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O que é a Janela de Overton?

Entenda esta estratégia de

manipulação da opinião pública

Muitas pessoas pensam que têm opinião formada sobre um


assunto. Na verdade, não é difícil que elas tenham sido
induzidas a pensar de uma certa maneira. Estudar o que é a
Janela de Overton revelará uma estratégia de manipulação da
opinião pública.

Se uma pessoa está na mesma posição contemplando a


paisagem através de uma janela, tudo o que ela vê está
delimitado pelas esquadrias e pelo batente. À medida que se
levanta e se aproxima da janela, o horizonte se amplia.

A Janela de Overton muda paisagens ou amplia limites no


campo das ideias, mas com consequências na sociedade.

O que é a Janela de Overton?

A Janela de Overton, ou Janela do Discurso, descreve o


conjunto de ideias que a população tolera. É o grau de
aceitabilidade de uma opinião na sociedade.

Ela registra como a maioria das pessoas pensa em um certo


momento, sobre um determinado assunto.
Os assuntos podem se deslocar entre um extremo,
absolutamente contrário, para outro, absolutamente favorável. A
janela é a faixa que concentra o que a maioria aceita.

“A aceitabilidade da opinião pública determina a viabilidade


política de um fato”.

Emitir opiniões fora da janela social considerada aceitável pode


significar ser rejeitado. Opinar sobre o que está além do
pensamento da janela pode ser um desastre para a popularidade
de um candidato político.

As etapas da Janela de Overton são:

1. Inaceitável;
2. Verossímil (talvez pense nisso);
3. Neutralidade (sem opinião formada);
4. Provável (é possível concordar);
5. Inevitável (ou aceitável).
Origem e conceito da Janela de Overton

A expressão deriva do nome de seu criador, Joseph P.


Overton, ex-vice-presidente do Centro de Políticas Públicas de
Mackinac, Michigan, EUA. Ele criou este termo para a
segurança pública.

Em seus estudos ele explicou que diversos atores sociais podem


escolher não apenas o que as pessoas pensam, mas também
como elas pensam.

Para descrever o fenômeno que mais tarde seria conhecido


como Janela de Overton, ele afirmou que para uma ideia ter
viabilidade na sociedade, precisa passar pela “janela” social, não
bastando serem apenas preferências individuais dos políticos.

Segundo Overton, a janela inclui um conjunto de políticas


consideradas aceitáveis no momento em que a opinião
pública as recebe. Um candidato político poderá recomendar
este conjunto de ideias sem ser considerado excessivamente
extremo.

O conceito demonstra o que a sociedade considera aceitável ou


não em um dado momento. Se alguma figura pública quiser
aceitação social, deve emitir opiniões que variem dentro da
janela considerada aceitável.

Outra característica da Janela de Overton é que ela não é


estática.
É possível deslocar a Janela de Overton?

A Janela de Overton não é fixa. O conceito não engloba apenas


a definição, ou seja, a determinação do que a maioria aceita.
Saber isto é apenas uma etapa. É possível mudar a aceitação
das pessoas. É possível manipular a opinião pública.

Para que a Janela de Overton se desloque, é preciso que a


população mude sua opinião sobre um tema. Isto acontecerá se
as pessoas forem convencidas de novas ideias, ou pelo menos
persuadidas a pensarem contra o que normalmente era aceito.

Muitas pessoas manipulam a opinião pública para aceitar o


que antes era inaceitável.

As mudanças realizadas na Janela de Overton podem mudar a


opinião de “inaceitável” para “verossímil”, “neutralidade” e
progredir para “inevitável”. Ou vice-versa, levando as pessoas
da aprovação à desaprovação de algo.

Em geral, os governos gastam dinheiro para vender “ideias” e


conquistar a opinião pública. Os sentimentos sociais são
detectados e começa-se um trabalho para neutralizá-los e, em
seguida, mudá-los.

Os deslocamentos, por exemplo, vão desde a mudança da


aceitação do cigarro em lugares públicos e fechados, por causa
da propaganda antitabagista recorrendo a cientistas, até temas
de cidadania, aborto, sexualidade e criminalização de drogas.
Em vários casos, é utilizada a estratégia do Cavalo de Troia.
Leia mais sobre esta tática, que faz parte da estratégia de
deslocamento da janela.

Quais são as etapas da Janela de Overton? Como mudar a


opinião pública?

Think tanks – Os influenciadores que deslocam a Janela de


Overton

A Janela de Overton é deslocada principalmente por políticos,


assessores de imprensa, institutos de pesquisa, relações
públicas, agências de lobby e demais influenciadores. Por esta
razão, professores, youtubers, instagramers e similares são
mobilizados.

Overton chamou esses agentes, líderes carismáticos,


de think tanks, pois colaboram na formação de opinião de
seu público, deslocando a janela de aceitação de uma ideia.

Um exemplo enfático que retrata como a opinião pública pode


mudar, é a escravidão. Há 150 anos, as pessoas consideravam
isto algo natural, normal. A mudança de opinião pode acontecer
de uma forma natural ou forçada.

Os think tanks muitas vezes desviam o foco de um tema


principal e começam a pautar assuntos adjacentes. Desta forma,
o discurso torna-se mais aceitável até que a percepção das
pessoas tenha mudado.
Considerando a escravidão, antes de ser completamente
abolida, primeiro foi abolido o tráfico negreiro. A mudança
aconteceu gradualmente. Foram necessários anos para
aprovar leis que dificultavam cada vez mais a escravidão até que
a Lei Áurea fosse assinada.

Em 40 anos, a janela da escravidão mudou no Brasil de


absolutamente favorável para absolutamente inaceitável.

O jogo de influências que se profissionalizou

A influência pode ser negativa ou positiva, como no


exemplo abolicionista.

Ainda assim, o jogo de influências se profissionalizou.


Atualmente, foi formada uma indústria especializada em
moldar a opinião pública. São assessores de imprensa,
publicitários, cientistas políticos, pesquisadores,
cientistas, youtubers, políticos e qualquer formador de opinião.

Por estas razões, e por causa destas estratégias, entender o que


é Janela de Overton e como ela é usada, torna-se fundamental
para entender a complexidade da sociedade.

Gerações podem ser envolvidas no processo de mudança


de pensamento. Se não for possível mudar a concepção dos
pais, as escolas tornam-se o alvo e prepara-se uma geração que
aceita o que os think tanks querem desde o momento em que
entram na escola ou acessam a Internet.
Em tempos pacíficos, as discussões sociais são conduzidas
lenta e gradualmente. Afinal, a Janela de Overton pode ser
definida como a zona de conforto da opinião pública.

1 – O estudo das circunstâncias

A Janela de Overton desloca-se a partir das


circunstâncias. Grandes acontecimentos favorecem
discursos que podem levar as pessoas a aceitarem o que
não haviam pensado em aceitar.

A janela está fechada ou não se move para algum tema,


extremamente rejeitado pela sociedade. Entretanto, alguns
eventos de impacto podem abrir o espaço para discussão, tais
como atentados, crises e doenças.

Por exemplo, após o atentado às torres gêmeas em 2001, os


americanos aceitaram mais facilmente que o governo Bush
ampliasse o acesso do Estado a informações privadas, novas
regras em aeroportos e a guerra no Iraque.

Em 2009 e 2010, a crise econômica também levou os


americanos a aceitar que o governo Obama interviesse em
bancos, montadoras e seguradoras.

É possível tirar proveito do desespero, do medo, da


insegurança, da ignorância e da fala de especialistas.
Por exemplo, as pessoas não estavam dispostas a usar
máscaras quando não estavam doentes. Mas
independentemente da lei obrigando o uso, elas aceitaram o uso
por causa das falas dos especialistas e do foco midiático.

Por estas realidades, uma reflexão deve ser feita. Grandes


eventos podem levar as pessoas a abrir mão de seus
direitos.

Uma vez feito isto, não é tão fácil recuperá-los. Regras


circunstanciais podem ser o pretexto para o estabelecimento de
um novo comportamento, que pode até se tornar compulsório.

2 – A opinião se torna aceitável

O que era impensável começou a ser discutido. O próximo passo


é conseguir a aceitação. O que antes era repudiado começa a
se tornar normal e aqueles que discordam começam a ser mal
vistos.

As percepções negativas da ideia em questão começam a


deixar de ser negativas. Com o apoio da mídia, começa-se a
ver como respeitável o que antes não era. A ideia se torna
sensata.

3 – A popularidade da ideia aumenta

A opinião introduzida de acordo com os passos descritos, torna-


se popular sendo veiculada em propagandas, filmes, novelas,
séries e nos demais meios de entretenimento. Os artistas a
apoiam e o novo fenômeno se torna mais presente no imaginário
social.

A propagandas, por todos os meios possíveis, é uma das


formas mais eficazes de atingir a opinião pública e criar um
senso de unanimidade de pensamento. Antes que leis sejam
compostas, os anúncios são criados.

4 – A ideia é politizada

Tal se torna a aceitação, que o legislativo propõe leis que


regulamentam o que está sendo debatido.

O que começou como impensável, pela descrição da Janela de


Overton, pode vir a tornar-se uma lei. A percepção pública pode
ser mudada, por mais absurda que seja uma ideia.

O nazismo é um exemplo extremo desta realidade.

O perigo da manipulação invisível

A opinião pública recebe constantemente as pautas da


imprensa, dos políticos e dos ativistas em geral. Muitas
propagandas, discursos e apelações. As pesquisas também são
comuns, sejam elas verdadeiras ou falsas.

As ideias são apresentadas como se já tivessem aceitação da


sociedade, quando isto é apenas uma roupagem para que,
criando a sensação de popularidade, as pessoas não se ocupem
em ser contrárias.

Em 1928, no livro Propaganda, Edwards Bernays explicou


que as pessoas tendem a se comportar de forma irracional
ou impulsiva, especialmente quando estão inseguras. Nesta
situação, discursos fortes e emotivos podem manipular suas
decisões.

“Somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos


gostos são formados, nossas ideias são sugeridas, em grande
parte por homens dos quais nunca ouvimos falar… Somos
dominados por um número relativamente pequeno de pessoas…
que entendem os processos mentais e os padrões sociais das
massas. São eles que puxam os fios que controlam a mente do
público, que aproveitam as velhas forças sociais e criam novas
maneiras de ligar e guiar o mundo”.

O controle da sociedade através do discurso

Indústrias, empresários, governos, grupos com interesses


definidos costumam ser os principais agentes que movimentam
o dinheiro utilizado em propaganda para manipular a sociedade.

São feitos esforços para que seja natural para as pessoas


aceitarem o que nem sequer seria uma opção.

O discurso é o principal meio. A partir dos estudos de


Freud, Psicologia do Grupo e A Análise do Ego, Bernays
também disse:
“Se entendemos o mecanismo e os motivos da mente grupal,
não é possível controlar e regimentar as massas de acordo com
nossa vontade sem que elas saibam disso?”

• Conheça as séries da Brasil Paralelo. Os temas são


sempre pautados nas questões mais urgentes da
sociedade brasileira e abordam principalmente história,
filosofia e política.

As consequências da Janela de Overton e os cuidados


necessários

O deslocamento de opinião pode ser louvável ou condenável.


Nem tudo é manipulação e a Janela de Overton não precisa ser
considerada negativa em sua essência. Entretanto, é preciso ter
cuidado com as ideias que os agentes sociais apresentam.

É natural que mudanças e deslocamentos aconteçam


impulsionados por apelos aos fatos e à lógica, à moral e às
emoções. Os casos imorais são movidos por campanhas de
desinformação.

Casos notórios são:

• Ideologia de Gênero;

• Black Lives Matter;

• Antifa.

Buscar as reais motivações por trás dos discursos é


fundamental. É mais seguro não acreditar apenas no que é dito,
mas procurar saber por que é dito e se não há intenção oculta
por trás.

O principal esforço deve ser o de descobrir se as estratégias


utilizadas para mobilizar a opinião pública envolvem mentiras.

A atenção nos debates deve estar voltada para os termos


associados a algum tema, ou o foco principal. Qualquer um que
queira deslocar a Janela de Overton, não irá contrariar um tema
de frente, mas buscará maneiras suaves de fazê-lo.

A percepção da manipulação da opinião pública pode girar


em torno de um desvio do assunto principal.

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”

Esta frase é de Joseph Goebbels, ministro da propaganda na


Alemanha Nazista. Os nazistas sabiam que, para mudar a
aceitação das pessoas, seria necessário lutar no campo das
ideologias.

Por esta razão, foi criado o ministério da propaganda. Os


alemães eram constantemente alvejados com a ideia de que
pertenciam a uma raça superior, a raça ariana.

Quando a concepção de superioridade se consolidou, a


sociedade estava naturalmente menos distante da ideia de que
aqueles que não eram arianos não tinham a mesma importância.
Consequentemente, era mais fácil conseguir que o povo alemão
concordasse com o extermínio dos judeus.

As batalhas começam no campo do discurso, mas chegam à


realidade e impactam a vida de todos.

• Este artigo foi baseado na primeira aula do curso O que


é Capitalismo, ministrado por Lucas Ferrugem, um dos
fundadores da Brasil Paralelo. Torne-se Membro e acesse
o Núcleo de Formação para assistir às aulas deste curso e
de dezenas de outros, sobre história, filosofia, economia,
arte e educação.

Exemplos da Janela de Overton

A seguinte sequência de exemplos é atual e reflete os


acontecimentos que a maioria das pessoas experimenta no dia
a dia. São a melhor forma para entender de forma aplicada o que
é a Janela de Overton.

1 – Aborto
A população brasileira, em geral, é contrária ao aborto. Para que
a ideia de descriminalizar o aborto seja aprovada, é necessário
deslocar a janela, indo de “inaceitável” a “inevitável”. Antes, é
preciso passar pela neutralidade.

Por esta razão, iniciam-se campanhas que tratam dos


“direitos da mulher” e a palavra aborto começa a não ser
usada. O primeiro passo é fazer a opinião pública pensar que o
feto é parte do corpo da mulher e não outro ser humano.

Outra etapa consiste em conquistar os afetos das pessoas


falando do número de mortes clandestinas causadas por abortos
não autorizados. A tática aceita a mentira para mobilizar os
sentimentos e são usados números exorbitantes.

Fala-se de crianças abandonadas por suas mães, que seriam


violentadas e acabariam ameaçando a sociedade ao crescerem
em uma vida de traumas e crimes.
Se os pró-vidas são silenciados e não podem alertar a sociedade
sobre as mentiras usadas, a janela muda e o aborto, antes
reprovado, passa a ser aprovado.

2 – Natureza

Exemplos menores também ilustram bem o que é a Janela de


Overton. Basta considerar a sacola plástica no supermercado.
Não se muda a ideia do consumidor dizendo-lhe que as compras
serão levadas para casa em caixas de papelão.

É preciso falar da preservação da natureza.

3 – Privatizações

Em 2005, se a privatização da Petrobrás fosse discutida, a ideia


seria inaceitável. Com todos os escândalos de corrupção que
chegaram ao conhecimento público, a ideia de privatização saiu
do inaceitável e começou a migrar para o provável nos dias de
hoje.

Os Correios já se encontram no nível considerado inevitável.

Teoria da conspiração

Qualquer um que entenda o que é Janela de Overton corre


o risco de se preocupar de forma exagerada. Alguns
começam a considerar que tudo o que acontece na sociedade é
parte de um plano estrategicamente pensado para moldar a
opinião pública.
Nem tudo o que acontece é arquitetado e planejado. Muitas
mudanças acontecem por causa do desenvolvimento humano
natural. O conhecimento também leva a mudanças graduais.

Para saber se há ou não manipulação, é recomendável analisar


os argumentos, quem está propondo as ideias e quais serão as
consequências.

Janela de Overton

Ilustração da Janela de Overton, com os


graus de aceitação de Treviño.
A janela de Overton, também conhecida como janela do
discurso, descreve a gama de ideias toleradas no discurso
público. O termo é derivado de seu criador, Joseph P. Overton,
ex-vice-presidente do Centro de Políticas Públicas de Mackinac,
no Michigan, Estados Unidos, que, em sua descrição da janela,
afirmou que a viabilidade política de uma ideia depende
principalmente de ela cair dentro da janela, ao invés das
preferências individuais dos políticos. [1][2] De acordo com a
descrição de Overton sua janela inclui uma gama de políticas
consideradas politicamente aceitáveis no clima atual da opinião
pública, que um político pode recomendar sem ser considerado
excessivamente extremo para obter ou manter cargos públicos.
O conceito demonstra, por exemplo, quais tipos de posições são
consideradas aceitáveis para determinada sociedade naquele
momento. Nesse cenário, se uma figura pública deseja ser
benquista pela população (ou pela grande maioria dela) então
suas opiniões devem variar apenas dentro dessa janela.
Extrapolá-la pode significar rejeição.

Janela de Overton': como ideias políticas consideradas tabu em


uma época passam a ser aceitas
Legenda da foto,Marcha a favor da legalização do aborto na Argentina
em 2020Article information
Quando Joseph Overton tentou explicar como ideias políticas
que parecem tabu podem se tornar aceitáveis, ele criou um
modelo que hoje é famoso e pode ajudar a compreender a
avalanche de mudanças em diferentes países.
"Ele não tinha ideia" de que isso se tornaria conhecido
internacionalmente, diz Joseph Lehman, que ouviu sobre esse
modelo pela primeira vez diretamente de seu amigo Overton na
década de 1990.
"Na verdade, ele queria articular a ideia para criar um folheto de
captação de recursos para o centro Mackinac", acrescenta
Lehman, que preside esse instituto conservador de políticas
públicas em Michigan, Estados Unidos, ao qual Overton
pertenceu até sua morte em um acidente aéreo em 2003.
Esse folheto incluiria uma série de políticas que teoricamente
podem ser adotadas democraticamente para um determinado
assunto, classificadas de maior a menor intervenção do governo,
e um pequeno quadro que se moveria ao longo desse espectro,
circundando as ideias aceitáveis em um determinado momento.
Seu objetivo era ilustrar que, ao alterar o que é aceitável para
uma sociedade, a política sobre um assunto pode ser
modificada. E embora o folheto nunca tenha sido distribuído
porque era muito caro, foi assim que nasceu o conceito que
ficaria conhecido como a "janela de Overton".

Desde a abolição da escravidão até mudanças contemporâneas


como a legalização do casamento entre pessoas do mesmo
sexo, podem ser concebidas através desse deslizamento de
janelas, afirma Lehman em uma entrevista à BBC News Mundo
(serviço de notícias em espanhol da BBC).
A seguir, uma síntese da conversa telefônica:
BBC: Como explicar de maneira simples a janela de
Overton?
Joseph Lehman: A janela de Overton é um modelo de mudança
política. Ela engloba ideias que são aceitáveis para o público e,
consequentemente, aceitáveis para os políticos.
Por outro lado, exclui ideias que são inaceitáveis para o público
e, portanto, inaceitáveis para os políticos.
Legenda da foto,Joseph Overton criou o modelo para explicar as
mudanças políticas que mais tarde recebeu seu nome. Ele morreu em
2003, aos 43 anos, em um acidente de avião

Então, se você tem uma ideia que o público e os políticos não


desejam, é necessário mover a janela na direção dessa ideia, de
modo que a opinião pública comece a apoiá-la.
BBC: Isso é uma explicação de como as políticas mudam de
formas que teriam sido impensáveis anteriormente?
Lehman: De fato, nossas políticas públicas mais duradouras
começaram como impensáveis. Podemos olhar para a história
da escravidão no Império Britânico e nos Estados Unidos. Foi
uma política pública de longa duração que permitia que algumas
pessoas possuíssem outras, as forçassem a trabalhar e as
mantivessem na escravidão.
A mudança não ocorreu da noite para o dia; começou como uma
ideia de filósofos, pensadores e outros que apresentaram
argumentos morais de que era necessário mudar. Essa ideia se
espalhou entre as pessoas e, finalmente, os legisladores
proibiram o comércio de escravos e, posteriormente, a
escravidão.
Todas as grandes políticas públicas duradouras remontam a um
movimento social. A ideia de que as mulheres devem ter o direito
de votar é uma política pública muito duradoura: é difícil imaginar
que possa ser revertida.
No entanto, durante a maior parte da história, as mulheres não
foram autorizadas a votar. Então, houve um movimento pelo
sufrágio feminino, e aqueles que queriam que as mulheres
votassem tiveram que argumentar a favor disso.
O mesmo pode ser dito do movimento ambientalista, do
movimento trabalhista ou dos direitos civis: todos eles resultaram
em mudanças tão significativas nas políticas que quase
esquecemos que costumava ser o oposto.
Isso aconteceu porque a janela de Overton se moveu à medida
que as pessoas debatiam, apresentavam argumentos morais,
fatos e lógica de que outras ideias eram melhores.
BBC: O conceito se aplica a qualquer política pública em
geral?
Lehman: Exatamente. No Centro Mackinac, pensamos
principalmente em políticas econômicas, mas a maioria das
pessoas pode se interessar mais por ideais de política social.
Olhe para as mudanças que ocorreram recentemente em
nossas vidas, como a aceitação do casamento gay ou a
legalização de drogas nos Estados Unidos, pelo menos: a
mesma ideia se aplica.
Legenda da foto,Joseph Lehman alerta que "um legislador não pode
escolher suas políticas públicas favoritas como se estivesse pedindo
pratos do cardápio de um restaurante"
Um legislador não pode escolher suas políticas públicas
favoritas como se estivesse fazendo pedidos em um cardápio de
restaurante; ele está limitado. Se os eleitores descobrirem que
ele está apoiando algo que não gostam, votarão contra ele. O
que muda é a mentalidade dos eleitores sobre o que é aceitável.
Isso é o que aconteceu com o casamento gay, os direitos civis e
todas as grandes mudanças de política, incluindo o estado de
bem-estar social.
BBC: Você diria que as políticas promovidas por Donald
Trump quando ele era presidente dos Estados Unidos, como
a construção de um muro na fronteira com o México ou a
separação de crianças imigrantes de seus pais, também
podem ser explicadas pelo modelo de Overton?
Lehman: Na maioria das vezes, não é verdade que os próprios
políticos desloquem a janela de Overton. Pode acontecer
ocasionalmente que um político muito persuasivo seja capaz de
mudar a opinião das pessoas. Winston Churchill provavelmente
tinha essa capacidade de persuasão. Ronald Reagan também
pode tê-la tido.
Mas na maioria das vezes, e acredito que isso também seja
verdade com Donald Trump, os políticos são muito bons em
compreender o que o público quer e aceita, ou pelo menos
algum segmento do público, e então falam sobre essas políticas.
Essa foi a habilidade de Donald Trump, mesmo ao tornar o muro
na fronteira um dos pilares de sua política, pelo menos
retoricamente: ele entendeu que havia pessoas suficientes que
achavam que o muro era uma boa ideia e que poderia falar sobre
isso para ganhar popularidade.
BBC: E o que dizer da decisão da Suprema Corte dos
Estados Unidos no ano passado, que encerrou o direito
constitucional ao aborto?
Lehman: Essa mudança, que também era impensável antes,
embora sempre houvesse pessoas contra o aborto, veio do
Poder Judiciário, não do Congresso nem da Presidência.
Muito interessante. Devemos lembrar que a janela de Overton
foi projetada principalmente para descrever políticas que surgem
do processo legislativo tradicional em um sistema democrático.
Legenda da foto,A Suprema Corte dos EUA também variou suas
posições sobre algumas questões ao longo do tempo, observa Lehman.
A janela de Overton não descreve com a mesma clareza as
decisões de um tribunal de justiça cujos membros não são
eleitos, mas são nomeados por alguém que é eleito, como é o
caso da Suprema Corte dos Estados Unidos.
No entanto, se olharmos para a ideia da segregação racial nas
escolas públicas, houve uma decisão inicial da Corte na década
de 1890 chamada "Plessy v. Ferguson" que afirmava que a
segregação racial era constitucional. As pessoas lembram disso
pela frase "separados, mas iguais". Provavelmente naquele
momento, a Corte refletia a opinião da maioria nos Estados
Unidos.
Mas em 1954, uma questão semelhante foi apresentada à Corte,
que tinha uma composição diferente, no caso "Brown v. Board
of Education", e decidiu-se que as escolas deveriam ser
integradas para proteger os direitos constitucionais de todos. Os
juízes mudaram sua decisão ao longo do tempo, provavelmente
na direção em que a opinião pública estava se movendo.
Ainda não sabemos o que acontecerá com as várias decisões
sobre o aborto nos Estados Unidos, mas direi que a janela de
Overton não se aplica tão profundamente às decisões judiciais
como se aplica à legislação que é votada e promulgada.
BBC: Você já mencionou a legalização do casamento entre
pessoas do mesmo sexo e a aprovação do sufrágio feminino
como exemplos de movimentos na janela de Overton.
Agora, não apenas nos Estados Unidos, mas também na
Europa e em outras regiões, há pressões contra a igualdade
de gênero e a diversidade sexual.
Na Espanha, antes das eleições gerais deste mês, um
partido de extrema direita propôs remover a bandeira do
arco-íris do movimento LGBT de edifícios públicos. São
tentativas de deslocar a janela de possibilidade política em
uma guerra cultural?
Lehman: São evidências de que a janela está instável neste
momento. O deslocamento da janela ocorre pelo ato de
persuasão, não pelo ato de legislar.
BBC: Afinal, a janela de Overton diz que as políticas
públicas podem variar de acordo com as mudanças nos
valores das sociedades...
Lehman: Absolutamente. Overton nunca concebeu sua ideia da
janela como aplicável em países totalitários ou autocráticos. Foi
projetada para descrever como as ideias influenciam a política
em democracias representativas ou semelhantes.
De uma forma ou de outra, os líderes políticos eleitos precisam
prestar contas ao povo. Se eles continuamente promulgam leis
impopulares, o povo os substituirá por outros que sejam mais do
seu agrado. Mas isso não funciona se alguém chega ao governo
e o utiliza para suprimir os direitos das pessoas e se manter no
poder.
BBC: As redes sociais desempenham um papel no debate
político e nas políticas públicas que era difícil de imaginar
quando Overton propôs sua ideia. A tecnologia torna seu
modelo menos ou mais relevante?
Lehman: Essa é uma pergunta fascinante. A tecnologia não
torna seu modelo menos relevante. Apenas significa que cada
vez mais pessoas têm mais meios para mover a janela de
Overton mais rapidamente e em diferentes direções.
BBC: Como a polarização afeta o movimento da janela, não
apenas nos Estados Unidos, mas no Ocidente em geral?
Lehman: Não pensei muito nisso, mas diria que a polarização
significa que, quando a janela muda, isso acontece de forma
mais abrupta. As novas ideias nunca são recebidas de braços
abertos; todas enfrentam resistência.
E quando os lados estão tão polarizados como parece que
estão, acredito que as pessoas que gostam do status quo se
apegarão mais a ele, enquanto aqueles que desejam mudá-lo
pressionarão mais. Portanto, quando a janela se move, é como
se as placas tectônicas se chocassem em um terremoto.
BBC: Será possível que a janela esteja mudando muito
rapidamente em nossas sociedades, causando
instabilidade política e talvez mostrando que às vezes é
preferível ter limites sobre o que é aceitável ou inaceitável?
Lehman: Não, acredito que a única esperança que temos de
acompanhar as mudanças nas ideias ou na sociedade é mais
informação, não menos.
Vamos aplicar isso ao campo da ciência. O que aconteceria se
alguém tivesse o poder de dizer: "Alcançamos um estado
aceitável de avanço científico e, embora pudéssemos continuar
avançando, vamos proibir o estudo de novas coisas porque não
sabemos aonde isso poderia nos levar, poderíamos ser
incapazes de lidar com esses avanços e é um pouco assustador
o que poderia acontecer"?
Se isso acontecesse, ficaríamos estagnados. Sabemos que não
seria uma boa ideia na ciência, ou pelo menos seria uma ideia
terrível, especialmente se precisássemos de uma cura para uma
doença que ainda não temos. Se fizermos o mesmo controlando
a expressão, suprimindo a expressão, tornando certas ideias
fora dos limites por força do governo, ficaremos congelados no
tempo socialmente e não haverá mais progresso social.

A teoria da Janela de Overton na política brasileira

A Janela de Overton é um dos conceitos mais relevantes em


ciência política contemporânea. O nome é derivado de seu
criador, o analista de políticas públicas Joseph Paul Overton,
e consiste na seguinte ideia: existe uma gama de ideias que
um político pode oferecer publicamente sem ser considerado
extremado, independentemente do lado que esteja
oferecendo a política. Overton, para fugir do conceito
direita/esquerda, usa o espectro mais liberdade/menos
liberdade.

Dentre os níveis de aceitação da teoria da Janela de Overton,


configuram-se 6 graus de compreensão, independentemente
dos lados: Política (o grau mais tolerável, onde se tem a
unanimidade sobre um tema), Popular, Sensato, Aceitável,
Radical e Impensável. Estes graus ajudam a entender a
compreensão da viabilidade de uma ideia política prosperar,
e isso se torna relevante para o liberalismo brasileiro neste
exato momento.

Em relação ao Brasil, as ideias liberais um dia já foram parte


corrente da Janela de Overton, mesmo em períodos de
grande predominância da mentalidade estatista do país. Nos
anos da República Populista, apesar do amplo domínio da
mentalidade varguista e do nacionalismo latente, a
apresentação da mentalidade liberal, principalmente por
meio dos representantes da UDN, foi recorrente e tratada
como algo de penetrações populares por grande parte da
população, inserindo o liberalismo no espectro que o
qualificaria como Popular, pela janela de Overton.

Porém, na ditadura militar, com a crescente escalada estatista


e nacionalista do governo, alinhando-se cada vez mais às
pautas que entravam em conluio com sua oposição, o MDB,
a janela de Overton da política nacional cada vez mais passou
a se afastar do liberalismo, tornando-o uma ideia de
aparência inviável politicamente no regime.

Entretanto, o liberalismo ainda era uma ideia popular e sua


agenda cativou grande parte da população, algo que pode ser
refletido no sucesso que os discursos de caráter liberalizante
do então candidato Fernando Collor, que, com altíssima
popularidade, foi conduzido à presidência do Brasil – mesmo
que no mandato Collor tenha dado digressões em rumo
contrário ao liberalismo de seu discurso.

No início do novo milênio, quando o governo FHC, liderado


por um social democrata, porém gerenciado em aliança ao
liberalismo, praticou reformas liberais, a aceitação da
doutrina liberal parecia estar próxima nos corredores
políticos, mas, como afirmava o ex-deputado federal Roberto
Campos, declarar-se liberal publicamente era algo tão mal
visto quanto praticar sexo explícito na rua, e, logo no começo
do mandato do governo petista, a janela de Overton ao nível
popular sofreu uma distorção em níveis alarmantes para o
liberalismo brasileiro. Antes tido como uma política de nível
popular, o liberalismo foi arremessado para o espectro do
Radical e Impensável.

Declarar-se publicamente de direita, liberal, conservador ou


qualquer ideologia que se distanciasse da influência marxista
no Brasil se tornava um tabu público; nem mesmo políticos
com herança política do PFL ou antigos membros do ARENA
tinham coragem de assumir serem de “direita”. A janela de
Overton no país se tornou uma bizarrice coordenada para o
espectro das ideias de esquerda. O reflexo dessa janela de
Overton, mesmo que se tenha tentado conduzi-la à
normalidade à base dos pontapés, ainda é evidente quando
se nota no âmbito do debate público a ampla derrota do
segmento da direita brasileira. O debate público nacional
trata um stalinista explícito como um membro da janela do
Aceitável, enquanto uma mera proposta de parceria público-
privada do SUS com hospitais é agredida, praticamente sendo
tomada como uma proposta Impensável.

A agenda liberal no Brasil precisa combater a transformação


da janela de Overton numa espécie de tolerância ao
radicalismo, onde apenas ideias que comumente entrariam
em caráter Radical na maioria das democracias liberais do
planeta são vistas como algo que seria tratado como
Aceitável, ou, no pior dos casos, como Sensato.

A transformação da tolerância de ideias impensáveis no


cotidiano levará a uma derrota que possivelmente se tornará
irreversível num futuro próximo.
*Artigo publicado originalmente na página Liberalismo
Brazuca no Facebook.

O que é a Janela de Overton — e como ela explica o


comportamento dos políticos

GABRIEL DE ARRUDA CASTRO 15 ABRIL 2024 | 6min de leitura

CONTRASTE IMPRIMIR

A ideia não nasceu de um livro ou tese acadêmica. Ela


surgiu quase que de maneira informal. Nos anos 90,
Joseph Overton, um analista político americano,
desenvolveu um modelo que buscava explicar a relação
entre a opinião pública e as políticas implementadas por
legisladores e governantes. Overton morreu em um
acidente de avião em 2003, mas um colega dele, Joseph
Lehman, deu um passo adiante a apresentou o conceito de
forma mais sistemática. Ele chamou-o de Janela de
Overton.

A ideia é relativamente simples: dentro do debate político,


qualquer tema específico tem uma ampla gama de
soluções possíveis. Mas apenas uma parcela dessas
soluções é considerada aceitável pela opinião pública.
Todas as outras estão fora do que é politicamente factível.
Em outras palavras, estão fora da Janela de Overton.
Quando morreu, Joseph P. Overton era vice-presidente do
Mackinac Center — organização pró-livre mercado com
sede no Michigan. Lehman, que preside a entidade,
produziu um vídeo em que explica melhor o conceito. Ele
afirma que a Janela de Overton não tem relação com os
benefícios de uma determinada proposta, mas sim com a
sua viabilidade: “A janela de Overton não é capaz de dizer
se uma política é boa ou ruim. O que ela faz é mostrar quais
possibilidades estão à beira da possibilidade. Ideias que
estão no limite da janela de Overton, ou imediatamente
fora dela, podem se tornar a realidade política de
amanhã.”

Segundo Lehman, o que muda a Janela de Overton são


fatores fora da política partidária, como a imprensa, a
indústria do entretenimento, think tanks, ou ainda eventos
históricos. “Existe uma percepção equivocada de que os
políticos em si movem a janela de Overton. Na realidade, é
o contrário. Os políticos são bons em detectar onde está a
Janela de Overton e reagir a ela”, ele diz.

Overton e Lehman constataram, portanto, que políticos


profissionais não tentam mudar a cabeça do eleitor: eles
encomendam pesquisas caras e pagam marqueteiros
profissionais para poder dizer exatamente o que o eleitor
quer ouvir, e da forma mais convincente. Quase que
instintivamente, eles sabem que, em uma democracia,
não é recomendável gastar tempo e energia buscando a
aprovação de uma lei ou a implementação de uma política
antes que ela esteja dentro da Janela de Overton.

Por ter nascido no ambiente dos think tanks pró-livre


mercado, a Janela de Overton é mais conhecida nesse lado
do espectro político. A influente Atlas Network, que apoia
organizações liberais e conservadoras ao redor do mundo,
divide os think tanks em duas categorias principais: o
primeiro grupo pretende mover a Janela de Overton. O
segundo pretende atuar dentro dela para aprovar o que for
possível.

Ideal x Factível

Embora seja mais popular entre liberais e conservadores,


a ideia da Janela de Overton é uma ferramenta neutra
politicamente.

No tema do aborto, por exemplo, é possível imaginar dois


extremos: a proibição total e a liberação total até o nono
mês de gestação. Entre os dois polos, existe pelo menos
duas dezenas de posições possíveis, das quais três ou
quatro talvez estejam dentro da Janela de Overton no
contexto brasileiro: se as pesquisas de opinião estiverem
corretas, os brasileiros são contra o aborto, mas admitem
a prática em casos excepcionais. Muitas organizações
pró-vida tentam mover a janela em uma direção (para
impedir, por exemplo, que o aborto de anencéfalos seja
considerado aceitável), enquanto grupos pró-aborto
tentam mover a janela no sentido oposto (para convencer
a opinião pública a aceitar o aborto até mesmo nas fases
avançadas de gestação). Por ora, a legislação em vigor
parece estar em linha com a Janela de Overton, o que talvez
explique por que a lei não sofreu qualquer modificação nas
últimas décadas.

Outro exemplo possível é o de uma organização hipotética


cujo objetivo final é a privatização de todas as
universidades federais brasileiras. A proposta não parece
ter apoio de uma parcela relevante da população, e
tampouco é tratada como plausível no debate público. Ela
está claramente fora da Janela de Overton. A organização
terá de decidir se continua tentando mudar a Janela de
Overton até que a privatização se torne plausível, ou se
atua dentro da janela para buscar um fim intermediário
que esteja dentro da Janela de Overton — como a cobrança
de mensalidade em cursos de pós-graduação, de acordo
com a renda do aluno.

Obviamente, nem sempre é fácil medir exatamente onde


está a Janela de Overton em um determinado tema. Isso
depende de avaliar corretamente a opinião pública — o
que é feito exatamente como os políticos o fazem: por
meio de pesquisas de opinião, estudos sobre o que é
publicado na imprensa e, mais recentemente, análises das
redes sociais.

Mas não é preciso muito esforço para constatar que


algumas propostas estão claramente fora da Janela de
Overton no contexto brasileiro. Por exemplo: a volta da
monarquia. Organizações que defendem o retorno do
regime monárquico precisam focar suas ações na
popularização dessa ideia e não na tentativa de convencer
as autoridades a mudar o regime adotado no país. O
mesmo vale para medidas pouco populares como a
estatização dos bancos privados, a proibição da venda de
bebidas alcoólicas ou a adoção do dólar como moeda
nacional. Quem quer que defenda essas ideias precisará
primeiro convencer a opinião pública de que elas são
plausíveis — ou seja: mover a Janela de Overton.

Para Lucas Freire, doutor em Política pela Universidade de


Exeter, o modelo da Janela de Overton é útil para descrever
a dinâmica entre a opinião pública e o debate político. Mas,
por si só, ela não explica o que fazer para mover a janela.
“Para explicar o mecanismo de mudança dessa janela, eu
não acho que o conceito em si é útil. É preciso combiná-lo
sobre alguma teoria, alguma explicação sobre o que puxa
a janela para um lado ou para outro”, diz ele.

Redes sociais desafiam modelo

Quando a teoria da Janela de Overton foi desenvolvida, as


redes sociais não eram um ator relevante no debate
político; boa parte do que era considerado politicamente
factível dependia do filtro da imprensa tradicional. O
advento do Twitter, do Instagram e do Facebook mudou
essa lógica de duas formas: primeiro, ao acelerar o ritmo
com que essas mudanças ocorrem.

Em segundo lugar, ao permitir que atores sem acesso aos


jornais e TVs influenciem a opinião pública. "Existe a
possibilidade de trazer uma exposição de ideias tão fora da
janela que a mídia mainstream talvez não considerasse.
Numa discussão mais polarizada, onde a imprensa só
mostra os dois grandes blocos, os extremos acabam tendo
que achar outras formas de divulgar suas ideias”, diz
Lucas Freire.

A maior facilidade de comunicação talvez explique a


aceleração com que a janela de Overton se move. Nos
Estados Unidos, por exemplo, levou menos de uma década
para que o casamento gay passasse de uma proposta tida
como radical (e rejeitada até mesmo pelos eleitores da
Califórnia, em um plebiscito em 2008) para uma ideia
aceita pela ampla maioria dos americanos.

Uma mudança ainda mais rápida tem acontecido com


outros temas, nem sempre acompanhando a opinião
pública, mas seguindo o coro vigente nas redes sociais.
Censura à liberdade de expressão (especialmente calando
os setores conservadores da sociedade), intervenção
excessiva do Estado na economia e até o desmonte do
combate à corrupção passaram a ser defendidos. Por
convicção ou oportunismo, muitos políticos têm abraçado
a ideia.

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A Janela de Overton – Ou: Como fazer a opinião pública se


deslocar de um ponto para outro ignorando o mérito das
questões

VEJA 15 ABRIL 2024 | 9min de leitura

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O que esta imagem faz aí no alto? Explico.

Se vocês entrarem na Internet para pesquisar o que é


“Janela de Overton”, encontrarão duas referências
principais: uma delas diz respeito a um conceito de
manipulação — ou, se quiserem, de “operação” — da
opinião pública segundo conceitos elaborados por Joseph
P. Overton, ex-vice-presidente de um think tank chamado
Mackinac Center for Public Policy. Outra, relacionada com
a primeira, é um romance policial de Glenn Beck, o
demonizado (pelas esquerdas) âncora da Fox News, que
usou o conceito para imaginar uma grande conspiração
contra os EUA. Mas o que é “Janela de Overton”?

A coisa tem sido explicada por aí de modo capenga.


Peguemos justamente o caso do aborto no Brasil. A
maioria dos brasileiros é contra, e isso obrigou, inclusive,
a presidente Dilma a contar uma inverdade na campanha
eleitoral sobre a sua real opinião, que ela já havia
expressado. Era favorável à legalização — chegou a
empregar essa palavra — e teve de recuar.

Muito bem: a Janela de Overton registra como pensa a


maioria da sociedade num dado momento sobre um
determinado assunto. As posições, claro, variam do
absolutamente contra ao absolutamente a favor. O
pensamento da janela é o máximo que um político, a
depender de sua ambição, pode sustentar publicamente. É
evidente que um militante do aborto pode ser eleito
deputado por eleitores abortistas — mas teria problemas
para se eleger presidente da República ou senador.

Muito bem! É possível deslocar a janela para um lado ou


para outro? É! Isso demanda trabalho de pessoas
especializadas em manipulação da opinião pública.
Notem: quando emprego a palavra “manipulação”, não
estou querendo dizer “conspiração”. Empresas
organizadas passam a atuar na sociedade para lhe oferecer
valores que levem ao pretendido deslocamento.

Continuemos com o aborto. Mesmo quando era favorável,


Dilma dizia que nenhuma mulher pode gostar da coisa em
si, que é um sofrimento. O mesmo afirma sua agora
ministra Eleonora Menicucci. Há dias, o
impressionante Fernando Haddad afirmou que, “como
homem”, é contra — nota: creio que tentou dizer que,
como político, nem tanto, sei lá… Repararam que, nessas
intervenções, deixa-se de discutir o aborto para debater
um outro tema? Que outro? A proposta da tal comissão o
evidencia: “as condições da mulher”.

O que isso significa? Para tentar deslocar a janela de


opinião do “contra” para o “menos contra”, até chegar à
“neutralidade” e, quem sabe?, um dia, ao “a favor”, é
preciso trabalhar algum outro valor relacionado ao tema.
Para esse trabalho, entra em campo um verdadeiro
exército de “especialistas em opinião pública”: assessores
de imprensa, relações públicas, institutos de pesquisa,
think tanks, agências de lobby. E vai por aí.

Peguemos a questão do Código Florestal, outro exemplo


gritante. É evidente que a maioria da população se oporia
a que famílias fossem desalojadas ou a uma queda na
produção de alimentos. Se a maioria é contra, dificilmente
um político com ambições nacionais abraçará essa causa.
Mas por que não outra? A da “conservação da natureza”
certamente é simpática e tem condições de operar o
deslocamento da janela. É o que tem conseguido Marina
Silva, que conta com assessoria de imagem profissional. É
o que têm conseguido ONGs americanas financiadas pelo
setor agrícola dos EUA. Criminalizam os agricultores
brasileiros, transformando-os em sinônimo de
desmatadores. O caso mais bem-sucedido de que se tem
notícia nessa área é o terrorismo feito com o tal
aquecimento global. O que pode ser maior do que “salvar
o planeta”?
Verdades e mentirasGoverno e políticos gastam fortunas
tentando vender “idéias” à opinião pública. Quase não há
pessoa pública no Brasil que não seja cliente de uma
empresa — ou de várias — de assessoria e gerenciamento
de imagem. O que se pretende é bem mais do que informar
a sua “agenda”. O trabalho é mais amplo: trata-se de
detectar um determinado sentimento da sociedade e
passar a trabalhar para mudá-lo — eventualmente
neutralizá-lo. Querem ver?

O tucano José Serra, pré-candidato do PSDB à Prefeitura


de São Paulo, não tocou até agora em palavras como
“aborto” e “kit gay”. No PT, já se manifestaram sobre o
assunto o pré-candidato do partido, Fernando Haddad; o
presidente da legenda, Rui Falcão; o “chefe de quadrilha”
(segundo a PGR) José Dirceu, entre outros. O tema passou
a ser tratado pelos próprios petistas, COM A AJUDA DE
SETORES DA IMPRENSA, sugerindo que o “outro lado” vai
explorar esses temas em campanha e que isso, na verdade,
é “uma baixaria”. O trabalho é tão bem-feito que foram
buscar declarações contrárias àquela que seria à
abordagem não-virtuosa dessas questões até de tucanos,
como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vale
dizer: meteram FHC na campanha pró-PT!

Ora, por que isso? Porque o PT tem pesquisas em mãos que


demonstram que esses temas são potenciais fontes de
desgaste do candidato petista. Então é preciso aplicar uma
espécie de vacina, de remédio preventivo. Antes que o
adversário se refira a esses assuntos, Haddad já sai
gritando: “Isso é uma baixaria!”.

Nesse caso, o trabalho de manipulação da opinião pública


consiste, numa ponta, em transformar o aborto numa
decorrência natural dos “direitos da
mulher”, desfetalizando o debate. O feto passa a ser uma
mera derivação do seu corpo; se a incomoda e se ela não
quer, tira-se. Também se vai insistir nas
escandalosamente mentirosas 200 mil mortes de
mulheres em decorrência de abortos clandestinos. Outro
argumento forte, que tende a mover uma fatia dos setores
mais conservadores, diz respeito à segurança pública:
crianças abandonas pelos pais seriam potencialmente
violentas e ameaçariam a sociedade. Na outra ponta,
qualifica-se de “reacionários”, “conservadores” e
“avessos ao progresso” aqueles que têm uma posição
contrária, de modo a silenciá-los. Tudo dando certo, a
janela se move.

Sacolinhas plásticasOs temas variam dos mais graves,


como o aborto e o Código Florestal, que dizem respeito,
respectivamente, à vida humana e à segurança alimentar,
aos mais bizarros — mas nem por isso menos lucrativos,
como as sacolinhas plásticas nos supermercados.
Ninguém convenceria de bom grado um consumidor a sair
do mercado carregando compras em caixas de papelão ou
em sacolas de lona. Os incômodos são muitos. Alevantou-
se, como diria o poeta, um valor mais alto — e hoje base
de várias teses autoritárias influentes: a conservação da
natureza.

Huuummm… Em nome dela, nada mais de sacolinhas


feitas de derivado de petróleo! Certo! Considerando que os
brasileiros não comem plástico, aquele troço servia, leitor
amigo, na sua casa e na minha, de saquinho de lixo, certo?
Sem um, aumenta o consumo do outro, e o resultado tende
ao empate. Os supermercados podem ganhar uns trocos
não fornecendo os saquinhos, a indústria de plástico pode
compensar a baixa do consumo de um produto com a
elevação do consumo de outro, e só o consumidor se dana.
Mas esperem! Há a sacolinha reciclável, feita, parece, com
algum derivado do milho… Descobriu-se de pois que havia
um único fornecedor para o produto… É mesmo?

Cuidado!É preciso tomar cuidado para não cair na


paranóia de que o mundo é uma grande conspiração; de
que forças secretas se movem nas sombras e que estamos
sempre sendo administrados por alguém. Não deixem que
a “Janela de Overton” abra a “Janela da Conspiração” na
sua cabeça. Somos sempre influenciados pelo debate
público, pelas opiniões alheias, pela propaganda, pelo
trabalho, sim!, dos assessores de imprensa, assessores de
imagem, administradores de crise, essas coisas… Isso é
normal é do mundo livre. Chata era a vida nos países
comunas, onde só se podia ser influenciado pelo… partido!

Como, então, distinguir o “meu pensamento” dessa


algaravia de outros pensamentos e lobbies organizados?
Bem, não tenho a receita. O que costumo recomendar é o
seguinte: verifique sempre se as pessoas estão debatendo
o mérito da questão ou algum tema associado, que pode
até guardar algum parentesco com o assunto principal,
mas que é um óbvio desvio.

Se você se pegar falando sobre o desvio, o tema paralelo,


não duvide: você caiu na rede profissional dos operadores
de opinião pública. Não faz tempo, o caos nos aeroportos
brasileiros e o péssimo serviço oferecido por algumas
companhias aéreas acabaram surgindo no noticiário como
evidências do sucesso do governo petista na política de
distribuição de renda, que teria levado os pobres para o
avião. A questão essencial ficou de lado: por que
aeroportos e companhias aéreas não se organizaram para
isso? A janeja da opinião pública, é evidente, estava numa
posição crítica, contrária ao governo e à bagaunça das
companhias. Mas se deslocou um pouco para recepcionar
a tese do “bom caos”, gerado por motivos edificantes.

EncerroNo curto prazo, governos investem somas


fabulosas em propaganda, divulgando seus feitos. Aquele
outro trabalho, de mudança de valores, é mais sutil. As
oposições brasileiras não têm sabido enfrentar nem uma
coisa nem outra.

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