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Resumo
om a adoção do cristianismo como religião oficial do Império
Romano em 380, a Igreja cristã não pode mais defender uma teologia
completamente pacífica. Cada vez mais, os interesses do Estado se
entrelaçavam aos da Igreja. Desta forma, surgiu a necessidade dos cristãos
lutarem pelo Império e, consequentemente, justificarem religiosamente as
ações bélicas. No presente trabalho analisaremos a justificação e a
sacralização da guerra durante a Idade Média a partir da criação e do
desenvolvimento dos conceitos de guerra justa e guerra santa. Esses conceitos
originaram-se no cristianismo com pensadores como Santo Agostinho (354-
430) e Isidoro de Sevilha (560-636), que abandonaram a defesa de um
pacifismo e aceitaram uma guerra justa. Séculos depois, Bernardo de
Palavras Chave: Claraval (1090-1153) e Tomás de Aquino (1225-1274) contribuíram para a
Guerra Justa; Guerra fundamentação do conceito de guerra santa. Para o entendimento desse
Santa; Idade Média. pensamento que legitimou a ação bélica, realizaremos um diálogo entre a
historiografia e as fontes relativas ao assunto. Entre as fontes, além da Cidade
de Deus, de Agostinho e as Etimologias de Isidoro de Sevilha, destacamos o
Elogio da Nova Milícia Templária de Bernardo de Claraval. Dentre os principais
historiadores destacamos Francisco García Fitz, José de Mattos e Jean Flori.
Por meio da discussão bibliográfica e das fontes apresentadas, é possível
constatar uma adaptação do pensamento cristão às necessidades militares da
Idade Média. A Igreja colaborou para a criação de argumentos que
legitimaram a guerra, como algo justo e posteriormente santo, de forma que
essas atividades bélicas atuassem em defesa de seus interesses.
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justa como guerras que vingam injustiças, medievais: “guerra justa é aquela que se
quando um povo ou um Estado, a quem a realiza por prévio acordo, depois de uma
guerra deve ser feita, deixou de punir os série de feitos repetidos ou para expulsar
erros dos seus ou de restituir aquilo que foi ao invasor” 3 (SAN ISIDORO DE
saqueado em meio a essas injustiças SEVILLA, 2004, p. 1217).
(GARCÍA FITZ, 2003, p. 51). Segundo José Mattos, Isidoro de
Santo Agostinho inaugurava uma Sevilha declarava ser uma guerra justa
nova forma de pensamento dentro da aquela oriunda de uma razão legítima,
teologia cristã. O pacifismo deixa de ser fosse defensiva para repelir o invasor de
considerado em sua totalidade, passando seu território, fosse ofensiva desde que,
os cristãos a serem responsáveis por com esse ataque, visasse obter pelas armas
lutarem em certas guerras, quando um ressarcimento legítimo de um direito
declaradas justas. A instituição da guerra violado ou mesmo a reintegração de um
cristã começava a ganhar suas formas, patrimônio perdido (MATTOS, 1964, p.
passando por sua primeira transformação 67). Assim, a preocupação não ocorre com
ideológica, da defesa de um pacifismo a forma da guerra, defensiva ou ofensiva,
incondicional para a aceitação de uma mas sim com suas motivações. Com tal
guerra justa. teólogo, concluiu-se a primeira crise de
Entretanto, é válido lembrar que consciência cristã em relação ao ato da
se nesse primeiro momento a guerra ganha guerra.
uma justificação, ela continua Desta forma, Isidoro de Sevilha
caracterizada como algo mal; ainda que e Agostinho de Hipona consolidam a
seja um mal menor em busca de um bem primeira estrutura ideológica da
maior. Aqueles que cometessem o justificação militar cristã na Idade Média.
homicídio, apesar de estarem justificados, No entanto, entre os séculos VIII e XIII,
ainda estavam sujeitos às penitências pelo não há reflexão entre os teóricos
derramamento de sangue dos inimigos. medievais acerca da justificação da guerra,
Tal ideia se inverterá posteriormente com como fizeram Santo Agostinho e Isidoro
a consolidação de um pensamento de de Sevilha nos séculos anteriores. De
guerra santa 2 (DEMURGER, 2007, p. 41). acordo com José Mattos, tal silêncio
doutrinário pode ter quatro explicações
Todavia, antes de tal
consolidação, o conceito de guerra justa principais:
havia de passar por mais algumas a) À própria multiplicidade das
alterações e principalmente guerras, ao esmiuçamento da
complementações por parte da Igreja soberania, e aos problemas
Cristã e seus pensadores. Isidoro, bispo de internacionais que dele defluíam; b)
Sevilha, em sua obra Etimologias, ao fato de que os textos já
prosseguiu com o processo de justificação existentes pareciam bastar para
da guerra por parte dos cristãos e ficou nortear a conduta política dos
famoso por sua máxima repetida e usada povos; c) a um empobrecimento
intelectual dos filósofos cristãos,
posteriormente por muitos pensadores
nos séculos VII ao XII; d) à
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guerra justa, até a exaltação e santificação da FLORI, Jean. Guerra Santa: formação da ideia
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