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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

SUMÁRIO
MÓDULO 03

UNIDADE DE APRENCIZAGEM 3....................................107

3. A secularização a partir da separação entre


poder estatal e religião...........................................107

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INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS

MÓDULO
UNIDADE DE APRENCIZAGEM 3

3. A secularização a partir da separação entre


poder estatal e religião
03
OBJETIVOS

1 Revisitar o tema da secularização na perspectiva da separação entre


Estado e religião

2 Compreender a separação entre poder civil e poder religioso

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Novamente voltamos ao tema da secularização. Na primeira unidade de aprendizagem


do módulo 2 foi apresentada a secularização foi examinada como perspectiva teórica que
trata do lugar da religião na modernidade. Autores que acreditam que a religião iria declinar
e autores, como Peter Berger, que fizeram ajustes à essa visão chegando à conclusão que a
modernidade leva ao pluralismo de discursos religiosos e seculares e não necessariamente
ao declínio da religião. Agora retomamos o tema da secularização com uma perspectiva
um pouco diferente ao tratar da relação do Estado com a religiões.

A solução moderna para as guerras religiosas

Será no final do século XVII, após o longo período em que a Europa esteve mergulha-
da nas Guerras de Religião, que emergirá a defesa mais contundente da separação entre
Estado e religião. John Locke é o responsável por essa formulação em suas Cartas acerca
da Tolerância. No total foram publicadas quatro cartas, sendo que a última Locke não teve
tempo de ver publicada, pois veio a falecer em 1704. A sua primeira Carta acerca da Tolerân-
cia foi publicada na Holanda em 1689. Nela John Locke expõe seus argumentos em favor
da tolerância entre as diferentes religiões e da separação entre o governo civil e a religião.
Ele sustenta a tese de que não é a diversidade de crenças e opiniões a causa das Guerras
de Religião no mundo cristão, mas a ausência de tolerância. Locke formula filosoficamente,
com clareza ímpar, o princípio de uma religião interior. Seu propósito é pôr fim a qualquer
tipo de coerção em matéria de religião e permitir o livre trânsito religioso, para isto se valerá
amplamente de figuras. Por exemplo, afirma que se Deus quisesse impor pelas armas a fé
aos infiéis não se valeria de exércitos humanos, mas de legiões celestiais. Ainda na mesma
linha de raciocínio, escreve que alguém pode até ser curado por remédio no qual não confia,

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mas não se pode ser salvo por religião na qual não se confia. Por fim, ele arremata: “Nem o
próprio Deus salvará os homens contra vontade deles” (2005, p. 140). Segundo Locke o “O
cuidado da alma de cada homem pertence a ele próprio” (Idem, p.140).

CURIOSIDADE ESTADO E IGREJA NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

A Confissão de Fé de Westminster já colocara, em 1643, a ques-


tão da separação entre Estado e Igreja nos seguintes termos: “Os
magistrados civis não podem tomar sobre si a administração
da palavra e dos sacramentos ou o poder das chaves do Reino
do Céu, nem de modo algum intervir em matéria de fé; contudo,
como pais solícitos, devem proteger a Igreja do nosso comum
Senhor, sem dar preferência a qualquer denominação cristã sobre as outras, para que
todos os eclesiásticos, sem distinção, gozem plena, livre e indisputada liberdade de
cumprir todas as partes das suas sagradas funções, sem violência ou perigo. Como
Jesus Cristo constituiu em sua Igreja um governo regular e uma disciplina, nenhuma lei
de qualquer Estado deve proibir, impedir ou embaraçar o seu devido exercício entre os
membros voluntários de qualquer denominação cristã, segundo a profissão e crença de
cada uma. E é dever dos magistrados civis proteger a pessoa e o bom nome de cada um
dos seus jurisdicionados, de modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de reli-
gião ou de incredulidade, ofender, perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra pessoa;
e bem assim providenciar para que todas as assembleias religiosas e eclesiásticas pos-
sam reunir-se sem ser perturbadas ou molestadas.”(Cap. XXIII – Do Magistrado Civil)

O que é uma igreja verdadeira para uma pessoa moderna?

Se para o catolicismo romano o critério para discernir a verdadeira Igreja está na tra-
dição, para Calvino, está na correta pregação da Palavra de Deus e na administração dos
Sacramentos, para Locke, o critério para julgar se uma Igreja é verdadeira é a tolerância:
Uma vez que você pergunta minha opinião acerca da mútua tolerância
entre os cristãos de diferentes ramos, respondo-lhe, com brevidade,
que a considero como a marca característica de uma verdadeira igre-
ja. Por mais que algumas pessoas alardeiem da antiguidade de luga-
res e de nomes, ou da pompa de seu ritual; outras, da reforma de sua
disciplina, e todas da ortodoxia de sua fé, pois toda a gente é ortodoxa
para si mesma, tais coisas, e outras desta mesma natureza, são muito
mais as marcas dos homens lutando por poder e domínio do que as
marcas da igreja de Cristo. (2005, p. 126)

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Para Locke, a religião não pode ser imposta porque seus valores dizem respeito à cons-
ciência interior de cada indivíduo. De outro lado, ele critica a fórmula Cuius regio, eius religio
(Tal a religião do príncipe, tal a religião do país), introduzida pela Paz de Augsburgo em 1555,
pois essa faria a salvação de um homem depender de seu local de nascimento. A tolerância
entre as diferentes confissões somente será possível, na visão de Locke, com a distinção
clara entre as funções do governo civil e da religião. O governo civil diz respeito à preserva-
ção da comunidade civil e seus bens. Os bens civis da comunidade são a vida, a liberdade, a
saúde física, a libertação da dor, posse de bens externos tais como: terras, dinheiro, imóveis
etc. A jurisdição do governo civil diz respeito apenas aos bens civis da comunidade e não se
aplica em matéria de religião. São as seguintes razões pelas quais a jurisdição do governo
civil sobre a salvação dos homens é inadequada: a) Não cabe ao magistrado civil o cuida-
do das almas, porque mesmo se alguém quisesse não poderia jamais crer por imposição
de outrem. Uma religião para ser verdadeira tem necessidade de profunda convicção; b)
Porque o poder do magistrado consiste totalmente em coerção. Já a religião verdadeira e
salvadora consiste em persuasão interior do espírito, sem isto não tem qualquer valor para
Deus. Uma coisa é persuadir, outra ordenar; uma coisa é insistir por meio de argumentos,
outra, por meio de decretos. Logo, o poder civil não deve prescrever artigos de fé nem a
forma de se cultuar a Deus; c) Ainda que o governo tivesse o poder de converter o espírito
dos homens, isto não garantiria a salvação, uma vez que os príncipes professam diferentes
religiões. Locke, com essa separação entre comunidade civil e comunidade religiosa, pro-
duz um desencaixe entre território e religião, entre comunidade e religião.

O impacto do princípio da tolerância sobre as pretensões da igreja de apresentar-se


como portadora de uma verdade universal serão enormes. A tolerância, por conduzir a uma
atitude de neutralidade em relação ao conteúdo propriamente espiritual das mensagens
religiosas, desemboca num relativismo frente a qualquer pretensão de verdade absoluta
por parte das igrejas. De outro lado, como bem salientou Troeltsch (1958, p.52), “três igrejas
infalíveis que se excluem e condenam reciprocamente desacreditam a Igreja em geral, pois
não pode haver várias”. Recorde que na unidade de aprendizagem 1 do segundo módulo fo-
ram analisados os temas do pluralismo, fundamentalismo e relativismo. Se for necessário,
volte a esse conteúdo para melhor entendimento.

Tendo apresentado seus argumentos em favor da tolerância em matéria de religião


e seus argumentos pelo afastamento do governo civil das questões de natureza religiosa
John Locke apresenta sua definição de igreja:
Parece-me que uma igreja é uma livre sociedade de homens, reuni-
dos entre si, por iniciativa própria, para o culto público a Deus, de tal
modo que acreditam que será aceitável pela Divindade para a salva-
ção de suas almas. Considero-a como uma sociedade livre e voluntá-

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ria. Ninguém nasceu membro de uma igreja qualquer; caso contrário,


a religião de um homem, juntamente com sua propriedade, ser-lhe-ia
transmitida pela lei de herança de seu pai e de seus antepassados, e
deveria sua fé à sua ascendência: não se pode imaginar coisa mais
absurda. O assunto explica-se desta maneira. Ninguém está subordi-
nado por natureza a nenhuma igreja ou designado a qualquer seita,
mas une-se voluntariamente à sociedade na qual acredita ter encon-
trado a verdadeira religião e a forma de culto aceitável por Deus. A
esperança de salvação que lá encontra, como se fosse a única causa
de seu ingresso em certa igreja, pode igualmente ser a única razão
para que lá permaneça. Se mais tarde descobre alguma coisa errônea
na doutrina ou incongruente no culto, deve sempre ter a liberdade de
sair como a teve para entrar, pois laço algum é indissolúvel, exceto
os associados a certa expectativa de vida eterna. A igreja é, portanto,
sociedade de membros que se unem voluntariamente para esse fim.
(2005, p.132)

Destacamos da citação os elementos que continuam sendo constitutivos da concepção


moderna de religião: uma igreja (religião) é uma sociedade voluntária, ninguém nasce mem-
bro de uma religião; a união a qualquer sociedade religiosa é questão de consciência pessoal,
nenhum laço é indissolúvel. John Locke afirmará que nada impede que alguém acredite na
sucessão apostólica, desde que deixe os outros livres para se unirem a qualquer sociedade
religiosa na qual julguem encontrar o que precisam para a salvação da alma (Locke, 2005, p.
122). Peter Berger formulou, nos termos de Locke, uma definição da manifestação da reli-
gião numa situação tipicamente moderna “como um complexo legitimante voluntariamente
adotado por uma clientela não coagida” (1985, p. 145). Ressalta-se que John Locke ofereceu
os fundamentos teóricos para a fundamentação jurídica que ganharia corpo nas diferentes
constituições dos países modernos tratando de separar religião e Estado.

Olhando a separação entre Estado e religião no Brasil

A chegada nas Américas de espanhóis e portugueses no século XVI é mais um dos


capítulos da complexa relação entre Estado e Igreja. O Brasil foi colonizado sob a espada
e a cruz e os períodos da Colônia e do Império tiveram a união oficial entre Igreja e Estado.
O Catolicismo Romano foi religião oficial do Brasil até o advento da República. O resultado
foi marcado por prejuízo tanto para a Igreja quanto para o Estado. Nesse período, por con-
cessão de Roma, o chefe da Igreja era o Imperador e o clero, por sua vez, enquadrava-se na
condição de funcionário público. Outras igrejas cristãs estavam proibidas de evangelizar
em território brasileiro. O quadro começou a mudar com a assinatura dos Tratados de Co-
mércio e Navegação e Aliança e Amizade (1810) com a Inglaterra com a chegada das pri-
meiras levas de imigrantes europeus a partir de 1824. A presença de protestantes passou a
ser reconhecida, embora o Estado brasileiro ainda tivesse uma religião oficial.

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Foi com o advento da República, em 1889, que o país deixou de ter o catolicismo roma-
no como religião oficial, passando a reconhecer a existência de diferentes religiões em solo
nacional, mencionadas como “religiões acatólicas”. A história da separação entre Igreja e
Estado na República não é tão retilínea, como atesta o período da ditatura Vargas, mas de
modo geral caminhou-se para o que foi consagrado nos parágrafos da Constituição de 1988:

Art. 5

VI - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegu-


rado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa


ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alterna-
tiva, fixada em lei;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embara-


çar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes rela-
ções de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração
de interesse público;

Laicidade estatal é o nome dado a solução constitucional de garantia de liberdade de


consciência e de culto aos cidadãos. O Estado não possui uma religião oficial e protege o
direito dos cidadãos de professarem determinado credo e de, segundo sua consciência,
não professar nenhuma religião. O texto da Constituição brasileira segue tradição moldada
pela experiência de pluralidade religiosa no Ocidente cristão, inspirada na solução formu-
lada por John Locke. A Reforma Protestante fez surgir diversas igrejas cristãs ao lado da
Igreja Católica Romana. A primeira reação foi vincular a religião à confissão religiosa dos
príncipes de cada região, a fórmula Cuius regio, eius religio. Assim, se um príncipe alemão
era cristão reformado, todos os moradores de sua região seriam reformados. Logo se per-
cebeu, como ironicamente destacou John Locke, que não fazia sentido fazer a salvação
depender do local de nascimento. A solução foi a neutralidade do Estado em matéria de
religião e a admissão e proteção ao direito dos cidadãos de se guiarem em matéria religiosa
de acordo com sua consciência.

Jeitos de burlar a separação entre igreja e Estado: o triste caso da nazificação da


Igreja alemã

Neste tópico vamos recuperar um pouco da história do processo de nazificação das

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igrejas cristãs na Alemanha com o objetivo de mostrar que a mera separação formal entre
Estado e religião não é uma garantia que não ocorram manipulações de parte a parte.

Católicos e protestantes representavam cerca de 95% da população na Alemanha no


período de ascensão do nazismo. Assim, era natural que o poder político procurasse enten-
der-se com as igrejas cristãs e seus líderes. Foi exatamente isso que Hitler fez por meio de
acordos com Roma e por meio de um esforço de unificação das igrejas protestantes (lute-
ranas, reformadas, livres, metodistas e batistas) sob a designação de Igreja do Reich (Igreja
do Império). De início foi bastante cuidadoso, assegurando que seu desejo era proteger as
atividades das igrejas e a própria civilização cristã. Entretanto, na unificação, feriu a liberda-
de de cada uma das confissões ao determinar que as igrejas protestantes, unificadas sob
o Reich, deveriam escolher um bispo nacional. Esse bispo teria poderes doutrinários e ad-
ministrativos nos moldes do modelo episcopal católico. Embora as igrejas votassem para
escolher o seu representante, o escolhido deveria ser aquele indicado pelo Führer, nesse
caso, Ludwig Müller, que era pessoa de sua absoluta confiança. Com isso ele assegurava
que mandaria na igreja por meio de um bispo leal ao nazismo. A candidatura do pastor
Friedrich von Bodelschwing, que era reconhecido e respeitado em toda Alemanha pelos tra-
balhos sociais que realizava na área de assistência aos necessitados, foi apresentada, mas
as pressões governamentais foram tão intensas que ele teve de retirar seu nome. Acabou
sendo eleito o bispo chapa branca.

Um dos primeiros atos para nazificação do protestantismo alemão foi a imposição da


cláusula ariana. Segundo essa imposição, ficavam impedidos de ingressar como pastores
da igreja aqueles que tivessem ascendência judaica. Os pastores de origem judaica que já
estavam no ministério poderiam continuar servindo à igreja. A nova constituição da igreja
foi aprovada em 1933 e marcava o controle pleno de Hitler sobre a igreja, tanto sob o pon-
to de vista teológico quanto sob o ponto de vista político. Adotou-se o lema: “Um Estado,
um povo e uma igreja”. Um recurso que seria utilizado não muito depois pela Gestapo para
prender e calar pastores que se opusessem ao regime nazista era a acusação, verdadeira
ou não, de ascendência judaica.

Reinhard Krause era um dos mais inflamados defensores de versão “puramente” ariana
do cristianismo. Num discurso proferido quase no final do ano de 1933 para uma multidão
de cerca de 20 mil pessoas reunidas em Berlim, Krause sustentou que a igreja protestante
deveria passar por uma nova reforma e dela deveria brotar uma nova Bíblia sem o Antigo
Testamento e suas histórias de judeus, sem os escritos paulinos e sua teologia da expiação
e sem os milagres de Jesus, que segundo ele eram apenas relatos eivados de superstições
e fantasias. Entretanto, Reinhard Krause foi além e atacou a divindade e a ressurreição de
Cristo. Até mesmo para os mais ardorosos apoiadores de Hitler, o discurso dele soou heré-

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tico, e Ludwig Müller, bispo escolhido pelo Führer, foi chamado a agir repreendendo o dis-
curso de Krause e colocando-o de lado no movimento rumo à nazificação da igreja. O que
Hitler farejou foi nascimento de oposição no seio de sua unificação protestante e tratou de
agir para minimizar os efeitos negativos que isso teria sobre seu projeto totalitário.

A famosa doutrina de Martinho Lutero sobre os dois reinos precisa ser lembrada se
quisermos entender o avanço tão rápido do nazismo sobre o protestantismo. Segundo a
compreensão luterana, o cristão vive em dois reinos, o de Cristo e o de César. Por vezes,
haverá contradição entre esses reinos, entretanto, o cristão deve cumprir suas obrigações
próprias de cada reino sem se esforçar para superar tais contradições. A única ocasião em
que lhe é permitido opor-se ao governo é quando este avança sobre a esfera espiritual, nos
demais casos, cabe ao cristão obedecer a seus governantes, sabendo que cada um deles
prestará contas a Deus.

A “lei da mordaça” foi o passo seguinte na busca de destruição da essência cristã da


igreja alemã. De acordo com essa nova diretriz do bispo Müller, os pastores ficavam proibi-
dos de pregar temas que diziam respeito ao Estado e que pudessem, portanto, suscitar al-
gum tipo de polêmica entre os fiéis. Era a aplicação da censura ao púlpito cristão. O pastor
Martim Niemöller, que havia comandado um submarino na Primeira Guerra e que até então
era um entusiasta do governo nazista, manifestou seu descontentamento com a imposição
da censura. Numa reunião que Hitler fez com os pastores, Niemöller, no aperto de mão de
despedida lhe disse: “Você disse: cuidem da igreja que eu cuido do povo alemão. Porém,
como cristãos e homens do clero, temos responsabilidade para com o povo alemão. Essa
responsabilidade nos foi confiada por Deus, e nem você nem ninguém neste mundo têm o
poder de tirá-la de nós”. Surpreendentemente Hitler não lhe disse nada, mas naquela mes-
ma noite a Gestapo invadiu a casa de Niemöller em busca de provas para incriminá-lo e,
alguns dias depois, uma bomba explodiu no salão de sua igreja.

Ao lado de Martim Niemöller estava Dietrich Bonhoeffer e algumas centenas de pasto-


res. Os golpes de nazificação da igreja continuaram sendo desferidos por aqueles setores
que controlavam a Igreja do Reich. O nazismo foi professado na igreja como nova revela-
ção de Deus para a humanidade, e Hitler era o seu profeta maior. Cruzes foram removidas
das igrejas e a suástica colocada em destaque. Bíblias nos altares foram substituídas por
“Minha luta”, de autoria de Hitler. No seu aniversário de 50 anos, Hitler foi presenteado pela
Igreja do Reich com um decreto que obrigava todos os pastores a prestarem um juramento
de lealdade plena a ele. Assim dizia o juramento: “Juro ser fiel e obediente a Adolf Hitler,
o Führer do povo e do Reich alemão, observarei as leis atentamente e desempenharei as
atividades do meu cargo. Que Deus me ajude”. ( Silveira, 2014, p. 92. Na igreja do Reich, a
adesão foi total, mas o juramento fez estragos na igreja Confessante. O grupo de pastores

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liderados por Niemöller e Bonhoeffer, depois de debater o assunto, deixou a decisão para
cada pastor. Essa decisão abateu profundamente Bonhoeffer.

Não obstante as investidas do nazismo, Deus preservou sua igreja e muitos joelhos não
se dobraram diante da adoração da suástica. A igreja Confessante escreveu um dos mais
belos testemunhos de resistência da fé cristã no mundo moderno e legou-nos a síntese de
suas razões na “Declaração Teológica de Barmen”. O teólogo Karl Barth foi o seu redator e, à
luz da nazificação da igreja, ganha maior clareza a primeira grande tese da Declaração que
afirma: “Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja teria o dever de reconhecer – além da
Palavra de Deus – ainda outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como
fontes da sua pregação e como revelação divina”.

ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Entender só a religião já é uma tarefa árdua, porém, entendê-la na sua relação com
o Estado é ainda mais desafiador. Entretanto, é uma tarefa necessária. Cristãos são
cidadãos do reino dos céus e cidadãos de seus respectivos países. A separação en-
tre Estado e religião (igreja) foi uma solução encontrada ao longo dos séculos, como
vimos, para evitar as guerras por motivo de religião. Olhando para os nossos dias e
nosso país, faça uma lista de pontos positivos nessa separação e uma lista de pontos
negativos.

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