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Rassegna iberistica [online] ISSN 2037-6588

Vol. 39 – Num. 106 – Dicembre 2016 [print] ISSN 0392-4777

Marnoto, Rita (2015). O Petrarquismo Português


do Cancioneiro Geral a Camões. Lisboa: Imprensa
Nacional, Casa da Moeda, pp. 734
Manuel G. Simões
(Università Ca’ Foscari Venezia, Italia)

O presente estudo, como o próprio título indica, é o produto da análise


exaustiva à incidência do petrarquismo na literatura portuguesa, ten-
do como corpus o percurso abrangente que vai do Cancioneiro Geral
até Luís de Camões. Isto pressupõe a inclusão das obras de Bernardim
Ribeiro, Sá de Miranda, António Ferreira, André Falcão de Resende,
Pero de Andrade Caminha, Diogo Bernardes e da écloga Crisfal, sem
esquecer a produção manuscrita que circulava através dos chamados
‘cancioneiros de mão’, perseguindo uma metodologia que adopta «uma
linha histórico-literária com remissão para fenómenos pontuais de des-
continuidade» (p. 31).
Tal análise recupera necessariamente trabalhos fundamentais de Rita
Marnoto, de que se citam, entre outros, O Petrarquismo Português do
Renascimento e do Maneirismo (dissertação de doutoramento, 1994 e
publicada em 1997), passando por inúmeros estudos parcelares de que é
forçoso mencionar «A figura feminina petrarquista em Camões» (1996),
«Il petrarchismo in Portogallo» (2001), «‘Dove Petrarca scrisi. Loco be-
ato’. Petrarchismo transculturale» (2004), «O cancioneiro petrarquista
e a edição das ‘Obras’ de Sá de Miranda de 1595» (2004), «Petrarca em
Portugal. Ad eorum littus irem» (2005), «A forma cancioneiro e as ‘Rimas’
de Camões de 1595 e 1598» (2009), não esquecendo os artigos «Petrar-
quismo» e «Petrarquismo em Camões», que preparou para o Dicionário
de Luís de Camões (2011). Diga-se desde já, porém, que a importância
destes trabalhos no volume aqui em apreço não significa uma compilação
ou síntese, visto que, na verdade, esses estudos representam o ponto de
partida para esta obra monumental que, por isso mesmo, se apresenta
como suma exegética do ‘petrarquismo português’ do século XVI.
Nesta visão de conjunto, a estudiosa começa justamente por analisar o
fenómeno do petrarquismo, seus confins e sua dimensão própria no espaço
português. E não se exime a enunciar as ‘linhas gerais do petrarquismo’
como código que se inscreve «num devir histórico-literário propulsionado
por densos cruzamentos sistémicos» (p. 79), o que deixa entender a re-
DOI 10.14277/2037-6588/Ri-39-106-16-20
Submission 2016-10-10 | © 2016 405
Rassegna iberistica, 39, 106, 2016, 405-406 ISSN 2037-6588

construção crítica que não ignora a vastíssima bibliografia sobre o tema,


de resto oferecida no final do volume.
A lírica de Petrarca, como é sabido, traduz uma experiência existen-
cial tão estimulante que seria difícil não deixar ressonâncias noutras geo-
grafias literárias. Para isso contribuíram veículos de transmissão como a
difusão de manuscritos e, neste sentido, Alcobaça deve ter sido, na área
portuguesa, uma das instituições mais beneficiadas a partir de Claraval,
sem «excluir a hipótese de que Petrarca tivesse sido conhecido […] atra-
vés de códices miscelâneos incluídos na bagagem de tantos estudantes
portugueses que procuraram o lustro das humanae litterae nas universi-
dades italianas» (p. 33). O ‘espírito do tempo’ determinou que a recepção
petrarquista em Portugal, considerada cronologicamente, tenha incidido
em duas obras exemplares do século XV, como o Orto do Esposo e o Boosco
Deleitoso, recuperando o carácter moral, ascético e edificante do De Vita
Solitaria, incluindo o ‘sentimento da natureza’, aspecto de grande impac-
to na literatura portuguesa da época. Como refere pertinentemente Rita
Marnoto: «o domínio que mais cedo se mostra recetivo ao petrarquismo é
o sentimento do tempo e da natureza […] com recurso a categorias abstra-
tas e quadros fixos» (p. 168), adaptados mediante um apreciável trabalho
retórico que prevê a ascensão metafórica induzida pela exposição con-
ceptual. O mesmo é dizer que os ‘imitadores’ de Petrarca se aproximaram
progressivamente do modelo, na medida em que confiaram à prática da
poesia o conhecimento de si e do seu mundo, e uma profunda e essencial
função social. Neste aspecto, o grande mérito deste trabalho consiste na
análise minuciosa das formas de expressão retórica, por exemplo, para
concluir quanto essa aproximação foi ‘refinada e segura’, embora se reco-
nheça que a prática da imitação implica a introdução de diferenças muito
significativas.
Ao verificar o caso de Camões, entre muitos outros, Rita Marnoto cons-
tata como o autor português é o grande poeta europeu que «inscreve no
dissídio petrarquista uma instância dialética de distanciação e reaproxi-
mação entre os polos em conflito» consigo mesmo (p. 608). Há, porém, um
inegável traço de união que liga, em síntese, os autores do Renascimento
português e Petrarca: a revisitação da poesia precedente e a própria expe-
riência existencial e poética, reservando ao leitor, mesmo contemporâneo,
a reconstrução da densidade de sentido – parte fundamental do prazer do
texto.

406 Simões rec. Marnoto

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