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Capítulo III

PESSOA E ESTRUTURA NA IGREJA:


OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS FIÉIS

TARCÍSIO BERTONE

Quando o concilio Vaticano II, apresentando a iminente dignidade da pessoa a única


criatura que Deus quis por si mesma”, 1 proclamava a “suma ia vocação do homem e a
presença nele de um germe divino”, selava a definitiva uma milenar antropologia cristã,
fecunda em aplicações na esma Igreja.
Na realidade, “nenhuma lei humana pode salvaguardar tão perfeitamente a e a
liberdade pessoal do homem como o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja.Pois este
Evangelho anuncia e proclama a liberdade dos filhos de Deus; a espécie de servidão, a qual
tem a sua última origem no pecado; escrupulosamente a dignidade da consciência e a sua livre
decisão; sem recorda que todos os talentos humanos devem redundar em serviço de TI dos
homens; e a todos recomenda, finalmente, a caridade. É o que e à lei fundamental da
economia cristã”.2 Na esteira dessas afirmações , das análises e das propostas concretas que
elas provocaram na Igreja, 1-se sempre mais difusamente o lugar da “pessoa” na Igreja, a sua
n a comunidade dos fiéis e com a sociedade eclesiástica hierarquicamente para os fins
estabelecidos pelo Fundador, e à constituição dos s fiéis, indispensáveis para cumprir a sua
missão específica para o Reino de Deus. O tema foi objeto de estudo no II Congresso
Internacional de Direito Canônico eu se realizou em Milão em 1973 3 e, naquele âmbito, de
uma magistral lição de G. Leclerc agora falecido, intitulada “Ordenamento canônico e
personalismo cristão”.4
Com a redação dos primeiros projetos da Lex Ecclesiae Fundamentalis, as afirmações
passaram do âmbito antropológico espiritual e pastoral ao plano propriamente jurídico,
tornando-se um estatuto jurídico dos fiéis na Igreja.5
Simultaneamente à elaboração da Lex Ecclesiae Fundamentalis eram publicados vários
estudos notáveis sobre os “direitos fundamentais do fiel”, por obra de Dei Portillo, 6
Viladrich,7 8 Hervada,* Dei Valle9 etc., que focalizavam o próprio conceito de direitos
fundamentais do homem e do fiel, propondo em seguida enumerações e formulações a serem
inseridas no direito constitucional canônico moderno.
A presente contribuição não apresenta novidade em comparação com os estudos feitos até
aqui; quer apenas estabelecer o estado da questão sobre a reflexão em nível da Igreja, em
1past. Guudium et spes, n. 24.
2. n. 41.
3u e ordinamento nella Chiesa, Atti dei II Congresso intemazionale di diritto canonico. Milão, bro de 1973, Milão, Vita e Pensiero. 1975.
477-90. O trabalho foi depois desenvolvido em Salesianum 35 (1973). 601-620: será este o artigo requentemente como ponto de referência.

5 Cf. Pontifícia Commissio Codici Iuris Canonici Recognoscendo, Schema Legis Ecclesiae Fundamentalis. Textus emendatus cum relatione de ipso
schemate deque eniendationibus receptis. Typis Polygrotis Vaticanis. 1971. Ver também, como comentário, redacción Ius Canonicum, El Proyecto de Ley
fundamental de la Iglesia, Pamplona 1971; e Lex Fundamentalis Ecclesiae, Atti delia Tavola retonda: Macerata, 12-13 de outubro de 1971, Milão, 1973. Por fim,
para uma avaliação sintética, é útil L. Rosa. La “Lex Ecclesiae Fundamentalis”. II lungo e faticoso “iter” di un Progetto. em Aggiornamenti Sociali, 28 (1977)
319-337.
6 Álvaro dei Portillo. Fieles y laicos en la Iglesia. Bases de sus respectivos estatutos jurídicos, Pamplona 1969.
7 P.J. Viladrich, Teoria de los derechos fundamentales dei fiel. Presupuestos críticos, Pamplona 1969.
8 Hervada Xiberta, P. Lombardía, El Derecho dei Pueblo de Dios. Hacia un sistema de Derecho canônico. vol. I, Pamplona 1970. especialmente 294-
309.
9 J.M. Gonzales dei Valle, Derechos fundamentales y derechos públicos subjetivos en la Iglesia, Pamplona 1971.
resposta a uma viva sensibilidade do nosso tempo, que coloca acertadamente a pessoa dentro
de todo interesse e atividade, como objeto inviolável de direitos.
Partindo dos trabalhos apresentados no Congresso de Milão, e valendo-me sobretudo do
quadro de referência sugerido pelo venerando Mestre D. G. Leclerc, buscarei ilustrar
sinteticamente os seguintes pontos, segundo uma concatenação de desenvolvimento orgânico:
1) o personalismo do direito canônico;
2) a autonomia e esfera privada da pessoa;
3) direitos humanos e direitos dos fiéis no ordenamento canônico;
4) integração entre liberdade do fiel e exercício da “potestas sacra”;
5) iniciativa do fiel para com a “missão da igreja”;
6) pessoa e ordenamento do direito processual e administrativo da Igreja.
A conclusão não fará mais do que confirmar a tese ilustrada, sublinhando a relação
construtiva entre pessoa e comunidade, como entre unidade e pluralismo, e professando que a
“caridade” eclesial é a fonte mais pura do respeito e da promoção do personalismo.

1. O personalismo do Direito Canônico


Falar de personalismo do direito canônico parece um contrasenso, especialmente se
consideramos que ele é o sistema jurídico de uma “instituição” bimilenar que, como toda
instituição, tende evidentemente à cristalização das condutas, à criação de papéis específicos e
funcionais entre os seus membros, à estratificação social e à caracterização normativa das
condutas de todos os seguidores.
Se a institucionalização “marca a passagem do carisma à organização, da experiência
religiosa à prática religiosa, do caráter espontâneo ao sistemático”, 1" que lugar ainda resta
para o “personalismo”?
E as objeções não acabam aqui. “As relações com Deus não são tão íntimas, pessoais,
irrepetíveis a ponto de serem incompatíveis com os elementos institucionais de uma sociedade
religiosa?
Embora com menos insistência que antes, é lembrada a posição de Sohm, para quem não
era superável a antinomia entre a natureza essencialmente individual da experiência religiosa
e as normas de um ordenamento que pretendería institucionalizá- -la. Sem chegar até esse
extremo, não é raro em nosso tempo ouvir que o desenvolvimento do direito canônico fez
com que a Igreja perdesse progressivamente o seu caráter de verdadeira comunidade de fiéis,
com prejuízo até de alguns de seus direitos fundamentais. Acrescenta-se que tal efeito seria
inevitável numa sociedade regida por uma autoridade que recebe, ex iure divino, um
verdadeiro poder de governo. Nesse contexto, diz-se, a função dos “simples fiéis” torna-se
apenas passiva”."
Como se vê, as objeções provêm de posicionamentos radicalmente opostos, não só de
diferente visão teológica e eclesiológica, mas de “constatações” de tipo sociológico, jurídico-
religioso, antropológico.
Contudo, no nosso tempo, que se caracteriza por “uma consciência mais viva da dignidade
humana”,10 11 12 também a estruturação jurídica do agir humano é firmada com a
imprescindível exigência de fidelidade à vocação constitutiva do homem. “A alma
personalista do nosso tempo — escreve G. Campanini — exige uma readução à pessoa
também do direito... É evidente que fazer da pessoa o ponto de partida do direito não significa
prescindir da realidade do direito... De outro lado, só descendo da pessoa à lei e voltando a
10 G.C. Milanesi, Sociologia religiosa, Torino-Leumann. 1970. 184-85.
11 G. Leclerc, a.c., 602.
12 Const. past. Gaudium et spes, n. 73.
subir da lei à pessoa é possível captar o direito na sua integridade”. 13 Com efeito, “a
juridicidade não é mais do que uma categoria do agir pessoal”. 14 Se o que caracteriza o
personalismo é visto como “la possession de soi dans un projet de vie dirigé vers la valeur
objective”,15 compreende-se como “a doutrina do personalismo tem a vantagem de conferir a
todo o mundo jurídico, através dos valores pessoais, um caráter ético”.16
Por isso não é fora de propósito tentar demonstrar que, ao contrário do que se objeta, a
existência e o desenvolvimento de um ordenamento jurídico na Igreja não contradizem a
consecução da vocação pessoal do homem, enquanto “este ordenamento se apresenta como
mediação, como instrumento da realização da missão de salvação confiada à Igreja, e
enquanto este ordenamento é destinado a fornecer os meios dispositivos, a colocar
eficazmente as condições externas da nossa comunhão íntima, pela graça, com Deus e com os
filhos de Deus na verdade e na caridade. Além disso, enquanto esta nossa salvação se realiza
numa sociedade na qual se entra e se permanece em dependência da própria liberdade,
confirmada, ao mesmo tempo, a índole comunitária e o caráter pessoal da vocação do homem,
a única criatura na terra que Deus quis por si mesma, e que contudo não pode reencontrar-se
plenamente a não ser através de um dom sincero de si”
Se fazemos uma comparação entre a Igreja e a comunidade política, subinhamos que
ambas estão “a título diverso, ao serviço da vocação pessoal e soei da mesma pessoa
humana”."*
É fora de dúvida que “princípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais é e deve ser a
pessoa humana”,17 18 19 mas cada instituição assume concretamente conteúdos, critérios
orientadores, modalidades de atuação, metas diversificadas; segundo a originalidade própria
de cada uma. Isto se verifica antes de tudo r âmbito especificamente distinto das atuações da
Igreja e do Estado. Com efeito a ordem social a que tende cada um dos seus ordenamentos
apresenta-se numa relação essencialmente diversa no que se refere à realização da instância
mais profunda da pessoa humana.
Na Igreja, a ordem social não se limita a proporcionar o quadro de vida comunitário
necessário para o desenvolvimento da pessoa humana. Tal ordem assume também uma função
instrumental com relação à atuação da relação transcendental da pessoa para Deus, encontrado
de maneira sobrenatural na comunhão eclesial mediante a efusão da graça sacramental. Nesse
nível, deve-se dizer que há identidade entre o bem comum a que tende a Igreja, e o bem
individual a que tende a pessoa no mais profundo do seu ser. Desta identidade e do fato de
que cada criatura humana é chamada a viver pessoalmente esta união íntima com Deus deriva,
para a Igreja, a exigência de uma ordem societária mais sensível c exigências individuais,
como o demonstram algumas disposições próprias do direito canônico.20
Além disso, deve-se considerar que este encontro sobrenatural com Dei começa já nesta
vida terrestre, enquanto os crentes recebem — inicialmente, n batismo —, com a efusão do
Espírito Santo, o princípio de atividade sobrenatural; da caridade fecunda de Cristo. Sabemos
que, na ordem natural, a razão fundamental — pela qual toda pessoa humana tem sempre
razão de fim diante da sociedade e das instituições — está na sua “espiritualidade”, da qual
deriva a sua capacidade específica de conhecer e de querer, de modo que é chamada a
13 G. Companini, Ragione e volontá nella legge, Milão, Giuffré 1965. 151 e 159.
14 G. Gonella. la persona nella filosofia dei diritto, Milão, Giuffré 1959, 187.
15 J.H. Walgrave, Cosmos, personne et liberte. Paris. Desclée 1968. 144.
16 G. Gonella, o.c.. 135, nota 8.
17 Leclerc, a.c., 602-603.
18 Const. past. Gaudium et spes, n. 76.
19 Ibidem, n. 25.
20 Cf. A. Martini, II diritto canonico nella realtá ecclesiale, Roma, Ed. Francescane, 1969, 84-85 e not; relativas: R. Baccari, La Continuità dei diritto
canonico nel rinnovamento legislativo, em Liher Amicoru Monseigneur Onclin, Gembloux, Ed. Doculot, 1976, 121-132. passim.
assumir, no exercício da sua liberdade, a responsabilidade do próprio destino. 21 Ora, essas
faculdades cognoscitivas e volitivas enriquecidas na ordem sobrenatural pelo dom d Espírito
Santo encontram na caridade de Cristo o princípio de uma liberdade superior, aquela dos
filhos de Deus. Ela vem aperfeiçoar o que já era a instânci natural mais profunda da pessoa
humana, impelindo-a em virtude do dinamismo próprio da graça a alcançar, já nesta terra, de
modo nunca sonhado pela criatura, uma união sempre mais íntima com Deus, conhecido no
seu mistério, embora na obscuridade da fé, e amado em si mesmo e no próximo. 22 E claro que
o ordenamento canônico não pode ignorar a existência e as exigências deste elemento
carismático, embora não se possa negar a dificuldade prática de dar a estas últimas toda a
relevância desejável.
É preciso notar que, além da efusão do dom do Espírito Santo, que torna consortes
divinae naturae, o batismo tem também o efeito de realizar a agregação jurídica à Igreja,
enquanto esta agregação se torna a fonte daqueles direitos que se ligam à “personalidade
cristã”, ou seja, os direitos de receber os bens cuja distribuição foi confiada à Igreja, como
também do direito ao exercício do culto e à aceitação de alguns ofícios eclesiais. Também em
outros sacramentos pode- -se sublinhar este duplo efeito, um na ordem "jurídica” das relações
societárias, e outro na ordem da efusão da graça.
A identidade evidenciada entre o fim supremo da Igreja e aquele individual da pessoa
cristã não significa que não possa haver tensões na Igreja entre a busca de algum interesse
legítimo de ordem espiritual, e o bem comum a que tendem as normas que, em determinado
momento, regulam a vida da sociedade eclesial.23 Estas tensões são inevitáveis, dada não só a
condição presente da natureza humana, mas também a ferida do pecado. 24 De outro lado, a
mencionada identidade exclui absolutamente uma concepção positivista do ordenamento
canônico, enquanto impõe ao legislador eclesiástico o esforço constante de adequar, na
medida do possível, a forma à substância da norma, e também de introduzir no ordenamento
canônico meios para resolver os conflitos sempre possíveis entre a certeza, a estabilidade e as
garantias de todo verdadeiro direito e as exigências personalíssimas do bonum animae. Nesta
perspectiva, o recurso ao princípio de aequitas canônica na interpretação e aplicação das
normas25 com freqüência permitirá preencher as lacunas de um sistema normativo que
permanecerá sempre muito imperfeito.26 Na mesma linha de um personalismo cristão parecem
portanto insustentáveis as posições demasiado rígidas daqueles que afirmam, de maneira
absoluta, que a satisfação de algumas exigências centradas no bem das almas só se realizam
realmente com a observância das normas canônicas.27
21 Cf. J. Endres. Personalismo. Esistenzialismo. Dialogismo, Turim, Ed. Paoline 1972, 19-30.
22 Paulo VI, Discorso ai participanti al II Congresso Internazionale di Diritto Canonico, em Atti... cit., 583-84: É a nova liberdade do batizado -
"libertas gloriae filiorum Dei" (Rm 8,21) - é a liberdade própria da pessoa humana, mas elevada de modo excepcional enquanto, usando desta liberdade, não só
não está sujeita à lei do pecado e da natureza desordenada, mají, iluminada e revigorada pelo Espírito, pode avançar no seu caminho rumo a Deus Trindade".
23 Aludimos, por exemplo, às dificuldades contra as quais os grandes fundadores de sociedades religiosas se chocaram para fazer aprovar, contra o ius
vigens, os seus projetos. Com frequência encontraram uma Igreja ‘"institucional” não preparada para acolher o espírito e a graça de suas fundações. Cf. S.
Tomás, Summa theol., I-II. q. 96, a. 5. ad 2: ’"Ad secundum dicendum quod lex Spiritus Sancti est superior ommi lege humanitus posita. Et ideo viri spirituales,
secundum hoc quod lege Spiritus Sancti ducuntur. non subduntur legi. quantum ad ea quae repugnant duetioni Spiritus Sancti. Sed tamem hoc ipsum est de duetu
Spiritus Sancti quod homines spirituales legibus humanis subduntur; secundum illud I Petr. 2.13: Subiecti estote omni humanae creaturae, propter De um”.
24 O acento colocado na história dos Institutos de vida consagrada demonstra, de maneira às vezes dramática, como a Igreja pôde esquecer a dimensão
essencialmente sobrenatural da sua mensagem e da sua missão, excessivamente preocupada com um resultado demasiado humano. Ver. nesta linha, a intervenção
de F. Zanchini em // Congresso Internazionale di Dir.. em Atti... cit.. 323-327.
25 Cf. Paulo VI. Discorso ai membri dei Trihunale delia S. Romana Rota de 8-2-1973. em AAS 65 1973). 95-100.

26 Cf. P. Fedele, Diritto divino e diritto umano nella vita delia Chiesa, em Atti dei Congresso Internazionale di Diritto Canonico. La Chiesa dopo il
Concilio. 1. Relazioni, Milão. Giuffré. 1972. 68-72.
27 Ibidem. 72-73, em que o autor manifesta o seu desacordo com relação a estas últimas posições: "... de conformidade com a minha interpretação e
representação teológica do ordenamento canônico, várias vezes assumi uma posição crítica com relação ao juspositivismo transportado para o território do
ordenamento canônico e cheguei até o ponto de considerar letra morta, na economia deste ordenamento, tudo o que vai sob o nome de juspositivismo. e nada
mais do que um mito o monopólio legislativo também porque o legislador não pode realizar o contato entre substância e forma, ou seja, entre sociedade e
ordenamento, sendo para isto necessárias e insubstituíveis algumas categorias, não facilmente classificáveis, que aos poucos foram assumindo consistência de
Na Igreja, o jurídico deve ser sempre pensado segundo a finalidade sobrenatural, salvífica,
personalista a que deve servir. Ora o salvífico, encarnando-se no jurídico, “só pode criar
liberdade” e por isso respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana. 28* Por isso, mais
do que em qualquer outra sociedade, a ordem eclesial deve ser fundada na verdade, a ser
realizada na justiça animada pela caridade, enquanto encontrará um equilíbrio sempre mais
humano no exercício de uma verdadeira liberdade.29 30 31 32 33
Mas é verdade que, ao lado das exigências pessoais de cada fiel, é preciso também
promover o bem do organismo da Igreja, na convicção de que entre o desenvolvimento
ordenado da sociedade Igreja e o aperfeiçoamento da personalidade do cristão há uma relação
de interdependência. A unidade interior de fé deve ter a sua expressão exterior para que a
Igreja possa apresentar-se ao mundo como o “povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do
Espírito Santo”,50 como “sacramento ou sinal da íntima união com Deus e de todos os homens
da família humana”.51 Na Igreja, mais ainda do que na comunidade política, “a vida social não
é algo exterior ao homem”.52 Pelo contrário, deve ser animada pela caridade que foi
derramada no coração dos crentes com o dom do Espírito Santo, para que “cresçamos de todo
modo nele, que é a nossa Cabeça (cf. Ef 4,11-16 gr.)”. 53 Cabe precisamente ao ordenamento
canônico, no quadro do direito natural e do direito divino positivo, não só regular o uso dos
sacramentos, para que sejam recebidos com o máximo respeito, e promover, com a maior
eficácia possível a pregação da Palavra de Deus 34 mas também definir as relações dos fiéis
entre si, de modo que se crie aquele clima de justiça sobrenatural, que exclua todo arbítrio e
proporcione a calma exterior e favorável ao desenvolvimento da própria individualidade
cristã, como também à integração da comunidade de fé, de esperança e de caridade que é
essencialmente a Igreja.35
Assim o direito canônico cumpre uma função sumamente educativa, individual e social,
no intento de criar uma convivência ordenada e fecunda, em que germine e amadureça o
desenvolvimento integral da pessoa humano-cristã. Com efeito, esta só pode se auto-realizar
se negar como exclusiva individualidade, sendo a sua vocação ao mesmo tempo pessoal e
comunitária. O direito canônico permite e favorece este característico aperfeiçoamento,
enquanto leva à superação do individualismo: da negação de si como exclusiva
individualidade leva à afirmação de si como genuína socialidade, através do reconhecimento e
do respeito pelo outro como “pessoa’' dotada de direitos universais, invioláveis e inalienáveis,
e revestida de uma dignidade transcendente.36 O direito canônico tem recursos de adaptação às
exigências concretas e à situação existencial da pessoa que são estranhos a todo outro
ordenamento, isso o torna elástico, vital, disponível à atualização, para que realize a sua
função instrumental em relação ao bonum animae. Basta recordar a aequitas canônica, a
caritas cristiana, o instituto do grave incommodum, que exime da observância da lei com
verdadeiros institutos jurídicos, ou melhor, institutos de política legislativa, que desempenham um papel tão importante na vida da Igreja e do seu ordenamento
jurídico, se é verdade que. como foi dito, e como também a mim parece evidente, este ordenamento ‘não é fechado em si mesmo, mas aberto para o alto 4
(Giaechi)...”
28 V. Ramalho. El derecho y el mistério de la Iglesia. Col. Analecta Gregoriana, vol. 190. Roma, 1972. 113.
29 Ibidem, 96: Const. past. Gaudium et spes, n. 26.
30 Const. dogm. Lumen Gentium, n. 4.
31 Ibidem, n. h
32 Const. past. Gaudium et spes, n. 25.
33 Const. dogm. Lumen gentium, n. 7.
34 Cf. Andrieu-Guitrancourt. Introduction summaire à Létude du droit en general et du droit canonique en particulier. Paris, Sirey 1963, 20.
35 Const, dogm. Lumen gentium, n. 8.
36 Martini, o.c., 76-77 e respectivas notas.
julgamento confiado substancialmente à consciência pessoal, o acolhimento da bona fides, da
epiquéia, da dispensa tão inconsideradamente criticada, a dissimulado, a toleranda, a
punibilidade de transgressões graves ou escandalosas de uma lei, que não estabeleça
sanções,37 o arbitrium judieis, a não-irrevogabilidade das sentenças matrimoniais ou relativas
ao estado das pessoas, todos institutos previstos e regulados expressamente pelo CIC ou por
intervenções legislativas posteriores, ou mencionados fugazmcntc em poucos ou
determinados casos, mas sempre presentes em todo o tecido legislativo e por isso na avaliação
do caso concreto, cuja solução é confiada à sensibilidade do agente do direito canônico.38*
Na evolução da autoconsciência eclesial, a pessoa humano-cristã encontra no direito
canônico não só um reconhecimento, mas também e sobretudo uma tutela aberta, ativa,
harmônica dos seus direitos básicos em sintonia com aqueles da comunidade eclesial.
Semelhante tutela sugeriu a formulação de uma “carta constitucional” — a Lex Ecclesiae
Fundamentalis (L.E.F.) — que reconheça c delimite expressamente os “direitos fundamentais
do cristão na Igreja” por força da radical igualdade própria de todo membro do povo de Deus
que emerge da dignidade da pessoa e do batismo.39
Se tal é a relação entre pessoa e direito eclesial, se assim deve amadurecer todo o
patrimônio das realidades jurídicas, inseparavelmente ligadas à justiça e à ressoa humana,
podemos com razão subscrever a afirmação de Paulo VI: “O conjunto das relações jurídicas
está inseparavelmente ligado, no processo teleológico desejado pelo Criador, ao valor e à
dignidade da pessoa humana; porque o direito não é outra coisa senão a defesa segura que,
autorizada e legitimamente, dispõe e promove o bem comum e ao mesmo tempo garante e
tutela contra toda eventual interferência aquela autonomia inviolável do indivíduo, no âmbito
da qual todo ser humano se torna efetivamente capaz de efetuar responsavelmente a realização
de sua personalidade”.*’
2. A autonomia e a esfera privada da pessoa
Ilustrado o significado e a centralidade da pessoa no âmbito do direito em geral, e do
direito canônico em particular, torna-se objeto primário de exame na ciência e na técnica do
direito a chamada “esfera da pessoa”.40 41
Em torno dos bens da pessoa constroem-se as figuras jurídicas mais aptas a protegê-los
(direitos, faculdades, poderes jurídicos de diversa índole etc.). Pode- -se falar de “esfera
privada da personalidade”, como conceito que designa o conjunto dos bens que a pessoa
possui e que é objeto da proteção do direito, e cujo conteúdo dependerá, em cada caso, da
delimitação que um concreto sistema jurídico fez da matéria. Os estudos dedicados ao tema
dos direitos da pessoa costumam fazer uma enumeração dos bens da esfera pessoal. Costuma-
se incluir na esfera corporal os seguintes: poder sobre o próprio corpo, direito à vida, direito à
integridade física e à saúde corporal, liberdade de movimento. Na esfera espiritual costuma-se
citar: o direito ao nome, o direito à honra e à reputação pública e privada, o direito à
intimidade pessoal, o direito ao segredo da correspondência epistolar, o direito sobre a própria
imagem, o direito de propriedade intelectual.42
Como se vê claramente, a tutela de tais direitos coloca-se no terreno do problema das

37 CIC, can. 2222, e, sobre a aplicação das penas, can. 2223; ver também Baccari. a.c.. 130-131 sobre a Tjtela dos direitos da pessoa no direito penal
canônico.

38 Baccari, a.c., 122.


39 Cf. Schema LEF cit., art. I: ’‘De Christifidelibus omnibus”.
40 Paulo VI. Discorso ai participanti al Congresso Internazionale di Diritto Canonico. de 25-5-1968. em AAS 60 (1968). 338.
41 E. Molano, La autonomia privada en el ordenamiento canônico, Pamplona 1974. 80.
42 Molano. o.c.. 81 com rica bibliografia em nota 107.
relações pessoa-comunidade e nos leva às reflexões anteriormente desenvolvidas sobre o
personalismo do direito canônico.43
Segundo os autores acima citados, é possível distinguir diversos níveis de relações entre a
pessoa e a comunidade. De um lado, a pessoa possui uma dimensão individual,
singularíssima, que a distingue dos outros membros da comunidade humana. Trata-se de um
âmbito da personalidade que é incomunicável e no qual não se dão relações sociais. É a zona
da intimidade pessoal, que confere um timbre característico e inconfundível a toda a pessoa, e
que para diferenciá-la das outras, poderíamos designar como a dimensão individual da pessoa.
A partir do momento em que nesta zona não se dão relações de comunidade nem de
sociedade, muito menos se dão relações jurídicas. Isto não significa sem dúvida que ela não
possa ser protegida juridicamente, levando em conta que uma visão personalista do direito
postula precisamente como exigência fundamental da ordem jurídica a proteção da pessoa e
dos bens da personalidade. Mas esta é uma exigência da ordem pública, para a qual o direito
estabelece precisos meios, como, por exemplo, direitos subjetivos ou os chamados direitos da
personalidade ou direitos personalíssimos.44
Existe também uma zona da pessoa que é comunicável. Nela se dão relações de
comunhão com outras pessoas que constituem o substrato da comunidade humana. Neste
âmbito dão-se relações sociais, e, por isso mesmo, relações jurídicas, não sendo o direito outra
coisa senão a estrutura da sociedade, que tem a função peculiar de organizar precisamente
estas relações de sociedade (ubi societas, ibi ius). Ao poder público de uma sociedade
compete a tarefa de ordenar as atividades societárias para o bem comum social. Nesta
ordenação orgânica que estrutura a sociedade e a orienta para o seu fim (= o bem comum)
consiste o ordenamento jurídico.45 Naturalmente fora das atividades públicas da pessoa, que
são objeto de regulação por parte do ordenamento jurídico público, há outro setor de
atividades, que, mesmo sendo referidas aos fins pessoais (privados) da pessoa, podem ter
relevância jurídica. Ou seja, existe também a possibilidade de uma regulação jurídica da
esfera privada pessoal, que cria um ordenamento jurídico privado, ao qual o ordenamento
público pode reconhecer alguns efeitos e prestar- -lhe a sua proteção. E é isto que acontece
mediante o reconhecimento jurídico da autonomia privada.
Apresentadas essas distinções e estes reconhecimentos no plano da sociedade civil,
perguntamo-nos se existe também na Igreja uma esfera privada nas atividades dos fiéis, visto
que o discurso sobre as relações entre indivíduo, comunidade e sociedade pode ser transferido
da comunidade humana de ordem natural para a ordem sobrenatural da Igreja.
A resposta é que, sem perder o próprio caráter nem a própria dignidade pessoal (“gratia
non destruit naturam”), o indivíduo assume através do batismo uma nova condição de caráter
sobrenatural, que vem acrescentar uma nova qualificação ao seu nível espiritual pessoal. 46
Nasce assim uma espécie de individualidade sobrenatural, segundo a ordem da graça e do
Espírito Santo. E sendo a Igreja uma comunidade espiritual e sobrenatural, de modo análogo
ao que acontece com a individualidade natural na comunidade humana, não pode existir
absolutamente uma contraposição entre a individualidade e a comunidade sobrenatural. No
seio da comunidade eclesial a dimensão pessoal e a dimensão institucional são co-essenciais e
complementares, e cada uma tem uma função própria a desempenhar. Ambas as dimensões
entram em conflito quando os níveis distintos da personalidade nas suas relações com a
comunidade são misturados e postos no mesmo plano.

43 Cf. parágr. 1.
44Molano, o.c., 160-161 e J. Maritain. La persona e il bene coniune, Brescia. Morcelliana 1963. que c ritinua um clássico que deve ser sempre
consultado.
45 Molano. o.c. 163-166.
46 Gonzales dei Valle. o.c.. 19-54. Cf. K. Moersdorf. Persona in Eclesia, Christi, em "Archiv für Otholisches Kirchenracht”, 131 (1962). 345-393.
Qual é o fundamento teológico da individualidade sobrenatural? Em última instância, e de
maneira radical, pode-se afirmar que está na vocação pessoal, singular e irrepetível, que cada
pessoa tem na Igreja, pelo apelo único que Deus lhe faz, ao mesmo tempo em que lhe
comunica a sua graça. Deus chama cada um pelo nome, e a resposta pessoal do homem deve
ser única e original. Conseqüentemente, o ordenamento canônico deve estabelecer um espaço
para o exercício da liberdade pessoal dos fiéis, em resposta à vocação recebida de Deus na
Igreja.
Esta liberdade pode ser configurada como liberdade jurídica em nível constitucional,
protegida por concretos direitos fundamentais, aos quais c oferecido um adequado
desenvolvimento nas leis ordinárias em forma de direitos subjetivos dos fiéis. A extensão e o
conteúdo jurídico desta liberdade dos fiéis será tanto mais vasta quanto mais o ordenamento
canônico for sensível às consequências jurídicas que a expansão da liberdade na Igreja exigir.
Pôde-se afirmar assim que a condição de liberdade do fiel é uma das situações jurídicas
básicas que integram a sua condição constitucional.47 48
Em outras palavras, a idéia de “Povo de Deus”, proclamada pelo Concilio Vaticano II, 4X
compreende cm si mesma tanto a Igreja considerada como instituição, como a Igreja
considerada enquanto comunidade de pessoas. Ambos os aspectos são complementares e
convergem na unicidade de fim do Povo de Deus. Mas, com relação a essa missão única da
Igreja, é preciso distinguir entre as atividades que se realizam na Igreja-instituição e as
atividades da Igreja-Comunidade. ou seja, entre as funções institucionais e as funções
pessoais.
Para o cumprimento das finalidades institucionais da Igreja nasce a Sociedade eclesiástica,
a Igreja-sociedade. A sociedade eclesiástica é aquela dimensão do Povo de Deus, estabelecida
por vontade de Cristo, cuja missão consiste em realizar os fins da Igreja-instituição. Estes fins
podem ser realizados de duas maneiras:
-— através da organização eclesiástica, como estrutura orgânica que ordena a atividade da
sociedade eclesiástica para os seus fins institucionais sociais;
— através dos simples fiéis enquanto membros da sociedade eclesiástica. As atividades
dos fiéis cujo objeto consiste em realizar os fins da sociedade eclesiástica são o que constitui a
esfera pública da participação dos fiéis na Igreja-instituição.
Juntamente com a esfera pública dos fiéis também existe uma esfera privada. A esfera
privada do fiel compreende aquelas atividades que realiza enquanto membro da Igreja-
comunidade de pessoas, ou seja, aquela dimensão do povo de Deus que compreende os fins
individuais das pessoas e das comunidades eclesiais, segundo a vocação e os peculiares
carismas que cada uma recebe.49 Portanto, refere- -se àqueles fins e funções estritamente
pessoais que aos fiéis, individual ou socialmente, cabe desenvolver como membros ativos na
missão única do Povo de Deus.
Os princípios que governam a esfera privada do fiel, com uma categoria que bem poderia
ser qualificada como constitucional, são os seguintes:
I cons- :recido ijetivos á tanto iências
1) Princípio personalista e comunitário. A esfera privada compreende atividades que o
fiel realiza tanto individualmente como em associação com outros, fazendo parte de grupos ou
comunidades eclesiais. Mas tudo o que tem relação com essa esfera privada deve-se

47 Cf. Molano, o.c.. 171; Hervada-Lombardia. o.c.. 271. Sobre os direitos fundamentais e sobre os direitos subjetivos na Igreja ver bibliografia seguinte e
também F. Coccopalmerio. // conceito di diritto soggettivo nella socialitá umana naturale e nella Chiesa secondo Wilhelm Bertrams, em “La Scuola Cattolica".
99 (1971). 411-451.
48 Const. dogm. Lunten gentiuni, cap. II: "De populo Dei".
49 Cf. Const. dogm. Lunten gentium, cap. IV: "De laicis” e respectivos comentários, por exemplo. G. Philips. La Chiese e il suo mistério, vol. 11. trad.
ital.. Milão. Jaca Book. 1969. 13-60.
considerar referido tanto às pessoas físicas como às pessoas morais (associações ou
instituições da Igreja).50
im que ite grana
2) Princípio da igualdade. No âmbito da esfera privada não vigora o princípio
hierárquico: as relações jurídicas que podem dar-se dentro dele têm caráter voluntário e são o
resultado de atos de autonomia (negócios jurídicos) da pessoa.
3) Princípio de liberdade. É uma conseqüência do princípio anterior: a inexistência do
princípio hierárquico dá lugar à ausência de sujeição, a não ser que esta seja assumida
voluntariamente (autonomia da vontade). Esta esfera de liberdade eclesial é necessária ao
exercício da co-responsabilidade na Igreja e para a prossecução dos “incepta apostólica” que,
de forma individual ou associada, os fiéis podem e devem empreender a serviço da Igreja. 51
Indica-se também como o âmbito necessário para que o livre exercício dos carismas possa
desenvolver-se cm plenitude. Em um nível meramente jurídico e não moral, este princípio
significaria que tudo o que não é juridicamente proibido é permitido.
4) Princípio da autonomia do temporal. E o círculo em que termina o ordenamento
canônico e começa o civil. As relações jurídicas que se criam no plano temporal são civis e
não canônicas. Por isso afirma o concilio Vaticano II: “E de grande importância, sobretudo
onde existe uma sociedade pluralista, que se tenha uma concepção exata das relações entre a
comunidade política e a Igreja; e ainda que se distingam claramente as atividades que os fiéis,
isoladamente ou em grupo, desempenham em seu próprio nome como cidadãos guiados pela
sua consciência de cristãos, e aquelas que exercitam em nome da Igreja e em união com os
seus pastores”.52
E o III Sínodo dos bispos acrescenta: “Os membros da Igreja, enquanto membros da
sociedade civil, têm o direito e o dever de perseguir, da mesma forma que os outros cidadãos,
o bem comum. Os cristãos devem realizar com fidelidade e competência as suas funções de
ordem temporal. Eles devem agir, como fermento no mundo, na vida familiar, profissional,
cultural e política. Cabe a eles assumir em todo esse campo a própria responsabilidade,
seguindo como guia o espírito do Evangelho e a doutrina da Igreja. Desse modo, dão
testemunho do poder do Espírito Santo com a sua ação ao serviço dos homens em tudo aquilo
que decide sobre a existência e o futuro da humanidade”. 53 Este é o aspecto típico do leigo, ou
seja, a “secularidade”. De outro lado, todos os fiéis, qualquer que seja o seu estatuto jurídico
peculiar no ordenamento canônico, estão sujeitos ao ordenamento civil salvo as exceções e os
privilégios que não deverão empanar a pureza do testemunho cristão), em todas aquelas
atividades que desenvolvem no âmbito da autonomia de que goza este ordenamento (direito
civil matrimonial, penal etc.).

50 Sobre estes princípios cf. Molano, o.c., 184-196.


51 Cf. n. 5: ‘iniciativa do fiel em ordem à missão da Igreja”.
52 Const. past. Gaudium et spes. n. 76.
53 Documenta Synodi Episcoporum, “De iustitia in mundo”, em AAS 63 (1971). 932-33.
5) Princípio de subsidiaridade. É um princípio básico da ordem social, segundo a
doutrina católica, que sem dúvida deve ser integrado com o princípio de solidariedade, mas
que irradia o seu influxo também no seio da sociedade eclesiástica. Compete à autoridade
social da Igreja a função de promover e ajudar todas as atividades cuja realização cabe aos
simples fiéis, sem exercer uma função de substituição ou de suplcncia mais do que é
necessário e na medida em que o é realmente. Nesta linha devem ser colocadas também as
relações entre a hierarquia eclesiástica e as obras promocionais e apostólicas surgidas da base
por iniciativa dos fiéis.
6) Princípio da autonomia privada. É uma consequência dos princípios anteriores.
Refere-se, como veremos adiante, à constituição das relações jurídicas dentro da esfera da
liberdade eclesial, que dão lugar a organizações e instituições de direito privado, com uma
possível relevância ou efeitos canônicos. Por sua origem estamos na presença de uma fonte de
direito privado, cujo reconhecimento é de natureza civil ou canônica, dependendo das
relações constituídas ou dos efeitos que daí brotam.
Como conclusão, para que a esfera privada dos fiéis se converta numa esfera de liberdade
jurídica, é necessária a proteção do direito. Garantia desta esfera privada seria um estatuto
jurídico comum e um estatuto jurídico específico, pelo qual se delimite respectivamente a
igualdade fundamental e a desigualdade funcional diante do ordenamento canônico. O
conjunto de situações jurídicas subjetivas tuteladas pelo direito (especialmente os direitos
subjetivos), constituiría um direito canônico da pessoa que exprimiría manifestamente o
caráter institucional que a pessoa possui também diante do direito da Igreja.
3. Direitos humanos e direitos dos fiéis no ordenamento canônico
Se o homem, enquanto tal, possui determinados direitos inerentes à sua natureza humana,
anteriormente ao reconhecimento da sociedade, o fiel, que não é outro senão o homem
incorporado à Igreja através do batismo,54 conserva logicamente os direitos humanos próprios
da sua condição humana, e adquire, no âmbito da sociedade eclesial, direitos fundamentais
específicos, próprios da sua nova condição de fiel. Eles às vezes coincidirão com os
respectivos direitos humanos e até serão potenciados com a inserção na estrutura canônica,
mas outras vezes assumirão características particulares.55
Tais direitos correspondem, como vimos, a âmbitos de autonomia privada, a posições
jurídicas de liberdade reconhecidas pelo Direito Constitucional aos sujeitos. 56 Naturalmente a
explicitação histórica de tais direitos sofreu evoluções notáveis, correspondentes às
peculiaridades da sociedade civil no que se refere aos direitos humanos, e à evolução da
sociedade eclesiástica, no que se refere aos direitos específicos dos fiéis.
Mas a questão básica que nos diz respeito é esta: qual o grau de relação entre os direitos
humanos e os direitos dos fiéis? Os direitos fundamentais reconhecidos “sub specie
aeternitatis” pelo Magistério da Igreja a toda pessoa humana 57 58 são também direitos
fundamentais atribuíveis, com todo o seu valor e com todas as suas consequências, ao fiel,
enquanto é também pessoa humana no âmbito jurídico da sociedade eclesial? A resposta só

54Sobre a literatura canônica refrente ao can. 87. cf. Gonzales dei Valle, o.c., 19-54 e Coccopalmerio. a.c., 431-35.
55 Cf. Const. dogm. Lumen gentium. n 36: "Para serem úteis à economia da salvação, aprendam diligentemente os fiéis a distinguir entre os direitos e
as obrigações que lhes dizem respeito enquanto membros da Igreja, e os que lhes competem como membros da sociedade civil. Procurem com diligência
harmonizá-los uns com os outros, lembrando-se que em toda ocupação temporal devem orientar-se sempre pela consciência cristã, pois nenhuma atividade
humana, nem sequer na ordem temporal, pode subtrair-se ao império de Deus”. Ver também Gonzales dei Valle. o.c., 121-123 e A. Martinez Blanco, Derechos
humanos y derechos de los fieles en el ordenamiento canônico: Comunicação no "III Congresso Internacional de derecho canônico”. Pamplona 1976 (edição
provisória).
56 Cf. Martinez Blanco, a.c., 17.
57 Ibidem, 19-20.
58 João XXIII. Enc. Pacem in terris, de 11-4-1963, em AAS. 55 (1963). 295-96.
pode ser positiva: a sua justificação última é a radical igualdade da dignidade do homem.
Além da canonização da “Declaração universal dos direitos do homem”, realizada pelo
Magistério da Igreja,5S a Const. Lumen gentium, por seu lado, afirma: “E, portanto, uno o
povo eleito de Deus: “Um só Senhor, uma só fé, um só batismo’ (cf. Ef 4,5); comum é a
dignidade dos membros pela sua regeneração em Cristo, comum a graça dos filhos, comum a
vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e caridade indivisível. Nenhuma
desigualdade existe em Cristo e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social
ou de sexo, pois que não há ‘judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem
mulher’; todos vós sois ‘um’ em Cristo Jesus”.59
Os autores estudaram a fundo depois do concilio Vaticano II, especialmente comentando o
cap. IV “De laicis” da Lumen gentium, a radical igualdade de todos os membros do povo de
Deus, e o estatuto pessoal dos fiéis.60
Hervada, entre outros, com o intuito de superar uma certa concepção “classista” da Igreja,
estabelece como conceito básico do direito das pessoas, o conceito de fiel, entendendo com
isso “todo membro do povo de Deus, qualquer que seja a sua função no interior dele. Desta
definição deduz-se que a noção de fiel exprime uma condição dos membros do povo de Deus
que é comum a todos e anterior a qualquer diferenciação. Esta noção de fiel — deduzida da
situação de normalidade constitucional — aplica-se depois a todos e a cada um dos membros
do Povo de Deus, desde o Papa até o último batizado”.61
Desse modo, a distinção clérigo-leigo deixa de ter sentido no direito das pessoas, porque
alude não à condição pessoal dos membros do povo de Deus, mas à sua função. A diferença
funcional dos fiéis não é um tema do direito das pessoas, mas do direito público, e mais
especificamente da organização eclesiástica.62
Acrescentamos que a Igreja, como sociedade organizativa, não cria a substância dos
direitos fundamentais (o batismo é um ato de Cristo, quando num ato realizado pela Igreja);
assim não pode nem tirá-la, nem limitá-la ou condicioná- -la. Na sua substância, os direitos
antecedem, portanto, a Igreja como sociedade organizativa. Mas isso não impede que os
direitos originados na sua substância pelo batismo ou por outras realidades (como a vontade
dos esposos no matrimônio) obtenham eficácia só se reconhecidos pela autoridade da Igreja,
sociedade organizativa; e não impede que a Igreja constitua ex novo indefinidos novos direitos
subjetivos. Neste sentido, para a revisão do projeto da “Lex Ecclesiae Fundamental is”,
sugeriu-se que ela deve proclamar: 1) o reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa
humana a todo homem, enquanto pode entrar em relação com a Igreja; 2) os direitos
fundamentais de todo homem enquanto chamado à salvação (especialmente do
catecumenato); 3) os direitos fundamentais que são específicos do fiel.63
Pode-se esperar que a incidência das formulações e realizações civis dos direitos do
homem — cujo progresso através da história, mesmo sendo lento e ambíguo, é evidente —
será sempre mais acentuada sobre as formulações jurídicas canônicas de tais direitos
fundamentais para o homem e para o fiel no âmbito eclesiástico. Um maior aprofundamento
da natureza da Igreja como povo de Deus, o crescente desejo de participação dos fiéis nas
comuns iniciativas e encargos eclesiásticos (e não precisamente a nível de “súditos” ou
“governados”), a própria sensibilidade crescente da Igreja aos problemas do mundo, são

59 Const. dogm. Lumen gentium, n. 32.


60 Aos autores citados nas notas 6,7,8,9 é preciso acrescentar J.Beyer, De statuto iuridico christifidelium atizu vota Synodi Episcoporum in novo
Códice iuris condendo, em "Periódica" 57 (1968). 551-582; De iurihus tuf.anis fundamenta li bus in statuto iuridico christifidelium assumendis, em "Periódica”,
58 (1969). 29-58.
61 Hervada-Lombardía, o.c., 268.
62 Gonzales dei Valle. o.c.. 255.
63 Cf. Schetna LEF cit., "Relatio super priore schemate”. 75-79.
fatores que levarão a uma homologação sempre mais precisa por parte do Magistério da Igreja
e do Direito Canônico em matéria de direitos humanos e direitos dos fiéis. Os “sinais dos
tempos” parecem orientar-se nesta direção. É testemunha do crescente interesse eclesial pelo
tema dos direitos humanos na Igreja o recente Colóquio internacional sobre os “Direitos do
homem e as Igrejas cristãs” celebrado em Estrasburgo em 1976, sob o patrocínio do “Institut
International des Droits de Thomme” e do “Centre de Recherche et Documentation des
Institutions Chrétiennes” (Cerdic).64
Tentemos elencar agora, com a ajuda dos autores mais competentes neste setor, os direitos
fundamentais do fiel.65
Antes do Concilio Vaticano II, De Luca falou da necessidade de que o ordenamento
canônico tutelasse alguns direitos fundamentais do homem. Ele enumerou os seguintes: 1)
direito à vida; 2) à integridade física; 3) de viajar e residir;
4) de associação; 5) de manifestar o próprio pensamento; 6) à liberdade religiosa;
7) ao livre exercício da atividade profissional; 8) ao matrimônio. 66 Esses direitos são
apresentados por De Luca não como direitos fundamentais dos fiéis, mas do homem. Sem
dúvida existem alguns (por exemplo, direito de associação, direito de manifestar o próprio
pensamento, direito ao matrimônio) que se referem também à vida do fiel na Igreja; mas a
maior parte deles é independente da posse do caráter batismal e da pertença à Igreja.
A título de exemplo, Bertrams enumera os seguintes direitos fundamentais:
1) liberdade de consciência; 2) de eleição de estado de vida (matrimônio, virgindade); 3) de
viver e associar-se com os outros fiéis; 4) de exercitar a caridade.67
J. Hervada nos oferece algumas indicações de grande interesse, introduzindo, como já
vimos, como conceito básico do direito das pessoas, o conceito de fiel, e confrontando a
“organização eclesiástica”, estruturada em “ministérios” para o bem do povo de Deus, com “a
condição constitucional do fiel".68*
A condição constitucional do fiel supõe que o fiel, pelo simples fato de o ser, se encontra
numa posição ou condição jurídica fundamental no povo de Deus, que faz parte da
constituição da Igreja. Esta condição jurídica fundamental é aquela posição primária e básica
na qual o fiel é visto como encarnação positiva da vontade fundacional de Cristo. Todas as
outras sucessivas situações jurídicas possíveis dentro do ordenamento canônico são
concretizações, derivações ou determinações desta condição jurídica fundamental ou
constitucional.
A condição constitucional do fiel — explica Hervada — desdobra-se em quatro direções:
a conditio communionis, a conditio libertatis, a conditio subiectionis e a conditio activa.
Esclarecida esta abordagem, ele propõe os seguintes direitos fundamentais do fiel.
a) Relativos à conditio communionis: 1) direito de receber abundantemente a ajuda da
Palavra de Deus; 2) à celebração do sacrifício eucarístico e à recepção da comunhão; 3) à
recepção do sacramento da Penitência; 4) a receber os sacramentos da Confirmação e da
Unção dos Enfermos; 5) a participar das ações litúrgicas; 6) a participar de todas as atividades
ou a receber tudo o que promana do vínculo da comunhão.
b) Relativos à conditio libertatis: 7) direito ao apostolado pessoal; 8) à própria

64 Martinez Blanco, a.c., 23.


65 São múltiplos os pontos em que o concilio Vaticano II fala de direitos dos fiéis: Cf. por exemplo. Lumen gentium 9,12,32,33,37; Sacrosanctum
Concilium, nn. 14. 19, 29, 79; Gaudium et spes, n. 73; Presbyterorum ordinis. nn. 8,9,13; Apostolicam actuositatem, nn. 3,18,20,29; Orientalium Ecclesiarum,
nn. 5,6; Christus Dominus. nn. 16, 17; Ad gentes divinitus, nn. 26, 41; Gravissimuni educationis, n. 10; Dignitatis humanae, n. 14. Tal ensinamento exige o
complemento de uma doutrina e de uma técnica jurídica que fundamente um "estatuto jurídico” “omnibus commune. antequam iura et officia recenseantur quae
ad diversas ecclesiasticas functiones pertinent”: assim se esprimiam os “Principia quae Codicis iuris Canonici recognitionem dirigant", Typis Polyglotis
Vaticanis, 1967. 9.
66 L. De Luca. I diritti fondamentali delPuonio nelForientamento canonico, em "Acta congressus intemationalis iuris canonici”. Roma 1953, 88-103.
67 W. Bertrams. De influxu Ecclesiae in iuria haptizatorum, in Quaestiones fundamentales iuris canonici. i<na 1969. 208-239.
68 Hervada-Lombardía. o.c.. 269.
espiritualidade; 9) de associação; 10) à eleição da condição de vida pessoal; 11) à liberdade de
agir na ordem temporal; 12) ao ensino das ciências sagradas: a recebê-lo e a dá-lo.
c) Relativos à conditio activa: 13) direito à própria opinião; 14) à informação; 15) à
pesquisa e ao ensino; 16) a socorrer as necessidades da Igreja.
d) Relativos à conditio subiectionis: 17) direito de pergunta; 18) ao reto e adequado
desenvolvimento e cumprimento das atividades hierárquicas.69
É uma classificação baseada na distinção das “condições” em que se encontra o fiel. A
inclusão de um direito no interior de uma “conditio” não significa que se deva
necessariamente excluir das outras, mas apenas que tem uma ligação mais estreita com aquela
indicada.
Del Portillo oferece a seguinte enumeração: 1) direito de receber as op nas ajudas
espirituais; 2) de socorrer as necessidades da Igreja; 3) à formaç ao ensino; 4) à própria
espiritualidade; 5) a exercer o apostolado de acordo a própria missão; 6) de associação; 7) de
pergunta; 8) à livre eleição do pr< estado; 9) à boa fama; 10) a uma pública opinião na Igreja;
11) a partf ativamente das ações litúrgicas; 12) ao próprio rito.™
Viladrich. que nos deixou o estudo mais profundo sobre o tema, aprei este elenco: 1)
direito aos bens espirituais da igreja e aos auxílios necessários a salvação, como sacramentos,
palavra de Deus etc.; 2) a participar ativamen vida e dos fins da Igreja; 3) à própria
espiritualidade; 4) ao próprio rito; f exercício integral dos carismas pessoais: 6) a seguir
livremente a própria voc eclesial de ministro sagrado, leigo, religioso; 7) ao próprio
apostolado; 8 pergunta à hierarquia; 9) a manifestar livre e publicamente a própria opiniãi
matérias que se referem ao bem comum da Igreja; 10) à informação; 11) à cação cristã,
incluída a mais especializada; 12) à justa liberdade de investig das ciências sagradas; 13) à
livre associação eclesial; 14) à justa autonomi realidade temporal.70 71
Viladrich tenta também dar-nos uma definição precisa de direitos fundai tais: “Os direitos
fundamentais — diz ele — são expressões subjetivada vontade fundamental de Cristo”. Mas,
formulada esta definição, é difícil desc< a vontade de Cristo com relação a cada questão e a
cada direito elencado.
Na opinião de Gonzales dei Valle, é preciso remontar a personalidade dica, titular de
direitos independentes de sua adscrição a qualquer tipo de s< dade. Sob este aspecto, o direito
canônico deve reconhecer a personalidade dica de todos os homens, sejam ou não batizados,
porque não são as noi jurídicas que atribuem tal personalidade. Somente depois é possível
distir direitos da personalidade, e direitos dos membros de uma sociedade (aqt inserem os
direitos do fiel, enquanto incorporado à Igreja através do batisme conceito de direito
fundamental serve para exprimir uma específica capacii jurídica; assim, especialmente depois
do concilio Vaticano II. se adotará a exj são “direitos fundamentais do fiel”, tecnicamente
mais exata, para indica específicas capacidades jurídicas que se adquirem mediante o
batismo.72
Com base no conceito de “direito fundamental do fiel” acima indicado procuramos agora
estabelecer uma síntese entre as diversas enumerações, excluindo aqueles direitos que não
podem ser chamados característicos do fiel, mas próprios de todo homem, como o direito às
dignas condições de trabalho, a boa reputação, o direito à ausência de toda discriminação em
razão da raça, s opinião política etc.
Eis um possível elenco:
1) Direito de associação.
2) Direito de manifestar o próprio pensamento.
69 Ibidem. 294-309.
70 Dei Portillo. o.c.. 90-174.
71 Viladrich. o.c.. 396-97.
72 Gonzales dei Valle. o.c.. 122.23
3) Direito de desenvolver o próprio apostolado.
4) Direito de pergunta.
5) Direito de receber os cuidados pastorais.
6) Direito de socorrer as necessidades da Igreja. “Isto significa — como explica Hervada
— que o fiel tem o direito na Igreja de tomar iniciativas que contribuam para resolver estas
necessidades: fundações, insitituições pias, mandatos, legados, criação de obras e centros de
diversa índole etc.”;73 de outro ponto de vista, essa atividade poderia ser entendida como um
dever.
7) Direito à instrução.
8) Direito à livre investigação nas ciências sagradas.
9) Direito à livre iniciativa na Igreja.
10) Direito ao exercício integral dos carismas pessoais.
11) Direito à eleição do estado de vida.
12) Direito à informação objetiva sobre as operações da organização eclesiástica de
caráter interno e externo.
13) Direito ao ensino das ciências sagradas.
14) Direito à autodeterminação nas realidades temporais.
15) Direito de participar ativamente nas ações litúrgicas.
16) Direito ao reto e adequado desenvolvimento das atividades hierárquicas.
17) Direito a desempenhar cargos na organização eclesiástica.
18) Direito de reunião.
19) Direito à própria espiritualidade.
Essa enumeração admite facilmente uma ampliação ou uma redução, conforme sejam
diluídos ou resumidos os dezenove direitos enumerados.
Inserção dos direitos fundamentais na posição do fiel. Os direitos fundamentais se
inserem na posição do fiel como especificações da sua capacidade jurídica e de agir. Seguindo
Jellinek e Hervada, que introduziram no âmbito canônico a famosa teoria dos quatro estados,
é interessante considerar os direitos fundamentais do fiel na sua conexão com cada um desses
quatro estados.
É preciso referir à conditio subiectionis todos aqueles direitos fundamentais orientados a
que o fiel esteja sujeito ao bem público da Igreja. O fiel não pode limitar-se a obedecer sem
dar atenção ao conteúdo daquilo que se ordena, se não tem a possibilidade — para submeter-
se efetivamente ao bem público e não ao .capricho de um governante — de gozar de uma
série de direitos fundamentais que garantam que, quando obedece, se submete efetivamente
ao bem público. A técnica jurídica conhece diversos métodos de controle da atividade
governativa, • voltados para a anulação do exercício do poder, sempre que não seja exercido
de acorrdo com as normas de organização e de ação, quando é contrário ao bem público: os
recursos de inconstitucionalidade, os recursos administrativos. Sendo de caráter objetivo, as
diversas modalidades de controle abstrato das normas constituem as formas mais usuais de
controle. A possibilidade deste controle «quer, por sua vez, publicidade na gestão do bem
público.
Pode-se, pois, referir à conditio subiectionis: 1) o direito ao reto e ac desenvolvimento das
atividades hierárquicas; 2) o direito à informação < sobre as operações da organização
eclesiástica de caráter interno e ext< maioria dos direitos fundamentais corresponde, sem
dúvida, à conditio li do fiel. A capacidade jurídica que tais direitos comportam, supõe a
autonoi vada e a validade jurídica erga omnes das declarações de vontade c da liv
determinação.
À conditio libertatis é preciso atribuir: 3) o direito à associação; 4) c a manifestar o
73Hervada-Lombardía, o.c.. 308.
próprio pensamento; 5) o direito ao próprio apostolado; 6) c à livre investigação das ciências
sagradas; 7) o direito à livre iniciativa na que engloba cm sentido amplo todos os direitos
fundamentais relativos conditio; 8) o direito ao exercício integral dos carismas pessoais; 9) o
d eleição do estado de vida; 10) o direito à autodeterminação no âmbito tei 11) o direito de
reunião; 12) o direito ao ensino das ciências sagradas direito à própria espiritualidade.
A conditio communionis (ou, como Dei Valle prefere, à conditio p correspondem todos os
direitos fundamentais fundados na obrigatoriedade atendimento por parte da Administração
pública eclesiástica, como: 14) o de pedido, no seu aspecto de exigibilidade dos direitos
públicos subjetivo; direito de receber os cuidados pastorais; 16) o direito à instrução; 17) o
direito participar ativamente nas ações litúrgicas. A conditio activa se referem direito de
exercer cargos na organização eclesiástica; 19) o direito de soí. Igreja em suas necessidades.
Consideramos necessário sublinhar, em consonância com a reflexão tores, que entre os
direitos fundamentais dos fiéis ocupa um lugar de p ordem o direito de receber os
sacramentos. No novo esquema sobre os sacramentos notou-se a confirmação de uma
orientação nova, que tende a aceitar t de um direito dos fiéis, mais determinado, mais
empenhativo do que antes incorporação à Igreja realizada no batismo derivam uma série de
implicações jurídicas e de efeitos carismáticos que já são insuprimíveis. Isto acontece força do
caráter impresso no batismo (como, com efeitos diversos, no < confirmação e da ordem
sacra): se não se admite uma transformação ontológica permanente — que permanece para
além de toda outra transformação d; personalidade — como se poderia explicar esta
insistência na permanêcia de alguns direitos e deveres que permanecem ligados à pessoa do
batizado, apesar da gravidade de sua eventual apostasia? 74 Há limites para a construção
jurídica, efetuada pelo legislador eclesiástico; e são os de direito divino, do próprio legislador
recebe o poder de legiferar.
Em outras palavras, é isto que se quer dizer: o aspecto jurídico deriva do ato litúrgico, que
é a recepção dos sacramentos, e nos reconduz àquele. Por isso o elemento jurídico deve ser
sempre considerado na perspectiva carismática, pessoal e comunitária, da qual deriva e à qual
está essencialmente ordenado.
Perspectiva jurídica e perspectiva carismática devem levar a Igreja, também quando
estabelece as normas pastorais sobre a administração c a recepção dos sacramentos, a
valorizar a pessoa humana, na linha do efeito produzido pela efusão da graça redentora. Com
efeito, é difícil imaginar uma valorização maior do que aquela que faz da criatura um membro
da família de Deus, chamado a entrar na intimidade das relações trinitárias. Toda efusão da
graça salvadora nos recorda este chamado e tende a torná-lo efetivo!
Nesta linha pode-se falar de direitos referentes também aos batizados não católicos.
Enquanto o ordenamento canônico sanciona o princípio de que o batismo é a condição
necessária para que o homem se torne membro da Igreja e possa participar de todos os direitos
e obrigações dos cristãos, e por isso “são plenamente incorporados na sociedade, que é a
Igreja, todos os que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam integralmente a organização da Igreja
e todos os meios de salvação nela instituídos, e que, além disso, graças aos vínculos de
profissão de fé, dos sacramentos, do governo e da comunhão eclesial, permanecem unidos, no
conjunto visível da Igreja, com Cristo, que a rege por meio do Sumo Pontífice e dos bispos”, 75
para aqueles que não estão em comunhão perfeita com a Igreja católica, o ordenamento

74 Pontifícia Commissio Codici Iuris Canonici Recognoscendo. Schema documenti pontíficii < plina de Sacramentis recognoscitur, Typis
Polyglotis Vaticanis, 1975, “Praenotanda”. Ver também “2 in mundo"cü. in AAS, 63 (1971). 933: qualquer que seja o modo pelo qual alguém é associadi
nem por isso deve ser privado dos direitos que habitualmente lhe competem”. E preciso sublinhai afirmação da Const. dogm. Lumen gentium, n. 37: ‘*Os
leigos, como todos os cristãos, têm o direito c abundantemente dos sagrados Pastores os bens espirituais, sobretudo os auxílios da palavra de D< sacramentos”,
citada no can. 14 do Schema LEF cit.
75 Const. dogm. Lumen gentium. n. 14.
canônico não pode deixar de levar em conta a declaração da Lumen gentium, segundo a qual
“por múltiplas razões a Igreja reconhece-se unida aos batizados que se honram do nome de
cristãos, mas não professam integralmente a fé, ou não mantêm a unidade de comunhão sob o
Sucessor de Pedro”.76 A progressiva revisão da legislação canônica, no que se refere à
admissão aos sacramentos da eucaristia e da penitência, 77 e sobre os matrimônios mistos,78 79
indica um reconhecimento mais profundo de alguns direitos pessoais e revela a preocupação
de conciliar dois princípios: aquele da “significatio unitatis”, que proíbe a comunicado in
sacris, e aquele da participação nos meios de distribuição da graça, que a recomenda.
Por fim, não podemos esquecer que a Igreja reconheceu alguns direitos fundamentais
também aos batizados.™
Em primeiro lugar, é evidente a relação fundamental que, antes mesmo do batismo, e
antes até do próprio propósito de batizar-se, já existia entre o não- -batizado e a Igreja. Trata-
se de uma relação que, de um lado, toca o direito-chave da Igreja de anunciar o Evangelho, ou
seja, o mandato missionário para o qual “Ecclesiae, independenter a qualibet civili potestate,
ius est et officium gentes omnes evangelicam doctrinam docendi: hanc vero rite ediscere
veramque Dei Ecclesiam amplecti omnes divina lege tenentur”; 80 mas, de outro lado, toca
alguns direitos fundamentais do homem, e em primeiro lugar o da liberdade religiosa, tão
claramente enunciado pelo concilio Vaticano II, mas que já havia sido fixado
inequivocamente sob este perfil pelo CIC, can. 1351, onde se diz que “ad amplectendam
fidem catholicam nemo invitus cogatur”.
Essas relações das quais fluem necessariamente deveres, direitos e interesses que
demonstram a exigência de uma certa capacidade jurídica canônica também no não-batizado,
tornam-se ainda mais evidentes e prenhes de conseqiiências jurídicas no ordenamento
canônico no caso dos catecúmenos. Como é sabido, o concilio Vaticano II restaurou para toda
a Igreja o catecumenato, obrigando todos os bispos e adaptar esta instituição às exigências do
nosso tempo, e decretando a explicitação de um estatuto jurídico dos catecúmenos.81
É importante notar que, embora os catecúmenos não sejam batizados, a Igreja os considera
com particular atenção, pois julga ter com eles vínculos particulares que não tem com outros
não-batizados. A Const. Lumen Gentium, com efeito, afirma: “Os catecúmenos que, sob a
ação do Espírito Santo, desejam e querem expressamente ser incorporados na Igreja, já em
virtude deste desejo lhes estão unidos. E a Igreja, como Mãe, já lhes dedica o seu amor e os
seus cuidados”.82 83 E o Decreto Ad gentes (sobre a atividade missionária) dispõe: “Enfim, o
estado jurídico dos catecúmenos deve ser fixado claramcnte no novo Código. Pois eles estão
já unidos à Igreja, já são da casa de Cristo, e, não raro, eles levam já uma vida de fé, de
esperança e de caridade”.8'
Estes vínculos particulares têm uma indiscutível relevância jurídica no âmbito do
ordenamento canônico, e surgem através da manifestação de vontade do não-batizado de fazer
parte da comunidade eclesial. Tal manifestação de vontade — que tem efeito por si própria,

76 Ibidem. n. 15.
77 Decr. Orientalium Ecciesiarum. n. 27; Secretariatus ad Christianorum Unitatem Fovendam, Directorium Ée re oecumenica. nn. 42-47. 55 em A AS.
59 (1967). 574-592; Id., Instructio de peculiarihus casihus admittendi ~ > christianos ad Communionem Eucharisticam in Ecclesia catholica de 1-6-1972. em
AAS. 64 (1972). Cf. Srérwu/ De Sac •ramentis, cit. can. 2.
78 Cf. T. Bertone. II Magistero post-conciliare sul sacramento dei matrimônio, em Realtà e valori dei *4 vumento dei Matrimônio. Las. 1976. 223-228.
79Cf. Schema LEF cit.. can. 8. Para um estudo acurado ver A. Gomez de Ayaia. Gli injldeli e la jKnmilitá nelTordinamento canonico. Milão 1971.
80 CIC. can. 1322.
81 Cf. Intervenção de G. Dalla Tórre en Atti dei II Congresso Internazionale di diritto canonico cit.. 445-448.
82 Const. dogm. Lumen gentium, n. 14.
83 Decr. Ad gentes, n. 14. Para um estudo ver P. Lombardía. El estatuto jurídico dei catecúmeno según los textos dei Vaticano II. em “Ius Canonicum”.
6 (1966). 529ss.
automaticamente, sem que seja necessário um ato formal de recepção do catecumenato —
comporta automaticamente na pessoa do não-batizado o emergir de interesses diante da
comunidade eclesial, e, por isso, diante do poder administrativo; interesses dignos de
particular tutela.
Não é por acaso que mencionamos o poder administrativo. Com efeito, levanta-se
tradicionalmente o problema da posição do não-batizado em matéria de capacidade jurídica
processual, segundo o conhecido brocardo “Ecclesia de infidelibus non iudicat”. Ao contrário
disso, começando pelas causas matrimoniais se foi configurando nos infiéis — prescindindo
do catecumenato — uma espécie de personalidade processual inédita, superando o velho
discurso sobre a incapacidade processual, e habilitando-os a agir no contencioso
administrativo canônico.
De resto, entre as novidades que se encontram no projeto de reforma do processo
canônico, existe aquela da possibilidade para os a-católicos e também para os não-batizados
de serem atores nos juízos eclesiásticos: “Quilibet. sive baptizatus sive non baptizatus, potest
in iudicio agere; reus autem legitime conventus respondere debet”/ 4 Alguém observou que
"esta inovação — de resto, de acordo com o espírito ecumênico que não pode deixar de
informar a futura legislação eclesiástica — resolve definitiva e peremptoriamente esta
questão: se os não- -batizados devem ou não ser considerados, no direito canônico, pessoas”/ 5
Embora permanecendo no âmbito bem circunscrito da matéria processual, parece uma
afirmação pelo menos exagerada. Com maior equanimidade sublinha Dalla Torre: "De todo
modo, continua sendo sempre um problema saber se, nesta matéria, configura-se ou não uma
paridade de posições entre batizados, batizados não-católicos e não-batizados. Pode-se
afirmar uma substancial paridade entre eles por conta de sua idêntica capacidade de manter
relações e interesses tuteláveis em face da administração eclesiástica; há porém inegável
disparidade, com relação à mais ou menos ampla capacidade jurídica que inevitavelmente
distinguirá o batizado-fiel do batizado que está fora da Igreja católica e do não-batizado.
Disparidade que, evidentemente, se refletirá também no plano da capacidade processual no
que diz respeito a tutela de direitos e interesses.
Também aqui, de todo modo, será tarefa do legislador canônico ditar novas normas que
determinem claramente as diversas posições assumidas, no âmbito do ordenamento canônico,
por sujeitos cujas relações com a comunidade eclesial, no plano espiritual, são diversas em
relação à existência ou não do batismo de um lado, e da adesão ou não à verdadeira fé, de
outro”/6
Concluindo, as novas perspectivas confimam a intenção de pôr no centro da atenção a
pessoa humana, com a sua esfera de intangível autonomia, enraizada na sua objetiva
dignidade: “Verdade fundamental sobre a qual se funda toda a ordem sócio-jurídica”/7
4. Integração entre liberdade do fiel e exercícios da “potestas sacra”: por uma
colaboração finalista
Procurando identificar os direitos fundamentais do fiel, tivemos que iluminar : aprofundar
a relação que há entre a pessoa humana e a comunidade, entre o fiel, a comunidade dos
crentes e a sociedade eclesiástica. Ora, no seio dessa sociedade sobrenatural, onde vigora uma
igualdade fundamental e uma desigualdade “funcional”, cria-se uma trama de relações
jurídicas precisamente entre os membros 84 85 86 87 da sociedade e os que são chamados a
exercitar a “potestas sacra” na igreja. O magistério do Vaticano II insistiu particularmente em
dois princípios, o da dignidade da pessoa humana e o do reto exercício da autoridade; para

84 Pontifícia Commissio Codici Iuris Caninici Recognoscendo, Schema canonum de modo procedendi w ruída i uri um seu de processihus. Typis
Polyglottis Vaticanis. 1976, can. 82.
85Dalla Torre, a.c., 449.
86Ibidem.
87Leclerc, a.c., 610.
que se respeitem esses princípios, é necessário tutelar os direitos da pessoa não só diante do
indivíduo, mas também diante da própria autoridade.
A doutrina conciliar indica a oportunidade de uma coordenação entre as exigências do
direito e as da pessoa humana, de modo a garantir a legalidade e o respeito da dignidade do
homem.™ Não é razoável pensar num ilimitado exercício do poder atribuído a um ofício, e
sim num exercício dentro dos limites voltados para uma função de serviço para o bem da
comunidade, em sentido evangélico. É sabido como o alcance da relação entre a autoridade e
súditos, segundo o pensamento conciliar, se baseia no dado de que o exercício da autoridade
deve ser repensado numa nova dimensão, de modo a garantir ao cristão aquele espaço de
liberdade que lhe é necessário para fazer escolhas responsáveis. E preciso sublinhar que-a
avaliação do conceito de autoridade em termos de serviço não implica enfraquecimento do
princípio hierárquico da autoridade da Igreja; tal avaliação significa simplesmente que se quer
acolher um conceito de autoridade que leve em conta legítimos direitos e âmbitos de
autonomia das pessoas, cuja tutela é um dos fins principais da lei eclesiástica.
O ponto de partida doutrinai é este: Cristo não só confiou o anúncio de sua Palavra e a
administração de sua graça a pessoas humanas, mas o próprio modo pelo qual ele quer que
procedam frente a seus irmãos valoriza singularmente a sua dignidade e responsabilidade. 88 89
Com efeito, salvo poucos esclarecimentos feitos pelo próprio Cristo, a determinação última da
realização dessa efusão de sua misericórdia salvadora foi confiada a uma hierarquia por ele
estabelecida, “com o fim de apascentar o Povo de Deus e aumentá-lo sempre mais”.90
A ela, criada e informada pelo Espírito Santo, cabe um ministério de palavra, de graça e
de guia pastoral, de modo que sejam assegurados a ordem e a paz, que “seja conservada a
unidade da communio e a vida desta se desenvolva de modo a dar testemunho, também
missionário, a Cristo”.91
É claro que o exercício da autoridade eclesiástica não pode dificultar a comunhão entre
aqueles que estão revestidos da “potestas sacra” e os outros membros do povo de Deus. Paulo
VI afirma: “Se a lei canônica que governa a Igreja tiver um desenvolvimento, em dois
sentidos será o’seu incremento: em reconhecer a toda pessoa e a cada função maior dignidade
e maior virtude de explicação; e em reforçar, ao mesmo tempo, como que por intrínseca
exigência de amor, de harmonia e de mútuo respeito, o poder que compagina
hierárquicamente a comunidade dos crentes”.92 Por isso Jesus, “homem perfeito”, se oferece
como modelo àqueles que mandem em seu nome na Igreja e exige que sua autoridade, por Ele
delegada, seja concebida como uma diakonia, e se imponha sobretudo mediante a persuação,
a suavidade e a força da pedagogia de Deus. “Tal serviço, para ser evangélico, evitará toda
forma de absolutismo e de egoísmo; se realizará no respeito pela pessoa livre e responsável;
consistirá em guiar sem oprimir, em amar um irmão que aceita a obediência como dever c não
como uma necessidade extrínseca, como um bem para o cristão e um benefício para a
comunidade”.93' A colação, de direito divino à hierarquia eclesiástica, da “potestas sacra”, não
significa contudo que os outros membros do povo de Deus tenham apenas um função passiva
na elaboração das normas contidas no ordenamento canônico. Recordamos, antes de tudo, o

88 Cf. Const. Past. Gaudium et spes, n. 26; Decr. Perfectae caritatis, n. 14; ver também L. Spinelli. Persona e ordinamento nel diritto amministrativo, em
Atti dei II Congresso internazionale di diritto canonico cit., 416-418.
89 Cf. Const, dogm. Lumen gentium, nn. 24-27; Decr, Christus Dominus, cap. II etc. e ém geral todos os documentos que delineiam as faculdades dos
bispos. Sobre a necessidade de favorecer a realização da vocação pessoal também a quem é chamado a governar na Igreja, cf. intervenção de C. Cavada Oviedo,
em Atti dei II Congresso internazionale di diritto canonico cit.. 441-42.
90 Const. dogm. Lumen gentium, n. 18.
91 Paulo VI. Discorso ai partecipanti al II Congresso di diritto canonico, em Atti... cit., 584.
92 Paulo VI, Discorso di chiusura delia II Sessione dei Concilio Vaticano //, de 4 de dezembro de 1963, em Documenti. II Concilio Vaticano II,
Bolonha. Dehoniane. 1967.
93 Paulo VI. Discorso ai memhrí dei Tribunale delia S. Romana Rota, de 8 de fevereiro de 1973, em AAS. 63 (1973), 101.
valor do consenso de todo o povo de Deus em coisas de fé e de costumes. 94 Recordamos, entre
os outros testemunhos, a sensibilidade do direito da Igreja pelas necessidades particulares de
cada comunidade. Paralelamente à consideração das pessoas, com efeito, emerge na Igreja
universal o acolhimento e a consideração das diversas igrejas e comunidades particulares. 95
Esta atenção à especificação étnico-geográfico-cultural que toma corpo nos critérios da
“personalidade” e da “territorialidade” da norma jurídica, faz germinar no seio do direito
universal um direito particular, estreitamente ligado àquele.96
A esta consideração enxerta-se a função reconhecida ao costume na elaboração do direito.
Com efeito, é opinião secular a presunção do caráter nocivo de uma lei, quando não é
recebida pela comunidade à qual se destina. Neste caso é previsto um procedimento especial.
O costume constitui um valioso instrumento de participação da communitas fidelium na
função legislativa sem desembocar numa forma de democracia participativa, estranha à
constituição da Igreja. Com efeito, o consensus superioris, mesmo tácito, imprime o caráter
da juridicidade ao conteúdo normativo, visto que da communitas fidelium, inserida desse
modo na comunhão eclesial com a hierarquia, que se coloca mais claramente ao serviço da
comunidade, reforçando suas exigências e instâncias sem o risco de um perigoso afastamento
que, nocivo para a comunhão, faria a hierarquia parecer um instrumento de poder.97
Como ulterior forma de participação e de co-responsabilidade pode-se acenar para a
prática, tão comum nos primeiros séculos da Igreja, de associar os fiéis à eleição dos seus
pastores. Sabemos que a “vocatio divina” é dom de Deus no Espírito, que a colação do
“munus pascendi” é de origem sacramental, e que a “missio canônica” é obra da Autoridade
Suprema da Igreja. A pergunta que se faz é esta: o que se opõe à "designação” (=
apresentação da pessoa) por parte do povo, em determinadas condições, quando toda a
história das concordatas e do direito de padroado conhece a designação por parte dos reis e
dos governos civis? Isto confirmaria a tomada de consciência da Igreja de que os fiéis são os
destinatários das atividades da organização eclesiástica, mas que participam realmente dos
fins institucionais, sociais e políticos da Igreja. 98 Com efeito, se “os Apóstolos e seus
sucessores — precisa o Concilio — receberam de Cristo o ofício de ensinar, reger e santificar
em seu nome e com a sua autoridade..., também os leigos, tornados participantes do ofício
sacerdotal, profético e real de Cristo, por sua parte completam, na Igreja e no mundo, a
missão do povo de Deus”.99 A luz deste ensinamento do magistério conciliar se evidencia o
direito-chave, próprio de todo fiel, de participar também na composição do ordenamento
jurídico da Igreja, como expressão da co-responsabilidade da ação pastoral da Igreja. 100
Segue-se que não pode ser considerado simplesmente como uma “política” inspirada em
motivos oportunistas101 o que está prescrito nos documentos do Vaticano II sobre a criação de
vários organismos de consulta, entre os quais citaremos sobretudo os Conselhos

94 Const. dogm. Lumen gentium. n. 12: "A totalidade dos fiéis que possuem a unção que vem do Espírito Santo nào pode enganar-se na fé. e manifesta
esta sua propriedade característica através do sentido sobrenatural ía fé do povo inteiro, quando, 'desde os Bispos até os últimos fiéis leigos", exprime o seu
consenso universal a respeito das verdades de fé e costumes”.
95 Muitas são as passagens do Magistério conciliar que focalizam as Igrejas particulares com relação à ireja universal; cf. por exemplo, Decreto
Orientalium Ecclesiarum. n. 2; Decr. Christus Dominus. n. 11;
Decreto Ad gentes divinitus, n. 19.
96Cf. Martini, o.c., 78-81 e notas relativas.
97 Baccari. a.c.. 125. Bento XIV nutria grande estima pelo costume: “Est enim in rebus omnibus magna o r.xuetudinis auctoritas” (Carta Ad
audientiam de 15 de fevereiro de 1953 em Bullarium, vol. IV, Prati, 1846. ' . par. I) e a ele dedicou os livros IX e X do De Synodo Dioecesana.
98 Cf. Molano, o.c., 176-181.
99 Decret. Apostolicam actuositatem, n. 2.
100 Cf. P. Lombardía, Persona e ordinamento dei diritto costituzionale delia Chiesa, em Atti... cit., 239- 262; Id., Relevância de los
carismas personales en el ordenam iento canonico, em “lus Canonicum”, 9 (1969). 101-119, trad. ital. em, “II Diritto Ecclesiastico”, 80 (1969), 3-21.
101
presbiteriais"102 e os Conselhos pastorais. Tal “política” tem atrás de si uma longa prática
eclesial, mesmo admitindo que ela foi ofuscada por tendências autoritárias e muito
centralizadoras, ligadas à cultura destes últimos séculos.
O fundamento filosófico e teológico é o da eminente dignidade da pessoa cristã, não só
criada à imagem de Deus, mas também herdeira do seu Reino, e chamada a uma comunhão
íntima com Ele,"’4 comunhão da qual a Igreja terrestre é “em Cristo como um instrumento ou
um sinal”."'5 Esta dignidade do novo ser cristão exige que lhe seja pedida uma obediência de
filho adulto e que além disso se apele com maior freqüência para a sua co-responsabilidade,
na linha do respeito mútuo e da comunhão que deve unir todos os membros da Igreja, na qual
os ministros, que estão revestidos de poder sagrado, servem seus irmãos “para que todos os
que pertencem ao Povo de Deus e gozam, portanto da verdadeira dignidade cristã, tendam
livre e ordenadamente ao mesmo fim e cheguem à salvação”.1(16
Nesta linha, o Vaticano II, enquanto afirma para os leigos o direito de receber
abundantemente dos Sagrados Pastores os bens espirituais da Igreja, convida- -os também a
manifestar aos Pastores “as suas necessidades e os seus desejos com aquela liberdade e
confiança própria dos filhos de Deus e dos irmãos em Cristo”. Em particular, têm a faculdade,
e às vezes até “o dever de manifestar seu parecer nas coisas referentes ao bem da Igreja”,
“segundo a ciência, a competência e o prestígio de que gozam”.
De outro lado, recorda-se à hierarquia que ela deve reconhecer os carismas e os
ministérios dos leigos, “de modo que todos cooperem, na sua missão, com o bem da
Igreja”.1011 Pede-se também aos Pastores que reconheçam e promovam a dignidade e a
responsabilidade dos leigos na Igreja, servindo-se “de boa vontade do seu prudente conselho”,
confiando-lhes “ofícios ao serviço da Igreja” e deixando-lhes “liberdade e campo de ação
Daquilo que dissemos anteriormente, e ainda de outras asserções conciliares, como aquelas
que proclamam o caráter missionário de toda a Igreja, e o chamado universal à santidade,
podemos concluir que diante da autoridade eclesiástica, a função dos “simples fiéis” está bem
longe de ser apenas passiva. Na realidade, tal perspectiva contradiz o espírito de um
ordenamento, cujo fim deve tender a ajudar os fiéis a viver o “mistério de unidade”, ou seja, a
criar na vida presente as melhores condições para favorecer a sua comunhão íntima com
Cristo e entre si.1"
5. Iniciativa do fiel para com a missão da Igreja
“A Igreja nasceu para, dilatando o Reino de Cristo por toda a terra para a glória de Deus
Pai, tornar os homens participantes da Redenção salvadora e por eles todo o mundo seja
verdadeiramente ordenado para Cristo. Toda a atividade do Corpo Místico orientada para este
fim chama-se apostolado, o qual a Igreja, por meio de todos os seus membros, exerce de
maneiras diversas; com efeito, a vocação cristã, por sua natureza, é também vocação ao
apostolado”."2 Este texto do concilio Vaticano II nos introduz no tema dos “incepta
apostólica”: em outras palavras, reafirma a co-responsabilidade de todos os membros do povo
de Deus “.a consecução do fim da Igreja, entendido como apostolado.
Isso quer dizer, em síntese, que: 1) o apostolado na Igreja não com apenas à hierarquia, e,
conseqüentemente, não cabe exclusivamente a ela promí lo; 2) todos os fiéis têm o direito e o
dever de fazer apostolado, como cond imprescindível para viver a sua vocação cristã: "Os
leigos derivam o dever direito ao apostolado de sua mesma união com Cristo Cabeça”. 102
Este apostolado, que tem fundamento na própria união com Cristo, e nãt mandato
hierárquico, adquire várias formas e modalidades, em virtude dos p< liares carismas e graças

102.
especiais, recebidas de cada um segundo sua vocaçi missão apostólica. 103 104 É o mesmo
Decreto Conciliar Apostolicam Actuosita que indica três grandes fins, correspondentes a três
grandes setores de ativid;
a) Apostolado da evangelização e santificação dos homens, que se descnvc no ministério
da Palavra e nos Sacramentos, confiados de modo especial ao cli mas também aos leigos na
medida de sua capacidade reconhecida de cooperaçãc
b) A animação cristã da ordem temporal: cabe aos leigos assumir a inst ração da ordem
temporal como tarefa própria e, nela, guiados pela voz do Ev gelho e do pensamento da
Igreja e movidos pela caridade cristã, agir diretame e de maneira concreta." 105
c) A ação caritativa e a assistência social “com que se leva ajuda eficaz . indivíduos e aos
povos que se encontram em necessidade como expressão viv da caridade de Cristo e da
Igreja”."106
Estas atividades podem ser desenvolvidas quer no interior da Igreja, qi no mundo, para
“ajudar os homens a se tornarem capazes de bem construir tc a ordem temporal e de ordená-la
a Deus por meio de Cristo”."107 É prec sublinhar o pedido do III Sínodo dos bispos:
“Renovamos o desejo de que sej; os leigos a desenvolver as principais funções no que se
refere às propriedac da Igreja, e tenham parte na administração dos seus bens”." 108 Mas, num
pia mais geral, não há dúvida de que “são muitas as iniciativas apostólicas (‘incej apostólica’)
que são constituídas pela livre vontade dos leigos e dirigidas por s prudente juízo”.109
5.1. O papel da mulher
As reflexões sobre o apostolado dos leigos nos oferecem a ocasião de insei um necessário
aceno ao papel da mulher na Igreja. Toda a história da Igreja m apresenta as mulheres como
espiritualmente operantes em nível pessoal e colegií
De fato, exercem inúmeros ministérios reconhecidos: pensemos nas missionárias, nas
hospitaleiras, naquelas que se dedicam à assistência doméstica, naquelas que exercem o
magistério como serviço aos irmãos na fé, nas catequistas; pensemos no papel de quem é mãe
e mestra e naquela “igreja doméstica” que é a família etc. Interpelada pelos “sinais dos
tempos”,110 a Igreja no Concilio confirmou a exigência de maiores responsabilidades: “Visto
que nos nossos dias as mulheres tomam parte sempre mais ativa em toda a vida social, é de
grande importância uma mais ampla participação delas também nos campos do apostolado da
Igreja”.111
E o III Sínodo dos bispos proclamou: “Queremos também que as mulheres tenham a
própria parte de responsabilidade e de participação na vida comunitária da sociedade e
também da Igreja. Propomos que este tema seja examinado profundamente, com meios
adequados, por exemplo através de uma comissão mista composta de homens e mulheres, de
religiosos e leigos, de diversas condições e competências”. 112 Isto foi feito com a Comissão
criada por Paulo VI em 3 de maio de 1973, cujo mandato foi prolongado até 1976,

103.
104.
105.
106.
107.
108.
109.
110
.
111).
112
coincidindo com o Ano Internacional da Mulher.113
Esta determinação solene já desencadeou um movimento de evolução ainda em
andamento... Já são muito numerosas as comunidades cristãs que se beneficiam do empenho
apostólico das mulheres. Algumas dessas são chamadas a tomar parte nas instâncias da
reflexão pastoral, tanto em nível de Dioceses como em escala paroquial; a Santa Sé admitiu
mulheres em alguns de seus organismos de trabalho. 114 Como resposta à instância de
participação nas celebrações litúrgicas e nos sacramentos, foram admitidas as mulheres como
“Ministros extraordinários da S. Eucaristia. 115 Mas, diante das discussões sobre a admissão
das mulheres na ordenação sacerdotal, a S. Congregação para a doutrina da fé lembrou que “a
Igreja Católica, por fidelidade ao exemplo do seu Senhor, não se considera autorizada a
admitir as mulheres à Ordenação Sacerdotal” 116 A igualdade fundamental dos batizados, que é
uma das grandes afirmações do Cristianismo, não é identidade, no sentido de que a Igreja é
um corpo diferenciado, no qual cada um tem sua função. A missão das mulheres na Igreja e
na sociedade nem por isso é menor e menos eficaz: o seu papel será determinante tanto para a
renovação e humanização da sociedade, como para a redescoberta, entre os crentes, do
verdadeiro rosto da Igreja.121*
5.2. AÁ formas do apostolado
Os fiéis podem exercer o apostolado individualmente — apostolado pessoal — ou
reunidos em comunidades ou associações — apostolado organizado.
“O apostolado individual que promana exuberantemente da fonte de uma vida
verdadeiramente cristã (cf. Jo 4,14) é o princípio e a condição de todo o apostolado dos leigos,
mesmo do apostolado organizado, e nada pode substituído! ” 117 118 Este é particularmente
necessário naquelas regiões onde a liberdade da Igreja é gravemente dificultada, e nas regiões
em que os católicos são poucos e dispersos.119
Mas, considerando que o homem é por sua natureza social, e que aprouve a Deus reunir os
crentes em Cristo para fazer deles o povo de Deus, “O apostolado organizado corresponde,
portanto, de modo feliz às exigências humanas e cristãs dos fiéis e ao mesmo tempo
apresenta-se como sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo que disse: ‘Onde estão
dois ou três reunidos em meu nome, aí estou no meio deles’”. 120 Grande é a variedade de
associações de apostolado, e dos fins para os quais elas podem constituir-se, e que fornecerão
a base natural para serem eclesiais, e para serem reconhecidas como tais pela autoridade
eclesiástica.121 Garantindo o caráter peculiar, em ordem aos fins, a qualidade dos membros
(leigos ou clérigos) não incide na natureza da associação, que será privada, se é o resultado do
exercício da autonomia privada que compete a todos os fiéis na órbita da própria esfera
pessoal. Consequentemente, a natureza pública ou privada não pode proceder da qualidade
dos membros, mas deve ser buscada mais precisamente no caráter institucional ou não dos
seus fins: serão associações públicas aquelas que forem constituídas para desenvolver os fins
institucionais da sociedade eclesiástica, enquanto as privadas desenvolvem a atividade da
esfera pessoal dos fiéis.122 Enquanto as primeiras tenderão a uma missão oficial e pública, de

113).
114
115
116.
117.
118.
11917.
120
121
122
colaboração com a hierarquia eclesiástica (fazendo parte da instituição eclesiástica e agindo in
nomine Ecclesiae), as segundas agem em nome próprio e a sua atividade não pode
comprometer em nada a Igreja oficial. Logicamente deste caráter dos seus fins deriva a sua
diferente constituição e regime.123
5.3. Iniciativa dos fiéis e autoridade eclesiástica
Já explicamos a relação liberdade-autoridade, lembrando os princípios fixados pelo
concilio Vaticano II, princípios que, a respeito da iniciativa privada dos fiéis, podem ser
sintetizados nestes pontos capitais.
— A hierarquia tem uma função ministerial, a serviço da pessoa; deve, no seu aspecto
jurídico de ordenação da vida eclesial, respeitar a liberdade dos fiéis no cumprimento de sua
missão;1’5
— Além de respeitar a liberdade e a iniciativa dos fiéis, a hierarquia tem a obrigação de
promovê-las e suscitá-las (função subsidiária), estimulando a responsabilidade de todos na
aceitação dos próprios compromissos eclesiais;1'6
— A função subsidiária, que cabe de modo especial aos bispos, refere-se tanto ao
apostolado individual como ao organizado, no setor das associações dos fiéis: “Inculque-se
insistentemente que todos os fiéis, segundo a sua condição e capacidade, têm o dever de fazer
apostolado, e se lhes recomende participar e dar apoio às várias obras do apostolado dos
leigos, e especialmente à Ação Católica. Além disso, sejam incrementadas e favorecidas as
associações que direta ou indiretamente tendem aos fins sobrenaturais; ou seja, à consecução
de uma vida mais perfeita, ou à propagação do Evangelho de Cristo entre todos os homens, ou
à difusão da doutrina cristã e ao incremento do culto público, ou a escopos eclesiais, ou ao
exercício de obras de piedade e de caridade’'.1'7
A co-responsabilidade da missão da Igreja é garantida por um direito que cabe aos bispos
reconhecer: “No exercício desta atividade pastoral, respeitem as tarefas que competem a seus
fiéis nas coisas de Igreja reconhecendo-lhes o dever e também o direito de colaborar
ativamente na edificação do Corpo Místico de Cristo”.1”*
Cuidado especial merece o reconhecimento da liberdade que compete a todos em matéria
temporal.1’9
Finalmente, a necessidade de garantir a liberdade e a iniciativa dos fiéis exige uma
regulamentação do poder próprio, ordinário e imediato que os bispos possuem na Igreja,
estabelecendo limites racionais para o seu exercício.1*’
Para concluir esta breve enumeração dos princípios conciliares cm torno da iniciativa
privada dos fiéis em suas relações com a autoridade eclesiástica (princípio de subsidiaridade,
princípio de co-responsabilidade na missão da Igreja, princípio de autonomia nas realidades
temporais, princípio da regulamentação do exercício do poder), nada é mais oportuno do que
uma citação do mesmo concilio Vaticano II, de consequências incalculáveis (e até agora
inexploradas) no campo jurídico: “Que sejam abertos a eles, pois, todos os caminhos para
que, segundo 124 125 126 127 128 129 as suas forças e as necessidades dos tempos, participem também
eles, ardorosamente, na tarefa salvadora da Igreja”130

123
124
125.
126.
127.
128
129.
130
O mesmo critério que regula as relações entre os fiéis, individualmente considerados, e a
autoridade eclesiástica, deve presidir as relações entre esta e as associações com
personalidade privada. Este critério, como expressão do princípio de subsidiaridade, é assim
resumido pelo Decr. Apostolicam actuositatem: ‘‘Pertence à hierarquia fomentar o apostolado
dos leigos, dar princípios e auxílios espirituais, ordenar para o bem comum da Igreja o
exercício do mesmo apostolado e exercer vigilância para que a doutrina e a ordem sejam
observadas”.131 Nele se traduz o conteúdo essencial do dever e do direito de vigilância que
cabe aos bispos sobre os fiéis que estão sujeitos à sua jurisdição. Essa vigilância geral,
segundo a norma do direito atualmente em vigor, se refere especialmente aos seguintes
aspectos:
a) Erigir a observância das leis eclesiásticas, que só não serão aplicadas nos casos
estabelecidos pelo direito (can. 336,l).132
b) Vigiar para que não se introduzam abusos na disciplina eclesiástica, sobretudo no que
se refere à administração dos sacramentos e sacramentais, ao culto de Deus e dos santos, à
pregação da Palavra divina, às santas indulgências, ao cumprimento das pias vontades (can.
336,2); e corrigir os abusos que porventura se introduzirem.
c) Zelar pela pureza da fé e dos costumes do clero e do povo de Deus (can. 336,2).
d) Procurar que a educação cristã que é ministrada nos centros de ensino esteja de acordo
com os princípios da doutrina católica (can. 336,2).
e) Para satisfazer todas estas exigências, os bispos têm a obrigação de visitar a diocese
(can. 343,1). Este dever-direito de visita, que se estende também às associações dos fiéis,
salvo especial privilégio (can. 690,1), deve ser compatível com a autonomia própria das
associações privadas, às quais se poderia atribuir o limite que o can. 690,2 impõe ao direito de
visita: a visita não deve estender-se às coisas referentes à disciplina interna ou à direção
espiritual da associação.
Em resumo, trata-se de harmonizar o dever de vigilância e de visita que o direito comum
atribui à autoridade eclesiástica, com a autonomia privada das associações, segundo o âmbito
que os estatutos aprovados pela mesma autoridade eclesiástica determinam. Neste sentido é
preciso considerar também os princípios que a doutrina conciliar propõe para que se realize
uma oportuna coordenação entre as atividades apostólicas. Esses princípios, enquanto
recomendam que “em toda diocese e em cada uma de suas partes estas obras de apostolado
sejam oportunamente coordenadas e intimamente unidas entre si, sob a direção do bispo... de
modo que tendam a uma ação concorde”, 133 exigem também, ao mesmo tempo, “uma estima
mútua entre todas as formas de apostolado na Igreja e uma conveniente coordenação, no
respeito pela natureza própria de cada uma”.'45
As diversas formas (institucionais ou comunitárias) de realizar a missão da Igreja
convergem todas na unidade do fim perseguido e não podem atentar contra a comunhão
hierárquica que vigora na Igreja. A defesa da unidade da Igreja é um dos valores mais
importantes tutelados pelo direito.
6. Pessoa e ordenamento no direito processual e administrativo da Igreja
O III Sínodo dos bispos, lembrando o testemunho da Igreja no que tange à reafirmação
dos direitos fundamentais do fiel, tem o cuidado de precisar: “O procedimento judiciário deve
conceder ao acusado o direito de conhecer os seus acusadores, como também o direito de uma
adequada defesa. Para ser completa, a justiça deve incluir a rapidez do processo. Isto é

131
132.
133 Decr. Christus Dominus, n. 17.
exigido, de modo particular, nas causas matrimoniais”. 144 134 135 O pedido dos bispos de que
seja tutelada a pessoa nos seus direitos subjetivos, não só no seu conteúdo substancial, mas no
âmbito do desenvolvimento do procedimento judiciário, nos leva a ilustrar a evolução da
doutrina e da legislação canônica também neste setor específico.136 137
Certamente no ordenamento canônico, que deve tender ao fim da comunhão entre os
crentes, é dada especial relevância à situação das pessoas chamadas a juízo. Os processos não
podem ser sempre evitados mas também nas causas criminais “le juge eclésiastique regarde
toujours 1‘homme sauvé par le sang du Chist et convoqué aux noces de l‘Agneau”. l4K Convém
recordar aqui a fundamental orientação medicinal do sistema penal, como também a
preocupação de prevenir e de reparar o escândalo. Por isso muita coisa é deixada à
consciência pessoal do juiz, que não só deverá ter presente que “a exigência primária da
justiça é respeitar as pessoas”138 mas, para além da justiça, ele deverá tender à equidade, e,
para além da eqüidade, à caridade.139
Nesta linha historicamente testada e vivida experiencialmente, no concilio Vaticano II se
havia estabelecido que “com todos é preciso agir segundo a justiça e a humanidade”, 140 e,
mesmo para a sociedade civil, se havia falado de um “ordenamento jurídico positivo, que
organize uma oportuna repartição das funções e dos órgãos do poder, juntamente com uma
proteção eficaz e independente dos direitos”. 141 A Comissão Pontifícia para a revisão do
código considerou depois que “uni- cuique christifídelium iura agnoscenda ac tuenda sunt”, 142
e afirmou também que a desconfiança para com a administração eclesiástica não pode ser
eliminada a não ser através da instituição de tribunais administrativos, de diverso grau, “ut ius
suum, quod quis ab inferiore instantia laesum reputet, in superiori restaurari efficaciter
possit”.
Tendo em vista tais pressupostos e devendo-se proceder a uma reforma da Cúria, a
constituição Regimini Ecclesiae Universae (= R.E.U.) estabeleceu que fosse instituída uma
segunda seção no Supremo Tribunal da Segnatura Apostólica, com a competência de dirimir
as “contentiones... ortas ex actu potestatis administrativae ecclesiasticae, et ad eam, ob
interpositam appellationem seu recursum adversus decisionem competentis Dicasterii, delatas
quoties contendatur actum ipsum legem aliquam violasse”.143
O card. Staffa, prefeito da Segnatura, não hesitou em definir esta segunda seção como um
tribunal administrativo não-judicial.144
134 Decr. Apostolicam actuositatem, n. 23.

135 “De iustitia in mundo” cit.. AAS. 63 (1971). 934.

136 Cf. Quarta Mesa Redonda sobre "Persona e ordenamento nel diritto amministrativo delia Chiesa" em Atti..., cit. 351-458; P.V. Pinto.
La giustizia amministrativa delia Chiesa, Milão. Giuffré 1977 (amplamente documentado e atualizado!).
137 Andriueu-Guitrancourt, o.c., 22.

138 L. Bouyer, L^glise de Dieu. Corps du Christ et temple de PEsprit, Paris, Editions du Cerf, 1970, 599: “Na Igreja, como fora da Igreja:
por mais indispensável e preciosa que a lei seja, jamais deve ser vista pela própria Igreja a não ser nas perspectivas da caridade, apoiando-se necessariamente na
justiça, ainda que ultrapassando-a sempre. A Igreja deve, pois, ser a primeira a lembrar-se de que a principal exigência da justiça é respeitar as pessoas, as únicas
que podem tomar-se sujeitos da caridade, mas não são respeitadas a partir do momento em que são oprimidas, ainda que com as melhores intenções”.
139 P. Andrieu-Guilrancourt, o.c.. 22: “Mas como, de um lado, o juiz eclesiástico representa a Igreja de Cristo, ele deverá, em qualquer
hipótese, lembrar-se de que deve ser misericordioso. Por isso, em sua atividade há uma parte considerável deixada ao julgamento pessoal. Para além das regras
da justiça simples, deverá ter em vista a eqüidade. e, para além da eqüidade. a caridade, uma caridade que não será uma fraqueza aconselhada
alguma tendência complacente, mas um meio razoável, inspirado por Deus, de praticar a justiça sem contudo perturbar esta caridade, a ordem social... A
ordem pública na Igreja é portanto rica em ensinamento. Mas não <e pode compreender isto se não se pensa que o canonista. para além dos cânones, frutos da
experiência secular da Igreja, vê perfilar-se diante dele a silhueta de Cristo, que foi justo e misericordioso, criador de uma sociedade uridica e, ao mesmo tempo,
pastor de almas”.
140 Declar. Dignitatis humanae, n. 7.

141 Const. past. Gaudium et spes. n. 75.

142 Pontifícia Commissio CIC recognoscendo, Principia quae CIC recognitionem dirigant. em “Commu- nicationes”, 2 (1969). 82ss.

143 Paulo VI. Const. Regimini Ecclesiae Universae, de 15-8-1967, em AAS. 59 (1967). 921-22. Para uma oportuna documentação e adequada
bibliografia cf. I. Gordon-Z. Grocholewski. Documenta recentiora circa rem matrimonialem et processualem, Romae. PUG. 1977, 369-398.
144 D. Staffa. De Supremo Trihunali Administrativo seu de secunda Sectione Supremi Trihunalis Signaturae Apostolicae, em “Periódica",
Para além das discussões sobre a distinção entre “direitos subjetivos” e “interesses
legítimos” ou da insistência com que se propugna a necessidade de uma expressa introdução
de tal distinção no ordenamento canônico, para reforçar a tutela das posições privadas diante
dos poderes das administrações,145 é importante sublinhar a virada levada a cabo pela reforma
da Cúria. Não há dúvida de que a reforma quis reconhecer uma maior tutela na jurisdição do
indivíduo contra os atos da autoridade administrativa, sem subtrair aos órgãos administrativos
as controvérsias nas quais a administração se inclui. O legislador criou um órgão que pudesse
exercer um controle de legalidade sobre a atividade administrativa, que se exerce sobre os
atos da Cúria Romana, e que, quando forem instituídos os tribunais inferiores, se estenderá
também às atividades das autoridades inferiores.146 147
Diz Gordon que o novo órgão criado pela R.E.U. é “fruetus genuinus huius plurisecularis
directionis, tendentis semper ad meliorare tuitionem sive iurium sive administrationis”. 15*
No caso em que a Pública Administração da Igreja, ou os prelados, superiores, oficiais
dela violem um direito subjetivo do fiel, sem dúvida existe a obrigação da reparação. É
desejável que o responsável pelo prejuízo e o prejudicado cheguem a um entendimento, e que
a reparação se estenda de modo eficaz também aos danos morais e espirituais. Mas se não for
possível um entendimento pacífico e caridoso entre o responsável pelo dano e o prejudicado,
este pode defender o seu direito servindo-se do recurso hierárquico.
E certo que desde o século XII até a Sapienti Consilio (1908) era possível levar ao
contencioso ordinário os conflitos do direito subjetivo entre os privados e a Pública
Administração eclesiástica, usando a chamada “appellatio extraiu- dicialis”; 148 e depois da
Sapienti concilio até a R.E.U. (1967) eram igualmente levados às Congregações Romanas
(C.I.C., can. 1601).
Agora, pela promulgação da norma institutiva do tribunal, deduz-se que o ato
administrativo, qualquer que seja a autoridade inferior do qual provenha e com a simples
condição de que contra ele foi experimentado um prévio remédio do recurso à Congregação
competente, pode ser objeto de sindicância de legitimidade por parte da “Sectio altera”. 149
Parece bastante evidente, no espírito que animou a Constituição, que a locução “aliquam
legem violasse” não deve ser interpretada no sentido literal de “violação de lei”, mas no
sentido mais amplo de impugnação de legitimidade na clássica partição da incompetência, da
violação de lei e do excesso de poder.150
Nem se opõe a isso a resposta de 22 de janeiro de 1971 da Comissão para a interpretação
autêntica dos decretos do Concilio Vaticano II.151 O error iuris sive in procedendo sive in
decernendo deve ser entendido em sentido lato como compreensivo do defeito de averiguação
dos pressupostos além de eventuais casos de extrapolação de poderes.152
Para a competência dos tribunais administrativos sugere-se aumentar o mesmo poder
sobre a legitimidade do ato, visto que, além do direito de ver se o mesmo ato violou alguma

61 (1972), 21.
145 Cf. M. Petroncelli, Persona e ordinamento nel diritto amministrativo, em Atti... cit.. 408-41 1.

146 Sobre os Tribunais Administrativos cf. Documenta recentiora cit.. 350-349. Cf. também PUG. Conventus Inlernationalis Iuris
Canonici, Romae, 14-19 de fevereiro de 1977: "De organismis iustitiae administrativae in Ecclesia”.
147 I. Gordon. De iustitia administrativa ecclesiastica tum transado tempore tum hodierno, em "Periódica". 61 (1972), 3972. 375-76.

148 Gordon, a.c.. nn. 10-28.

149 Petroncelli, a.c., 413-14. Ver Norniae speciales in Supremo Tribunali Signaturae Apostolicae ad experimentum servandae, Typis
Polyglottis Vaticanis, 1968: “De Sectione Altera”, art. 96-126.
150 Petroncelli. a.c., 414; cf. Pinto, o.c.. cap. V: “La legis violatio”, 127-193.

151 A Comissão Pontifícia de interpretação autêntica teve ocasião de examinar o problema relativo à explicitação do conceito de /egís
violatio, e, numa resposta de 11-2-1971. ao terceiro quesito que lhe foi apresen- tado (“quid intelligendum sit per comma quoties contendatur actum ipsum legem
aliquam violasse...”) afirmou “pro violatione legis intelligi errorem iuris sive in procedendo sive in decernendo”; cf. Pontifícia Commissio Decretis Concilii
Vaticani II Interpretandis, Responsa ad proposita duhia, em AAS, 63 (1971), 329-330.
152 Petroncelli. a.c., 414; cf. I. Gordon, Persona e ordinamento nel diritto amministrativo, em Atti... cit.. 400-401.
lei, se desejaria atribuir o poder de verificar se foram respeitados os princípios gerais do
direito e da eqüidade canônica e se na provisão impugnada se encontram motivos fundados e
racionais para tê-la emanado.
Diante do surgimento de um aparato de tribunais administrativos ao lado da Segnatura
Apostólica, como tribunal central e supremo, e diante dos entusiasmos pela jurisdição
administrativa de legitimidade, há quem tenha mostrado perplexidade e tenha denunciado
possíveis perigos, sobretudo com relação ao incremento da litigiosidade e à perturbação da
comunhão eclesial, pela rivalidade entre as Igrejas locais ou os órgãos inferiores e a S. Sé. 153
Mesmo reconhecendo a problemática levantada pelas inovações mencionadas, convém
recordar que a Igreja se propôs oferecer, no que se refere à atividade administrativa, um
sistema de garantias para todo aquele que pertence ao povo de Deus, qualquer que seja o
coetus de que faz parte, de modo a demonstrar, também através da instrumentação jurídica,
como a pessoa particular tem um valor superior e como para a sua defesa se mova toda a
comunidade eclesial a que ela pertence.
A igreja requer hoje um direito canônico coerente com o Espírito do concilio Vaticano II,
e portanto, a sua legislação, além de constituir um conjunto de normas às quais se deve
incondicionado respeito, destina-se a garantir ao indivíduo uma liberdade que o tutele diante
de eventuais abusos de poder. A norma não pode ser observada apenas pelos súditos, mas é
preciso que seja efetivamente regra de vida e por isso de comportamento para os que são
governados e da mesma forma para os que são investidos de poder. A disciplina eclesiástica
deve constituir um conjunto de normas jurídicas que, mesmo inseridas num contexto
hierárquico, devem tutelar os direitos de todos os fiéis e indicar no plano concreto as
responsabilidades de cada um, de modo a favorecer a possibilidade de uma vida eclesiástica
livre e ordenada.
Conclusão
No fim destas reflexões sobre as relações entre pessoa e estrutura na Igreja e sobre o
reconhecimento dos direitos fundamentais do fiel, devemos resumir as principais afirmações
que foram feitas e indicar a função do ordenamento canônico para o desenvolvimento integral
da vocação do homem.
Na experiência existencial da Igreja, unidade e variedade (ou também unidade e
pluralismo), comunhão e personalismo são notas co-essenciais e complementares. 154 Na
tensão histórica por uma equilibrada integração de valores, pôde- -se às vezes acentuar mais a
"comunhão hierárquica” ou “a ordem social” com prejuízo da autonomia da pessoa, mas a
Igreja nunca deixou de proclamar a “dignidade da pessoa humana, como se conhece tanto por
meio da palavra de Deus, revelada, como através da própria razão”. 155 Mais ainda, fazendo-se
“voz de quem não tem voz”, resgatou de toda forma de opressão as “miserabiles personae”, 156
denunciando as situação de injustiça quando os direitos fundamentais do homem e a sua
própria salvação o exigiam.157
A Igreja reconhece que tem “uma própria e específica responsabilidade, que se identifica
com sua missão de dar diante do mundo testemunho da exigência de amor e de justiça, como
está contida na mensagem evangélica, testemunho que deve, depois, encontrar eco nas
mesmas instituições eclesiais e na vida dos cristãos".w>

153R. Baccari. Persona e ordinamento nel diritto amministrativo, em Atti... cit.. 435-440.
154 Const. dogm. Lumen gentium, nn. 32, 13. 4! etc., e relativos comentários.

155Decl. Dignitatis humanae, n. 2.


156 Para uma retrospectiva histórica pode-se ver Bento XIV, De Synodo Dioecesana, IX. 9.10. Cf. também "de iustitia in mundo’* cit.. em
AAS. 63 (1971). 928.
157 Cf. “De iustitia in mundo*’, l.c., 932. Tal é atualmente a tarefa atribuída à Pontifícia Comissão “Iustitia et Pax”: cf. Paulo VI. Motu
proprio Iustitiam et pacem, de 10-12-1976, em AAS. 68 (1976), 700-703. Ver <>s documentos dos Episcopados, sempre mais numerosos neste sentido: II
Regno/Documenti, passim.
Por isso proclama inequivocamente: “Devem ser respeitados os direitos no seio da
Igreja”.158 159
Esta opção fundamental, que representa uma tomada de consciência da “Igreja
hierárquica”, corresponde perfeitamente ao dinamismo da caridade teologal, que é “raiz e
fonte da Igreja e de tudo o que constitui a natureza de tal sociedade, com a sua vital
organicidade e com o seu ordenamento característico”.160
Com efeito, “o amor implica a absoluta exigência de justiça, ou seja, o reconhecimento da
dignidade e dos direitos do próximo; a justiça, por sua vez, alcança a sua inteira plenitude
unicamente no amor”.161
Disso resulta que todo o ordenamento canônico deverá ser permeado pela caridade, como
princípio interior que guia a Igreja no seu agir. Descrevendo como deverá ser o novo direito
canônico, PauloVI quer que esta animação da caridade se manifeste sempre mais na disciplina
visível, exterior e social da Igreja, “com que conseqüências é mais fácil entrever do que
dizer”. Ver-se-á no direito canônico “não tanto uma lei dominante, uma expressão do poder
autocêntrico, uma imposição despótica e arbitrária, mas antes uma norma que tende
principalmente a interpretar uma dupla lei, aquela superior, divina, e aquela interior, moral, da
consciência, e por isso norma promotora e protetora, equilibradora — visto que é possível à
condição humana — dos direitos e dos correlativos deveres, da liberdade e da
responsabilidade, da dignidade da pessoa e ao mesmo tempo da soberana exigência do bem
comum”.162
Com efeito, é certo que, se se entra na Igreja com a fé e o batismo, a unidade à qual os
crentes são chamados é uma comunhão na caridade, dom do Espírito Santo, o qual “habita na
Igreja e no coração dos fiéis como num tempo... unificando-a na comunhão e no
ministério”.163 Ora, é precisamente a caridade que, por sua natureza, “desenvolve nos
indivíduos uma imensa abertura aos próprios semelhantes e tende a estabelecer neles um
vínculo social e uma íntima comunhão”. 164 E, de fato, a encontramos, como princípio de
associação extremamente ativo, na origem, não só da Igreja, mas também das várias
comunidades ou grupos constituídos para orar e trabalhar juntos, para exercer a beneficência
das maneiras mais variadas e desenvolver em todas as direções uma rede de verdadeiras
relações intersubjetivas que não são deturpadas de forma alguma pelo fato de que tendem, em
última instância, a alcançar o fim escatológico da Igreja.
E evidente que essa animação da caridade favorece, no ordenamento canônico, a tutela e a
promoção da pessoa, já que, segundo a filosofia personalista “o amor é o ato constitutivo da
personalidade perfeita, é também o ato q verdadeira comunidade das pessoas”.
A identificação e a proteção dos direitos fundamentais do fiel, n relação entre iniciativa do
fiel e papel da autoridade eclesiástica, só po duzir frutos de justiça e de eqüidade e, sobretudo,
favorecer um cre orgânico da vida e da comunhão eclesial “para que o mundo creia.”

BIBLIOGRAFIA
Observação: Para não repetir a ampla bibliografia citada em nota, taremos aqui apenas as
obras mais importantes, buscando assim subi utilidade para quem quiser aprofundar o nosso

158 “De iustitia in mundo”. I.c.. 932.

159 Ibidem. 933.

160 C. Riva, La “caritas" sorgente dell’ordinamento delia Chiesa, em Rosmini, col. Biblioteca “Monitor Ecclesiasticus”, 39, Nápoles.
D’Auria. 1973. 6.
161 “De iustitia in mundo”, l.c.. 931.

162 Paulo VI, Discorso al Congresso Internazionale di Diritto Canonico di Roma, de 20-1-1970. em .AAS. 62 (1970). 109.

163 Const. dogm. Lumen gentium, n. 4.

164 Riva. o.c.. 5.


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