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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia


Departamento de História
Curso de Graduação em História
Disciplina: História Moderna
Docente: Silvia Patuzzi
Corpo discente: Marilene Silva Costa
Pedro Henrique Lourenço Guimarães
Jorge Antônio Cassiano do Nascimento

Questões
3.6 Uma vez decodificadas a estrutura literária do discurso, análise o uso
que seus protagonistas faziam da teologia, enquanto “canal” comunicativo
de dissenso religioso e político. Para tanto, desenvolva dos aspectos
assinalados:

a) O discurso é permeado por um cristocentrismo de matriz luterana, como já


parece na saudação de abertura “ao leitor cristão”, pela invocação à “graça” e à
“paz”, de modo que os autores retomam diretamente a fórmula da saudação
paulina, como era hábito entre os “evangélicos”.

A saudação paulina estabelece um padrão de conduta de apresentação,


familiaridade e unidade identitário dos campesinos, pautado no preceito revisor
do caráter ético cristão pretendido pelo Luteranismo; estipulado na Sola Gratia e
Solas Christus. Ora a Graça, entendida como um favor que produz a consciência
da existência humana como resultante da dadiva da misericórdia de Deus e a
paz de cristo, como um estado de espirito almejado de vivência e convivência
social. Especificamente o levante camponês se apropriam da dialética de Lutero
e assimilam a doutrina de Cristo em uma nova concepção de se interpretar as
escrituras, com maior atenção ao evangelho que ao exordio assinala: “[...] o
evangelho é a palavra de Cristo. [...] todos aqueles que crerem em cristo devem
aprender ser plenos”. Munidos desta releitura, em 1524, na cidade de
Memmigem, elaborarão um manifesto composto de doze artigos que comunicam
as agruras e endossam um novo logos, que confrontam os pensamentos da
tradicional religiosidade e as contradições políticas, formulando respostas
relativas as especifidades das comunidades campesinas.

Os fatores graça, paz e cristocentrismo são observáveis na constituição dos


artigos, o exemplo da graça no artigo I e no artigo II, é vista como agente ativador
de uma unidade de fé e elemento agregador das comunidades no processo
reivindicatório e como favor de promoção da justiça ao propor isenção para
aqueles não podiam dizimar, os “miúdos”; o aspecto da paz insere-se no artigo
V, VI, VII, VIII e IX, no qual é cristalino a evidência de desgaste e opressão

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imposta dos senhorios pelo excesso de serviço, injustiça pela fala de pagamento
apropriado, não cumprimento de metas decretadas e ofensas cometidas pela
justiça tardia no exercício das leis, tais aspectos poderiam ser contornados pela
via da presença do espirito amistoso e concretiza em observância as sagradas
escrituras como fundamento para encontrar resolução das questões judiciais; o
exemplo do cristocentrismo, o artigo III e IV pontua que cristo libertou e tornou
todos os indivíduos iguais pelo seu sacrifício universal, ou seja, em cristo o
homem é um ser livre, a pratica da fraternidade e cristandade a princípio, são
elementos balizadores para a costura de acordos e tratativas em referência as
questões atinentes aos espectros jurídicos quanto ao direito do uso, posse e
limites da terra. Portanto, o cristocentrismo é o sustentáculo dos artigos
produzidos que aportam novo escopo de seguimento religioso e mudança de se
fazer uma política assistencialista e igualitária.

b) O texto é todo marcado por paralelismos, tais como: dos senhores de terras
versos os camponeses; os homens comuns revoltados versos nobreza laica e
eclesiástica, etc., e por uma lógica binária (nós contra eles): os autores dos 12
artigos, as três legiões de camponês por um lado, e do outro lado a nobreza
germânica da Suábia, que no de correr do século XV incentivou um processo de
refeudalização, o que provocou uma crise entre os senhores, os camponeses e
os livres proprietários de terra e, paralelamente a refeudalização, a nobreza laica
e eclesiástica que se beneficiavam do direito romano, sobretudo do código
Justiniano, que era um instrumento para legitimar o direito consuetudinário e
introduzir um critério legal novo em que o príncipe não estava vinculado as leis,
sendo ele o próprio legislador. Sendo assim, ele estabelecia leis que definia as
normas na base das quais o estado deveria ser governado e, como o estado e a
nobreza estavam lado a lado, essas leis propiciavam aos senhores das terras
todos os seus benefícios, enquanto o homem comum não tinha a quem recorrer.
A vida dessa população se degradava profundamente, alimentado tensões e
sérios conflitos sociais. Por esse motivo, os autores dos 12 artigos forjam a
própria identidade em oposição a dos adversários usando as escrituras, porque
esta foi a forma que eles encontraram de poder “combater o bom combate” frente
a iniciativa da nobreza privilegiada.

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O direito consuetudinário é o direito que surge dos costumes de uma certa
sociedade, que não passa por um processo formal de criação de leis, nesse
direito as leis não precisam necessariamente estar num papel ou serem
sancionadas ou promulgadas, são os costumes que transforma-se em leis.
Enquanto o direito consuetudinário foi respeitado, as tensões entre os senhores
e os homens comuns com base nas práticas costumeiras eram resolvidas e
respeitadas nas comunidades especificas, mas quando ela passou a ser usada
como um critério legal novo, ultrapassou as limitações e passaram a ocorrer
levantes em várias regiões, o que contribuiu para a formação de ligas
camponesas, essas ligas criavam programas anti-senhoriais, para que os
homens comuns pudessem pautar suas reivindicações. Mas nas tradições em
que eles pautavam suas reivindicações não eram mais suficientes para resolver
os conflitos sociais. Já que as antigas consuetudes não estavam mais os
atendendo eles precisavam de um novo direito, e foi aí que surgiu o apelo ao
direito divino, cuja fonte era a bíblia, e o apoio que precisavam veio dos
pregadores reformados que usavam as leis divinas em uma linguagem
compreensível e familiar, pela leitura em voz alta e coletiva das sagradas
escrituras e com comentários que legitimava para a insurreição.

c) No manifesto, é recorrente a fundamentação das reivindicações com base no


Evangelho e na justiça divina, elevada a princípio regulador da sociedade e
legitimador da autoridade. O processo de refeudalização imposto pela nobreza
e clérigos, se sustentavam na aplicabilidade do resgate e imposição do direito
romano, com ênfase no código Justiniano, que na prática deteriorava os direitos
dos camponeses. A usurpação destes direitos, combinados a uma série de
fatores econômicos, políticos, políticos religiosos e jurídicos, fomentará a
necessidade de um pleito pela via da religiosidade, uma que vez nos séculos XIV
E XV, as tentativas de insurreição alavancadas no resgate da tradição e do
direito consuetudinário demostraram-se estéril, Peter Blickle ilumina que o
agravo econômico, o tensionamento social e as aspirações políticas incitam a
disposição para à insurreição; os campesinos conscientes da realidade de que
a nobreza alemã manifestava uma prática religiosa que fortalecia a aliança

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política com os clérigos romanos, afinam um discurso de reivindicações em
conformidade com o evangelho.

Um exemplo evocável é um comentário da carta paulina aos Filipenses: “Quanto


ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é
justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há
alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai. Filipenses 4:8”. Nessa
recomendação de Paulo, são descritos parâmetros que norteiam o pensamento
de uma conduta de moral abrangente, partindo da premissa, que a verdade,
honestidade, o ser justo, amabilidade e a honra é de serventia de tanto para os
homens comuns, como para Senhorios e representantes da igreja; para os
camponeses os códigos das sagradas escrituras instrumentalizam o arcabouço
da justiça divina e adoção destes, poderia promover o descarrego do fardo
opressor ditado pela hierarquia dominante e era suficientemente capaz de
estabelecer a equidade dos direitos e o reordenamento da sociedade civil nas
situações conflituosas de poder nos campos, aldeias e cidades. Os códigos não
foram escritos só para os evangélicos, não obstante, para uma categoria
nominados anticristãos, posicionando-os que o evangelho é também pilar para
legitimar o reconhecimento e prestação de obediência da autoridade eleita na
esfera de um processo regular concernente a um cristão seja na jurisdição
secular ou espiritual, ponto tratado no artigo III do manifesto sobre a escolha do
pastor por um sufrágio comunitário.

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3.7. Justifique a afirmação de Peter Blickle a respeito do manifesto: Os
Doze Artigos são, ao mesmo tempo, a expressão de um conjunto de
queixas, um programa de reformas e um manifesto político. BLINCKLE, P.
Die Revolution von 1525, 2001, p.272).

Sofrendo às agruras de uma cruenta política de efetivação do domínio senhorial,


os camponeses oprimidos se rebelavam em distintas ocasiões contra esse julgo.
Os doze artigos irão elencar as queixas dos camponeses frente às privações que
sofriam sob o julgo dos senhores. É evidente que essas queixas encontram ecos
nas escrituras, onde a exploração do próximo é condenada e os abusos
reprovados. As queixas estão presentes como base para as demandas que se
seguirão. Eles reclamavam os seus antigos costumes, direitos, condições
melhores de existir nessa estrutura social, uma maior autonomia na gestão de
sua comunidade, o fim da exploração e da servidão desmedida. Todas essas
queixas se transformam em programas de reformas na medida em que os
sublevados apresentam alternativas para resolução dessas questões. As
demandas são acompanhadas de sugestões e algumas exigências de
mudanças.

Reformas essas que inclusive os conferisse mais autonomia na política de suas


comunidades. Um claro exemplo, exemplo mencionado pela professora Silvia, é
a exigência contida o primeiro artigo. Lá os sublevados requerem o direito de
nomear o seu próprio pastor e também a prerrogativa de despoja-lo de suas
funções quando o mesmo não atender as necessidades da comunidade. É
inequívoco os contornos políticos dessas reivindicações. Antes o clérigo era
designado para uma comunidade à revelia da vontade da mesma, os senhores
exerciam essa nomeação na esfera dos interesses políticos de influência e
também econômicos. Então não era pré-requisito uma vida de acordo com os
princípios cristãos ou um zelo pelo bem estar da comunidade, pelo contrário, o
que predominava era o jogo de interesses.

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E os homens comuns reivindicando que essa nomeação seja feita a partir de um
processo eletivo comunal é um passo importante, mais autonomia de gestão era
conferida em suas mãos. Como bem colocou a professora Silvia: “A perspectiva
da reforma, permite rever as relações entre os homens também e permite
questionar às relações de imposição da hierarquia eclesiástica.”

Esses manifestos antes de tudo são uma afirmação política, nos assuntos
relativos à comunidade, os grupos camponeses e todos os submetidos a uma
autoridade senhorial, se afirmam dizendo “nós existimos, temos necessidades,
demandas próprias, fazemos parte do processo produtivo e estamos aqui”.
Temos que lembrar que os doze artigos, antes de tudo, são uma apropriação
das ideias luteranas e essas ideias serão utilizadas em muitos grupos sociais e
das mais variadas formas para expressar pautas políticas. Lembra-nos a
professora Silva Patuzzi na aula do dia 27/10/2020: “As ideias luteranas serão
utilizadas para veicular o dissenso, tanto no campo político como no campo
religioso”.
Essa reivindicação dos camponeses é para além de somente religiosa, se torna
uma demanda por reconhecimento de cunho político. As autoridades senhoriais
não poderiam continuar ignorando esse segmento da sociedade.

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BIBLIOGRAFIA

-Patuzzi, Silvia. A Revolução do Homem Comum. História Moderna, Rio


de Janeiro, n. 1, p. 1-10, novembro. 2020.
-Stuart, James. King James Bible . Edição virtual. Inglaterra-Escócia:
Impressa desconhecida, 1611.

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