Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SUMÁRIO
MÓDULO 03
1
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS
MÓDULO
UNIDADE DE APRENCIZAGEM 3
Será no final do século XVII, após o longo período em que a Europa esteve mergulha-
da nas Guerras de Religião, que emergirá a defesa mais contundente da separação entre
Estado e religião. John Locke é o responsável por essa formulação em suas Cartas acerca
da Tolerância. No total foram publicadas quatro cartas, sendo que a última Locke não teve
tempo de ver publicada, pois veio a falecer em 1704. A sua primeira Carta acerca da Tolerân-
cia foi publicada na Holanda em 1689. Nela John Locke expõe seus argumentos em favor
da tolerância entre as diferentes religiões e da separação entre o governo civil e a religião.
Ele sustenta a tese de que não é a diversidade de crenças e opiniões a causa das Guerras
de Religião no mundo cristão, mas a ausência de tolerância. Locke formula filosoficamente,
com clareza ímpar, o princípio de uma religião interior. Seu propósito é pôr fim a qualquer
tipo de coerção em matéria de religião e permitir o livre trânsito religioso, para isto se valerá
amplamente de figuras. Por exemplo, afirma que se Deus quisesse impor pelas armas a fé
aos infiéis não se valeria de exércitos humanos, mas de legiões celestiais. Ainda na mesma
linha de raciocínio, escreve que alguém pode até ser curado por remédio no qual não confia,
107
FATIPI EAD
mas não se pode ser salvo por religião na qual não se confia. Por fim, ele arremata: “Nem o
próprio Deus salvará os homens contra vontade deles” (2005, p. 140). Segundo Locke o “O
cuidado da alma de cada homem pertence a ele próprio” (Idem, p.140).
Se para o catolicismo romano o critério para discernir a verdadeira Igreja está na tra-
dição, para Calvino, está na correta pregação da Palavra de Deus e na administração dos
Sacramentos, para Locke, o critério para julgar se uma Igreja é verdadeira é a tolerância:
Uma vez que você pergunta minha opinião acerca da mútua tolerância
entre os cristãos de diferentes ramos, respondo-lhe, com brevidade,
que a considero como a marca característica de uma verdadeira igre-
ja. Por mais que algumas pessoas alardeiem da antiguidade de luga-
res e de nomes, ou da pompa de seu ritual; outras, da reforma de sua
disciplina, e todas da ortodoxia de sua fé, pois toda a gente é ortodoxa
para si mesma, tais coisas, e outras desta mesma natureza, são muito
mais as marcas dos homens lutando por poder e domínio do que as
marcas da igreja de Cristo. (2005, p. 126)
108
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS
Para Locke, a religião não pode ser imposta porque seus valores dizem respeito à cons-
ciência interior de cada indivíduo. De outro lado, ele critica a fórmula Cuius regio, eius religio
(Tal a religião do príncipe, tal a religião do país), introduzida pela Paz de Augsburgo em 1555,
pois essa faria a salvação de um homem depender de seu local de nascimento. A tolerância
entre as diferentes confissões somente será possível, na visão de Locke, com a distinção
clara entre as funções do governo civil e da religião. O governo civil diz respeito à preserva-
ção da comunidade civil e seus bens. Os bens civis da comunidade são a vida, a liberdade, a
saúde física, a libertação da dor, posse de bens externos tais como: terras, dinheiro, imóveis
etc. A jurisdição do governo civil diz respeito apenas aos bens civis da comunidade e não se
aplica em matéria de religião. São as seguintes razões pelas quais a jurisdição do governo
civil sobre a salvação dos homens é inadequada: a) Não cabe ao magistrado civil o cuida-
do das almas, porque mesmo se alguém quisesse não poderia jamais crer por imposição
de outrem. Uma religião para ser verdadeira tem necessidade de profunda convicção; b)
Porque o poder do magistrado consiste totalmente em coerção. Já a religião verdadeira e
salvadora consiste em persuasão interior do espírito, sem isto não tem qualquer valor para
Deus. Uma coisa é persuadir, outra ordenar; uma coisa é insistir por meio de argumentos,
outra, por meio de decretos. Logo, o poder civil não deve prescrever artigos de fé nem a
forma de se cultuar a Deus; c) Ainda que o governo tivesse o poder de converter o espírito
dos homens, isto não garantiria a salvação, uma vez que os príncipes professam diferentes
religiões. Locke, com essa separação entre comunidade civil e comunidade religiosa, pro-
duz um desencaixe entre território e religião, entre comunidade e religião.
109
FATIPI EAD
110
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS
Foi com o advento da República, em 1889, que o país deixou de ter o catolicismo roma-
no como religião oficial, passando a reconhecer a existência de diferentes religiões em solo
nacional, mencionadas como “religiões acatólicas”. A história da separação entre Igreja e
Estado na República não é tão retilínea, como atesta o período da ditatura Vargas, mas de
modo geral caminhou-se para o que foi consagrado nos parágrafos da Constituição de 1988:
Art. 5
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
111
FATIPI EAD
igrejas cristãs na Alemanha com o objetivo de mostrar que a mera separação formal entre
Estado e religião não é uma garantia que não ocorram manipulações de parte a parte.
Reinhard Krause era um dos mais inflamados defensores de versão “puramente” ariana
do cristianismo. Num discurso proferido quase no final do ano de 1933 para uma multidão
de cerca de 20 mil pessoas reunidas em Berlim, Krause sustentou que a igreja protestante
deveria passar por uma nova reforma e dela deveria brotar uma nova Bíblia sem o Antigo
Testamento e suas histórias de judeus, sem os escritos paulinos e sua teologia da expiação
e sem os milagres de Jesus, que segundo ele eram apenas relatos eivados de superstições
e fantasias. Entretanto, Reinhard Krause foi além e atacou a divindade e a ressurreição de
Cristo. Até mesmo para os mais ardorosos apoiadores de Hitler, o discurso dele soou heré-
112
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS
tico, e Ludwig Müller, bispo escolhido pelo Führer, foi chamado a agir repreendendo o dis-
curso de Krause e colocando-o de lado no movimento rumo à nazificação da igreja. O que
Hitler farejou foi nascimento de oposição no seio de sua unificação protestante e tratou de
agir para minimizar os efeitos negativos que isso teria sobre seu projeto totalitário.
A famosa doutrina de Martinho Lutero sobre os dois reinos precisa ser lembrada se
quisermos entender o avanço tão rápido do nazismo sobre o protestantismo. Segundo a
compreensão luterana, o cristão vive em dois reinos, o de Cristo e o de César. Por vezes,
haverá contradição entre esses reinos, entretanto, o cristão deve cumprir suas obrigações
próprias de cada reino sem se esforçar para superar tais contradições. A única ocasião em
que lhe é permitido opor-se ao governo é quando este avança sobre a esfera espiritual, nos
demais casos, cabe ao cristão obedecer a seus governantes, sabendo que cada um deles
prestará contas a Deus.
113
FATIPI EAD
liderados por Niemöller e Bonhoeffer, depois de debater o assunto, deixou a decisão para
cada pastor. Essa decisão abateu profundamente Bonhoeffer.
Não obstante as investidas do nazismo, Deus preservou sua igreja e muitos joelhos não
se dobraram diante da adoração da suástica. A igreja Confessante escreveu um dos mais
belos testemunhos de resistência da fé cristã no mundo moderno e legou-nos a síntese de
suas razões na “Declaração Teológica de Barmen”. O teólogo Karl Barth foi o seu redator e, à
luz da nazificação da igreja, ganha maior clareza a primeira grande tese da Declaração que
afirma: “Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja teria o dever de reconhecer – além da
Palavra de Deus – ainda outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como
fontes da sua pregação e como revelação divina”.
Entender só a religião já é uma tarefa árdua, porém, entendê-la na sua relação com
o Estado é ainda mais desafiador. Entretanto, é uma tarefa necessária. Cristãos são
cidadãos do reino dos céus e cidadãos de seus respectivos países. A separação en-
tre Estado e religião (igreja) foi uma solução encontrada ao longo dos séculos, como
vimos, para evitar as guerras por motivo de religião. Olhando para os nossos dias e
nosso país, faça uma lista de pontos positivos nessa separação e uma lista de pontos
negativos.
114