazer, evidenciados pela longa permanência no
hospital. Elas também referiram conflitos como
sensações de culpa e tristeza. Em relação a essas Considerações finais
famílias, encontraram-se, ainda, diferenças no
trato com os demais filhos menores, que foram Os cuidados paliativos no Brasil ainda são ofereci-
mais acentuadas entre os casos de internação dos, prioritariamente, por meio de programas
prolongada, sendo bem mais amenas quando vinculados a instituições hospitalares, mesmo
em assistência domiciliar e em relação às famílias quando há um programa domiciliar, e dirigidos
com crianças com câncer, diferente, quanto a es- aos adultos. Esses programas, além de se mostra-
tas últimas, do que também apontaram os estu- rem inadequados para atender às necessidades de
dos de Lima35. crianças e adolescentes, da mesma forma o são
A categoria “agravos familiares e doenças re- para atender às necessidades dos seus familiares.
feridas” ajudou a avaliar a influência de fenôme- No Brasil, ainda não há programas específi-
nos que podem potencializar a ocorrência de cos de cuidados paliativos e continuados que as
danos à saúde, com base no conceito ampliado contemplem, com base na atenção primária, e
de saúde e no artigo 3º da Lei no 8.080/907, que que articulem os diferentes níveis de complexi-
considera as condições sociais como primordi- dade da atenção, apesar do PSF atender crianças
ais na redução dos riscos. O recurso ao termo e familiares dentro de sua clientela adstrita. Al-
“doenças referidas” visou valorizar as doenças e guns dos poucos programas de assistência do-
sintomas apontados pelos entrevistados, mas miciliar existentes, apesar de estarem ligados, de
não submetidos à confirmação diagnóstica. To- alguma forma. à atenção primária, não têm elo
dos os familiares entrevistados referiram algum com o PSF – como acontece com o PAD e o PID,
tipo de doença de cunho emocional ou físico. Em referidos no texto, e com o próprio PADI.
386
Rabello CAFG, Rodrigues PHA

Nos programas existentes, por conta das ca- complexidade da criança doente. Isto tem gran-
racterísticas acima apontadas, prevalece a dico- de sintonia com a filosofia dos cuidados paliati-
tomia de concepção saúde/doença fundada no vos, contribuindo para amenizar o sofrimento e
modelo hegemônico, hospitalocêntrico, curati- auxiliando as famílias a lidarem com a realidade.
vo e individual, apesar de estarem voltados para Conforme pudemos observar, as demandas
a desospitalização e a humanização e do seu apresentadas pelos familiares são de diversas
modelo estar baseado na aplicação de tecnologi- ordens e são agravadas pela incongruência entre
as leves. A atenção básica deve exercer um papel o discurso e a prática da saúde, em particular em
fundamental, também nos cuidados continua- relação ao atendimento domiciliar. Como se viu,
dos, crônicos ou paliativos, conforme sinaliza a o não oferecimento dos meios necessários tem
OMS39, devendo ser o principal responsável pela levado as famílias a recorrer ao Poder Judiciário,
atenção aos pacientes e seus familiares e a base o que contribui para a ocorrência de desgastes
para o sistema de referência e contra-referência emocionais, desperdício de tempo e recursos, in-
de forma a assegurar a articulação da continui- clusive públicos.
dade dos cuidados nos demais níveis de atenção, A análise dos discursos mostrou que há fato-
conforme propõe Mendes18. res que dificultam a inclusão de muitas crianças
Alguns dos problemas encontrados no PADI no PADI, como problemas com moradia, neces-
não são diferentes dos encontrados nos demais sidade de equipamentos e insumos, dentre ou-
programas de assistência ou internação domici- tros. Em relação às crianças já inclusas no PADI,
liar, a saber: dificuldades de financiamento; ma- verificaram-se problemas com gastos de energia
nutenção do programa; referência e contra-refe- elétrica, medicamentos e alimentação. A ausência
rência; e referentes à intersetorialidade. Esses pro- tanto de apoio de creches e escolas para os irmãos
gramas, ao serem implantados sem o vínculo dos pacientes, como de pessoas especializadas no
com a atenção básica ou primária, tendem a en- cuidado, impede o retorno do cuidador ao traba-
frentar tais problemas, porque o sistema de saú- lho e causa impacto na economia doméstica.
de ainda funciona de forma invertida à almeja- Os resultados da pesquisa reforçam a defesa
da: no sentido da alta complexidade para aten- do PSF como espaço ideal para o atendimento
ção primária, o que não ocorre com outros mo- de boa parte das demandas familiares. Como se
delos internacionais como Canadá e Espanha, viu, o modelo espanhol parece estar mais próxi-
mencionados no texto. mo do que é proposto neste artigo, talvez pela
Este estudo buscou identificar os principais semelhança do que propõe o modelo do PSF no
agravos e doenças referidas pelos familiares e Brasil e pela semelhança entre os seus sistemas
cuidadores, revelando que os cuidadores princi- de saúde. Mesmo não existindo um programa
pais estão mais expostos aos riscos. O PADI não específico para crianças, lá os cuidados paliati-
se apresentou como capaz de interferir direta- vos são oferecidos pela atenção primária, de acor-
mente no processo saúde/doença dos familiares do com o perfil demográfico da clientela adstrita
de forma eficaz. Não houve diferenças impor- a determinada área.
tantes em termos das manifestações de sintomas Há grande necessidade de desenvolvimento
por parte das famílias cuja criança esteja em as- de estudos epidemiológicos sobre as crianças que
sistência domiciliar ou hospitalar, fato que aponta sobrevivem em situações limítrofes de vida e de-
para a necessidade de que esse cuidado deva ser pendentes da tecnologia. Fica claro que esta é uma
feito pelo PSF. parcela invisível da população, conforme afir-
Através da análise temática realizada, ficou ma Cunha17, sendo mantida escondida, com ca-
patente que, se o PADI oferece, por um lado, um racterísticas de grupo excluído, que precisa ser
serviço de qualidade para os seus beneficiados, enxergada pela ótica da integralidade.
deixa de fora, por outro, uma parcela importan- Este grupo representa um grande impacto nos
te que se mantém hospitalizada, por só compor- custos do sistema de saúde, em função tanto da
tar o atendimento de, no máximo, oito crianças. dependência de tecnologia, quanto de sua per-
Também os familiares envolvidos acabam por manência no ambiente hospitalar38. Por todas as
adoecer, já que não é sua finalidade precípua a razões expostas anteriormente, este problema
assistência à saúde destes últimos. deveria se constituir numa preocupação impor-
As ações educativas realizadas pelo PADI, bem tante das autoridades na área da saúde pública
como o processo de comunicação/percepção por brasileira, vindo a gerar ações mais efetivas na
ele desenvolvida, mostrou ter resultados signifi- organização do sistema com controle de gastos e
cativos ao permitir melhor compreensão sobre a menores custos.
387

Ciência & Saúde Coletiva, 15(2):379-388, 2010


A organização dos cuidados continuados de doenças, controle de agravos e intersetoriali-
domiciliares a partir da atenção básica e articula- dade, possivelmente, poderia contribuir para
da aos outros níveis de complexidade da atenção amenização destes impactos, necessitando de al-
exigiria integrar, ainda, tecnologia e humaniza- gumas transformações profundas em sua im-
ção, a partir do encontro da tecnologia “dura” plementação pelos municípios.
com a tecnologia “leve” e a alta complexidade Gostaríamos de enfatizar que, ao defender-
com a atenção primária18. mos um programa de assistência domiciliar na
Ao se transferir a responsabilidade do cuida- atenção básica voltado aos cuidados paliativos
do para os familiares daquilo que é produto da infantis, que também atenda as demandas das
tecnologia e fora de seus domínios, emergem famílias, pretendemos que ele deva muito mais
sobrecargas emocionais, sociais e financeiras, que ser pautado na ótica da integralidade e humani-
somente podem ser amenizadas por ações edu- zação do que, simplesmente, na política de des-
cativas que priorizem a autonomia, o acolhimen- congestionamento dos leitos e redução de cus-
to e o suporte social. Como o PSF trabalha com tos, sob pena de retrocedermos a um modelo de
os conceitos de promoção de saúde, prevenção saúde utilitarista e reducionista.

Colaboradores Referências

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