Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
religioso. Quer isto dizer, que depois de São Paulo, o direito natural dos
gregos passa a identificar-se com a vontade de Deus. E a justiça, antes vista
como máxima virtude no homem e no Estado, transforma-se numa relação
viva e existencial entre o homem e Deus. É assim, que em matéria de
direito, passa a predominar uma concepção negativa do Estado, com o
homem visto como sendo de uma natureza sujeita ao pecado e descontrole
das paixões. Se em São Paulo, portanto, o direito e o Estado são vistos
como manifestação duma lei natural e da vontade de Deus, a partir da
Patrística, a Igreja passa a ser entendida como uma comunidade de espírito,
implantada e crescendo no seio de uma comunidade de homens.
A partir da Patrística, o Reino de Deus não tem nada que ver, para o
cristianismo, com questões políticas, embora este influencie em definitivo a
política: o poder deixou de ser visto como um direito próprio dos
governantes ou autoridade do Estado sobre os cidadãos, para tornar-se um
serviço à comunidade, exigindo aos governantes, mais deveres do que
direitos e menos privilégios do que responsabilidades.3
3
Diogo Freitas do Amaral; História das Ideias políticas, Almedina, Coimbra, 1998, tomo I, p. 152
4
François Chatelet (Direcção de); História da filosofia. De Platão a S.Tomás de Aquino, Lisboa, Dom
Quixote, 1995, vol I, p. 217
5
Diogo Freitas do Amaral; op. cit., p. 152
João Roberto Soki
Faculdade de Direito, Universidade Católica de Angola – UCAN
Rua Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy” nº 24. C.p. 2064 Sanatório/Palanca
Luanda (Angola)
2
História das Ideias políticas
6
François Chatelet; op. cit, p. 217
homem é um ser social, que desenvolve relações verticais, para com Deus,
e de tipo horizontal, para com os semelhantes. Daí que sua perspectiva
jurídico-política é condicionada por dois conceitos basilares: a concepção
de Deus visto como vontade, de um lado, e o dogma do pecado original, de
outro, que como verdadeiro delito de natureza, afastou definitivamente o
homem da graça divina, impactando negativamente, toda a sua vida.
7
Luís Cabral de Moncada; op. cit. p. 69
8
Luís Cabral de Moncada, p. 71
João Roberto Soki
Faculdade de Direito, Universidade Católica de Angola – UCAN
Rua Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy” nº 24. C.p. 2064 Sanatório/Palanca
Luanda (Angola)
6
História das Ideias políticas
Aquino admite na sua concepção de direito, três tipos de lei, tal como em
Santo Agostinho:
a) A lei eterna, promulgada por Deus, que tudo ordena, em tudo está, tudo
rege, é a manifestação da razão divina que governa o mundo. Divina, ela é
incompreensível para o homem, mas parcialmente cognoscível pelas suas
manifestações; intemporal e inespacial, é imutável e universal, porquanto
princípio e fim do todo universal, já que «todo o conjunto do universo está
submetido ao governo da razão divina». A lei eterna é directriz para tudo,
porque é uma ordem imperativa, regente do todo, a partir da razão divina,
que a tudo inspira.
Segundo o Doutor Angélico, a lei natural é uma lei racional, porque fruto
da razão prática e sinderética11 do homem. É rudimentar, porquanto serve
apenas de princípio norteador ou origem do direito positivo, não
correspondendo à totalidade do direito. Ademais, a lei natural é insuficiente
e incompleta, porquanto necessita da direito positivo para efectivar-se. Isto
é, necessita a lei natural de leis positivas complementares que tornem
concreto o que reside na natureza.12 Observe-se, que São Tomás de Aquino
distingue o direito natural e o direito por lei (direito positivo), pelo que
somente seria lei o preceito substancialmente justo e justo seria
naturalmente o que acorda com a razão. O justo natural é imprescindível
para a aplicação do justo por lei, como justiça inter-homines.
11
Sinderética (relativo à sindérese, que é, segundo os Escolásticos, uma faculdade natural de julgar com
rectidão; bom senso. Senso moral
12
Eduardo C.B. Bittar e Guilherme Assis de Almeida; op. cit, p. 196
João Roberto Soki
Faculdade de Direito, Universidade Católica de Angola – UCAN
Rua Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy” nº 24. C.p. 2064 Sanatório/Palanca
Luanda (Angola)
8
História das Ideias políticas
Atente porém, que apesar de distinguir, como Santo Agostinho, três tipos
de leis, São Tomás de Aquino não estabelece nenhuma ordem hierárquica
entre elas, de maneira que apenas a lei eterna está acima das outras duas,
porquanto manifestação da razão divina que governa o universo. A lei
natural e a humana colocam-se ao mesmo nível, porque a lei natural é
princípio e fonte da lei positiva. É de suma importância, notar que em São
Tomás de Aquino, a lei eterna é o princípio regulador e normativo da
actividade do mundo, enquanto a natural é a participação da lei eterna na
criatura. Convém observar ainda, que não se deve confundir em São
Tomás, lei eterna e lei divina, que não são a mesma coisa: a lei eterna é
expressão da razão divina, que governa todo o universo; enquanto a lei
divina é a mais alta forma de participação da lei eterna aos homens. A lei
divina é a lei revelada, e chama-se direito divino em São Tomás de Aquino,
«o que foi divinamente promulgado e abrange, em parte, o justo natural
mas cuja justiça escapa aos homens, e em parte, o justo por instituição
divina».
13
Idem; p. 200. Confrontar nota nº 4 a rodapé
João Roberto Soki
Faculdade de Direito, Universidade Católica de Angola – UCAN
Rua Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy” nº 24. C.p. 2064 Sanatório/Palanca
Luanda (Angola)
9
História das Ideias políticas
resultar maior dano ou a tirania for o justo castigo pelos pecados cometidos
pelo povo.
14
Idem;
João Roberto Soki
Faculdade de Direito, Universidade Católica de Angola – UCAN
Rua Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy” nº 24. C.p. 2064 Sanatório/Palanca
Luanda (Angola)
10
História das Ideias políticas