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Estudo de abordagem qualitativa do tipo exploratório- É principalmente o ato de cuidar mesmo! É tu poder pro-
-descritivo. O estudo foi realizado em um hospital de ensi- piciar para aquela pessoa e aquela família tudo que ela
está necessitando, independente de estar focando na pers- Todos os atendimentos paliativos são singulares [...], a dor
pectiva de um falecimento breve. É o cuidado em relação é algo previsível. Você tem que encontrar meios para mini-
à dor, a estar confortável, com as pessoas próximas, a ter mizar a dor física, mas a dor emocional tu não tem como
possibilidade de mais visitas. Então, Cuidado Paliativo é medir, mensurar ou aplicar protocolos para tratar a dor
isso: o foco está no cuidado. É a valorização do processo afetiva, a dor da despedida, a dor da iminência da morte,
do ato de cuidar (S5). a dor de se despedir (S1).
A fala revela que quando o cuidar se sobrepõe ao curar No depoimento constata-se a existência de uma dor
o profissional tem a necessidade de refletir sobre seu papel mais complexa, compreendida como dor total(12). Esse con-
nesse momento delicado da vida de uma família e com- ceito revela que a dor do paciente não está somente rela-
preende que o principal objetivo é resgatar a humanização cionada a sua patologia; inclui aspectos físicos, emocionais
perdida nas ações de saúde(5). e espirituais. É a perda do status de ser sadio. Diante desse
O tratamento do câncer é considerado uma batalha na quadro, a equipe procura prestar uma assistência ao ser
luta contra a morte. Nessa lógica, quando a cura já não faz criança em sua totalidade(13).
mais parte do prognóstico, os profissionais sentem que a Os profissionais, além de serem capazes de perceber e
medicina fracassou e com o fracasso vem a impotência, a agir frente a dor total da criança, deparam-se com a dor
depressão e a negação(1,10). Surgem, então, questionamen- da família. Assim, articulam seus conhecimentos para esta-
tos filosófico-existenciais inerentes à perspectiva da termi- belecer um projeto terapêutico singular, caracterizado por
nalidade precoce, na qual a morte social antecede a morte um conjunto de propostas e condutas terapêuticas que vi-
biológica, agravando o sofrimento de todos os envolvidos sam a compreender a singularidade dos sujeitos e, a partir
nesse cuidado(5). Há a desconstrução da imagem social da disso, definir propostas e ações(14).
criança, fato que vai contra o senso comum de uma ordem
natural dos ciclos da vida. É discutido em equipe. É tranquilo, porque a equipe conse-
gue perceber as necessidades tanto da família quanto da
Vai contra a lei natural da vida: eles são crianças, aqui é o criança e consegue estabelecer esse projeto. Mas é assim,
processo inverso. É por isso que a gente se choca (S9). uma construção de todos (S6).
Eu já pensei em deixar de trabalhar com as crianças e com Os profissionais inserem os familiares nessa propos-
a oncologia, porque não é normal tu ver as crianças mor- ta, estimulando-os ao protagonismo do cuidado da
rerem. É antinatural de tudo. Mas, ao mesmo tempo, a criança e valorizando sua corresponsabilidade diante
gente tem que fazer o outro caminho e, aí, eu vejo o quan- dessa perspectiva.
to o trabalho que a gente faz é importante para eles [...]
isso me faz tão gratificada com o meu trabalho que supe- A gente sabe que as decisões neste momento têm que ser
ra esse outro lado (S3). mais discutidas entre os profissionais e também envol-
vendo a família. O nosso jeito de trabalhar aqui é sempre
O profissional que trabalha em oncologia pediátrica “de- falando tudo abertamente, mas também requer uma sen-
para-se inicialmente com uma importante mudança de foco sibilidade de saber se aquela é a hora e se a pessoa está
na atenção. Ele que é preparado para lidar com o conceito pronta para ouvir (S4).
de saúde, passa a trabalhar com o conceito de doença em
progressão. A almejada cura começa a dar lugar à busca da Na construção coletiva do plano terapêutico valoriza-
qualidade de vida”(1,11). Assim, a mesma equipe que sofre as -se a comunicação, o respeito e o relacionamento interpes-
ambivalências de sua práxis profissional também consegue soal, representando a essência do cuidado que sustenta fé
compreender a importância de sua atuação nesses momen- e esperança nos momentos mais difíceis(6,14). Nesses mo-
tos de sofrimento e sente-se gratificada em poder garantir à mentos, a equipe concede exceções a regras antes rígidas
criança uma vida digna até o momento de sua morte. no intuito de possibilitar a essa criança carinho e conforto.
A construção de um cuidado singular A alimentação envolve prazer, bem estar, carinho e cuida-
do. A gente abre exceções com as mães nessa fase mais
Devido às características da doença e do tratamento on- terminal, pois, não se alimentar, incomoda a mãe e não
cológico pediátrico, a dor física é um fenômeno esperado. a criança (S4).
Tem algumas coisas que não se faz: se o paciente está na medida em que as coisas vão acontecendo, os pais
com uma máscara de venturi, eu sei que não vai adiantar conseguem entender porque já foi dito que era previsível,
saturar esse paciente. Só levarei ansiedade para a famí- não é uma novidade (S8).
lia, porque estou verificando uma coisa que não poderei
mudar (S2). A comunicação retratada compreende um ato comple-
xo, pois, para ser efetiva, considera contextos, culturas, va-
Compreender essas peculiaridades faz parte do cotidia- lores individuais, experiências, interesses e expectativas de
no da equipe que se coloca como suporte nesse momento cada um(16). Neste sentido, no contexto dos cuidados pa-
de incertezas e sofrimento. Ressalta-se que o ser humano, liativos em oncologia pediátrica que envolve internações
antes de tudo, necessita ser cuidado e amparado em suas sistemáticas, a criança e a família acabam vinculando-se
necessidades para que, além de uma morte digna, ele pos- aos profissionais de saúde sendo um fator facilitador para
sa viver uma vida plena até o fim(13). as ações de cuidado desenvolvidas
As facilidades e as dificuldades A gente cria um vínculo muito grande com as famílias e isso
vivenciadas pela equipe é um facilitador. Tu consegues ajudar elas a passar por essa
situação, por mais dolorosa que seja. Tu sente que a tua pre-
Quando questionados quanto às facilidades e às dificulda- sença dá um conforto, então isso facilita para o trabalho (S5).
des em prestar assistência às crianças e suas famílias em cui-
dados paliativos, os profissionais revelaram que esse assunto Nessas horas mais difíceis fica mais fácil se tem vínculo[...]
ainda é pouco abordado durante a formação profissional. é mais fácil de tu abordar, é mais fácil de tu entrar no quar-
to e tu dar um abraço na pessoa, tu não precisa dizer nem
Eu vejo é que a gente começa a atender sem ter embasa- uma frase porque aquela pessoa vai sentir no teu abraço o
mento para isso. A gente entra aqui para cuidar dessas que tu está querendo dizer (S4).
crianças sem ter nenhuma experiência com isso e acaba
tendo que aprender muito sozinho (S6). É possível perceber que a presença e a solicitude per-
meiam as relações de cuidado, reforçando que o cuidar de
A morte, quando abordada no meio acadêmico, é re- crianças em cuidados paliativos transcende a lógica biolo-
duzida a algo estritamente biológico. As perturbações e gicista de atenção. Os profissionais embasam sua práxis na
mudanças envoltas no processo de morrer são ainda pou- escuta ativa, na compaixão e no carinho, a fim de tornar esse
co abordadas(5), e os profissionais menos experientes pro- momento mais suportável para todos os envolvidos(6). Cor-
curam trocar experiências com seus colegas, sendo este roborando a ideia de que a pessoa que está morrendo ne-
um momento rico de construção de saberes: cessita de amor incondicional, livre de qualquer expectativa,
não sendo necessária nenhuma especialização por parte do
Eu recebi um suporte muito legal da enfermeira, pois ela já profissional para que o paciente sinta-se amparado(17).
trabalhava muito com esse assunto (S5). Os profissionais envolvem-se afetiva e emocionalmen-
te com seus pacientes(10), sendo possível perceber a ambi-
Facilidade é de encontrar um grupo que trabalha há mui- valência entre o sentir e o agir, pois o vínculo que aproxima
to tempo com isso e que possa te passar as experiências na é o mesmo que faz com que os profissionais sofram quan-
medida em que tu fores precisando (S6). do o óbito da criança está próximo:
Ao longo das entrevistas percebe-se a preocupação A maior dificuldade é o trato com a família, porque tu aca-
em incluir a família e esclarecê-la sobre todos os processos ba criando um vínculo. Tu cuida há tempo desse paciente
envolvidos na terapêutica. Considerando-se os princípios e acaba tendo que esconder, muitas vezes, o teu sentimen-
do Sistema Único de Saúde(15) entende-se que o acesso a to para não sofrer junto. Não que tu não sofra, tu sofre, só
essas informações é mais do que um direito dos pacien- que naquele momento tu está ali para dar apoio para fa-
tes — simboliza as bases da construção de confiança e do mília e não sofrer com a família. Tu tem que mostrar um
vínculo com a equipe. pouco mais de força (S2).
Uma facilidade é a gente ser muito transparente em rela- Uma criança é uma criança, perder uma criança é ... não
ção ao tratamento, ao diagnóstico, ao prognóstico. Então, digo que é pior que perder um adulto, mas mobiliza mais
em termos de sentimento! A gente tem que se policiar para As falas revelam a complexidade envolvida no ato de
conseguir ter uma postura profissional, mas humana num cuidar dessas crianças, considerando-se a necessidade de
momento muito ruim. Porque não existe estar adequado amplo conhecimento técnico e científico, a sobrecarga
para perder um filho, não existe estar preparado para per- emocional que o paliativismo desperta e a continuidade
der um filho [...] a dificuldade é eu achar uma palavra que da atenção às demais crianças internadas. Nessa lógica, o
eu possa confortar, que acalente aquela família. Saber o profissional busca tranquilizar-se, lançando mão de seus
que fazer a gente sabe, mas saber o que dizer nem sempre mecanismos de defesa, entretanto, nada disso é capaz de
a gente sabe, eu acho isso mais difícil (S4). atenuar o sofrimento(10).
criança os abala psicologicamente e buscam meios pes- tempo em que facilitam o cuidado, podem se constituir
soais para poder lidar da melhor forma com essa perda. Tal em geradores de sofrimento.
constatação evidencia a empatia com a sua área de atu- Percebeu-se que os profissionais buscam compartilhar
ação e que o verdadeiro cuidado integral é realizado de diferentes saberes a fim de construir as bases desse cuida-
um ser humano para outro e envolve sentimentos, alegrias do singular, no qual o intercâmbio de experiências os auxi-
e frustrações de uma abordagem assistencial complexa e lia a traçar o seu papel diante dessa perspectiva. A equipe
desafiadora (13). busca inserir a família na construção do projeto terapêu-
O contato com a fragilidade humana suscita a diminui- tico singular para nortear esse momento do tratamento
ção gradual das forças de enfrentamento e o desequilíbrio oncológico, valorizando-a como protagonista no cuidado
entre as exigências do trabalho e as necessidades pessoais(18): à criança.
Os achados do estudo podem ser aplicados no ensino
Acho que as pessoas que trabalham com oncologia pre- e na pesquisa à medida que a compreensão das vicissitu-
cisavam ter um suporte melhor[...] Eu sei que o hospital des de cuidar dessas crianças e suas famílias faz com que
fornece, mas desde que a gente vá procurar, e em muitos se constate a necessidade de gerar espaços para compar-
momentos isso não vem até a gente muito facilmente. tilhar experiências, em uma aliança de saberes, em que o
Muitas pessoas que se afastam aqui são por esse motivo, objeto de cuidado passa a incluir, também, a equipe.
por não ter força suficiente para o enfrentamento dessas
situações (S6). REFERÊNCIAS
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