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RESUMO
ABSTRACT
The purpose of the text is to present and discuss the issue of authority or
power, from a Christian approach. Starting from biblical insights, a reading of reality
is proposed, counting on the contributions of the Christian matrix criticism developed
by the reformal neocalvinism. In this way, the power relations between evangelicals
and the state are evaluated including the threats of the pandemic caused by the new
coronavirus. It questions the possible advances between the borders of the
Sovereign Spheres and presents an alternative, taking into account a reading of the
non-reductionist reality, guaranteed by a Christian critique of power, and having as a
touchstone the doctrine of the sovereignty of God.
1 INTRODUÇÃO
Vox Faifae: Revista de Teologia da Faculdade FASSEB Vol. 10 N° 2 (2020) ISSN 2176-8986
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das Esferas. Algo que, partindo de uma leitura genuinamente cristã da realidade,
anuncia-se como resposta satisfatória as angústias da igreja brasileira.
Antes, porém, seria preciso pontuar a defesa nesse artigo da possibilidade de
diálogo entre tradições teológicas aparentemente distintas, algo já defendido na
Teologia Sinfônica de Vern Poythhress (2016, p. 55), ao considerar, sobretudo, os
limites de toda reflexão teológica. O autor se vale de linguagem metafórica, ao
defender o enriquecimento da compreensão de determinado tema, a partir da
“combinação de vários instrumentos musicais para expressar suas variações”
(POYTHRESS, 2016, p. 51). Poythress parte do perspectivismo, assumindo uma
postura de humildade intelectual. O adendo, vem na afirmação de que a reflexão
teológica não deve ser confundida com a revelação propositiva de Deus nas
Escrituras, muito embora, dela toda teologia deva se originar.
Portanto, para efeito de registro, o tema teológico central apresentado neste
artigo, a soberania de Deus, por ser um insight bíblico, encontra ecos e confluências
em outras tradições cristãs, inclusive, no pentecostalismo clássico. Portanto, não
seria um domínio exclusivo do calvinismo. Aliás, essa tarefa tem sido um dos
empreendimentos do filósofo cristão canadense James K. A. Smith, ao propor uma
aproximação da tradição reformada com a experiência carismática (SMITH, 2018, p.
12).
Dito isso, na estrutura do texto o primeiro ponto será apresentar a
problemática da autoridade ou do poder a partir de uma perspectiva bíblica, agrega-
se nessa altura, as contribuições do neocalvinismo sobre o conceito de Soberania
das Esferas em sua verificação e validade em termos bíblicos, históricos e
teológicos. A orientação teórica de matriz neocalvinista contará com os aportes de
Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd e Hans Rookmaaker, além das contribuições
de Herman Bavinck, Dietrich Bonhoeffer, do carismático James K. A. Smith e do
teólogo pentecostal Rodman Williams.
O próximo passo, será a exploração do contexto brasileiro atual a partir do
conceito acima apresentado, analisando as relações da igreja com outras esferas de
poder, sobretudo, considerando o Estado e suas ações diante da pandemia. O
conteúdo pode parecer apologético, mas, antes de tudo, tangencia a teontologia
com ênfase na antropologia bíblica, na cristologia e na doutrina da Igreja.
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para a anomia, sua fonte seria o desejo, algo que os indivíduos, por si mesmos, não
poderiam restringir. Sendo assim, a única força capaz de conter esse ímpeto, seria
externa ao indivíduo, pois:
esquerda” – com isso, não se quer negar que há incompatibilidade, mas, uma
tendência de identificar uma orientação ideológica apenas no espectro político mais
à esquerda – abraçam sem nenhum problema qualquer imaginário político e outras
orientações ideológicas. Talvez, um ranço do poder de ocultamento do iluminismo,
que outrora ganhou forma sob o nacionalismo que desembocou no fascismo
europeu, e que se apresentaria também sob o disfarce do populismo.
Além disso, convém atentar para o imaginário e sua força de mobilização
política. Girardet (1987, p. 11) em suas pesquisas sobre os mitos e mitologias
políticas, no lembra sobre o substrato que opera “no segundo plano de algumas das
grandes construções doutrinais do último século”, e que se descobre por vezes sob
o verniz da racionalidade científica. Ele está discorrendo sobre o imaginário político
e uma força agregadora das energias e os fervores mais desesperados, as
mitologias políticas.
Uma dessas figuras imaginárias, a do herói mítico, seria historicamente
recorrente, figura essa, capaz de captar "todos os fervores da esperança coletiva"
(GIRARDET, 1987, p. 161). Aparentemente operando a partir de uma análise
dualista, entre razão e sentimento, o historiador francês, nesse sentido, entende que
a esfera política seria permeada por adesões muito mais passionais que racionais.
De outro modo, a tradição neocalvinista reconhece as origens dessas adesões,
dessa vez, negando uma leitura dualista, mas, identificando as fontes dessas
paixões, compreendidas por David T. Koyzis (1955 -) como sendo ilusões políticas.
Portanto, no fundo, todas as ideologias políticas brotariam de compromissos
religiosos básicos que Koyzis identifica como, idolatria.
A denúncia do autor, abre feridas mal cicatrizadas e expõe a perda de uma
leitura bíblica da realidade entre os cristãos. Além disso, aponta para a plasticidade
e a prontidão com que muitos abraçam as leituras reducionistas da realidade. Visões
ilusórias reverberadas nas adesões, compromissos íntimos, e, notavelmente
tornados públicos na ovação laudatória do “mito”. Nesse ponto, a leitura de Koyzis é
confrontadora, pois:
Nesse sentido, para o cristão, todo o poder seria ao mesmo tempo, derivado e
limitado por outro absoluto, algo perfeitamente compreendido pela casta sacerdotal
confrontada por Jesus, na resposta performática dada a seus espias e inscrita na
epígrafe desse texto: “[...] Dai, pois, a César as coisas que são de César, e a Deus,
as coisas que são de Deus” (BKJ, Lc, 22: 25).
Porém, antes de explorar com mais cuidado tal problemática sob o contexto
brasileiro, seria interessante resgatar uma vez mais a profundidade da reflexão
superlativa de Dooyeweerd ao identificar aquele impulso religioso inato. O ego teria
uma necessidade vital, a busca de significado fora de si, algo advindo de sua
condição especial, por causa da imago dei.
Tal impulso, ao se apoiar sob motivos básicos apóstatas, volta-se para a
experiência temporal, tomando desse horizonte aquilo que é relativo como se
absoluto fosse (DOOYEWEERD, 2018, p. 74-75). Portanto, essa dimensão
superlativa da crítica Dooyeweerdiana decorreria de sua envergadura intelectual, e
muito mais, por se depreender dos insights bíblicos. Isso fica evidente quando se
consulta as fontes das Escrituras.
Um dos insights mais contundentes, se encontra na epístola aos Romanos. No
final da década de 50 d. C. o apóstolo Paulo possivelmente da cidade grega de
Corinto, no Peloponeso (CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 270), se dirigiu a
comunidade de fé em Roma tangenciando a questão dessa inclinação apóstata com
as célebres palavras: “os quais mudaram a verdade de Deus em mentira, e
adoraram e serviram mais à criatura do que ao Criador, que é abençoado para
sempre. Amém! (BKJ, Rm, 1:25). Este deverá ser o marcador, a pedra de toque para
a leitura do campo religioso brasileiro e suas possíveis contradições em termos de
adesão as propostas de poder.
O atual contexto brasileiro tem provocado muitos questionamentos em relação
a aproximação do governo com os cristãos, sobretudo evangélicos. Como dito, tal
tema não seria estranho as narrativas bíblicas tão pouco a história da igreja e do
próprio ocidente. O corte se torna uma espécie de tabu apenas sob influências de
uma racionalidade secularizante e em grande medida, como resultado das
experiências localizadas no medievo. Soma-se a isso, as contraditórias relações
entre o imperialismo europeu e aqueles que professavam a fé cristã.
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De todo modo, não seria possível ignorar a história do tempo presente e como
nos últimos anos o campo de batalha na esfera política conta agora com novo
ingrediente; as adesões dos grupos identificados sob a pecha de evangélicos. A
influência política do segmento tem crescido em proporção malthusiana. Isso se
verificou nas últimas eleições no plano federal, tanto sob o governo de Lula, Dilma, e
mais ainda, no atual governo de Jair Bolsonaro.
Certamente o cenário demográfico brasileiro justificaria o fenômeno. Mesmo
considerando a atual importância política dos evangélicos, segundo estimativas
recentes, a tendência de crescimento continua a galope, pois: “os evangélicos
alcançariam em 2032 a marca dos 39,8%. Ou seja, superariam os irmãos de fé
cristã” (BALLOUSSIER, 2020, p. 6).
A jornalista se baseia nos estudos do pesquisador ligado ao IBGE, José
Eustáquio Alves, que projeta uma possível hegemonia evangélica até o ano de
2032, com o declínio constante do catolicismo romano, garantindo aos evangélicos o
primeiro posto.
Mesmo não considerando os evangélicos como um bloco monolítico, percebe-
se o poder de atração exercido por Bolsonaro, sobretudo, na capitalização de apoio
desse segmento a seu governo. Um fato bastante significativo diz respeito a
conjuntura atual e ao discurso de enfrentamento à pandemia provocada pela
COVID-19.
Trata-se de um vídeo divulgado pelo presidente. Nele, Bolsonaro aparece junto
a vários pastores, convocando os cristãos do Brasil para um jejum nacional. O
episódio teve ampla cobertura, entre outras, destaca-se a matéria publicada no dia
04 de abril de 2020 no sítio eletrônico do jornal Correio Brasiliense, onde se verifica
o seguinte relato:
pouco o Estado está livre para forçar uma igreja a adotar certo artigo de fé”
(ROOKMAAKER, 2018, p. 24).
Foi assim que a partir de uma concepção de poder totalitário de inclinação
pagã que a ideia de uma só instituição eclesiástica passou a representar toda a
igreja universal. Foi também nessa mesma esteira que o fenômeno do regalismo e
do galicanismo ou no caso brasileiro do padroado régio, atribuiu ao Estado o poder
para controlar os destinos de uma instituição eclesiástica.
Na esteira desse fenômeno, a reforma da administração estatal conduzida
pelo Marquês de Pombal, acabou por expulsar os Jesuítas a título dos interesses da
monarquia portuguesa. Isso, como constatou Fausto (1995, p. 112), “fazia parte de
uma política de subordinação da Igreja ao Estado português”.
A questão atravessou boa parte da idade média e atingiu a modernidade,
levando a discussão das investiduras, ou o conflito pelo primado do poder entre o
secular e o espiritual. Se o Papa era o vigário de Cristo e portador das chaves de
Pedro, o imperador seria o filho de Adão a quem o Senhor garantira o governo do
mundo.
Na Alemanha nazista, o Estado totalitário, forjou sua própria Igreja, elegendo
seu bispo sob o túmulo de Lutero na igreja do Castelo na Alemanha (METAXAS,
2011, p. 205-207). Contudo, encontrou corajosa resistência. Reunidos sob a Igreja
Confessante, destaca-se a reação de alguns pastores, dentre eles, Karl Barth (1886-
1968) e, sobretudo, do já citado, Bonhoeffer.
Esse último, por sua resistência radical ao poder total do Estado, foi condenado
à prisão e em seguida assassinado pelas forças do autodenominado terceiro Reich,
como entendeu Metaxas (2011, p. 569-572), por ordem direta de próprio Hitler. Tais
exemplos, podem muito bem servir como lições, e mesmo não se admitindo aquela
concepção de história como mestra da vida, essas narrativas não podem ser
totalmente ignoradas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. Versão King James Fiel 1611. Rio de Janeiro: BV Books, 2017.
BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João
Ferreira de Almeida. Edição revista e atualizada no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblia
do Brasil,1969.
BONHOEFFER, Dietrich. A essência da igreja. Trad. Daniel Sotelo. Goiânia:
Editora Cruz, 2017.
BONHOEFFER, Dietrich. Quem é e quem foi Jesus Cristo. Trad. Daniel Sotelo e
João Guilherme. Goiânia: Editora Cruz, 2017.
BULFINCH, Thomas. O livro da Mitologia: A Idade da Fábula. Trad. Luciano Alves
Meira. São Paulo: Martin Claret, 2013.
CALVINO, João. Instituição da religião cristã. Trad. Ver. Walter Graciano Martins.
São Paulo: Fiel, 2018.
CARSON, Donald A.; MOO, J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento.
Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1997.
DOOYEWEERD, Herman. Estado e soberania: ensaios sobre cristianismo e
política. Trad. Leonardo Ramos et al. São Paulo Vida Nova: 2014.
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