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Réquiem para a Estação Ciência da Paraíba (ECP): memórias e

traumas de um espaço de divulgação das Ciências no Brasil

Prof. Dr. Marcos Pires Leodoro

Universidade Federal da Paraíba - UFPB

1. Estação Ciência da Paraíba (ECP): memórias

A Estação Ciência da Paraíba (ECP) é um espaço de divulgação


científica localizado no território brasileiro. Mais especificamente, suas
instalações fazem parte do edifício da Fundação Estadual de Cultura da
Paraíba (FUNESC), na cidade de João Pessoa 1, capital do estado nordestino
da Paraíba. O início do seu funcionamento foi em 1990, mas, a sua existência
jurídica já tinha sido formalizada em 04/12/1988. Ela foi inspirada na “Estação
Ciência”, inaugurada em São Paulo – SP, em 1987 e definitivamente fechada,
pelo governo paulista, em 2013.

De acordo com Hamburguer (2001), na década de 1980 há um


crescimento significativo no número de Centros de Ciências espalhados pelo
Brasil, inclusive, com financiamento internacional do Banco Mundial. Em 1985,
por exemplo, é estabelecido o Programa de Apoio ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (PADCT) com a finalidade de incrementar o ensino de
ciências no país:

O CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] funda dois


museus ou centros de ciências, O Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST no
Rio de Janeiro, em 1985, e a Estação Ciência, em São Paulo, em 1987. Em 1988,
surge o Espaço UFF de Ciências, em Niterói, RJ, e depois temos novos centros nos
estados da Paraíba, do Ceará e de Alagoas (HAMBURGER, 2001, p. 35, grifo nosso).

Enquanto a instalação da Estação Ciência, em São Paulo - SP, contou


com apoio do CNPq, a Estação Ciência da Paraíba, por sua vez, nunca esteve
diretamente vinculada ao poder público, ficando sob administração da
Fundação Padre Ibiapina. À época, a instituição filantrópica era conduzida pelo

1
O prédio da FUNESC (João Pessoa, 1984) tem valor arquitetônico relevante, tendo sido
projetado pelo arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002). Ele contém um enorme espaço
livre e coberto (a “Praça do Povo”), na qual há um teatro de arena e um planetário.

1
seu diretor-presidente Afonso Pereira da Silva (1917-2008)2, tendo por ele sido
fundada em 1954. Embora mantenha-se burocraticamente ativa, a Fundação,
atualmente, segue inoperante e submetida à litígios patrimoniais.

Atualmente, o acervo expositivo da ECP segue instalado no espaço da


FUNESC em regime de comodato. Parte desse acervo, adquirido no período
da abertura, em 1989, foi produzido pelo Museu de Astronomia do Rio de
Janeiro – MAST: câmara escura, tubos sonoros, trilho de ar, cuba de ondas
etc. No mesmo ano, foi feita a doação de um painel com uma reprodução do
“Monolito do Ingá” (figura 1), cujo monumento natural se encontra em cidade
homônima, no interior do estado da Paraíba. O mesmo doador, da cidade de
Itaperoá-PB, também cedeu à Estação Ciência, uma ossatura de baleia Minke 3
(figura 2).

Figura 1. Reprodução da escrita ideográfica do “Monolito do Ingá. (foto do autor)

2
A maioria dos documentos consultados para a elaboração desse texto pertencem ao “Arquivo
Afonso Pereira”.
3
A exibição da ossatura da baleia Minke é bastante significativa pois, no litoral da Paraíba, até
1985, era praticada a pesca desse cetáceo. Já o Monolito do Ingá é um registro lítico, uma
Itacoatiara, cujo bloco principal possui 24m de comprimento por 3,8m de altura e se encontra
repleto de escrita ideográfica ainda pouco compreendida. Ambos materiais foram doados à
ECP por Balduíno Lelis de Farias (1930-2020) que, dentre outros estudos e atividades
artísticas e culturais, se dedicou às investigações arqueológicas e sobre baleias pleistocênicas.

2
Figura 2. Ossatura de baleia Minke. (foto do autor)

Por meio de uma pesquisa documental, junto às instalações do “Arquivo


Afonso Pereira”4, localizado na cidade de João Pessoa – PB, foi possível
melhor compreender o histórico de existência da ECP, a partir dos originais de
documentos institucionais e reportagens realizadas pela imprensa local.

2. Réquiem para a Estação Ciência da Paraíba

A ECP enfrenta dificuldades na continuidade das atividades que


desenvolve, desde logo após a inauguração. Sua condição de instituição não
governamental, sem financiamento definido, num dos estados mais pobres da
federação, teve impactos bastante desfavoráveis à sua existência “plena”.
Pode-se dizer que, desde o seu início, “se escuta o réquiem” do fechamento
definitivo. Ela é, hoje, um espaço de divulgação científica que, na maioria do
tempo, permanece fechado ao público, por falta de monitores e infra-estrutura
de funcionamento.

A situação institucional da ECP não é, certamente, um caso isolado na


Paraíba, no Nordeste ou mesmo no país. Se a criação dos espaços públicos de
divulgação científica costuma ser episódica, a manutenção e o financiamento
deles, a fim de que permaneçam em funcionamento, de modo minimamente
satisfatório, bem como a existência de projeto de curadoria museal consistente

4
Há uma página do Arquivo Afonso Pereira na internet: https://arquivoafonsopereira.com.br/ .

3
com os propósitos da divulgação científica, e que esteja em plena vigência, são
ainda mais difíceis de ocorrerem.

Consideramos que a situação institucional da ECP representa um caso


emblemático dos dilemas enfrentados pela maioria dos espaços de divulgação
científica, no Brasil, a mercê de ações públicas descontinuadas, bem como da
falta de sensibilidade política para o desenvolvimento educacional, científico e
tecnológico do país.

3. Espaços de divulgação científica no Brasil: traumas que se repetem

Se a Estação Ciência da Paraíba agoniza, institucionalmente, há algum


tempo, sendo vítima de políticas públicas precárias e contingências do poder
local que lhes são desfavoráveis, além de estar sujeita ao descaso burocrático
dos órgãos governamentais, a Estação Ciência, em São Paulo – SP, já fechou
suas portas e, com alguma semelhança do que se passou na Paraíba, o maior
museu de ciências da capital paulista é, desde então, administrado por uma
organização não governamental. Como uma das consequências desse
processo, o seu projeto museal passa a ser concebido nos moldes dos science
museums internacionais que focam o entretenimento de massas e a
sustentabilidade financeira do “negócio”.

Nossa prerrogativa teórica e prática em relação à divulgação científica


está voltada à superação do seu “efeito de vitrine” que se dá quando as
instituições se restringem à tentativa da abordagem lúdica das Ciências, sem
dialogar com a perspectiva da educação crítica e voltada às necessidades e
aos desafios contemporâneos de uma sociedade que, agora submetida aos
efeitos pandêmicos da COVID-19, tem se revelado “negacionista” e misosofa.
Assim, necessitamos enfrentar a tarefa de produzir comunicação (“tornar
comum”) e não apenas fazer “comunicados” das Ciências, de um modo mais
socialmente responsável.

Entendemos que, apesar dos problemas crônicos que tem enfrentado, a


Estação Ciência da Paraíba é de extrema relevância para a sociedade

4
paraibana, uma vez que foi priorizado o atendimento aos escolares como modo
de lhes oferecer alguma proximidade com os fenômenos estudados pelas
Ciências.

A partir do contato com a administração da FUNESC e, por meio de


diálogo com os funcionários do governo estadual da Paraíba que atuam como
monitores da ECP, ainda não foi possível concluir à qual órgão público
corresponde aquele espaço. Tal situação praticamente inviabiliza que medidas
sejam tomadas para a revitalização da ECP, incluindo o seu financiamento,
administração e manutenção.

Em 2022, desenvolvemos um projeto apoiado pelo edital “Ciência vai à


Escola” da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a partir
do qual nos aproximamos da ECP. Nosso propósito com esse trabalho, assim
como a inserção de informações sobre a ECP no Guia de Centros e Museus de
Ciência da América Latina e Caribe (edição de 2023), é o de valorizar o
passado dessa instituição, assim como seguir apostando em seu futuro.

4. Referências bibliográficas

BRITO, G. de. Viagem ao desconhecido: os segredos da Pedra do Ingá.


Brasília: Senado Federal, 1988.

HAMBURGER, E. W. A popularização da Ciência no Brasil. In: CRESTANA, S.


(coord.). Educação para a ciência: curso para treinamento em centros e
museus de ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2001.

FONSECA, A. F. Fundação Padre Ibiapina: semente fértil no solo da


educação paraibana. João Pessoa: Ideia, 2008.

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