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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 21, pp.

15 - 31, 2007

GENTRIFICAÇÃO, A FRONTEIRA E A REESTRUTURAÇÃO DO


ESPAÇO URBANO
Neil Smith1
Tradução: Daniel de Mello Sanfelici*

RESUMO:
Neste ensaio, o autor procura explicar o processo da gentrificação, situando o fenômeno no quadro
mais amplo do desenvolvimento desigual da economia capitalista. Coloca em evidência, nesse sentido,
a articulação das diferentes escalas, as mudanças sociais recentes e os ciclos econômicos, fatores
que atuam na determinação da natureza, da forma assumida e dos limites do processo. Por fim, o
autor identifica tendências e obstáculos associados ao desdobramento futuro da gentrificação.
PALAVRAS-CHAVE:
gentrificação; fronteira; desenvolvimento desigual.
ABSTRACT:
In this essay the author tries to explain the process of gentrification, situating the phenomenon in
the broader scope of the uneven development in the space economy of capitalism. In this sense, he
puts in evidence the articulation of different scales, the recent social changes, and the economic
cycles; factors which act upon the determination of nature, the assumed form, and the limits of the
process. Finally, the author identifies tendencies and obstacles associated with the unfolding future
of gentrification.
KEY WORDS:
gentrification; frontier; uneven development.
Para Turner, a expansão da fronteira e
Em seu ensaio seminal “The significance o recuo da natureza virgem e da barbárie foram
of the frontier in American history”, escrito em uma tentativa de criar um espaço habitável a
1893, Frederick Jackson Turner (1958) escreveu: partir de uma natureza hostil e não cooperativa.
Isto compreendeu não apenas um processo de
O desenvolvimento americano exibiu não expansão espacial e a progressiva dominação
apenas um avanço sobre uma linha única, mas do mundo físico. O desenvolvimento da fronteira
um retorno a condições primitivas em uma linha sem dúvida realizou isto, mas para Turner este
de fronteira que avança continuamente, e um desenvolvimento também foi a experiência
novo desenvolvimento para aquela área. O central que definiu a singularidade da identidade
desenvolvimento social americano tem nacional americana. Em cada avanço do limite
reiniciado continuamente na fronteira... Neste externo realizado por pioneiros robustos, não
avanço, a fronteira é o limite externo deste apenas novas terras eram acrescentadas, mas
movimento – o ponto de encontro entre a novo sangue era inserido nas veias do ideal
barbárie e a civilização... O mundo selvagem tem democrático americano. Cada nova onda em
sido perpassado por linhas de civilização que são direção ao oeste, na conquista da natureza,
cada vez mais numerosas. devolve para leste ondas de retorno no sentido

*Mestrando em Geografia Humana pela FFLCH - USP. E-mail: danielsanfelici@yahoo.com.br


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da democratização na natureza humana. (ver especialmente Abrams, 1965), mas se


intensificou nas últimas duas décadas, quando
Durante o século XX a imagem do lugar a restauração de habitações unifamiliares virou
selvagem e da fronteira foi aplicada menos às moda na esteira da renovação urbana. Na
planícies, montanhas e florestas do Oeste, e linguagem da gentrificação, o apelo à imagem
mais às cidades do país todo, mas especialmente de fronteira é exato: pioneiros urbanos,
àquelas do Leste. Como parte da experiência proprietários urbanos e caubóis urbanos são os
da suburbanização, a cidade americana veio a novos heróis folclóricos da fronteira urbana.
ser vista, pela classe média branca, como um
lugar selvagem; a cidade era, e ainda é para Assim como Turner reconheceu a
muitos, o habitat da morbidade social e do crime, existência dos nativos, mas os incluiu do lado
do perigo e da desordem (Warner, 1972). De selvagem, a imagem contemporânea da
fato, estes eram medos manifestados, durante fronteira urbana implicitamente trata os atuais
os anos 50 e 60, por teóricos urbanos que moradores da área central como um elemento
punham em evidência a “influência maléfica” e natural do meio físico a que pertencem.
a “decadência” urbana, “o mal-estar social” na Portanto, o termo “pioneiro urbano” é tão
área central, a “patologia” da vida urbana; em arrogante quanto a noção original de “pioneiro”,
resumo, a “cidade infernal” (Banfield, 1968). A visto que ele transmite a idéia de uma cidade
cidade se torna um lugar selvagem, ou pior, uma que ainda não é socialmente habitada; assim
selva (Long, 1971; Sternlieb, 1971; ver também como os americanos nativos, a classe
Castells, 1976a). Mais ainda do que nos trabalhadora urbana de hoje é vista como
noticiários e na teoria social, este tema é menos do que social, como uma simples parte
recorrente em produções hollywoodianas do do meio físico. Turner foi explícito a esse respeito
gênero “selva urbana”, desde Amor, sublime quando definiu a fronteira como “o ponto de
amor e King Kong até Warriors – os selvagens da encontro entre a barbárie e a civilização” e,
noite. embora o vocabulário contemporâneo da
fronteira aplicado à gentrificação seja raramente
O anti-urbanismo tem sido uma teoria tão explícito, ele trata a população das áreas
dominante na cultura americana. Em um padrão centrais da mesma maneira (Stratton, 1977).
análogo à experiência original da conquista do
Oeste selvagem, os últimos 20 anos assistiram Os paralelos vão mais longe. Para Turner,
a um deslocamento do medo em direção ao o avanço geográfico da linha de fronteira em
romantismo e uma progressão da imagem direção ao oeste é associado à construção do
urbana de lugar selvagem para a idéia de espírito nacional. Uma esperança espiritual
fronteira. Cotton Mather e os puritanos da Nova expressa-se também no discurso entusiástico
Inglaterra no século XIX temiam a floresta como que apresenta a gentrificação como a ponta-
o mal impenetrável, uma perigosa selva, mas de-lança de um renascimento urbano
com a progressiva dominação da floresta e sua americano; no cenário mais extremo, espera-
transformação através do trabalho humano, a se que os novos pioneiros façam pelo espírito
imagem mais suave de fronteira – de Turner – nacional o mesmo que os antigos fizeram:
torna-se uma sucessora óbvia desta imagem de conduzir-nos a um novo mundo no qual os
floresta do mal de Mather. Existe um otimismo e problemas do mundo velho são deixados para
uma perspectiva de expansão associada à trás. Nas palavras de uma publicação do
“fronteira”; a barbárie dá lugar à fronteira governo federal, o apelo da gentrificação à
quando a conquista está em curso. Portanto, história envolve a “necessidade psicológica de
na cidade americana do século XX, a imagem experimentar novamente os êxitos do passado
da selva urbana foi substituída por aquela da em virtude das decepções dos anos recentes –
fronteira urbana. Esta transformação pode ser a guerra do Vietnam, o caso Watergate, a crise
identificada nas origens da renovação urbana de energia, a inflação, as altas taxas de juros,
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etc” (Advisory Council on Historic Preservation, deve ser vista como uma base nacionalista para
1980:9). Ninguém, até o momento, propôs que a discussão da gentrificação. A experiência
James Rouse (o investidor americano australiana da fronteira, por exemplo,
responsável por muitos visíveis shoppings , certamente foi diferente da americana, mas
centros comerciais, mercados e galerias para também foi responsável (juntamente com a
turistas) fosse visto como o John Wayne 2 da importação da cultura americana) por produzir
gentrificação, mas a proposta estaria em uma forte ideologia da fronteira. E a própria
harmonia com muito da atual imagem retórica fronteira americana era tão intensamente real
da gentrificação. Por fim, e esta é a conclusão para imigrantes potenciais da Escandinávia ou
importante, a imagem de fronteira serve para Irlanda, quanto o era para imigrantes franceses
racionalizar e legitimar um processo de ou britânicos que viviam em Baltimore ou
conquista, tanto no caso do Oeste americano Boston.
nos séculos XVIII e XIX quanto no caso das
áreas centrais das cidades do século XX. A Entretanto, como em toda ideologia, há
imagem se apóia em muitos mitos, mas também um embasamento real, ainda que parcial e
tem uma base parcial na realidade. Parte da distorcido, para o tratamento da gentrificação
mitologia já foi sugerida, mas antes de como uma nova fronteira urbana. Nesta idéia
prosseguir para examinar a base realista da de fronteira, vê-se uma combinação evocativa
imagem de fronteira, gostaria de discutir um das dimensões econômica e espacial do
aspecto da mitologia da fronteira ainda não desenvolvimento. A potência da imagem de
considerado: o nacionalismo. fronteira depende da sutileza presente nesta
combinação do econômico com o espacial. No
O processo de gentrificação com o qual século XIX, a expansão da fronteira geográfica
estamos preocupados, aqui, é essencialmente nos EUA e em outros lugares foi também uma
internacional. Ele está ocorrendo na América do expansão econômica do capital. Contudo, o
Norte e em grande parte da Europa ocidental, individualismo social fixado e incorporado à idéia
assim como na Austrália e na Nova Zelândia, ou de fronteira é, em um aspecto importante, um
seja, nas cidades da maior parte do mundo mito; a linha de fronteira de Turner foi expandida
capitalista ocidental avançado. Apesar disto, em em direção oeste menos por pioneiros e
nenhum lugar o processo é tão pouco proprietários individuais do que por bancos,
compreendido quanto nos Estados Unidos, onde estradas de ferro, o Estado e outros
o nacionalismo americano presente na ideologia especuladores, e esses, por sua vez, venderam
de fronteira incitou um entendimento suas terras (com lucro) para empresas e famílias
provinciano da gentrificação. A experiência (ver, por exemplo, Swierenga, 1968). Nesse
original de fronteira anterior ao século XX não período, a expansão econômica foi realizada em
foi restrita aos Estados Unidos, mas sim parte por meio da expansão geográfica
exportada para o mundo todo; da mesma forma, absoluta, ou seja, a expansão da economia
embora não esteja em nenhum lugar tão significou a expansão da arena geográfica na
enraizada como está nos Estados Unidos, a qual a economia operava.
ideologia de fronteira também surge em outros
locais associada à gentrificação. A influência Hoje, o vínculo entre o desenvolvimento
internacional da experiência americana anterior econômico e geográfico persiste, conferindo à
de fronteira é repetida no caso do panorama imagem de fronteira sua atualidade, mas a forma
urbano do século XX; a imagem de gentrificação deste vínculo é bem diferente. No que diz
é, ao mesmo tempo, cosmopolita e paroquial, respeito à base espacial, a expansão econômica
geral e local. É geral em imagem, mas ocorre hoje não por meio da expansão
geralmente diferente nos detalhes. Por estas geográfica absoluta, mas pela diferenciação
razões, a crítica da imagem de fronteira não nos interna do espaço geográfico (N. Smith, 1982).
obriga a repetir o nacionalismo de Turner, e não A produção atual do espaço ou do
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desenvolvimento geográfico é, portanto, um pelo suor). Aparentemente, ao menos, a


processo acentuadamente desigual. A gentrificação pode ser tocada de forma a
gentrificação, a renovação urbana e o mais executar alguns dos acordes mais ressonantes
amplo e complexo processo de reestruturação de nosso piano ideológico.
urbana são todos parte da diferenciação do
Já em 1961, Jean Gottmann não apenas
espaço geográfico na escala urbana; e, embora
percebeu a existência de configurações urbanas
estes processos tenham sua origem em um
em transformação, mas também falou em uma
período anterior à atual crise econômica
linguagem receptiva à ideologia emergente,
mundial, sua função hoje é reservar uma
quando afirmou que a “fronteira da economia
pequena parte do substrato geográfico para um
americana é, nos dias de hoje, urbana e
futuro período de expansão (Smith, 1984). E
suburbana, em vez de uma fronteira periférica
assim como no caso da fronteira original, a
às áreas civilizadas” (Gottmann, 1961: 78). Com
mitologia afirma ser a gentrificação um processo
duas importantes condições, que se tornaram
liderado por pioneiros e proprietários individuais
mais visíveis nas últimas duas décadas, este
cujo suor, ousadia e visão estão preparando o
insight é correto. Em primeiro lugar, a fronteira
caminho para aqueles, entre nós, que são mais
urbana é, antes de mais nada, uma fronteira
temerosos. Mas mesmo que ignoremos a
no sentido econômico. As transformações
renovação urbana e o redesenvolvimento
políticas, sociais e culturais nas áreas centrais
comercial, administrativo e recreacional que vem
são amiúde intensas e são certamente
ocorrendo, e concentremos-nos apenas na
importantes no que diz respeito à experiência
reabilitação residencial, é patente o fato de
imediata da vida cotidiana, mas elas estão
que, onde quer que os “pioneiros urbanos” se
associadas ao desenvolvimento de uma
aventurem, os bancos, as incorporadoras, o
fronteira econômica. Em segundo lugar, a
Estado e outros atores econômicos coletivos
fronteira urbana é, hoje, apenas uma dentre
geralmente chegam antes. Neste sentido,
várias fronteiras existentes, visto que a
parece ser mais apropriado ver a James Rouse
diferenciação interna do espaço geográfico
Company não como o John Wayne, mas como a
ocorre em diferentes escalas. No contexto da
Wells Fargo 3 da gentrificação.
atual crise econômica global, é evidente que
Na mídia, a gentrificação tem sido tanto o capital internacional quanto aquele de
apresentada como o maior símbolo do amplo origem americana se defrontam com uma
processo de renovação urbana que vem “fronteira” global que abrange a assim chamada
ocorrendo. Sua importância simbólica ultrapassa fronteira urbana. Este vínculo entre diferentes
em muito sua importância real; é uma pequena escalas e a importância do desenvolvimento
parte, embora muito visível, de um processo urbano para a recuperação nacional e
muito mais amplo. O verdadeiro processo de internacional ficaram claramente evidentes no
gentrificação presta-se a tal abuso cultural da linguajar entusiástico usado por apoiadores das
mesma forma que ocorreu com a fronteira Zonas Empresariais [Enterprise zone] urbanas,
original. Quaisquer que sejam as reais forças uma idéia surgida nas administrações Reagan
econômicas, sociais e políticas que pavimentam e Thatcher. Para citar apenas um apologista,
o caminho para a gentrificação, e quaisquer que Stuart Butler (um economista britânico que
sejam os bancos e imobiliárias, governos e trabalha para um grupo americano de direita, a
empreiteiros que estão por trás do processo, o Heritage Foundation) 4 :
fato é que a gentrificação aparece, à primeira
Pode-se sustentar que pelo menos parte
vista, e especialmente nos EUA, como um
do problema com o qual se defrontam muitas
maravilhoso testemunho dos valores do
áreas urbanas hoje reside no fracasso em aplicar
individualismo, da família, da oportunidade
o mecanismo explicado por Turner (o contínuo
econômica e da dignidade do trabalho (o ganho
desenvolvimento e renovação locais de idéias)
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… para a “fronteira”das áreas urbanas centrais. entendermos, estritamente, a renovação


As cidades estão enfrentando mudanças residencial em bairros da classe trabalhadora,
fundamentais, e, no entanto, as medidas então, nos Estados Unidos (onde este processo
utilizadas para lidar com estas mudanças são é, provavelmente, mais intenso), ela aparece
ordenadas, na sua maioria, por governos claramente no nível dos distritos censitários, mas
distantes. Nós falhamos em avaliar que podem não ainda em estatísticas metropolitanas (Chall,
existir oportunidades nas próprias cidades, e nós 1984; Schaffer e Smith, 1984). Para um certo
escrupulosamente evitamos conceder, às forças número de cidades, nível de renda, aluguéis e
locais, a chance de aproveitá-las. Os outros indicadores do censo de 1980 oferecem
proponentes da Zona Empresarial visam evidências claras de gentrificação nas áreas
proporcionar um ambiente onde o processo de centrais. Entretanto, o processo ainda não se
fronteira possa ser colocado em prática na tornou suficientemente importante a ponto de
própria cidade. (Butler, 1981: 3) reverter, ou ao menos obstar de forma
considerável, as tendências atuais de
A observação circunspecta de Gottmann suburbanização residencial. Embora seja um
e outros abriu espaço, vinte anos mais tarde, padrão empírico interessante, de forma isolada
para a adoção escancarada da “fronteira este processo dificilmente significa uma
urbana” como o núcleo de um programa político transformação de maior alcance nos padrões de
e econômico de reestruturação urbana de desenvolvimento urbano. Se, contudo,
acordo com os interesses do capital. afastarmos a ideologia estreita promovida pela
A linha de fronteira hoje possui uma gentrificação, e vermos o processo a partir de
definição essencialmente econômica – como a algumas mudanças urbanas mais amplas,
fronteira da lucratividade – mas adquire uma embora menos visíveis; se, em outras palavras,
expressão geográfica bastante acentuada em examinarmos o impulso do processo, e não
diferentes escalas espaciais. Isto é, dados empíricos estáticos, surge, então, um
basicamente, o que a fronteira do século XX padrão coerente de uma reestruturação urbana
(sic) * e a assim chamada fronteira urbana têm muito mais significativa.
em comum. Na realidade, ambas estão Antes de examinar as tendências exatas
associadas à acumulação e expansão do capital. que estão conduzindo a um processo de
Mas enquanto a fronteira do século XIX reestruturação, é importante observar que a
representou a realização de uma expansão questão da escala espacial é fundamental em
geográfica absoluta como a principal expressão qualquer explicação relevante. Podemos afirmar
espacial da acumulação de capital, a que a reestruturação da economia espacial
gentrificação e a renovação urbana urbana é um produto do desenvolvimento
representam o exemplo mais desenvolvido da desigual do capitalismo ou da operação de um
rediferenciação do espaço geográfico com vistas rent gap; que ela é o resultado de uma economia
ao mesmo resultado. É possível que, para de serviços em processo de desenvolvimento
compreender o presente, o que seja necessário ou de mudanças nas preferências por estilos
hoje é a substituição de uma falsa história por de vida; que esta reestruturação é resultado
uma geografia verdadeira. da suburbanização do capital ou da
desvalorização do capital investido no ambiente
construído. Obviamente, a reestruturação é um
A reestruturação do espaço urbano resultado, em alguma medida, de todas estas
É importante compreender a dimensão forças, mas afirmar isto acrescenta muito pouco.
atual da gentrificação de modo a entender a Estes processos ocorrem em escalas espaciais
natureza e a importância real do processo de diferentes e, embora tentativas anteriores de
reestruturação. Se por gentrificação explicação tenderam a se fixar a uma ou outra
destas forças, elas podem, na verdade, não ser
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mutuamente excludentes. Autores que tentaram em operação são muito diferentes da realidade
incorporar mais de uma destas forças na Europa, Oceania ou América do Norte. Mas,
geralmente se contentaram em listá-las como igualmente, no interior das economias
fatores. Esta versão da “análise de fatores” é, desenvolvidas, há fortes disparidades
contudo, bastante desprovida de ambição. Todo regionais. Se Baltimore e Los Angeles estão
o problema da explicação reside não em ambas experimentando rápidas transformações
identificar fatores, mas em compreender a em suas economias espaciais, também se pode
importância relativa e a relação estabelecida afirmar que existem tantas diferenças quanto
entre os assim chamados “fatores”. Em parte, similaridades entre elas. Outras cidades, como
trata-se de uma questão de escala. Gary, em Indiana, podem estar sofrendo um
declínio inexorável e mínima reestruturação (no
Mas existe uma segunda questão de
lugar disso, uma contínua deterioração). Em
escala concernente aos níveis de generalidade.
resumo, há sobreposição de arranjos regionais
Aceitamos, aqui, que a reestruturação do
e internacionais que complicam as configurações
espaço urbano é geral, mas de forma alguma
urbanas. Embora dêem ênfase às causas gerais
universal. Que significa dizer isto? Significa, em
e ao pano de fundo da reestruturação urbana
primeiro lugar, que a reestruturação do espaço
contemporânea, as explanações oferecidas só
urbano não é, estritamente falando, um
poderão ter êxito na medida em que comecem
fenômeno novo. Todo o processo de crescimento
a esclarecer a diversidade das formas urbanas
e desenvolvimento urbano consiste em um
que resultam do processo, assim como totais
constante arranjo, estruturação e
exceções à regra aparente. Isto, de novo,
reestruturação do espaço urbano. O que é novo,
requer não uma “análise fatorial” (uma lista dos
hoje, é a intensidade em que esta
fatores), mas uma explanação integrada;
reestruturação do espaço se apresenta como
devemos esclarecer não apenas a localização,
um componente imediato de uma ampla
mas também a temporalidade desta profunda
reestruturação social e econômica das
transformação urbana. Mas talvez a distinção
economias capitalistas avançadas. Determinado
mais básica que surgirá é aquela entre as
ambiente construído expressa uma organização
tendências que são predominantemente
específica da produção e reprodução, do
consumo e da circulação, e conforme esta
responsáveis pela ocorrência da reestruturação
urbana e aquelas responsáveis pela forma que
organização se modifica, também se modifica a
o processo assume.
configuração do ambiente construído. A cidade
dos pedestres, afirma-se, não é a cidade do Os mais importantes processos
automóvel, mas de forma ainda mais responsáveis pela origem e pela forma da
significativa, talvez, a cidade do pequeno reestruturação urbana podem, talvez, ser
artesanato não é a metrópole do capital resumidos nos seguintes itens:
multinacional.
(a) a suburbanização e o surgimento de
A reestruturação geográfica da um diferencial de renda (rent gap);
economia espacial é sempre desigual; portanto,
(b) a desindustrialização das economias
a reestruturação urbana em uma região da
capitalistas avançadas e o crescimento do
economia nacional ou internacional pode não
emprego no setor de serviços;
ser acompanhada, tanto em qualidade ou
quantidade, natureza ou intensidade, por uma (c) a centralização espacial e simultânea
reestruturação em outra região. Isto é descentralização do capital;
imediatamente evidente na comparação entre
(d) a queda na taxa de lucro e os
partes desenvolvidas e subdesenvolvidas da
movimentos cíclicos do capital;
economia mundial. A estrutura básica da maioria
das cidades do Terceiro Mundo e os processos (e) as mudanças demográficas e nos
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padrões de consumo. para o interior rural, ou impedindo que este


capital redesenvolvesse a cidade industrial que
Em conjunto, estas transformações e herdou, mas, em vez disto, a expansão do
processos podem proporcionar uma primeira capital conduziu a um processo de
aproximação de uma explicação integrada das suburbanização. Isto, em parte, tem relação com
diferentes facetas da gentrificação e da o ímpeto à centralização (ver abaixo), mas, dada
reestruturação urbana. a economia da centralização, é a estrutura da
renda da terra que determinou a expansão da
Suburbanização e o surgimento do rent gap atividade econômica para as áreas suburbanas.
O movimento do capital que leva ao
A explanação do desenvolvimento da desenvolvimento de atividades industriais,
suburbanização é mais complexa do que comerciais, residenciais e recreacionais nas
comumente se supõe, e uma alternativa áreas suburbanas resulta em uma mudança
revisionista às explicações tradicionais recíproca dos níveis de renda da terra nas áreas
baseadas no transporte está começando a centrais e nas áreas suburbanas. Enquanto o
surgir (Walker, 1978, 1981). O objetivo aqui não preço da terra nas áreas suburbanas eleva-se
é fornecer uma descrição minuciosa da com a proliferação de novas construções, o
suburbanização, mas sintetizar algumas das preço relativo da terra nas áreas centrais cai.
conclusões mais importantes. Cada vez menores quantidades de capital são
O processo de suburbanização canalizadas para a manutenção e restauração
representa uma simultânea centralização e dos edifícios localizados na área central. Isto
descentralização do capital e da atividade resulta naquilo que denominamos um diferencial
humana no espaço geográfico. Em uma escala (rent gap ) entre a atual renda da terra
nacional, a suburbanização é a expansão para capitalizada pelo uso presente (deteriorado) e
além das áreas centrais, e este processo deve a renda da terra potencial que poderia ser
ser entendido, de forma geral, como um produto capitalizada pelo “mais elevado e melhor” uso
necessário da centralização do capital. É o da terra (ou, ao menos, comparativamente “mais
crescimento dos vilarejos em cidades e das elevado e melhor” uso), em virtude da sua
cidades em metrópoles. localização centralizada. Esta suburbanização
ocorre paralelamente a mudanças estruturais
Na escala urbana, no entanto, da nas economias avançadas. Alguns dos outros
perspectiva do centro urbano, a suburbanização processos que examinaremos são mais limitados
é um processo de descentralização. É produto em abrangência; o que é digno de nota no que
não do impulso elementar em direção à diz respeito ao rent gap é sua quase
centralização, mas do impulso em direção a uma onipresença. A maior parte das cidades no
elevada taxa de lucro. A taxa de lucro varia mundo capitalista avançado experimentou tal
conforme a localização, e na escala urbana como fenômeno, em maior ou menor intensidade.
tal, o indicador econômico que diferencia um Onde o processo é desobstruído para trilhar seu
local do outro é a renda da terra. Muitas outras caminho em nome do livre mercado, ele leva a
forças estiveram envolvidas na suburbanização um abandono substancial das propriedades
do capital, mas a disponibilidade de terras mais localizadas nas áreas centrais. Esta
baratas na periferia (menor renda da terra) foi desvalorização do capital investido no ambiente
primordial para o processo todo. Não havia construído afeta as propriedades de todos os
nenhuma necessidade natural de a expansão gêneros: comercial e industrial, bem como
da atividade econômica tomar a forma do residencial. Diferentes intensidades e formas de
desenvolvimento suburbano; não havia nenhum envolvimento do Estado conferem ao processo
impedimento técnico que impossibilitasse um características muito diferentes em diversas
movimento do capital moderno de larga escala economias, e o abandono (a conclusão lógica
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do processo) é mais marcante nos EUA, onde o urbana o processo se mostra ainda mais
envolvimento do Estado tem sido menos marcante; a maior parte da expansão da
consistente e mais esporádico. capacidade industrial durante o boom do pós-
guerra não se instalou nas áreas mais centrais
Em um nível mais básico, é o
das cidades, o lugar tradicional da indústria
deslocamento do capital para a construção de
segundo o modelo de Chicago de estrutura
paisagens suburbanas e o conseqüente
urbana, mas se localizou em áreas suburbanas
surgimento de um rent gap o que cria a
e periféricas. O resultado disto foi um período
oportunidade econômica para a reestruturação
de desinvestimento sistemático na produção
das áreas urbanas centrais. A desvalorização
industrial urbana que data, no caso de algumas
da área central cria a oportunidade para a
cidades britânicas, mesmo de antes da I Guerra
revalorização desta parte “subdesenvolvida” do
Mundial (Lenman, 1977). E isto ocorreu apesar
espaço urbano. A realização efetiva do processo
de ter havido um aumento na produção
e a determinação de sua forma específica
industrial global da economia do Reino Unido,
incluem os outros itens listados acima.
mesmo depois da II Guerra.
A conseqüência desta
Desindustrialização e o crescimento da
desindustrialização é o crescimento do emprego
economia terciária*
em outros setores da economia, especialmente
daquelas ocupações que têm sido definidas,
Associado à desvalorização do capital
imprecisamente, como de colarinho branco ou
investido nas áreas centrais está o
de serviços. No interior destas categorias
enfraquecimento de certos setores econômicos
amplas, muitos tipos de empregos diferentes
e usos do solo em comparação com outros. Isto
estão incluídos: desde empregos em escritórios,
é resultado, essencialmente, de amplas
serviços de comunicação e varejo até carreiras
transformações na estrutura econômica. As
profissionais, de gestão e de pesquisa. No
economias capitalistas avançadas (a grande
âmbito deste movimento abrangente em direção
exceção sendo o Japão), em particular, têm
a um crescimento da força de trabalho no setor
experimentado um início de uma
de serviços, portanto, existem tendências muito
desindustrialização, ao passo que houve uma
diversificadas, cada qual com expressões
paralela (ainda que parcial) industrialização de
espaciais específicas, como veremos mais
certas economias do Terceiro Mundo. A partir
adiante. Por si só, os processos de
dos anos 1960, a maioria das economias
desindustrialização e crescimento do emprego
industriais tiveram redução na proporção de
nos serviços não explicam, de modo algum, a
trabalhadores empregados nos setores
reestruturação dos centros urbanos. Na
industriais (Blackaby, 1978; Harris, 1980, 1983;
verdade, esses processos ajudam a explicar, em
Bluestone and Harrison, 1982). Mas muitas
primeiro lugar, os tipos de estoques de edifícios
áreas urbanas começaram a sofrer os efeitos
e usos do solo envolvidos no desenvolvimento
da desindustrialização muito antes das últimas
do rent gap e, em segundo lugar, os novos usos
duas décadas. Assim, o crescimento da
do solo que devem surgir quando houver a
indústria, em escala nacional, desde a II Guerra
oportunidade para o redesenvolvimento.
Mundial, foi bastante assimétrico entre as
Portanto, embora a ênfase da mídia tem sido
regiões. Enquanto em algumas regiões, tais
na gentrificação recente e na renovação de
como a Midlands Ocidental e o sudoeste da
habitações da classe trabalhadora, também
Inglaterra, ou como muitos dos estados do sul
ocorreu considerável transformação de uso em
e sudoeste dos EUA, houve um rápido
antigas áreas industriais. Isto não começou com
crescimento da indústria moderna, outras
a conversão de antigos armazéns industriais em
regiões sofreram um desinvestimento relativo
finos lofts; muito mais significativo foi a anterior
do capital investido na indústria. Na escala
atividade de renovação urbana que, embora
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certamente se tratasse de um processo de A centralização social é realizada apenas


remoção de cortiços, também foi a remoção de através da produção de ordenamentos
estruturas industriais obsoletas (isto geográficos específicos, mas os arranjos
significando também desvalorizadas), tais como espaciais resultantes são complexos.
fábricas, depósitos e ancoradouros, locais onde Basicamente, a centralização do capital conduz
muitos dos moradores dos cortiços haviam, um a uma dialética da centralização e
dia, trabalhado. descentralização espacial (N. Smith, 1982). Se
a expansão do capital no século XIX é a
Embora a desvalorização do capital e o manifestação mais clara do último processo (da
surgimento do rent gap expliquem a possibilidade descentralização), o desenvolvimento das
do reinvestimento na área central, ao redor da metrópoles é o produto mais visível da
qual áreas gentrificadas estão se centralização espacial. A centralização do capital
desenvolvendo, e embora as transformações ocorre em algumas escalas, contudo, diferentes
econômicas e na estrutura de empregos da escala urbana. Ela ocorre na escala do chão
indiquem os tipos de atividade que da fábrica e na escala dos capitais nacionais em
provavelmente se desenvolverão a partir deste uma economia global, e em cada escala existem
reinvestimento, ainda persiste a questão de mecanismos bastante específicos que
saber por que razão o crescente número de engendram o processo. Na escala urbana, as
empregos no setor de serviços está, pelo menos teorias tradicionais deram ênfase às “economias
em parte, sendo concentrado nas áreas de aglomeração”. A expansão do capital
centrais. A existência do rent gap é apenas uma compreende uma progressiva divisão do
explicação parcial; existe, afinal, terras baratas trabalho, também em diferentes escalas, e,
disponíveis em outros locais, por toda a periferia portanto, um número cada vez maior de
rural. atividades separadas devem ser combinadas a
fim de prover as mercadorias e serviços
Centralização espacial e descentralização do necessários. Quanto menor for a distância entre
capital estas diferentes atividades, menor será o custo
e o tempo da produção e do transporte. Inserida
Com o surgimento do modo capitalista neste contexto da acumulação de capital, esta
de produção, aquilo que até então havia sido explicação é essencialmente correta no que
contingente desaparece, é desconsiderado, ou concerne à centralização original do capital em
então é convertido em uma necessidade. A “aglomerações” urbanas.
acumulação da riqueza havia sido uma Em um interessante insight, Walker
contingência no sentido de que, por mais que (1981: 388) observa que
fosse um objetivo dos indivíduos, não era, nas
sociedades pré-capitalistas, uma regra social à medida que o capitalismo se desenvolveu, as
geral da qual a sobrevivência da sociedade economias de aglomeração diminuíram; elas são
dependia. Com o advento do capitalismo, a uma força historicamente contingente. Mas elas
acumulação de capital se converte em são, em parte, substituídas por economias
necessidade social exatamente desta maneira. (organizacionais) de escala com a concentração
Marx (1967 edn, vol. 1, cap. 25) demonstrou que do capital, de modo que gigantescos nós de
uma certa concentração social e centralização atividade ainda estruturam a paisagem urbana.
do capital eram, ao mesmo tempo, um pré-
A idéia central aqui é que tais forças
requisito e um produto da acumulação de
como as economias de aglomeração são
capital. Em resumo, isto significa dizer que
historicamente contingentes. Vista da
proporções progressivamente maiores de
perspectiva do centro da cidade, a
capital são controladas por um número cada vez
suburbanização da indústria representa um
menor de capitalistas.
24 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 21, 2007 SMITH, N.

claro enfraquecimento das economias de trabalho em escritórios, desde altos cargos


aglomeração, e ela foi facilitada (e não executivos até digitadores. Contudo, quanto
“causada”) por avanços nos meios de mais o movimento de suburbanização se
transporte. Vista da perspectiva da economia desenvolve, mais fica claro que esta noção é
nacional, contudo, a suburbanização da indústria incorreta. Deste modo, a simultânea
representou uma aglomeração de gigantescas centralização e descentralização das atividades
(e não tão gigantescas) instalações industriais de escritórios é a expressão espacial da divisão
ao redor dos centros urbanos consolidados, e do trabalho no interior da chamada economia
foi, portanto, uma reafirmação (nesta escala) de serviços. Geralmente, as atividades de
do funcionamento das economias de escritórios que são descentralizadas são os
aglomeração, ainda que enfraquecidas. O que sistemas e operações mais rotineiras associadas
Walker percebe, entretanto, é real; as à administração, organização e gestão das
economias de aglomeração operam de forma atividades governamentais e corporativas.
diferente hoje, com claras conseqüências Estas representam os “back offices ”* , as
espaciais. A mais óbvia destas conseqüências “fábricas de papel”, ou, mais precisamente, as
diz respeito às rápidas transformações nas “fábricas de comunicação”.
configurações locacionais associadas à
expansão do emprego no setor de serviços * . Muito menos comum é a suburbanização
de centros decisórios como sedes de empresas
O problema, no que tange ao emprego e de órgãos governamentais. O boom dos
nos serviços, é que uma forte tendência para a escritórios experimentado por muitas cidades
centralização se combina com uma igualmente no mundo capitalista avançado nos últimos 15
forte, ou até mais forte, tendência à anos parece ter sido deste tipo; trata-se da
descentralização: o movimento dos escritórios contínua centralização espacial dos centros
e outros empregos de serviços para os decisórios mais importantes, assim como de uma
subúrbios. Como podem estas tendências miríade de serviços auxiliares a estas
aparentemente opostas coexistir? Como podem atividades: assessoria jurídica, serviços de
a suburbanização e a aglomeração ser publicidade, hotéis e centros de conferências,
coexistentes? A explicação para este aparente editoras, escritórios de arquitetura, bancos e
paradoxo reside na consideração de duas serviços financeiros e muitos outros serviços
questões inter-relacionadas. A primeira é a relacionados aos negócios. Há exceções a esta
relação entre espaço e tempo vis-à-vis às regra, e uma das mais óbvias é Stamford, em
diferentes formas de capital e a segunda diz Connecticut, que atraiu muitas novas sedes de
respeito à divisão do trabalho no interior dos corporações. Contudo, Stamford não é, de
assim chamados setores de serviços. forma alguma, um caso comum. É, ao contrário,
singular, justamente por ter atraído a
É um clichê, hoje, sugerir que a
descentralização de atividades administrativas
revolução nas tecnologias de comunicação
e profissionais auxiliares fundamentais às sedes
levará a uma descentralização espacial dos
corporativas. O resultado é menos um processo
escritórios. Esta aniquilação do espaço pelo
de descentralização do que uma recentralização
tempo, como dizia Marx, de fato levou a uma
de funções executivas em Stamford. Se isto
enorme suburbanização dos empregos nos
fortalece a tendência a uma “metrópole multi-
serviços, seguindo a suburbanização industrial.
modal” (Muller, 1976) resta ainda a ser
Com o uso do computador nos escritórios, este
observado.
movimento continua. Mas, em consonância com
a ideologia da sociedade sem classes que A questão que fica, então, é saber por
embasou a noção de colarinho branco, este que razão, com a descentralização de fábricas
movimento é geralmente tratado como a industriais e de comunicação, continua
suburbanização de todo e qualquer tipo de ocorrendo a centralização de núcleos decisórios,
Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano, pp. 15 - 31 25

como sedes de empresas. As explicações empresas, e isso, por sua vez, exige um contato
tradicionais punham em evidência a importância próximo e imediato com uma série de sistemas
do contato face a face. No entanto, embora a de apoio profissionais e administrativos, assim
explicação baseada na necessidade do contato como com empresas concorrentes. Nesse setor,
visual comece a identificar as questões e de formas múltiplas, o clichê “tempo é
relevantes, ainda é muito genérica. Esta dinheiro” realiza-se de forma intensa (sobre a
explicação tende a evocar um certo relação tempo e juros, ver Harvey, 1982:258).
sentimentalismo em relação ao contato visual, Menos comumente enunciada é a conseqüência
mas podemos ter certeza de que nenhum de que o espaço também é dinheiro: a
sentimentalismo pode explicar a concentração proximidade espacial reduz os tempos de
de arranha-céus nos distritos centrais de decisão quando o sistema de decisão é
negócios (CBDs) contemporâneos. Por trás suficientemente irregular a ponto de não poder
deste sentimentalismo encontra-se uma ser reduzido à lógica de rotina do computador.
justificativa mais utilitária para o contato O regime temporal anárquico da tomada de
pessoal, e isso envolve as diferentes formas de decisões financeiras na sociedade capitalista
administração do tempo nos diferentes setores requer uma certa centralização espacial. Não se
da produção e circulação total do capital. trata apenas do fato de que os executivos se
Resumidamente, na fábrica industrial e nas sintam mais seguros quando enlatados como
fábricas de comunicação, o sistema em si (seja sardinhas em arranha-céus repletos de
o maquinário, seja a agenda administrativa) parceiros e concorrentes. Na verdade, eles estão
determina os ritmos diários, semanais e mensais mais seguros na medida em que a rápida
do processo de trabalho. Mudanças tomada de decisões requer contato direto,
significativas nesta estabilidade de longo prazo informação e negociação. Quanto mais a
advêm ou de decisões externas ou de rupturas economia mostra-se propensa a crises, e,
internas periódicas como greves, falhas portanto, à administração de crises de curto
mecânicas ou falhas de sistema. A regularidade prazo, mais se pode esperar das sedes de
temporal destes sistemas de produção e empresas uma busca por segurança espacial.
administração, além do fato de dependerem de Juntamente com a expansão per se do setor e
qualificações prontamente disponíveis na força com o movimento cíclico do capital investido no
de trabalho e de facilidades de transporte e ambiente construído, esta resposta espacial à
comunicação com atividades auxiliares, torna a irregularidade temporal e financeira ajuda a
suburbanização uma decisão racional. Estas explicar o recente boom na construção de
atividades têm pouco a ganhar ao se instalarem escritórios nas áreas centrais. “Colarinho
nas áreas centrais e, com os elevados aluguéis, branco” é um conceito visivelmente “caótico”
teriam muito a perder. (Sayer, 1982) com dois componentes distintos,
cada qual possuindo uma expressão espacial.
Mas o ritmo temporal da administração
Enquanto que na cidade pré-capitalista
superior da economia e de suas diversas
foram as necessidades da troca mercantil que
unidades corporativas não é estável e regular
ditaram o movimento de centralização espacial,
desta maneira, para o desgosto dos
e na cidade industrial capitalista foi a
administradores e executivos. Alterações nas
aglomeração do capital produtivo , na cidade
taxas de juros e nos preços das ações, acordos
capitalista avançada são os ditames financeiros
financeiros, negociações trabalhistas e socorros
e administrativos que perpetuam a tendência à
financeiros (bailouts), transações internacionais
centralização. Isto ajuda a explicar por que
no mercado de câmbio e no mercado de ouro,
certas atividades chamadas de serviços são
contratos comerciais, o comportamento
centralizadas e outras são suburbanizadas, e
imprevisível dos governos e dos competidores
por que a reestruturação das áreas centrais
– todas estas atividades podem exigir uma
assume esta forma corporativa/profissional.
rápida resposta por parte dos gestores de
26 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 21, 2007 SMITH, N.

A queda da taxa de lucro e o movimento cíclico no período posterior à II Guerra Mundial foram
do capital iniciados e conduzidos pelo Estado e, embora
não sem relação com o surgim ento dorent gap,
Tendo em vista, então, a natureza eles não podem ser explicados de forma
espacial do processo, como podemos explicar o adequada apenas nestes termos econômicos.
momento específico desta reestruturação Contudo, a função da renovação urbana foi
urbana? Esta questão depende do momento preparar o caminho para a futura reestruturação
histórico do rent gap e do retorno espacial do que surgiria nos anos 60 e se tornaria mais
capital para a área central. Longe de serem visível nos anos 70. Em termos econômicos, o
acontecimentos fortuitos, esses eventos são Estado absorveu os riscos iniciais associados à
parte integrante do ritmo mais amplo da gentrificação, como no caso da Society Hill, na
acumulação de capital. Em um nível mais Philadelphia, que era um projeto de renovação
abstrato, o rent gap resulta da dialética dos urbana propriamente dito. O Estado também
padrões espaciais e temporais do investimento revelou ao capital privado a possibilidade de
de capital; mais concretamente, é o produto reestruturação em larga escala das áreas
espacial dos processos complementares de centrais, pavimentando o caminho para
valorização e desvalorização. investimentos futuros de capital.
A acumulação de capital não ocorre de
O momento desta reestruturação
forma linear; trata-se de um processo cíclico
espacial, portanto, está intimamente
formado por períodos de expansão e períodos
relacionado à reestruturação econômica que
de crise. O rent gap se desenvolve durante um
ocorre durante as crises econômicas, como
longo período de expansão econômica, mas uma
aquelas que a economia mundial experimentou
expansão que se dá em outro lugar. Portanto,
a partir do início dos anos 1970. Uma economia
a valorização do capital na construção dos
reestruturada compreende um ambiente
subúrbios do pós-guerra ocorreu paralelamente
construído reestruturado. Mas não há transição
à desvalorização do capital investido nas áreas
gradual para uma economia reestruturada; a
centrais. Mas a acumulação de capital durante
última crise econômica encontrou solução
este período de crescimento leva a uma queda
somente após uma destruição gigantesca de
na taxa de lucro que começa nos setores
capital na II Guerra Mundial, representando uma
industriais, e que conduz, em última instância,
desvalorização cataclísmica de capital e uma
às crises (Marx, 1967 edn, vol. III). Como um
destruição que antecede uma reestruturação do
meio de afastar a crise, ao menos
espaço urbano. Hoje, 50 anos mais tarde, nos
temporariamente, o capital é retirado da esfera
defrontamos novamente com a mesma ameaça.
industrial e, como mostrou Harvey (1978, 1982),
há uma tendência ao capital ser deslocado para
a produção do ambiente construído, onde as
Mudanças demográficas e padrões de consumo
taxas de lucro permanecem mais altas e onde é
possível, através da especulação, a apropriação O envelhecimento da geração baby-
de renda da terra, apesar de nada ser boom, o elevado número de mulheres
produzido. Duas coisas se unem, então: no final construindo carreira, a proliferação de famílias
de um período de expansão no qual o rent gap com uma ou duas pessoas e a popularidade do
surge e cria a oportunidade para o estilo de vida “solteiro urbano” são comumente
reinvestimento, há uma tendência simultânea considerados como os fatores que estão por
do capital em buscar uma saída no ambiente trás da gentrificação. Em harmonia com a
construído. ideologia de fronteira, o processo é visto aqui
como o resultado de escolhas individuais. Mas
A remoção de cortiços e os projetos de
na verdade, esta explicação não é suficiente.
renovação urbana em muitas cidades ocidentais
Estamos assistindo a uma reestruturação
Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano, pp. 15 - 31 27

urbana muito mais ampla em abrangência do 1960, os antigos armazéns, ancoradouros e


que a reabilitação residencial, e é difícil ver como moradias de trabalhadores nesta área seriam
estas explicações poderiam ser, na melhor das demolidos em benefício dos usuais modos de
hipóteses, mais do que parciais. Enquanto estas construção centralizados, verticalizados,
explicações podem ser apenas concebíveis no financeirizados e de alta tecnologia. A luta
caso da St. Katherine’ s Dock, em Londres, elas exitosa contra o redesenvolvimento foi travada
são irrelevantes para compreender o boom de em nome da “preservação histórica e das artes”
escritórios e a renovação das docas. No entanto, e, em 1971, em decisão extraordinária, o SoHo
tudo isto está associado. As mudanças nos foi considerado, no zoneamento, como “distrito
padrões demográficos e nas preferências de de artistas”. Entretanto, como aponta Zukin,
estilo de vida não são completamente isso não representa uma vitória da cultura
irrelevantes, mas é crucial que entendamos o (muito menos da “preferência do consumidor”)
que estas transformações podem e o que elas sobre o capital. Na verdade, ela representou
não podem explicar. uma estratégia alternativa (envolvendo
A importância das questões diferentes frações de capital) para a
demográficas e de estilo de vida parece ser “recapitalização” da Lower Manhattan:
fundamental na determinação da forma revalorização pela preservação, em vez
superficial assumida pela reestruturação, em de por meio de nova construção, se tornou um
vez de explicar a ocorrência da transformação “compromisso histórico” nas áreas centrais...
urbana. Em vista do movimento do capital em Na Lower Manhattan a luta para legalizar a
direção às áreas centrais, e a ênfase nas moradia em lofts para artistas apenas
funções executivas, profissionais, antecipou, em alguma medida, uma resposta
administrativas e de gestão, assim como outras conjuntural à crise nos modos tradicionais do
atividades auxiliares, as mudanças mercado imobiliário. Na verdade, a ampliação do
demográficas e de estilo de vida podem auxiliar mercado de lofts depois de 1973 proveu uma
a explicar por que ocorre a proliferação de cafés base para a acumulação de capital entre novos,
chiques em vez de Harry Johnsons, de butiques ainda que pequenos, investidores.
de roupas de grife e gourmet shops requintados
em vez de mini-mercados, de placas da
American Express em vez de placas “aceitamos Desde 1973, obviamente, grandes
apenas dinheiro”. Como sugere Jager (1986), a incorporadoras passaram a se envolver nesta
arquitetura das habitações gentrificadas é área. Enquanto que antes cooperativas de lofts
também um produto de uma cultura de classe eram espontaneamente criadas por grupos de
específica e de um conjunto de estilos de vida. residentes interessados, hoje as
Portanto, alguns dos projetos de gentrificação incorporadoras renovam e adaptam um edifício
mais recentes e menos elitizados, especialmente e em seguida colocam-no no mercado, já
aqueles envolvendo novas construções, estão acabado, como “cooperativa” (Co-op) 8 . E,
começando a reproduzir as piores habitações evidentemente, cada vez menos moradores do
suburbanas do tipo caixa de fósforos, levando SoHo são artistas, apesar do zoneamento que
a uma suburbanização social e estética da ainda persiste.
cidade. A questão aqui é que mesmo o SoHo,
Sharon Zukin (1982a, 1982b) oferece um dos símbolos mais vívidos da expressão
uma ilustração excelente desta questão em sua artística na paisagem da gentrificação, deve a
análise do desenvolvimento da habitação em sua existência às mais básicas forças
lofts no SoHo e em toda a área da Lower econômicas (ver também Stevens, 1982). A
Manhattan. Sob o Lower Manhattan Plan, concentração de artistas no SoHo, hoje, é mais
inspirado em Rockfeller e idealizado nos anos uma fachada do que a causa da popularidade
28 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 21, 2007 SMITH, N.

da área. Isto fica evidente na exploração do classe trabalhadora das áreas centrais. Assim
simbolismo artístico da área na publicidade como firmes enclaves de habitações de classe
imobiliária agressiva. média alta subsistiram nas áreas centrais
amplamente habitadas pela classe
trabalhadoras durante os anos 1960 e 1970,
Direção e limites da reestruturação urbana
enclaves de comunidades da classe trabalhadora
também permanecerão. De fato, estas
Se a reestruturação que se iniciou
comunidades terão sua função na medida em
prosseguir em sua atual direção, então podemos
que os equipamentos e os serviços da área de
esperar mudanças significativas na estrutura
recreação burguesa requerem uma população
urbana. Por mais preciso que o modelo de
trabalhadora. A comparação – e o contraste –
Chicago da estrutura urbana tenha sido, existe
com a África do Sul é instrutiva a este respeito
um consenso de que ele não é mais pertinente.
(Western, 1981).
O desenvolvimento urbano superou o modelo.
A conclusão lógica da atual reestruturação, que A alternativa oposta (de que as áreas
permanece hoje incipiente, seria um centro centrais prosseguiriam em seu declínio absoluto
urbano dominado por funções executivas, em direção a um abandono amplo) pode ser
financeiras e administrativas de alto nível, viável apenas nos Estados Unidos. E elaé, de
habitações para a classe média e classe média fato, uma possibilidade para algumas cidades
alta, e um complexo de hotéis, restaurantes, nos EUA. Na medida em que a reestruturação
cinemas, lojas e espaços de cultura oferecendo do centro depende de uma contínua
lazer a esta população. Em resumo, poderíamos concentração e recentralização de funções
esperar a criação de uma área de recreação econômicas de controle, pode-se esperar que
burguesa, a Manhattanização social da área isto ocorra com intensidade em centros
central para combinar com a Manhattanização nacionais e regionais. Mas a situação é menos
arquitetônica que prenunciou a estrutura de evidente no caso de cidades industriais
empregos em transformação. A provável menores, como Gary, em Indiana, onde as
conseqüência disto é um deslocamento funções administrativas e financeiras
substancial da classe trabalhadora para os associadas às indústrias da cidade estão
subúrbios mais antigos e para a periferia localizadas em outro lugar. Detroit fornece um
urbana. exemplo ainda mais significativo, porque a
suburbanização dos escritórios atingiu não
Isto não pode ser entendido, como
apenas os “back offices”, mas muitas das sedes
seguidamente o é, como um indício de que o
corporativas, e os consideráveis esforços de
processo de suburbanização está se
recentralização, através do Renaissance Center
encaminhando para um fim. Ao contrário, a
inspirado em Ford, ainda não atraíram quantia
agitação, durante os anos 1970, em torno do
substancial de capital para o centro de Detroit.
assim chamado “crescimento não-
metropolitano” nos EUA representa menos uma Não há, também, muito sentido em
reversão dos padrões de urbanização duvidar de que a rápida desvalorização do
estabelecidos (Berry, 1976; Beale, 1977) do que capital investido no ambiente construído das
um prosseguimento da expansão metropolitana áreas centrais prosseguirá, apesar do início de
muito para além dos limites estatísticos um reinvestimento. Na atual crise econômica,
estabelecidos (Abu-Lughod, 1982). Não há muito com altas taxas de juros, não são apenas as
sentido em supor que a suburbanização não novas construções que são adversamente
será mais ampla do que nunca, caso venha a afetadas. As mesmas forças provocam uma
ocorrer um outro período de forte expansão redução do capital investido na manutenção e
econômica. Também não deve ser vista, esta reparo dos edifícios existentes, e a conseqüente
configuração, como uma exclusão absoluta da desvalorização levará a uma expansão do “vale
Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano, pp. 15 - 31 29

do valor da terra”8 dos edifícios fisicamente meio de suas estratégias econômicas de


deteriorados; a extensão espacial na qual o rent investimento de capital. O investimento de
gap opera é, então, estendida. Portanto, a capital é a primeira arma de batalha no arsenal
reestruturação do espaço urbano conduz a uma da classe dominante.
simultânea, assim como subseqüente,
Uma exceção importante à hegemonia
decadência e redesenvolvimento,
completa do capital diz respeito ao papel dos
desvalorização e revalorização.
governos social-democratas na Europa em
Em conclusão, salientamos que a fornecer habitação pública, às lutas contra a
reestruturação do espaço urbano é parte de privatização da habitação e às revoltas em
uma evolução mais ampla da economia várias cidades européias em torno da questão
capitalista contemporânea. Assim sendo, no da habitação no início dos anos 80. Estas
atual contexto de uma crise econômica que se questões não são abordadas aqui, e isto é uma
aprofunda, nossas conclusões e especulações omissão importante. O que esta experiência
devem ser provisórias. É bem possível que a sugere, contudo, é uma progressão no nosso
atual crise econômica resultará em forças entendimento da fronteira urbana. A selva
políticas e econômicas, instituições e modos de urbana produzida pelo movimento cíclico do
controle muito diferentes, e isto poderia muito capital e sua desvalorização se tornaram, do
bem resultar em padrões de crescimento urbano ponto de vista do capital, novas fronteiras
muito diversificados. Em particular, pus ênfase urbanas da lucratividade. A gentrificação é uma
aqui no pano de fundo econômico da fronteira na qual fortunas são criadas. Do ponto
reestruturação, em vez de tentar examinar as de vista dos moradores da classe trabalhadora
“coalizões políticas para o crescimento” e de suas comunidades, contudo, a fronteira
(Mollenkopt, 1978, 1983) que executam planos urbana é mais diretamente política do que
de redesenvolvimento específicos. Isto foi, em econômica. Ameaçados de serem desalojados
parte, uma escolha de escala; não importa o pelo avanço da fronteira da lucratividade, a
quão geral seja o processo, as experiências questão para eles é lutar pelo estabelecimento
locais diferem enormemente. de uma fronteira política por trás da qual
moradores da classe trabalhadora possam
Além disso, a ênfase na lógica da
retomar o controle de seus lares: existem dois
acumulação e no seu papel na reestruturação
lados em qualquer fronteira. A tarefa mais ampla
urbana de forma alguma pressupõe uma
é de organizar o avanço da fronteira política, e
adesão filosófica a uma abordagem fundada na
como em qualquer fronteira, seja a de Turner
“lógica do capital”, ao invés de uma abordagem
ou a urbana, há períodos de calmaria e de
que coloque em evidência a luta de classes.
agitação neste processo.
Como uma dicotomia filosófica, esta questão é
falsa; mas como uma dialética histórica, ela é
tudo. A verdade lamentável é que os níveis
Agradecimentos
comparativamente baixos das lutas da classe
trabalhadora desde a Guerra Fria (com exceção Peter Marcuse, Damaris Rose e Bob
daquelas durante o fim dos anos 1960, e em Beauregard fizeram valiosos comentários sobre
grande parte da Europa no início dos anos os primeiros esboços deste trabalho. Também
1970) significaram que o capital teve, em boa gostaria de agradecer aos membros de um
medida, mãos livres na estruturação e seminário na Harvard University que ofereceram
reestruturação do espaço urbano. Isto não comentários, e membros dos departamentos de
invalida o papel da luta de classes; significa que, Geografia em Rutgers e Ohio State que
com poucas exceções, se tratou de uma luta auxiliaram a aprimorar os argumentos.
tão desequilibrada que a classe capitalista foi,
em geral, capaz de levar a batalha a cabo por
30 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 21, 2007 SMITH, N.

Notas
1
Fonte: Smith, N. Gentrification, the Frontier, and 5
O autor utiliza a expressão “white-collar economy”,
the Restructuring of Urban Space. In: Readings
literalmente “economia de colarinho branco”. Por
in Urban Theory edited by Susan S. Fainstein and
se tratar de uma expressão de uso incomum no
Scott Campbell (Cambridge, Massachusetts:
português, preferimos traduzir por “economia
Blackwell Publishers, 1996)
terciária”. N.T.
2
John Wayne (1907-1979) foi ator de cinema e fez 6
Original “white-collar employment”. N.T.
fama em filmes de faroeste.N.T.
7
Expressão já utilizada no vocabulário dos negócios
3
A Wells Fargo é uma instituição financeira
para se referir às funções mais rotineiras de
estadunidense que esteve envolvida com a
administração na divisão do trabalho no interior
“corrida pelo ouro” na Califórnia, durante o século
das empresas. N.T.
XIX (naquela época atuava, além do ramo
financeiro propriamente dito, no ramo de 8
“Co-op ”, em inglês, designa um apartamento
transporte, principalmente administrando linhas adquirido em regime de cooperativa, em muitos
férreas). A instituição conserva o mesmo nome casos em edifícios de padrão elevado (o morador
(e um poder imenso) até hoje, depois de múltiplas se torna membro da cooperativa proprietária do
aquisições e fusões. N.T. edifício). N.T.
4
Aqui é provável que o autor queira se referir à 9
No original “land value valley”. N.T.
fronteira do século XIX, como aparece ao longo
do texto, e não do século XX. N.T.

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Trabalho enviado em fevereiro de 2007

Trabalho aceito em março de 2007

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