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Princípios Gerais da

Prática Pediátrica I
Cuidando de Crianças
John W. Graef, Joanne Wolfe e Christina Ullrich 1

A pediatria é organizada em torno da relação entre a saúde da criança e os riscos de doença em


cada estágio de seu desenvolvimento biológico e social.

I. DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA. Devido à idade e à vulnerabilidade dos pacientes pe-
diátricos, os pediatras têm um papel especial na defesa dos direitos da criança. Foi demons-
trado que as necessidades das crianças podem ter sua satisfação prejudicada quando exigem
o gasto de recursos públicos escassos. Se a privação de oportunidades ocorre para crianças
saudáveis, é ainda mais acentuada para crianças com deficiências e necessidades especiais
(ver Capítulo 20).
II. ACONSELHAMENTO. A parte prazerosa do trabalho do pediatra é tranquilizar os pacientes e
suas famílias de que, para a maioria das doenças, tudo o que as crianças em desenvolvimento
necessitam é de suporte com uma rede médica de segurança em caso de doença atípica ou grave.
Para atingir esse objetivo, o pediatra deve fornecer informações de forma sensível e
clara. É útil solicitar que a informação seja repetida e confirmada, para assegurar-se de que
não haja confusão a respeito do que foi dito. O aconselhamento é melhor aceito quando os
pacientes não estão temerosos de que o pediatra esteja evitando uma consulta inconveniente
ou encorajando uma consulta desnecessária. É útil começar a conversa oferecendo-se para
examinar a criança se a família assim o desejar, ao mesmo tempo em que se encoraja os pais
de que eles podem, por meio de orientação, ser capazes de lidar com a criança de maneira
efetiva. A pronta disponibilidade de atendimento pediátrico, em especial à noite e nos fins
de semana, pode ser extremamente útil para tranquilizar as famílias de que a ajuda estará
disponível caso necessitem.
III. LIDANDO COM A DOENÇA PEDIÁTRICA
A. Pacientes. Parte da interação entre o pediatra e a criança doente envolve manobras e
procedimentos que podem ser assustadores ou dolorosos para a criança e podem aumen-
tar o seu sofrimento, assim como o dos pais. No entanto, a resiliência das crianças e sua
lealdade e afeição por seu pediatra demonstram que um cuidado honesto e carinhoso e
uma abordagem delicada podem superar muito da adversidade inicial sentida quando o
desconforto ocorre como parte necessária da avaliação diagnóstica e do tratamento.
B. Pais. Ocasionalmente, pais bem-intencionados podem tentar desencorajar intervenções
necessárias, porém invasivas, tais como vacinação não obrigatória, punção lombar ou,
até mesmo, um teste tuberculínico no intuito de “proteger” seus filhos de traumas físicos
e psicológicos indesejados. Ao responder a tal situação, o pediatra não deve permitir que
esta se torne uma questão de disputa de controle, nem que a recusa dos pais em “coope-
rar” seja considerada uma afronta. Esses temores devem ser discutidos de forma pacien-
te, empática e firme, porém flexível, o que provavelmente resultará em sucesso em con-
vencer a família da necessidade do procedimento. É raro um procedimento ser tão ur-
gente a ponto de não permitir que os pais tenham tempo para compreender a sua impor-
tância e se fortalecerem ante o sofrimento de seu filho. Além disso, pode não haver
necessidade absoluta do procedimento proposto para o tratamento da criança, sendo
este apenas parte de um protocolo. O julgamento clínico permite flexibilidade em deter-
minar a prioridade e a necessidade de cada intervenção. Os pediatras também devem
reconhecer e colocar em perspectiva seu próprio desagrado em realizar os procedimen-
tos necessários. Nem todos os médicos sentem-se confortáveis ou estão adequadamente
capacitados para realizar procedimentos invasivos; cada um deve ser capaz de solicitar a
ajuda de colegas ou auxiliares, se apropriado, entendendo que os pacientes e suas famí-
lias acabarão por apreciar esse gesto.
20 Graef, Wolfsdorf & Greenes

C. Seguimento clínico. Após o estabelecimento de um plano terapêutico, é necessário asse-


gurar o seguimento clínico e a continuidade do tratamento. Os pais apreciam o agenda-
mento de consultas de revisão e telefonemas, que demonstram o interesse do pediatra na
continuidade do bem-estar de seu filho. Crianças que apresentam exacerbações agudas
de doenças crônicas necessitam de supervisão continuada, em consultas mensais ou quin-
zenais, mesmo na ausência de sintomas agudos. Fornecer a documentação necessária
para escolas e outros cuidadores é um apoio importante no atendimento global da crian-
ça. Frequentemente, uma pessoa responsável pela coordenação do manejo de casos espe-
cíficos pode ser designada pelo seguro de saúde.*
IV. TERAPIA PEDIÁTRICA
A. O paciente hospitalizado. As taxas de hospitalização e médias de tempo de internação
(MTI) continuam diminuindo durante a última década.
1. A enfermaria pediátrica. O ambiente de uma enfermaria pediátrica abriga equipes
multidisciplinares de cuidado capazes de lidar com uma diversidade de proble-
mas médicos e sociais. As visitas clínicas (rounds) devem ser realizadas no míni-
mo uma vez por dia em pacientes estáveis e em internações mais prolongadas e
pelo menos duas vezes por dia em pacientes agudamente doentes. No hospital
comunitário, o pediatra de atenção primária pode exercer a função de médico
assistente ou a de consultor de um médico assistente de subespecialidade. No
entanto, o cuidado hospitalar é cada vez mais prestado por médicos com dedica-
ção hospitalar em tempo integral – os “hospitalistas”. O cuidado de crianças
com problemas clínicos complexos com frequência envolve extensas conversa-
ções entre a equipe e as famílias. Essas interações são, algumas vezes, melhor
conduzidas em encontros agendados formalmente.
2. A Unidade de cuidados intensivos neonatais e pediátricos (ver Capítulos 5 e 6).
3. A sala de parto (ver Capítulo 5).
4. O berçário (ver Capítulo 2).
B. O paciente ambulatorial
1. Consultório privado, posto/centro de saúde ou ambulatórios. A maior parte da terapia
pediátrica é oferecida no contexto ambulatorial e maximizada pela relação conti-
nuada, ao longo do tempo, entre o fornecedor de cuidados primários, especialistas e
famílias. Linhas de autoridade e papéis claramente estabelecidos para médicos, en-
fermeiros e pessoal administrativo asseguram um fluxo adequado de prestação de
serviços aos pacientes.
2. Departamentos de emergência. Se possível, os pais devem ser encorajados a contatar
o seu pediatra antes de levar a criança ao departamento de emergência. A menos que
uma emergência representando ameaça à vida impeça o envolvimento do pediatra de
atenção primária, este deve avisar com antecedência à equipe do departamento de
emergência sobre a chegada do paciente. Dependendo da organização da equipe des-
se departamento para o atendimento de emergências pediátricas, o pediatra pode ser
solicitado a auxiliar no cuidado de emergência.
3. Cuidados domiciliares (home care). A coordenação e a supervisão dos cuidados médicos
domiciliares pelo pediatra é particularmente crucial para a criança com doenças crônicas
e clinicamente complexas. Em geral, é necessária a prescrição médica para acesso aos
serviços de cuidados domiciliares. Muitos planos de saúde requerem que o médico res-
ponsável pelos cuidados primários ao paciente realize esse encaminhamento.
V. SISTEMAS DE FINANCIAMENTO DA SAÚDE
A. Seguros e indenizações**. O seguro de saúde tradicional é adquirido de seguradoras in-
dependentes por empregadores como uma forma de benefício para um grupo de traba-
lhadores ou por indivíduos isoladamente. Algumas grandes empresas fornecem planos
próprios de seguro para seus empregados. Os planos de seguro com indenização reem-
bolsam o pediatra com base em tarifas usuais e razoáveis por procedimento, incluindo
consultas e procedimentos acordados nas políticas contratuais. Os serviços de supervi-
são de saúde e prevenção frequentemente são excluídos. Além disso, as seguintes carac-
terísticas podem se aplicar:

* N. de T. No Brasil, alguns planos de saúde podem oferecer sistema de gerenciamento de pacientes crônicos. No SUS,
a estratégia de saúde da família prevê políticas de atenção ao paciente crônico.
** N. de T. Para maiores informações sobre os sistemas de saúde suplementar no Brasil, consultar http://www.ans.gov.br.
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1. Deduções anuais.
2. Maximização de benefícios.
3. Exclusão de determinadas condições ou procedimentos.
4. Necessidade de autorização pré-internações.
5. Revisão da utilização.
B. Sistemas de gerenciamento de custos (managed care). Combinam o provimento de cui-
dados e o financiamento em um único sistema, na tentativa de controlar custos e quali-
dade por meio de medidas com serviços preventivos, utilização de indicadores de quali-
dade, revisão da utilização dos serviços e incentivos financeiros apropriados. A capaci-
dade de “autoencaminhamento” de um membro do sistema é restrita ou eliminada.
Pode haver restrição à participação dos médicos mediante critérios de credenciamento
profissionais, econômicos, ou ambos. Os fornecedores podem assumir algum nível de
risco financeiro ao aceitar compensação per capita (pagamento fixo por membro por
unidade de tempo, em geral mensal) para um grupo definido de serviços.
1. Rede de provedores escolhidos (preferred provider organization – PPO). Um quadro
designado de médicos e instituições, contratados para fornecer cuidados de saúde
com descontos significativos em relação às tabelas usuais, costumeiras e razoáveis de
tarifas. Os membros podem ter acesso a fornecedores de serviços externos ao sistema
PPO, com aumento da coparticipação de pagamentos ou maiores deduções. Embora
não haja um contrato formal de compartilhamento de riscos, há forte ênfase na
revisão da utilização dos serviços.
2. Organização para a manutenção da saúde (Health maintenance organization – HMO).
Uma organização de médicos, instalações hospitalares e outros fornecedores de cui-
dados de saúde sob contrato, qualificada federalmente para fornecer cuidados de
saúde abrangentes aos seus membros. Na maioria dos sistemas de HMO, é dada uma
ênfase significativa à prevenção.
a. HMO modelo staff. Os médicos são empregados e recebem salário.
b. HMO modelos de grupo e em rede. Contrato da HMO com um grupo único de
médicos de diversas especialidades ou com uma rede de diversos grupos de cuida-
dos primários e de especialidades.
c. HMO modelo IPA (associação independente de prática – Independent practice associa-
tion). Contratos entre o sistema HMO e médicos baseados em consultórios próprios.
Os serviços são reembolsados em um sistema de remuneração por procedimento,
com descontos, ou per capita, de acordo com contratos preestabelecidos, os quais
incorporam mecanismos que colocam o médico em risco financeiro se houver inter-
nações hospitalares extraordinárias ou custos de serviços de subespecialidades.
C. Sistemas integrados de fornecimento de serviços de saúde (Integrated delivery system –
IDS). Uma entidade completa fornecedora de cuidados de saúde, incluindo médicos, ser-
viços auxiliares (laboratório e imagem) e hospitais secundários e terciários. Esses siste-
mas tentam fornecer uma gama completa de cuidados de saúde para seus membros, de
forma per capita. Os serviços de cuidados primários devem ser adquiridos pelo sistema
e/ou entrar em contratos de longo prazo, de emprego ou prestação independente de
serviços.
D. Programas governamentais*
1. Medicaid. Cada estado dos Estados Unidos estabelece sua própria regulamentação
para o Medicaid, respeitando certas diretrizes federais. A elegibilidade em geral ba-
seia-se no tamanho e na renda da família em relação ao nível federal de pobreza.
Cartões do Medicaid contendo datas de elegibilidade são emitidos pelos departa-
mentos locais de saúde e pelo serviço social. O programa de rastreamento precoce e
periódico, diagnóstico e tratamento (Early and Periodic screening, Diagnosis and
Treatment – EPSDT) do Medicaid cobre os procedimentos de supervisão de saúde de
rotina fornecidos por médicos qualificados.
2. CHAMPUS (Civilian Health and Medical Program of the Uniformed Services). Este siste-
ma compreende serviços de saúde fornecidos por médicos e hospitais civis para de-
pendentes de militares da ativa e reformados cujas necessidades não puderem ser
supridas pelos programas de pediatria dos serviços militares. O sistema de reeembol-
so é tarifado por procedimento. As consultas de supervisão de saúde e vacinações são
cobertas somente durante os dois primeiros anos de vida. As famílias são responsá-

* N. de T. Para uma descrição do Sistema Único de Saúde (SUS), ver http://www.datasus.gov.br.


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veis por uma contribuição anual dedutível e pela coparticipação de 20% nas consul-
tas por doenças.
E. Pagamento direto. Os pacientes e famílias sem seguro indenizatório e que possuem renda
acima dos níveis de elegibilidade do Medicaid são cobrados diretamente pelos serviços
médicos. A agregação de fundos municipais, institucionais e filantrópicos está, algumas
vezes, disponível para atenuar custos extraordinários dos cuidados pediátricos para es-
sas famílias.
VI. DOCUMENTAÇÃO
A. Diretrizes gerais para registro de prontuários médicos.
1. Inclua a data e a hora do registro.
2. Utilize tinta preta e escreva de forma legível.
3. Assine todos os registros com nome e função legíveis.
4. Utilize abreviaturas somente se aprovadas pela instituição.
5. Registre todos os eventos significativos, assim como eventos previstos que não ocor-
reram, tais como faltas às consultas ou falha em receber doses de medicamentos.
6. Registre todas as intervenções terapêuticas e a resposta do paciente.
7. Faça afirmações objetivas em vez de subjetivas; relate fatos em vez de conclusões.
8. Limite-se a dados clinicamente relevantes.
9. Nunca apague, danifique fisicamente ou altere qualquer registro prévio.
10. Adendos devem ser assinados, contendo data e hora, além de informação sobre o
registro original a que se referem.
B. Componentes do registro médico pediátrico
1. Registro das condições clínicas especiais
a. História e avaliação física na internação
b. Planilhas de enfermagem
c. Notas de evolução
d. Notas de procedimentos
e. Prescrição médica
f. Resumo de alta
2. Registro ambulatorial
a. Lista de problemas
b. História vacinal
c. Folhas de supervisão de saúde (cuidados preventivos)
d. Notas sobre consultas de rotina
e. Notas sobre consultas de urgência
f. Triagem e consultas por telefone
g. Prescrições de medicações e reposições
h. Correspondência:
i. Cartas de e para especialistas
ii. Cartas para companhias aéreas
iii. Cartas para serviços públicos
3. Extração de trechos de prontuários médicos. Com frequência, o pediatra é solicitado
a fornecer documentação sobre o estado de saúde do paciente, incluindo exame físi-
co, registros de vacinação, testes de rastreamento, medicações em uso e limitações
para determinadas atividades. Essa documentação é comumente necessária para a
matrícula da criança na escola, em atividades recreativas ou para que ela receba
assistência de serviços públicos. É importante atentar para a confidencialidade de
determinadas informações médicas ao preencher alguns tipos de formulários.
a. Formulários escolares e de atividades recreativas.
b. Formulários de arrolamento aos programas de assistência pública nutricional para
mulheres, lactentes e crianças.*
c. Formulários de alegação de incapacidade.
C. Prescrição Médica. A prescrição médica é a comunicação do médico e a documentação
das instruções para o pessoal de enfermagem, farmácia e laboratório no que abrange o
cuidado e o tratamento daquele paciente em particular. Embora a prescrição seja uma
responsabilidade legal do médico, a contribuição do ponto de vista da enfermagem na
formulação da prescrição é essencial. A prescrição deve ser discutida e verificada pelo
enfermeiro responsável pelo paciente no momento em que é escrita. Todas as prescrições

* N. de T. O equivalente no Brasil seria programas como o Bolsa Família e outros programas de assistênica nutricional.
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mantidas para pacientes internados devem ser revisadas ou reescritas em intervalos re-
gulares estabelecidos de acordo com a política do hospital, em geral a cada 48 horas.
1. Prescrição escrita
a. Os itens devem ser claros e legíveis, com atenção especial às dosagens e casas
decimais.
b. Cada página de prescrição deve estar corretamente identificada com a etiqueta
do paciente.
c. Cada prescrição deve ser precedida por data e hora de preenchimento e seguida da
assinatura do médico, de nome legível e de outros elementos identificadores cla-
ramente legíveis.
d. Prescrições realizadas por estudantes de medicina necessitam da assinatura de um
médico supervisor.
e. Itens incorretos descobertos antes da assinatura devem ser riscados com uma
linha horizontal sobre o item, com a palavra ERRO assinalada próximo a este.
f. Alterações da prescrição realizadas depois da assinatura são realizadas em uma
nova prescrição, com a ordem para cancelar e substituir a ordem anterior com a
nova ordem corrigida.
2. Ordens verbais. As tarefas dos médicos ocasionalmente requerem a transcrição, pela
equipe de enfermagem, de orientações verbais realizadas pessoalmente ou por telefo-
ne. Tais orientações têm uma validade limitada, de acordo com as normas institucio-
nais, e devem ser assinadas pelo médico que as emitiu dentro de um determinado
prazo, em geral 24 horas ou menos.
3. Prescrição eletrônica. Os sistemas hospitalares computadorizados de informação ofe-
recem a possibilidade de rápida comunicação da prescrição e auxílios imediatos para
o médico que realiza a prescrição; esses sistemas também podem facilitar a monito-
ração da utilização de recursos. Considerações especiais inerentes aos sistemas de
prescrição eletrônica incluem a acessibilidade e a facilidade de uso pelos clínicos, o
manejo das atualizações e correções, roteiros de auditoria com registros e controle
de acesso e a capacidade de adaptar as prescrições às características particulares da
pediatria.
4. Formato da prescrição. A prescrição médica para pacientes internados geralmente
compreende as seguintes áreas:
a. Identificação do médico ou da equipe médica responsável pelo paciente.
b. Diagnóstico ou motivo da internação.
c. Condição clínica. Crítica, grave, inspirando cuidados, razoável ou satisfatória.
d. Alergias a medicações.
e. Exposições infecciosas.
f. Isolamento ou precauções com infecção.
i. Precauções completas/respiratórias.
ii. Máscara dentro de 1 metro.
iii. Avental e luvas para contato.
iv. Precauções universais.
g. Atividades permitidas.
h. Monitoração.
i. Frequência da monitoração dos sinais vitais e do peso.
ii. Uso de dispositivos de monitoração.
iii. Controle do balanço hídrico.
i. Dieta. Definir dieta enteral adequada para a idade, necessidades calóricas e quais-
quer problemas especiais de coordenação velofaríngea, absorção ou tempo de
trânsito intestinal.
j. Líquidos intravenosos ou nutrição parenteral.
k. Testes diagnósticos. Listar todos os testes com data, hora e frequência de realiza-
ção.
l. Fármacos. Incluir o nome genérico do fármaco, a preparação, a dosagem, a via de
administração, a frequência e a duração da administração. A maioria das insti-
tuições restringe a utilização de fármacos a determinadas preparações ou marcas
padronizadas. A prescrição de fármacos não padronizados pela instituição em
circunstâncias especiais requer justificativa do médico. Prescrições de oxigenote-
rapia devem conter explicitamente o meio de administração e a concentração de
oxigênio inspirado (FIO2).
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m. Terapias. Fisioterapia respiratória ou motora e terapia ocupacional são prescritas


com definição de tipo, frequência e objetivos do tratamento.
VII. CONSULTORIAS E ENCAMINHAMENTOS
A. Consultorias. Os pediatras podem ser solicitados a realizar consultorias para colegas de
outras especialidades, outros serviços pediátricos ou outros pediatras. As diretrizes a
seguir podem ser úteis.
1. Responda assim que possível. Se necessário, ofereça um substituto que possa realizar
a consultoria mais rapidamente.
2. Determine quais são as questões que necessitam de seu auxílio e responda especifica-
mente a elas.
3. Explique ao paciente e aos pais os limites de seu papel como consultor, e não como
substituto do médico assistente, especialmente se a consultoria necessitar de acom-
panhamento.
4. Uma consultoria bem-sucedida é melhor realizada por meio da atenção meticulosa
aos detalhes. Não parta do pressuposto de que você possui maior conhecimento do
que o colega que solicitou a consultoria. Você pode, no entanto, ter mais tempo.
Com frequência, a resposta para um dilema clínico reside na elucidação de detalhes
da história ou de um achado clínico que passou despercebido.
5. Não faça comentários a respeito da conduta terapêutica do colega na frente do pa-
ciente ou de seus familiares.
6. O melhor consultor fornece ao colega solicitante informação ou opinião, ou ambas,
a partir das quais as decisões clínicas podem ser tomadas.
7. Discuta seus achados com o médico solicitante e peça permissão antes de comunicá-
los ao paciente e sua família.
B. Encaminhamentos. Como provedor de cuidados primários, o pediatra age dentro de li-
mites de tempo, habilidades e treinamento específicos. Se as necessidades do paciente
ultrapassarem esses limites, o encaminhamento a especialistas é necessário. Embora os
pais e os pacientes apreciem muito o encaminhamento para outros profissionais ou ser-
viços altamente qualificados e especializados, exige-se, com frequência cada vez maior,
que o pediatra realize a mediação do contato do paciente com os serviços secundários ou
terciários.
1. Subespecialidades pediátricas. Os pediatras devem estar familiarizados com os pro-
fissionais locais e regionais de subespecialidades pediátricas e cirúrgicas, tais como
dentistas, psicólogos e psiquiatras, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoau-
diólogos e psicopedagogos.
2. Serviços comunitários. Os pediatras devem estar cientes das leis federais e estaduais
que regem o acesso de crianças aos serviços educacionais e de saúde. Por exemplo,
nos Estados Unidos, a Lei 99-457 de 1986 estabelece a necessidade de serviços que
realizem intervenção precoce e programas de pré-escola para lactentes e pré-escola-
res com necessidades especiais.
3. Serviços de visita de enfermagem. A manutenção ou a monitoração dos cuidados
médicos em casa requer a participação de serviços de visita domiciliar de enferma-
gem, com o apoio do pediatra de atenção primária.
4. Serviço social. Embora alguns serviços de atenção primária pediátrica ofereçam acon-
selhamento por profissionais de serviço social aos pacientes e suas famílias, os pedia-
tras devem também estar cientes da existência de serviços na comunidade que pos-
sam abordar essas necessidades, incluindo serviços privados. Além disso, o pediatra
também deve conhecer a legislação vigente em relação à notificação obrigatória de
casos de suspeita de abuso infantil físico ou sexual.
5. Organizações nacionais. Para pais e famílias de crianças com condições ou doenças
crônicas, o encaminhamento para organizações nacionais ou regionais pode repre-
sentar oportunidades significativas de educação e capacitação para os cuidados em
saúde.
VIII. A CRIANÇA QUE ESTÁ MORRENDO
A. Comunicando más notícias. Estratégias úteis para comunicar más noticias às famílias de
uma forma franca e empática incluem assegurar privacidade e tempo adequados, avaliar
a compreensão que a família tem da situação, fornecer informações de uma forma sim-
ples e honesta, encorajar os pacientes e seus pais a expressarem seus sentimentos e ter
empatia com eles. É importante finalizar esse tipo de discussão oferecendo uma estraté-
gia para a abordagem da situação, resumindo o que foi discutido e assegurando à famí-
Manual de Terapêutica Pediátrica 25
lia de que haverá oportunidade de continuar discutindo quaisquer questões ou preocu-
pações que permanecerem.
B. Discutindo a morte com a criança (ver também p. 623). Ao considerar o que e o quanto
falar para uma criança, são fatores importantes a sua idade, a sua maturidade cognitiva
e funcional, a estrutura e o funcionamento familiar, o contexto cultural e a história de
perdas na família. O elemento fundamental é uma interação franca e honesta com a
criança. Crianças com doenças terminais parecem possuir uma compreensão precoce
dos conceitos de morte e de sua própria finitude. Com frequência, elas sabem quando
estão morrendo e podem se sentir isoladas se não tiverem permissão para falar aberta-
mente sobre esta questão.
C. Cuidados paliativos
1. Introduzindo os cuidados paliativos. A paliação ideal requer uma comunicação preco-
ce, franca e permanente entre todos os membros da equipe de saúde, o paciente e a
família. Componentes importantes da introdução de cuidados paliativos para um
paciente e sua família incluem sensibilidade e empatia em relação às preocupações
do paciente e de sua família, prontidão, atenção às suas formas de comunicação
verbal e não verbal, respeito por sua cultura e crenças espirituais e uma atitude não
julgadora. Qualquer que seja o significado da palavra “esperança” para a criança e
sua família em um dado momento da trajetória de uma doença, é essencial para os
membros da equipe de saúde transmitirem um senso de esperança. Questões abertas,
como “Quais são as suas (as de seu filho) esperanças para o futuro?” ou “O que mais
o preocupa (preocupa o seu filho) em relação a esta doença?”, são uma boa forma de
iniciar a conversa. Essa abordagem fornece um meio para explorar a possibilidade de
a criança estar morrendo, abrindo espaço para a discussão de opções e tomada de
decisões para a criança e a família no momento atual e no futuro.
2. Os cuidados paliativos são interdisciplinares. O cuidado paliativo efetivo pressupõe
uma equipe interdisciplinar e uma abordagem orientada na família que utilize os
recursos disponíveis na comunidade. Essa abordagem encoraja a comunicação aber-
ta, o manejo intensivo de sintomas, o apoio psicossocial e espiritual e o acesso em
momento adequado ao sistema de saúde com o objetivo primário de promover expe-
riências significativas. A equipe reconhece as necessidade da família e dos amigos em
longo prazo, e assegura a continuidade do atendimento ao longo do tempo.
3. Local do atendimento. Os cuidados paliativos podem ser fornecidos em diversos con-
textos, incluindo serviços terciários, centros comunitários e o próprio domicílio da
criança. As famílias devem ser tranquilizadas de que não estão sozinhas, esteja a
criança recebendo cuidados no hospital ou em casa.
D. Ordem de ressuscitação. Na ausência de uma ordem de não ressuscitação (ONR), a res-
suscitação cardiopulmonar (RCP) é iniciada na presença de parada respiratória ou car-
díaca súbita ou iminente (ver Capítulo 6, p. 255).
1. Determinação da adequação de uma ordem de não ressuscitação. A ressuscitação pode
não ser realizada em pacientes selecionados que apresentam doença terminal e estão
em iminência de evoluir para o óbito, ou cuja doença ou lesões são irreversíveis e não
passíveis de correção ou para os quais a manutenção do suporte avançado de vida
representaria desconforto ou dor prolongadas e sem alívio.
2. Papel do paciente e de seus pais. Se possível, é preferível ter uma discussão a respeito
desta questão com os pais com antecedência, para que eles não sejam obrigados a
confrontar-se com essa decisão em meio a uma situação de crise. Ao introduzir esse
tópico, é importante esclarecer que (1) é a condição subjacente que causaria a morte,
e não a ausência de ressuscitação, e (2) o sucesso dos esforços de ressuscitação é
limitado (e, por essa razão, pode ser preferível utilizar a expressão “não tentar res-
suscitação”). Uma ONR requer a concordância do paciente, da família ou de guar-
dião legal. Pacientes maiores de 18 anos em geral são considerados legalmente com-
petentes, exceto em casos de retardo cognitivo ou outros fatores impeditivos. Para
que o paciente ou seus pais tomem uma decisão informada, ele ou eles devem com-
preender a natureza da doença, o prognóstico provável com e sem tratamento, o
propósito da ONR, as circunstâncias na qual essa ordem se aplica e as consequências
esperadas.
3. Documentação
a. Notas de evolução. Quando a discussão entre a equipe de saúde, a família e, se
possível, o paciente resulta na adoção de uma ONR para este, o médico assistente
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deve documentar os seguintes pontos nas notas de evolução no prontuário do


paciente:
i. Por que e como a questão de não ressuscitar foi inicialmente levantada.
ii. O processo de tomada de decisão que se seguiu, incluindo:
(a) Envolvimento da equipe profissional.
(b) Papel dos pais e do paciente.
(c) Data na qual a decisão foi baseada.
iii. Resumo e atualizações do processo de planejamento e das decisões.
iv. Resumo das conversas com o paciente e os pais.
b. A ordem de não ressuscitação. Muitas instituições implantaram, com sucesso, um
formulário-padrão de ONR. A ordem deve especificar quais os tipos de suporte
cardíaco e respiratório são permitidos e quais os que devem ser evitados. A or-
dem deve ser assinada pelo médico assistente e pelo enfermeiro responsável. A
equipe do hospital é responsável por assegurar que todos os profissionais que
prestam atendimento ao paciente e que estarão envolvidos no processo de prestar
cuidados ao paciente, ou aqueles que assumirão o caso no futuro, estejam cientes
do status de não ressuscitação e sejam evolvidos em discussões futuras para asse-
gurar continuidade de atendimento e consenso.
4. Revogação da ordem de não ressuscitação. O paciente, genitor ou guardião que original-
mente concordou com a ONR pode individualmente revogá-la a qualquer momento.
Além disso, qualquer membro da equipe de saúde ou da família pode requerer que a
ordem seja reavaliada. A revogação da ONR deve ser registrada no local adequado da
prescrição no prontuário do paciente e explicada nas notas de evolução.
5. Reavaliação da ordem de não ressuscitação antes de procedimentos anestésicos e
cirúrgicos. Devido a circunstâncias especiais durante a anestesia geral, na qual há
probabilidade de que uma parada cardíaca ou respiratória seja reversível e em
que procedimentos considerados de “ressuscitação” são frequentemente necessá-
rios, as ONRs devem ser reavaliadas. O anestesiologista, junto com os outros
médicos assistentes do paciente, é responsável por discutir a suspensão ou a ma-
nutenção da ONR durante a anestesia e a cirurgia. As opções incluem (1) ressus-
citação plena; (2) ressuscitação limitada – específica ao procedimento, no qual
medidas completas de ressuscitação são empregadas, com a exceção de procedi-
mentos específicos não intrínsecos à anestesia ou cirurgia; ou (3) ressuscitação
limitada – específica ao objetivo, na qual os esforços de reanimação são imple-
mentados se os eventos forem considerados tanto temporários como reversíveis.
Esta última opção repousa sobre o pressuposto de que os anestesiologistas e ci-
rurgiões tomem decisões judiciosas e ponderadas com base na compreensão dos
objetivos do cuidado ao paciente.
6. Formulário de verificação da ordem de não ressuscitação. Em vários estados america-
nos, há um formulário legal para ONRs, como, por exemplo, a Comfort Care Form
do Estado de Massachusetts, que permite às equipes de emergência honrar ONRs
escritas no hospital ou nos ambulatórios e iniciar um protocolo focado no conforto
do paciente, e não na ressuscitação.*
7. Nota de cautela. É muito importante observar que uma decisão de limitar interven-
ções ressuscitativas cardíacas e/ou respiratórias não significa que todas as interven-
ções médicas devam ser limitadas. Conversas adicionais devem abordar o papel de
outros procedimentos invasivos, transfusões, suporte de líquidos e nutricional, ava-
liações laboratoriais e outros tipos de procedimentos diagnósticos.
E. Manejo de Sintomas. Ver Tabela 1-1. Sintomas fora de controle no final da vida devem
ser considerados uma emergência, requerendo avaliação e intervenção imediatas.
1. Abordagem da dor. Uma avaliação confiável da dor requer o uso consistente de instru-
mentos de avaliação adequados para a idade. Quando são utilizados opioides, os pais
podem ter preocupações sobre uma possível adição, e uma discussão sobre as diferenças
entre dependência física e adição pode ser benéfica. Os pais também podem temer que as
medicações contra a dor percam potência com o tempo, e devem ser informados de que
não há um teto fixo para dosagem opioide. A barreira mais significativa para o manejo
efetivo da dor entre a equipe de saúde é o temor de apressar a morte por meio de depres-

* N. de R. T. No Brasil, as ordens de não ressuscitação não possuem amparo legal.


TABELA 1-1 Alívio de sintomas durante o tratamento paliativoa

Sintoma Medicação Dose Comentário

Anorexia  Acetato de megestrol  100 mg VO 2 vezes ao dia; se não houver efeito  Usar apenas em crianças > 10 anos de idade
em duas semanas, dobrar a dose para
200 mg 2 vezes ao dia
Agitação  Haloperidol  0,01 mg/kg VO 3 vezes ao dia conforme necessário
 para instalação aguda: 0,025-0,05 mg/kg VO,
pode-se repetir 0,025 mg/kg em 1 h, SN
Ansiedade  Lorazepam  0,025-0,1 mg/kg VO 4/4 ou 6/6 h  Sempre iniciar com 0,025 mg/kg
 Aumentar a dose em 20-30% de cada vez até
obter o efeito desejado
Constipação  Supositório de glicerina  Um supositório VR quando necessário
 Lactulose  5-10 mL 2/2 h até evacuação
 Polietilenoglicol  0,8 g/kg/dia VO; dose máxima de 17 g/dia VO  Sempre dissolver em 100 a 200 mL de líquido
 Produtos à base de senna  2-6 anos: 2,5-3,75 mL uma vez por dia
alexandrina (líquido pediátrico)
 Fleet Enema pediátrico  6-12 anos: 5-7,5 mL uma vez por dia
 Uma aplicação VR uma vez por dia SN
Dispneia  Morfina (sulfato de morfina  0,1 mg/kg VO de h/h até 4/4 h
de liberação imediata – MSIR)
 Lorazepam  Dose inicial 0,025-0,1 mg/kg VO/IV 4/4 h
 Dose máxima: 0,5 mg/kg
Febre  Acetaminofeno  15 mg/kg VO 4/4 h
 Ibuprofeno  10 mg/kg VO de 6/6 h ou 8/8 h
Insônia  Difenidramina  1 mg/kg VO/IV à noite
 Trazodona  0,75-1 mg/kg VO à noite  Não recomendado para crianças < 10 anos
de idade
 Nortriptilina  0,1 mg/kg VO à noite  Não recomendado para crianças < 10 anos
de idade
Espasmo  Baclofeno  5 mg VO 3 vezes ao dia (esta medicação não
muscular é dosada por quilograma de peso)
 Clonazepam  0,02 mg/kg VO 3 vezes ao dia  Pode ser utilizada em lactentes
Náuseas/ Leves
vômitos  Difenidramina  1 mg/kg VO a cada 6 ou 8 h, SN
Leves-moderados
Manual de Terapêutica Pediátrica

 Metoclopramida  0,25 mg/kg VO a cada 8 h, SN


(continua)
27
28
TABELA 1-1 Alívio de sintomas durante o tratamento paliativoa (continuação)

Sintoma Medicação Dose Comentário

Graves
 Ondansetrona  0,15 mg/kg VO a cada 8 h, SN
 Dexametasona  0,3 mg/kg/dia VO/IV  Dose máxima 10 mg/kg/dia VO/IV
 Lorazepam  0,025-0,1 mg/kg a cada 8 h, SN  Dose máxima 3 mg/24 h
Candidíase oral  Nistatina  <1ano: 1 mL (100.000 U) na cavidade oral,
0,5 mL em cada bochecha
 >1-10 anos: 2,5 mL (250.000 U) na cavidade oral,
para bochechar e engolir 4 vezes por dia
Graef, Wolfsdorf & Greenes

 >10 anos: usar dose de adulto


 Fluconazol  100 mg/dia por 5 dias ou
 200 mg em dose única VO
Prurido  Difenidramina  1 mg/kg VO/IV a cada 4 h SN
 Hidroxizina  0,5 mg/kg VO a cada 8 h SN
 Hidrocortisona (creme 1%)  Aplicar a cada 6 a 8 h
Dor Dor leve
 Acetaminofeno  15 mg/kg VO a cada 1 a 4 h, SN ou fixo  Disponível em suspensão de 160 mg/5 mL,
ou 80 mg/mL
Dor moderada
 Hidrocodona 7,5 mg com  2 mg/kg VO a cada 4 a 6 h, SN ou fixo
acetaminofeno 500 mg
 Metadona  0,1 mg/kg VO/IV 2 ou 3 vezes ao dia  Não realizar ajuste de dose durante 72 h por
causa da meia-vida longa do fármaco;
disponível em líquido
Dor intensa
 MSIR  Bebês < 6 meses: 0,1 mg/kg VO a cada 3 ou 4 h
 > 6 meses até 50 kg: 0,3 mg/kg VO a cada 3 ou 4 h
para paciente virgem de opioides
Ajustar a dose em 50-100%
Prescrever dose para crises de dor de 0,15 mg/kg
VO a cada 15 ou 30 min
 Morfina de liberação  Dose total de MSIR dividida por 2 determina
prolongada ou OxyContin a dose a cada a cada 12 h (aproximadamente
1 mg/kg VO a cada 8 ou 12 h)
Dose para crise de aproximadamente 10% da dose
diária total, administrada a cada 1 ou 2 h

(continua)
TABELA 1-1 Alívio de sintomas durante o tratamento paliativoa (continuação)

Sintoma Medicação Dose Comentário

 Oxicodona  0,1 mg/kg VO a cada 3 ou 4 h


 Di-hidromorfinona  0,03-0,08 mg/kg a cada 4 h VO
 Fentanila adesivo (Durogesic)  Crianças 2-12 anos: não exceder 15 μg/kg
a cada 72 h
Analgesia Metástases ósseas
adjuvante
 Ibuprofeno  10 mg/kg VO a cada 6 h
 Colina trissalicilato de  25 mg/kg VO 3 vezes ao dia
magnésio
 Dor neuropática
 Nortriptilina  0,5 mg/kg à noite  Dose máxima: 150 mg/dia
 Gabapentina (Neurontin)  Dose inicial: 10-15 mg/kg/dia dividida 8/8h
Titular se necessário até 50 mg/kg/dia;
não exceder 2.400 mg/dia
Distensão visceral grave
ou doença óssea
 Prednisona  Solução oral: 1 mg/kg 1 ou 2 vezes ao dia,
com a alimentação
Secreções  Escopolamina  Adesivo 1,5 mg, aplicação tópica a cada 72 h
 Glicopirrolato  0,04-0,1 mg/kg VO a cada 4 a 8 h
 Sulfato de hiosciamina  Crianças < 2 anos: 4 gotas VO a cada 4 h SN  Máximo 24 gotas/24 h
(solução 0,125 mg/mL)
 Crianças 2-12 anos: 8 gotas VO a cada 4 h SN
(solução 0,125 mg/mL)
Convulsões  Lorazepam  0,1 mg/kg VO/SL/VR, pode ser repetida a cada Contatar o médico
15 minutos por 3 doses
 4 mg em dose única
 Diazepam gel retal  2-5 anos: 0,2 mg/kg, pode ser repetida a cada Contatar o médico
15 minutos por 3 doses
 6-11 anos: 0,3 mg/kg, pode ser repetida a cada
15 minutos por 3 doses
 > 11 anos: 0,2 mg/kg, pode ser repetida a cada
15 minutos por 3 doses
Manual de Terapêutica Pediátrica

SN = se necessário; VO = via oral; VR = via retal; SL = sublingual; IV = intravenosa.


a Ver também a tabela de dosagens da p. 623ff.
29
30 Graef, Wolfsdorf & Greenes

são respiratória ou sedação excessiva. No entanto, não há praticamente nenhuma evi-


dência empírica que apoie a crença de que o uso adequado de opioides possa apressar a
morte de pacientes terminais.
2. Tratamento farmacológico da dor. A abordagem básica da dor em crianças é descrita
no programa de analgesia escalonada da Organização Mundial da Saúde (OMS),
que usa uma abordagem progressiva para escalonar a terapia, partindo de analgési-
cos mais fracos (como os anti-inflamatórios não esteroides – AINEs) para os mais
fortes (como a morfina). A cada “degrau”, medicações adjuvantes (como anestésicos
locais) e métodos não farmacológicos (p. ex., terapias cognitivas) também são consi-
derados. Os analgésicos são mais efetivos quando administrados de forma progra-
mada, e não somente no esquema “se necessário”. Quando um paciente é incapaz de
receber medicações por via oral, vários analgésicos podem ser administrados por via
intravenosa, subcutânea, sublingual ou transdérmica. Medidas para promover o trân-
sito intestinal devem sempre ser utilizadas juntamente com os opioides.
3. Sintomas respiratórios. Os opioides sistêmicos são efetivos no tratamento da dispneia –
pois aliviam a sensação de “fome de ar”–, assim como a suplementação de oxigênio e
os benzodiazepínicos. A respiração pode se tornar especialmente ruidosa na iminência
da morte, o que em geral é denominado “estertor da morte”. A criança costuma estar
inconsciente quando o estertor da morte se desenvolve e, portanto, pode não experi-
mentar o desconforto que advém dele. Se a família perceber esse fenômeno como sofri-
mento, a escopolamina ou o glicopirrolato podem ser utilizados para secar as secre-
ções, diminuindo o ruído.
4. Sintomas psicológicos e psiquiátricos. Os sintomas psicológicos, como ansiedade e
depressão, com frequência são multifatoriais e inerentes ao próprio processo. Podem
ser empregadas intervenções psicotrópicas para manejar sintomas específicos, em
vez de distúrbios psiquiátricos subjacentes definidos, mas a orientação de um clínico
psicossocial qualificado é fundamental.
F. Quando a morte é iminente
1. Tente antever esse momento.
a. Forneça informação consistente. Discuta os aspectos técnicos da morte em ter-
mos simples.
b. Evite comunicar a morte pelo telefone, se possível.
2. Encoraje os pais a conversar com seu filho, mesmo que ele aparente estar inconscien-
te, e a abraçar a criança após sua morte. Permita que eles tenham tempo sozinhos
com a criança.
3. Reforce o papel dos pais na vida da criança.
4. Ofereça a possibilidade de exame de autópsia, enfatizando sua importância e reco-
nhecendo suas limitações.
5. Encoraje a realização de um funeral, inclusive para recém-nascidos.
6. Anteveja reações de luto e assegure que esses sentimentos são normais.
7. Estabeleça a expectativa de manter contato com a família.
a. Faça contato telefônico nos primeiros dias após o evento.
b. Depois de 4 a 8 semanas, agende um encontro com a equipe de cuidados primá-
rios para revisar a evolução hospitalar, os resultados do exame de autópsia e o
processo de luto. Anteveja dificuldades nos aniversários. Discuta aconselhamen-
to genético e gestações futuras.
c. Uma carta de condolências quase sempre é apreciada pela família.
d. Faça contato telefônico após um ano.
G. Constatação da morte. Com certas particularidades aplicáveis no caso de recém-nasci-
dos, as seguintes diretrizes gerais para constatação de coma irreversível, obtidas da
President’s Comission for the Study of Ethical Problems in Medicine (Guideline for the
determination of death. JAMA 245:2184, 1981), podem ser utilizadas para determinar
a presença de morte cerebral em crianças:
1. Um indivíduo com cessação irreversível das funções circulatória e respiratória está
morto.
a. A cessação é reconhecida por meio de exame clínico adequado para averiguar a
ausência de responsividade, batimentos cardíacos ou esforço respiratório.
b. A irreversibilidade é reconhecida por meio da cessação persistente das funções
circulatória e respiratória durante um período adequado de observação ou tenta-
tiva de terapia de ressuscitação.
Manual de Terapêutica Pediátrica 31
2. Um indivíduo com cessação irreversível de todas as funções de todo o cérebro, in-
cluindo o tronco cerebral, está morto.
a. A cessação neste caso é reconhecida quando a avaliação revela a ausência de
funções tanto cerebrais como do tronco cerebral.
i. Coma profundo ou irresponsividade cerebral pode requerer o uso de exames
confirmatórios, tais como o eletrencefalograma (EEG) ou estudos de fluxo
cerebral. As posturas de descerebração ou decorticação verdadeiras ou a pre-
sença de convulsões são incompatíveis com a morte cerebral.
ii. O teste do tronco cerebral requer a avaliação cuidadosa dos reflexos pupilar à
luz, corneano, oculocefálico, oculovestibular, orofaríngeo e respiratório (ap-
neia). A atividade do sistema nervoso periférico e reflexos da medula espinhal
podem persistir após a morte.
(a) Teste de apneia – pode ser empregado para avaliar a presença de função do
tronco cerebral. A ventilação mecânica com oxigênio puro ou com uma
mistura de oxigênio e dióxido de carbono é utilizada durante 10 minutos.
Após esse período, a ventilação mecânica é interrompida e é administrado
um fluxo passivo de oxigênio. Em geral, um período de 10 minutos é sufi-
ciente para se obter uma pressão parcial arterial de dióxido de carbono
(PaCO2) maior do que 60 mmHg, na qual deveria ocorrer o estímulo respi-
ratório. Uma gasometria arterial deve confirmar esse nível de hipercarbia.
Um esforço respiratório espontâneo indica que parte do tronco cerebral
está funcionando.
b. A constatação da irreversibilidade da cessação da função cerebral requer a pre-
sença de todos os elementos a seguir.
i. A causa do coma está estabelecida e é suficiente para justificar a perda de
função cerebral.
ii. A possibilidade de recuperação de qualquer função cerebral está excluída.
iii. A cessação de todas as funções cerebrais persiste durante um período adequa-
do de observação ou tentativa de terapia. Em condições bem estabelecidas e
irreversíveis que causam cessação da função cerebral, um período de observa-
ção de 12 horas sem função cerebral em geral é suficiente. Lesões cerebrais por
anoxia ou outras condições potencialmente reversíveis, como intoxicação me-
dicamentosa, hipotermia ou choque, podem necessitar de períodos maiores de
observação. O uso dos seguintes testes confirmatórios pode permitir uma con-
firmação mais precoce de irreversibilidade:
(a) Silêncio eletrocerebral documentado pelo EEG denota perda irreversível das
funções corticais, exceto em pacientes com intoxicações medicamentosas
ou hipotermia.
(b) Angiografia cerebral para diagnóstico de morte encefálica (quatro vasos) pode
confirmar a ausência de circulação na totalidade do cérebro. A cessação
completa da circulação no cérebro de um adulto normotérmico por mais de
10 minutos é incompatível com a sobrevivência de tecido cerebral.
(c) Estudos de perfusão cerebral, tais como a angiografia cerebral radioisotó-
pica em bolo ou a angiografia cerebral por gama-câmera não avaliam ade-
quadamente a perfusão do tronco cerebral.
H. Doação de órgãos
1. A disparidade entre a oferta e a demanda por órgãos doados permanece sendo a
principal limitação para a realização de transplantes pediátricos de órgãos sólidos.
2. Identificação do potencial doador de órgãos.
a. O único critério indiscutível para a doação de órgãos é a declaração de morte
cerebral.
b. A determinação da morte cerebral deve ser feita de forma independente do pro-
cesso de transplante.
c. As agências locais de busca de órgãos devem ser contatadas e podem fornecer
pessoal treinado para responder às questões da equipe médica e da família a
respeito da doação de órgãos.
3. Contraindicações para a doação de órgãos.
a. Contraindicações absolutas.
i. Doenças infecciosas, incluindo infecção pelo vírus da imunodeficiência huma-
na (HIV), hepatite B e doença sistêmica viral ou bacteriana não tratada.
ii. Lúpus eritematoso sistêmico ou outras doenças do colágeno.
32 Graef, Wolfsdorf & Greenes

iii. Distúrbios congênitos do metabolismo.


iv. Anemia falciforme ou outras hemoglobinopatias.
v. Neoplasias (exceto aquelas restritas ao sistema nervoso central).
b. Contraindicações relativas.
i. Hipotensão refratária.
ii. Infecção bacteriana localizada do sistema nervoso central e/ou adequadamente
tratada.
iii. Diabete melito.
iv. Hipertensão necessitando de tratamento.
v. Queimaduras extensas.
vi. Neoplasia do sistema nervoso central.
vii. Coagulopatia intravascular disseminada.
viii. Titulação positiva para citomegalovírus (CMV) se o receptor for CMV ne-
gativo.
I. Exame de autópsia
1. A autópsia, ou exame post-mortem, oferece grandes benefícios às famílias e à equipe
de saúde, por constituir uma oportunidade de discutir o processo de doença que
resultou na morte.
a. Facilita o processo de luto da família.
b. Fornece informações pertinentes à saúde de outros membros da família, futuras
gestações e para outros pacientes com condições similares.
c. Fornece confirmação ou refutação dos pressupostos patológicos estabelecidos antes
da morte.
2. Permissão para autópsia
a. Antes de discutir esse assunto com a família do paciente, verifique se o Departa-
mento Médico Legal, ou órgão responsável pela perícia, não solicitou a realização
da autópsia.
b. Em casos em que não há obrigatoriedade de realização de autópsia pelo médico
legal, o exame post-mortem deve ser oferecido à família. Se os parentes mais
próximos do paciente falecido não estiverem presentes no momento da morte e se
nenhuma dessas pessoas ou o paciente (antes da morte) tiverem expressado incli-
nação contrária, a permissão pode ser obtida das seguintes pessoas:
i. Cônjuge.
ii. Filho ou filha adultos.
iii. Qualquer um dos pais; se possível, ambos os pais deveriam dar permissão.
iv. Irmão adulto.
v. O guardião ou responsável legal pelo paciente.
3. Notificação ao Departamento Médico Legal. As leis que determinam necessidade de
notificação ao Departamento Médico Legal de horário, local, modo, circunstâncias e
causa de certas mortes variam de local para local. Em geral, os seguintes tipos de
morte devem ser notificados:
a. Todas as mortes pediátricas, previsíveis ou não.
b. Todos os casos de morte antes da admissão.
c. Morte dentro de 24 horas da internação hospitalar.
d. Morte de um paciente que já estava inconsciente no momento da admissão e que
nunca recobrou a consciência.
e. Morte durante cirurgia ou qualquer procedimento terapêutico ou diagnóstico.
f. Morte súbita e inexplicada.
g. Morte relacionada a qualquer tipo de trauma, incluindo acidentes com veículos
automotores.
h. Morte relacionada a aborto.
i. Morte relacionada a parto traumático ou domiciliar não assistido.
j. Morte relacionada a lesão ocupacional.
k. Morte relacionada a abuso físico ou sexual.
l. Morte relacionada a desnutrição.
m. Morte relacionada a qualquer agente químico, incluindo venenos ou drogas.
n. Morte relacionada a lesões elétricas ou térmicas.
o. Morte relacionada a afogamento.
J. Manejando a morte e o luto em pediatria. Uma das mais fortes reações de luto ocorre
quando se perde um filho. A habilidade da equipe médica em apoiar o processo de luto
Manual de Terapêutica Pediátrica 33
pode representar uma significativa diferença na experiência de perda de uma família e
para suas atitudes futuras em relação à doença e à morte (ver também Capítulo 21, p.
623). Após a morte da criança, o contato com um membro da equipe que cuidou dela
pode aliviar a sensação de abandono da família e também pode ser fundamental na
identificação de membros da família que estejam em risco e na identificação de recursos
para auxiliá-los. Não é necessário que o médico tenha experiência ou seja especialista
em lidar com o processo de luto para realizar esse acompanhamento. Encaminhamentos
para fontes de apoio ao luto podem ser obtidos por meio de instituições locais ou grupos
de ajuda, como o Compassionate Friends*. Em algum momento após a morte, pode ser
útil para a família se o médico revisar os eventos em torno da doença e do óbito, respon-
der a questões médicas específicas que eles possam ter e permitir que o trabalho psicoló-
gico do luto possa ocorrer. Se a autópsia foi realizada, os seus resultados podem ser
discutidos nessa ocasião.
1. Luto e pesar. O pesar é a resposta emocional à perda de um relacionamento. O luto
é a reação a essa perda.
a. O luto antecipatório começa quando um indivíduo prevê uma perda iminente. O com-
portamento de cuidado pode ser uma forma de luto antecipatório, com outras for-
mas incluindo tristeza, ansiedade, esforço para estreitar os laços familiares e esfor-
ços para resolver questões não resolvidas e reconciliar relacionamentos. O luto
antecipatório pode ser uma forma de se preparar psicologicamente para a morte, e
acredita-se que esse tipo de comportamento pode ajudar o indivíduo em processo
de luto a se adaptar à perda.
b. Reações normais de luto. Inicialmente, costumam ocorrer choque e embotamen-
to, e a realidade da morte ainda não é completamente compreendida. Nas sema-
nas que se seguem à morte, podem ocorrer tristeza intensa, saudades do falecido
e sensação de vazio. São comuns comportamentos de busca, como alucinações
auditivas e visuais envolvendo o falecido. Distúrbios do sono e do apetite, aperto
no peito, exaustão e outras queixas somáticas podem ocorrer. Os sinais externos
de luto podem variar com o substrato cultural e religioso da família.
c. Resolução normal do luto. Em contraste com os estágios do luto descritos por
Kubler Ross, a resolução deste não ocorre em estágios bem definidos. Em vez
disso, a intensidade dos sintomas descritos no item anterior diminuem de forma
lenta e o indivíduo enlutado gradualmente passa a aceitar a realidade da perda e
reinveste na vida. A duração do processo de luto varia consideravelmente, poden-
do ser afetada pela idade do falecido, se a morte foi ou não súbita e se a perda foi
relacionada ou não à gestação (morte fetal ou do recém-nascido).
d. Luto complicado. Consiste na persistência da sensação de falta do falecido por
mais de 6 meses, associada a quatro dos oito sintomas seguintes: dificuldade de
seguir em frente, desapego, amargura, sentimento de que a vida é vazia, proble-
mas em aceitar a morte, sensação de falta de sentido no futuro, agitação e dificul-
dade em confiar nos outros. Caso se suspeite de luto complicado, o indivíduo
deve ser encaminhado para atenção psiquiátrica, e há risco significativamente
maior de morbidade.
e. Irmãos. Embora os irmãos vivenciem a doença e a perda com a mesma intensida-
de que o paciente e os seus pais, eles raramente recebem a mesma atenção profis-
sional ou da família. Ele são capazes de resolver o problema da perda e de se sair
consideravelmente melhor quando são incluídos no processo de luto. Os irmãos
com frequência sustentam concepções errôneas que causam confusão após a mor-
te da criança. Informações concretas sobre a doença da criança que faleceu e
sobre a sua morte, assim como sobre a própria saúde do irmão podem ajudar a
amenizar esses temores.

* N. de T. Compassionate Friends – organização americana de ajuda a pessoas que perderam seus filhos
(www.compassionatefriends.org).
No Brasil, alguns dos recursos disponíveis são os seguintes: São Paulo – Laboratório de Estudos Sobre Luto (LELU) da
PUCSP; Porto Alegre – Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia da PUCRS; Goiânia – Grupo de Apoio Pós-
Óbito Infantil – Hospital Araújo Jorge; Belo Horizonte – Clínica SOS à morte; Apoio a Perdas Irreparáveis (API); Rio
de Janeiro – INCA – Centro de Suporte Terapêutico Oncológico (pacientes com câncer e familiares); Curitiba – Amigos
Solidários na Dor do Luto (AS).

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