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Aspectos bíblicos e históricos

Jesus e a mensagem do reino

Nos evangelhos sinóticos, a mensagem pregada por Jesus


é identificada como “o evangelho [boas novas] do reino”
(Mt 4.23; 9.35; 24.14; Mc 1.14-15; Lc 4.43; 8.1; 16.16).
Esse reino é o “reino de Deus” ou sua expressão sinônima
“reino dos céus”, que ocorre somente em Mateus (3.2;
4.17, etc.; ver, porém, 12.28; 19.24; 21.31,43). O
Evangelho de João usa poucas vezes a expressão “reino de
Deus” (só em 3.3,5), possivelmente substituindo-a por
conceitos equivalentes, como “vida eterna”. Ao todo, a
expressão ocorre mais de 80 vezes nos evangelhos.

O reino de Deus no Antigo Testamento

O conceito do reinado ou senhorio de Deus era familiar


aos ouvintes de Jesus, estando presente no Antigo
Testamento. Desde o início, Deus deixou claro que ele era
o verdadeiro rei de Israel. Quando o povo pediu um rei
humano, o Senhor manifestou o seu desagrado (1 Sm 8.5-
7). A idéia de Deus como rei está presente em todas as
Escrituras Hebraicas (Dt 33.5; Jz 8.23; Is 43.15; 52.7), em
especial nos Salmos (10.16; 22.28; 24.7-10; 47.2,7-8;
93.1; 97.1; 99.1,4; 103.19; 145.11-13). Algumas
passagens identificam o reino de Deus com o reino de
Davi (1 Cr 17.14; 28.5; 29.11; Jr 23.5; 33.17). Esse reino
será eterno e só alcançará a sua consumação em um tempo
futuro, assumindo feições escatológicas (Dn 2.44).

Diferentes entendimentos

Nos dias de Jesus, os judeus piedosos esperam a vinda do


reino (Mc 15.43; Lc 23.51). Após séculos de dominação
estrangeira, havia a tendência de se entender o reino
politicamente – a restauração do antigo reino de Israel. A
vinda do reino seria a repentina intervenção de Deus na
vida do seu povo, libertando-o de seus opressores e
restaurando a sua liberdade, independência e prosperidade
como nos dias de Davi. Até mesmo os discípulos de Jesus
tinham essa expectativa (Mt 20.21; Mc 11.10; Lc 19.11;
At 1.6).

O reino de Deus na história

Assim como nos dias de Jesus, ao longo da história da


igreja o “reino de Deus” tem sido objeto de diferentes
entendimentos. Orígenes afirmou que o próprio Jesus era o
reino; alguns entendem que o reino se refere a um
relacionamento apropriado com Deus; outros o têm
identificado com a igreja visível ou com uma ordem social
transformada; ainda outros têm insistido que Jesus se
referia a uma intervenção apocalíptica da parte de Deus.

Nos Estados Unidos do final do século 19 e início do


século 20 (1880-1930), o chamado “evangelho social” deu
grande ênfase ao conceito do “reino de Deus”. Seu
principal expoente foi Walter Rauschenbusch (1861-
1918), um pastor batista de origem alemã. Procurando
responder aos problemas sociais das grandes cidades
norte-americanas num contexto de crescente
industrialização, urbanização e imigração, o movimento
apregoou a “implantação do reino de Deus na terra” e a
necessidade de uma “sociedade redimida”. O reino de
Deus passou a ser visto exclusivamente em termos de
transformação da sociedade e justiça social. Um livro foi
particularmente influente no sentido de popularizar as
idéias do evangelho social: Em Seus Passos que Faria
Jesus (1897), de Charles Sheldon.

O que é de fato o reino de Deus?


Sendo Jesus interrogado pelos fariseus sobre quando viria
o reino de Deus, respondeu-lhes: O reino de Deus não vem
com aparência exterior; nem dirão: Ei-lo aqui! ou Ei-lo
ali! pois o reino de Deus está dentro de vós. (Lucas
17:20,21). O reino dos céus na terra não é um reino
terrestre. Jesus disse: “O meu reino não é deste mundo. Se
o meu reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos
por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas
agora o meu reino não é daqui” (João 18:36)

O reino celestial não é como os reinos mundanos. O


governo de Deus se dirige ao coração do homem. Deus
governa seu povo por meio do convencimento e direção
dados pelo Espírito Santo em direção a Jesus Cristo e em
consonância a Sua Santa Palavra. Os cidadãos do reino são
aqueles que renasceram em Cristo. (João 3:3,5,6). A
palavra reino é ligada diversas vezes a palavra de
arrependimento: “Arrependei-vos, porque está próximo o
reino dos céus” (Mateus 3:2). Para que um governo seja
posto, um outro deve ser deposto. Não há como servir a
dois senhores. Para que o reino de Deus venha, o reino dos
homens deve dar passagem. Arrependimento seria como
um impeachment (impedimento para continuar no
governo). Um impedimento do homem para com o seu
próprio governo. É abrir mão do controle da própria vida e
se render ao controle do Espírito Santo de Deus.

Como cidadãos do reino de Deus, como aqueles que


aceitam, adotam, se entregam para o governo de Jesus
Cristo, devemos viver os princípios deste reino ao ponto
de nos parecermos com o rei.

Assim sendo, o reino está presente em parte, pois não


estamos vivendo a plenitude do reino (parcialmente), mas
a sua manifestação final, permanece uma esperança para o
futuro, quando Jesus voltar e arrebatar sua igreja, ou
quando antes disso, O Senhor nos chamar para junto dele!
O cristão sabe que o reino veio num novo sentido em
Cristo, que ele pode vir na sua própria vida, mas que ainda
não veio plenamente. Desse modo, ele vive no mundo
presente como um cidadão obediente desse reino, ao
mesmo tempo em que ora com esperança confiante:
“Venha o teu reino”.

O que é a igreja?

A igreja é o conjunto daqueles que crêem em Cristo e que


se associam uns aos outros por causa da sua fé comum. À
luz das Escrituras, a igreja é uma realidade essencialmente
corporativa, comunitária. Ela é descrita como o corpo de
Cristo, a família da fé, o povo de Deus, um rebanho, um
edifício e outras figuras que acentuam o seu caráter de
comunidade e solidariedade.

Os propósitos da igreja são basicamente cinco: adoração,


comunhão (koinonía), edificação, proclamação
(kégygma), serviço (diakonía). Esses propósitos apontam
para três dimensões essenciais da vida da igreja: seu
relacionamento com Deus, seus relacionamentos internos
e seu relacionamento com o mundo. A missão da igreja se
relaciona principalmente com os dois últimos aspectos:
proclamação e serviço.

Igreja e reino
O Novo Testamento não identifica a igreja com o reino de
Deus. Obviamente há uma relação entre ambos, mas não
uma coincidência plena. A igreja tem limites claros,
assume formas institucionais, tem líderes humanos. Nada
disso se aplica ao reino de Deus, que é mais intangível,
impalpável. Este é uma realidade que transcende os limites
da igreja e que pode não estar presente em todos os
aspectos da vida da igreja. Historicamente, a igreja por
vezes tem se harmonizado com o reino, outras vezes tem
estado em contradição com ele.

Todavia, dada a importância da igreja no propósito de


Deus, ela é chamada para expressar a realidade do reino,
para ser o principal agente do reino de Deus no mundo.
Para que isso aconteça, a igreja e seus membros precisam
manifestar os sinais do reino, ser instrumentos do reino na
vida das pessoas, da sociedade, do mundo. Sempre que a
igreja busca em primeiro lugar a glória de Deus, fazer a
vontade de Deus, viver uma vida de humildade, amor,
abnegação, altruísmo, solidariedade, etc., ela se torna
agente e instrumento do reino. O reino pode se manifestar,
e com frequência se manifesta, fora dos limites
institucionais da igreja. Quando isso ocorre, a igreja deve
se regozijar com essas manifestações, apoiá-las e
incentivá-las. Todavia, existem aspectos do reino que só a
igreja pode evidenciar, principalmente a proclamação do
evangelho, das boas novas do amor de Deus revelado em
Cristo.

A oração do Senhor é um bom ponto de partida para se


refletir sobre o reino de Deus. Nessa oração, Jesus coloca
Deus em primeiro lugar, como o centro dos nossos
interesses e afeições, e relaciona isso com o reino. “Pai
nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra
como no céu” (Mt 6.9-10). O reino de Deus torna-se
presente quando os crentes se unem para invocar a Deus
como Pai, quando reconhecem a sua soberania sobre suas
vidas, quando o reverenciam e se submetem a ele, quando
procuram fazer a sua vontade na terra como ela é feita no
céu. Para que a igreja seja uma verdadeira agente do reino,
primeiramente ela precisa refletir sobre a sua relação com
Deus, fazer disso a sua prioridade máxima, identificar-se
com os seus propósitos, associar-se a ele em sua obra de
restauração da criação. A igreja precisa ser teocêntrica, a
começar do seu culto. Quando o culto e a vida da igreja
são voltados em primeiro lugar para a satisfação de
necessidades humanas, e não para a glória e o louvor de
Deus, a igreja deixa de ser teocêntrica, e em assim
fazendo, não pode ser agente do reino de Deus no mundo.

Ao mesmo tempo em que cultiva a sua vida com Deus, a


igreja deve ser um lugar de relacionamentos interpessoais
transformados. Uma igreja teocêntrica será também um
lugar de companheirismo, solidariedade e edificação
mútua. Essa é uma das grandes ênfases do Novo
Testamento. Assim como Deus nos amou e nos perdoou
em Cristo, também devemos amar, aceitar e ministrar uns
aos outros.

Em ordem de prioridade, a relação da igreja com o mundo


está em terceiro lugar, ( seu relacionamento com Deus,
seus relacionamentos internos e seu relacionamento com o
mundo) o que não significa que seja algo opcional,
secundário. Assim como aconteceu com Israel, a igreja foi
formada para realizar uma missão. Se ela ignorar essa
missão, nega a sua razão de ser e está sujeita ao juízo de
Deus, como aconteceu com Israel.

A missão primordial da igreja no que diz respeito ao


mundo é a proclamação do “evangelho do reino”, assim
como fizeram Jesus e os seus discípulos. Corretamente
entendido, esse evangelho inclui muitas coisas
importantes. Em primeiro lugar, esse evangelho é um
convite a indivíduos, famílias e comunidades para se
reconciliarem com Deus mediante o arrependimento e a fé
em Cristo. Todavia, o evangelho são as boas novas de
Deus para todos os aspectos da vida, pessoal e coletiva.
Assim sendo, a legítima proclamação do evangelho não
vai se limitar ao aspecto religioso e à dimensão individual
(experiência de conversão pessoal), mas vai mostrar o
senhorio de Cristo sobre todos os aspectos da existência.
Além disso, essa proclamação não ficará restrita ao
aspecto verbal, mas incluirá ações concretas que
expressem a amor de Deus pelas pessoas (Tg 2.14-17; 1 Jo
3.16-18).

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