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FILOSOFIA

Michel Foucault: as ideias de


poder e a filosofia do
pensador francês
Um dos maiores pensadores do século 20
explica como o poder disciplina nossos corpos
e mentes

5 min de leitura

Nathan Fernandes
12 Set 2019 - 18h14 | Atualizado em 12 Set 2019 - 18h33

Pintura do filósofo francês Michel Foucault (Foto:


Flickr/thierry ehrmann/Creative Commons)

Em outubro de 1975, o filósofo francês Michel


Foucault estava em São Paulo para ministrar
um curso sobre a história da sexualidade, na
Universidade de São Paulo (USP), quando
agentes da ditadura militar iniciaram uma série
de prisões de alunos, professores e jornalistas.
Os estudantes organizaram uma assembleia em
protesto e contaram com o apoio do famoso
pensador, que cancelou o curso em
solidariedade à situação.

“Uma universidade que não é plenamente livre


não passa de uma empresa de servilismo. Não
dá para lecionar sob o tacão das botas; não dá
para falar diante dos muros das prisões; não dá
para estudar quando as armas ameaçam. A
liberdade de expressão e de pesquisa são
sinais de garantia de liberdade dos povos. (...)
Saiba a Universidade de São Paulo que sua luta
hoje relaciona-se à luta pela liberdade em todos
os países do mundo. Presto minhas
homenagens à sua coragem e me associo de
bom grado às decisões que vocês possam
tomar para conseguir que a justiça aqui não
seja uma palavra ultrajada”, afirmou ele em um
pronunciamento, registrado no livro Impressões
de Michel Foucault (n-1 Edições), de Roberto
Machado, professor do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e amigo do filósofo
francês.

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Dois dias depois do pronunciamento, o


jornalista Vladimir Herzog foi assassinado nos
porões do Destacamento de Operações de
Informação - Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-CODI). Foucault, então, cancelou o
curso que daria e, em protesto, afirmou que não
ensinava em países onde jornalistas eram
torturados e mortos nas prisões.

A posição de um dos maiores intelectuais do


século 20 em relação à ditadura reflete o
fascínio que ele tinha por um tema, que era
recorrente em sua obra: as relações de poder.

“O poder em Foucault não é uma divindade


filosófica”, escreve no periódico online Aeon
Colin Koopman, professor de filosofia da
Universidade do Oregon, nos Estados Unidos.
“A afirmação mais crucial de Foucault sobre o
poder é a de que devemos nos recusar a tratá-
lo como os filósofos sempre trataram seus
temas centrais, como uma coisa unitária e
homogênea que é tão familiar consigo mesma
que pode explicar todo o resto.”

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Apesar de ser bastante associado ao conceito


de poder, Foucault jamais forneceu uma teoria
unificada sobre o tema. Seu trabalho recai mais
sobre a análise do tema e seus reflexos na
sociedade, oferecendo uma visão única.

SAIBA MAIS

Aprenda os conceitos de
Foucault com as Spice
Girls

Para compreender o que Foucault entendia por


“poder” é preciso ter uma ideia de como os
filósofos antes dele interpretavam o conceito: o
pai da sociologia, Max Weber, por exemplo,
acreditava que o poder do Estado consistia no
“monopólio do uso legítimo da força física”; já o
inglês Thomas Hobbes acreditava na
possibilidade de um “Estado Soberano”, em que
todos abdicariam de sua liberdade em favor da
paz civil, e chamou isso de Leviatã.

Seguindo a lógica hobbesiana, Foucault


concebia a ideia de violência exercida pelas
corporações sobre os trabalhadores; da
violência dos homens sobre as mulheres no
patriarcado; e da violência dos brancos sobre os
negros através do racismo estrutural. Para ele,
essas demonstrações de força são amostras do
poder soberano descrito por Hobbes. Mas ele
duvidava que o poder só poderia assumir uma
forma única, e chegou a propor outras formas
que podem coexistir ou mesmo entrar em
conflito umas com as outras.

No livro em que disserta sobre como a


sexualidade persiste em uma sociedade que a
reprime, História da Sexualidade, Volume Um, o
filósofo apresenta uma dessas formas de poder:
o biopoder, o qual não proíbe o sexo, mas o
reduz a questões de reprodução e saúde. Para
ele, a ideia de classificar a homossexualidade
como “perversão”, no século 19, por exemplo,
foi uma manifestação desse biopoder.

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O filósofo Michel Foucault (Foto: Divulgação)

O filósofo Michel Foucault (Foto: Divulgação)

Em Vigiar e Punir, uma de suas obras mais


influentes, Foucault apresenta outra forma de
poder: o poder disciplinar. Segundo suas
análises históricas e filosóficas, a disciplina é
uma maneira de fazer as pessoas se
adequarem a uma determinada norma. Ao
contrário da soberania, que derruba quem não a
obedece, a disciplina se baseia em outras
formas de agir. “Ela trabalha de maneira mais
sutil, com um cuidado requintado, a fim de
produzir pessoas obedientes”, explica
Koopman. “Foucault chamou os produtos
obedientes e normais da disciplina de 'sujeitos
dóceis'.”

Para representar essa forma do poder


disciplinar, Foucault usou como exemplo o
antigo e quase esquecido conceito de
“Panóptico”, criado pelo filósofo Jeremy
Bentham, no século 19. A ideia consiste em um
modelo de prisão, no qual todas as celas estão
arranjadas em forma circular. No meio do
círculo, uma torre alta é colocada, de forma que
quem esteja lá consiga ver o interior das celas.
Mas, apesar de conseguir ver a torre, quem
está dentro das celas não consegue perceber
se está sendo vigiado ou não, por conta do
modelo da janela (parecido com uma persiana).
Com isso, os prisioneiros passam a se auto
vigiar e a evitar cometer infrações porque nunca
sabem se há alguém olhando ou não.

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SAIBA MAIS

Friedrich Engels: 5
reflexões para entender o
pensamento do filósofo

A não ser por testes isolados, esse conceito de


prisão nunca saiu do papel, mas ajudou
Foucault a entender que uma pessoa não
precisa estar trancada em uma cela para ser
submetida a esse tipo de poder disciplinador e
vigilante do Panóptico. Em Vigiar e Punir, ele
questiona: “É surpreendente que prisões se
pareçam com fábricas, escolas, quartéis e
hospitais?”.

Complexa e provocativa, a obra de Foucault


permanece como uma das mais importantes
contribuições da filosofia para os dias de
hoje. Além das relações de poder, a obra do
filósofo francês também traz ensinamento sobre
a própria vida. “Aqueles que temem a liberdade
acham Foucault muito arriscado. Mas aqueles
que estão dispostos a decidir hoje o que deve
começar a ser entendido como liberdade
amanhã, acham-no (...) libertador”, escreveu
Koopman. “A abordagem de Foucault em
relação ao poder e à liberdade, portanto, é
importante não apenas para a filosofia, mas
também em como a filosofia pode contribuir
para a mudança de ordem das coisas nas quais
nos encontramos.”

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12 Set 2019 - 18h14 | Atualizado em 12 Set 2019 - 18h33

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