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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

Faculdade de Ciências Humanas


Curso de Geografia – FCH

Jeferson Cordeiro Vieira

PELO ESPAÇO: Uma Nova Política da Espacialidade


(Partes 3 e 4)

Dourados – MS
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
Faculdade de Ciências Humanas
Curso de Geografia – FCH

Jeferson Cordeiro Vieira

PELO ESPAÇO: Uma Nova Política da Espacialidade


(Partes 3 e 4)

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em


Geografia, da Universidade Federal da Grande Dourados. Curso
de Metrado. Na disciplina de Tópicos Especiais de Geografia,
lecionada pela Prof°(a) Dr°(a) Claudia Marques Roma.

Dourados – MS
2023
Introdução

A Modernidade é frequentemente contada como uma história de progresso linear e


universal, mas essa narrativa ignora a importância do espaço na construção da modernidade e
ela não é apenas uma série de eventos históricos, mas também é um conjunto de relações
espaciais e práticas sociais que moldam a experiência humana. Ela sugere que a modernidade é
mais bem compreendida como uma "revolução espacial", em que novas formas de poder e
controle foram desenvolvidas através da organização do espaço.

A autora examina a história da modernidade a partir de uma série de exemplos,


incluindo a revolução industrial, a urbanização e a globalização. Ela argumenta que esses
processos históricos foram fundamentais para a construção da modernidade, mas que também
foram moldados pela espacialidade. Por exemplo, a urbanização foi um processo importante na
formação da modernidade, mas também resultou na segregação espacial e na exclusão de
grupos marginalizados.

A divisão binaria em que a cosmovisão colocou o mundo, dividindo-o em uma


linearidade de progresso, no qual os que não estão inseridos nas mesmas lógicas, estão
atrasados, e que estes precisam se “modernizar”, está leitura de mundo ocidental, eurocêntrica,
marginalizou o mundo, sem levar em consideração as diferenças geográficas e culturais que
moldaram as experiências de modernização em diferentes lugares. Ela argumenta que a
modernidade é uma história de lutas e conflitos entre diferentes grupos e interesses, e que essas
lutas são enraizadas em espaços específicos e em diferentes escalas.

Massey destaca a importância da compreensão da história da modernidade a partir de


uma perspectiva espacial e crítica, que leve em consideração as múltiplas histórias que
compõem a modernidade. Ela argumenta que essa abordagem pode nos ajudar a entender
melhor as desigualdades e conflitos que ainda existem em nosso mundo hoje, bem como a
desenvolver novas formas de pensar e agir politicamente em relação ao espaço.

Em determinado momento tais críticas a ocidentalidade, modernidade e a toda a


cosmovisão da qual todos estamos lambuzados, e que alguns autores como KAHIL (2011) falam
em uma psicoesfera, resvalam na ciência, e que nela estariam “todas as verdades”, “a
racionalidade”, e que seria está a ferramenta do qual a humanidade única e exclusivamente
poderia se utilizar para encontrar a verdade. A autora quando pergunta sobre confiar na ciência,
justamente nos coloca diante do fato que a ciência é feita pelas pessoas e estas estão inseridas
em uma sociedade, em um determinado tempo e espaço.
Dentro da ciência sempre haverá conflitos de interesses, ideologias e preconceito e que
usar um ou outro autor favorito ou mais “hard” ou mais compatível com suas ideias ou visões de
mundo também fazem parte desta ciência ocidental, moderna. Assim como foram feitos com os
negros e com indígenas que da ciência foram extraídas bases para sua escravatura, e que do
Darwinismo foram tirados os fundamentos para escravidão, para marginalizar os povos, os
considerando inferiores, menos desenvolvidos, “atrasados”.

Esta ciência, pois, segundo a autora colocou o mundo inteiro sobre uma visão de um
único tempo, os dos “desenvolvidos”, “avançados”, “modernos” ou “civilizados” e dos
“atrasados”, “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento” ou “bárbaros” entre outros. Nas
mãos dos ideólogos o tempo foi unificado, servindo os interesses daqueles que queriam um
fundamento científico para suas perversidades. E que usaram da ciência, o Santo Graal, da
modernidade.

Unificação está que passa do tempo para o espaço, no qual muitos vociferam a “aldeia
global”, uma suposta homogeneidade dos tempos e do espaço que vigora a partir de agora, e que
onde está instantaneidade não chega, é atrasado, e onde ela chega “destrói” quaisquer resquícios
de passado ou se tornam resplandecentes simulacros do passado e não sua sobrevivência. O
espaço que outrora era a sua própria irrepresentabilidade pela complexidade, simultaneidade de
fluxos e acontecimentos que o constituem é moldado para ser estático, homogêneo e ditado por
um único tempo, dominante e ocidental.

Não obstante a autora pavoneia essa dificuldade inerente ao espaço, sua representação
na atualidade, principalmente embebida de “globalização”, um “elixir” para as chamadas
fronteiras. Um mantra como a própria chamou, que evocaria “um espaço imenso, não
estruturado, livre sem limites de uma magnifica e complexa mistura” e como tal trata-se de uma
imaginação geográfica, uma cosmovisão política ocidental. Visão está que molda o mundo sobre
a mesma perspectiva temporal de “progresso” e “linearidade”, em que países que não foram
“globalizados”, o serão em breve, e em que suas multiplicidades, suas outras possibilidades,
outras trajetórias são negadas e são colocados sob um mesmo tempo, sob uma mesma estória de
progresso.

Assim são tratados os povos originários de nosso país, assim são tratados todos o que
não atingiram o “nível” dos países do centro do poder, e aonde os que não atingiram nunca
atingiram. Esta globalização da qual vivenciamos é considerada inevitável, quase como uma
força sobrenatural que colocaria tudo e todos sobre seu domínio ou seriam exterminados, e sua
força tanto no “Norte” como no “Sul” trazem consigo consequências socioambientais terríveis,
seja na manutenção do uso de pesticidas para produção de monoculturas para exportação, como
na destruição de florestas e extermínios de povos indígenas para ampliar sua produção, mas a
autora reforça que:

“Esta visão do espaço global, assim, não é tanto uma descrição de


como é o mundo, mas uma imagem através da qual o mundo está
sendo feito. Exatamente como no caso da modernidade, temos aqui
uma poderosa geografia imaginativa. É uma imaginação muito
diferente: em vez de espaço dividido e delimitado, aqui está uma visão
de um espaço sem barreiras e aberto. Mas ambos funcionam como
imagens pelas quais o mundo é feito. Ambas são geografias
imaginativas que legitimam sua própria produção”. (MASSEY, 2008,
pág. 129).

Toda essa cosmovisão, tida como inevitável para todo o mundo, escamoteia suas falhas,
desigualdade por exemplo é lida em termos de estágios de avanço ou desenvolvimento, e não
como uma parte do processo, que não só não reconhece as estórias alternativas como legitima
esses discursos sobre a égide do único tempo, de uma suposta linha de desenvolvimento de
progresso, um tipo de estágio. A globalização estaria, pois, conectando todos os lugares do
mundo num único tempo, numa única Lógica, que pretende segundo muitos “pensadores”
aniquilar o espaço pelo tempo.

Sobre “aniquilação do espaço pelo tempo” a autora coloca que o espaço e tempo andam
indissociáveis, e que realmente a velocidade (o tempo), visto pela meios de telecomunicações,
transporte e principalmente de capital realmente se aceleraram, mas que isso depende do espaço,
estando este (o tempo) relacionado ao mesmo, e o que se aceleram ou melhor multiplicam-se
são os aconteceres, as relações, as trocas etc., sendo o espaço maior que a distância. O espaço
por se configurar por um conjunto de múltiplas trajetórias e de “caos e/ou ordem”, que
configuram ao espaço uma característica de algo undecidable (que não pode ser decidido),
quando passadas a 2D, em um mapa, são apagadas de forma intencional ou não.

Os mapas são realmente ferramentas que podem ser consideradas muito uteis aos
geógrafos, mas também a tantas outras áreas de conhecimento, pois então, para nós eles
precisam servir para mais do que “representar a realidade de uma superfície”. E obviamente os
mapas também podem servir para “apagar realidades”, escamotear sujeitos, objetos, situações. E
claro os mapas também não conseguem “representar” o espaço na sua totalidade, são feitas
generalizações, e as escolhas do que não mapear e do que mapear também passam por decisões
que muitas vezes são políticas (preconceituosas), mas estes também podem ser ferramentas para
abrir possibilidades a “representações” das multiplicidades de outras realidades presentes em
um determinado espaço.
Os mapas estão, pois, sempre incompletos, sem inacabados, parados no próprio tempo
em que foram constituídos e abarcando um olhar daquele que o construiu, uma visão de mundo
e de sociedade, uma cosmovisão que pode silenciar aconteceres, “apagá-los” naquela
“representação”. Essa incompletude passa pelo fato de que o espaço para além da presente
materialidade carrega nele tempos, histórias passadas que repercutem no espaço presente e
estórias que estão acontecendo, está horizontalidade do espaço é resultado do acúmulo de
estórias que repercutem no espaço e das que estão sendo feitas agora.

Viajar pelo espaço, não é apenas passar pelo local, você o está modificando um pouco,
e viajando nele o tempo presente se torna tempo passado, porque o espaço que outrora
atravessou já não é o mesmo, e através de trajetórias, uma multiplicidade delas que o indivíduo
se desloca. A autora, pois, escreve que:

“[...]Se o espaço é, sem dúvida, uma simultaneidade de estórias-até-


então, lugares são, portanto, coleções dessas estórias, articulações
dentro das mais amplas geometrias do poder do espaço. Seu caráter
será um produto dessas interseções, dentro desse cenário mais amplo,
e aquilo que delas é feito. Mas também dos não-encontros, das
desconexões, das relações não estabelecidas, das exclusões. Tudo isso
contribui para a especificidade do lugar.” (MASSEY, 2008, pág. 190)

Este então é o caráter do lugar – como aberto, como a própria autora chama de “um
sentido global de lugar “como um tecer de estórias em processo, como um momento dentro das
geometrias de poder, como uma constelação particular, dentro de topografias mais amplas de
espaço, e como em processo, uma tarefa inacabada.”. Em processo também estão a natureza, as
paisagens, se transformando diariamente cada uma em seu tempo, pelos mais variados fatores,
químicos, físicos, biológicos (humanos), mas se transformam, vide a natureza esplandecente dos
inúmeros corpos d’agua do Rio Amazonas, com seus taludes abandonados, que outrora
formavam parte de seu curso e agora ainda parte integrante do seu ecossistema são lagoas
carregadas de vida e parte funcional no seu período de cheia do rio. O rio está vivo,
serpenteando na superfície, erodindo pouco a pouco suas laterais, e depositando em outras,
mudando sua forma no tempo e no espaço, e afetando a vida queles que vivem nele/dele e/ou
sobre ele.

A natureza está em movimento, dos animais que migram de um lugar para outro, às
plantas que se adaptam a uma nova área se se expandem. O “aqui e agora” se realizam no
encontram que fazemos com estas multiplicidades de aconteceres e relações que depois do
encontram já não são as mesmas do início, o “aqui” se faz e refaz, pois, a conjunto de trajetórias
tem temporalidades diferentes todas fazem parte da estória do lugar.
Em suma, a crítica à ocidentalidade, modernidade e à visão de mundo que nos foi
imposta também atinge a ciência, que muitas vezes é vista como uma ferramenta infalível para
encontrar a verdade. No entanto, a ciência é feita por pessoas inseridas em uma sociedade e,
portanto, está sujeita a conflitos de interesses, ideologias e preconceitos. Ao longo da história, a
ciência ocidental foi usada para justificar a escravidão e marginalização de povos considerados
inferiores, e a ideia de progresso linear e universal da globalização atual também impõe uma
visão homogeneizante do mundo, que nega outras possibilidades e trajetórias. É importante
lembrar que a visão globalizada do espaço é uma imaginação geográfica que legitima sua
própria produção e escamoteia desigualdades e problemas socioambientais, perpetuando um
status quo que beneficia alguns em detrimento de outros.

Referências Bibliográficas

KAHIL, S. P. (2011). PSICOESFERA: A MODERNIDADE PERVERSA. Revista Do


Departamento De Geografia, 11, 217-220. https://doi.org/10.7154/RDG.1997.0011.0016.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rdg/article/view/53728. Acesso em 20 de abril de
2023.
MASSEY, D. PELO ESPAÇO: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2008, p. 97-210. (Partes 3 e 4).

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