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Aula Filosofia Geral e Jurídica – Prof. Givaldo Matos

Pauta 01

A Filosofia no Cristianismo de Império [Considerações sobre a liberdade de pensamento e


sobre o exercício da Filosofia]

A presente análise procura dissertar sobre a relação entre Cristianismo enquanto religião
adotada pelo Império Romano e Filosofia, no que toca à liberdade de seu exercício.

Embora o Cristianismo, nos séculos IV a VII, devotasse, entre outras coisas, sua preocupação
em relação aos perseguidos pelo império e à opressão dirigida pelo Império Romano a estes,
uma nova fase se inaugura, associando-o com a política e o direito. Deve ser dito que, a
princípio, a associação se deu da parte do imperador para com as instituições cristãs, de forma
impositiva, o que não continuará nos séculos posteriores, onde se verá uma luta entre Igreja e
Imperador, pela supremacia do poder político.

Como reflexo desta associação, veremos uma concentração de poder e de controle pela Igreja
no campo das ideias, com implicações em outras áreas. Ora este controle será apoiado pelo
Império, ora se dará em tensão com os poderes políticos vigentes.

“O pensamento medieval distingue-se radicalmente do pensamento da Grécia Antiga


pela preponderância do Cristianismo, que, como estrutura sociopolítica e religiosa,
estabelece os parâmetros dentro dos quais a filosofia pode se desenvolver”. Giles, T. R,
Curso de Iniciação à Filosofia, 1995, p. 58)

Filosofia: Qual a liberdade que a filosofia encontrou no Império Romano, a partir da ascensão
do Cristianismo ao Poder?

R: A liberdade filosófica se restringia aos temas não dogmatizados pelo Cristianismo. Além
deste espaço, o filósofo ou teólogo poderia passar pela condenação de heresia, como foi o caso
de Pelágio, Galileu Galilei e Giordano Bruno.

DOIS TIPOS DE VERDADE

Segundo Severo Hryniewicz1, a partir de Agostinho a Igreja adotará uma dupla divisão do
conceito de verdade: verdade superior (ratio superior), que é aquela que se origina em Deus
(revelada nas Escrituras Sagradas e interpretada pelo Magistério da Igreja, a Teologia) e a
verdade inferior (ratio inferior), que é aquela que pode ser derivada da experiência empírica e
racional (filosofia e ciência).

Verdade Divina é Superior à Verdade Humana

Revelação, Bíblia, Igreja é Superior à Filosofia e Ciência

1
Para Filosofar, Pg 317
2

Na medida em que o Cristianismo, enquanto instituição política, ascende ao poder, procurará


pautar a realidade social, política, cultural e jurídica do império a partir da “verdade superior”,
relegando a segundo plano a “verdade filosófica”, por acreditar que esta era falha, enquanto
aquela era perfeita.

Este movimento ganhou força através dos Concílios da Igreja, que passaram a resolver
conflitos teológicos da Cristandade, estabelecendo como “dogmas, decretos fechados” a
doutrina que fosse decidida ali nos Concílios.

Surge, a partir de então, a política de combate à heresia, como veremos.

Ascensão do Cristianismo no Império Romano (Período da Patrística)

Com o imperador Constantino, séc. IV, o Cristianismo passou de religião perseguida no


Império Romano, a Religião privilegiada. O percurso desta trajetória foi o seguinte: proibição
da perseguição que se fazia contra os cristãos; distribuição de privilégios aos cristãos;
elevação do Cristianismo como religião oficial do Império; perseguição das doutrinas
divergentes aos dogmas e, por fim, condenação do exercício de cultos e ritos de outras
religiões além da cristã.

Veja as seguintes medidas do Império [Cf J. N. Hillgart]:

1. Em 313, com o Édito de Milão, decreta-se a proibição de perseguição aos cristãos e


determina-se a liberdade religiosa:

Édito de Milão, março de 313: "Nós, Constantino e Licínio, Imperadores,


encontrando-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança
do império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto
divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que
todos, os cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de
sua preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á propícia a
nós e a todos nossos súditos. Decretamos, portanto, que não, obstante a
existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela
religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-las sem estorvo ou empecilho, e
que ninguém absolutamente os impeça ou moleste... . Observai outrossim, que
também todos os demais terão garantia a livre e irrestrita prática de suas
respectivas religiões, pois está de acordo com a estrutura estatal e com a paz
vigente que asseguremos a cada cidadão a liberdade de culto segundo sua
consciência e eleição; não pretendemos negar a consideração que merecem as
religiões e seus adeptos. Outrossim, com referência aos cristãos, ampliando
normas estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é-nos grato ordenar,
pela presente, que todos que compraram esses locais os restituam aos cristãos
sem qualquer pretensão a pagamento... [as igrejas recebidas como donativo e os
demais que antigamente pertenciam aos cristãos deviam ser devolvidos. Os
proprietários, porém, podiam requerer compensação. Use-se da máxima
diligência no cumprimento das ordenanças a favor dos cristãos e obedeça-se a
esta lei com presteza, para se possibilitar a realização de nosso propósito de
3

instaurar a tranquilidade pública. Assim continue o favor divino, já


experimentado em empreendimentos momentosíssimos, outorgando-nos o
sucesso, garantia do bem comum."

2. O Código Teodosiano XVI, 2, em 319, dispensa de serviços públicos os clérigos da


Igreja.
3. Em 325, se dá o Primeiro Concílio Ecumênico, o de Nicéia. Filosoficamente falando, o
principal problema estará na criação do conceito de DOGMA, que significará “uma
verdade divina, inquestionável” e que, após o ano 380, deveria ser adotada por todos
os cidadãos do império, excluindo a liberdade de divergência, que culminará em
condenação aos dissidentes (hereges).
4. Em 337, à hora da morte, o imperador Constantino foi batizado pelo bispo Eusébio de
Cesareia.
5. Em 355, decreta-se que bispos não seriam julgados em tribunais seculares, mas
privados.
6. Em 380, o Cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano.
7. Em 380, decreta condenação aos Hereges.
8. Em 388, no mesmo código, temos a proibição de debates públicos a respeito da
Religião.
9. Em 388 ainda, estabelece a proibição de casamentos entre judeus e cristãos.
10. Em 392, o Código estabelece proibição a todos os cultos pagãos, sob pena de confisco
dos bens e multas.
11. O Concílio de Cartago (418 dC.) inicia a supressão do pensamento de Pelágio (se eu
devo fazer algo, eu posso), que também foi condenado no Concílio de Éfeso (431 d.C.) e
no Concílio de Orange II (529 d.C.).

Politicamente falando, qual das duas doutrinas serviria melhor ao imperador: a que
defendia que todos dependeriam do Cristianismo para se salvar ou a que legitimava a
cultura dos bárbaros?

Como conseqüência da condenação de Pelágio, finda-se a liberdade de crença em


outras tradições religiosas, defendida no Edito de Milão, em 313. Dá-se justificativa
ideológica para a perseguição das outras religiões no Império. Se só o Cristianismo
veicula a salvação (só a graça torna possível a escolha por Deus), o Estado deve
proteger os cidadãos do perigo da perdição das religiões pagãs. Um processo de
cristianização forçada, perseguição aos pagãos, extermínio dos sacerdotes pagãos e
destruição de seus templos e literatura vai se iniciar.

Pergunta-se se o resultado deste concílio foi predominantemente teológico ou se a


influência política foi maior, pois a partir de então, ocorre também uma justificativa
para seqüestrar os bens dos pagãos, inclusive dos judeus na Alta Idade Média. O
Império ganha o apoio da religião também em suas lutas contra os bárbaros: já não
mais porque são bárbaros, mas porque não são cristãos.

12. Em 419, decreta isenção da maior parte das terras da Igreja, de impostos.
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13. Em 435, estabelece o Código penalidades mais severas, quando o réu fosse pagão.
Templos, igrejas, altares pagãos, deveriam ser destruídos. Condenação de morte.

“Imperadores Teodósio e Valenciano Augustus para Isidoro, Prefeito Pretoriano.


Nós proibimos todas as pessoas de mente pagã criminosa de realizar a imolação
de vítimas inocentes, sacrifícios condenáveis e de todas as demais práticas
proibidas pela autoridade da mais antiga das sanções. Nós ordenamos ue todos
os seus templos, igrejas e altares, mesmo que não reste nenhum intacto, sejam
destruídos por ordem dos magistrados e sejam purificados com a edificação do
sinal da venerável religião. Cristã. Todos devem saber que se ficar evidente, com
provas adequadas diante de um juiz, que qualquer pessoa que zombou dessa lei,
ela deve ser punida com a morte”. Fonte: Hillgarth, J. N. Cristianismo e
Paganismo. Pg. 63. São Paulo: Madras Editora, 2004.

Pergunta-se: como fica a filosofia dentro desta equação política e religiosa?

Na medida em que a Igreja passa a condenar tanto a heresia quanto o paganismo, elege-se
como “tutora das mentalidades” no Ocidente. A liberdade de pensamento passa a ficar restrita
à concordância com o que diz a Igreja.

Problemas:

a) O principal problema desta equação para a filosofia está em que a filosofia é,


essencialmente crítica das ideias, não sendo possível a castração, o controle do
pensamento.

b) O segundo problema está nas relações políticas que a teologia e os dogmas acabarão
desempenhando. O dogma do “pecado original”, por exemplo, afirma que todos os
seres humanos estão condenados, previamente, ao castigo divino, e só podem escapar
deste castigo através da conversão ao Cristianismo. Isto dará legitimidade aos
processos de conversão forçada, e consequentemente, a razoável unificação e controle
do pensamento no Ocidente.

c) O terceiro problema esta em que as doutrinas cristãs acabarão por abarcar temas que
pertencem ao pensamento geral, à filosofia como um todo. São exemplos: regimes de
governo; autonomia das ciências; liberdade de pensamento; liberdade comercial;
formação de leis; procedimentos processuais na esfera penal, etc.

A partir da aproximação entre poder politico e poder religioso, a relação entre os imperadores
e a igreja se tornou quase indistinguível. A título de exemplo, cita-se o exemplo do imperador
Justiniano (Séc. VI d.C.):

O imperador Justiniano tomou como alvo unir o Ocidente através da unificação da


religião. Tinha como meta a seguinte fórmula: "Um Estado, uma Lei, uma Igreja".
Perseguiu judeus, pagãos e cristãos hereges [que defendiam doutrinas diferentes
das doutrinas oficiais da Igreja, estabelecidas nos Concílios].

A escola de filosofia fundada por Platão foi tomada como símbolo do paganismo, e
foi fechada no ano de 529. Depois disto, Justiniano proibiu o uso do Talmude [livro
sagrado judaico] nas sinagogas. E no ano de 550, extinguiu os últimos altares da
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religião egípcia. O Cristianismo seguiu como única religião possível no Ocidente,


fato que só séculos mais tarde será alterado.

Sendo assim, tornou-se cada vez mais difícil para livres pensadores dissertarem sobre
política, cultura e direito sem esbarrar em alguma doutrina ou dogma da Igreja. Temos como
exemplo o famoso caso de Galileu Galilei, que fora acusado de propor outra forma de
interpretação bíblica que não a que a Igreja utilizava. Galileu propôs que o texto bíblico não
fosse interpretado de forma literal, dando espaço para novas interpretações, mais conformes
com a pesquisa científica.

Embora tenhamos poucos registros de casos como este, certo é que o controle de pensamento
se estabeleceu, restringindo a liberdade filosófica. Isto se tornará mais grave a partir do
Concílio de Trento, no séc. XVI.

Tomás de Aquino e a Liberdade de Pensamento na Escolástica

As consequências desta nova forma da Igreja estabelecer controle sobre as mentalidades


iniciadas nos primeiros séculos do Cristianismo se verão mais claramente na teologia do
principal filósofo do período medieval, a saber, Tomás de Aquino (Séc XIII).

Dono de uma genialidade ímpar, Tomás de Aquino ficou marcado pela tentativa de unir fé e
razão. Sua principal obra é a Suma Teológica, onde aborda uma vasta ordem de assuntos.

Dentre eles, está a relação que o Estado e a Igreja deve manter para com o herege e,
consequentemente, com a liberdade filosófica. Para Tomás de Aquino, a confissão da heresia
(crer em uma doutrina diversa da oficial da Igreja) é um crime passível de punição pelo
Estado. Vejamos:

“Sobre os heréticos, dois pontos precisam ser observados: um do lado deles e


outro, no da Igreja. Do lado deles há o pecado, pelo qual eles merecem não
apenas serem separados da Igreja pela excomunhão, mas também
separados do mundo pela morte. Pois é um problema muito mais grave
corromper a fé que alimenta a alma do que forjar dinheiro, que sustenta a vida
temporal. De onde se conclui que se os falsificadores de dinheiro e outros
malfeitores são condenados à morte por isso pelas autoridades seculares, há
muito mais motivos para os heréticos, tão logo sejam condenados por heresia,
sejam não apenas excomungados, mas executados.

Da parte da Igreja, porém, há misericórdia, que procura a conversão dos


desgarrados, e por isso ela não condena imediatamente, mas "depois da
primeira e segunda admoestação", como ensinou o Apóstolo: depois disso, se
persistir na teimosia, a Igreja, sem esperança de conversão, procura pela
salvação dos demais excomungando-o e separando-o da Igreja; além disso,
entrega-o ao tribunal secular para ser exterminado assim deste mundo
pela morte.

No tribunal de Deus, aqueles que retornam são sempre recebidos, pois Deus é
um examinador de corações e conhece os que retornam com sinceridade. Mas a
Igreja não pode imitar Deus nisso, pois ela presume que os que recaem depois
depois de terem sido recebidos uma vez não são sinceros em seu retorno; daí
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ela não pode excluí-los do cominho da salvação, mas não pode também
protegê-los da sentença de morte.”

Sobre a prática de religiões diferentes da cristã, também afirmou:

“Os ritos, porém, de outros infiéis, que nada de verdade ou de utilidade


apresentam, não devem ser tolerados a não ser para evitar algum mal; isto é, o
escândalo ou o dissídio que poderiam provir ou o impedimento da salvação
daqueles que, aos poucos, se tolerados, se converteriam à fé.”

In: (S.Th., II-II, 39, 1, ad 3), (S.Th., II-II, 11, 2, c). (S.Th., II-II, q.11, a. 3, c.).

A filosofia se verá dentro desta relação entre heresia e doutrina da Igreja: sua liberdade estará
onde ela não divergir das doutrinas teológicas e políticas estabelecidas pela Igreja.

Na próxima pauta mencionar-se-á os conceitos principais de Tomás de Aquino referentes ao


Direito.
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Pauta 02 - Direito Natural Teocêntrico (Tomás de Aquino)

Para compreender melhor este texto, podem ler o capítulo 3 do livro do Roberto Lyra
Filho: Principais Modelos de Ideologia Jurídica (O texto está anexo em PDF)

Resumo da teoria jusnaturalista de Tomás de Aquino:

Deus criou a Ordem Natural, que rege toda a Sua Criação, bem como as sociedades, papéis
sociais, direitos e deveres, etc. Ele criou também Leis Eternas, que regulam todas as coisas.
Algumas destas Leis Eternas, revelou nas Sagradas Escrituras, que são as Leis Divinas.
Algumas das Leis Eternas, que não estão reveladas, podem ser descobertas pela Razão, e serão
chamadas Leis Naturais. Quando os legisladores criam leis, semelhantes ou divergentes das
Leis Eternas, são chamadas de Leis Humanas. São legítimas, quando colaboram com as Leis
Eternas, mas quando divergem, são ilegítimas, inferiores em posição, às Leis de Deus. A
sociedade é estabelecida a partir de hierarquia criada por Deus. Lei e Ordem como conceitos
que se complementam. A finalidade do Estado é orientar, ordenar o mundo humano, como um
cosmos projetado por Deus. Por essa razão, o sistema de governo monárquico, aliado à
Igreja, é o melhor modelo de organização social.

Tipos de Leis - Tomás de Aquino compreende a Ordem Social Natural como que governada
por pelo menos quatro tipos de leis2. São elas:

1. Lei Eterna – A Lei de Deus que governo o mundo. Abrange a totalidade de leis que
regulam ou deveriam regular, de alguma forma, a ordem natural;
2. Lei Divina – Parte da Lei de Deus, revelada ao ser humano (Sagradas Escrituras). Esta
lei é revelada ao ser humano por ser imprescindível, conhecimento absolutamente
necessário para a sustentação da Ordem Natural;
3. Lei Natural – Lei divina, derivada da Lei eterna mas apreendida pela razão humana;
4. Lei Humana – A lei positivada por legisladores, que pode entrar em conflito ou estar de
acordo com as leis divinas e naturais.

Considerações e Problemas

1. Permanência entre o conflito entre Igreja e Estado – Para Tomás de Aquino, a


Lei Eterna, Divina e Natural é maior do que a Lei positiva.
2. Tomás de Aquino retoma o principio da igualdade de Aristóteles, onde os desiguais
devem ser tratados de forma desigual. Isto implicará em direitos desiguais.
3. Pensa-se em uma sociedade naturalmente desigual, que explica a organização
social medieval e a atual. Santifica-se o status quo.

Vejamos: “O direito natural teológico, prevalecendo na Idade Média, servia muito bem à
estrutura aristocrática-feudal, geralmente fazendo de Deus uma espécie de político
situacionista. Mesmo quando a Igreja e o soberano andavam às turras, estas pugnas de
gigantes poderosos nada tinham a ver com o povo, nem contestavam as bases espoliativas da
ordem sócio-econômica. Era, de novo, uma cobertura ideológica para o modo de produção”.
Roberto Lyra Filho, Pg. 41.

Considerações atuais sobre o pensamento de Tomás de Aquino

2
Veja Summa Theologica Q. 91.
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Embora não se possa reduzir a aplicação do Direito Natural como teorizou Tomás de Aquino,
apresenta-se aqui um exemplo do uso como entendia Roberto Lyra Filho, ou seja, um uso
ideológico que atende à justificação de uma determinada ordem vigente. O exemplo se
encontra nas obras de Gilberto Callado de Oliveira, Procurador de Justiça em Santa Catarina:
Filosofia da Política Jurídica (Conceito Editora) e A Verdadeira Face do Direito Alternativo
(Juruá Editora). As citações são desta última obra.

Problema - Como conhecer o Direito Natural?

Para estarem perfeitamente formalizados no ordenamento jurídico os direitos naturais


necessitam ser conhecidos através de uma profunda análise da natureza do homem e
da sociedade, e, notadamente, da majestosa organização social e jurídica da Civilização
Cristã (...)”. Pg. 40

Como organizar adequadamente a Sociedade na Atualidade?

“E por isso mesmo o retorno ao direito natural, tal como o conceberam os escolásticos,
é a única via possível de confutação do alternativismo e de restauração da verdadeira
ordem do direito”. Pg. 41

Como pensar e considerar a Idade Média e Direito Natural?

“Inútil seria pensar a Idade Média com o espírito revolucionário de nossos dias, que
recusa a aceitar a única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a Civilização
Cristã”. Pg. 46

Ordem Social Natural – Hierarquia Social divinamente estabelecida:

Citando Pio XII - “(...) defronte ao Estado cada qual tem o direito de viver
honradamente a própria vida pessoal, no lugar e nas condições em que os desígnios e
disposições da Divina Providência o tiverem colocado”.

Qual a reação ideal às injustiças e desigualdades sociais, ante a compreensão desta


Providência Divina?

Desigualdade Natural e Providencial:

No século XIX, fundada na compreensão de Ordem Natural Divina, a Igreja elaborou


documentos que revelam, em grande medida, sua compreensão [à época] das razões da
desigualdade social e de como lidar com tais desigualdades. Vejamos:

“Na encíclica Rerum Novarum Leão XIII insiste no tema da desigualdade social: ‘O
primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a
sua condição: é impossível que na sociedade todos sejam elevados ao mesmo nível. É,
sem dúvida, isto o que propugnam os socialistas: mas contra a natureza todos os
esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens
diferenças tão numerosas como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de
habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente
a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em
proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social
requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva
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precisamente os homens a dividir entre si funções é, sobretudo, a diferença das suas


respectivas condições”. Pg. 109.

“Bento XV, na carta Soliti Nos, declara ser necessário acabar a hierarquia social, para o
maior bem dos indivíduos e da sociedade: ‘os que ocupam situações inferiores
quanto à posição social e à fortuna devem convencer-se bem de que a
diversidade de classes na sociedade vem da própria natureza, e de que se deve
procurá-la, em última análise, na vontade de Deus: ‘Porque ele criou os grandes e
pequenos’ Sab 6,8), para o maior bem dos indivíduos e da sociedade. Essas pessoas
humildes devem compenetrar-se desta verdade: qualquer que seja a melhora que
obtenham para a sua situação, tanto pelos seus esforços pessoais como pelo concurso
dos homens de bem, sempre lhes ficará, como aos demais homens, uma não pequena
herança de sofrimentos. Se tiverem essa visão exata da realidade, não se esgotarão
em esforços inúteis para se elevarem a um nível superior às suas capacidades, e
suportarão os males inevitáveis com a resignação e a coragem que dá a esperança de
bens eternos”. Pg. 111.

Pergunta-se aqui:

a) Devem os seres humanos aceitarem a realidade tal como a encontramos?


b) Esforços para mudar uma realidade aparentemente natural devem ser empreendidos,
quando tal realidade é promotora de sofrimentos?
c) A desigualdade natural pode ser compreendida como que gerada por causas naturais?
Todas as desigualdades ou parte delas?
d) Reconhecer uma dimensão natural da desigualdade implica em não lugar para corrigí-
la?
e) Seria possível a adoção de políticas de intervenção, capazes de equacionar o problema
da desigualdade social crônica?

Outras Considerações Críticas:

1. O que é a fortuna? O que é a Providência?


2. A desigualdade social é originada na ‘ordem natural’ estabelecida pela divindade? Da
mulher? Do escravo? Dos operários na Revolução Industrial? Das crianças
trabalhadoras na China? Dos ‘hereges’? As desigualdades sociais históricas, que
foram superadas, foram estabelecidas pela ordem natural?
3. A pobreza extrema de alguns países, são derivadas da ordem natural?
4. As riquezas de nações desenvolvidas foram acumuladas historicamente, por razão da
‘ordem natural’ (paraísos fiscais, países escravagistas, etc)?
5. Como saber se uma desigualdade merece luta por sua superação?
6. Quando a ordem for ‘dialéticamente’ ou ‘naturalmente’ considerada injusta, que fazer
com a ‘ordem social injusta’ (ditaduras militares e econômicas)?

Bibliografia para Consulta:

1. Filosofia do Direito, de Miguel Reale;


2. A Verdadeira Face do Direito Alternativo, de Gilberto Callado de Oliveira; Filosofia da
Política Jurídica, de Gilberto Callado de Oliveira;
3. O que é o Direito, de Roberto Lyra Filho. Cap. 3 – Principais Modelos de Ideologia
Jurídica
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Pauta 03 - Concílio de Trento e a Liberdade de Pensamento

O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecuménico da Igreja
Católica. Foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da fé e a disciplina
eclesiástica, no contexto da Reforma da Igreja Católica e da reação à divisão então vivida na
Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da
Contrarreforma. O Concílio foi realizado na cidade de Trento, no antigo Principado Episcopal
de Trento, região do Tirol italiano.

Liberdade de consciência após o Concílio de Trento (Sessão VI):

Em primeiro lugar, caba destacar o lugar que o Concílio deu à curiosidade científica, quando
esta se apresentava contrária a algum dogma eclesiástico: “Aquele que recebe a graça celestial
da fé livra-se da inquietação da curiosidade.” Em outras palavras, cabe muito mais acreditar
do que se perder em curiosidade. Justamente a curiosidade teórica é a principal provocação
da filosofia.

Em segundo lugar, o Concílio de Trento estabeleceu novamente proibição a interpretações das


Escrituras Sagradas diferentes das estabelecidas pela Igreja:

786. Ademais, para refrear as mentalidades petulantes, decreta que ninguém, fundado
na perspicácia própria, em coisas de fé e costumes necessárias à estrutura da doutrina
cristã, torcendo a seu talante a Sagrada Escritura, ouse interpretar a mesma Sagrada
Escritura contra aquele sentido, que [sempre] manteve e mantém a Santa Madre
Igreja, a quem compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação das
Sagradas Escrituras, ou também [ouse interpretá-la] contra o unânime consenso dos
Padres, ainda que as interpretações em tempo algum venham a ser publicadas.

Os que se opuserem, sejam denunciados pelos Ordinários e castigados segundo as


penas estabelecidas pelo direito. [Seguem uns preceitos sobre a impressão e aprovação
dos livros, onde se estabelece entre outras coisas o seguinte:] que para o futuro a
Sagrada Escritura, principalmente essa antiga edição da Vulgata, seja publicada do
modo mais exato possível; e que a ninguém seja permitido imprimir ou fazer
imprimir qualquer livro sobre assuntos sagrados sem o nome do autor, nem
vendê-los ou retê-los consigo, se não forem primeiro examinados e aprovados
pelo Ordinário…

Esta fórmula foi adotada pelos pensadores do período. De Bossuet, defensor do Concílio de
Trento no Séc. XVII, irá afirmar:

“É um erro imaginar que é preciso sempre examinar antes de crer. A felicidade


daqueles que nascem por assim dizer no seio da verdadeira Igreja, é que Deus lhe deu
uma tal autoridade que acreditamos primeiro no que ela propõe e que a fé precede, ou
antes, exclui o exame”. 3

O que está a dizer é que a análise racional do que a Igreja propõe é ilícita e inconveniente. Não
é necessário analisar através da razão. Basta acreditar, crer, na voz da Igreja.

3
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. Brasília: Brasiliense Editora, 1985. P. 19.
11

Estas duas ideias [proibição de defender ideias divergentes daquelas que a Igreja propõe, e a
ilegitimidade de se analisar racionalmente os dogmas da Igreja, terão implicações imediatas.
Na medida em que a Igreja passou a dissertar sobre diversos temas políticos, esta fórmula
passou a exercer um controle negativo sobre dissertações filosóficas contrárias à forma da
igreja interpretar política e direito. Isto ficará claro a partir da elaboração e sustentação do
Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros proibidos pela igreja.

Anexo Wiki: O Index Librorum Prohibitorum

“O Index Librorum Prohibitorum, em tradução livre o Índice dos Livros Proibidos, foi uma
lista de publicações literárias que eram proibidas pela Igreja, e as regras para que um livro
entrasse nessa lista eram teorias que os Papas ou Magistério Eclesiástico não apoiassem, por
razões teológicas ou bíblicas.

A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e uma versão revista
desse foi autorizada pelo Concílio de Trento. A última edição do índice foi publicada em 1948
e o Index só foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI. Nessa lista estavam
livros que iam contra os dogmas da Igreja e que continham conteúdo tido como impróprio.

O Direito Canônico recomenda que os trabalhos sobre a Sagrada Escritura, Teologia, Direito
Canônico, História da Igreja e quaisquer escritos que dizem respeito especialmente à religião
ou aos bons costumes sejam submetidos ao juízo do Ordinário local . Se essa pessoa dava o
nihil obstat ("nada impede") os subalternos do Ordinário local forneciam o imprimatur
("deixe estar impresso").

O índice foi atualizado regularmente até a trigésima-segunda edição, em 1948, tendo os livros
sido escolhidos pelo Santo Ofício ou pelo Papa. A lista não era simplesmente reativa, os
autores eram encorajados a defender os seus trabalhos. Em certos casos eles podiam re-
publicar com omissões se pretendessem evitar a interdição. A censura prévia era encorajada.

A trigésima-segunda edição, publicada em 1948, continha 4000 títulos censurados por várias
razões: heresia, deficiência moral, sexualidade explícita, incorrecção política, etc. A escassez
dos meios de comunicação da época dificultava e até impossibilitava que a Igreja pudesse se
defender em tempo útil. Assim como a Igreja Católica, membros de outras religiões também
exerceram tal censura, tal como o protestantismo na sua fase inicial.

Em determinados momentos da história obras de cientistas, filósofos, enciclopedistas ou


pensadores como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Nicolau Maquiavel,
Erasmo de Roterdã, Baruch de Espinosa, John Locke, Berkeley, Denis Diderot, Blaise Pascal,
Thomas Hobbes, René Descartes, Rousseau, Montesquieu, David Hume ou Immanuel Kant
tenham pertencido a esta lista, tendo algumas dessas sido removidas mais tarde.

Alguns famosos romancistas ou poetas incluídos na lista são: Laurence Sterne, Heinrich Heine,
John Milton, Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Vitor Hugo,
Emile Zola, Stendhal, Gustave Flaubert, Anatole France, Honoré de Balzac, Jean-Paul Sartre,
Níkos Kazantzákis, e o sexologista holandês Theodoor Hendrik van de Velde, autor do manual
sexual "Ideal Marriage: Its Physiology and Technique".

Teve um grande efeito por todo o mundo católico. Por muitos anos, em áreas tão diversas
como Quebec, Portugal, Brasil ou Polônia, era muito difícil de encontrar cópias de livros
12

banidos, especialmente fora das grandes cidades. O índice foi abolido em 1966 pelo Papa
Paulo VI, o que foi anunciado formalmente em 15 de junho de 1966 no jornal do Vaticano,
L'Osservatore Romano, através de um documento chamado de "Notificação", escrito no dia
anterior.”

Qual a importância política do Index Librorum Prohibitorum?

R: A pena para quem transgredisse a proibição desta literatura irá variar no tempo e no
espaço. Em alguns períodos, a fiscalização e perseguição à heresia será mais rígida. Em alguns
países, ver-se-á também maior rigor. Mas sempre restou em que acessar esta literatura era
incorrer em pecado grave contra Deus e contra a Igreja.

Um dos problemas foi que o Index passou a proibir a literatura de cunho político e jurídico,
fundamental para a transformação do Estado. É impossível pensar a modernidade sem as
obras de Galileu Galilei, Copêrnico, Descartes, Hume, Maquiavel, Diderot, Locke, Montesquieu,
Hobbes, Beccaria, Rosseau, Kant e outros grandes filósofos que foram proibidos de serem
lidos, comercializados e impressos.

1. Em Diderot, verificamos a luta contra a censura religiosa. No século XVIII ele afirmou:
“Cada século um espírito que o caracteriza: o espírito do nosso parece ser o da liberdade”4.
Com o termo “liberdade”, refere-se à liberdade contra o controle que a religião exercia
sobre a produção intelectual, publicação de livros e debate de ideias.
2. De Maquiavel, nasce a discussão sobre o Estado, a partir de perspectiva laica, desvinculada
da teologia. O Estado passa a ser compreendido como um espaço do exercício do poder,
cujas finalidades serão usadas como parâmetros do agir do soberano.
3. De Montesquieu, nasce a proposta de descentralização do poder. O Estado já não terá mais
um tirano à sua frente, que elabora, julga e executa suas leis. Nasce a teoria da tripartição
do poder: legislativo, executivo e judiciário. Três poderes que funcionam como contrapeso,
um controlando o outro, a fim de evitar a tirania do poder absoluto.
4. De Rousseau, nasce a ideia de que “o poder nasce do povo, deve ser exercido pelo povo e
deve ter como finalidade o bem estar do povo”. Cai a ideia de que o Estado existe para a
“glória de Deus ou para a glória do rei”. Contrapõe-se à ideia defendida majoritariamente
pela Igreja no que toca a regimes de governo. Desde Tomás de Aquino, a Igreja entendeu
que a monarquia é o regime de governo que mais serve ao equilíbrio da “ordem social”,
negando-se a permitir a reflexão sobre novas possibilidades de administração do Estado.
5. De Beccaria, estabeleceu-se as ideias do “devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório, de que não existe crime sem lei anterior que o determine, de que a única
pena legítima é aquela que está estabelecida em lei [coibindo a arbitrariedade judicial], de
que as penas devem ser proporcionais ao delito”, entre outras.
O que vigorava até então era um direito penal bárbaro: condenações baseadas em boatos e
acusações, penas desproporcionais, tortura como procedimento comum, etc. Apesar de
que não fora a Igreja que inventara este sistema [era procedimento da justiça comum], ela
não somente não o enfrento, como também fez uso parcial destas barbáries no caso dos
Tribunais da Inquisição. A condenação que a Igreja fez a Beccaria, portanto, atrasou a
modernização do Direito Penal.
A maior consequência desta política de censura, como visto, foi a de que os países em que a
Igreja exerceu forte controle sobre a liberdade de pensamento não tiveram livre acesso a esta

4
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. Brasília: Brasiliense Editora, 1985. P. 16.
13

literatura, permanecendo, portanto, parcialmente alheias às principais ideias que fundaram o


Estado Moderno, incluindo aí as mudanças relacionadas ao Direito.

Posição da Igreja às perspectivas da Modernidade5:

1) No Séc. XIX, por meio do Papa Gregório XVI, a Igreja manteve-se defensora dos regimes
monárquicos, condenando as revoluções liberais que propunham inversão do poder
soberano, em prol da democracia. Condenou ainda a liberdade de imprensa, por acreditar
que esta era a responsável pela disseminação das ideias modernistas; Por fim, condenou a
separação entre Estado e Igreja, entre Sacerdócio e Império e o surgimento do Estado
Laico;
2) Por meio do Papa Pio IX, emitiu documentos desaprovando as perspectivas modernas que
invertiam a “hierarquia da teologia sobre a ciência”. Volta a defender a ideia de que a
teologia é superior às ciências, mesmo no que toca aos temas políticos, jurídicos e
filosóficos. Condena a leitura bíblica pelo povo, pois acreditava que este era um dever-
privilégio do Magistério Eclesiástico. Condena a acumulação materialista, implicando em
visão negativa sobre o capitalismo liberal e sobre a democracia. Posicionou-se contra o
casamento feito pelo Estado e contra a educação laica, que até então pertencia à Igreja. Por
fim, condenou o Estado Laico e a separação entre Estado e Igreja.
3) Em sentido mais largo, a Igreja manteve-se, no século XIX, condenando o fundamento da
democracia (poder que deriva do povo, a ser exercido pelo povo e em benefício do povo),
por acreditar que o fundamento do poder político é Deus e deve ser organizado a partir
deste fundamento. Condena-se também as “liberdades” nascidas do liberalismo político e
filosófico, acreditando que tais liberdades eram caminhos de perdição. Ainda, condenou-se
o racionalismo, por entender que este relativiza a revelação e assenta os fundamentos da
sociedade na falível razão humana.
Por essas razões, parte da filosofia iluminista encontrou na Igreja do Séc XVII e XIX (século das
mudanças liberais na Europa e América) um entrave para a difusão das ideias e dos
fundamentos do Estado Moderno: Igualdade entre todos os seres humanos, liberdade de
pensamento, sistema de governo democrático, liberalismo econômico

Ressalta-se que a posição eclesiástica da Igreja Católica a partir do século XX se mostrará


alinhada às principais conquistas da modernidade, tornando-se uma das mais comprometidas
instituições na defesa dos direitos humanos. Não será nosso tema, pois aí o Estado Moderno já
se estabeleceu e a filosofia galgou a liberdade de expressão que lhe é intrínseca. O Direito
Moderno será o tema de nossas próximas aulas.

Para ler mais:

1. FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. Brasília: Brasiliense Editora, 1985.
2. Giles, T. R, Curso de Iniciação à Filosofia;
3. Index Librorum Prohibitorum;
4. Jean Delumeau, A história do Medo no Ocidente;
5. Lucien Febvre, O problema da incredulidade no séc. XVI;
6. Robert Darnton, Os Best-Sellers proibidos;
7. Roberto Lyra Filho, O que é o Direito;
8. Severo Hryniewicz, Para Filosofar;
9. Tomás de Aquino, Suma Teológica.

5
Para ler mais, a partir de fontes documentais dos originais: < http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-
graduacao/elza.pdf >
14

Planilha / Resumo de Filosofia Jurídica – Professor Givaldo Mauro de Matos

Passagem do Estado Medieval para o Estado Moderno

Dimensões Idade Média Modernidade

Social • Sociedade estratificada em • Superação da divisão entre nobreza e


grupos sociais distintos plebe
• 1) coroa, nobreza e clero (3% da • Abolição dos privilégios feudais,
população), que concentravam • Corrida pela economia capitalista
bens e direitos: terras, cargos, • Surgimento de outras classificações
prestígio, privilégios e isenção sociais: burguesia e proletariado,
fiscal primeiro e segundo mundo, pluralismos
• 2) Plebe (97% da população, (negros, indígenas, homossexuais),
dividida entre burgueses, conservadores e progressistas, direita e
população camponesa e esquerda, etc.
artesãos), que arcavam com
impostos e trabalho
Economia • Subsistência, manufatureira,• Revolução Industrial alavanca o
local comércio entre cidades e países
• Desestímulo do lucro pela Igreja • Livre iniciativa
• Predominantemente rural • Contratualismo negocial e
• Concentração de bens pela Individualismo
Coroa, pela Nobreza e pela Igreja• Direito à Propriedade Privada
• Encargos e impostos pagos pela • Desenvolvimento do Capitalismo:
plebe para sustentar a coroa, a concentração de renda que passa dos
nobreza e o clero comerciantes para as indústrias e,
finalmente, para bancos e grandes
corporações
Religião Participação política da Igreja na • Subordinação da Igreja ao Estado
Economia, Política e Direito • Estado Laico: pluralismo e tolerância

Conceito de dois reinos: o


espiritual (coordenado pela Igreja)
e o material (governado pelo rei,
com ajuda da Igreja)

Imposto dos Dízimos para o clero,


para os senhores feudais e para o
rei

Política • Teóricos: Jean Bodin: a • Criação dos Três Poderes (Executivo,


autoridade do Rei vem de Deus; Legislativo e Judiciário) como órgãos
Jacques Bossuet: revoltar-se independentes e fiscalizadores um do
contra o governo é um pecado de outro
sacrilégio; Hugo Grotius: • Participação popular no governo
obediência irrestrita e cega ao através de representação / eleição de
Rei parlamentares pelo voto censitário
• Governo concentrado, mas
desenvolvido a partir da nobreza
• Participação e ingerência da
religião
15

• Funções administrativas
desempenhadas pela nobreza
Direito Direito Natural Aristotélico e • Desenvolvimento do Positivismo
Tomista Jurídico, em sua versão codicista (Civil
Law) e consuetudinária (Common Law)
Direito do Rei e dos Senhores • Direito separado da moral e da religião
Feudais • Isonomia e Segurança Jurídica
• Declaração de Direitos do Homem e do
Direito Eclesiástico Cidadão
Insegurança Jurídica e falta de
Isonomia

Valores Medievais:

Diferença entre nobreza e plebe, como sendo de ordem natural (há uma vocação divina para
cada pessoa e grupo social, e a ordem social só é mantida com a preservação do respeito a esta
vocação individual e social);

A monarquia é a melhor forma de governo, pois tem o condão de unificar os interesses no


império ou reinos. É auxiliada por aristocratas, pessoas da nobreza que são reconhecidas por
grandeza moral, espiritual e intelectual;

A liberdade de pensamento é um erro, pois possibilita que ideias desordeiras periguem os


espaços sociais e conduzem a população a graves erros. A Igreja e o Estado devem exercer a
censura, ou seja, a fiscalização do que pode e do que não deve ser publicado;

O Cristianismo é a expressão da forma ideal estabelecida por Deus. Neste sentido, tanto a
heresia quanto o paganismo representam um mal à ordem social Ocidental e deve ser
desmotivado.

Acredita-se que o interesse de Deus, da Igreja e do Estado coincidem com o bem estar social.
Neste sentido, devem ser preservados.

Valores Modernos:

O fundamento do governo está na população, ou seja, nos governados. Por essa razão, o povo
deve ter participação direta na eleição de seus representantes. O exercício do poder político
deve se dar em prol da população, pois esta é a sua finalidade [organizar a pólis para o bem de
todos];

O poder político e governamental é melhor exercido quando descentralizado, sendo


necessário que um poder paralelo controle o poder do Executivo. Ideal é que exista um poder
para criar o direito [Legislativo], um para julgar casos concretos a partir desta lei [Judiciário]
e um poder para administrar, debaixo da lei, os negócios e interesses da coletividade
[Executivo];
16

A liberdade de pensamento e de iniciativa comercial é direito fundamental, pois é a expressão


imediata do que seja o ser humano;

No que toca à dignidade existencial, homens e mulheres são iguais, e políticas de


discriminação devem ser abolidas [desigualdade salarial, proibição a votar, discriminações
sexuais, etc.];

O Estado deve ser contido em seus abusos contra direitos individuais. O Estado é uma
organização política, um instrumento para alcançar o bem estar coletivo. Sendo assim, o
Estado não é uma finalidade em si, antes, um fim para alcançar o bem estar dos indivíduos.

Movimentos Populares que provocaram a passagem do Estado Medieval para o Estado


Moderno

Revolução Principais Consequências

Revolução Protestante • Quebra do Monopólio que a Igreja Católica exercia sobre a


no Século XVI liberdade de pensamento na Europa
• Desenvolvimento do conceito de liberdade de pensamento e
separação entre Igreja e Estado, no que diz respeito à Fé
• Conflitos: o Protestantismo manteve, em seu início, a luta
contra a liberdade de pensamento de outras doutrinas
Revolução Inglesa no • Derrocada do Regime Monárquico Absolutista
Século XVII • Desenvolvimento de Monarquia Constitucional, limitada pelo
Parlamento
• Submissão do Estado às Declarações de Direitos: proibição de
prisões arbitrárias e consentimento do parlamento para todos
os impostos
• Conflitos: O Parlamento será dividido em duas Câmaras:
Lordes, constituída hereditariamente pelos nobres e pelo clero,
e a dos Comuns, por votos entre os burgueses
Revolução Americana • Reação às “Leis Intoleráveis”
no final do Século • Surgimento da primeira declaração reivindicatória dos direitos
XVIII individuais (Declaração de Independência Americana)
• Desenvolvimento da idéia de legitimidade da revolução contra
poderes tirânicos
• Primeiro país a desenvolver o regime republicano,
presidencialista, eleito por votação popular
• Conflitos: o direito à igualdade não é estendido aos negros até
a guerra civil e mesmo depois, os conflitos entre Sul e Norte
nesta área irão perdurar até começo da segunda metade do
século XXI
Revolução Francesa no • A França era a maior população da Europa, sendo dividida em
final do Século XVIII três grupos: nobres (2%), clero (1%) e plebe (97%)
• Separação dos Poderes
• Defesa dos valores de Liberdade e Igualdade
• Defesa da propriedade privada e da livre iniciativa
• Reforma Agrária: confisco das terras dos nobres e da Igreja,
logo adquiridas pela classe burguesa
17

Conflitos:

• O valor “Fraternidade” não foi contemplado pelas práticas


políticas, sendo que o direito e a política privilegiou mais a
liberdade do que a igualdade, criando abismos de pobreza e
falta de proteção aos trabalhadores
• O Código Civil de Napoleão possuia cerca de 2 mil artigos, dos
quais apenas 7 tratavam de relações trabalhistas e cerca de 800
em defesa da propriedade privada. Proibiu as greves e
sindicatos e permitia associações de patrões
• Manutenção do sistema colonialista
• Êxodo Rural, com concentração de mão de obra barata nas
indústrias
• Proteção jurídica apenas à propriedade, a partir de
contratualismo estrito
• Proibição de greves e sindicatos

Pós II Guerra Mundial • Reação dos trabalhadores aos aspectos violentos da Revolução
e Guerra Fria Industrial
• Ludismo, Cartismo e Trade-Unions - destruição de fábricas,
associações e sindicalismo
• Socialismo Utópico: defesa da igualdade, mas com meios
pacíficos
• Socialismo Científico: defesa da criação de “Estado Igualitário”,
através da revolução operária e abolição da propriedade
privada
• Para conter o avanço comunista, desenvolveu-se em diversos
países, o Estado Social de Direito, uma tentativa de união entre
liberalismo e socialismo que, ao lado do primado dos direitos
individuais, passou a contemplar direitos sociais
Neoconstitucionalismo • Desenvolvimento da Declaração de Direitos Humanos da ONU
• Desenvolvimento do Neoconstitucionalismo e dos Direitos
Fundamentais
• Força normativa da Constituição, ampliação da jurisdição
constitucional; nova hermenêutica constitucional

Filósofos que influenciaram a construção da Política e do Direito Moderno


* Não estão organizados por ordem cronológica

Filósofos Principais Contribuições

Nicolau Machiavel • Primeiro teórico a tratar do Estado com as características


modernas. Defende a idéia de que a ética do Príncipe, ao lidar com
os assuntos de Estado, não podem ser medidas pela ética
individualista da religião, antes, deve ser julgada a partir do critério
da eficácia e dos resultados da ação, para a promoção do bem de seu
reinado, do Estado como um todo
• A mentira pelos governantes, por exemplo, deve ser julgada a partir
das conseqüências que podem ser geradas em prol ou contra a
população
18

Jonh Locke • Desenvolvimento da ideia de que o Poder deve ter consentimento


popular
• Defesa da propriedade privada, influenciando o liberalismo
Thomas Hobbes • Contratualismo: os seres humanos, para conter a violência
generalizada, em uma guerra de todos contra todos, organizou o
Estado a partir de um poder centralizado, que passa a deter o
monopólio do poder político e jurídico
• Para manifestar eficácia, o rei deve possuir poder soberano em seu
território
Jean Jacques • Contratualismo: todo poder emana do povo, deve ser exercido pelo
Rosseau povo e para o povo
• Os seres humanos nascem livres e devem lutar para manter a
liberdade
Voltaire • Liberdade Individual: “posso não concordar com o que você pensa,
mas defendo até a morte seu direito de pensamento”
Charles • O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente
Montesquieau • Para evitar a tirania corrupta, o poder deve ser contraposto ao
poder, ou seja, deve ser dividido em três áreas (legislativo, judiciário
e executivo), cada uma delas fiscalizando e limitando a outra
Cesare de • Contratualista: para desfrutarem do máximo de liberdade, os
Beccaria cidadãos se uniram e sacrificaram uma parte da liberdade individual
ao Estado, que seria, a partir de então, o defensor da liberdade de
todos, em uma dinâmica de isonomia e equitatividade
• O Estado não deve ser arbitrário em nenhuma de suas funções,
antes, deve ser regulado por leis, estabelecidas com a participação
popular
• As leis devem ser claras, não cabendo ao juiz interpretá-las
subjetivamente, a fim de garantir a isonomia
Escola da Exegese • Criação do Código Civil Francês ou Napoleônico
• Desenvolvimento do Positivismo Jurídico como Sistema Jurídico
• Domínio de Leis claras, postas por processo legislativo legítimo,
implantadas por coação e coerção, estendido a todos (isonomia)
Adam Smith • Liberalismo econômico com livre jogo da oferta e da procura
• Laissez Faire: deixe fazer deixe passar
• O Estado não deve interferir na Economia
Immanuel Kant • O ser humano como ente finalístico do Estado: o ser humano não é
coisa

• Segundo Kant, a natureza humana é de insociável sociabilidade, ou


seja, ele depende da sociedade, mas sofre por antagonismos que o
levam a estar conflitos com a sociedade: o desejo por honrarias, o
desejo por riquezas e o desejo pelo poder. Verifica-se, portanto, um
conflito entre existência natural e existência racional, que é o
equilíbrio destes desejos naturais.

• Tais desejos o levam a superar a preguiça e o marasmo, mas


também, dado a disparidade de forças entre indivíduos, requerem a
presença de um ente equilibrador das vontades individuais: o
ESTADO.
19

F. Hegel • O Estado como desenvolvimento racional de organização social


• A sociedade altera as relações sociais na medida em que melhor
compreende a realidade.

Karl Marx • O Estado como desenvolvimento material/econômico da


organização social: não é o resultado da melhor opção racional,
antes, é o resultado de conflitos entre poderes econômicos

John Stuart Mill • Estado de bem-estar social: o Estado deve defender a livre iniciativa,
mas também deve proporcionar condições para que todos possam
ter acesso à produção de bens.
• Há que se garantir igualdade de condições para competição e o
direito das minorias
• O Estado deve criar condições mínimas para subsistência dos
trabalhadores

Contemporâneos Novas teorias da justiça

! Roberto Lyra • Estado como campo de conflitos e Justiça como conquista


Filho permanente
! Antonio Carlos • Direito dentro de Estado Plural
Wolker
! John Rawls
• Teoria da Justiça a partir de Marco Zero

Características Principais do Positivismo Jurídico

1. ! Direito como um fato e não como um valor, ou seja, é um dever, um fato.


! O advogado não pode nunca emitir juízo de valor de qualquer lei, ou seja, o Direito
está acima de qualquer interpretação ideológica ou teológica.
! O "direito" é considerado um conjunto de fatos sociais, o termo Direito é avalorativo
(não emite valor). O Direito preside do fato de ser bom ou mau.
2. ! O Positivismo Jurídico define o Direito em função do elemento de coação, de onde
deriva a teoria da coatividade do Direito, ou seja, o Direito constitui uma coação.
! As leis são impostas, como por exemplo: Pegaram um sacerdote religioso cometendo
pedofilia, mesmo ele sendo um sacerdote, tem que ser submetido ao julgamento.
! A lei é uma forma de controle social. Freud afirmava que o mal está na civilização
graças às leis.
! O Direito é uma imposição da civilização, ou seja, um controle social.
3. ! Fontes do Direito: Qual é a fonte do Direito? A lei.
! Mesmo que se leve em consideração à igualdade entre os homens, leva- se em
consideração a lei.
4. ! O Positivismo Jurídico considera a norma como um comando, ou seja, norma é
ordem. Kant: "O Imperalismo categórico". Seja honesto e ponto.
5. ! O ordenamento jurídico considera a totalidade e o conjunto das Normas Jurídicas, ou
seja, não considera a norma separadamente, isolada da outra, tem que falar de uma
20

lei que tenha um encadeamento lógico com outra lei.


6. ! O Positivismo Jurídico sustenta a teoria de interpretação mecanicista que na
atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou
criativo do Direito.
! O Positivismo Jurídico considera o jurista um aplicador da lei.. A sociedade
equivocadamente considera equivocadas as decisões do judiciário (Exemplo: Filha
que matou os pais, juntamente com o namorado e ambos estão soltos).
! Não existe para o juiz sentimento humano, ele é frio diante de qualquer apelo, ele
será fiel à lei. Ele vai defender a objetividade da lei: "Não pode, não pode!"
7. ! Diz respeito à teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, ao pé da letra.
21

Direito, Filosofia e Religião

*** Este material é complementar e ajudará na compreensão do que foi trabalhado em


sala de aula. Não é essencial que se lei, mas ajuda...

Direito e Religião na Antiguidade: Punição como satisfação dos deuses para evitar
praga coletiva

Cuellon Calón refere que a origem da aplicação de uma pena como reação a condutas
consideradas criminosas está ligada à própria condição humana. Assim, a primeira forma, e
sua primeira justificação, trazem a idéia de vingança, como reação natural e instintiva a
qualquer perturbação que lhes seja provocada. Num segundo momento, de formação
histórica da sociedade, a pena passou a ser associada aos aspectos religiosos dos clãs e tribos,
havendo estreita ligação entre crenças e punições, passando o crime a ser visto como uma
ofensa aos deuses, capaz de fazer recair sobre o grupo as mais nefastas conseqüências.
Aplicação de determinadas penas aos ofensores, então, considerada como reação social, como
forma de reparação às divindades, a fim de evitar que sua ira recaísse sobre o conjunto da
comunidade.

Penas religiosas

Na Índia, data do século XIII a.C., as Leis de Manu, de inspiração teocrática, onde a faculdade
de punir era exercida pelas autoridades por delegação de Brahma (deus). Sua vinculação com
a religião hindu era tamanha que havia previsão, até mesmo, de pena de transmigração da
alma. Outro aspecto relevante diz respeito à diferenciação das penas previstas para
criminosos pertencentes a diferentes castas, próprias do regime social e estratificado
característico daquela sociedade.

Laicização do Direito

Foi somente a partir da tradição greco-romana que se deu início a uma separação entre os
campos do criminal e do sagrado, sendo considerado esta como um marco da laicização da
legislação penal. Num primeiro momento, o Direito Penal Grego ainda continua um forte
elemento religioso, sendo o direito e o poder decorrentes do deus Júpiter. Assim, o crime era
visto como uma fatalidade inafastável, decorrente da vontade divina, e a pena mantinha seu
caráter sacro.

Os principais registros históricos da concepção penal helênica remonta às clássicas obras da


literatura ocidental, principalmente Ésquilo, Eurípedes e Homero. Todavia, a partir do
pensamento de Aristóteles, com a formulação do livre-arbítrio, tem-se uma alteração na
percepção da conduta criminosa, que passa a ser considerada como uma ação humana
evitável, adquirindo a aplicação de pena um caráter público e individual.

Antigo Regime – Poder Civil e Penal da Igreja

Em decorrência do alargamento do poder eclesiástico no continente europeu, observado a


partir da Idade Média, o Direito Penal Canônico (da Igreja), originalmente utilizado apenas em
relação aos religiosos, ganhou contornos de legislação geral, sendo aplicado também, àqueles
que não professavam a fé cristã, tidos como profanos. Cabia ao Papa a tarefa de legislar, ao
mesmo tempo em que era Juiz Supremo. Considerado um ministro entre as práticas jurídicas
22

romanas e germanas, tinha na pena não apenas um caráter sacro, que visava a correção dos
criminosos, mas também uma idéia de retribuição, outorgando exclusivamente ao poder
eclesiástico o direito de punir, sendo considerado este aspecto uma evolução em relação às
possibilidades de vingança privada do direito germano. Alguns autores sustentam que esse
período histórico foi o responsável pelas primeiras idéias de utilização da pena de prisão
como medida geral, em razão da impossibilidade de aplicação da composição decorrente de
desigualdades financeiras entre os indivíduos.

Iluminismo e Direito Penal

Neste período, o sentido da aplicação de uma pena estava ligado tanto à idéia da repressão
como intimidação, utilizando-se largamente as penas cruéis. Consolidava o poder punitivo no
poder público, este acabava por se usado para a defesa dos interesses do Estado e da Religião,
que muitas vezes entrelaçavam e se confundiam, criando em torno da justiça punitiva uma
atmosfera de incerteza, insegurança e terror. As penas eram aplicadas sem seguir qualquer
estipulação de igualdade, dependendo das condições financeiras e eclesiásticas do réu. A pena
de morte era aplicada largamente, através de meios bárbaros e cruéis (fogueiras,
esquartejamento, etc.), sendo absolutamente desconhecido o respeito pela dignidade humana.
Penas corporais como mutilações e açoites eram extensamente empregadas, admitindo ainda,
o confisco e as penas de infâmia. O Processo Penal, de natureza inquisitiva, era secreto, com o
emprego de torturas e sem quaisquer garantias na defesa dos réus.

A revolução cultural empreendida no continente europeu ao longo do século XVII, a partir de


uma alteração do paradigma teológico para o antropocêntrico iniciado no período do
Renascimento, alterou profundamente a relação dos indivíduos com o Estado. São deste
período as obras de Grótius (1645), Spinoza (1677), Hobbes (1679), Puffendorf (1694), Locke
(1704), Montesquieu (1755), Rosseau (1778) e Voltaire (1778), pioneiros na fundamentação
do direito do Estado na razão humana, dando início ao gradual processo de separação entre os
poderes Público e Eclesiástico. No âmbito jurídico-criminal, são documentos fundamentais da
luta pela defesa da dignidade humana dos valores da liberdade, justiça e igualdade as obras de
Beccaria (Dos Delitos e das Penas, 1764), Howard (Sobre o Estado das Prisões na Inglaterra e
País de Gales, 1777) e Bentham (Tratado das Penas e Recompensas, 1827), pugnando por
reformas estruturais do sistema punitivo até então em vigor.

http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/SOBRE.pdf

Sobre os limites e fundamentos do direito de punir nos crimes econômicos: breves reflexões
históricas e uma perspectiva punitiva para a sociedade contemporânea

Rogério Maria Garcia – Professor de Direito Penal na Universidade Luterana de Brasília.

A Revolução Francesa e Religião

A Revolução Francesa marcou para Igreja Católica um dos períodos mais difíceis de sua
história. Isto porque a Revolução não só propagou os ideais iluministas que incluíam um
sentimento anticlerical e anti-religioso, como também exerceu na prática esses ideais, muitas
vezes de forma violenta.

A França sempre teve uma posição de destaque na cristandade, desde os séculos medievais,
da conversão dos francos ao catolicismo até a época em que a cidade francesa de Avignon
23

abrigou a sede do papado. Foi também a França um dos maiores pontos de conflito entre
católicos e protestantes. Tais fatos levaram a França a ser considerada por muitos papas como
a “filha predileta da Igreja”. Às vésperas da Revolução, o país mostrava um quadro onde o
catolicismo vivia o seu auge: a população participava dos ritos religiosos e o clero paroquial
cuidava da vida religiosa da sociedade. Exercia grande influencia na vida política, pois o poder
absoluto do rei era garantido pelo direito divino, e o próprio clero possuía status de Estado. A
religião católica influenciava também o tempo, com o calendário gregoriano que possuía
festas e feriados cristãos. Por fim, era papel do clero presidir as atividades civis como os
casamentos e os registros de nascimento e óbito. Era esse quadro que a revolução viria a
mudar radicalmente.

A Revolução Francesa, em sua tentativa de acabar com as estruturas feudais ainda vigentes,
colocou a Igreja Católica em uma difícil situação. Desde os primeiros passos da Assembléia
Constituinte até a Constituição Civil do Clero, foram tomadas medidas capazes de levantar
suspeitas de que a revolução era hostil ao clero. Uma das primeiras medidas dos
revolucionários foi a supressão do dizimo e o confisco dos bens do clero, para saldar o déficit
nacional. Essas medidas, a principio, não causaram um conflito direto entre a Igreja e a
Revolução.

O conflito só viria com a Constituição Civil do Clero e o juramento dos padres. Tal medida
dividiu o clero francês: o clero constitucional, fiel à constituição, e o clero refratário, fiel ao
papa. Este repudiava cada medida dos revolucionários, pois, além de perder o controle sobre
o clero francês também perdeu suas possessões territoriais francesas na cidade de Avignon.

É possível afirmar que a Constituição Civil do Clero foi o divisor de águas nas relações entre a
Religião Católica e o Estado revolucionário francês. Foi o juramento dos padres que estimulou
a contra-revolução na Vendéia e a guerrilha camponesa dos Chouans – a Chouannerie, da qual
participaram o clero refratário e a aristocracia. Foi também a questão do juramento que
desencadeou um movimento violento de ataques aos padres e aos templos. Além disso,
subordinava o clero ao Estado rompendo os seus vínculos com o papa.

A Igreja ainda viria a perder suas áreas de influência na vida política e social. O rei Luís XVI,
antes de ser decapitado, é obrigado a renunciar o seu “poder divino”, tornando-se um cidadão
como outro qualquer. O clero deixa de presidir as atividades da vida civil como o casamento e
os registros de certidões de nascimento e de óbito. É importante ressaltar que na tentativa de
enterrar de vez a influência católica, o governo aboliu o calendário gregoriano acabando com
os dias da semana, e conseqüentemente, eliminando as festas e feriados religiosos, inclusive o
domingo, conhecido como “Dia do Senhor”. Para substituí-lo criou um novo calendário,
conhecido como Calendário Republicano Francês, que marcaria o inicio da nova era da
Republica Francesa dando uma nova nomenclatura aos meses e semanas de acordo com as
estações do ano.

O período do Terror marca o inicio do movimento violento que se deu contra a Igreja Católica.
Igrejas são apedrejadas, padres são forçados a abdicar, imagens religiosas são destruídas e o
culto religioso passa a ser proibido. Podemos ainda citar as tentativas de substituir o culto
religioso por um culto revolucionário, como o culto à razão e ao Ser Supremo. Esses cultos
exaltavam a vitória da razão e da consciência sobre a dominação da Igreja. Sobre o culto ao
Ser Supremo, Robespierre aparece como pontífice da religião do Estado na tentativa
promover a união entre o sentimento revolucionário e o sentimento religioso.

Passado o período violento do Terror, com a queda de Robespierre, seguiu-se uma fase
confusa para a religião. Os homens que o derrubaram eram anticlericais que participaram
dessas perseguições. Contudo, a política da Convenção Termidoriana seguia a lógica do
24

retorno da liberdade que o período do Terror havia negligenciado. A essa lógica de liberdade
estava ligada à questão da liberdade de culto. No período que vai de 1795 a 1799, as
Assembléias do Diretório agiam ora permitindo o retorno ao culto, ora regressando a uma
política de perseguição.

Esse quadro só seria resolvido com Napoleão Bonaparte. No período do Consulado, Napoleão
e o Papa Pio VI assinam uma Concordata que redefine as relações entre a Igreja e o Estado.
Por essa Concordata a Igreja Católica era reconhecida na sua unidade e estatuto, a liberdade
de culto era garantida e o catolicismo era aceito como a religião da maioria dos franceses.
Contudo a Igreja ficava subordinada ao Estado, uma vez que a nomeação de bispos era feita
pelo Consulado. Os territórios da Igreja, como Avignon, e seus bens também não são
restituídos.

O ultimo pilar do movimento de ataque a religião católica, o Calendário Republicano, foi


extinto por Napoleão no Império, em 1805.

Cronologia:

• 04/08/1789 – Abolição dos direitos feudais e supressão do dizimo.


• 02/11/1789 – Confisco dos bens do clero para saldar déficit nacional.
• 12/07/1790 – Aprovada a Constituição Civil do Clero.
• 26/11/1790 – Decreto fixando o prazo de dois meses para o juramento dos padres em
exercício à Constituição.
• 03/1793 à 03/1796 – Revolta da Vendéia e guerrilha camponesa dos Chouans
• 07/11/1793 (17 de Brumário do ano II) – Abjuração do bispo de Paris, marca o inicio
da descristianização.
• 21/11/1793 (1 de Frimário do ano II) – Intervenção de Robespierre, refreando a
descristianização violenta.
• 24/11/1793 (4 de Frimário do ano II) – Convenção Nacional adota o Calendário
Republicano, determinando a data de 22/09/1792 como inicio do ano I da Republica.
• 07/05/1794 – Relatório da Convenção que define as relações entre Estado e Igreja.
• 27/07/1794 (09 de Termidor do ano II) – Queda de Robespierre , sucedido por
anticlericais que haviam participado da descristianização violenta.
• 18/08/1797 à 17/09/1797 – Inicio da política de perseguição religiosa.
• 07/1801 – Concordata assinada entre Napoleão e o Papa Pio VI.
• 31/12/1805 – Abolição do Calendário Republicano por Napoleão.

Textos de época:

“A lei considera o casamento como sendo um contrato civil”. (Artigo 7 do Titulo II da


Constituição Francesa de 1791).

“A lei não reconhece os votos religiosos, nem qualquer outro compromisso que seja contrário aos
direitos naturais, ou à Constituição”. (Constituição Francesa de 1791).

“O novo calendário assim como suas instruções serão enviadas aos corpos administrativos, as
municipalidades, aos tribunais, aos juizes de paz e a todos os oficiais públicos, aos mestres de
todas as instituições e as sociedades populares. O conselho executivo provisório fará passar aos
ministros, cônsules e outros agentes da França nos países estrangeiros”. (Artigo 13 do Decreto
da Convenção Nacional sobre a instituição do Calendário Republicano).

http://www.historia.uff.br/nec/materia/andr%C3%A9-
filgueiras/revolu%C3%A7%C3%A3o-francesa-e-religi%C3%A3o-cat%C3%B3lica
25

O POSITIVISMO JURÍDICO

Problemas enfrentados pelo Direito Moderno

O Positivismo Jurídico se apresenta como resposta moderna a problemas centrais do direito


medieval. Segundo o cientista político Norberto Bobbio, o direito do período anterior à
modernidade estava caracterizado pela insegurança jurídica, dado ao fato de que o juiz
poderia escolher o critério a ser usado para resolver as demandas judiciais.

A função do Estado limitava-se a nomear o juiz que iria dirimir as controvérsias entre os
particulares. Este possuía um amplo leque de possibilidades disponíveis para fundamentar
sua decisão, conforme análise de Bobbio:

“Antes da formação do Estado Moderno, de fato, o juiz ao resolver as


controvérsias não estava vinculado a escolher exclusivamente normas
emanadas do órgão legislativo do Estado, mas tinha uma certa liberdade de
escolha na determinação da norma a aplicar; podia deduzi-la das regras do
costume, ou ainda daquelas elaboradas pelos juristas ou, ainda, podia resolver o
caso baseando-se em critérios equitativos, extraindo a regra do próprio caso em
questão segundo princípios da razão natural. Todas estas regras estavam no
mesmo nível, de todas podia o juiz obter normas a aplicar e, portanto, todas, na
mesma proporção, constituíam “fontes de direito”.6

Em síntese, podemos identificar a existência de:

1) Arbitrariedades judiciais, instabilidade jurídica e sentenças desiguais;


2) Existem vários parâmetros que o juiz poderia utilizar para resolver a demanda;
3) O juiz poderia decidir sob parâmetros novos (racionais);
4) A decisão judicial poderia ser motivada pela análise filosófica individual [subjetiva] que
o juiz iria empreender sobre o caso.

Alia-se a estas dificuldades uma outra, a saber, a “superioridade do direito natural sobre o
direito positivo”. Vejamos a lição de Norberto Bobbio:

“Na Idade Média, ao contrário, a relação entre as duas espécies de direito se


inverte; o direito natural é considerado superior ao positivo, posto seja o
primeiro visto não mais como simples direito comum, mas como norma fundada
na própria vontade de Deus e por este participada à razão humana ou, como diz
São Paulo, como a lei escrita por Deus no coração dos homens.”7

A função do Estado limitava-se a nomear o juiz que iria dirimir as controvérsias entre os
particulares. Neste sentido, surgem alguns problemas, dos quais menciona-se:

i. Como controlar a arbitrariedade judicial?


ii. Como tornar o direito previsível, a fim de que a população possa se organizar
antecipadamente, evitando conflitos futuros?
iii. A existência de leis obscuras resolvem o problema da arbitrariedade judicial?

6
O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone Editora. P. 28.
7
O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone Editora. P. 25.
26

iv. O que fazer quando a lei positiva entrar em colisão com conceitos religiosos,
costumeiros e filosóficos de justiça?
v. Como o judiciário, o legislativo e a própria sociedade deve resolver conflitos, quando
houver ausência de lei regulatória sobre os temas em conflito?
vi. O que fazer quando existir leis conflitantes, uma com as outras?
vii. Como o juiz deve aplicar a lei, quando observar que uma determinada lei orienta de
uma forma já ultrapassada pela visão social, ou quando a finalidade para o qual o
legislador criou aquela lei no passado, vai na direção contrária àquela promovida pela
mesma lei no presente? O juiz pode interpretar a lei a partir da sua essência [da lei], a
fim de preservar sua finalidade?

A resposta encontrada na transição entre Idade Média e Modernidade foi um movimento de


positivação do direito, resultando na criação do Positivismo Jurídico, um sistema que
defende a tese segundo a qual não existe outro direito senão o positivo, isto é, aquele posto
pelo Estado.

Sua ingerência abrangerá tanto o direito material (a regulação legal para casos concretos)
como também o direito processual (a forma de aplicação da lei ao caso concreto). Sendo
assim, elimina-se o espaço do exercício da arbitrária estatal [pelo rei, Igreja, ou pelo Estado-
Juiz], passando o processo a ser determinado segundo regras que atendam aos interesses da
coletividade. Vejamos:

a) A lei deveria ser criada pela coletividade, a partir de legisladores eleitos pelo povo;
b) O Estado-Juiz só deveria julgar a partir de leis criadas por este parâmetro. Desta forma,
ele fica proibido de criar parâmetros arbitrários, individuais de juízo, e passa a utilizar
parâmetros social, política e formalmente construídos;
c) A lei a ser utilizada pelo Estado-Juiz deve ser uma mesma lei para todos. Quebra-se a
desigualdade de sistemas, parâmetros ou instrumentos de juízo. Um só direito valerá
para todos.

O Positivismo seria, portanto, um sistema estrito de aplicação da norma, diferente do sistema


que vigorava até então, que permitia ao Estado-Juiz escolher arbitrariamente os parâmetros a
serem utilizados, sem necessidade de fundamentar sua decisão em uma argumentação
racional, compreensível para todos.

*** Cesar Beccaria é um dos expoentes que advogam que o Estado-Juiz deve ter suas funções
controladas pelo direito, a fim de não promover arbitrariedades na elaboração e execução da
sentença, sobretudo na esfera penal.

Todo o direito moderno caminha na direção de promover segurança jurídica, que só é possível
quando os parâmetros judicias são positivados, sejam através de legislação criada por
representantes populares [deputados], sejam através de normatização judiciaria promovida
pelas Cortes Judiciais [costumes]. Neste sentido, advoga o filósofo Norberto Bobbio:

“Para impedir as arbitrariedades do legislador, o pensamento liberal investigou


alguns expedientes constitucionais, dos quais os principais são dois: a) a
separação dos poderes, pela qual o poder legislativo não é atribuído ao
‘príncipe’ (isto é, ao poder executivo), mas a um colegiado que age junto a ele,
com a consequência de que o governo fica subordinado à lei; b) a
27

representatividade, pela qual o poder legislativo não é mais expressão de uma


restrita oligarquia, mas da nação inteira, mediante a técnica da representação
política: sendo assim o poder exercido por todo o povo, é provável que seja
também exercitado não arbitrariamente, mas para o bem do próprio povo.”8

Em síntese, com a separação dos poderes o chefe do poder executivo já não poderia criar mais
leis, e com a representatividade, as leis só poderiam ser criadas por pessoas que o próprio
povo elegeu para representar suas necessidades e vontades.

Para controlar a arbitrariedade judicial, o direito moderno positivista elaborou as


seguintes teses e práticas:

a) Para coibir a arbitrariedade do juiz, estabeleceu-se que o parâmetro que ele


poderia utilizar só poderia ser aqueles da lei que, inclusive, não foi criada por ele,
mas pela coletividade. O juiz é um servo da lei;
b) Para coibir múltiplas interpretações do juiz à lei, proibiu interpretações abertas.
Só a interpretação mecânica, literalista, passou a ser admitida. É o que a lei diz,
não o que a lei quer dizer;
c) Para coibir o juiz de mais operadores do direito questionarem interminavelmente
o conteúdo da lei, passou a se tomar o direito como um fato [o direito é a lei e
pronto!] e não um valor [se eu afirmo que uma lei é justa, abro espaço para outro
discordar e o assunto não termina nunca];
d) Leis criadas pela coletividade, sem passar pelo processo legislativo legítimo, não
poderão ser usadas para dirimir problemas, salvo em caso de lacunas;
e) Mesmo para decidir em caso de lacunas, a lei prevê a fórmula: há realmente uma
lacuna?
f) No caso de conflitos entre leis, o juiz não pode escolher a que mais lhe agrada.
Deve respeitar a hierarquia das leis: qual é a maior (Ex: Constituição sobre a Lei
ordinária), qual é a mais específica (Lei Ordinária versus Lei Especial) e, por vim,
qual é a lei mais nova. O juiz não poderá escolher, pois o critério é rígido.
g) O Direito não pode ser visto como algo alternativo, optativo. O direito é direito
que tem poder de se fazer cumprir.
h) Para evitar que o juiz decida em casos de lacuna, o Estado deve se antecipar,
criando leis para cada conflito social que aflija a coletividade.

8
O Positivismo Jurídico. P. 39.
28

Características do POSITIVISMO JURÍDICO:

8. ! Direito como um fato e não como um valor, ou seja, é um dever, um fato.


! O advogado não pode nunca emitir juízo de valor de qualquer lei, ou seja, o
Direito está acima de qualquer interpretação ideológica ou teológica.
! O "direito" é considerado um conjunto de fatos sociais, o termo Direito é
avalorativo (não emite valor). O Direito preside do fato de ser bom ou mau.
9. ! O Positivismo Jurídico define o Direito em função do elemento de coação, de
onde deriva a teoria da coatividade do Direito, ou seja, o Direito constitui
uma coação.
! As leis são impostas, como por exemplo: Pegaram um sacerdote religioso
cometendo pedofilia, mesmo ele sendo um sacerdote, tem que ser submetido
ao julgamento.
! A lei é uma forma de controle social. Freud afirmava que o mal está na
civilização graças às leis.
! O Direito é uma imposição da civilização, ou seja, um controle social.
10. ! Fontes do Direito: Qual é a fonte do Direito? A lei.
! Mesmo que se leve em consideração à igualdade entre os homens, leva- se em
consideração a lei.
11. ! O Positivismo Jurídico considera a norma como um comando, ou seja, norma
é ordem. Kant: "O Imperalismo categórico". Seja honesto e ponto.
12. ! O ordenamento jurídico considera a totalidade e o conjunto das Normas
Jurídicas, ou seja, não considera a norma separadamente, isolada da outra,
tem que falar de uma lei que tenha um encadeamento lógico com outra lei.
13. ! O Positivismo Jurídico sustenta a teoria de interpretação mecanicista que na
atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo
ou criativo do Direito.
! O Positivismo Jurídico considera o jurista um aplicador da lei.. A sociedade
equivocadamente considera equivocadas as decisões do judiciário (Exemplo:
Filha que matou os pais, juntamente com o namorado e ambos estão soltos).
! Não existe para o juiz sentimento humano, ele é frio diante de qualquer apelo,
ele será fiel à lei. Ele vai defender a objetividade da lei: "Não pode, não pode!"
14. ! Diz respeito à teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, ao pé da
letra. São suas máximas: “A lei é dura, mas é a lei”. Ou “A lei, doa a quem
doer”.
! Com isto, se quer dizer: a lei deve ser aplicada, mesmo que traga
inconvenientes. É melhor ter certeza que a lei vai ser aplicada, pois isto
trará segurança jurídica, do que deixar o juiz escolher aplicar ou não, pois
isto gerará um estado de insegurança.

Dois Sistemas Clássicos

Enquanto na Inglaterra e Estados Unidos, irá vigorar o sistema da Common Law, na Alemanha
e França (também no Brasil), irá vigorar a Civil Law.

Pergunta-se: o direito costumeiro alinha-se com a tendência jus-positivista, ou se mantém na


tradição jus-naturalista? Pesquisar...
29

ARTIGO CIENTÍFICO COMENTADO PELO PROFESSOR

Um breve enfoque do Positivismo Jurídico Kelseniano segundo a “Teoria Pura do


Direito”

Artigo original de Diego Gomes Alves9 [com alterações para fins da aula de Filosofia jurídica,
feitas em chaves [chaves] pelo professor Givaldo Matos

A doutrina Positivista tem como fundamento básico seu apego ao formalismo legal, sendo a
norma jurídica o eixo de sustentação do Direito.

Apesar das diversas acepções de Positivismo Jurídico, optou-se por delimitar o tema à obra de
Hans Kelsen intitulada “Teoria pura do Direito”[1], destacando seus principais referenciais
teóricos, sem, no entanto, desenvolver um estudo analítico. Em caráter introdutório ao
complexo tema Positivismo Jurídico, é interessante atentar ao elucidativo fragmento que se
segue:

O paradigma vigente é uma construção teórica forjada e consolidada no


decorrer da modernização socioeconômica do país, entre os anos 60 e 80, e é
vinculado ao caráter normativista do positivismo de inspiração kelseniana. Este
paradigma considera o Estado como fonte central de todo o Direito e a lei
como sua única expressão, formando um sistema fechado e formalmente
coerente, cuja pretensão de “completude” despreza, como já dito, no
designativo de “metajurídicas”, todas as indagações de natureza social,
política e econômica[2]

Como se percebe do texto, a doutrina Positivista tem como fundamento básico seu apego ao
formalismo legal, sendo a norma jurídica o eixo de sustentação do Direito.

[Com isso quer alterar o quadro de arbitrariedade judicial que reina antes do Estado Moderno,
onde o Estado-Juiz tinha liberdade para definir critérios próprios para resolver uma demanda
judicial, criando instabilidade, insegurança jurídica.]

Faz frente às correntes idealistas, principalmente àquelas que sustentam a existência de


princípios absolutos aplicáveis a todos os seres humanos, como o Direito Natural.

[Não só Aristóteles na Antiguidade e Tomás de Aquino na Escolástica, mas também filósofos


modernos sustentam a existência de princípios jurídicos universais, que deveriam ser tomados
como parâmetros para decidir demandas. Contra isto, a modernidade reclamou a necessidade de
definir parâmetros positivos, escritos, disponíveis, conhecidos por todos, a fim resolver litígios.
Deixa-se de lado aquelas longas discussões sobre “o que é o justo” e passa-se a impor o que diz a
lei sobre os litígios concretos.]

Os positivistas limitam-se à ordem do ser, emitindo juízos da realidade (diferentemente dos

9
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8405/Um-breve-enfoque-do-Positivismo-Juridico-Kelseniano-segundo-a-Teoria-Pura-do-Direito
30

idealistas, que exprimem juízos de valor), transpondo a investigação jurídica, sempre que
possível, os métodos das ciências naturais.[3]

[A análise passa a ser: o que a lei diz sobre este caso concreto? – O magistrado, portanto,
abandona aquela atividade de tentar identificar qual e melhor e mais justa decisão para aquele
caso, e passa a aplicar o que a lei diz para aquele caso.]

Dentro do Positivismo Jurídico há diferentes escolas, das mais radicais às liberais moderadas.
O ponto convergente de todas é o tecnicismo formal, limitando-se a identificar o Direito com a
lei, mediante uma interpretação literal dos preceitos normativos. Paulo Nader[4] assim
descreve sua visão do Positivismo:

Os positivistas estreitam o campo de abordagem do Direito, limitando-se


à análise do Direito Positivo. O Direito é a lei; seus destinatários e
aplicadores devem exercitá-la sem questionamento ético ou ideológico.
Para eles não existe o problema da validade das leis injustas, pois o valor
[se a norma é justa ou não] não é objeto da pesquisa jurídica. Quanto à
justiça, consideram apenas a legal, mesmo porque não existiria a
chamada justiça absoluta [há um universo de opiniões diferentes do que
é a justiça]. O ato da justiça consiste na aplicação da regra ao caso
concreto. Os positivistas não aceitam a influência dos elementos extra
legem [moral, religião ou ética] na definição do Direito Objetivo.[5]

O Direito integra a realidade do dever-ser; isto quer dizer que as normas são ditames que
descrevem como deve ser a conduta social dos sujeitos submissos ao poder estatal e não como
verdadeiramente é.

‘Norma’ é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita,


permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à
competência de alguém. Neste ponto é importante salientar que a norma,
como o sentido específico de um ato intencional dirigido à conduta de
outrem, é qualquer coisa de diferente do ato de vontade cujo sentido ela
constitui. Na verdade, a norma é um dever-ser e ao ato de vontade de
que ela constitui sentido é um ser. Por isso, a situação fática perante a
qual nos encontramos na hipótese de tal ato tem de ser descrita pelo
enunciado seguinte: um indivíduo quer que o outro se conduza de
determinada maneira. A primeira parte refere-se a um ser, o ser fático do
ato de vontade; a segunda parte refere-se a um dever-ser, a uma norma
como sentido do ato.[9]

Para Kelsen, “o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma
outra norma”[10] [ou seja, a pergunta que o operador do direito deve fazer à norma é se ela é
válida ou não. E ela é válida se nasceu de uma outra norma: aquela que estabelece os critérios
para a criação de normas: projeto de lei pelo legislativo, análise pelo Senado, promulgação pelo
chefe de Estado, incorporação na Ordem Jurídica. Se a norma passou por este processo, ela é
válida. Sendo justa ou não].

Dessa forma, normas inferiores encontram sua legitimidade em normas superiores, ou seja,
uma norma jurídica regula o procedimento de elaboração de outra norma jurídica, em uma
31

relação de silogismo. A função da Constituição, também chamada de Norma Fundamental, é


“fundamentar a validade objetiva de uma ordem jurídica positiva, isto é, das normas, postas
através de atos de vontade humanos, de uma ordem coercitiva globalmente eficaz”[11]. É,
portanto, a base legitimadora e condicionante de validade de todo o ordenamento vigente.

[A propósito,] A grande questão enfrentada pelo autor nesse ponto foi o fato de não ter a
Constituição (a mais alta esfera positiva) uma norma positivada que lhe conferisse validade
jurídica. Entendeu Kelsen que, diferentemente das demais normas jurídicas, a norma
fundamental não surge de um órgão criador e não adquire validade por ter sido criada por um
ato jurídico, mas simplesmente por ter sido pressuposta como válida, por ser a base de uma
construção silogística das demais normas.[12]

Kelsen considera que “uma teoria do Direito, deve, antes de tudo, determinar conceitualmente
seu objeto” [13]. Utilizando-se da linguagem, chega à conclusão de que, em todas as línguas, o
termo “direito” se apresenta como ordem de conduta humana; esta é regulada pelas normas,
que pertencem legitimamente a uma ordem jurídica quando é compatível com a Norma
Fundamental.[14]

Para Kelsen, a norma constitui o principal objeto do Direito. Esse é o entendimento do autor,
que enxerga o Direito como “uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema
de normas que regula o comportamento humano. Com o termo ´norma` se quer significar que
algo deve ser ou acontecer”.[15]

Dessa forma, Kelsen atribuiu ao Direito [enquanto ciência] a função de analisar as normas,
que já comportam em sua estrutura os elementos axiológicos da sociedade [o cientista do
Direito deve analisar o que as normas dizem, e não se as normas são justas ou não. Acreditava
que a norma espelhava, refletia os valores sociais].

As normas já disciplinam as relações sociais e não precisam estar submetidas à análise


sociológica ou psicológica [se são ou se não são justas]. Nesse sentido, preceitua Paulo Nader:
“Kelsen atribuiu à Ciência do Direito o estrito papel de analisar as normas jurídicas e divisou à
Ética, Sociologia e Política a função de submeter o Direito à crítica do conteúdo” [em outras
palavras, o operador do direito não tem que ficar preocupado com o conteúdo das normas, se
são éticos ou não. Esta preocupação pertence aos cientistas da ética, sociologia e política, que
analisarão se a norma merece reforma ou não. Ao advogado ou juiz cabe apenas identificar:
qual é a lei para este caso concreto? E aplicar esta lei].[16]

Percebe-se, portanto, que o Direito é um emaranhado de normas que regulamenta as


condutas sociais e são legitimadas pela Norma Fundamental, prescindindo de valoração
legitimadora [Quer dizer, devemos apenas investigar se uma norma nasceu do processo
legislativo determinado na Constituição Federal. O conteúdo ético, justo ou não, das normas, não
é objeto de preocupação do cientista do Direito].

Isso não quer dizer que Kelsen, que atribuiu caráter extremamente normativista a sua obra,
ignora as ordens valorativas, mas apenas que ele não as considera como necessárias ao
aspecto jurídico das normas, que por si só já contêm todos os elementos necessários à
apreciação judicial. [Ou seja, a análise do conteúdo moral e ético das normas não é afastado,
32

mas relegado a segundo plano. Sobretudo, o conteúdo moral de uma norma deve ser
questionado antes de sua elaboração, ou quando de sua vigência, pela própria sociedade. O
cientista do Direito deve, por outro lado, apenas identificar o que a norma diz, o que ela
determina, e não se a norma é justa o não.]

Paulo Nader entende que, para Kelsen, a busca da legitimação [se uma norma é legítima ou
não] fora do quadro normativo é admitida, mas como problema metajurídico [além do
direito], que deve ser apreciado por esferas espirituais (Política, Religião, Metafísica)[17]. Isso
quer dizer que os valores [se a norma é justa, democrática, equitativa, proporcional,
libertadora, igualitária] não são objeto de análise da Ciência Jurídica, mas sim da Sociologia e
Filosofia do Direito.

O autor utiliza-se de uma resposta epistemológica para não recorrer a autoridades


metajurídicas, como Deus ou a natureza (em confronto ao Direito natural), no momento da
interpretação da norma: o operador deve pautar-se pelo que a Constituição escreve. A
Constituição, como foi visto, estabelece os limites da produção legislativa, vinculando as leis
hierarquicamente inferiores.

Ocorre que para Kelsen, diferentemente do que dizem os radicais exegetas, a determinação
normativa nunca é completa, ou seja, resta sempre uma margem de livre apreciação do
julgador (a norma sempre tem um grau de indeterminação). Entretanto, essa esfera de
liberdade na análise do julgador é sempre limitada por uma moldura jurídica, que é o
ordenamento hierarquicamente superior que a legitima[21].

O juiz, isto é, o agente que tem a incumbência de aplicar a lei ao caso concreto, segundo a
Teoria Pura, cria o Direito através de uma norma válida às partes envolvidas. É a retratação da
atividade jurisprudencial. Assim sendo, percebe-se que da interpretação surge sempre uma
norma individualizada, sem buscar elementos filosóficos ou sociológicos, uma vez que os
preceitos axiológicos necessários já estão contidos no enunciado normativo.

Kelsen desconsidera, assim, normas de moral e éticas na aplicação da norma no caso concreto,
assumindo que essas são desprovidas de validade aos olhos do Direito Positivo.

Kelsen entende que a interpretação jurídica deve ser embasada com as normas já existentes,
não podendo utilizar-se da criação de novas normas por via do conhecimento, como faz a
“Jurisprudência conceitual”.

O autor ainda nega a existência, do ponto de vista positivista, da existência de lacunas


autênticas. Mas, se mesmo assim se fala em lacunas, é necessário considerá-las como uma
indeterminação que decorre da moldura da norma e que deve ser preenchida pela
interpretação, nunca se permitindo o julgamento pelo magistrado no lugar da lei. [23]

Para a “Teoria Pura do Direito”, a indeterminação das normas, que acaba deixando espaços na
lei que serão preenchidos pelo aplicador, não pode ser utilizada ao livre contento do pretor,
sob pena de se ter prejudicada a legalidade e, por consequência, a validade das normas em
geral[24]. Assim conclui Kelsen:

A autorização para eliminar a lei é formulada de modo que o aplicador


do Direito não se valha do extraordinário poder que lhe é realmente
transferido. O executor do direito deve pensar que só não deve aplicar a
33

lei nos casos em que não possa ser aplicada, por não conter em si
nenhuma possibilidade de aplicação. Ele deve saber que só é livre
quando ele próprio puder fazer as vezes do legislador, não porém sob
outro aspecto: quando tiver de se colocar no lugar do legislador.[25]

Notas:

[1] KELSEN,Hans. Teoria Pura do Direito. (tradução João Baptista Machado). São
Paulo:Martins Fontes, 1991. [2] FREITAS FILHO, Roberto. Crise do direito e juspositivismo: A
exaustão de um paradigma. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 40-41. [3] NADER, Paulo.
Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 175. [4] Optou-se por utilizar a visão de
Paulo Nader por mera liberalidade. Outros teóricos poderiam ter sido citados. O intuito é
somente demonstrar a percepção de um jurista renomado que, apesar de parcial em sua
opinião, é estranho àqueles que construíram a base teórica do Direito Alternativo ou do
Positivismo Jurídico. [5] NADER, Paulo. Op.cit., p. 175. [6] KELSEN,Hans. Teoria pura do
direito. (tradução João Baptista Machado). São Paulo: Martins Fontes, 1991. [7] KELSEN,Hans.
Teoria pura do direito. (tradução João Baptista Machado). São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.
6. [8] Ibidem, p. 86-90. [9] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5. ed. Trad. João Baptista
Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 5. [10] Ibidem, p. 205. [11] Ibidem, p. 168. [12]
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 1945, 2000
(tradução), p. 170. [13] Idem. Teoria pura do direito. 5. ed. Trad. João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 33. [14] Ibidem, p.33. [15] Ibidem, p. 5. [16] NADER, Paulo.
Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 196. [17] NADER, Paulo. Filosofia do
direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 198. [18] Ibidem, p.388. [19] Ibidem, p. 388. [20]
NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 4. [21] KELSEN, Hans.
Teoria pura do direito. 5. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.
388. [22] Ibidem, p. 390. [23] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Versão condensada pelo
próprio autor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119. [24] Ibidem, p. 123. [25] Ibidem,
p. 123. [26] XAVIER, Bruno de Aquino Parreira. Direito Alternativo: uma contribuição à teoria
do direito em face da ordem injusta. Curitiba: Juruá Editora, 2002. p. 34-38.

Para aprofundar:

O Positivismo Jurídico, de Norberto Bobbio;

Do Delito e das Leis, de Cesare Beccaria;

Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen.


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Resumo da aula de Filosofia Jurídica – Prof. Givaldo Matos

O POSITIVISMO E A DIALÉTICA JURÍDICA NO PENSAMENTO DE ROBERTO LYRA-FILHO

Roberto Lyra-Filho pertence aos teóricos que entendem que o positivismo jurídico merece
reflexão e reforma, pois se transformou em um sistema ideológico conservador,
instrumentalizado pelos detentores do Poder para construir privilégios ou para manter os já
existentes, em detrimento das grandes massas, da maioria da população. É um sistema que
não promove a distribuição democrática da justiça.

Para o pensador, o direito, em sua dimensão legislativa e judiciária, pode ser visto a partir de
duas teorias opostas:

• a IDEALISTA, que patrocina o Positivismo Jurídico, e


• a MATERIALISTA (ou dialética), que promove críticas e desafio de superação aos
limites do Positivismo Jurídico.

A – VISÃO IDEALISTA – OU O POSITIVISMO JURÍDICO CLÁSSICO

O Positivismo Jurídico, como já visto em outra abordagem, é um sistema que estabelece a LEI
como parâmetro máximo para as decisões judiciais. Ao estabelecer uma lei que tem validade
para todos, acredita que alcança a ISONOMIA, ou seja, a aplicação igualitária da LEI. De certa
forma, superou o problema grave da arbitrariedade judicial e legislativa, presente nos
sistemas jusnaturalistas medievais.

No entanto, é de se perguntar: quando uma lei desfavorece uma parcela poderosa da


população, será que esta lei e o próprio sistema jurídico sobrevive? Improvável, no
pensamento do jurista. No entanto, vivemos em um sistema que se diz ser construído sob o
império da lei. Como é possível?

Qualquer IMPÉRIO DE LEIS que imponha com coação e coerção uma conduta pode ser
comparada com uma ditadura (Império do Direito). Sua aceitação, em grande medida,
dependerá da ideologia que justifica este império, e ainda, do caráter destas leis: há que se
dizer que as leis existentes são leis que promovem o bem para todos!

O Positivismo Jurídico, portanto, sobrevive a partir de uma ideologia que faz com que a
população o entenda como um modelo jurídico perfeito. Oferece como fundamentos as
seguintes ideias:

• O direito e a lei nasce das necessidades sociais;


• O direito e a lei converge com a moral social vigente;
• O direito e a lei converge com a vontade social;
• O direito e a lei nasce por meio de um processo pacífico e democrático.

Para subsistir, o Positivismo Jurídico deve afirmar que as leis existentes são boas. Elas visam
atender e solucionar as necessidades sociais, representando um produto que, se fosse dado ao
cidadão escolher, ele optaria exatamente pelo que as leis são. Por mais um motivo, as leis
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sempre convergem com a consciência moral da sociedade. Por fim, o processo de elaboração
das leis vigentes sempre é democrático, onde todos podem participar, e pacífico.

Trata-se de um direito ideal. Ele surge como resultado da razão, ou seja, é o melhor produto
que uma civilização poderia obter, pois nasce da inteligência, da lógica, da boa vontade dos
governantes, da busca incansável pelo bem de toda a nação. Não há nele falhas sérias, nem
preferencialismos, elitismos, classicismos. É um reflexo da justiça!

No entanto, quando Roberto Lyra-Filho analisa o Direito Penal de seu tempo (ele foi um
teórico crítico do Direito Penal), enxerga divergências entre a teoria e a prática deste sistema.

PARÊNTESIS: ENTRE A VISÃO IDEALISTA E A VISÃO MATERIALISTA DO DIREITO

Para compreendermos a análise de Lyra Filho, é preciso diferenciar dois conceitos que o autor
utiliza em sua abordagem, que são a) liberdade e igualdade formal e, b) Liberdade e
igualdade material.

Liberdade e Igualdade Formal: são direitos assegurados meramente no texto da lei, mas
sem efetivação na prática. Pela legislação, todos são livres para ‘ir e vir’, para adquirir
propriedade privada, para viajarem para o exterior, ou seja, a lei não proibe isto, salvo em
casos excepcionais. O positivismo jurídico entende que isto é a liberdade, ou seja, o simples
fato de que a lei permite algo já é chamado de liberdade.

Liberdade e Igualdade Material: são direitos que, além de constarem na legislação, são
desfrutados pela sociedade. É a materialização do direito. Sendo assim, podemos dizer que o
fato da lei não proibir algo não torna concreto aquele direito. Para ‘ir e vir’, para viajar ao
exterior, para comprar propriedade privada, para gozar de boa saúde, para estudar um curso
universitário, a pessoa precisa mais do que a permissão da lei. Ela precisa ter as condições
materiais, financeiras para alcançar aquele direito. A igualdade e liberdade material, portanto,
é aquele que é assegurada pelo Estado e desfrutada pela população, de forma concreta.

A visão idealista do Direito se contenta em assegurar ao povo a liberdade e igualdade


formal, se esquecendo que, apesar da legislação afirmar que todos são iguais, nem todos
conquistaram esta igualdade e liberdade na sua forma concreta. Ora, o que é a liberdade,
senão a ausência de obstáculos na busca do ser humano alcançar satisfação de suas
necessidades básicas e desejos pessoais? Os obstáculos para se alcançar a saúde, enfrentados
pela massa pobre no Brasil, não são obstáculos meramente legais. São obstáculos materiais,
econômicos, financeiros.

O Estado, desta forma, prega uma mensagem de que todos são iguais, Gerando um
ocultamento da desigualdade material, prática, vivencial entre as pessoas. Os conservadores
da ordem, segundo Luiz Flávio Gomes, irão justificar as desigualdades, afirmando que a
pobreza é resultado da preguiça dos que não querem trabalhar. Não é por causa das injustiças
ou condições desiguais de participação na produção/aquisição dos bens sociais. A partir desta
análise, fica mais fácil compreender a visão dialética ou material do Direito.

B – VISÃO MATERIALISTA OU DIALÉTICA


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Na visão de Roberto Lyra Filho, também chamada de materialista ou dialética jurídica, o


direito não nasce de um processo ideal, pacífico e democrático. Ele é fruto, na verdade, da
tensão de interesses de grupos e classes sociais, além de interesses internacionais sobre a
legislação pátria. Vejamos suas teses:

• a lei nasce de conflitos de interesses de grupos caracterizados por interesses diversos.


Os conflitos podem ser entre países na elaboração das leis (Lei que regula a exploração
do petróleo, propriedade agrária, royalties, patentes, etc.), conflitos entre religiosos e
não religiosos (bancadas religiosas versus movimentos LGBT`s, etc.), conflitos entre
instituições sociais diferentes, conflitos entre empregadores e trabalhadores, entre
ONG`s e instituições, etc.);

• A lei não representa a moral social vigente, pois não existe “moral social vigente”,
antes, o que existe é uma multiplicidade de valores morais na sociedade. Sendo assim,
o direito não nasce de uma moral social, antes, nasce da moral social dominante ou de
interesses de ordem diversa;

• O processo de elaboração do direito é dialético, ou seja, prevalece a luta pela


positivação do interesse dos envolvidos, que vai fazer uso de múltiplos mecanismos,
nem sempre democráticos. O que determina a conquista é o poder dos envolvidos
(poder econômico, poder de representação, poder de mobilização social, etc.).

Toda a construção é alimentada por uma construção ideológica, ou seja, a partir da criação de
uma imagem falsa do que é o direito, de que ele é justo, democrático, pacífico, social, quando
na verdade, ele é o fruto de conflitos onde nem todos podem participar.

Nas palavras do autor, vejamos:

Esta pretensão cultural da classe dominante identifica as suas


conveniências e princípios com os da sociedade inteira. (...) Neste
contexto, qualquer tipo de mudança social é limitado e controlado; e os
ataques de qualquer dissidência, considerados aberrações do
comportamento. (...) Eles divinizam a ordem e fazem do jurista o servidor
cego e submisso de toda e qualquer lei.10

A visão materialista afirma que não é a razão que cria o direito, antes, é a luta entre diversos
setores sociais, iniciada para assegurar, através da lei, os interesses em pauta. Pertence,
majoritariamente, aos donos do poder. Nas palavras de Lyra-filho:

A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à


classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a
sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que
comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos
meios de produção.11

O poder, por sua vez, luta por manter seus privilégios, não aceitando a democratização desta
instância. Usa-se, primariamente, o discurso da ordem que, em outras palavras, significa ‘a

10
O que é o Direito, pg. 57.
11
O que é o Direito, pg. 08.;
37

manutenção do poder da classe dominante’. O desrespeito aos ‘direitos’ de uma elite é uma
desordem, enquanto o desrespeito às necessidades dos dominados é a condição necessária ao
progresso.

Se cresce a constestação, a atitude anômica (i.é, que constesta o nomos,


as normas, da ordem estabelecida), as hipocrisias paternalistas logo
tiram a máscara, abandonam o mito da ‘educação’ dos dominados
(segundo os padrões da classe e grupos dominantes e para melhor servi-
los) e saem para a ‘ignorância’, no sentido popular da palavra, isto é,
recorrem à porrada, que os donos do poder e seus dóceis servidores
consideram perfeitamente ‘jurídica’.12

Como o sistema colabora para isto? Nas palavras de Lyra-Filho: “O Positivismo Jurídico (...)
canoniza a ordem social estabelecida, que só poderia ser alterada dentro das regras do jogo
que esta própria estabelece... para que não haja alteração fundamental”.13 33

Ainda, valeria a pena citar o pensamento de Manning Marable, quando fala sobre a falta de
reconhecimento dos direitos e do sofrimento das massas oprimidas. Afirma o autor que a elite
só considera violência, quando o sangue derramado é o de alguém de seu grupo. Quando é o
sangue dos tradicionalmente espoliados, como negros, pequenos camponeses, trabalhadores
sub-assalariados, estes homicídios e mortes não entram na contabilidade. Há uma negação do
sofrimento e dos direitos das classes desfavorecidas.

Vejamos por exemplos:

A legislação que diminuiu a jornada de trabalho, de 48 horas para 44 horas, esbarrou-se nos
interesses de grandes empregadores, que lucravam muito mais com o regime antigo. É
improvável que estes empregadores tenham aprovado ou colaborado para com a diminuição
da jornada de trabalho, ou que não tenham se oposto a elas. Foi uma conquista material, ou
seja, uma conquista que enfrentou oposição mas venceu.

Por sua vez, existem interesses populares que podem perder a batalha, no interesse de firmar
seus interesses ou necessidades. É o caso das empregadas domésticas, que durante décadas,
não alcançaram êxito no reconhecimento de seus direitos trabalhistas, senão apenas no ano
de 2013.

O exercício de imaginar como foram construídos alguns direitos sociais e individuais nos
ajuda a compreender a teoria dialética de Roberto Lyra-Filho.

• No direito do trabalho, como se deu a conquista pela licença maternidade, pelas férias,
pelo 13º Salário, pelo aviso prévio?
• No direito ambiental, como se deu a proibição das queimadas, a obrigação de proteção
das margens dos rios, a proibição do desmatamento?
• No direito penal, como se deu a inclusão dos crimes de colarinho branco no rol dos
tipos penais?

Vejamos uma citação de Lyra-Filho14:

12
O que é o Direito, pg. 33.
13
O que é o Direito, pg. 33.
38

Em muitos debates sobre aumento da criminalidade, o que se faz é


desviar a atenção dos grandes crimes para incidentes criminais
derivados. Concentra-se a visão no furto dos trombadinhas, que são
produto de abandono, mas nisto se esquecem os trombadões, que
comprometem os dinheiros públicos e alienam as riquezas nacionais.
Pensa-se num homicida que matou o desafeto, em briga de botequim,
mas se esquecem, com isto, os índices de mortalidade infantil, em
300.000 crianças por ano (isto em 1979!), calcula os óbitos em meses,
semanas, dias, horas e minutos. Resulta daí que, para equiparar-se a tal
hecatombe, um assassino teria a cumprir o programa de matar uma
criança de dois em dois minutos, sem parar para comer ou dormir. O que
o assassino não faz, a estrutura realiza.

São alguns dispositivos legais que nos fazem pensar em como foi árduo o processo de
estabelecer e conquistar alguns ‘direitos’ e como outros, mesmo antidemocráticos, continuam
vigentes. É que o direito nasce, na verdade, dentro de uma luta de poder, onde existem grupos
que possuem maior facilidade de positivarem seus interesses, através de parlamentares que
os defendam, enquanto outros grupos sofrem a resistência de parlamentares que não são
conhecidos pelo civismo democrático.

O que é o direito, portanto, para Roberto Lyra-Filho? Na verdade, mais fácil é identificar o que
não é o direito, no pensamento do autor. O direito não é um processo dado gratuitamente às
camadas sociais mais desprivilegiadas!

Se estas querem ver suas necessidades atendidas através da lei, devem, em primeiro lugar,
compreenderem que o processo se dá em um campo de batalha, parlamentar e ideológico e
que, somente lutando através de representantes comprometidos com a democracia, poderão
ver superadas as dificuldades que tanto atrasam o País.

Considerações Parciais

Importante lembrar que a obra de Roberto Lyra-Filho é anterior à Constituição Federal de


1988. A atual CF superou parte dos problemas identificados pelo autor. No entanto,
permanece a pergunta:

• O direito é integralmente o resultado de um processo harmonioso, pacífico e


democrático?
• Ou, ao menos em parte, continua resultado de lutas de interesses, onde o que
determina o resultado final, é o poder de representação que os interessados possuem?
• Como a Constituição Federal se relaciona com os diversos interesses envolvidos no
processo de elaboração do Direito?
• Sobre estes temas, requer-se ler o texto de Amilton Bueno de Carvalho, ‘A Lei, O Juiz, o
Justo’. Ainda, é o tema do artigo ‘O Neoconstitucionalismo e a Constitucionalização do
Direito’, de Luís Roberto Barroso.

Givaldo Matos, Prof.

14
Cartas Aberta a um Jovem Criminólogo: Teoria, Práxis e Táticas Atuais. Revista de Direito Penal N. 28. Forense,
1980. Pág. 20.
39

Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito

Comentários do Prof. Givaldo Matos ao artigo de Luis Roberto Barroso

O constitucionalista Luís Roberto Barroso, por ocasião do julgamento da ADI 4277 e no artigo
em tela, afirma que vivenciamos hoje uma nova fase do direito, a saber, a FASE
NEOCONSTITUCIONAL.

É uma [nova] fase constitucional porque inaugura uma nova forma de relacionar a legislação
em geral, com a Constituição Federal. Ela aproveita o POSITIVISMO JURÍDICO, que toma como
parâmetro das decisões judiciais, a legislação vigente, mas acrescenta os DIREITOS HUMANOS
[FUNDAMENTAIS] como parâmetros éticos de aplicação e julgamento das próprias leis.

Nesta nova fase, por exemplo, não basta que as leis tenham legitimidade e legalidade, ou seja,
que tenham passado pelo processo regular de promulgação de uma lei, como requerera Hans
Kelsen. É necessário que estas leis se adequem à Constituição Federal, lugar onde normas e
princípios de proteção à dignidade humana estarão em sua forma mais clara, como cláusulas
inegociáveis.

Entre estas normas e princípios, poderíamos citar o principal, o ‘da dignidade humana’, bem
como o direito à liberdade, igualdade, entre outros.

Para garantir esta disposição, toda a legislação passará pelo crivo da Constituição Federal, seja
antes de serem votados (no caso, os Projetos de Leis, que são avaliados por comissões de
controle de constitucionalidade), ou serão crivadas por ADI’s, se alguma parte julgar uma lei
específica como inconstitucional.

A lei atacada será avaliada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão guardião da Constituição.

Principais Direitos Humanos incorporados pela Constituição Federal

1. Direito à privacidade e intimidade: Contrariando as práticas de Estados Ditatoriais,


que invadem, publicam e divulgam a privacidade e intimidade das pessoas, a partir da
CF de 1988, o Estado ou qualquer ente não já não tem legitimidade para violar minha
privacidade e intimidade, salvo motivadamente, quando houver colisão de direitos
fundamentais.
2. Direito à Liberdade: todo ser humano é livre para construir seus projetos de
felicidade, quando estes não firam direitos de terceiros.
3. Direito ao livre pensamento: Diferentemente dos Estados Ditatoriais, que visam
controlar o pensamento sob diversas formas, a partir do Neoconstitucionalismo,
garante-se a liberdade de pensamento. Já a liberdade de expressão deverá ser pensada
a partir da relação e repercussão sobre direitos de terceiros.
4. Direito do Contraditório e da Ampla Defesa: Estados Ditatoriais julgaram indivíduos
sem nenhum processo legal. Uma população apaixonada ou irada pode promover
barbáries quando suspende o direito de defesa. A história é pródiga em demonstrar
julgamentos equivocados.
5. Direito à não discriminação por causa da igualdade ou desigualdade: proibição ao
racismo, difamação, calúnia, injúria, etc.
6. Direito à Propriedade Privada: em estados ditatoriais, o Estado sequestrava
livremente os bens privados de seus cidadãos.
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7. Proibição da Escravidão: nenhuma pessoa poderá ser tomada como propriedade de


outra. É um desafio ainda no país, onde se verifica trabalho análogo à escravidão, e em
países onde é comum o tráfico de pessoas para comércio sexual.

Marcos históricos, filosóficos e teóricos do nascimento do Neoconstitucionalismo

Esta nova fase tem alguns marcos de nascimento. São eles, o marco histórico, o marco
filosófico e o marco teórico.

I. Marco histórico

A Segunda Guerra Mundial foi um marco de desrespeito à dignidade humana. Nenhuma


guerra violou mais direitos civis, liberdades, dignidade, do que esta guerra. Experiências
médicas com seres humanos; assassinatos em massa de civis, crianças, idosos, etc.; violência
desmedida, brutalidade, foram cometidas debaixo da legalidade, ou seja, vários países
envolvidos desenvolveram leis que justificaram estas práticas. Diante disto, se perguntou:
para um sistema de direito ser considerado legítimo, basta que as leis sejam legítimas, ou seja,
que tenham passado pelo processo padrão de publicação?

Tornou-se claro para as nações envolvidas, após a guerra, que era necessário criar um
dispositivo para limitar o poder dos ESTADOS e das grandes INSTITUIÇÕES, em ações contra
o ser humano.

O dispositivo criado foi a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS, um documento


que se tornou parâmetro para os países signatários, de construção de um novo direito, a
saber, um direito ético, moral, civilizador.

No entanto, tal documento não tinha força legal, por conta do princípio da soberania dos
povos. As Nações Unidas não tinham legitimidade de impor um catálogo de direito a ser
observado pelos povos. A Declaração deveria ser adotados pelos países, em seus documentos
constitucionais e, a partir daí, regular todo o direito interno.

A Declaração deveria ser incorporada nas Constituições dos povos, por ser este um
documento hierarquicamente superior, o que iria gerar uma alteração no restante da
legislação infraconstitucional.

No caso brasileiro, como nos diz Barroso, tais reformas só vieram com a atual Constituição de
1988.

Antes dela, ainda era visível no país o sequestro da liberdade de expressão, a censura,
relativização do Devido Processo Legal e Contraditório, supressão do Parlamento como órgão
de elaboração de leis, etc.
41

II. Marco filosófico

O positivismo jurídico tinha como máxima a ideia de que ‘a lei é dura, mas é a lei’, ou ainda, ‘a
lei, doa a quem doer!’. Ainda: ‘o direito é um fato e não um valor’, ou seja, não cabe ao juiz
analisar se uma lei é justa ou não. A partir do Neoconstitucionalismo, segundo Barroso, o
marco filosófico foi o esgotamento da crença no positivismo jurídico puro, ou seja, a crença de
que bastaria um conjunto de leis para que se efetive a justiça.

Não bastam leis. Estas leis precisam ser, minimamente, leis justas! Como estabelecer o que é
uma lei justa, no entanto, sem voltar ao direito natural, com sua insegurança jurídica
característica?

A fórmula encontrada foi, principalmente, tomar como parâmetro a Declaração Universal de


Direitos Humanos. Mas, foi além. Estabeleceu-se princípios e valores que iriam balizar as
regras, sobretudo, concentrados no princípio da dignidade humana. Para tanto, a filosofia e a
argumentação jurídica passaram a ser determinantes no processo.

III. Marco teórico

O marco teórico, segundo Barroso, se deu na forma de aplicar o direito constitucional. Se deu
de três formas: a constituição ganhará uma nova força sobre o direito, como um todo; os
espaços, as áreas do direito a serem reguladas pela constituição são aumentados e, por fim,
desenvolver-se-á uma nova interpretação constitucional. Vejamos:

1. A força normativa da Constituição – antes desta nova fase, já existiam constituições. No


entanto, não tinham, no campo prático, a efetividade de poder normativo hierarquicamente
superior. A partir desta nova fase, haverá um compromisso das nações de ativarem a
hierarquia das constituições, que servirão como balizas jurídicas de todo o direito. Toda a
legislação e aplicação da lei deverá se conformar com os dispositivos constitucionais.

2. A expansão da jurisdição constitucional – enquanto antes dessa fase, as áreas de


disciplina das constituições eram restritas a poucos temas, a partir de agora, as constituições
passarão a regular sobre todo o direito, sobretudo, nas áreas que mais requerem proteção da
dignidade humana. O direito administrativo, civil, penal, processual, ambiental, tributário, etc,
passarão a sofrer a disciplina constitucional. Outras áreas do Direito irão nascer, como o
Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso e Estatuto da Criança e do Adolescente,
para assegurar proteção das partes mais fragilizadas.

Vale dizer que a Declaração Universal de Direitos Humanos foi a primeira iniciativa de se
estabelecer Direitos Humanos como reguladores da produção legislativa e aplicação da lei nas
nações. Depois desta Declaração, outros pactos de direitos humanos foram assinados,
passando estes a ser incorporados, por força de Emenda, à Constituição Federal.

Um dos exemplos de como os Tratados de Direitos Humanos passa a influenciar a legislação


ordinária é o da proibição de se prender qualquer pessoa, em decorrência de dívidas, assinada
pelo Brasil no Pacto de San José e Costa Rica.
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*** Outrora, um devedor poderia ser preso por causa da dívida, embora esta prisão só viesse a
piorar o problema, pois em geral, o devedor era o único provedor da família. A prisão se
revelava não somente inútil, mas piorava o problema econômico das partes.

3. A nova interpretação constitucional – por fim, desenvolver-se-á formas de interpretação


de todo o direito a partir da constituição.

• É o caso da interpretação a partir de princípios: princípio da proporcionalidade,


princípio da razoabilidade, princípio da insignificância, princípio da liberdade e
princípio da igualdade.
Embora os princípios representem um grande desafio para a segurança jurídica,
impedem que a letra fria da lei seja aplicada de forma gritantemente abusiva ou
desumanizadora.

• É o caso do STF ter concedido Habeas Corpus, por exemplo, a um condenado pelo furto
de duas peças usadas de carro, que somavam o valor de quatro reais.

• O STF será chamado, e com ele, os ‘amigos da corte’, ou seja, representantes da


sociedade civil, para interpretarem melhor a Constituição e o Direito, no que toca a
grandes conflitos sociais. Pergunta-se:

" O Estado deve obrigar uma gestante de feto anencefálico a ir até o final da
gravidez, mesmo sabendo que, além do mesmo não ter o encéfalo, o mesmo não
irá durar mais que duas horas após o parto?
" Se o casamento para o Estado é uma espécie de Contrato Civil que visa dirimir
problemas relacionados a bens, pensão e filhos, pode o Estado proibir que
pessoas do mesmo sexo estabeleçam este contrato?
" Uma vez que milhares de células troncos embrionárias são descartadas em
clínicas criogênicas por não terem utilidade para o casal, poderiam ser usadas
em pesquisas cientificas na área médica?

Sobre estes temas, entendeu-se que o direito encontrava-se em situação limite, cabendo ao
STF oferecer interpretação sobre como a legislação até então vigente deveria ser interpretada
à luz de princípios constitucionais.

• Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos servirão também para


interpretação da constituição, ou para figurarem como Emendas Constitucionais.

Neoconstitucionalismo: Novo sistema jurídico?

Pergunta-se se o Neoconstitucionalismo substituiu o Positivismo Jurídico, criando um sistema


de julgamento completamente novo. A verdade é que a vinculação do magistrado à lei
continua imperando. Em tese, o jargão que afirma “A lei é dura, mas é a lei”, ainda continua em
vigor. Vejamos os casos:

a) No caso de demarcação de terras, em disputas entre indigenistas e ruralistas: ao findar


um processo judicial, com trânsito em julgado, pela posse/propriedade da terra, a
parte que perdeu o processo terá que se ajustar ao resultado.

b) A mesma situação no caso da Reforma Agrária. Transitado em julgado um processo de


Reforma Agrária, o antigo dono terá que se ajustar à decisão judicial.
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Nos dois casos acima, a lei regulamentadora é a Constituição Federal, que deverá ser tomada
como parâmetro judicial da decisão. Em outras palavras, mantém-se a obrigatoriedade da
decisão judicial ficar restrita à lei.

Sendo assim, o Neoconstitucionalismo não substituiu o Positivismo, antes, o aperfeiçoou.

Diferença Principal entre Positivismo Jurídico Clássico e Neoconstitucionalismo

No Positivismo Jurídico Clássico não havia um controle estrito para a produção das normas e
do caráter das mesmas. A lei era criada por representantes populares legítimos, promulgada
pela autoridade competente e isso já era o suficiente. Aquela lei era legítima e válida.

No Neoconstitucionalismo, a produção de leis passará a sofrer uma rígida fiscalização: o


Projeto de Lei é posto em pauta. Antes de ser votado, uma Comissão de Controle de
Constitucionalidade irá aferir se aquela lei proposta se adequa ou não à constituição e aos
direitos humanos nela protegidos. Se a lei violar direitos humanos, esta Comissão deverá
reprovar o projeto e impedir seu avanço. Se entender que não viola, o projeto é votado e passa
pela análise do Senado. O Senado, antes de votar, também irá expor o Projeto de Lei a outra
Comissão de Controle de Constitucionalidade, para fazer a mesma análise. Entendendo que
não fere a Constituição [e, por isso mesmo, não fere direitos humanos], o Senado vota, devolve
aos Deputados, que enviam para o Chefe de Estado.

Se o Projeto de Lei for transformado em Lei, agora servirá como parâmetro para os juízes
decidirem as questões a ela relacionadas. Se, em um litígio, uma das partes entender que esta
lei é inconstitucional, poderá expor novamente a Lei [não é mais um Projeto de Lei, agora tem
valor e exigência de cumprimento], poderá solicitar que o STF se pronuncie, sobre se aquela
lei é constitucional ou não. Se o STF entender que não é constitucional, derruba a lei.

Veja, portanto, a grande diferença do Neoconstitucionalismo para com o Positivismo Jurídico


Clássico: há um controle sobre o caráter, a índole, o conteúdo ético da lei. Não basta a adesão
popular a um Projeto de Lei. Não basta que ele seja criado segundo as normas de criação. A
nova lei tem que se adequar à constituição.

Já no Positivismo Clássico, uma Projeto de Lei que visava sequestrar os bens, a liberdade e a
integridade de um grupo de pessoas poderia ser votado e, conforme a adesão parlamentar,
transformava-se em lei que o juiz deveria aplicar.

O desafio de se construir um mundo mais justo e fraterno passa pela Direito. O Direito
religioso promoveu grande avanço civilizatório, embora estivesse marcado por graves abusos.
Foi superado pelo Jusnaturalismo grego, que representou um avanço em relação ao primeiro,
por permitir questionamento e participação social na elaboração das leis. Este foi superado
pelo jusnaturalismo cristão medieval, que trouxe preciosas contribuições na defesa da
dignidade humana, mas também foi caracterizado por abusos. A penúltima evolução jurídica
moderna foi a do Positivismo Jurídico, que supera o problema da insegurança jurídica, mas
padece de abertura a normas esdruxulas e vis.

O Neoconstitucionalismo apresenta-se hoje como a resposta racional e como tentativa de um


direito próximo da justiça, pois mantém a segurança jurídica, mas exige que o direito tenha
uma determinação ética e justa.
44

Próxima Pauta: Pós Positivismos

John Rawls

Ronald Dworkin

Impasses do Neoconstitucionalismo

Lênio Streck

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