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GROUPOS E GEOMETRIAS 61. Uma geometria definida por um grupo de transformações.

FELIX KLEIN, no seu conhecido Erlanger Programm de 1872, intitulado Vergleichende


Betrachtungen iiber neuere geometrische Forschungen, estabeleceu um princípio fundamental
que se tornou clássico em geometria. Este princípio estabelece que, dado um qualquer grupo G de
transformações (sobre elementos geométricos), o conjunto de definições e teoremas que
exprimem propriedades que permanecem inalteradas sob as transformações de G (mas que não
são invariantes sob as transformações de qualquer outro grupo que contenha G) é designado por
geometria associada ou definida por G. Assim, a geometria projectiva plana é a geometria
definida pelo grupo de todas as colineações projectivas no plano, porque o conjunto de definições
e teoremas da geometria projectiva plana exprime propriedades que são invariantes sob o grupo
geral das colineações projectivas num plano. Estas propriedades são muito gerais; não incluem as
noções familiares de paralelismo, perpendicularidade, igualdade de distâncias e ângulos, etc., da
geometria euclidiana elementar, uma vez que estas propriedades não são invariantes no grupo
geral das projecções. Estas propriedades mais especiais são invariantes em grupos mais restritos.
São todas invariantes, por exemplo, no grupo de todas as deslocações no plano.

Qualquer deslocamento ou movimento no plano é representado analiticamente pelas equações

Num sistema ordinário de coordenadas rectangulares. Estas equações mostram que o grupo dos
deslocamentos está contido no grupo de todas as colineações projectivas como um subgrupo; é de
facto um subgrupo do grupo das colineações que deixam invariante uma dada linha (p. 150). É
evidente que, em geral, quanto mais restrito for o grupo, mais propriedades invariantes
aparecerão. Isto sugere o problema de estudar as geometrias associadas a cada um dos subgrupos
do grupo projetivo geral no plano, e entre estas geometrias deveríamos, pelo que foi dito, esperar
encontrar a geometria euclidiana elementar. O facto, porém, é que o que se entende
habitualmente pelo termo geometria euclidiana é uma mistura de várias geometrias no sentido
estrito da definição dada acima. Seria interessante considerar em pormenor alguns dos subgrupos
mais importantes do grupo projetivo geral e as geometrias por eles definidas, e assim ver com
precisão a que subgrupo pertence um dado teorema da geometria euclidiana. Este é, no entanto,
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um programa demasiado ambicioso para uma breve monografia. Para uma exposição mais
sistemática e mais completa deste ponto de vista, o leitor interessado pode consultar Veblen e
Young, Projective Geometry, Vol. II. Aqui só podemos esperar dar um esboço de alguns dos
principais resultados de um tal estudo, e assim complementar a discussão das propriedades
métricas que apresentámos no Capítulo VI. No entanto, esperamos que seja dito o suficiente para
tornar claro ao leitor o ponto de vista envolvido e para lhe mostrar, pelo menos em alguns casos,
o grupo a que pertencem alguns dos conceitos familiares da geometria euclidiana elementar.
Veremos também como é que as duas principais geometrias ditas não-euclidianas surgem do
ponto de vista da teoria dos grupos aqui adotado.

O grupo afim. A geometria afim. Começaremos a nossa discussão com o grupo de todas as
colineações num plano que deixam invariante uma dada reta e que já definimos (p. 118) como o
grupo afim. A geometria correspondente chama-se geometria afim (no plano). Chamemos à reta
que fica invariante por cada colineação do nosso grupo a reta no infinito e designemo-la por lx. O
leitor deve notar que se trata de uma definição; a reta lx é uma reta qualquer no plano. Só se o
leitor desejar que a geometria resultante seja intuitivamente equivalente à geometria elementar
ordinária, isto é, se desejar que as figuras da geometria se "pareçam" com as figuras que lhe são
familiares, é que terá de pensar em lM como estando no infinito. Os pontos de lx chamam-se
pontos no infinito ou pontos ideais ou impróprios; os pontos que não estão em lx chamam-se
pontos ordinários, e as rectas do plano, com exclusão de, chamam-se rectas ordinárias. Os pontos
e rectas ordinários do plano constituem o plano euclidiano e, no resto desta monografia, a palavra
"ponto", quando não modificada, significará um ponto ordinário.

O teorema fundamental do grupo afim aqui apresentado sem prova é o seguinte: Há uma e só
uma transformação do grupo afim que transforma os vértices A, B, C de um triângulo
respetivamente nos vértices A', B', C' de qualquer outro triângulo. Já vimos (p. 150) que, em
qualquer sistema de coordenadas não homogéneas em que lM é tomado como linha excecional,
qualquer colinearidade afim é representada pelas equações.

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Passamos agora a uma série de definições que são as mesmas que foram dadas na parte inicial do
capítulo VI e que não precisam de ser repetidas em pormenor.
e que, portanto, não precisam de ser repetidas em pormenor: Duas rectas ordinárias que não se
encontram num ponto ordinário são ditas paralelas e o par de rectas é dito paralelo. Um
quadrilátero simples A BCD em que o lado AB é paralelo a CD e BC é paralelo a DA chama-se
paralelogramo, sendo as rectas AC e BD as diagonais. O teorema seguinte é uma consequência
imediata destas definições e dos teoremas projectivos: num plano euclidiano, dois pontos
distintos determinam uma e apenas uma reta; duas rectas encontram-se num ponto ou são
paralelas; duas rectas paralelas a uma terceira reta são paralelas entre si; através de um dado
ponto não situado numa dada reta existe uma e apenas uma reta paralela a essa reta. A
classificação das cónicas em hipérbole, parábola e elipse; a definição de centro, diâmetro, cónicas
centrais, assíntotas (de uma hipérbole) são todos conceitos pertencentes à geometria afim, embora
sem significado na geometria projectiva geral. Passamos agora a desenvolver alguns conceitos
novos da geometria afim. 63. O grupo das translações. Qualquer elação (p. 116) que tenha como
eixo uma linha é chamada translação. Se I é uma reta ordinária que passa pelo centro da
translação, diz-se que esta é paralela a I. Já observámos que o conjunto de todas as translações
forma um grupo.

Além disso, é evidente que o grupo das translações é invariante (p. 108) no grupo afim. O leitor
não terá dificuldade em notar que cada translação transforma qualquer reta ordinária numa reta
paralela e que transforma cada uma de um certo sistema de rectas paralelas em si mesma. Além
disso, da definição de translação resulta facilmente que existe uma e só uma translação que
transporta um ponto A para um ponto B. Diz-se que duas figuras são paralelas-congruentes se
forem homólogas numa translação. Mais tarde daremos uma definição mais geral de congruência.
Mas esta definição restrita exprime uma propriedade que é invariante no grupo afim e, portanto,
pertence à geometria afim. O facto de a propriedade ser invariante no grupo afim resulta
facilmente do facto de o grupo das translações ser transformado em si mesmo pelo grupo afim. A
condição necessária e suficiente para que os pares de pontos ordenados AB e CD sejam paralelos-
congruentes, se C não estiver sobre a reta AB, é que ABCD forme um paralelogramo. Se C está
na reta AB e PM é o ponto infinito de AB, a condição desejada é que a projeção parabólica sobre
AB com o ponto duplo P" que transforma A em C transforme B em D. A primeira parte deste
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teorema resulta imediatamente da construção da translação que transforma A em C (Fig. 62). A
reta AC é invariante e, se Pw é o ponto no infinito de AB, a reta AB transforma-se em CPX.
Logo, B é transformado na intersecção D das rectas CP ^ e BMn que une B ao centro da
translação MU Nestas condições, ABDC é um paralelogramo. A segunda parte do teorema
resulta do facto de a projectividade em cada linha invariante da translação ser parabólica (p. 117)
com ponto duplo no infinito.

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