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Tópico Especial

Checklist dos aspectos estéticos a serem


considerados no diagnóstico e tratamento
do sorriso gengival
Máyra Reis Seixas*, Roberto Amarante Costa-Pinto**, Telma Martins de Araújo***

Resumo

Introdução: a exposição exagerada da gengiva ao sorrir é um dos problemas que afetam nega-
tivamente a estética do sorriso e, na maioria das vezes, está relacionada à atuação conjunta de
alguns fatores etiológicos. A análise sistematizada de alguns aspectos do sorriso e da posição
de repouso dos lábios facilita a correta avaliação desses pacientes. Objetivo: apresentar um
checklist de características dentolabiais e ilustrar como esse método de registro de dados, du-
rante o diagnóstico ortodôntico, pode facilitar a tomada de decisões no tratamento do sorriso
gengival, que geralmente envolve o conhecimento da Ortodontia e de outras especialidades
médico-odontológicas.

Palavras-chave: Ortodontia. Estética. Sorriso.

INTRODUÇÃO giando os modelos de gesso, que são registros


Quando facilmente observado pelos pró- estáticos da oclusão, permanecendo distante da
prios pacientes, o sorriso gengival constitui uma análise dinâmica da fala, do sorriso e da avalia-
queixa estética importante durante a anamnese ção das características morfológicas e funcionais
ortodôntica. Apesar de aparecer com certa fre- dos lábios. Como o ato de sorrir é um proces-
quência nos consultórios, a literatura dedicada so dinâmico, a beleza do sorriso não depende
a esse assunto como tema central, abordando o apenas do correto posicionamento dentário e
seu diagnóstico e tratamento, é escassa. Tratar o esquelético, mas também da anatomia e funcio-
sorriso é uma tarefa difícil para o ortodontista namento da musculatura labial — e sobre isso a
por algumas razões. Historicamente, sabe-se que Ortodontia precisa reconhecer que tem pouco
no século passado, nas décadas de 50 e 60, o ou nenhum controle.
diagnóstico e o planejamento ortodôntico eram
realizados com base na cefalometria e, por isso, Sorriso gengival
os conceitos estéticos foram definidos, prima- A maior parte dos profissionais da Odonto-
riamente, numa vista de perfil. Ainda assim, a logia consideram que, durante o sorriso, o lábio
documentação ortodôntica continuou privile- superior deve posicionar-se ao nível da margem

* Mestre em Ortodontia pela UFRJ. Professora Colaboradora do Curso de Especialização em Ortodontia da UFBA. Diplomada pelo Board Brasileiro
de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO).
** Mestre em Ortodontia pela UFRJ. Professor de Ortodontia da EBMSP. Professor Colaborador do Curso de Especialização em Ortodontia da UFBA.
*** Doutora e Mestre em Ortodontia pela UFRJ. Professora Titular e Coordenadora do Centro de Ortodontia Prof. José Édimo Soares Martins-UFBA.
Diretora Presidente do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

gengival dos incisivos centrais superiores1,2,3. Po- A sua etiologia está relacionada a diversos fa-
rém, sabe-se que alguma quantidade de gengiva tores como: excesso vertical maxilar; protrusão
à mostra é esteticamente aceitável e, em muitos dentoalveolar superior; extrusão e/ou erupção
casos, confere uma aparência jovial4,5,6. passiva alterada dos dentes anterossuperiores;
Apesar de existirem diversos parâmetros na hiperatividade dos músculos elevadores do lábio
literatura para definir o sorriso gengival (quanti- superior. Contudo, em grande parte dos casos, al-
dade em milímetros de exposição da gengiva ao guns desses fatores ou mesmo todos encontram-
sorrir), o que mais parece interessar ao ortodon- se associados. O ortodontista parece ser o profis-
tista é a opinião sobre o que é ou não bem aceito, sional mais capacitado a avaliar, criteriosamente,
esteticamente, pelo público em geral. Segundo a participação de cada um deles, sendo a hiperati-
pesquisa realizada por Kokich Jr. et al.7, somente vidade dos músculos elevadores do lábio superior
ao atingir 4mm de exposição gengival o sorriso é o menos percebido e estudado.
considerado antiestético, tanto por dentistas clí-
nicos como pelo público leigo. Para os ortodon- Diagnóstico
tistas, mais exigentes, 2mm de exposição gengival A despeito do(s) fator(es) etiológico(s)
ao sorrir são suficientes para comprometer a har- envolvido(s) no sorriso gengival, existem as-
monia do sorriso (Fig. 1). pectos a serem obrigatoriamente considerados
A altura do sorriso é influenciada pelo sexo durante a avaliação clínica dos pacientes. O re-
e pela idade. Existem evidências de que as mu- gistro sistematizado da distância interlabial em
lheres apresentam sorrisos mais altos do que repouso, da exposição dos incisivos superiores
os homens8,9 e que a exposição dentogengival durante o repouso e a fala, do arco do sorriso,
diminui com a idade8. Essa informação tem re- da proporção largura/comprimento dos incisi-
levância clínica, uma vez que o sorriso gengival vos superiores e das características morfofun-
exibe certo grau de autocorreção com o passar cionais do lábio superior, por meio de um che-
do tempo, principalmente em indivíduos do cklist (Fig. 2), é de grande utilidade durante o
sexo masculino10. diagnóstico. A inclusão desses dados na ficha de

A B

C D

Figura 1 - Diferentes graus de exposição gengival ao sorrir: A) 0mm; B) 1mm; C) 2mm e D) 4mm.

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

Distância Exposição dos IS Proporção L/C Caract. Morfo-Func.


Arco do Sorriso
Interlabial em repouso dos IS do Lábio Superior

1-3mm <1mm Agradável <65% Curto

>3mm 1-4,5mm Plano 75-80% Fino

>4,5mm Reverso >85% Hipermobilidade

Figura 2 - Sugestão de checklist, com cinco itens, para avaliação de características dentolabiais (download disponível no endereço: www.dentalpress.
com.br/journal).

consulta ortodôntica assegura que informações auxílio em outras especialidades como, por
fundamentais ao plano de tratamento não sejam exemplo, recursos da Medicina Estética. Além
esquecidas ou negligenciadas. disso, o diagnóstico correto diminui o risco de
se corrigir a exposição exagerada da gengiva em
1. Distância interlabial em repouso detrimento de outros aspectos estéticos favorá-
Para registro desse dado, é importante que o veis do sorriso. Isso sustenta o paradigma orto-
ortodontista inclua na documentação inicial uma dôntico contemporâneo, que consiste em iden-
fotografia aproximada dos lábios em repouso. tificar os aspectos estéticos favoráveis do sorriso
Avaliações fonéticas por meio de filmagens são para certificar-se de que eles serão mantidos no
também de grande utilidade documental. tratamento dos problemas dentofaciais14.
Não há relação direta entre sorriso gengival e
quantidade de espaço interlabial em repouso11. 2. Exposição dos incisivos superiores
Ao contrário do que se acreditou durante mui- durante o repouso e a fala
to tempo, pacientes com comprimento normal Sabe-se que, durante a posição de repouso dos
do lábio superior e espaço interlabial reduzido lábios, a quantidade de exposição dos incisivos su-
podem apresentar exposição exagerada da gen- periores apresenta valores de aproximadamente 2
giva ao sorrir. Quando o espaço interlabial em a 4,5mm nas mulheres e de 1 a 3mm nos homens
repouso é normal (1-3mm), o sorriso gengival (Fig. 5). Essa característica está diretamente rela-
é considerado de origem predominantemente cionada com a aparência jovial do sorriso, sendo
muscular (Fig. 3A, B, C). Diante de um espa- esperada a sua diminuição ao longo da vida (pelo
ço interlabial aumentado, desarmonias dentoes- alongamento do lábio superior, devido ao processo
queletais (excesso vertical maxilar e/ou protru- de maturação e envelhecimento dos tecidos)10,11,12.
são dos incisivos superiores) são, geralmente, a Para o registro desse item, pode-se utilizar uma
causa principal do problema, estando associadas radiografia cefalométrica em norma lateral com os
ou não a alterações anatômicas e/ou funcionais lábios em repouso e medir a distância, em milíme-
do lábio superior (Fig. 4A, B, C)11,13. Diagnos- tros, entre a borda incisal do incisivo central supe-
ticar a etiologia muscular do sorriso gengival é rior e o contorno inferior do lábio superior (Fig.
fundamental para reconhecer, de imediato, as 6). Avaliações fonéticas durante o exame clínico
limitações ortodônticas do tratamento e buscar são também importantes. O paciente deve ser

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A B C

A B C

Figura 3 - Pacientes com espaço interlabial entre 1 e 3mm, exposição normal de incisivos superiores em repouso e sorriso gengival. Nessa situação, a
intrusão dos incisivos superiores para a redução da exposição da gengiva ao sorrir está contraindicada.

A B C

A B C
Figura 4 - Pacientes com espaço interlabial >3mm, exposição aumentada de incisivos superiores em repouso e sorriso gengival. Nessa situação, a
intrusão ortodôntica e/ou ortocirúrgica dos incisivos superiores é necessária para redução da exposição da gengiva ao sorrir.

A B

Figura 5 - A quantidade de exposição dos incisivos superiores em repouso nos homens (A) é, Figura 6 - Medida em milímetros da quan-
normalmente, menor do que nas mulheres (B). tidade de exposição do incisivo superior na
radiografia cefalométrica de perfil.

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A B

Figura 7 - A) Arco do sorriso paralelo à curvatura formada pelo lábio inferior durante o sorriso,
conferindo-lhe um aspecto jovial. B) Arco do sorriso plano, devido à inclinação vestibular excessiva
dos dentes superiores.

correção ortodôntica ou ortocirúrgica do sorriso


gengival (Fig. 3A, B, C). Por outro lado, pacientes
<65% 75% - 80% >85%
que possuem boa exposição de incisivos durante o
repouso e a fala necessitam de um planejamento
mais cuidadoso (Fig. 4A, B, C)11,14.

3. Arco do sorriso
O termo arco do sorriso é descrito como a cur-
A B C
vatura formada pela união das bordas incisais dos
dentes anterossuperiores. Em um sorriso considera-
Figura 8 - Incisivos centrais superiores com diferentes proporções, do estético e de aparência jovial, essa curvatura deve
representando dentes: A) estreitos e compridos; B) proporcionais;
C) curtos e quadrangulares. ser paralela à margem superior do lábio inferior (Fig.
7A)15. Sorrisos femininos possuem curvatura mais
acentuada, enquanto nos masculinos essa apresenta-
orientado a articular frases formadas por fonemas se mais plana. Nos indivíduos com padrão facial bra-
que favoreçam a captura da maior exposição dos quicefálico, o arco do sorriso é mais plano, quando
incisivos8 e, como sugestão, pode-se adotar a frase comparado ao dos padrões meso e dolicocefálico11.
“Tia Ema torce pelo time do Corinthians”, seguida Em alguns pacientes com sorriso gengival, a in-
de um sorriso amplo e espontâneo, como exempli- trusão dos incisivos superiores pode ser realizada.
ficado no link: www.dentalpress.com.br/journal. Porém, a não avaliação do arco do sorriso pode re-
Estão relacionados a uma maior exposição dos sultar em um inadequado achatamento da sua cur-
incisivos superiores em repouso: a extrusão desses vatura, tornando-o plano e menos atrativo16,17.
dentes; o padrão facial dolicocefálico; o excesso
vertical maxilar; o lábio superior curto. Quando 4. Proporção largura/comprimento
o planejamento do tratamento envolve a impac- dos incisivos superiores
ção maxilar e/ou intrusão de dentes anterossupe- A cosmética odontológica apresenta diversas
riores, a magnitude da alteração dentoesqueletal considerações sobre proporção e morfologia den-
não deve basear-se na quantidade de exposição tária. Alguns autores apontam a importância de
gengival a ser diminuída, mas no grau de exposi- se alcançar proporções no sorriso que se harmo-
ção de incisivos em repouso que se deseja manter. nizem com a face17,18,19. A proporção estética “pa-
Pacientes que apresentam possibilidade estética drão-ouro” determina que a largura dos incisivos
de intrusão dos incisivos superiores não trazem centrais superiores deve ser de aproximadamente
grandes desafios em relação ao planejamento da 80% do seu comprimento (Fig. 8), com variação

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aceita entre 65% e 85%; e a dos incisivos laterais o sorriso. À sondagem periodontal, esses dentes
superiores em torno de 70%17,18,19. apresentam valores normais de profundidade de
A relação largura/comprimento (L/C) elevada sulco gengival e o tratamento pode ser realizado
é encontrada em dentes mais quadrados, enquan- por meio de cirurgia periodontal com reabilita-
to a proporção mais baixa relaciona-se com uma ção protética ou Ortodontia associada à Dentís-
aparência mais alongada. Em conceitos de prótese tica Restauradora:
dentária, a proporção e a morfologia das coroas • Cirurgia de aumento de coroa clínica com
dos incisivos centrais superiores devem estar em osteotomia
harmonia com o tipo facial do paciente12,18,19. A realização desse procedimento, por provocar
Em indivíduos com sorriso gengival, é impor- a exposição da superfície radicular e a necessidade
tante avaliar se as coroas dos dentes anteriores de tratamento restaurador complementar, deverá
apresentam-se muito curtas. Caso isso seja obser- ser exaustivamente discutida com o paciente (Fig.
vado, o próximo passo é diagnosticar a razão do 9). Além disso, devido à conicidade das raízes,
encurtamento, que pode acontecer, fundamental- as coroas protéticas ganharão um formato mais
mente, por dois motivos: triangular e dificilmente uma estética interproxi-
mal satisfatória será alcançada, não sendo raro o
A) Redução em altura das bordas incisais dos den- surgimento de “espaços negros” pós-operatórios.
tes superiores, por atrição e/ou fratura A vantagem dessa abordagem engloba um tem-
Em alguns desses casos, os incisivos extruem po menor de tratamento e a não necessidade do
levando junto todo o seu periodonto de inserção uso de aparelho ortodôntico. Como desvantagem,
e proteção. Tal processo, chamado de “extrusão tem-se a diminuição da proporção coroa/raiz, per-
dentária compensatória”20, pode ser responsável da de suporte ósseo e necessidade de restauração
por uma exposição exagerada da gengiva durante protética dos dentes envolvidos12,18,19,20.

Figura 9 - Caso de extrusão dentária compensatória onde a queixa principal era o tamanho reduzido dos
incisivos centrais superiores. O tratamento, por decisão da paciente, foi realizar o aumento cirúrgico da
coroa clínica das unidades 11 e 21, e construir novas coroas de porcelana.

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Figura 10 - Extrusão dentária compensatória das unidades 11 e 21, tratada com intrusão ortodôntica
e restauração provisória dos terços incisais com compósito.

• Intrusão ortodôntica e posterior restauração sivos é realizado por meio da remoção do excesso
das proporções dentárias com procedimentos da de tecido gengival que recobre o esmalte cervical.
Dentística Restauradora (Fig. 10)17. Quando a distância entre a crista óssea alveolar
e a JCE é menor que 1mm (insuficiente para a
B) Aumentos gengivais adaptação da inserção conjuntiva), a realização de
Os fatores etiológicos relacionados aos aumen- osteotomia torna-se necessária para o estabeleci-
tos gengivais são diversos e vão desde uma hiper- mento de corretas distâncias biológicas21.
trofia tecidual por razão infecciosa e/ou medica-
mentosa até a erupcão passiva alterada20,21. O pro- 5. Características morfofuncionais
cesso de erupção dentária é considerado finalizado do lábio superior
quando os dentes atingem o plano oclusal e en- Os lábios participam de modo fundamental na
tram em função. Os tecidos moles acompanham expressão facial, principalmente no ato do sorriso,
esse movimento e, ao final, a gengiva marginal mi- cujas variações estão relacionadas às característi-
gra apicalmente, até que esteja localizada próxima cas morfofuncionais labiais como: comprimento,
à junção cemento-esmalte (JCE). Todo esse pro- espessura e inserção, direção e contração das fibras
cesso é chamado de erupção passiva. Quando, por dos vários músculos a eles relacionados22.
motivo desconhecido, a gengiva não migra para a Quanto ao comprimento, tem-se um valor mé-
posição esperada, dá-se o nome de erupção passi- dio para o lábio superior de 24mm para o sexo
va alterada. À sondagem periodontal, esses dentes masculino, e 20mm para o sexo feminino23. Apesar
apresentam valores aumentados de profundidade de parecer que indivíduos com lábio superior curto
de sulco gengival e tal situação representa indi- tendem a expor mais gengiva ao sorrir, o compri-
cação precisa para a atuação do periodontista no mento labial não parece ter relação direta com o
tratamento do sorriso gengival (Fig. 11)20,21. Nor- sorriso gengival11. Casos de excesso vertical maxilar
malmente, o aumento das coroas clínicas dos inci- acentuado, por exemplo, podem apresentar lábio

Figura 11 - Caso de erupção passiva alterada, com presença de incisivos superiores curtos e sorriso
gengival.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Sn
C1’ Sn C2’ C1’ C2’

St St

C1 C2
C1 C2

A B

Figura 12 - Medição do comprimento do lábio superior: A) lábio superior longo; B) lábio superior curto.

superior de tamanho normal ou até mesmo bastan-


te alongado, e esse fato dificulta a correção do sor-
riso gengival, já que o comprimento labial permite
pouca ou nenhuma intrusão dos incisivos11,14.
Para avaliar o comprimento do lábio superior,
mede-se a altura do filtro e das comissuras labiais.
A altura do filtro é representada pela distância en-
tre os pontos subnasal (Sn) e stômio (St) do lábio
superior. Já as alturas das comissuras são obtidas
medindo-se, perpendicularmente, a distância en- ELS
tre essas estruturas (C1 e C2) e suas projeções ZM
2
(C1’ e C2’) numa linha horizontal que une as
duas bases alares (Fig. 12). 1
B
Os valores lineares dessas medidas não são par-
ticularmente importantes, mas sim a relação en-
tre o comprimento do filtro e das comissuras. Em
crianças e adolescentes, a altura do filtro é levemen-
te mais curta do que a altura das comissuras, e essa
diferença pode ser explicada pelo processo diferen- Figura 13 - Músculos da face envolvidos na dinâmica do sorriso: eleva-
cial de maturação dos lábios durante o crescimento. dores do lábio superior (ELS); zigomático maior (ZM); fibras superiores
do bucinador (B). Estágios do sorriso: voluntário (1); espontâneo (2).
Normalmente, quando isso acontece em adultos,
ocasiona exposição aumentada dos incisivos duran-
te a posição de repouso e fala (Fig. 12B)14.
Sabe-se também que lábios finos apresentam-
se mais tensionados e respondem mais intensa- aspecto a ser considerado na avaliação dos tecidos
mente, tanto às modificações dentoalveolares moles envolvidos no sorriso24-28. Além do músculo
como aos padrões contráteis da musculatura9,23. que contorna internamente os lábios, o orbicular
A mobilidade do lábio superior, consequência da boca, existem vários grupos musculares que in-
da musculatura que o rege, parece ser o principal fluenciam na movimentação do lábio superior, a

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Figura 14 - Pacientes com lábios finos e hiperativos, contribuindo para uma maior exposição gengival ao sorrir.

saber: músculo elevador do lábio superior, músculo superior bem mais eficiente quando compara-
elevador do lábio superior e asa do nariz, músculo dos aos que apresentam níveis normais de expo-
elevador do canto da boca, zigomático maior, zigo- sição gengival11,24-28.
mático menor, depressor do septo nasal (Fig. 13)11. Nos portadores de sorriso gengival com pro-
A formação do sorriso apresenta dois estágios: o porções faciais normais, comprimento dos lábios
primeiro, sorriso voluntário, eleva o lábio superior dentro dos limites médios, gengiva marginal lo-
em direção ao sulco nasolabial pela contração dos calizada próximo à JCE e dentes com relação
músculos elevadores que se originam nesse sulco e largura-comprimento normal, a etiologia pode
têm inserção no lábio. Os feixes mediais elevam o estar associada à hiperatividade dos músculos
lábio superior na região dos dentes anteriores e os responsáveis pela movimentação labial superior
laterais na região dos dentes posteriores até encon- durante o sorriso. O lábio superior não hipera-
trar a resistência do tecido adiposo das bochechas. tivo translada cerca de 6 a 8mm da posição de
O segundo estágio, sorriso espontâneo, inicia-se repouso para um amplo sorriso. Por outro lado,
com maior elevação tanto do lábio superior como no lábio superior hiperativo, essa distância pode
do sulco nasolabial, sob a ação de três grupos mus- ser 1,5 a 2 vezes maior (Fig. 14)23. Nesses casos,
culares: o elevador do lábio superior, com origem alguns procedimentos plásticos estão disponí-
na região infraorbital; o músculo zigomático maior veis e começaram a ser estudados em pacientes
e as fibras superiores do bucinador (Fig. 13)11,22. com paralisia facial, desde 197327. Entre eles, a
De acordo com a classificação de Rubin22, exis- implantação de silicone no fundo do vestíbulo
tem três tipos de sorriso: o chamado “Mona Lisa”, na base da espinha nasal anterior, a infiltração da
no qual as comissuras labiais são mais desloca- toxina botulínica A e os procedimentos ressecti-
das para cima pela ação do músculo zigomático vos nos músculos responsáveis pela mobilidade
maior; o “sorriso canino”, quando o lábio superior do lábio superior apresentam resultados estéti-
é elevado uniformemente; e, finalmente, o “sorriso cos favoráveis24-27.
complexo”, no qual o lábio superior comporta-se O custo-benefício, considerando-se a durabili-
como no “sorriso canino” e o lábio inferior desloca- dade, segurança e morbidade desses procedimen-
se inferiormente, expondo os incisivos inferiores. tos, deve ser analisado e estudado pelo ortodon-
Estudos revelam que indivíduos com sorriso tista, para que essa abordagem seja sugerida com
gengival têm a musculatura relacionada ao lábio maior frequência e segurança aos pacientes.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Aplicação do CHECKLIST primento dos incisivos superiores foi o único aspec-


Caso Clínico 1 to considerado desfavorável (Fig. 17). A sondagem
Paciente com 13 anos de idade, sexo feminino, periodontal inicial desses dentes mostrou valores
relatando como queixa principal o tamanho reduzi- aumentados de profundidade dos sulcos gengivais,
do dos incisivos superiores, apresentava as seguintes indicando uma situação de erupção passiva alterada.
características: terços faciais proporcionais; perfil le- Foi realizado tratamento ortodôntico corretivo
vemente convexo; suave retrusão mandibular; bom sem extrações e, após nova sondagem durante a
selamento labial; sorriso gengival moderado; má oclu- fase de finalização, foi indicada gengivectomia em
são Classe I de Angle com leve extrusão dos incisivos toda a região anterossuperior (Fig. 18). Com esse
superiores; sobremordida exagerada (Fig. 15). procedimento, obteve-se melhor proporção largura/
A avaliação do checklist (Fig. 16) revelou espa- comprimento dos incisivos superiores e redução da
ço interlabial, exposição de incisivos superiores em exposição gengival (Fig. 19, 20). O sorriso ganhou
repouso e características morfofuncionais do lábio em estética e proporção dentária, mantendo a ex-
superior normais, assim como curvatura adequada posição de incisivos em repouso e a curvatura agra-
do arco do sorriso. A baixa proporção largura/com- dável do arco do sorriso (Fig. 20, 21).

Figura 15 - Caso clínico 1 - aspectos faciais e dentários iniciais.

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Distância Exposição dos IS Proporção L/C Caract. Morfo-Func.


Arco do Sorriso
Interlabial em repouso dos IS do Lábio Superior

1-3mm <1mm Agradável <65% Curto

>3mm 1-4,5mm Plano 75-80% Fino

>4,5mm Reverso >85% Hipermobilidade

Figura 16 - Checklist do caso clínico 1.

C
2,5mm

8,5mm

8,5mm

A D

Figura 17 - Aspectos avaliados no checklist: A) exposição dos incisivos superiores em repouso; B) distância interlabial em
repouso e características morfológicas do lábio superior; C) arco do sorriso e características funcionais do lábio superior;
D) proporção largura/comprimento dos incisivos superiores.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Sulco Gengival
Margem Gengival
2,5mm

A B

C D

Figura 18 - A, B) Resultado da sondagem periodontal durante a fase de finalização do tratamento.


C) Gengivectomia realizada na arcada superior. D) Aspecto gengival uma semana após a cirurgia.

A B

C D

Figura 19 - A, B) Melhora da proporção largura/comprimento dos dentes anterossuperiores numa


vista aproximada. C, D) Impacto da gengivectomia no aspecto estético da oclusão.

Figura 20 - Fotografias inicial e final aproximadas do sorriso, mostrando a eliminação do excesso


gengival superior.

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Figura 21 - Alteração estética do sorriso entre as fases inicial e final do tratamento.

Caso Clínico 2 Angle com leve extrusão dos incisivos superio-


Paciente com 18 anos de idade, sexo femini- res; sobremordida exagerada (Fig. 22).
no, relatando como queixa principal o tamanho A avaliação do checklist (Fig. 23) revelou
reduzido dos incisivos e a exposição gengival tanto o espaço interlabial quanto a exposição de
superior aumentada, apresentava as seguintes incisivos superiores em repouso normais, e um
características: terços faciais proporcionais; per- arco do sorriso agradável. A baixa proporção lar-
fil reto; sorriso gengival; má oclusão Classe I de gura/comprimento dos incisivos superiores e a

Figura 22 - Caso clínico 2 - aspectos faciais e dentários iniciais.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Distância Exposição dos IS Proporção L/C Caract. Morfo-Func.


Arco do Sorriso
Interlabial em repouso dos IS do Lábio Superior

1-3mm <1mm Agradável <65% Curto

>3mm 1-4,5mm Plano 75-80% Fino

>4,5mm Reverso >85% Hipermobilidade

Figura 23 - Checklist do caso clínico 2.

3,5mm
C

8,5mm

8,5mm

A D

Figura 24 - Aspectos avaliados no checklist: A) exposição dos incisivos superiores em repouso; B) distância interlabial em
repouso e características morfológicas do lábio superior; C) arco do sorriso e características funcionais do lábio superior;
D) proporção largura/comprimento dos incisivos superiores.

hipermobilidade do lábio superior ao sorrir foram bilidade labial superior. Esses dois fatores contri-
aspectos considerados desfavoráveis (Fig. 24). buíram fortemente para o aumento da exposição
A sondagem periodontal inicial mostrou va- gengival nas regiões anterior e posterior do sorriso.
lores aumentados de profundidade dos sulcos O tratamento ortodôntico corretivo total foi re-
gengivais dos incisivos, indicando uma situação alizado sem extrações. Em sua fase final, após nova
de erupção passiva alterada, associada à hipermo- sondagem periodontal, foi feita gengivectomia

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para eliminar pseudobolsas gengivais presentes incisivos superiores, provocou a melhora estética
em toda a região anterossuperior (Fig. 25). Res- do sorriso (Fig. 26). Apesar de algum grau de ex-
taurações em compósito nas bordas incisais das posição gengival ainda presente, devido à hiper-
unidades 12, 11, 21 e 22 regularizaram a silhue- mobilidade labial superior, o resultado estético
ta incisal, que, juntamente com a obtenção de do tratamento foi considerado satisfatório pela
adequada proporção largura/comprimento dos paciente (Fig. 27, 28).

A B

C D

Figura 25 - A, B) Sondagem periodontal durante a fase de finalização do tratamento. C) Gengivecto-


mia realizada na arcada superior. D) Aspecto gengival uma semana após a cirurgia.

Figura 26 - Impacto da gengivectomia na proporção largura/comprimento dos dentes anterossupe-


riores e no aspecto estético da oclusão. Restaurações provisórias em compósito para regularização
da silhueta incisal superior.

Figura 27 - Fotografias inicial e final do sorriso, mostrando a diminuição do excesso gengival superior.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Figura 28 - Alteração estética do sorriso entre as fases inicial e final do tratamento.

Caso Clínico 3 côncavo; bom selamento labial; sorriso gengival;


Paciente com 21 anos de idade, sexo femini- má oclusão Classe I de Angle; sobremordida exa-
no, relatando como queixa principal o apinha- gerada; extrusão e inclinação lingual dos incisivos
mento dentário e a exposição gengival superior centrais superiores (Fig. 29). A avaliação do che-
aumentada, apresentava as seguintes característi- cklist (Fig. 30) revelou espaço interlabial normal,
cas: terços faciais proporcionais; perfil levemente arco do sorriso agradável e exposição normal dos

Figura 29 - Caso clínico 3 - aspectos faciais e dentários iniciais.

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

Distância Exposição dos IS Proporção L/C Caract. Morfo-Func.


Arco do Sorriso
Interlabial em repouso dos IS do Lábio Superior

1-3mm <1mm Agradável <65% Curto

>3mm 1-4,5mm Plano 75-80% Fino

>4,5mm Reverso >85% Hipermobilidade

Figura 30 - Checklist do caso clínico 3.

4mm C

0,5mm
8mm

8,5mm

Sulco Gengival
A D Margem Gengival

Figura 31 - Aspectos avaliados no checklist: A) exposição dos incisivos superiores em repouso; B) distância interlabial em
repouso e características morfológicas do lábio superior; C) arco do sorriso e características funcionais do lábio superior;
D) proporção largura/comprimento dos incisivos superiores, cujas profundidades de sondagem eram normais.

incisivos centrais superiores em repouso. A baixa gengivais normais. Foram observados desgastes das
proporção largura/comprimento desses dentes e bordas incisais dos incisivos centrais superiores, o
a hipermobilidade labial superior foram aspec- que conduziu ao diagnóstico de extrusão dentária
tos considerados desfavoráveis. A sondagem pe- compensatória dessas unidades (Fig. 31).
riodontal inicial revelou profundidades de sulcos O tratamento ortodôntico corretivo total foi

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

A B

C D

Figura 32 - A, C) Intrusão ortodôntica dos incisivos centrais superiores. B, D) Restauração provisória


do terço incisal das unidades 11 e 21 e ameloplastia para regularizar a altura da borda incisal das
unidades 12 e 22.

Figura 33 - Restabelecimento da proporção largura/comprimento dos incisivos centrais superiores,


proporcionando a dominância e o destaque dessas unidades e a diminuição do excesso gengival
superior ao sorrir.

realizado sem extrações, com intrusão e correção Essa abordagem possibilitou a melhora da propor-
da inclinação lingual dos incisivos centrais supe- ção largura/comprimento e manutenção da expo-
riores. Após o nivelamento superior, as bordas inci- sição dos incisivos superiores em repouso. A pe-
sais das unidades 12 e 22 foram regularizadas com quena exposição gengival ainda presente, decor-
ameloplastia e as unidades 11 e 21 foram restau- rente da hipermobilidade labial, não compromete
radas, provisoriamente, com compósito (Fig. 32). a estética final do sorriso (Fig. 33, 34).

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

Figura 34 - Alteração estética do sorriso entre as fases inicial, intermediária e de finalização do tratamento.

Caso Clínico 4 oclusão Classe I de Angle; espaços residuais de-


Paciente com 36 anos de idade, sexo femini- correntes de extrações de primeiros pré-molares;
no, relatando como queixa principal a presença incisivos superiores extruídos e inclinados para
de espaços na região de primeiros pré-molares, lingual; sobremordida exagerada (Fig. 35).
apresentava as seguintes características: terços fa- A avaliação do checklist (Fig. 36) revelou: es-
ciais proporcionais; perfil suavemente convexo; paço interlabial e exposição de incisivos superiores
selamento labial satisfatório; sorriso gengival; má em repouso aumentados; arco do sorriso agradável

Figura 35 - Caso clínico 4 - aspectos faciais e dentários iniciais.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Distância Exposição dos IS Proporção L/C Caract. Morfo-Func.


Arco do Sorriso
Interlabial em repouso dos IS do Lábio Superior

1-3mm <1mm Agradável <65% Curto

>3mm 1-4,5mm Plano 75-80% Fino

>4,5mm Reverso >85% Hipermobilidade

Figura 36 - Checklist do caso clínico 4.

5mm
10mm

8mm

A D

Figura 37 - Aspectos avaliados no checklist: A) exposição dos incisivos superiores em repouso; B) distância interlabial em
repouso e características morfológicas do lábio superior; C) arco do sorriso e características funcionais do lábio superior;
D) proporção largura/comprimento dos incisivos superiores.

(porém com curvatura acentuada) e lábio superior reção das inclinações axiais dos incisivos, caninos
curto, fino e com hipermobilidade. A proporção e segundos pré-molares, e fechamento dos espaços
largura/comprimento dos incisivos superiores apre- com retração dos dentes anteriores (Fig. 38, 39,
sentava-se satisfatória (Fig. 37). Tab. 1). Apesar de parte do checklist apontar para
Durante o tratamento ortodôntico, foram rea- possibilidade de intrusão dos dentes superiores,
lizados alinhamento e nivelamento dentários, cor- qualquer tentativa de corrigir a exposição gengival

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

Figura 38 - Vistas laterais e frontal da oclusão final, com restaurações provisórias das bordas incisais dos incisivos centrais superiores.

tabela 1 - Comparação das medidas cefalo-


métricas iniciais e finais do caso 4.

Inicial Final
SNA 78º 78º
SNB 76º 76º
ANB 2º 2º
GoGn-SN 39º 39º
IMPA 80º 95º
1-NA 21º 18º
1-NB 15º 32º
1-NA 5mm 5mm
1-NB 5mm 4mm
Ls - Linha S 0mm -2mm
A B Li - Linha S 1mm -0,5mm

Figura 39 - Comparação das radiografias cefalométricas inicial (A) e final (B), revelando as altera-
ções dentárias realizadas no tratamento.

A B C

Figura 40 - A) Sorriso inicial do tipo complexo, com grande mobilidade labial. B) Sorriso voluntário pós-tratamento. C) Manutenção da exposição gengival
durante o sorriso espontâneo, após o tratamento.

desse modo poderia provocar achatamento inde- vés de remodelação cosmética dentária (amelo-
sejável no arco do sorriso e, por isso, o nivelamento plastia das bordas incisais das unidades 12 e 22
dos dentes superiores demandou cuidado especial. e acréscimo provisório de compósito nas bordas
As características morfofuncionais do lábio su- incisais das unidades 11 e 21).
perior — fino, curto e com hipermobilidade —, Apesar da melhora estética do sorriso em termos
responsáveis pelo sorriso do tipo complexo, repre- de posicionamento dentário, a exposição gengival
sentavam a grande limitação para a correção orto- foi praticamente mantida, para que a abordagem
dôntica da exposição exagerada da gengiva. ortodôntica estivesse de acordo com o paradigma
Foi restaurada a silhueta incisal superior atra- contemporâneo de tratamento (Fig. 40, 41).

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

A B C

Figura 41 - A) Sorriso inicial. B, C) Sorriso espontâneo e sorriso voluntário pós-tratamento, respectivamente.

Caso Clínico 5 ausência de selamento labial; sorriso gengival;


Paciente com 25 anos de idade, sexo femi- má oclusão Classe I de Angle; biprotrusão den-
nino, relatando como queixa principal a bipro- toalveolar acentuada (Fig. 42).
trusão dentoalveolar e dificuldade para selar os A avaliação do checklist (Fig. 43) revelou alte-
lábios, apresentava as seguintes características: rações significativas em alguns aspectos: o espaço
terço inferior da face aumentado; perfil convexo; interlabial e a exposição de incisivos superiores

Figura 42 - Caso clínico 5 - aspectos faciais e dentários iniciais.

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

Distância Exposição dos IS Proporção L/C Caract. Morfo-Func.


Arco do Sorriso
Interlabial em repouso dos IS do Lábio Superior

1-3mm <1mm Agradável <65% Curto

>3mm 1-4,5mm Plano 75-80% Fino

>4,5mm Reverso >85% Hipermobilidade

Figura 43 - Checklist do caso clínico 5.

6,5mm C

9mm

8mm

A D

Figura 44 - Aspectos avaliados no checklist: A) exposição dos incisivos superiores em repouso; B) distância interlabial em
repouso e características morfológicas do lábio superior; C) arco do sorriso e características funcionais do lábio superior;
D) proporção largura/comprimento dos incisivos superiores.

em repouso encontravam-se bastante aumenta- incisivos centrais e laterais (Fig. 44).


dos; o lábio superior curto mostrava também hi- A protrusão dentoalveolar superior — presente
permobilidade; o arco do sorriso apresentava-se nas más oclusões de Classe II, 1ª divisão e na Classe
plano. A proporção largura/comprimento dos in- I biprotrusão de Angle — pode estar relacionada
cisivos centrais superiores era satisfatória, embo- ao sorriso gengival, fato relatado há muito na lite-
ra houvesse desproporção entre o tamanho dos ratura29. O “platô” alveolar formado por incisivos

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Figura 45 - Aspectos facial e oclusal pós-tratamento, com restaurações das bordas incisais das unidades 11 e 21.

tabela 2 - Comparação das medidas cefalo-


métricas iniciais e finais do caso 5.

Inicial Final
SNA 76º 76º
SNB 72º 74º
ANB 4º 2º
GoGn-SN 45º 42º
IMPA 98º 88º
1-NA 21º 14º
1-NB 37º 23º
1-NA 11mm 6mm
1-NB 12mm 6,5mm
Ls - Linha S -1mm -2,5mm
A B Li - Linha S 2mm -1mm

Figura 46 - A) Presença do fundo de sulco alveolar anterossuperior profundo, decorrente da pro-


trusão dentoalveolar. As setas indicam a direção de deslocamento do lábio superior durante o sorri-
so. Comparação entre as radiografias cefalométricas inicial (A) e final (B), evidenciando a alteração
do contorno alveolar anterior, decorrente da retração dos incisivos superiores.

superiores excessivamente inclinados para vesti- Como muitas vezes a correção da protrusão
bular parece provocar, durante o sorriso, um maior superior reduz a exposição exagerada da gengi-
estiramento muscular do lábio superior, o qual re- va ao sorrir, esse aspecto deve ser sempre con-
trai para cima e para trás, acomodando-se na região siderado durante o planejamento do tratamento
mais profunda do processo alveolar (Fig. 46A). do sorriso gengival29,30.

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

Apesar de tratar-se de um caso clássico de ex- horizontal formado entre o lábio superior e a
cesso vertical maxilar, com indicação ortocirúrgica, base do nariz); melhora na relação entre o arco
a paciente não aceitou esse tipo abordagem. Restou do sorriso e o lábio inferior (proporcionada pela
a alternativa de diminuir a exposição gengival, or- sua recolocação superior e posterior) (Fig. 47).
todonticamente, pela redução da biprotrusão e do Com o objetivo de melhorar o nivelamento
“platô” dentoalveolar anterossuperior. O tratamen- do contorno gengival anterossuperior, as unida-
to corretivo total foi realizado com extrações das des 11 e 21 foram intruídas e suas bordas inci-
unidades 14, 24, 75 e 44, retração dos incisivos e sais aumentadas com compósito. Para estabele-
máximo controle vertical (Fig. 45, 46 e Tab. 2). cer melhor relação proporcional entre os inci-
Com a correção da biprotrusão, houve ganho sivos centrais e laterais superiores, as unidades
estético facial (Fig. 45), melhora do selamento 12 e 22 sofreram desgastes interproximais de
labial (Fig. 45, 46) e diminuição do desloca- esmalte e remodelação cosmética por meio de
mento apical do lábio superior durante o sorriso arredondamento do ângulo distovestibular.
(Fig. 47B). Numa vista aproximada, pode-se ob- A quantidade de exposição gengival ainda pre-
servar algumas alterações importantes: mudança sente após a finalização do tratamento não com-
do comportamento muscular do lábio superior prometeu o grau de satisfação da paciente em re-
ao sorrir (evidenciada pela eliminação do sulco lação aos seus ganhos dentofaciais (Fig. 48).

A B

C D

Figura 47 - Sorrisos iniciais voluntário (A) e espontâneo (B): má proporção entre os tamanhos dos incisivos centrais e laterais superiores; exposição dos
incisivos inferiores; exposição gengival superior acentuada; presença de sulco horizontal formado entre o lábio superior e a base nasal. Sorrisos finais
voluntário (C) e espontâneo (D): dominância dos incisivos centrais superiores; diminuição da exposição gengival e do sulco labial horizontal; redução da
exposição dos incisivos inferiores; melhora da relação entre o arco do sorriso e a curvatura do lábio inferior.

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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Figura 48 - Alteração estética do sorriso entre as fases inicial e final do tratamento: redução da
exposição gengival pela correção da biprotrusão e diminuição da hipermobilidade labial.

Considerações Finais superiores durante o repouso e a fala, arco do


A exposição excessiva da gengiva durante sorriso, proporção largura/comprimento dos in-
o sorriso é considerada uma alteração estética cisivos superiores e características morfofuncio-
que, com frequência, leva os pacientes aos con- nais do lábio superior. A utilização do checklist
sultórios de Ortodontia. A dificuldade existente proposto nesse artigo auxilia o diagnóstico e
na abordagem desse problema é decorrente da planejamento, conduzindo à correção do sorriso
multiplicidade dos seus fatores etiológicos, os gengival dentro do paradigma de tratamento or-
quais, na maioria das vezes, estão conjuntamen- todôntico contemporâneo.
te presentes. Para avaliar esses casos, o ortodon-
tista deve realizar uma análise estática e dinâmi- Agradecimentos
ca do sorriso, assim como da fala e da posição de Aos Doutores Edmália Barreto (Periodontia), Eu-
repouso dos lábios. Nessa análise, os seguintes tímio Torres (Prótese Dentária), Maria Cândida Tei-
aspectos devem ser obrigatoriamente observa- xeira e Alessandra Mattos (Dentística Restauradora),
dos: espaço interlabial, exposição dos incisivos pela contribuição clínica nos casos apresentados.

Checklist of aesthetic features to consider in diagnosing and treating excessive


gingival display (gummy smile)

Abstract

Introduction: Excessive gingival display on smiling is one of the problems that negatively affect smile aesthetics and
is, in most cases, related to several etiologic factors that act in concert. A systematic evaluation of some aspects of the
smile and the position of the lips at rest can facilitate the correct assessment of these patients. Objective: To present
a checklist of dentolabial features and illustrate how the use of this record-keeping method during orthodontic diag-
nosis can streamline decision making in treating the gummy smile, which usually requires knowledge of orthodontics
and other medical and dental specialties.

Keywords: Orthodontics. Aesthetics. Smile.

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Seixas MR, Costa-Pinto RA, Araújo TM

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Enviado em: dezembro de 2010


Revisado e aceito: março de 2011

Endereço para correspondência


Máyra Reis Seixas
Rua Leonor Calmon Bittencourt, nº 44, sala 1301 – Cidade Jardim
CEP: 40.296.210 - Salvador / BA
E-mail: mayraorto@yahoo.com.br

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