Você está na página 1de 5

IX Seminário de Estágio Supervisionado de História

TEMAS SENSÍVEIS NO ENSINO DE HISTÓRIA: A DITADURA CIVIL-MILITAR E SUAS


REMANESCÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

MOURA, Dionatan Souza de


SILVA, Maria Jesus da
NODA, Marisa
Universidade Estadual do Norte do Paraná

RESUMO
A finalidade desta comunicação é relatar uma experiência de regência realizada no
âmbito do Programa de Residência Pedagógica do curso de História da Universidade
Estadual do Norte do Paraná. A prática pedagógica ocorreu no Colégio Estadual Rui
Barbosa, com as turmas de 3°A e B, sob a supervisão da professora regente Silvana
M. Francisquino e orientação da professora Dra. Marisa Noda. O conteúdo abordado
foi a Ditadura civil-militar de 1964 e suas implicações políticas e sociais. A metodologia
adotada fundamentou-se nos referenciais teóricos do "passado sensível" propostos
por Pereira e Seffner (2018) e de aula oficina sugerida a partir de Schmidt e
Fernandes (2007). Dessa maneira, a ditadura foi discutida a partir das
remanescências, explorando um passado cuja influência ainda se faz presente na
memória coletiva. Para enriquecer a abordagem, foram utilizadas fontes digitais, visto
que, segundo Silveira (2016), essas desempenham papel fundamental ao provocar
sensações de empatia por meio da memória. Ao final, nossos objetivos visavam
suscitar questionamentos a partir das fontes históricas, proporcionando aos alunos
elementos para uma reflexão histórica e o reconhecimento da brutal violência ditatorial
que assolou nosso país entre 1964 e 1985.
Palavras-chave: Regência; Ditadura Civil-Militar; Comissão Nacional da Verdade;
Passado sensível.
TEMAS SENSÍVEIS NO ENSINO DE HISTÓRIA: A DITADURA CIVIL-MILITAR E SUAS
REMANESCÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
MOURA, Dionatan Souza de
SILVA, Maria Jesus da
NODA, Marisa
Universidade Estadual do Norte do Paraná

Palavras-chave: Regência; Ditadura Civil-Militar; Comissão Nacional da Verdade;


Violência.

A Ditadura civil-militar representa um acontecimento incontestável na história


do Brasil. Conscientes da complexidade desta conjuntura política, reconhecemos a
existência de inúmeras interpretações e análises, muitas das quais inevitavelmente
permeadas por anacronismos e revisões históricas. De acordo com Alberti (2021), nós,
professores de história, estamos constantemente envolvidos em uma disputa de
memórias que mobiliza as sociedades contemporâneas. Diante desse cenário, torna-
se crucial abordar essas memórias nas escolas.
Portanto, eis o objetivo deste resumo: apresentar um trabalho de regência
desenvolvido no Programa de Residência Pedagógica em História da Universidade
Estadual do Norte do Paraná (UENP). A partir da orientação pedagógica da professora
Dra. Marisa Noda e supervisão da preceptora Silvana M. Francisquinho nos foi
possível aplicar a regência em duas salas de terceiro ano do Ensino Médio no Colégio
Rui Barbosa, em Jacarezinho-PR.
O repertório teórico metodológico utilizado para o planejamento e execução foi
construído a partir de Pereira e Seffner (2018) sobre os temas sensíveis no Ensino de
História, as residualidades e remanescências. Também procuramos pautar-nos na
concepção de aula oficina postulado por Schmidt e Fernandes (2007), desdobrando a
regência a partir de: apresentação dos objetivos de aprendizagem, aplicação e
investigação de conhecimentos prévios, problematização, interpretação e
contextualização de fontes históricas, intervenção pedagógica e reflexão de
metacognição.
Dessa forma, priorizamos como recorte de conteúdo a contextualização da
Ditadura civil-militar, a partir de pontos-chave, que, segundo Fico,constituem os pilares
básicos da repressão e tortura, são eles: espionagem, polícia política, propaganda e
censura. Alberti (2021) nos questiona: “como restaurar a complexidade do passado e
evitar o aprendizado raso e rasteiro sobre a ditadura? Uma possibilidade de resposta é
trabalhando com documentos” (ALBERTI, 2016, p. 15). O uso de documentos no
ensino de História é fundamental para ensinar a pensar historicamente. Peter Lee
(2016) nos orienta ao trabalho com conceitos de segunda ordem, tais como: tempo,
espaço, transformações, permanências, etc., pois dessa forma é possível alcançar a
orientação histórica no tempo, o autor intitula como “literacia histórica” ou letramento
histórico.
A partir das orientações teóricas e metodológicas, encaminhamos nossa aula
com os seguintes objetivos de aprendizagem: compreender os processos históricos
que resultaram em vinte e um anos de ditadura, sua violência institucionalizada como
política de Estado e, em contrapartida, as oposições e resistências travadas por
estudantes, sindicatos e artistas, entre outros. Foi importante ressaltar, na conjuntura
da década de 1960, o medo, uma repulsa forte ao comunismo soviético em função da
Guerra Fria que estava em curso desde 1945.. No Brasil, nos anos de 1960, através
de calorosas discussões, as Reformas de Base foram propostas pelo presidente João
Goulart. A reação veio com a marcha da família com Deus pela liberdade e os valores
conservadores, cujas pautas foram essenciais para legitimar a deflagração do Golpe.
A coleta de conhecimentos prévios se deu a partir de duas questões: “o que
você sabe sobre a Ditadura civil-militar? Porque a Ditadura perdurou por vinte e um
anos?”. As respostas foram significativas, destacaram que se tratava de um golpe, que
foi organizado pelos militares, a partir disso a população saiu às ruas e num
determinado momento o sistema repressor da ditadura se desestruturou. A partir
desses conhecimentos prévios foi possível uma intervenção pedagógica para
responder de fato o que foi, quais foram as consequências e os motivos desta ter
perdurado por mais de duas décadas. Apresentamos fotografias digitalizadas dos
seguintes momentos: comício na central do Brasil (1964), marcha da família com Deus
pela liberdade (1964), violências policiais contra estudantes (1968) e treinamento de
tortura (1972). Consideramos que diante dessas imagens, foi possível provocar
sensações diante da memória da Ditadura civil-militar no Brasil.
Também propomos analisar fontes oficiais como relatos da Comissão Nacional
da Verdade (CNV), pois, de acordo com Alberti (2021), estes são fundamentais para
proporcionar aos alunos e alunas uma aula de História a partir de fontes diversas e
variadas para que reconheçam os processos e conjunturas históricas. Dadas as
circunstâncias do tempo, projetamos os cinco minutos iniciais de um
documentário,uma entrevista concedida à CNV pela advogada Eny Moreira, que
defendeu presos políticos na década de 1970. Moreira concede essa entrevista à
audiência pública na OAB/RJ no município do Rio de Janeiro/RJ no dia 11 de
dezembro de 2012 el ressalta o desempenho dos advogados durante a Ditadura civil-
militar, lembrando que não se tratava de coragem e sim de uma enorme capacidade
de se indignar com a violência. Indignando-se com a repressão e tortura, a mesma
narra dois episódios de assassinatos de que foi testemunha ocular em 1970.
Temos que pontuar que até a projeção do documentário, ambas as turmas
estavam relativamente distraídas, observamos pequenos grupos de estudantes, uns
se ocupando com o celular, outros desenhando, outros debruçados sobre as carteiras
e/ou fazendo outras coisas além de participar do momento e da intervenção
pedagógica. Ao passo que advertimos que a Ditadura civil-militar não teria sido como
um passado qualquer, isto é, um conteúdo substantivo, e que naquele momento eles
estavam prestes a ver e ouvir um rico e doloroso documentário, eles logo mudaram
suas atenções e concentraram-se à televisão, local onde foi reproduzido o
documentário.
Durante a reprodução, observamos um infindável silêncio, uma atenção
profundal. Quando finalizamos, todos estavam atônitos com o testemunho de Eny
Moreira. A partir disso, alguns comentaram entre si suas impressões, outros relataram
em alto e bom som que jamais imaginaram que a Ditadura no Brasil tivesse sido tão
violenta como observaram no decorrer das aulas.
Pereira e Seffner (2018), salientam que os temas sensíveis estão diretamente
ligados à contemporaneidade, diante disso, procuramos trazer as memórias
contemporâneas acerca da Ditadura civil-militar em nosso país. Para concretizar essa
relação passado-presente, além do testemunho de Eny Moreira, utilizamos uma fonte
da ordem do dia, publicada pelo general Walter Braga Netto, na condição de Ministro
de Estado da Defesa no ano de 2022. O objetivo da fonte era fazer uma alusão ao
fatídico dia do Golpe, 31 de março de 1964.
Em março de 1964, as famílias, as igrejas, os empresários, os
políticos, a imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as
Forças Armadas e a sociedade em geral aliaram-se, reagiram e
mobilizaram-se nas ruas, para restabelecer a ordem e para impedir
que um regime totalitário fosse implantado no Brasil por grupos que
propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias
partes do mundo (...). Nos anos seguintes ao dia 31 de março de
1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização,
de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento
político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no
fortalecimento da democracia, na ascensão do Brasil no concerto das
nações e na aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo
Congresso Nacional (...). Cinquenta e oito anos passados, cabe-nos
reconhecer o papel desempenhado por civis e por militares, que nos
deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia, valores
estes inegociáveis, cuja preservação demanda de todos os brasileiros
o eterno compromisso com a lei, com a estabilidade institucional e
com a vontade popular (Braga Netto, 2022).

Alberti (2022) propõe uma análise documental por níveis de inferência. “1. O
que o documento diz? 2. O que posso inferir? 3. O que ele não diz? 4. O que e onde
podemos saber mais?” (Alberti, 2022, p. 17). Diante de duas fontes é possível
observar a mesma conjuntura histórica, isto é, a Ditadura civil-militar. Se por um lado,
para Eny Moreira, advogada e defensora dos presos políticos, a ditadura foi
repressiva, violenta e desumana, para um membro do alto escalão do exército, a
ditadura é objeto de uma memorável ordem do dia, pois em sua interpretação, ela fora
um “momento de restabelecimento da ordem e de democracia, valores patrióticos
inegociáveis”. Portanto, deixamos essas questões levantadas pela autora como forma
de metacognição e solicitamos às turmas, para que refletissem sobre as questões
discutidas e por escrito respondessem em seus cadernos. Ressaltamos que não
obtivemos retorno dessa atividade, pois em função do planejamento escolar, não foi
possível retornar àquelas turmas tão breve, pois ambas tiveram uma sequência de
avaliações externas e outras pendências da demanda escolar, como semana cultural e
de jogos. Portanto, não aferimos de forma precisa como eles se apropriaram deste
conteúdo e sua abordagem.
Evidentemente que ensinar a história da Ditadura civil-militar é fundamental,
pois segundo Alberti (2022) é necessário fornecer subsídios aos alunos e alunas para
saírem do registro ético (isso não foi o certo, isso não foi democrático, não podemos
repetir), alcançando a abordagem de fontes históricas de diversas naturezas, com
suas multiplicidades de perspectivas Isso significa conferir à História status de
relevância para reconhecer os processos e conjunturas que muitas vezes são
considerados “dados” ou neutros. É também reconhecer que se trata de um passado
sensível, cujas memórias são coletivas e ainda estão presentes em nosso meio e que,
por isso, é mais do que um dever abordá-las em nossas salas de aula, em última
análise é uma obrigação, pois pensar historicamente é pressuposto fundamental para
vivermos em uma sociedade que se pretende um ambiente multicultural.

Referências:
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Advogados de presos e perseguidos políticos
(OAB/RJ): Eny Moreira. Youtube, 24 dez. 2014. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=BRp9FrTA9k4. Acesso em: 28 jan. 2024.
FERNANDES, Lindamir Zeglin; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A reconstrução de aulas
de História na perspectiva da Educação Histórica: da aula oficina à unidade temática
investigativa. In: Anais do VIII Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de
História. Metodologias e Novos Horizontes. São Paulo: FEUSP - Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, 2008.
FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos
da repressão. IN: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida N (orgs.). O
Brasil Republicano -O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em
fins do século XX. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2003. (p.167-205).
LEE, Peter. Literacia Histórica e História Transformativa. Educar em Revista, n° 60,
abril-jun., 2016. p. 107-146.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. Ensino de História: passados vivos e
educação em questões sensíveis. Revista História Hoje. v. 7, n.13, 2018. (p. 14-33).
PORTO, Douglas. Ministério da Defesa publica ordem do dia em alusão a 31 de
março.CNN Brasil, 30. mar. 2022. Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ministerio-da-defesa-publica-ordem-do-dia-em-
alusao-ao-31-de-marco/. Acesso em: 28 jan. 2024.
SCHWARCZ, Lilia M; STARLING, Heloisa M. No fio da navalha: ditadura, oposição e
resistência. In: Brasil: Uma Biografia. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
SILVEIRA, Pedro Telles. As fontes digitais no universo das imagens técnicas: crítica
documental, novas mídias e o estatuto das fontes históricas digitais. Antíteses. v. 9,
n.17, 2016. (p.270-296).
VERENA, Alberti. Ditadura Militar brasileira nas aulas de História. Revista Tempo e
Argumento, Florianópolis, v.13, n.33. mai/ago 2021.

Você também pode gostar