construção crítica que não ignora a vastíssima bibliografia sobre o tema,
de resto oferecida no final do volume. A lírica de Petrarca, como é sabido, traduz uma experiência existen- cial tão estimulante que seria difícil não deixar ressonâncias noutras geo- grafias literárias. Para isso contribuíram veículos de transmissão como a difusão de manuscritos e, neste sentido, Alcobaça deve ter sido, na área portuguesa, uma das instituições mais beneficiadas a partir de Claraval, sem «excluir a hipótese de que Petrarca tivesse sido conhecido […] atra- vés de códices miscelâneos incluídos na bagagem de tantos estudantes portugueses que procuraram o lustro das humanae litterae nas universi- dades italianas» (p. 33). O ‘espírito do tempo’ determinou que a recepção petrarquista em Portugal, considerada cronologicamente, tenha incidido em duas obras exemplares do século XV, como o Orto do Esposo e o Boosco Deleitoso, recuperando o carácter moral, ascético e edificante do De Vita Solitaria, incluindo o ‘sentimento da natureza’, aspecto de grande impac- to na literatura portuguesa da época. Como refere pertinentemente Rita Marnoto: «o domínio que mais cedo se mostra recetivo ao petrarquismo é o sentimento do tempo e da natureza […] com recurso a categorias abstra- tas e quadros fixos» (p. 168), adaptados mediante um apreciável trabalho retórico que prevê a ascensão metafórica induzida pela exposição con- ceptual. O mesmo é dizer que os ‘imitadores’ de Petrarca se aproximaram progressivamente do modelo, na medida em que confiaram à prática da poesia o conhecimento de si e do seu mundo, e uma profunda e essencial função social. Neste aspecto, o grande mérito deste trabalho consiste na análise minuciosa das formas de expressão retórica, por exemplo, para concluir quanto essa aproximação foi ‘refinada e segura’, embora se reco- nheça que a prática da imitação implica a introdução de diferenças muito significativas. Ao verificar o caso de Camões, entre muitos outros, Rita Marnoto cons- tata como o autor português é o grande poeta europeu que «inscreve no dissídio petrarquista uma instância dialética de distanciação e reaproxi- mação entre os polos em conflito» consigo mesmo (p. 608). Há, porém, um inegável traço de união que liga, em síntese, os autores do Renascimento português e Petrarca: a revisitação da poesia precedente e a própria expe- riência existencial e poética, reservando ao leitor, mesmo contemporâneo, a reconstrução da densidade de sentido – parte fundamental do prazer do texto.
Ilustração brasileira (1854-1855) e a ilustração luso-brasileira (1856, 1858 e 1859): Uma contribuição para o estudo da imprensa literária em Língua Portuguesa
Para que todos entendais. Poesia atribuída a Gregório de Matos e Guerra - Vol. 5: Letrados, manuscritura, retórica, autoria, obra e público na Bahia dos séculos XVII e XVIII