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Pauta 01
A presente análise procura dissertar sobre a relação entre Cristianismo enquanto religião
adotada pelo Império Romano e Filosofia, no que toca à liberdade de seu exercício.
Embora o Cristianismo, nos séculos IV a VII, devotasse, entre outras coisas, sua preocupação
em relação aos perseguidos pelo império e à opressão dirigida pelo Império Romano a estes,
uma nova fase se inaugura, associando-o com a política e o direito. Deve ser dito que, a
princípio, a associação se deu da parte do imperador para com as instituições cristãs, de forma
impositiva, o que não continuará nos séculos posteriores, onde se verá uma luta entre Igreja e
Imperador, pela supremacia do poder político.
Como reflexo desta associação, veremos uma concentração de poder e de controle pela Igreja
no campo das ideias, com implicações em outras áreas. Ora este controle será apoiado pelo
Império, ora se dará em tensão com os poderes políticos vigentes.
Filosofia: Qual a liberdade que a filosofia encontrou no Império Romano, a partir da ascensão
do Cristianismo ao Poder?
R: A liberdade filosófica se restringia aos temas não dogmatizados pelo Cristianismo. Além
deste espaço, o filósofo ou teólogo poderia passar pela condenação de heresia, como foi o caso
de Pelágio, Galileu Galilei e Giordano Bruno.
Segundo Severo Hryniewicz1, a partir de Agostinho a Igreja adotará uma dupla divisão do
conceito de verdade: verdade superior (ratio superior), que é aquela que se origina em Deus
(revelada nas Escrituras Sagradas e interpretada pelo Magistério da Igreja, a Teologia) e a
verdade inferior (ratio inferior), que é aquela que pode ser derivada da experiência empírica e
racional (filosofia e ciência).
1
Para Filosofar, Pg 317
2
Este movimento ganhou força através dos Concílios da Igreja, que passaram a resolver
conflitos teológicos da Cristandade, estabelecendo como “dogmas, decretos fechados” a
doutrina que fosse decidida ali nos Concílios.
Politicamente falando, qual das duas doutrinas serviria melhor ao imperador: a que
defendia que todos dependeriam do Cristianismo para se salvar ou a que legitimava a
cultura dos bárbaros?
12. Em 419, decreta isenção da maior parte das terras da Igreja, de impostos.
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13. Em 435, estabelece o Código penalidades mais severas, quando o réu fosse pagão.
Templos, igrejas, altares pagãos, deveriam ser destruídos. Condenação de morte.
Na medida em que a Igreja passa a condenar tanto a heresia quanto o paganismo, elege-se
como “tutora das mentalidades” no Ocidente. A liberdade de pensamento passa a ficar restrita
à concordância com o que diz a Igreja.
Problemas:
b) O segundo problema está nas relações políticas que a teologia e os dogmas acabarão
desempenhando. O dogma do “pecado original”, por exemplo, afirma que todos os
seres humanos estão condenados, previamente, ao castigo divino, e só podem escapar
deste castigo através da conversão ao Cristianismo. Isto dará legitimidade aos
processos de conversão forçada, e consequentemente, a razoável unificação e controle
do pensamento no Ocidente.
c) O terceiro problema esta em que as doutrinas cristãs acabarão por abarcar temas que
pertencem ao pensamento geral, à filosofia como um todo. São exemplos: regimes de
governo; autonomia das ciências; liberdade de pensamento; liberdade comercial;
formação de leis; procedimentos processuais na esfera penal, etc.
A partir da aproximação entre poder politico e poder religioso, a relação entre os imperadores
e a igreja se tornou quase indistinguível. A título de exemplo, cita-se o exemplo do imperador
Justiniano (Séc. VI d.C.):
A escola de filosofia fundada por Platão foi tomada como símbolo do paganismo, e
foi fechada no ano de 529. Depois disto, Justiniano proibiu o uso do Talmude [livro
sagrado judaico] nas sinagogas. E no ano de 550, extinguiu os últimos altares da
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Sendo assim, tornou-se cada vez mais difícil para livres pensadores dissertarem sobre
política, cultura e direito sem esbarrar em alguma doutrina ou dogma da Igreja. Temos como
exemplo o famoso caso de Galileu Galilei, que fora acusado de propor outra forma de
interpretação bíblica que não a que a Igreja utilizava. Galileu propôs que o texto bíblico não
fosse interpretado de forma literal, dando espaço para novas interpretações, mais conformes
com a pesquisa científica.
Embora tenhamos poucos registros de casos como este, certo é que o controle de pensamento
se estabeleceu, restringindo a liberdade filosófica. Isto se tornará mais grave a partir do
Concílio de Trento, no séc. XVI.
Dono de uma genialidade ímpar, Tomás de Aquino ficou marcado pela tentativa de unir fé e
razão. Sua principal obra é a Suma Teológica, onde aborda uma vasta ordem de assuntos.
Dentre eles, está a relação que o Estado e a Igreja deve manter para com o herege e,
consequentemente, com a liberdade filosófica. Para Tomás de Aquino, a confissão da heresia
(crer em uma doutrina diversa da oficial da Igreja) é um crime passível de punição pelo
Estado. Vejamos:
No tribunal de Deus, aqueles que retornam são sempre recebidos, pois Deus é
um examinador de corações e conhece os que retornam com sinceridade. Mas a
Igreja não pode imitar Deus nisso, pois ela presume que os que recaem depois
depois de terem sido recebidos uma vez não são sinceros em seu retorno; daí
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ela não pode excluí-los do cominho da salvação, mas não pode também
protegê-los da sentença de morte.”
In: (S.Th., II-II, 39, 1, ad 3), (S.Th., II-II, 11, 2, c). (S.Th., II-II, q.11, a. 3, c.).
A filosofia se verá dentro desta relação entre heresia e doutrina da Igreja: sua liberdade estará
onde ela não divergir das doutrinas teológicas e políticas estabelecidas pela Igreja.
Para compreender melhor este texto, podem ler o capítulo 3 do livro do Roberto Lyra
Filho: Principais Modelos de Ideologia Jurídica (O texto está anexo em PDF)
Deus criou a Ordem Natural, que rege toda a Sua Criação, bem como as sociedades, papéis
sociais, direitos e deveres, etc. Ele criou também Leis Eternas, que regulam todas as coisas.
Algumas destas Leis Eternas, revelou nas Sagradas Escrituras, que são as Leis Divinas.
Algumas das Leis Eternas, que não estão reveladas, podem ser descobertas pela Razão, e serão
chamadas Leis Naturais. Quando os legisladores criam leis, semelhantes ou divergentes das
Leis Eternas, são chamadas de Leis Humanas. São legítimas, quando colaboram com as Leis
Eternas, mas quando divergem, são ilegítimas, inferiores em posição, às Leis de Deus. A
sociedade é estabelecida a partir de hierarquia criada por Deus. Lei e Ordem como conceitos
que se complementam. A finalidade do Estado é orientar, ordenar o mundo humano, como um
cosmos projetado por Deus. Por essa razão, o sistema de governo monárquico, aliado à
Igreja, é o melhor modelo de organização social.
Tipos de Leis - Tomás de Aquino compreende a Ordem Social Natural como que governada
por pelo menos quatro tipos de leis2. São elas:
1. Lei Eterna – A Lei de Deus que governo o mundo. Abrange a totalidade de leis que
regulam ou deveriam regular, de alguma forma, a ordem natural;
2. Lei Divina – Parte da Lei de Deus, revelada ao ser humano (Sagradas Escrituras). Esta
lei é revelada ao ser humano por ser imprescindível, conhecimento absolutamente
necessário para a sustentação da Ordem Natural;
3. Lei Natural – Lei divina, derivada da Lei eterna mas apreendida pela razão humana;
4. Lei Humana – A lei positivada por legisladores, que pode entrar em conflito ou estar de
acordo com as leis divinas e naturais.
Considerações e Problemas
Vejamos: “O direito natural teológico, prevalecendo na Idade Média, servia muito bem à
estrutura aristocrática-feudal, geralmente fazendo de Deus uma espécie de político
situacionista. Mesmo quando a Igreja e o soberano andavam às turras, estas pugnas de
gigantes poderosos nada tinham a ver com o povo, nem contestavam as bases espoliativas da
ordem sócio-econômica. Era, de novo, uma cobertura ideológica para o modo de produção”.
Roberto Lyra Filho, Pg. 41.
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Veja Summa Theologica Q. 91.
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Embora não se possa reduzir a aplicação do Direito Natural como teorizou Tomás de Aquino,
apresenta-se aqui um exemplo do uso como entendia Roberto Lyra Filho, ou seja, um uso
ideológico que atende à justificação de uma determinada ordem vigente. O exemplo se
encontra nas obras de Gilberto Callado de Oliveira, Procurador de Justiça em Santa Catarina:
Filosofia da Política Jurídica (Conceito Editora) e A Verdadeira Face do Direito Alternativo
(Juruá Editora). As citações são desta última obra.
“E por isso mesmo o retorno ao direito natural, tal como o conceberam os escolásticos,
é a única via possível de confutação do alternativismo e de restauração da verdadeira
ordem do direito”. Pg. 41
“Inútil seria pensar a Idade Média com o espírito revolucionário de nossos dias, que
recusa a aceitar a única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a Civilização
Cristã”. Pg. 46
Citando Pio XII - “(...) defronte ao Estado cada qual tem o direito de viver
honradamente a própria vida pessoal, no lugar e nas condições em que os desígnios e
disposições da Divina Providência o tiverem colocado”.
“Na encíclica Rerum Novarum Leão XIII insiste no tema da desigualdade social: ‘O
primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a
sua condição: é impossível que na sociedade todos sejam elevados ao mesmo nível. É,
sem dúvida, isto o que propugnam os socialistas: mas contra a natureza todos os
esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens
diferenças tão numerosas como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de
habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente
a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em
proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social
requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva
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“Bento XV, na carta Soliti Nos, declara ser necessário acabar a hierarquia social, para o
maior bem dos indivíduos e da sociedade: ‘os que ocupam situações inferiores
quanto à posição social e à fortuna devem convencer-se bem de que a
diversidade de classes na sociedade vem da própria natureza, e de que se deve
procurá-la, em última análise, na vontade de Deus: ‘Porque ele criou os grandes e
pequenos’ Sab 6,8), para o maior bem dos indivíduos e da sociedade. Essas pessoas
humildes devem compenetrar-se desta verdade: qualquer que seja a melhora que
obtenham para a sua situação, tanto pelos seus esforços pessoais como pelo concurso
dos homens de bem, sempre lhes ficará, como aos demais homens, uma não pequena
herança de sofrimentos. Se tiverem essa visão exata da realidade, não se esgotarão
em esforços inúteis para se elevarem a um nível superior às suas capacidades, e
suportarão os males inevitáveis com a resignação e a coragem que dá a esperança de
bens eternos”. Pg. 111.
Pergunta-se aqui:
O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecuménico da Igreja
Católica. Foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da fé e a disciplina
eclesiástica, no contexto da Reforma da Igreja Católica e da reação à divisão então vivida na
Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da
Contrarreforma. O Concílio foi realizado na cidade de Trento, no antigo Principado Episcopal
de Trento, região do Tirol italiano.
Em primeiro lugar, caba destacar o lugar que o Concílio deu à curiosidade científica, quando
esta se apresentava contrária a algum dogma eclesiástico: “Aquele que recebe a graça celestial
da fé livra-se da inquietação da curiosidade.” Em outras palavras, cabe muito mais acreditar
do que se perder em curiosidade. Justamente a curiosidade teórica é a principal provocação
da filosofia.
786. Ademais, para refrear as mentalidades petulantes, decreta que ninguém, fundado
na perspicácia própria, em coisas de fé e costumes necessárias à estrutura da doutrina
cristã, torcendo a seu talante a Sagrada Escritura, ouse interpretar a mesma Sagrada
Escritura contra aquele sentido, que [sempre] manteve e mantém a Santa Madre
Igreja, a quem compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação das
Sagradas Escrituras, ou também [ouse interpretá-la] contra o unânime consenso dos
Padres, ainda que as interpretações em tempo algum venham a ser publicadas.
Esta fórmula foi adotada pelos pensadores do período. De Bossuet, defensor do Concílio de
Trento no Séc. XVII, irá afirmar:
O que está a dizer é que a análise racional do que a Igreja propõe é ilícita e inconveniente. Não
é necessário analisar através da razão. Basta acreditar, crer, na voz da Igreja.
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FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. Brasília: Brasiliense Editora, 1985. P. 19.
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Estas duas ideias [proibição de defender ideias divergentes daquelas que a Igreja propõe, e a
ilegitimidade de se analisar racionalmente os dogmas da Igreja, terão implicações imediatas.
Na medida em que a Igreja passou a dissertar sobre diversos temas políticos, esta fórmula
passou a exercer um controle negativo sobre dissertações filosóficas contrárias à forma da
igreja interpretar política e direito. Isto ficará claro a partir da elaboração e sustentação do
Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros proibidos pela igreja.
“O Index Librorum Prohibitorum, em tradução livre o Índice dos Livros Proibidos, foi uma
lista de publicações literárias que eram proibidas pela Igreja, e as regras para que um livro
entrasse nessa lista eram teorias que os Papas ou Magistério Eclesiástico não apoiassem, por
razões teológicas ou bíblicas.
A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e uma versão revista
desse foi autorizada pelo Concílio de Trento. A última edição do índice foi publicada em 1948
e o Index só foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI. Nessa lista estavam
livros que iam contra os dogmas da Igreja e que continham conteúdo tido como impróprio.
O Direito Canônico recomenda que os trabalhos sobre a Sagrada Escritura, Teologia, Direito
Canônico, História da Igreja e quaisquer escritos que dizem respeito especialmente à religião
ou aos bons costumes sejam submetidos ao juízo do Ordinário local . Se essa pessoa dava o
nihil obstat ("nada impede") os subalternos do Ordinário local forneciam o imprimatur
("deixe estar impresso").
O índice foi atualizado regularmente até a trigésima-segunda edição, em 1948, tendo os livros
sido escolhidos pelo Santo Ofício ou pelo Papa. A lista não era simplesmente reativa, os
autores eram encorajados a defender os seus trabalhos. Em certos casos eles podiam re-
publicar com omissões se pretendessem evitar a interdição. A censura prévia era encorajada.
A trigésima-segunda edição, publicada em 1948, continha 4000 títulos censurados por várias
razões: heresia, deficiência moral, sexualidade explícita, incorrecção política, etc. A escassez
dos meios de comunicação da época dificultava e até impossibilitava que a Igreja pudesse se
defender em tempo útil. Assim como a Igreja Católica, membros de outras religiões também
exerceram tal censura, tal como o protestantismo na sua fase inicial.
Alguns famosos romancistas ou poetas incluídos na lista são: Laurence Sterne, Heinrich Heine,
John Milton, Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Vitor Hugo,
Emile Zola, Stendhal, Gustave Flaubert, Anatole France, Honoré de Balzac, Jean-Paul Sartre,
Níkos Kazantzákis, e o sexologista holandês Theodoor Hendrik van de Velde, autor do manual
sexual "Ideal Marriage: Its Physiology and Technique".
Teve um grande efeito por todo o mundo católico. Por muitos anos, em áreas tão diversas
como Quebec, Portugal, Brasil ou Polônia, era muito difícil de encontrar cópias de livros
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banidos, especialmente fora das grandes cidades. O índice foi abolido em 1966 pelo Papa
Paulo VI, o que foi anunciado formalmente em 15 de junho de 1966 no jornal do Vaticano,
L'Osservatore Romano, através de um documento chamado de "Notificação", escrito no dia
anterior.”
R: A pena para quem transgredisse a proibição desta literatura irá variar no tempo e no
espaço. Em alguns períodos, a fiscalização e perseguição à heresia será mais rígida. Em alguns
países, ver-se-á também maior rigor. Mas sempre restou em que acessar esta literatura era
incorrer em pecado grave contra Deus e contra a Igreja.
Um dos problemas foi que o Index passou a proibir a literatura de cunho político e jurídico,
fundamental para a transformação do Estado. É impossível pensar a modernidade sem as
obras de Galileu Galilei, Copêrnico, Descartes, Hume, Maquiavel, Diderot, Locke, Montesquieu,
Hobbes, Beccaria, Rosseau, Kant e outros grandes filósofos que foram proibidos de serem
lidos, comercializados e impressos.
1. Em Diderot, verificamos a luta contra a censura religiosa. No século XVIII ele afirmou:
“Cada século um espírito que o caracteriza: o espírito do nosso parece ser o da liberdade”4.
Com o termo “liberdade”, refere-se à liberdade contra o controle que a religião exercia
sobre a produção intelectual, publicação de livros e debate de ideias.
2. De Maquiavel, nasce a discussão sobre o Estado, a partir de perspectiva laica, desvinculada
da teologia. O Estado passa a ser compreendido como um espaço do exercício do poder,
cujas finalidades serão usadas como parâmetros do agir do soberano.
3. De Montesquieu, nasce a proposta de descentralização do poder. O Estado já não terá mais
um tirano à sua frente, que elabora, julga e executa suas leis. Nasce a teoria da tripartição
do poder: legislativo, executivo e judiciário. Três poderes que funcionam como contrapeso,
um controlando o outro, a fim de evitar a tirania do poder absoluto.
4. De Rousseau, nasce a ideia de que “o poder nasce do povo, deve ser exercido pelo povo e
deve ter como finalidade o bem estar do povo”. Cai a ideia de que o Estado existe para a
“glória de Deus ou para a glória do rei”. Contrapõe-se à ideia defendida majoritariamente
pela Igreja no que toca a regimes de governo. Desde Tomás de Aquino, a Igreja entendeu
que a monarquia é o regime de governo que mais serve ao equilíbrio da “ordem social”,
negando-se a permitir a reflexão sobre novas possibilidades de administração do Estado.
5. De Beccaria, estabeleceu-se as ideias do “devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório, de que não existe crime sem lei anterior que o determine, de que a única
pena legítima é aquela que está estabelecida em lei [coibindo a arbitrariedade judicial], de
que as penas devem ser proporcionais ao delito”, entre outras.
O que vigorava até então era um direito penal bárbaro: condenações baseadas em boatos e
acusações, penas desproporcionais, tortura como procedimento comum, etc. Apesar de
que não fora a Igreja que inventara este sistema [era procedimento da justiça comum], ela
não somente não o enfrento, como também fez uso parcial destas barbáries no caso dos
Tribunais da Inquisição. A condenação que a Igreja fez a Beccaria, portanto, atrasou a
modernização do Direito Penal.
A maior consequência desta política de censura, como visto, foi a de que os países em que a
Igreja exerceu forte controle sobre a liberdade de pensamento não tiveram livre acesso a esta
4
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. Brasília: Brasiliense Editora, 1985. P. 16.
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1) No Séc. XIX, por meio do Papa Gregório XVI, a Igreja manteve-se defensora dos regimes
monárquicos, condenando as revoluções liberais que propunham inversão do poder
soberano, em prol da democracia. Condenou ainda a liberdade de imprensa, por acreditar
que esta era a responsável pela disseminação das ideias modernistas; Por fim, condenou a
separação entre Estado e Igreja, entre Sacerdócio e Império e o surgimento do Estado
Laico;
2) Por meio do Papa Pio IX, emitiu documentos desaprovando as perspectivas modernas que
invertiam a “hierarquia da teologia sobre a ciência”. Volta a defender a ideia de que a
teologia é superior às ciências, mesmo no que toca aos temas políticos, jurídicos e
filosóficos. Condena a leitura bíblica pelo povo, pois acreditava que este era um dever-
privilégio do Magistério Eclesiástico. Condena a acumulação materialista, implicando em
visão negativa sobre o capitalismo liberal e sobre a democracia. Posicionou-se contra o
casamento feito pelo Estado e contra a educação laica, que até então pertencia à Igreja. Por
fim, condenou o Estado Laico e a separação entre Estado e Igreja.
3) Em sentido mais largo, a Igreja manteve-se, no século XIX, condenando o fundamento da
democracia (poder que deriva do povo, a ser exercido pelo povo e em benefício do povo),
por acreditar que o fundamento do poder político é Deus e deve ser organizado a partir
deste fundamento. Condena-se também as “liberdades” nascidas do liberalismo político e
filosófico, acreditando que tais liberdades eram caminhos de perdição. Ainda, condenou-se
o racionalismo, por entender que este relativiza a revelação e assenta os fundamentos da
sociedade na falível razão humana.
Por essas razões, parte da filosofia iluminista encontrou na Igreja do Séc XVII e XIX (século das
mudanças liberais na Europa e América) um entrave para a difusão das ideias e dos
fundamentos do Estado Moderno: Igualdade entre todos os seres humanos, liberdade de
pensamento, sistema de governo democrático, liberalismo econômico
1. FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. Brasília: Brasiliense Editora, 1985.
2. Giles, T. R, Curso de Iniciação à Filosofia;
3. Index Librorum Prohibitorum;
4. Jean Delumeau, A história do Medo no Ocidente;
5. Lucien Febvre, O problema da incredulidade no séc. XVI;
6. Robert Darnton, Os Best-Sellers proibidos;
7. Roberto Lyra Filho, O que é o Direito;
8. Severo Hryniewicz, Para Filosofar;
9. Tomás de Aquino, Suma Teológica.
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Para ler mais, a partir de fontes documentais dos originais: < http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-
graduacao/elza.pdf >
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• Funções administrativas
desempenhadas pela nobreza
Direito Direito Natural Aristotélico e • Desenvolvimento do Positivismo
Tomista Jurídico, em sua versão codicista (Civil
Law) e consuetudinária (Common Law)
Direito do Rei e dos Senhores • Direito separado da moral e da religião
Feudais • Isonomia e Segurança Jurídica
• Declaração de Direitos do Homem e do
Direito Eclesiástico Cidadão
Insegurança Jurídica e falta de
Isonomia
Valores Medievais:
Diferença entre nobreza e plebe, como sendo de ordem natural (há uma vocação divina para
cada pessoa e grupo social, e a ordem social só é mantida com a preservação do respeito a esta
vocação individual e social);
O Cristianismo é a expressão da forma ideal estabelecida por Deus. Neste sentido, tanto a
heresia quanto o paganismo representam um mal à ordem social Ocidental e deve ser
desmotivado.
Acredita-se que o interesse de Deus, da Igreja e do Estado coincidem com o bem estar social.
Neste sentido, devem ser preservados.
Valores Modernos:
O fundamento do governo está na população, ou seja, nos governados. Por essa razão, o povo
deve ter participação direta na eleição de seus representantes. O exercício do poder político
deve se dar em prol da população, pois esta é a sua finalidade [organizar a pólis para o bem de
todos];
O Estado deve ser contido em seus abusos contra direitos individuais. O Estado é uma
organização política, um instrumento para alcançar o bem estar coletivo. Sendo assim, o
Estado não é uma finalidade em si, antes, um fim para alcançar o bem estar dos indivíduos.
Conflitos:
Pós II Guerra Mundial • Reação dos trabalhadores aos aspectos violentos da Revolução
e Guerra Fria Industrial
• Ludismo, Cartismo e Trade-Unions - destruição de fábricas,
associações e sindicalismo
• Socialismo Utópico: defesa da igualdade, mas com meios
pacíficos
• Socialismo Científico: defesa da criação de “Estado Igualitário”,
através da revolução operária e abolição da propriedade
privada
• Para conter o avanço comunista, desenvolveu-se em diversos
países, o Estado Social de Direito, uma tentativa de união entre
liberalismo e socialismo que, ao lado do primado dos direitos
individuais, passou a contemplar direitos sociais
Neoconstitucionalismo • Desenvolvimento da Declaração de Direitos Humanos da ONU
• Desenvolvimento do Neoconstitucionalismo e dos Direitos
Fundamentais
• Força normativa da Constituição, ampliação da jurisdição
constitucional; nova hermenêutica constitucional
John Stuart Mill • Estado de bem-estar social: o Estado deve defender a livre iniciativa,
mas também deve proporcionar condições para que todos possam
ter acesso à produção de bens.
• Há que se garantir igualdade de condições para competição e o
direito das minorias
• O Estado deve criar condições mínimas para subsistência dos
trabalhadores
Direito e Religião na Antiguidade: Punição como satisfação dos deuses para evitar
praga coletiva
Cuellon Calón refere que a origem da aplicação de uma pena como reação a condutas
consideradas criminosas está ligada à própria condição humana. Assim, a primeira forma, e
sua primeira justificação, trazem a idéia de vingança, como reação natural e instintiva a
qualquer perturbação que lhes seja provocada. Num segundo momento, de formação
histórica da sociedade, a pena passou a ser associada aos aspectos religiosos dos clãs e tribos,
havendo estreita ligação entre crenças e punições, passando o crime a ser visto como uma
ofensa aos deuses, capaz de fazer recair sobre o grupo as mais nefastas conseqüências.
Aplicação de determinadas penas aos ofensores, então, considerada como reação social, como
forma de reparação às divindades, a fim de evitar que sua ira recaísse sobre o conjunto da
comunidade.
Penas religiosas
Na Índia, data do século XIII a.C., as Leis de Manu, de inspiração teocrática, onde a faculdade
de punir era exercida pelas autoridades por delegação de Brahma (deus). Sua vinculação com
a religião hindu era tamanha que havia previsão, até mesmo, de pena de transmigração da
alma. Outro aspecto relevante diz respeito à diferenciação das penas previstas para
criminosos pertencentes a diferentes castas, próprias do regime social e estratificado
característico daquela sociedade.
Laicização do Direito
Foi somente a partir da tradição greco-romana que se deu início a uma separação entre os
campos do criminal e do sagrado, sendo considerado esta como um marco da laicização da
legislação penal. Num primeiro momento, o Direito Penal Grego ainda continua um forte
elemento religioso, sendo o direito e o poder decorrentes do deus Júpiter. Assim, o crime era
visto como uma fatalidade inafastável, decorrente da vontade divina, e a pena mantinha seu
caráter sacro.
romanas e germanas, tinha na pena não apenas um caráter sacro, que visava a correção dos
criminosos, mas também uma idéia de retribuição, outorgando exclusivamente ao poder
eclesiástico o direito de punir, sendo considerado este aspecto uma evolução em relação às
possibilidades de vingança privada do direito germano. Alguns autores sustentam que esse
período histórico foi o responsável pelas primeiras idéias de utilização da pena de prisão
como medida geral, em razão da impossibilidade de aplicação da composição decorrente de
desigualdades financeiras entre os indivíduos.
Neste período, o sentido da aplicação de uma pena estava ligado tanto à idéia da repressão
como intimidação, utilizando-se largamente as penas cruéis. Consolidava o poder punitivo no
poder público, este acabava por se usado para a defesa dos interesses do Estado e da Religião,
que muitas vezes entrelaçavam e se confundiam, criando em torno da justiça punitiva uma
atmosfera de incerteza, insegurança e terror. As penas eram aplicadas sem seguir qualquer
estipulação de igualdade, dependendo das condições financeiras e eclesiásticas do réu. A pena
de morte era aplicada largamente, através de meios bárbaros e cruéis (fogueiras,
esquartejamento, etc.), sendo absolutamente desconhecido o respeito pela dignidade humana.
Penas corporais como mutilações e açoites eram extensamente empregadas, admitindo ainda,
o confisco e as penas de infâmia. O Processo Penal, de natureza inquisitiva, era secreto, com o
emprego de torturas e sem quaisquer garantias na defesa dos réus.
http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/SOBRE.pdf
Sobre os limites e fundamentos do direito de punir nos crimes econômicos: breves reflexões
históricas e uma perspectiva punitiva para a sociedade contemporânea
A Revolução Francesa marcou para Igreja Católica um dos períodos mais difíceis de sua
história. Isto porque a Revolução não só propagou os ideais iluministas que incluíam um
sentimento anticlerical e anti-religioso, como também exerceu na prática esses ideais, muitas
vezes de forma violenta.
A França sempre teve uma posição de destaque na cristandade, desde os séculos medievais,
da conversão dos francos ao catolicismo até a época em que a cidade francesa de Avignon
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abrigou a sede do papado. Foi também a França um dos maiores pontos de conflito entre
católicos e protestantes. Tais fatos levaram a França a ser considerada por muitos papas como
a “filha predileta da Igreja”. Às vésperas da Revolução, o país mostrava um quadro onde o
catolicismo vivia o seu auge: a população participava dos ritos religiosos e o clero paroquial
cuidava da vida religiosa da sociedade. Exercia grande influencia na vida política, pois o poder
absoluto do rei era garantido pelo direito divino, e o próprio clero possuía status de Estado. A
religião católica influenciava também o tempo, com o calendário gregoriano que possuía
festas e feriados cristãos. Por fim, era papel do clero presidir as atividades civis como os
casamentos e os registros de nascimento e óbito. Era esse quadro que a revolução viria a
mudar radicalmente.
A Revolução Francesa, em sua tentativa de acabar com as estruturas feudais ainda vigentes,
colocou a Igreja Católica em uma difícil situação. Desde os primeiros passos da Assembléia
Constituinte até a Constituição Civil do Clero, foram tomadas medidas capazes de levantar
suspeitas de que a revolução era hostil ao clero. Uma das primeiras medidas dos
revolucionários foi a supressão do dizimo e o confisco dos bens do clero, para saldar o déficit
nacional. Essas medidas, a principio, não causaram um conflito direto entre a Igreja e a
Revolução.
O conflito só viria com a Constituição Civil do Clero e o juramento dos padres. Tal medida
dividiu o clero francês: o clero constitucional, fiel à constituição, e o clero refratário, fiel ao
papa. Este repudiava cada medida dos revolucionários, pois, além de perder o controle sobre
o clero francês também perdeu suas possessões territoriais francesas na cidade de Avignon.
É possível afirmar que a Constituição Civil do Clero foi o divisor de águas nas relações entre a
Religião Católica e o Estado revolucionário francês. Foi o juramento dos padres que estimulou
a contra-revolução na Vendéia e a guerrilha camponesa dos Chouans – a Chouannerie, da qual
participaram o clero refratário e a aristocracia. Foi também a questão do juramento que
desencadeou um movimento violento de ataques aos padres e aos templos. Além disso,
subordinava o clero ao Estado rompendo os seus vínculos com o papa.
A Igreja ainda viria a perder suas áreas de influência na vida política e social. O rei Luís XVI,
antes de ser decapitado, é obrigado a renunciar o seu “poder divino”, tornando-se um cidadão
como outro qualquer. O clero deixa de presidir as atividades da vida civil como o casamento e
os registros de certidões de nascimento e de óbito. É importante ressaltar que na tentativa de
enterrar de vez a influência católica, o governo aboliu o calendário gregoriano acabando com
os dias da semana, e conseqüentemente, eliminando as festas e feriados religiosos, inclusive o
domingo, conhecido como “Dia do Senhor”. Para substituí-lo criou um novo calendário,
conhecido como Calendário Republicano Francês, que marcaria o inicio da nova era da
Republica Francesa dando uma nova nomenclatura aos meses e semanas de acordo com as
estações do ano.
O período do Terror marca o inicio do movimento violento que se deu contra a Igreja Católica.
Igrejas são apedrejadas, padres são forçados a abdicar, imagens religiosas são destruídas e o
culto religioso passa a ser proibido. Podemos ainda citar as tentativas de substituir o culto
religioso por um culto revolucionário, como o culto à razão e ao Ser Supremo. Esses cultos
exaltavam a vitória da razão e da consciência sobre a dominação da Igreja. Sobre o culto ao
Ser Supremo, Robespierre aparece como pontífice da religião do Estado na tentativa
promover a união entre o sentimento revolucionário e o sentimento religioso.
Passado o período violento do Terror, com a queda de Robespierre, seguiu-se uma fase
confusa para a religião. Os homens que o derrubaram eram anticlericais que participaram
dessas perseguições. Contudo, a política da Convenção Termidoriana seguia a lógica do
24
retorno da liberdade que o período do Terror havia negligenciado. A essa lógica de liberdade
estava ligada à questão da liberdade de culto. No período que vai de 1795 a 1799, as
Assembléias do Diretório agiam ora permitindo o retorno ao culto, ora regressando a uma
política de perseguição.
Esse quadro só seria resolvido com Napoleão Bonaparte. No período do Consulado, Napoleão
e o Papa Pio VI assinam uma Concordata que redefine as relações entre a Igreja e o Estado.
Por essa Concordata a Igreja Católica era reconhecida na sua unidade e estatuto, a liberdade
de culto era garantida e o catolicismo era aceito como a religião da maioria dos franceses.
Contudo a Igreja ficava subordinada ao Estado, uma vez que a nomeação de bispos era feita
pelo Consulado. Os territórios da Igreja, como Avignon, e seus bens também não são
restituídos.
Cronologia:
Textos de época:
“A lei não reconhece os votos religiosos, nem qualquer outro compromisso que seja contrário aos
direitos naturais, ou à Constituição”. (Constituição Francesa de 1791).
“O novo calendário assim como suas instruções serão enviadas aos corpos administrativos, as
municipalidades, aos tribunais, aos juizes de paz e a todos os oficiais públicos, aos mestres de
todas as instituições e as sociedades populares. O conselho executivo provisório fará passar aos
ministros, cônsules e outros agentes da França nos países estrangeiros”. (Artigo 13 do Decreto
da Convenção Nacional sobre a instituição do Calendário Republicano).
http://www.historia.uff.br/nec/materia/andr%C3%A9-
filgueiras/revolu%C3%A7%C3%A3o-francesa-e-religi%C3%A3o-cat%C3%B3lica
25
O POSITIVISMO JURÍDICO
A função do Estado limitava-se a nomear o juiz que iria dirimir as controvérsias entre os
particulares. Este possuía um amplo leque de possibilidades disponíveis para fundamentar
sua decisão, conforme análise de Bobbio:
Alia-se a estas dificuldades uma outra, a saber, a “superioridade do direito natural sobre o
direito positivo”. Vejamos a lição de Norberto Bobbio:
A função do Estado limitava-se a nomear o juiz que iria dirimir as controvérsias entre os
particulares. Neste sentido, surgem alguns problemas, dos quais menciona-se:
6
O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone Editora. P. 28.
7
O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone Editora. P. 25.
26
iv. O que fazer quando a lei positiva entrar em colisão com conceitos religiosos,
costumeiros e filosóficos de justiça?
v. Como o judiciário, o legislativo e a própria sociedade deve resolver conflitos, quando
houver ausência de lei regulatória sobre os temas em conflito?
vi. O que fazer quando existir leis conflitantes, uma com as outras?
vii. Como o juiz deve aplicar a lei, quando observar que uma determinada lei orienta de
uma forma já ultrapassada pela visão social, ou quando a finalidade para o qual o
legislador criou aquela lei no passado, vai na direção contrária àquela promovida pela
mesma lei no presente? O juiz pode interpretar a lei a partir da sua essência [da lei], a
fim de preservar sua finalidade?
Sua ingerência abrangerá tanto o direito material (a regulação legal para casos concretos)
como também o direito processual (a forma de aplicação da lei ao caso concreto). Sendo
assim, elimina-se o espaço do exercício da arbitrária estatal [pelo rei, Igreja, ou pelo Estado-
Juiz], passando o processo a ser determinado segundo regras que atendam aos interesses da
coletividade. Vejamos:
a) A lei deveria ser criada pela coletividade, a partir de legisladores eleitos pelo povo;
b) O Estado-Juiz só deveria julgar a partir de leis criadas por este parâmetro. Desta forma,
ele fica proibido de criar parâmetros arbitrários, individuais de juízo, e passa a utilizar
parâmetros social, política e formalmente construídos;
c) A lei a ser utilizada pelo Estado-Juiz deve ser uma mesma lei para todos. Quebra-se a
desigualdade de sistemas, parâmetros ou instrumentos de juízo. Um só direito valerá
para todos.
*** Cesar Beccaria é um dos expoentes que advogam que o Estado-Juiz deve ter suas funções
controladas pelo direito, a fim de não promover arbitrariedades na elaboração e execução da
sentença, sobretudo na esfera penal.
Todo o direito moderno caminha na direção de promover segurança jurídica, que só é possível
quando os parâmetros judicias são positivados, sejam através de legislação criada por
representantes populares [deputados], sejam através de normatização judiciaria promovida
pelas Cortes Judiciais [costumes]. Neste sentido, advoga o filósofo Norberto Bobbio:
Em síntese, com a separação dos poderes o chefe do poder executivo já não poderia criar mais
leis, e com a representatividade, as leis só poderiam ser criadas por pessoas que o próprio
povo elegeu para representar suas necessidades e vontades.
8
O Positivismo Jurídico. P. 39.
28
Enquanto na Inglaterra e Estados Unidos, irá vigorar o sistema da Common Law, na Alemanha
e França (também no Brasil), irá vigorar a Civil Law.
Artigo original de Diego Gomes Alves9 [com alterações para fins da aula de Filosofia jurídica,
feitas em chaves [chaves] pelo professor Givaldo Matos
A doutrina Positivista tem como fundamento básico seu apego ao formalismo legal, sendo a
norma jurídica o eixo de sustentação do Direito.
Apesar das diversas acepções de Positivismo Jurídico, optou-se por delimitar o tema à obra de
Hans Kelsen intitulada “Teoria pura do Direito”[1], destacando seus principais referenciais
teóricos, sem, no entanto, desenvolver um estudo analítico. Em caráter introdutório ao
complexo tema Positivismo Jurídico, é interessante atentar ao elucidativo fragmento que se
segue:
Como se percebe do texto, a doutrina Positivista tem como fundamento básico seu apego ao
formalismo legal, sendo a norma jurídica o eixo de sustentação do Direito.
[Com isso quer alterar o quadro de arbitrariedade judicial que reina antes do Estado Moderno,
onde o Estado-Juiz tinha liberdade para definir critérios próprios para resolver uma demanda
judicial, criando instabilidade, insegurança jurídica.]
9
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8405/Um-breve-enfoque-do-Positivismo-Juridico-Kelseniano-segundo-a-Teoria-Pura-do-Direito
30
idealistas, que exprimem juízos de valor), transpondo a investigação jurídica, sempre que
possível, os métodos das ciências naturais.[3]
[A análise passa a ser: o que a lei diz sobre este caso concreto? – O magistrado, portanto,
abandona aquela atividade de tentar identificar qual e melhor e mais justa decisão para aquele
caso, e passa a aplicar o que a lei diz para aquele caso.]
Dentro do Positivismo Jurídico há diferentes escolas, das mais radicais às liberais moderadas.
O ponto convergente de todas é o tecnicismo formal, limitando-se a identificar o Direito com a
lei, mediante uma interpretação literal dos preceitos normativos. Paulo Nader[4] assim
descreve sua visão do Positivismo:
O Direito integra a realidade do dever-ser; isto quer dizer que as normas são ditames que
descrevem como deve ser a conduta social dos sujeitos submissos ao poder estatal e não como
verdadeiramente é.
Para Kelsen, “o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma
outra norma”[10] [ou seja, a pergunta que o operador do direito deve fazer à norma é se ela é
válida ou não. E ela é válida se nasceu de uma outra norma: aquela que estabelece os critérios
para a criação de normas: projeto de lei pelo legislativo, análise pelo Senado, promulgação pelo
chefe de Estado, incorporação na Ordem Jurídica. Se a norma passou por este processo, ela é
válida. Sendo justa ou não].
Dessa forma, normas inferiores encontram sua legitimidade em normas superiores, ou seja,
uma norma jurídica regula o procedimento de elaboração de outra norma jurídica, em uma
31
[A propósito,] A grande questão enfrentada pelo autor nesse ponto foi o fato de não ter a
Constituição (a mais alta esfera positiva) uma norma positivada que lhe conferisse validade
jurídica. Entendeu Kelsen que, diferentemente das demais normas jurídicas, a norma
fundamental não surge de um órgão criador e não adquire validade por ter sido criada por um
ato jurídico, mas simplesmente por ter sido pressuposta como válida, por ser a base de uma
construção silogística das demais normas.[12]
Kelsen considera que “uma teoria do Direito, deve, antes de tudo, determinar conceitualmente
seu objeto” [13]. Utilizando-se da linguagem, chega à conclusão de que, em todas as línguas, o
termo “direito” se apresenta como ordem de conduta humana; esta é regulada pelas normas,
que pertencem legitimamente a uma ordem jurídica quando é compatível com a Norma
Fundamental.[14]
Para Kelsen, a norma constitui o principal objeto do Direito. Esse é o entendimento do autor,
que enxerga o Direito como “uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema
de normas que regula o comportamento humano. Com o termo ´norma` se quer significar que
algo deve ser ou acontecer”.[15]
Dessa forma, Kelsen atribuiu ao Direito [enquanto ciência] a função de analisar as normas,
que já comportam em sua estrutura os elementos axiológicos da sociedade [o cientista do
Direito deve analisar o que as normas dizem, e não se as normas são justas ou não. Acreditava
que a norma espelhava, refletia os valores sociais].
Isso não quer dizer que Kelsen, que atribuiu caráter extremamente normativista a sua obra,
ignora as ordens valorativas, mas apenas que ele não as considera como necessárias ao
aspecto jurídico das normas, que por si só já contêm todos os elementos necessários à
apreciação judicial. [Ou seja, a análise do conteúdo moral e ético das normas não é afastado,
32
mas relegado a segundo plano. Sobretudo, o conteúdo moral de uma norma deve ser
questionado antes de sua elaboração, ou quando de sua vigência, pela própria sociedade. O
cientista do Direito deve, por outro lado, apenas identificar o que a norma diz, o que ela
determina, e não se a norma é justa o não.]
Paulo Nader entende que, para Kelsen, a busca da legitimação [se uma norma é legítima ou
não] fora do quadro normativo é admitida, mas como problema metajurídico [além do
direito], que deve ser apreciado por esferas espirituais (Política, Religião, Metafísica)[17]. Isso
quer dizer que os valores [se a norma é justa, democrática, equitativa, proporcional,
libertadora, igualitária] não são objeto de análise da Ciência Jurídica, mas sim da Sociologia e
Filosofia do Direito.
Ocorre que para Kelsen, diferentemente do que dizem os radicais exegetas, a determinação
normativa nunca é completa, ou seja, resta sempre uma margem de livre apreciação do
julgador (a norma sempre tem um grau de indeterminação). Entretanto, essa esfera de
liberdade na análise do julgador é sempre limitada por uma moldura jurídica, que é o
ordenamento hierarquicamente superior que a legitima[21].
O juiz, isto é, o agente que tem a incumbência de aplicar a lei ao caso concreto, segundo a
Teoria Pura, cria o Direito através de uma norma válida às partes envolvidas. É a retratação da
atividade jurisprudencial. Assim sendo, percebe-se que da interpretação surge sempre uma
norma individualizada, sem buscar elementos filosóficos ou sociológicos, uma vez que os
preceitos axiológicos necessários já estão contidos no enunciado normativo.
Kelsen desconsidera, assim, normas de moral e éticas na aplicação da norma no caso concreto,
assumindo que essas são desprovidas de validade aos olhos do Direito Positivo.
Kelsen entende que a interpretação jurídica deve ser embasada com as normas já existentes,
não podendo utilizar-se da criação de novas normas por via do conhecimento, como faz a
“Jurisprudência conceitual”.
Para a “Teoria Pura do Direito”, a indeterminação das normas, que acaba deixando espaços na
lei que serão preenchidos pelo aplicador, não pode ser utilizada ao livre contento do pretor,
sob pena de se ter prejudicada a legalidade e, por consequência, a validade das normas em
geral[24]. Assim conclui Kelsen:
lei nos casos em que não possa ser aplicada, por não conter em si
nenhuma possibilidade de aplicação. Ele deve saber que só é livre
quando ele próprio puder fazer as vezes do legislador, não porém sob
outro aspecto: quando tiver de se colocar no lugar do legislador.[25]
Notas:
[1] KELSEN,Hans. Teoria Pura do Direito. (tradução João Baptista Machado). São
Paulo:Martins Fontes, 1991. [2] FREITAS FILHO, Roberto. Crise do direito e juspositivismo: A
exaustão de um paradigma. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 40-41. [3] NADER, Paulo.
Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 175. [4] Optou-se por utilizar a visão de
Paulo Nader por mera liberalidade. Outros teóricos poderiam ter sido citados. O intuito é
somente demonstrar a percepção de um jurista renomado que, apesar de parcial em sua
opinião, é estranho àqueles que construíram a base teórica do Direito Alternativo ou do
Positivismo Jurídico. [5] NADER, Paulo. Op.cit., p. 175. [6] KELSEN,Hans. Teoria pura do
direito. (tradução João Baptista Machado). São Paulo: Martins Fontes, 1991. [7] KELSEN,Hans.
Teoria pura do direito. (tradução João Baptista Machado). São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.
6. [8] Ibidem, p. 86-90. [9] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5. ed. Trad. João Baptista
Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 5. [10] Ibidem, p. 205. [11] Ibidem, p. 168. [12]
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 1945, 2000
(tradução), p. 170. [13] Idem. Teoria pura do direito. 5. ed. Trad. João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 33. [14] Ibidem, p.33. [15] Ibidem, p. 5. [16] NADER, Paulo.
Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 196. [17] NADER, Paulo. Filosofia do
direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 198. [18] Ibidem, p.388. [19] Ibidem, p. 388. [20]
NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 4. [21] KELSEN, Hans.
Teoria pura do direito. 5. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.
388. [22] Ibidem, p. 390. [23] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Versão condensada pelo
próprio autor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119. [24] Ibidem, p. 123. [25] Ibidem,
p. 123. [26] XAVIER, Bruno de Aquino Parreira. Direito Alternativo: uma contribuição à teoria
do direito em face da ordem injusta. Curitiba: Juruá Editora, 2002. p. 34-38.
Para aprofundar:
Roberto Lyra-Filho pertence aos teóricos que entendem que o positivismo jurídico merece
reflexão e reforma, pois se transformou em um sistema ideológico conservador,
instrumentalizado pelos detentores do Poder para construir privilégios ou para manter os já
existentes, em detrimento das grandes massas, da maioria da população. É um sistema que
não promove a distribuição democrática da justiça.
Para o pensador, o direito, em sua dimensão legislativa e judiciária, pode ser visto a partir de
duas teorias opostas:
O Positivismo Jurídico, como já visto em outra abordagem, é um sistema que estabelece a LEI
como parâmetro máximo para as decisões judiciais. Ao estabelecer uma lei que tem validade
para todos, acredita que alcança a ISONOMIA, ou seja, a aplicação igualitária da LEI. De certa
forma, superou o problema grave da arbitrariedade judicial e legislativa, presente nos
sistemas jusnaturalistas medievais.
Qualquer IMPÉRIO DE LEIS que imponha com coação e coerção uma conduta pode ser
comparada com uma ditadura (Império do Direito). Sua aceitação, em grande medida,
dependerá da ideologia que justifica este império, e ainda, do caráter destas leis: há que se
dizer que as leis existentes são leis que promovem o bem para todos!
O Positivismo Jurídico, portanto, sobrevive a partir de uma ideologia que faz com que a
população o entenda como um modelo jurídico perfeito. Oferece como fundamentos as
seguintes ideias:
Para subsistir, o Positivismo Jurídico deve afirmar que as leis existentes são boas. Elas visam
atender e solucionar as necessidades sociais, representando um produto que, se fosse dado ao
cidadão escolher, ele optaria exatamente pelo que as leis são. Por mais um motivo, as leis
35
sempre convergem com a consciência moral da sociedade. Por fim, o processo de elaboração
das leis vigentes sempre é democrático, onde todos podem participar, e pacífico.
Trata-se de um direito ideal. Ele surge como resultado da razão, ou seja, é o melhor produto
que uma civilização poderia obter, pois nasce da inteligência, da lógica, da boa vontade dos
governantes, da busca incansável pelo bem de toda a nação. Não há nele falhas sérias, nem
preferencialismos, elitismos, classicismos. É um reflexo da justiça!
No entanto, quando Roberto Lyra-Filho analisa o Direito Penal de seu tempo (ele foi um
teórico crítico do Direito Penal), enxerga divergências entre a teoria e a prática deste sistema.
Para compreendermos a análise de Lyra Filho, é preciso diferenciar dois conceitos que o autor
utiliza em sua abordagem, que são a) liberdade e igualdade formal e, b) Liberdade e
igualdade material.
Liberdade e Igualdade Formal: são direitos assegurados meramente no texto da lei, mas
sem efetivação na prática. Pela legislação, todos são livres para ‘ir e vir’, para adquirir
propriedade privada, para viajarem para o exterior, ou seja, a lei não proibe isto, salvo em
casos excepcionais. O positivismo jurídico entende que isto é a liberdade, ou seja, o simples
fato de que a lei permite algo já é chamado de liberdade.
Liberdade e Igualdade Material: são direitos que, além de constarem na legislação, são
desfrutados pela sociedade. É a materialização do direito. Sendo assim, podemos dizer que o
fato da lei não proibir algo não torna concreto aquele direito. Para ‘ir e vir’, para viajar ao
exterior, para comprar propriedade privada, para gozar de boa saúde, para estudar um curso
universitário, a pessoa precisa mais do que a permissão da lei. Ela precisa ter as condições
materiais, financeiras para alcançar aquele direito. A igualdade e liberdade material, portanto,
é aquele que é assegurada pelo Estado e desfrutada pela população, de forma concreta.
O Estado, desta forma, prega uma mensagem de que todos são iguais, Gerando um
ocultamento da desigualdade material, prática, vivencial entre as pessoas. Os conservadores
da ordem, segundo Luiz Flávio Gomes, irão justificar as desigualdades, afirmando que a
pobreza é resultado da preguiça dos que não querem trabalhar. Não é por causa das injustiças
ou condições desiguais de participação na produção/aquisição dos bens sociais. A partir desta
análise, fica mais fácil compreender a visão dialética ou material do Direito.
• A lei não representa a moral social vigente, pois não existe “moral social vigente”,
antes, o que existe é uma multiplicidade de valores morais na sociedade. Sendo assim,
o direito não nasce de uma moral social, antes, nasce da moral social dominante ou de
interesses de ordem diversa;
Toda a construção é alimentada por uma construção ideológica, ou seja, a partir da criação de
uma imagem falsa do que é o direito, de que ele é justo, democrático, pacífico, social, quando
na verdade, ele é o fruto de conflitos onde nem todos podem participar.
A visão materialista afirma que não é a razão que cria o direito, antes, é a luta entre diversos
setores sociais, iniciada para assegurar, através da lei, os interesses em pauta. Pertence,
majoritariamente, aos donos do poder. Nas palavras de Lyra-filho:
O poder, por sua vez, luta por manter seus privilégios, não aceitando a democratização desta
instância. Usa-se, primariamente, o discurso da ordem que, em outras palavras, significa ‘a
10
O que é o Direito, pg. 57.
11
O que é o Direito, pg. 08.;
37
manutenção do poder da classe dominante’. O desrespeito aos ‘direitos’ de uma elite é uma
desordem, enquanto o desrespeito às necessidades dos dominados é a condição necessária ao
progresso.
Como o sistema colabora para isto? Nas palavras de Lyra-Filho: “O Positivismo Jurídico (...)
canoniza a ordem social estabelecida, que só poderia ser alterada dentro das regras do jogo
que esta própria estabelece... para que não haja alteração fundamental”.13 33
Ainda, valeria a pena citar o pensamento de Manning Marable, quando fala sobre a falta de
reconhecimento dos direitos e do sofrimento das massas oprimidas. Afirma o autor que a elite
só considera violência, quando o sangue derramado é o de alguém de seu grupo. Quando é o
sangue dos tradicionalmente espoliados, como negros, pequenos camponeses, trabalhadores
sub-assalariados, estes homicídios e mortes não entram na contabilidade. Há uma negação do
sofrimento e dos direitos das classes desfavorecidas.
A legislação que diminuiu a jornada de trabalho, de 48 horas para 44 horas, esbarrou-se nos
interesses de grandes empregadores, que lucravam muito mais com o regime antigo. É
improvável que estes empregadores tenham aprovado ou colaborado para com a diminuição
da jornada de trabalho, ou que não tenham se oposto a elas. Foi uma conquista material, ou
seja, uma conquista que enfrentou oposição mas venceu.
Por sua vez, existem interesses populares que podem perder a batalha, no interesse de firmar
seus interesses ou necessidades. É o caso das empregadas domésticas, que durante décadas,
não alcançaram êxito no reconhecimento de seus direitos trabalhistas, senão apenas no ano
de 2013.
O exercício de imaginar como foram construídos alguns direitos sociais e individuais nos
ajuda a compreender a teoria dialética de Roberto Lyra-Filho.
• No direito do trabalho, como se deu a conquista pela licença maternidade, pelas férias,
pelo 13º Salário, pelo aviso prévio?
• No direito ambiental, como se deu a proibição das queimadas, a obrigação de proteção
das margens dos rios, a proibição do desmatamento?
• No direito penal, como se deu a inclusão dos crimes de colarinho branco no rol dos
tipos penais?
12
O que é o Direito, pg. 33.
13
O que é o Direito, pg. 33.
38
São alguns dispositivos legais que nos fazem pensar em como foi árduo o processo de
estabelecer e conquistar alguns ‘direitos’ e como outros, mesmo antidemocráticos, continuam
vigentes. É que o direito nasce, na verdade, dentro de uma luta de poder, onde existem grupos
que possuem maior facilidade de positivarem seus interesses, através de parlamentares que
os defendam, enquanto outros grupos sofrem a resistência de parlamentares que não são
conhecidos pelo civismo democrático.
O que é o direito, portanto, para Roberto Lyra-Filho? Na verdade, mais fácil é identificar o que
não é o direito, no pensamento do autor. O direito não é um processo dado gratuitamente às
camadas sociais mais desprivilegiadas!
Se estas querem ver suas necessidades atendidas através da lei, devem, em primeiro lugar,
compreenderem que o processo se dá em um campo de batalha, parlamentar e ideológico e
que, somente lutando através de representantes comprometidos com a democracia, poderão
ver superadas as dificuldades que tanto atrasam o País.
Considerações Parciais
14
Cartas Aberta a um Jovem Criminólogo: Teoria, Práxis e Táticas Atuais. Revista de Direito Penal N. 28. Forense,
1980. Pág. 20.
39
O constitucionalista Luís Roberto Barroso, por ocasião do julgamento da ADI 4277 e no artigo
em tela, afirma que vivenciamos hoje uma nova fase do direito, a saber, a FASE
NEOCONSTITUCIONAL.
É uma [nova] fase constitucional porque inaugura uma nova forma de relacionar a legislação
em geral, com a Constituição Federal. Ela aproveita o POSITIVISMO JURÍDICO, que toma como
parâmetro das decisões judiciais, a legislação vigente, mas acrescenta os DIREITOS HUMANOS
[FUNDAMENTAIS] como parâmetros éticos de aplicação e julgamento das próprias leis.
Nesta nova fase, por exemplo, não basta que as leis tenham legitimidade e legalidade, ou seja,
que tenham passado pelo processo regular de promulgação de uma lei, como requerera Hans
Kelsen. É necessário que estas leis se adequem à Constituição Federal, lugar onde normas e
princípios de proteção à dignidade humana estarão em sua forma mais clara, como cláusulas
inegociáveis.
Entre estas normas e princípios, poderíamos citar o principal, o ‘da dignidade humana’, bem
como o direito à liberdade, igualdade, entre outros.
Para garantir esta disposição, toda a legislação passará pelo crivo da Constituição Federal, seja
antes de serem votados (no caso, os Projetos de Leis, que são avaliados por comissões de
controle de constitucionalidade), ou serão crivadas por ADI’s, se alguma parte julgar uma lei
específica como inconstitucional.
A lei atacada será avaliada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão guardião da Constituição.
Esta nova fase tem alguns marcos de nascimento. São eles, o marco histórico, o marco
filosófico e o marco teórico.
I. Marco histórico
Tornou-se claro para as nações envolvidas, após a guerra, que era necessário criar um
dispositivo para limitar o poder dos ESTADOS e das grandes INSTITUIÇÕES, em ações contra
o ser humano.
No entanto, tal documento não tinha força legal, por conta do princípio da soberania dos
povos. As Nações Unidas não tinham legitimidade de impor um catálogo de direito a ser
observado pelos povos. A Declaração deveria ser adotados pelos países, em seus documentos
constitucionais e, a partir daí, regular todo o direito interno.
A Declaração deveria ser incorporada nas Constituições dos povos, por ser este um
documento hierarquicamente superior, o que iria gerar uma alteração no restante da
legislação infraconstitucional.
No caso brasileiro, como nos diz Barroso, tais reformas só vieram com a atual Constituição de
1988.
Antes dela, ainda era visível no país o sequestro da liberdade de expressão, a censura,
relativização do Devido Processo Legal e Contraditório, supressão do Parlamento como órgão
de elaboração de leis, etc.
41
O positivismo jurídico tinha como máxima a ideia de que ‘a lei é dura, mas é a lei’, ou ainda, ‘a
lei, doa a quem doer!’. Ainda: ‘o direito é um fato e não um valor’, ou seja, não cabe ao juiz
analisar se uma lei é justa ou não. A partir do Neoconstitucionalismo, segundo Barroso, o
marco filosófico foi o esgotamento da crença no positivismo jurídico puro, ou seja, a crença de
que bastaria um conjunto de leis para que se efetive a justiça.
Não bastam leis. Estas leis precisam ser, minimamente, leis justas! Como estabelecer o que é
uma lei justa, no entanto, sem voltar ao direito natural, com sua insegurança jurídica
característica?
O marco teórico, segundo Barroso, se deu na forma de aplicar o direito constitucional. Se deu
de três formas: a constituição ganhará uma nova força sobre o direito, como um todo; os
espaços, as áreas do direito a serem reguladas pela constituição são aumentados e, por fim,
desenvolver-se-á uma nova interpretação constitucional. Vejamos:
Vale dizer que a Declaração Universal de Direitos Humanos foi a primeira iniciativa de se
estabelecer Direitos Humanos como reguladores da produção legislativa e aplicação da lei nas
nações. Depois desta Declaração, outros pactos de direitos humanos foram assinados,
passando estes a ser incorporados, por força de Emenda, à Constituição Federal.
*** Outrora, um devedor poderia ser preso por causa da dívida, embora esta prisão só viesse a
piorar o problema, pois em geral, o devedor era o único provedor da família. A prisão se
revelava não somente inútil, mas piorava o problema econômico das partes.
• É o caso do STF ter concedido Habeas Corpus, por exemplo, a um condenado pelo furto
de duas peças usadas de carro, que somavam o valor de quatro reais.
" O Estado deve obrigar uma gestante de feto anencefálico a ir até o final da
gravidez, mesmo sabendo que, além do mesmo não ter o encéfalo, o mesmo não
irá durar mais que duas horas após o parto?
" Se o casamento para o Estado é uma espécie de Contrato Civil que visa dirimir
problemas relacionados a bens, pensão e filhos, pode o Estado proibir que
pessoas do mesmo sexo estabeleçam este contrato?
" Uma vez que milhares de células troncos embrionárias são descartadas em
clínicas criogênicas por não terem utilidade para o casal, poderiam ser usadas
em pesquisas cientificas na área médica?
Sobre estes temas, entendeu-se que o direito encontrava-se em situação limite, cabendo ao
STF oferecer interpretação sobre como a legislação até então vigente deveria ser interpretada
à luz de princípios constitucionais.
Nos dois casos acima, a lei regulamentadora é a Constituição Federal, que deverá ser tomada
como parâmetro judicial da decisão. Em outras palavras, mantém-se a obrigatoriedade da
decisão judicial ficar restrita à lei.
No Positivismo Jurídico Clássico não havia um controle estrito para a produção das normas e
do caráter das mesmas. A lei era criada por representantes populares legítimos, promulgada
pela autoridade competente e isso já era o suficiente. Aquela lei era legítima e válida.
Se o Projeto de Lei for transformado em Lei, agora servirá como parâmetro para os juízes
decidirem as questões a ela relacionadas. Se, em um litígio, uma das partes entender que esta
lei é inconstitucional, poderá expor novamente a Lei [não é mais um Projeto de Lei, agora tem
valor e exigência de cumprimento], poderá solicitar que o STF se pronuncie, sobre se aquela
lei é constitucional ou não. Se o STF entender que não é constitucional, derruba a lei.
Já no Positivismo Clássico, uma Projeto de Lei que visava sequestrar os bens, a liberdade e a
integridade de um grupo de pessoas poderia ser votado e, conforme a adesão parlamentar,
transformava-se em lei que o juiz deveria aplicar.
O desafio de se construir um mundo mais justo e fraterno passa pela Direito. O Direito
religioso promoveu grande avanço civilizatório, embora estivesse marcado por graves abusos.
Foi superado pelo Jusnaturalismo grego, que representou um avanço em relação ao primeiro,
por permitir questionamento e participação social na elaboração das leis. Este foi superado
pelo jusnaturalismo cristão medieval, que trouxe preciosas contribuições na defesa da
dignidade humana, mas também foi caracterizado por abusos. A penúltima evolução jurídica
moderna foi a do Positivismo Jurídico, que supera o problema da insegurança jurídica, mas
padece de abertura a normas esdruxulas e vis.
John Rawls
Ronald Dworkin
Impasses do Neoconstitucionalismo
Lênio Streck