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Animus e Anima no Livro Vermelho de

Jung
por Professor Felipe de Souza | Curso Jung

Olá amigos!

Para quem não sabe o Livro Vermelho de C. G. Jung é uma das maiores novidades atuais
dentro da psicologia. Para entender melhor a sua importância, temos que voltar um
pouco no tempo.

No início de sua carreira como psiquiatra, Jung trabalhou inicialmente com Eugen
Bleuler, que, entre muitos outros trabalhos, foi o criador do conceito de esquizofrenia.
Até então esta doença era chamada de demência precoce. Depois de alguns anos
realizando diversos estudos experimentais sobre os complexos afetivos, Jung começou a
ter contato com Freud e entre os anos de 1907 e 1914, eles foram colaboradores um do
outro.

Para se ter uma ideia da importância de Jung na história do movimento psicanalítico, ele
foi o primeiro presidente da Associação Internacional de Psicanálise. Porém, por
divergências teóricas, Jung deixa a psicanálise para criar, em seguida, a psicologia
analítica.

Porém, entre a sua saída da psicanálise e até a criação da psicologia analítica, ele sente-
se perdido e sem saber exatamente qual era o seu ponto de vista a respeito da psique,
das doenças mentais, do inconsciente.

Em sua autobiografia, Memórias, Sonhos e Reflexões, ele diz:

“Depois da ruptura com Freud, começou para mim um período de incerteza interior, e
mais que isso, de desorientação. Eu me sentia flutuando, pois ainda não encontra minha
própria posição”.

E é justamente neste período que ele começa a escrever os chamados Livros


Negros, cujo conteúdo foi depois reescrito no Livro Vermelho. Como os conteúdos eram
bastante pessoais, com sonhos, imaginações e fantasias, o material nunca foi publicado
– até 2010 – com exceção da parte “Sete Sermões aos Mortos”.

O que é interessante no material do Livro Vermelho é que lá podemos encontrarmos


diversos conceitos que estarão presentes em sua obra teórica posterior. E, no texto de
hoje, vamos falar a respeito dos conceitos de anima e animus.

Anima e Animus no Livro Vermelho


No capítulo 9, intitulado Segundo dia, o autor dialoga com outros personagens, entre
eles Elias e Salomé que já tinham aparecido na primeira parte do Livro. Pensando a
respeito das relações entre homens e mulheres, Jung escreve que o homem deve
encontrar a mulher dentro de si mesmo, antes de buscar ela fora de si, e vice-versa, a
mulher deve encontrar o homem dentro de si mesma, para que sua busca externa depois
faça sentido.

Em suas palavras: “a pessoa é masculina e feminina, não é só homem ou só mulher. De


tua alma não sabes dizer de que gênero ela é. Mas se prestares bem atenção, verás que o
homem mais masculino tem alma feminina, e que a mulher mais feminina tem alma
masculina. Quanto mais homem és, tanto mais afastado de ti o que a mulher realmente
é, pois o feminino em ti mesmo te é estranho e desprezível” (JUNG, 2010, 263).

Para quem nunca ouviu falar dos conceitos de anima e animus, a ideia central é simples:
o homem possui dentro de si uma imagem da mulher, ou seja, nos seus sonhos e
fantasias, o eu vai constantemente encontrar figuras femininas, boas e más, que farão
referência às suas experiências no mundo, mas também serão arquetípicas, ou seja,
universais. Com isso, se analisarmos uma grande sequência de sonhos de um homem,
veremos aparecer e reaparecer mulheres como bruxas, feiticeira, deusa, mãe, irmã,
esposa, prostituta e por aí vai. E, do mesmo modo, nos sonhos e fantasias da mulher,
encontrarmos figuras que vão e vem de diversos homens.

Em suma, no inconsciente do homem há a figura da anima (das mulheres) e no


inconsciente da mulher há a figura do animus (dos homens).

Essa ideia de anima e animus será tratada em vários volumes das Obras Completas de
Jung e aqui, no Livro Vermelho, podemos ler o começo da elaboração que se
transformará em teoria.

Na passagem acima, podemos ver que o que faz de um homem ser verdadeira um
homem é ter a possibilidade de ter contato com a sua alma feminina, com a sua anima,
enquanto que o mesmo ocorre para a mulher. Neste caso, não estamos falando
propriamente de papéis sexuais (heterossexualidade ou homossexualidade), mas sim da
concepção presente em toda a obra de Jung de que a busca não é pela perfeição, mas
sim da totalidade.

Em outras palavras, quando excluímos uma parte de nossa psique, e deixamos toda uma
grande área da nossa vida apenas no inconsciente, teremos problemas porque
inevitavelmente esta parte retornará e poderá inclusive causar grandes danos e até
doenças mentais.

Se, por exemplo, um homem por se identificar exclusivamente com sua persona de
homem, exclui toda a sua anima, paradoxalmente haverá uma modificação psíquica que
o fará enfrentar de uma maneira ou de outra o que está excluindo. Por isso, não é raro
que o machão intolerante com a perspectiva das mulheres, acabe sendo – nos bastidores
– um sujeito afeminado.

Antes de que possam surgir críticas a este respeito – ainda mais em nosso contexto de
múltiplas possibilidades sexuais – gostaria de deixar claro que esta questão da união dos
opostos sexuais continua sendo válida se passarmos a pensar na dicotomia
atividade/passividade. Por exemplo, casais homossexuais (gays ou lésbicas) também
apresentam uma dinâmica de uma pessoa assumir um papel e outra pessoa assumir o
outro, ativo-passivo, feminino-masculino.

Evidente que na época de Jung as questões eram mais oito ou oitenta e por isso o seu
modelo reflete mais a sua circunstância cultural, do homem no papel do provedor da
família e da mulher, em casa, cuidando dos filhos.

Para concluir, e retornando ao Livro Vermelho, vemos de novo a ideia de que a busca
pelo caminho de individuação, de totalidade, exige a aceitação dos opostos, inclusive a
aceitação dos lados de nossa psique que nós normalmente excluímos. Em outras
palavras: “Tu és escravo daquilo que precisas em tua alma. O homem mais masculino
precisa da mulher, por isso é seu escravo. Torna-te tu mesmo mulher, e ficarás livre da
escravização à mulher” (JUNG, 2010, 263).

Quer dizer, quando há o total desconhecimento da anima por parte de um homem, ele
estará preso na sua teia, projetando a própria anima em dezenas de mulheres. Isto não
será interessante – embora a projeção seja um fator natural – porque há uma confusão
entre o que a mulher com que se lida é, em realidade, e a visão que se tem dela através
da projeção.

Nesse sentido, a célebre frase de Jung faz todo sentido para concluirmos: ” Quem olha
para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta!”

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