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Teste de avaliação – 11.º ano fevereiro 2024

Grupo I (100 pontos)


Educação Literária
- Então, sem avisar, Vilaça? - exclamava Afonso da Maia, chegando de braços abertos. -
Nós só o esperávamos para a semana, criatura!
Os dois velhos abraçaram-se; depois um momento os seus olhos encontraram-se, vivos
e húmidos, e tornaram a apertar-se comovidos.
5 Carlos ao lado, muito sério, todo esbelto, com as mãos enterradas nos bolsos das suas
largas bragas1 de flanela branca, o casquete da mesma flanela posto de lado sobre os belos
anéis do cabelo negro - continuava a mirar o Vilaça, que, com o beiço trémulo, tendo tirado a
luva, limpava os olhos por baixo dos óculos.
- E ninguém a esperá-lo, nem um criado lá em baixo no rio! - dizia Afonso. - Enfim, cá
10 o temos, é o essencial... E como você está rijo, Vilaça!
- E Vossa Excelência, meu senhor! - balbuciou o administrador, engolindo um soluço. -
Nem uma ruga! Branco sim, mas uma cara de moço... Eu nem o conhecia!... Quando me
lembro, a última vez que o vi… E cá isto! Cá esta linda flor!...
Ia abraçar Carlos outra vez entusiasmado, mas o rapaz fugiu-lhe com uma bela risada,
15 saltou do terraço, foi pendurar-se de um trapézio armado entre as árvores, e ficou lá,
balançando-se em cadência, forte e airoso, gritando: "Tu és o Vilaça!"
O Vilaça, de guarda-sol debaixo do braço, contemplava-o embevecido.
- Está uma linda criança! Faz gosto! E parece-se com o pai. Os mesmos olhos, olhos
dos Maias, o cabelo encaracolado... Mas há de ser muito mais homem!
20 - É são, é rijo - dizia o velho risonho, anediando2 as barbas. (. ...)
- Então Vossa Excelência agora janta de manhã? Eu pensei que era o almoço...
- Eu lhe digo. O Carlos necessita ter um regime. De madrugada está já na quinta;
almoça às sete; e janta à uma hora. E eu, enfim, para vigiar as maneiras do rapaz... (...) Mas
avie-se, Vilaça, avie-se que Carlos não gosta de esperar...
25 (...)
Mas o Teixeira muito grave, muito sério, desiludiu o senhor administrador. Mimos e
mais mimos, dizia Sua Senhoria? Coitadinho dele, que tinha sido educado com uma vara de
ferro! Se ele fosse a contar ao Sr. Vilaça! Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto
só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de água fria, às vezes a gear
30 lá fora... E outras barbaridades. Se não se soubesse a grande paixão do avô pela criança, havia
de se dizer que a queria morta. Deus lhe perdoe, ele, Teixeira, chegara a pensá-lo... Mas não,
parece que era sistema inglês! Deixava-o correr, cair, trepar às árvores, molhar-se, apanhar
soalheiras, como um filho de caseiro. E depois o rigor com as comidas! Só a certas horas e de
certas coisas... E às vezes a criancinha, com os olhos abertos, a aguar! Muita, muita dureza.
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35 E o Teixeira acrescentou:
- Enfim era a vontade de Deus, saiu forte. Mas que nós aprovássemos a educação que
tem levado, isso nunca aprovámos, nem eu, nem a Gertrudes. (...) Sabe Vossa Senhoria, apenas
veio o mestre inglês, o que lhe ensinou? A remar! A remar, Sr. Vilaça, como um barqueiro!
Sem contar o trapézio, e as habilidades de palhaço; eu nisso nem gosto de falar... Que eu sou o
40 primeiro a dizê-lo: o Brown é boa pessoa, calado, asseado, excelente músico. Mas é o que eu
tenho repetido à Gertrudes: pode ser muito bom para inglês, não é para ensinar um fidalgo
português...
Eça de Queirós, Os Maias, Cap.III (texto com supressões).

NOTAS: 1.bragas - calções. 2. anediar - afagar, alisar.

Lê atentamente o seguinte texto.

1. Localiza este excerto de Os Maias na estrutura interna da obra.

2. Caracteriza a educação proporcionada a Carlos da Maia, fundamentando e ilustrando com três


elementos textuais.

3. Identifica um recurso expressivo presente no segmento textual “Coitadinho dele, que tinha sido
educado com uma vara de ferro!” (l. 27) e comenta o seu valor expressivo.

4. Explicita, com base em elementos textuais, o posicionamento das personagens Afonso da Maia
e Teixeira relativamente à educação ministrada a Carlos.

5. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.


Na folha de respostas, regista apenas a letra e a palavra que lhe corresponde.
Em Os Maias, durante o jantar no ___a)___, ___b)___ envolvem-se numa discussão sobre
literatura e crítica literária. Nesse episódio, manifesta-se a oposição entre as duas personagens,
nomeadamente no que diz respeito à corrente literária que cada uma delas representa. Assim,
Ega defende o ___c)___, que apresenta a dependência de anomalias sociais de fatores como o
meio, ___d)___ ou a hereditariedade. Ao contrário, Alencar defende o Romantismo, em que a
arte surge como ___e)___ da Natureza, e desaprova o Realismo por mostrar a realidade feia das
coisas.
a) b) c) d) e)

1. Hotel Central 1. Carlos e Cruges 1. Ultrarromantismo 1. a realidade 1. idealização

2. Hotel da Trindade 2. Cohen e Dâmaso 2. Positivismo 2. a educação 2. representação

3. Hipódromo 3. Ega e Alencar 3. Naturalismo 3. a ciência 3. cópia

Grupo II (60 pontos)


LEITURA | GRAMÁTICA

Lê o texto.

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Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Se há questão que domina toda a obra queirosiana, em cerca de 35 anos de vida
literária, essa questão é a questão social. Evidentemente que, colocando o problema nestes
termos, pouco significa a asserção enunciada, pois que, no fundo, a muitos outros
escritores ela poderia convir, designadamente aos que consideramos companheiros de
5 geração do autor d’Os Maias.
Como Eça de Queirós, também Antero e Ramalho Ortigão, Junqueiro e Oliveira
Martins colocaram no centro das suas respetivas práticas culturais as questões sociais: em
registo de ensaio pedagógico, em discurso historiográfico, em romances críticos, em poesia
panfletária ou em odes de inflamado visionarismo social, as práticas culturais da chamada
10 Geração de 70 giram em torno de eixos temáticos que têm diretamente a ver com a
conformação da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX e com as
reformas que ela requeria. E assim, da condição temporal do clero à situação da mulher, do
jornalismo à política, da cultura literária romântica ao estado das escolas e do ensino, da
administração da justiça à instituição militar, da emergência de um proletariado ativo às
15 fragilidades da indústria e do sistema financeiro, pode dizer-se que a Geração de 70 lançou
sobre a vida social portuguesa do seu tempo o mais incisivo, crítico e abrangente olhar que
alguma vez foi consagrado por um grupo de intelectuais do seu país.
Por alguma razão, desse conjunto ilustre que foi a Geração de 70 é precisamente Eça de
Queirós o autor que, com nitidez, continua a dar-nos um testemunho de empenhamento
20 social extremamente sugestivo. De tal modo que o famoso tema da atualidade de Eça (…)
gira por sistema em torno da questão social: nos seus romances, nas suas farpas, nas suas
cartas e nos seus textos polémicos, ecoa um discurso social a que o escritor ao mesmo
tempo deu voz e serviu de caixa de ressonância.
Reis, Carlos, Eça segundo Jaime Cortesão, disponível em
https://queirosiana.wordpress.com/estudos-queirosianos/trabalho-de-casa/eca-segundo-
jaime-cortesão/.

1. Na perspetiva de Carlos Reis,


(A) a geração de 70 viveu alheada das questões sociais.
(B) de entre a Geração de 70, apenas Eça de Queirós se preocupou com as questões sociais.
(C) várias personalidades literárias ligadas à Geração de 70 abordam nas suas obras as
questões sociais.
(D) apenas a poesia panfletária se ocupou das questões sociais.

2. Os textos dos homens da Geração de 70 abordam


(A) temas unicamente literários.
(B) temas que ainda são atuais.
(C) temas descontextualizados.
(D) temas que estão hoje ultrapassados.

3. Na expressão “o mais incisivo, crítico e abrangente olhar” (l. 16), os adjetivos significam,
respetivamente,
(A) comum, analítico e limitado.
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(B) conhecedor, misterioso e amplo.


(C) mordaz, analítico e amplo.
(D) mordaz, ininteligível e amplo.

4. De acordo com o último parágrafo do texto, a atualidade de Eça de Queirós deve-se também
ao facto de, nas suas obras,
(A) ser perfeitamente percetível um discurso político.
(B) estar patente a vertente social.
(C) a questão social estar ausente.
(D) os temas sociais não serem relevantes.

5. No contexto em que ocorre, a expressão “De tal modo que” (l. 20) contribui para a coesão
(A) temporal.
(B) referencial.
(C) frásica.
(D) interfrásica.

6. Identifica o antecedente do pronome pessoal presente na expressão “a muitos outros


escritores ela poderia convir” (ll. 3-4).

7. Classifica a oração “que a Geração de 70 lançou sobre a vida social portuguesa do seu tempo
o mais incisivo, crítico e abrangente olhar” (ll.15-16).

8. Identifica a função sintática desempenhada pelo segmento sublinhado na seguinte frase:


“que, com nitidez, continua a dar-nos um testemunho de empenhamento social
extremamente sugestivo” (ll. 17-18).

Grupo III (40 pontos)


ESCRITA

Os escritores podem e devem aproveitar a sua voz para abordar questões sociais, para
denunciar injustiças e arbitrariedades, para apregoar os “podres” da sociedade?

Tendo em conta a questão formulada, elabora um texto de opinião bem estruturado


sobre o papel do escritor na sociedade atual, com um mínimo de 200 e um máximo de 350
palavras, no qual fundamentes o teu ponto de vista com dois argumentos, ilustrando cada um
deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

Bom trabalho!

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