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FOUCAULT EM SOBREVÔO
Hélio Rebello Cardoso Jr

1. Introdução: em quê um filósofo afeta nossa vida? - temas da obra de Foucault


Aristófanes, comediógrafo grego da Grécia clássica, escreveu uma comédia para
retratar Sócrates e assim, fornecer um retrato da estranha vida dos filósofos. Este texto
chama-se As Nuvens. (1996) O filósofo quer falar sobre o céu, mas caba se entretendo com
as nuvens e perde-se em devaneios, ao invés de falar diretamente sobre o céu. Sua
imaginação perde-se na viagem perceptiva que o movimento das nuvens provoca, e o
filósofo se esquece que o objeto era o céu.
Essa imagem corriqueira é a que temos do filósofo. Filosofar quer dizer devanear, se
perder em conjecturas, sem nunca chegar ao ponto. É a imagem que temos do filósofo: o
homem sério que contempla com abnegação ou o devaneador que faz as vezes de imbecil
ou louco. Gostaríamos que o filósofo se desviasse menos do caminho, que seguisse mais
reto e dissesse logo o que tem a dizer, sem rodeios. O filósofo exaspera-nos quando lemos
seus textos, pois ele, no fundo, quer dizer coisas simples, mas acaba encontrando o simples
por caminhos tortuosos e complicados. Ler filosofia é bom, enriquece e alimenta o espírito,
desde que os livros filosóficos passem por uma máquina descomplicadora.
É obvio que as nuvens que envolvem o personagem do filósofo, de que fala
Aristófanes, podem servir como uma espécie de desabafo sobre a exasperação que os
filósofos provocam em nós, mas podem servir igualmente como um manifesto por aquilo
que os filósofos fazem de verdade. Isto é, eles vêem o mundo, a realidade, não como um
céu fixo, mais ou menos preso a leis astronômicas, mas como nuvens que nos convocam a
seguir sua eterna mutação. Das nuvens não podemos, nem mesmo exigir que elas
mantenham a semelhança que esboçam (e logo perdem), com o que quer que seja.
(ORLANDI, 1994, p. 78-79)
Foucault foi um filósofo que nada teve a ver com as nuvens, embora seja um
pensamento complexo, o qual exige aprendizado como se, com ele, adquiríssemos a
capacidade de falar uma nova língua. Em primeiro lugar, não se parecia com um homem
contemplativo, pois nós adoramos pensar que um filósofo reparte com os ascéticos a
abnegação pelos valores superiores e eternos. Foucault foi um filósofo pouco devaneador,
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não amava as coisas eternas e, sim, as terrenas. Ora, vocês me diriam, ficamos na mesma,
se um filósofo é conhecido por seu caráter risível, às vezes, digno de pena, porque parece
um louco ou um padre ou, mesmo, uma criança, então o que se pode se pode esperar de
Foucault, que não encarna os sempiternos personagens do mundo filosófico?
Para abandonarmos o mundo do senso-comum acerca da filosofia, sem ter de
encontrar o personagem ou a caricatura que Focault encarnaria, devemos, outrossim,
perguntar em quê as idéias de Foucault afetam nossa vida, se elas tem algum efeito prático
na condução de nossa existência cotidiana.
Tal pergunta é fácil de responder, pois não existe nenhum âmbito dos saberes e das
instituições contemporâneas onde as idéias de Foucault não se façam sentir. Estamos de tal
forma embebidos nos problemas filosóficos que Foucault abordou, tal a sua abrangência,
que já não sabemos com clareza que foi ele quem formulou esses problemas. Existe uma
presença anônima de Foucault. Ele retorna impessoal. De certa forma, para ele, é uma
realização, pois diversas vezes declarou como seria bom apagar seu eu, como seria bom que
a individualidade fosse como um rosto desenhado na areia, na beira de uma praia, que uma
onda mais forte viria apagar. (FOUCAULT, 1999a, p. 536)
É justo que façamos a pergunta para Foucault, e de forma direta; em que sua
filosofia afeta minha vida? Em que suas idéias acarretam efeitos práticos sobre minha
existência?
Ora, comecemos pelos indícios. Como dizíamos não há um âmbito da vida
contemporânea em que as idéias de Foucault não se façam, de alguma forma, presentes.
Vamos a exemplos.
Na medicina, em primeiro lugar. Pois bem, Foucault mostrou como se constituía a
clínica, isto é, a maneira pela qual se atribui causa de doenças a partir de sintomas
observados pelos médicos ou descritos pelo paciente, proporcionando o diagnóstico e a
terapia. Tal estudo era inicialmente muito técnico, mas seu trabalho deu um salto prático,
quando Foucault procura mostrar de que modo se constitui a clínica da psique humana, isto
é, a psiquiatria. Até hoje, principalmente quando se trata de políticas públicas voltadas para
a saúde mental, o nome de Foucault é referencia. Dificilmente, um médico, psiquiatra,
biólogo, se bem formado, não ouviu falar de Foucault.
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Um outro assunto que Foucault tem influenciado diretamente nossas vidas, ainda no
terreno da saúde mental, foi no entendimento da loucura. Foucault mostrou que as terapias
da loucura, em qualquer âmbito, eram certamente expedientes que visavam o abrandamento
trazido pelo males psíquicos, mas eram igualmente as formas modernas pela qual se
aprofundava o controle secular sobre o corpo, e não só sobre o corpo do louco. Não há um
hospital psiquiátrico, um psicanalista ou psicólogo cujos escritos foucaultianos acerca da
loucura não tenham trazido matéria-prima para reflexão sobre sua prática e, principalmente,
sobre qual o significado da loucura em nossa sociedade. De um modo geral, a luta por um
tratamento mais digno, o movimento contrário ao aprisionamento do louco em manicômios,
muito em voga hoje em dia, tem referência nos estudos de Foucault.
Um outro campo em que os estudos foucaultianos apresentaram-se com muita
ênfase é formado por todos aqueles que, de alguma forma, lidam com o problema do poder,
em suas formas mais variadas. A esse respeito, Foucault mostrou que as formas de poder
são exercidas, em todas os setores, por dispositivos que se constituem historicamente. Cada
época possui uma “tecnologia geral do indivíduo” particular de controle do corpo.
(FOUCAULT, 2002, p. 351) Em nossa sociedade, o controle sobre o corpo é exercido de
modo automático e silencioso. Desde o final do século XVIII, nossa sociedade tem sido
dominada por uma forma de controle que se denomina “disciplina”. (FOUCAULT, 2003, P.
119) Nos espaços institucionais, nós nos sentimos vigiados constantemente e essa presença
molda nossos corpos e nossa subjetividade. Nesse aspecto, Foucault também nos
acompanha, ele não deixa sossegados os médicos, psicólogos, mas também diretores de
presídio, carcereiros, policiais e todos aqueles que cumprem funções em espaços
institucionais: os professores, os bibliotecários, os administradores, os juízes, advogados,
assistentes sociais, etc.
Por último, podemos dizer que os efeitos do pensamento de Foucault se fazem sentir
bem no interior de nossa consciência, de nossa identidade mais indevassável. Foucault
mostrou que nós não nos tornamos sujeitos hoje como um grego o fazia. A subjetividade é
uma espécie de hábito ou exercício que adquirimos de acordo com certos expedientes que
mudam historicamente. Tais expedientes incidem particularmente sobre o corpo e o prazer.
Neste âmbito, também, Foucault esta em diálogo conosco. Neste caso, como uma espécie
de machado que fende a nossa consciência e nos livra ou nos amofina, conforme o caso, a
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respeito das ilusões que temos a respeito da estabilidade de nossa identidade ou das certezas
do eu.
Foucault, em qualquer caso, não quer que deixemos de pensar. Mas, os efeitos de
suas idéias não estão presentes em nossa vida como se fossem vozes em nossa consciência
ou um tribunal que nos perseguisse a fim de julgar-nos. Em todos esses lugares, Foucault
aparece sempre com a intenção, não de condenar, mas de nos lembrar que o mundo é como
as nuvens, ele não pára de passar. Se a loucura em nosso tempo é uma doença e por isso
deve ser tratada num hospital, em outra época, o louco já andou solto e, pelo contrário, era
visto como aquele dentre todos os seres que pertencia à estrada, ao ar livre, e não ao
confinamento do hospício. Ele nos lembra que se a prisão é um dispositivo correcional que
visa recondicionar o indivíduo pela máxima exposição àqueles que o vigiam, já houve em
outras épocas um regime de punição, a masmorra, cujo princípio de funcionamento era
justamente contrário ao da prisão ou, pelo menos, como esta é concebida nos tratados de
Direito Penal, pois a masmorra faz o corpo mergulhar na escuridão e o torna indistinto dos
outros corpos submetidos ao mesmo regime. Enfim, Foucault está sempre nos lembrando
que podemos mudar como sujeitos, que não paramos de mudar; ele sempre nos obriga a
pensar: o que estamos fazendo de nós mesmos?

2. Um filósofo comprometido com o tempo e a história


É claro que, diante de todos esses exemplos, podemos já extrair algumas
características gerais da obra de Foucault, a fim de que saiamos do âmbito das impressões
genéricas e possamos nos aproximar de algum padrão que nos forneça um primeiro guia ou
uma entrada para a vasta obra de Foucault. Observa-se que, em todos exemplos que
utilizamos para ilustrar o alcance temático de sua obra, a saber, a formação da clínica
médica, as experiências da loucura, os regimes de punição e os modos pelos quais nos
tornamos sujeitos, Foucault enfoca um dos problemas filosóficos básicos e – diria eu –
talvez o mais importante de todos: o do tempo.
Se as indagações de Foucault estão presentes em todos esses âmbitos, de todas essas
maneiras, é porque, em seu pensamento pode se encontrar o curso de uma reflexão sobre o
tempo. Como dizíamos, Foucault não nos questiona, não nos deixa em paz, como se fosse
um delegado, juiz ou um diretor de consciência. Ele não nos julga. Em suas perguntas – o
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que você esta fazendo de si mesmo? - ressoa a seguinte afirmação: que outra coisa estamos
nos tornando. Foucault acredita que tudo esta sujeito ao tempo. Ele não condena, ele diz
que há sinais de vida, se tudo já se alterou tanto, então, isso não vai parar.
Devido a essa problemática central que é o tempo, presente em todos os planos de
sua pesquisa, é que Foucault escreveu muitos livros de história. Foucault precisa da história
para expor suas idéias sobre o tempo. O senso comum sobre a historia diz que o tempo, a
passagem do tempo é organizada por um vetor de sentido. Isto é, por mais que os
acontecimentos aparentem ser caóticos e disparatados existe como que uma razão que os
ordena em direção a algo melhor ou pior, seja para um bem maior como a liberdade
universal do ser humano, seja para o progresso material de nossa civilização, seja para uma
catástrofe que embotaria a própria humanidade.
Ao contrário, Foucault não crê, e escreve textos sobre isso, que a história de todas as
coisas que acontecem com os Homens, seja uma história contínua que se orienta em direção
a um fim. Para Foucault, a história é descontinua, nela pulsam composições de forças que
se fazem e se desfazem, sem que seja possível traçar uma linha de progresso.
Por exemplo, a psiquiatria é vista como uma ciência que veio solucionar o antigo
problema da loucura, que sempre penalizou a humanidade. Mas Foucault mostrou que a
psiquiatria, enquanto ciência participa de uma sensibilidade a respeito da loucura que nem
sempre existiu. E, se é verdade que ela alivia as dores do louco, por outro lado, o trata como
um doente, e para tanto o priva de liberdade. Em contraste com o modo psiquiátrico de
tratar a loucura, Foucault mostrou que os loucos, em outras épocas eram deixados livres.
(FOUCAULT, 1987b, passim) Então em primeiro lugar, ao fazer uma história da
psiquiatria, Foucault mostra que ela não evoluiu de um estágio pré-científico para um
estágio científico. Assim, ela surge de um universo de saber determinado. (FOUCAULT,
1997a, p. 45-47) Foucault demonstra que problemas específicos são levantados pela
qualificação da loucura como doença, pois as formas de diagnóstico não se encaixam nos
modelos da sintomatologia das funções orgânicas (medicina do corpo). (FOCAULT, 1963,
passim) A partir daí, quer dizer a partir do diagnóstico, havia o problema da internação,
porque internar o louco? Pelas suas atitudes? Mas, seu comportamento era mal para a
sociedade ou para si mesmo? Do ponto de vista médico, a questão do internamento era
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então a seguinte: como internar alguém apenas pelo comportamento apresentado, se o


comportamento não é contagioso?
Então, mesmo quando o comportamento do louco não qualificasse uma ação
violenta, isto é, que anulasse a integridade do outro, o médico tenha de dispor de um direito
de internação. Com isso Foucault mostra que toda uma seção do direito é construída com
base numa legislação que estabelece as condições de internação. Foucault, a esse respeito,
detalha que o direito de internação não se alimenta dos grandes tratados de direito
desenvolvidos no século XIX – a era dos hospícios - mas retorna ao direito romano e
escava os dispositivos necessários. O mesmo pode ser dito com relação à utilização da
linguagem na terapia da loucura. É claro que a psiquiatria, antes da industria farmacêutica,
revela Foucault, desenvolveu toda uma série de estudos de anatomia e fisiologia para
tratamento da loucura. Os principais remédios eram o eletro-choque e as duchas frias. Não
se discute o seu efeito terapêutico, o problema é que, se esses estudos anatomo-fisiológicos
procuravam indicar que havia uma certa ligação entre disfunções do organismo e os
sintomas da loucura, logo se percebeu que a linguagem do louco também podia ser uma via
de tratamento, já que era óbvio que o louco era um inventor de linguagens. Começaram os
estudos, então, para se rastrear, na fala do louco, sintomas que permitissem desvendar as
causas dos males psíquicos.
A partir daí, ficava também evidente que o psiquiatra tinha de colocar o louco numa
situação a partir da qual ele falasse, direta ou indiretamente, de suas doenças. O médico
psiquiatra, então, precisava dispor de um método e de um questionário para fazer o paciente
falar, não no sentido do diálogo, mas no sentido de que a exegese, isto é, que o louco
falasse orientado por questões médicas que fornecessem para o psiquiatra pistas para uma
espécie de decifração ou interpretação dos sentidos recônditos da palavra da linguagem do
louco. O médico, de certa forma, surpreendia a loucura falando por detrás da fala
superficial, confusa ou delirante do louco. O médico tem de fazer o louco falar, faz parte do
tratamento. Foucault mostra que a psiquiatria, a este respeito, vai recuperar e reestruturar
toda uma técnica confessional que a igreja desenvolvera no final da idade média, uma
técnica que é reapropriada no sentido da aplicação de um exame médico.
O exemplo da psiquiatria resume a imagem que Foucault tem da história. A
psiquiatria não é uma ciência que emerge triunfante após séculos de esforços, quando,
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enfim, encontra a doença e a encurrala. A psiquiatria é uma colagem de saberes, certamente


um pouco de anatomia e fisiologia médicas, mas também direito romano e técnicas de
confissão da igreja medieval tardia.
Aí esta a história para Foucault: os eventos não se organizam de maneira unitária,
descrevendo um movimento em que todos os elementos são homogêneos e cujo sentido se
revela de uma vez por todas como algo contínuo no tempo. Pelo contrário, a verdade ou o
sentido que encontramos na história é sempre uma composição de elementos heterogêneos.
A verdade histórica tem muitas arestas, não é uma figura bem torneada. Ou ainda, a história
é um quebra-cabeça onde as peças não apresentam contornos muito concordantes, de modo
que a figura que se forma na história parece mal formada ou suas peças parecem reunidas a
contragosto, à força.
Até agora temos procurado mostrar como Foucault se faz presente entre nós.
Fornecemos alguns indícios para sintetizar os modos pelos quais o pensamento de Foucault
afeta nossas vidas, vimos que a temática de sua obra tem como ponto articulador problema
do tempo ou o modo pelo qual o tempo torna-se sensível para nós, ou seja, a história.
Nunca deveríamos ficar vexados, envergonhados, a ponto de não perguntar de que modo
uma filosofia produz efeitos práticos. Feito isso, podemos seguir, procurando, agora,
organizar as esparsas referências que fizemos às conseqüências dessa filosofia, em busca de
uma maior visibilidade da obra foucaultiana.

3. Fases da obra de Foucault: características gerais


Os estudos costumam subdividir a obra de Foucault em três fases, com
denominações utilizadas pelo próprio Foucault. Este foi muito sensível as mudanças
acontecidas em seu método, na passagem de uma fase a outra. Vejamos:
Um quadro pode ajudar na visualização:
Cronologia Principais Objetos de Questões
livros estudo norteadoras1
Anos de 1960 a) História da Saberes “O que eu posso
Loucura Epistemes saber? Ou o que
b) As Palavras eu posso
e as Coisas enunciar e ver
c) Arqueologia em tais

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Conforme DELEUZE, 1986, p. 122.
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do Saber condições?”
GENEALOGIA Anos 1970 a) Vigiar e Poderes “Que posso
Punir Dispositivos fazer, que poder
b) A Verdade e pretender e que
as Formas resistências
Jurídicas opor?”
c) História da
Sexualidade,
vol. 1
ESTÉTICA DA 1980 a 1984 a) História da Modos de “O que eu posso
EXISTÊNCIA Sexualidade, subjetivação ser? Ou como
vol. 2 Práticas de si me produzir
b) História da como sujeito?”
Sexualidade,
vol. 3

3.1. Arqueologia
Comecemos com a Arqueologia. Ora, o que faz um arqueólogo? Ele escava, ele
observa as idades das camadas do solo à medida que o sítio arqueológico vai se
aprofundando. O difícil é quando o sítio arqueológico se compõe de vários períodos, então
é mais complicado separar as camadas que identificam um período das camadas que
constituem outro período.
Foi dessa forma que o arqueólogo Foucault procurou entender de que modo se
formam os saberes. Um saber, por exemplo, a ciência, é formada por camadas que
identificam uma certa época histórica. De fato, quando Foucault se refere à ciência que se
ocupa com a vida orgânica ele quer dizer, a biologia. (FOUCAULT, 1999a, 175-181 e 343-
47) Esta surge no século XVIII e é característica de um período. Antes da biologia, a
história natural se ocupa da vida, mas não é uma ciência. Como Foucault pode fazer a
separação entre um saber cientifico e um não-científico?
Em primeiro lugar, não se deve supor que a história natural é uma espécie de
biologia na fase infantil, que evoluirá pra uma fase mais desenvolvida. Vimos que a idéia
de história em Foucault não comporta a noção de progresso. Pensemos na Arqueologia: a
história natural é uma camada ou estrato do saber que pertence a uma época, já biologia é
um estrato que pertence à outra época. São como vestígios de duas civilizações diversas
que viveram em momentos diferentes sobre o mesmo solo, deixando seus restos
depositados durante a passagem. O importante, do ponto de vista da Arqueologia
foucaultiana, é pensar que um saber não leva ao outro. Cada época do saber é descontínua
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com relação à outra. O arqueólogo procura encontrar esses pontos de descontinuidade entre
os saberes.
O limite entre os estratos de um período e os de outros Foucault denomina
“episteme”. Em sua fase arqueológica, Foucault estudou três epistemes: o Renascimento
(séc XIV ao XVI), a episteme clássica (séc XVII ao final do XVIII) e episteme Moderna
(final do séc XVIII e séc. XIX até a virada do séc. XX). Retomando nosso exemplo, a
história natural pertence à episteme clássica, enquanto a biologia à episteme moderna. Elas
são totalmente distantes em termos arqueológicos, apesar de relativamente próximas em
termos cronológicos. Elas são diferentes porque cada episteme organiza de modo
totalmente inovador os objetos, os conceitos e os métodos de um saber (“o que eu posso
saber?”). (FOUCAULT, 1987a, passim)
Uma vez que os estratos ou camadas de uma episteme estão separados dos outros, o
trabalho de arqueólogo foucaultiano volta-se para o interior, isto é, para de cada episteme, a
fim de entender como cada época se organiza em termos de saberes. Pois bem, há muitos
saberes, por exemplo, na época moderna, o saber científico sobre a loucura é um saber
sobre a psique humana ligado ao campo de descobertas próprio da psiquiatria. Esta
descobre as histerias, doenças cujos sintomas são somáticos ou orgânicos, mas cuja causa
não o é. A partir daí a loucura pode ser entendida como uma doença cuja manifestação,
pelo menos, é orgânica. Dentro dessa episteme, no entanto, a loucura, pode também ser
qualificada como possessão do corpo, então, pode ser objeto de um saber religioso que
desenvolveu suas próprias técnicas, é o exorcismo. O exorcismo, do ponto de vista
arqueológico, também é um saber sobre a loucura, pois ele dispõe de conceitos, métodos e
um objeto próprios, assim como a psiquiatria possui os seus.
Assim, dentro de uma determinada episteme um saber pode entrar num limiar
cientifico, mas um saber dessa episteme não é necessariamente científico. No caso do
relacionamento entre o exorcismo e a psiquiatria, Foucault descreve que, inicialmente, há
uma disputa entre ambos pelo objeto, isto é, o corpo do louco, o qual se resolve no sentido
de uma certa censura, por parte da própria Igreja Católica, com relação a seus exorcistas.
(FOUCAULT, 2002, p. 269 e ss.) Não que a Igreja estivesse totalmente convencida de que
a possessão do corpo fosse um caso médico. A religião nunca se convence disso, porque o
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saber que ela tem do corpo não pertence ao mesmo limiar que o saber psiquiátrico, embora
ambos pertençam à mesma episteme.
Então temos mais um passo da Arqueologia foucaultiana, a saber, separar os
limiares de saberes. Como fazer isso? Ora, a psiquiatria e o exorcismo são camadas de uma
mesma episteme, mas sua conformação é diferenciada, são estratos cuja consistência os
diferencia. Para a episteme moderna a separação dos limiares de saberes não é muito
complicada, pelo menos inicialmente, pois é possível separar os saberes que entraram dos
que não entraram em um limiar cientifico. Essa é a primeira separação possível, mas essa
triagem é ainda por demais grosseira do ponto de vista da Arqueologia de Foucault.
É que um saber é um “regime discursivo”. O discurso é o regime que organiza, para
um dado saber, os objetos, conceitos e métodos que caem sob sua alçada. Assim como os
saberes podem ser discriminados segundo os limiares em que elas entram ou saem (loucura:
psiquiatria ou exorcismo?), o arqueólogo tem de construir “famílias discursivas”,
descrevendo, por exemplo, quais são os objetos, conceitos e métodos da psiquiatria e os do
exorcismo e porque eles diferem. (FOUCAULT, 1987a, passim)
Na análise das famílias discursivas, a distinção entre os saberes científicos e não-
científicos torna-se mais tênue. Isto porque o regime discursivo que forma um saber
científico não possui apenas elementos científicos. Para Foucault, mesmo numa episteme
moderna, em que as ciências surgem, os regimes discursivos dos saberes científicos não
deixam de estar misturados a restos ou reativações de regimes discursivos não-científicos
ou mesmo de regimes discursivos de epistemes mais antigas. Anteriormente, vimos num
exemplo Foucaultiano que ilustra bem esse problema. A psiquiatria orienta-se em torno de
um discurso científico (anatomia e fisiologia), mas ele precisa, para se construir, de um
discurso jurídico (o médico em o direito de isolar o louco) e de um discurso confessional
(como fazer o louco falar? O que lhe perguntar para achar a raiz de sua loucura?).
A caracterização das famílias discursivas torna o trabalho do arqueólogo mais sutil.
Todo arqueólogo de verdade sabe que as camadas que reúnem vestígios de uma civilização
apresentam-se penetradas por outras camadas da mesma época ou, mesmo, misturam-se às
camadas de épocas diferentes, às vezes muito antigas. Então, as famílias discursivas são
sempre amálgamas de discursos (o que se diz sobre um objeto) que se fundem devido à
configuração da episteme em questão. Na arqueologia verdadeira, isso também é assim. As
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camadas de diferentes épocas, as camadas de diferentes disposições dentro de uma época,


acabam se fundindo devido aos movimentos tectônicos, porque o solo tem uma vida
geológica, ele se move, embaralhando os depósitos e sedimentos medidos pelo tempo.
Bem, mais o método arqueológico ainda vai mais longe na analise dos saberes. Os
limiares são definidos, as famílias discursivas mostram penetrações e amálgamas
arqueológicos que embaralham as primeiras distinções. Para Foucault, as fusões das
famílias discursivas são sempre mais importantes do que as distinções dos limiares, porque
aquelas contam uma verdade sobre os limiares que estes não contam. Do ponto de vista das
famílias discursivas, sabemos, por exemplo, que a psiquiatria é uma ciência não apesar,
mas justamente por causa do hibridismo com saberes não-científicos. As famílias
discursivas, ao permitirem a descrição de misturas no nível arqueológico evidenciam que,
na verdade, há uma certa estratégia observável na construção discursiva de um saber. Na
verdade, a partir dessa percepção, Foucault mostrara que a “prática discursiva” presente em
todo o saber evidencia a presença de uma prática “não discursiva”. Mas esse assunto será
retomado por nós na próxima fase da obra de Foucault, a Genealogia.
Ora, se os amálgamas das famílias discursivas são os elementos mais importantes
para o arqueólogo do saber, veremos que Foucault desenvolve o método arqueológico, no
sentido de afinar a percepção arqueológica para uma análise micrológica dos regimes
discursivos. Como assim?
É que as famílias discursivas contêm elementos de dois tipos. Os discursos sempre
combinam o enunciável – o que há para dizer, com o visível - o que há para ver. No fundo,
a convivência entre enunciados e visibilidades em um regime discurso é o que confere a um
saber sua originalidade histórica.
Por exemplo, Foucault mostra que o surgimento da psiquiatria, no séc XIX, se
caracterizara pela produção de novos enunciados, relacionados com a teoria do psiquismo
(histeria), com a patologização da loucura (diagnóstico/doença), com o exame da fala do
louco, com o direito (quando, legalmente, internar o louco). Mas essa produção de
enunciados no interior do saber psiquiátrico não se efetiva sem que haja uma definição dos
regimes de luz, isto é, daquilo que recorta o objeto a ser observado. Quanto às visibilidades,
Foucault demonstra que toda uma nova concepção arquitetônica é desenvolvida para que,
num hospital psiquiátrico, o corpo do doente fique exposto e possa ser observado de modo
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eficiente para fins de exame. Os comportamentos e gestos são catalogados e arquivados,


assim como as palavras o são. A organização de arquivos de enunciados e de visibilidades é
o modo pelo qual o método arqueológico determina a peculiaridade de um regime
discursivo e, portanto, o caráter histórico de uma episteme. Os saberes se caracterizam pela
grande produtividade de visibilidades e enunciados.
Ilustremos alguns desses elementos do método arqueológico através de um livro do
próprio Foucault.
Um dos livros mais importantes da fase arqueológica é História da Loucura na
Idade Clássica. O próprio título já indica um tipo de problemática que orientara o
pensamento de Foucault em todas as suas fases. Em primeiro lugar, Foucault é um filosofo
que escreve livros de caráter histórico, porque sua filosofia exige da história uma certa
função. Por isso, Foucault foi muitas vezes desprezado pelos filósofos, porque ele imitava
os historiadores, ao invés de ler os filósofos clássicos. Pelo mesmo motivo, seria rejeitado
por grande parte dos historiadores de oficio, que não reconhecem nela a capacidade de
leitura e análise documental.
Essa confusão acontece, em segundo lugar, porque um livro como História da
Loucura é filosófico porque indica que a percepção e a experiência que temos da loucura se
alteram. Isso é inovador em termos filosóficos, já que evita operar com conceitos
atemporais. Pelo lado dos historiadores, esse livro também é inovador, pois, nele, Foucault
convida para o desenvolvimento do método arqueológico. Com este método, os
historiadores ficam convocados a revelar novos objetos, os quais não eram considerados
dignos da história. A loucura, portanto, deixa de ser um objeto natural descartado pelo
historiador, Foucault revela que a loucura é e deve ser um objeto desnaturalizado. Neste
livro, como, como em muitos outros, o historiador encontrara um campo de alta densidade
para a analise historiográfica.
Como já observamos, Foucault haveria que haveria três epistemes desde o final da
Idade Média. A primeira delas coincidirá com o Renascimento; a segunda com os séc XVII
e XVIII (episteme clássica); e a terceira com o com o final do séc. XVIII até o final do séc.
XIX (episteme moderna). História da loucura está organizado segundo esta periodização.
A tese deste livro gira em torno da idéia de que os saberes sobre a loucura, em cada uma
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dessas epistemes, organiza a percepção e a experiência da loucura a partir de certos regimes


discursivos que são passiveis de análise histórica.
Há dois corolários ou subteses a partir daí. O primeiro deles mostra que existem
dois momentos básicos quanto à experiência da loucura no Ocidente, a saber, uma
experiência trágica e uma experiência racionalista da loucura. A experiência trágica da
loucura, isto é, aquela que indica que a desordem está muito mais presente ou próxima do
que se pensa, vai aos poucos sendo soterrada por uma experiência da loucura ligada ao
racionalismo. Enquanto a experiência trágica diz que a loucura faz parte de nosso mundo; a
experiência racionalista cria mecanismos para controlar a loucura. (FOUCAULT, 1987b, p.
30-42)
Um segundo corolário é que a psiquiatria, enquanto saber que afirma o discurso
racionalista sobre a loucura, não é uma ciência que evoluiria desde formas mais
rudimentares e pré-científicas, até descobrir e isolar a loucura como doença. A psiquiatria é
uma configuração de saber que surge numa episteme mais recente, a qual conforma uma
certa experiência da loucura. Não podemos esperar que a psiquiatria represente o fim ou
coroação de um processo milenar e que, a partir dela, a experiência trágica da loucura esteja
debelada. Pelo contrário, analisa Foucault que, quanto mais a psiquiatria recrudesce seu
regime discursivo e procura cercar a loucura de modo mais incisivo, uma nova experiência
trágica da loucura se esgueira e se afirma entre nós. Através da arte, das manifestações dos
loucos no interior dos hospitais psiquiátricos, da resistência que estes oferecem as práticas
de internação.
Em História da Loucura, Foucault, como dizíamos, desnaturaliza a loucura e,
portanto, nossos sentimentos com relação aos loucos. Todos esperamos, senão que a
loucura seja considerada uma doença ou um mal, pelo menos, que o louco seja considerado
perigoso e por isso isolado. Nós esperamos que a loucura, desde sempre, seja tomada como
um problema de saúde. Por isso seria, mais ou menos óbvio que o louco fosse excluído da
convivência das pessoas normais. Nossa percepção moderna sobre a loucura tende a
estender esses sentimentos como atitudes, de certa forma, eternas com relação aos loucos.
No entanto, quando lemos o livro de Foucault, ficamos uns tanto chocados. Ele recua
cronologicamente até a Idade Média, procurando encontrar quais os lugares de reclusão
típicos das sociedades medievais. O que se encontra são os leprosários, cidades onde os
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leprosos são deixados. Não há nada parecido com relação à loucura, não há um lugar para
internação da loucura. Com isso, nossas expectativas recebem o primeiro choque: no final
da Idade Média, ou os loucos não existem ou eles não são pacientes de uma reclusão.
Foucault desenvolve tal análise a partir de fontes inúmeras, documentos das paróquias, das
municipalidades, etc. Nessa época, o louco é encontrado em liberdade. Ele faz parte de um
grupo mais amplo. Está situado entre, o imbecil, o tolo, o bêbado, o devasso, o criminoso, e
o apaixonado. O louco não pode estar preso, pois, no imaginário medieval, ele aparece
como aquele que não pertence a nenhuma cidade. Assim como sua mente vaga sem destino,
seu corpo deve ser deixado livre para uma viagem constante. O louco é aquele que esta
num constante deslocamento, nada pode contê-lo.
Segundo Foucault, até o final da Idade Média, a desordem da loucura era o contrário
da razão e não um problema de disfunção da saúde, por isso o louco não é tratado, nem
internado. Na história da loucura contada por Foucault, observa-se que há uma
descontinuidade. Vários objetos, diferentemente definidos, são chamados de loucura. Até o
final da Idade Média, a loucura é contrária à razão, ambas convivem numa espécie de
contigüidade. Do ponto de vista arqueológico, então, tem-se de perguntar: qual o novo
objeto chamado loucura para que se tenha tornado evidente a reclusão do louco?
Como já indicamos, a noção foucaultiana de história é descontinua. A história da
loucura é marcada pela descontinuidade dos objetos que cada época denomina loucura. Ora,
mas como essa história descontinua segue? Na episteme clássica, como se caracteriza o
objeto loucura? Com que outros regimes discursivos se relacionam?
Foucault escreve que, neste momento, há dois regimes discursivos que se afrontam.
Um deles é o que provem da Idade Média. A loucura é vista como coexistente a razão, sua
presença no mundo não pode ser excluída. Tudo o que a razão pode fazer é, de certa forma,
retirar as forças da desordem para construir a própria ordem. Esta é a experiência trágica da
loucura: há um corpo a corpo entre a razão e a loucura, como num jogo de luz e trevas. Mas
um outro regime discursivo emerge: trata-se de uma razão que, ao invés de conviver com a
loucura e suas forças, quer subjugá-la. A razão passa a ser um estado de vigília, ela não
pode se descuidar, não pode adormecer, caso contrário, a desrazão invade o mundo e a
domina. A razão precisa dominar a loucura e mantê-la à distância, não pode lhe dar voz.
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O afrontamento entre esses dois regimes discursivos é flagrado por Foucault partir
da grande produção cultural dos séc. XV ao XVII. Por exemplo, Foucault observa a cisão
entre esses regimes discursivos a partir da análise de que, nas artes plásticas, a experiência
trágica da loucura perdura por muito mais tempo, enquanto na literatura, o novo discurso
aparece mais cedo. Esta mesma cisão pode ser observada na filosofia, visto que o grande
exemplo de uma razão concebida como guardiã do mundo das luzes é o Cogito de
Descartes. Se o Cogito é o ponto de partida do pensamento; o louco é aquele destituído de
Cogito, o louco não pensa. Tal confronto discursivo definira em favor de uma razão que
controla a loucura, que vigia o louco e procura de todas as formas não se descuidar. Essa
reviravolta define a ascensão de uma nova episteme, onde novos regimes discursivos
podem emergir. (FOUCAULT, 1987b, p. 42-47)
Na nova episteme, a loucura será objeto de exclusão e confinamento. Foucault nota
que os leprosários se esvaziam desde o final da Idade Média. Tais espaços estão
abandonados, esquecidos, os leprosos não são mais excluídos, mas tratados como doentes
em casas de saúde. Mas, o mais importante é que os antigos leprosários, durante o séc.
XVIII serão reformados arquitetonica e administrativamente. Então se formam os
“hospitais gerais”, que vão receber uma série de pessoas, estando os loucos entre elas.
Apesar do nome, no entanto, o hospital geral não é um lugar de tratamento de saúde como
entendemos hoje. Essa caracterização do hospital geral deve-se ao fato de que, a direção do
estabelecimento não é norteada por uma demanda de saúde, pois o médico não dirige o
hospital, ele apenas desempenha uma função subalterna. Além disso, o que demonstra que
este hospital não é como aqueles que conhecemos, é o fato de que aí dentro se reúne uma
grande população. Nos hospitais gerais, os loucos são internados juntamente com o pobre, o
indigente e os devassos. (FOUCAULT, 1987b, p. 53-71)
Ora, o que esses indivíduos podiam ter em comum para estarem internados no
mesmo lugar?
Certamente, não era um problema de saúde que os levava a serem internados num
mesmo local. Com efeito, a história da loucura mostra que, nessa época do “grande
internamento”, como a denomina Foucault, o louco tinha em comum com as demais
categorias de indivíduos internados uma certa degenerescência moral. O mal que assola os
pobres, os loucos e os devassos são uma desordem de caráter moral. Por isso eles estão no
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mesmo lugar. O tratamento não é para sua saúde, muito embora os loucos sejam doentes do
corpo também. Porém, em primeiro lugar, eles são tratados moralmente. Ora, qual a terapia
aplicada para o mal moral nos hospitais gerais? É o trabalho. O trabalho pode corrigir as
almas e as índoles, o médico só cuida dos corpos.
Foucault apresenta os procedimentos terapêuticos do hospital geral, alertando para o
fato de que trabalho aí não significa, necessariamente, trabalho produtivo. Quer dizer, a
cura moral de um louco não viria do trabalho numa fábrica ou plantação, embora, muitas
vezes, essa força de trabalho inativa fosse cooptada pelas forças capitalistas em ascensão. O
sentido terapêutico do trabalho, nos hospitais gerais, não é, em primeiro lugar econômico.
O trabalho servia para impor à mente desordenada do louco alguma ordem ou rotina, pela
qual uma conversão moral poderia ser obtida. Foucault descreve que, muitas vezes, nos
hospitais gerais, as atividades do louco eram a de andar em torno de pátio circular, sem
nada produzir. O que importava era o exercício repetitivo, o esforço e o desgaste
proveniente de tal atividade. Foucault mostra que essa época – a do “grande internamento”
– não foi a origem pré-científica de nossas clínicas médicas e hospícios, pelo contrário será
o internamento social, o isolamento e a observação de todas as categorias de pessoas que
denunciam a “origem de nossas ciências médicas (moderna e psiquiátrica) e humanas”.
(DREYFUS e RABINOW, 1995, p. 5)
Isso significa, simplesmente, que a psiquiatria surge em outra episteme, a episteme
moderna, mas ela reativa em seu regime discursivo enunciado e visibilidades de outra
episteme. Quer dizer, embora os métodos, os conceitos e as técnicas dessas ciências se
desenvolvam dentro da episteme moderna, basicamente, elas continuarão a operar nas
instituições de internamento, rearticurlando, para fins científicos, o discurso moralizante
nelas desenvolvido. Mas, para tanto, era preciso que o internamento do louco fosse
associado à idéia de que a loucura é uma doença do corpo. Com isso, o louco será isolado,
não mais pertenceria a uma população de indivíduos acometidos por um mal de ordem
moral. Ele vai merecer o desenvolvimento de uma instituição de internamento cujos fins
são médicos.
Se o século XIX, esclarece Foucault, se espanta e se indigna com o fato de que
havia internado o louco ao lado do criminoso, do devasso, do indigente. Esse espanto do
ponto de vista do arqueólogo do saber, indica que uma nova experiência da loucura estava
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em construção. A diferenciação do louco em face do criminoso, do indigente e do devasso


se dá pela assimilação à medicina. Esse fenômeno não surge como um avanço das ciências,
mas é a criação do próprio internamento. O internamento geral do século XVIII, cuja
terapia era moral, torna-se, no século XIX, um erro econômico, sendo por isso substituído
por um internamento mais científico que isolava o louco. A loucura, então, entra em um
novo regime discursivo, com o significado que conhecemos hoje. Isso ocorre quando
aparece o “personagem médico”. Mas o médico, de acordo com Foucault torna-se a figura
central do asilo, em parte, apenas por causa de seu status científico, ele ainda desempenha,
no hospício, a autoridade moral que os administradores do hospital geral, não sendo
médicos, haviam estabelecido.
Sem dúvida, o que mostra A História da loucura é que de uma episteme a outra, os
saberes se alteram totalmente, devido a suas configurações discursivas divergentes. No
entanto, por dentro da história da loucura, passa uma história mais longa relacionada a
mecanismos de controle sobre o corpo. É essa história do controle do corpo que indicará
para Foucault um novo caminho, a partir dos anos setenta. Quando essa nova problemática,
a do controle sobre o corpo, emerge em primeiro plano, uma nova fase se inicia. Foucault
complementa a Arqueologia com o método genealógico, a Genealogia.

3.2. Genealogia
A Arqueologia estuda os regimes discursivos dos saberes. Os regimes discursivos
são formados por combinações, peculiaridade para cada episteme, de enunciados e
visibilidades. Com relação aos discursos, pode-se dizer que as conjunções entre os
enunciados e visibilidades formam “verdades”. Verdades relativas aos objetos, conceitos e
métodos de cada saber.
Com a nova fase, a Genealogia, Foucault começa a se perguntar, em complemento à
Arqueologia, não só o que formam os regimes de verdade dos saberes, mas como eles se
formam, qual sua gênese. O que faz com que, em cada prática de saber considerada, se
encontre uma certa convivência peculiar de enunciados e visibilidades? E afinal, o que faz
estas práticas se alterarem?
Tais questões, inaugurais para a fase genealógica, que se configuram, mais ou
menos, na virada dos anos 60 para os 70, fazem vir a primeiro plano o problema que era
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abordado indiretamente pela Arqueologia. Trata-se das práticas não-discursivas. Do ponto


de vista da Genealogia, as práticas discursivas são constitutivas com relação às práticas
discursivas, ou seja, elas são geradoras de verdades de saber. Por isso, a Genealogia ocupa-
se genericamente das estratégias ou relações entre enunciados e visibilidades, na
constituição de um determinado regime discursivo.
Da mesma forma, pode-se dizer que, com relação às praticas discursivas, tais
estratégias ou relações constituem uma “microfísica”, já que elas são relações de gênese
para os saberes. Sendo assim, a Genealogia tem por objeto “práticas não-discursivas” nessa
dimensão microfísica. Aos poucos a noção de práticas não-discursivas vai sendo substituída
pelo conceito de “poder”. A Genealogia se ocupa das “práticas de poder”. Para sermos mais
precisos, a Genealogia dá atenção especial ao binômio saber-poder. Todos regimes de saber
contem relações de poder, não há aquele sem este. Esta é talvez, a proposição mais
conhecida a respeito da Genealogia.
A partir daí, podemos pensar que a aplicação do método genealógico seja mais ou
menos simples. Podemos pensar que o poder de que fala Foucault é, por exemplo, o poder
do médico em isolar o louco, o poder do Estado frente ao cidadão, do patrão frente ao
empregado, do professor diante do aluno, etc., mas não é tão simples assim. Embora o
poder, no sentido foucaultiano, possa anunciar essas formas maciças: o Estado, a força, a
repressão, a Escola, etc, não é dessa forma de poder que trata a Genealogia. Devemos nos
lembrar que as práticas de poder se desenvolvem e se estabelecem como relações
microfísicas, numa dimensão estratégica ou genética com relação aos saberes. Tendo em
vista esta característica do método genealógico, temos de averiguar um pouco mais
atentamente o que Foucault quer dizer quando fala de “poder”, conceito-chave para sua
Genealogia.
Antes de qualquer coisa, existia uma certa diferença entre “práticas não-discursivas”
e relações de poder. Estas noções não são exatamente equivalentes. Porém, ambas são
objetos do método genealógico. Para explicar a defasagem entre ambas as noções é
necessário recorrermos a alguns marcos cronológicos que balizam a ascensão do método
genealógico.
A partir do final dos anos 60 e particularmente no texto a Ordem do Discurso, de
1970 Foucault tematiza os jogos de poder próprios aos regimes discursivos. Foucault
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apresenta a Genealogia como complemento da análise arqueológica. As regras de formação


dos discursos são complementadas por uma pesquisa que visa a formação efetiva do
discurso por praticas não-discursivas. (DREYFUS e RABINOW, 1995, p. 156) Num
segundo momento, especialmente representado pelo livro Vigiar e punir (2003) e História
da Sexualidade, vol. I (2001), a Genealogia deixa de ser um recurso complementar e passa
a englobar a Arqueologia, pois dedica-se às “relações entre o poder, o saber e o corpo na
sociedade moderna”. (DREYFUS e RABINOW, 1995, p. 157)
O tema do poder, do saber e do corpo, que estará em foco em seus livros da década
de 70, é introduzido em um texto intitulado “Nietzsche, a Genealogia e a história”.
(FOUCAULT, 1982, p. 15-37) Este texto apresenta as grandes linhas da descrição
genealógica e, como ele, Foucault reafirma e aprofunda sua idéia de História, que, como
vimos, já estava em ação na formulação e aplicação do método arqueológico. Em primeiro
lugar o método genealógico destoa do método histórico tradicional, pois, ao invés de
procurar um sentido que ordena e uma finalidade em ação nos acontecimentos, o
genealogista deve buscar a singularidade dos acontecimentos. Onde a história tradicional
busca a continuidade de uma evolução a ser retraçada, a Genealogia encontra
descontinuidades. Esta é uma lição nietzscheana bastante conhecida. Na 2º Extemporânea,
Nietzsche alerta para os perigos da monumentalização da história, isto é, alinhar os
acontecimentos numa linha de sentido ou continuidade, de modo que cada acontecimento
perca sua singularidade em função de uma origem e destino comuns. A monumentalização
da história procura reatar o sentido entre o passado, o presente e o futuro, mas acaba por
desprezar tudo aquilo que não parece à altura de não entrar na linha-mestra da história.
Tudo que não participa desse movimento em direção a um futuro promissor parece sem
importância e fadado ao esquecimento. A história monumental divide a humanidade em
dois grupos, a saber, os homens de ação, sintonizados com seu tempo e que por isso
guardam um certo instinto de história, e o outro grupo, mais numeroso, compostos por
homens cujo único esforço é manterem-se vivos, são homens menores, a mercê da história,
levados por ela, sua única preocupação é manterem-se vivos. Quanto a este tipo de história,
o veredicto de Nietzsche é simples: tudo aquilo que o fio da memória despreza, vem
protestar, assim como a poeira que, varrida para baixo do tapete, acaba aparecendo.
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Então, Foucault nos pede para desconfiar da continuidade. Uma outra linha
importante da Genealogia é que se deve abolir o que Foucault denomina de “solenidade das
origens”. Trata-se de descobrir que a essência das coisas nunca é estável. As essências dos
acontecimentos históricos são contingentes, trata-se de uma verdade construída que se
apresenta como universal. Na verdade, cada acontecimento histórico possui “camadas” de
essências que o genealogista deve separar, analisando, em cada uma, a estratégia de por-se
como universal.
O acontecimento histórico, ao invés de ser um elo numa linha evolutiva, é de fato,
um espaço formado por relações de força. É por esse jogo de forças que surge o espaço
discursivo formado por enunciados e visibilidades, cuja relação como vimos, corresponde à
“verdade”. Agora podemos concluir que toda verdade é um campo de forças. E a
Genealogia descobre a verdade como um jogo de forças e as estratégias de cada força que
formam o “poder”.
Neste ponto, já podemos retornar ao que havíamos assinalado um pouco
anteriormente, ou seja, que o conceito de poder em Foucault esta muito distante da idéia
que dele faz o senso comum, mas também dos principais conceitos de poder em voga na
filosofia. Foucault chama atenção a atenção para o fato de que devemos nos livrar de uma
concepção jurídica do poder, isto é, de que o poder se exerce como força sobre um objeto
para conformá-lo à vontade de quem o detém ou à finalidade de uma instituição. Para
Foucault, o poder constitui a realidade, é uma relação microfísica. (FOUCAULT, 2001,
passim)
Uma relação de poder como confere a um evento histórico a sua verdade, permite,
em primeiro lugar, desfazer todos os jogos identitários pelos quais se procurar atribuir uma
estabilidade ou universalidade enganosa a este ou aquele acontecimento. Além disso, é
possível, com o suporte deste conceito de poder, desnaturalizar aqueles objetos que
supostamente estariam fora da alçada do historiador por não terem história, como os
sentimentos, o amor, a consciência, etc. Costumamos que as coisas em sua origem ou as
coisas que supostamente não têm história estão em estado de perfeição, mas a Genealogia
mostra que a origem das coisas é a discórdia e o disparate. No fundo da história não há uma
identidade que foi mal versada ou que se degenerou com o tempo.
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Cada acontecimento, segundo Foucault, possui uma “proveniência”. (FOUCAULT,


1982) Isto significa que cada acontecimento é marcado pela dispersão dos elementos que
compõem uma verdade. O segredo da Genealogia é que, como já sabemos, uma relação de
poder une certos enunciados e visibilidades formando um regime de saber. Mais importante
ainda é que, neste jogo de saber-poder, a proveniência de um acontecimento histórico
sempre diz respeito ao corpo. Por exemplo, quando os homens inventam um sistema
filosófico ou moral segundo a qual o ideal da existência será a vida contemplativa, então o
corpo é afetado. Por isso Foucault desenvolvera a idéia de que o poder é composto por
relações que se efetivam como “tecnologias” cujo objeto é o corpo.
Foucault em História da Sexualidade vol.1 (2001), faz um resumo sobre seu
conceito de poder. Da mesma forma, Deleuze, no livro chamado Foucault (1986), procura
sistematizar este conceito. O ponto de partida do conceito de poder, em Foucault, começa
com a percepção que o próprio Foucault tinha de luta política. Foucault somente acreditava
na prática política que tinham como foco lutas locais e específicas, cujas relações não
poderiam mais vir de um processo de centralização nem de totalização. Com efeito, para
Foucault era muito mais importante a luta como “demonstração de existência” que como
ideologia política. Por isso, ele que viveu na Tunísia os primeiros meses de 1968 e
presencia revolta dos estudantes, compara este evento com o maio de 1968 em Paris. Na
Tunísia a ideologia, diz Foucault, vem a reboque da intensidade que marca as lutas locais,
ao passo que em Paris a ideologia e a teoria foram hipertrofiadas com relação às práticas,
(ERIBON, 1990, p. 182)
Vamos então, nos valer dessa idéia básica para nos aproximarmos do poder,
segundo Foucault: o poder não se concentra, não se centraliza, nem se totaliza. Ele faz e se
desfaz em focos. Então Foucault desafia a idéia esquerdista de que o poder seria
propriedade de uma classe que o conquista. O poder não é uma propriedade, ele não está
concentrado em uma sede, pois é uma estratégia. O poder é uma questão de exercício, não
de posse.
Em segundo lugar, Foucault desvaloriza a idéia de que o poder seria relativo ao
Estado, sendo este seu detentor, de modo que o poder estaria localizado no Estado. Mas, é o
contrário que acontece, o Estado é que o efeito de uma multiplicidade de focos de poder. Os
focos de poder são difusos, de modo que, somente em condições especiais, esses focos se
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reúnem tomando dimensões abrangentes como a de um Estado. O poder é constituído por


uma vibração, por isso não dispõe de um lugar privilegiado como sua fonte. Quando
Foucault se refere a “lutas locais” ele não quer dizer que o poder tenha localização, embora
pontual. O poder “é local porque nunca é global, mas ele não é localizável porque é
difuso”. (DELEUZE, 1986, p. 34)
Foucault também recusa uma idéia de poder que seja tomada como atributo, que
daria qualidade àqueles que o possuem (os dominantes), distinguindo-os daqueles sobre os
quais o poder é aplicado (dominados). Para Foucault, o poder é uma relação que passa tanto
por aqueles que dominam quanto pelos não dominados.
A abordagem genealógica rejeita os conceitos de “ideologia” e “repressão”. A
noção de ideologia coloca-se do contrário daquilo que seria verdade. À Genealogia não
interessa separar o que num discurso é verdadeiro e o que não o é. A noção de repressão,
por sua vez, é mais difícil de desvincular da idéia de poder, porque a repressão parece ser
logicamente um dos efeitos do poder, talvez o mais marcante entre eles. Foucault discute
que definir o caráter do poder pela repressão seria ter dele uma concepção jurídica, onde o
fundamento seria a força de proibição. Argumenta que se a função do poder fosse dizer
“não”, ele dificilmente seria obedecido. O que acontece com o poder, como assinalamos, é
que ele é uma relação, é uma “rede produtiva”. O poder produz o saber, ele cria a realidade
ao invés de vetar.
É justamente o caráter produtivo do poder que Foucault analise em Vigiar e punir
(1999c). O método genealógico, então, visa os acontecimentos, isto é, a produção contínua
de novas realidades pelas relações de poder. Com efeito, nesse livro, a tese de Foucault é a
de que, nos séc. XVII e séc. XVIII houve um desbloqueio da produtividade do poder.
Trata-se da montagem de mecanismos que permitem a circulação de efeitos de poder, uma
circulação ininterrupta e individualizada por todo o corpo social. O principal argumento
desse livro é o de que o indivíduo tornou-se um objeto (visibilidade) a ser moldado em
várias funções (enunciados).
Para Foucault, a prisão, foco central de Vigiar e Punir, é uma nova “figura de
punição”, que se organiza no final do séc. XVIII. No livro, Foucault recua até o séc. XVI, a
fim de observar outras figuras da punição onde a produtividade do poder tinha
características próprias. Quer dizer, o punir como enunciado e os prisioneiros como
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visibilidades é uma relação historicamente recente. Não que os homens não fossem punidos
antes do séc. XVIII, mas a função pela qual se punia não era a mesma que se pode observar
na prisão.
Em primeiro lugar, Foucault analisa a “tortura”, que é um instrumento de poder real.
Em segundo lugar, a reforma humanista da idade clássica. Por último, analisa a punição e a
vigilância normalizadoras que encarnam a tecnologia do “poder disciplinar”. A prisão é
uma das modalidades desta última. Então, o método genealógico, em Vigiar e Punir,
procurará distinguir as tecnologias de poder diversas ou sua produtividade variada, de
acordo com as épocas históricas. O objeto de cada uma dessas tecnologias de poder é o
corpo. No entanto, como cada tecnologia produz seus enunciados e visibilidades
respectivas, as funções as quais o corpo estará submetido mudam, necessariamente.
Vamos a um breve regime das duas primeiras figuras da punição para, em seguida,
podermos discorrer mais detalhadamente sobre a prisão que é onde se encontrar uma
tecnologia de poder denominada “disciplina”. Veremos que a tecnologia disciplinar
constitui uma rede de funções amplas e conectadas, constituindo uma “sociedade
disciplinar” sob cuja alçada vivemos ainda hoje - em parte ou totalmente.
A tortura é a figura da punição que se desenvolve durante o período da renascença.
A transgressão da lei era entendida como um ataque ao corpo do Rei. O condenado era
submetido á masmorra. Seu corpo se perde na penumbra dos calabouços e se mistura aos
outros corpos. Ao poder real não interessa a visibilidade desse corpo. A confissão do
acusado era extraída em grandes espetáculos públicos. O espetáculo visa estabelecer a
ordem através de uma demonstração maciça onde o poder se torna totalmente visível. Já o
corpo do acusado, a não ser por sua exibição publica, é um instrumento de reparo ao corpo
lesado do Rei. Ele cumpre essa função e, se não é morto, novamente retorna para a
penumbra dos calabouços onde é esquecido.
Outra figura de punição que surge, esta durante o século XVIII, é a “reforma
humanista”, diz Foucault. Essa “reforma” produz uma mudança notável no que se diz
respeito à tecnologia de poder que se aplica ao corpo dos punidos. A reforma humanista se
caracterizou pela formulação de um código penal cuja finalidade era estabelecer a justa
representação entre o crime e a punição. Tal busca incentivou a pesquisa das
individualidades para que se pudesse compreender de que modo o crime se manifesta em
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uma pessoa. Buscava-se uma classificação do criminoso. Muito embora a idéia de


representação como equilíbrio entre o crime e a punição se aproxime do direito penal
posterior, Foucault avalia que a punição dos criminosos não atendia à mesma função
exercida pela prisão. A prisão estaria calcada no princípio de que, cassada pela liberdade do
individuo, a penitenciária serve como meio de reeducação e ressocialização do indivíduo ao
convives comunitário. Ao contrário, nos lugares de encarceramento do século XVIII, o que
se esperava era uma espécie de correção moral da alma do criminoso da qual o crime era
efeito.
Já a prisão, como dissemos, pertence a uma tecnologia disciplinar. A disciplina é
uma tecnologia que é usada para fins maciços e serve para funções precisas em instituições
(casas de detenção, exército, escola, hospital, polícia). Essas instituições são espaços
disciplinares, pois uma das características básicas da tecnologia disciplinar é que ela tem
como condição, para moldar uma certa multiplicidade de corpos de acordo com uma
determinada função, que a multiplicidade de corpos seja restrita e que o espaço seja
limitado, não muito extenso. Sendo assim, a disciplina não está contida em nenhum desses
espaços institucionais. A disciplina é uma relação de poder que se atualiza em cada um
desses espaços, cada um com seus enunciados e visibilidades próprios. Justamente aí reside
uma das especificidades da disciplina: ela articula vários espaços, aumentando seu poder de
propagação e alcance.
Toda sociedade impõe um controle social sobre o corpo. Mas é exatamente esse
controle que varia historicamente. Na sociedade disciplinar, o corpo é um objeto de análise
e é fragmentado a fim de que a disciplina possa transformá-lo num “corpo útil”, expressão
de Foucault. (FOUCAULT, 1999b, p. 287) Através de certas técnicas que se aplicam ao
corpo, o ser humano é visado como um objeto que pode ser modelado. Foucault dá o
exemplo dos exercícios militares a coordenação dos movimentos dos soldados visa destituí-
los de toda dimensão subjetiva, de modo que cada um deles possa estar ligado por
operações formalizadas. Trata-se de uma organização do espaço - o espaço disciplinar -
mas também do tempo, pois a idéia é que uma função disciplinar (operações formalizadas)
molde os corpos em tempo contínuo dentro de cada espaço disciplinar. E, quando o
indivíduo sai de um espaço para o outro, ou seja, quando ele vai ser moldado segundo outra
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função, a operação exercida sobre o corpo no espaço anterior sirva como preparo para a
nova função.
Então, a sociedade disciplinar se organiza de acordo com a contigüidade de vários
espaços disciplinares, onde funções, embora diferentes entre si quanto a seu objetivo, se
interconectam no sentido de que obedecem ao mesmo diagrama ou organização. Desta
forma, o ideal da sociedade disciplinar é maximizar o exercício da função em cada espaço
para que as várias funções disciplinares se encadeiem sem lacunas. A sociedade disciplinar
também precisa aumentar os espaços disciplinares, a fim de que o deslocamento dos
indivíduos entre os vários espaços não interrompa a continuidade da modelação. Como
veremos mais a frente, esta última exigência fará com que a disciplina desenvolva um
mecanismo que lhe dará mais consistência, qual seja, o “biopoder”, como denominou
Foucault.
Em certo sentido que devemos especificar, pode-se dizer que a disciplina controla
os corpos para produzir indivíduos. Eis a produtividade do poder disciplinar: produção de
individualidade através de modelagem dos corpos nos espaços disciplinares. Quando o
enunciado é educar, as visibilidades são os escolares, quando é castigar, a visibilidade são
os prisioneiros, e assim por diante.
O procedimento específico do poder na sociedade disciplinar é o exame. O exame
parte da idéia de que se deve vigiar e normalizar o indivíduo através de uma constante
visibilidade a que os corpos estão submetidos no interior dos espaços disciplinares. Deste
modo, a tecnologia disciplinar parte da idéia de que os indivíduos têm entre si uma
igualdade formal. O exame, enquanto procedimento da tecnologia disciplinar, transforma o
indivíduo em objeto de conhecimento. Eis o elo poder-saber, ou seja, de que forma as
relações de poder constituem os regimes discursivos de um determinado tipo de saber. Os
detalhes da vida cotidiana tornam-se temas de pesquisa, através de documentação
minuciosa. Para Foucault, quanto a este aspecto, há uma ligação importante entre as
ciências humanas e os procedimentos disciplinares. De fato, um aspecto disciplinar, é ao
mesmo tempo, um lugar de aplicação de tecnologia disciplinar e um laboratório onde um
saber é produzido de modo bruto, isto é, como dados a serem organizados e formalizados
em procedimentos, teorias, sistemas, etc. Sendo assim:
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pelo jogo dessa quantificação, dessa circulação dos adiantamentos e das dívidas,
graças ao cálculo permanente das notas a mais ou a menos, os aparelhos
disciplinares hierarquizam, numa relação mútua, os “bons” e os “maus”
indivíduos. Através dessa microeconomia de uma penalidade perpétua, opera-se
uma diferenciação que não é a dos atos, mas dos próprios indivíduos, de sua
natureza, de suas virtualidades, de seu nível ou valor (FOUCAULT, 1999c,
p. 151)

Sabemos que a sociedade disciplinar é formada por vários espaços disciplinares,


cada um deles tomando o corpo como objeto da qual extrai uma determinada função
disciplinar. Devido à articulação em rede dos espaços disciplinares, Foucault afirma que
existe um “diagrama” da sociedade disciplinar. Trata-se de um esquema de seu
funcionamento que explica, em cada caso como o corpo é submetido a uma tecnologia de
poder. Esse diagrama é o Panóptico. A descrição é encontrada no livro de mesmo nome de
Jeremy Bentham, um filosofo inglês. O princípio do panóptico esta baseado numa espécie
de economia do poder, quer dizer, a proposição mais igual é a de fazer com que as relações
de poder se tornem automáticas, a fim de que os corpos sejam moldados por uma função
disciplinar sem que tenha de haver um dispêndio de forças humanas para tanto. Foucault
mostra que o princípio do panóptico tem como correlato uma “figura arquitetônica”. De
fato, Foucault mostra que o projeto arquitetônico de Bentham será incluído na concepção
dos mais variados espaços disciplinares no decorrer do século XX. Segundo a descrição de
Foucault, o panóptico é uma construção que tem as seguintes características:

na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é vazada em largas
janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é
dividida em celas; cada uma atravessando toda espessura da construção; elas tem
duas janelas; uma correspondendo a janela da torre; e outra, que da para o
exterior permite que a luz atravesse a cela de lado a lado (FOUCAULT,
1999c, p. 177).

Foucault alerta, em primeiro lugar, que o panóptico é o inverso do “princípio da


masmorra” aquele prevalecente na época do Renascimento e da Sociedade de Soberania.
Enquanto a masmorra esconde o corpo do prisioneiro na penumbra, o panóptico o põe no
regime da máxima visibilidade. Essa inversão é o demonstrativo da produtividade do poder
e aos modos que se aplicam aos corpos como observamos. Tal dispositivo possui dois
27

efeitos segundo Foucault, um “negativo” e outro “positivo”. O panóptico evita as grandes


massas amorfas que encontravam nos lugares de encarceramentos. A multidão formada por
individualidades em fusão é substituída por uma “coleção de individualidades separadas”. É
agora “uma multiplicidade enumerável e controlável”. O efeito negativo do panóptico
indica, desta forma que a nova tecnologia do poder se exerce individualizando os corpos, ao
invés de torná-los distintos. A disciplina extrairá uma função quanto mais ela
individualizar. No entanto, a individualização por outro lado, significa que a função
homogeneíza essa multiplicidade de indivíduos, procura articula-los e deles obter um
funcionamento concertado.
O efeito “positivo” do panóptico de acordo com as palavras de Foucault é: “induzir
no detento um estado permanente e consciente de visibilidade que assegura o
funcionamento automático do poder” (FOCAULT, 1999c, p. 177). O detento, o corpo
sujeito à disciplina não vê quem os vigia, mas sente-se constantemente vigiado. O
panóptico, então, visa incutir um estado de permanente vigia sobre o próprio individuo, de
modo que ele se torne de certa maneira, o vigia de si mesmo. O poder, assim, torna-se
automático, no limite, ninguém precisa exercê-lo, é invisível. O panóptico é uma máquina
de criar e manter o poder independente de quem o exerce, formando “fiscais perpetuamente
fiscalizados” (FOUCAULT, 1999c, p. 148).
Além dos “efeitos” do panóptico, Foucault enumere e descreve seus aspectos
(FOUCAULT, 1999c, p. 180):
1) Faz um trabalho de naturalista, estabelece as diferenças: “entre doentes a
fim de aproximar os pacientes com quadros clínicos semelhantes; nas
crianças, anota o desempenho distinguindo o que é “preguiça e teimosia”
e o que é “imbecilidade incurável”; nos operários, calcular o salário em
vista de sua eficiência no trabalho;
2) O panóptico também pode ser uma “máquina de fazer experiências que
visa modificar comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos”; no
hospital, “experimentar os remédios e verificar os seus efeitos”; na prisão,
testar diversas punições sobre os prisioneiros, segundo seus crimes e
temperamentos; na escola, tentar experiências pedagógicas; onde
28

observaria se que “qualquer um aprende qualquer coisa” educação


reclusa);
3) O panóptico permite aperfeiçoar seus próprios mecanismos; o diretor
pode espionar o desempenho dos empregados que tema a seu serviço:
enfermeiros, médicos, carcereiros, professores.

Devido a essas características, o Panóptico é o “diagrama de um mecanismo de


poder” porque resume seu “modelo generalizável de funcionamento”, sendo uma “maneira
de definir as relações de poder com a vida cotidiana dos homens” que se destaca de
“qualquer uso político” para se tornara uma “figura da tecnologia política”. (FOUCAULT,
1999c, p. 181). As aplicações desse diagrama são múltiplas: corrigir prisioneiros, cuidar
dos doentes, instruir escolares, guardar loucos, fiscalizar operários. Mas o panóptico
somente se torna eficaz como diagrama de estratégias de poder, como vimos, quando se
impõe uma tarefa ou comportamento a uma multiplicidade de indivíduos. O panóptico é um
esquema que apresenta a aplicação de funções precisas (educação, terapêutica, produção,
castigo) para intensificá-las, com elas constituindo um mecanismo misto onde as relações
de poder e saber se ajustam. Pode-se dizer, ainda, que a intensificação dessas relações faz
com que o poder tenha um exercício imanente. Quer dizer, ele não se exerce pela força,
mas pelo “assujeitamento”. O poder cria a realidade sobe a qual as forças sociais se
exercem.
Como vimos anteriormente, o panóptico é um diagrama que se aplica funções
disciplinares, cuja matéria se dispõe em espaços restritos, não muito extensos. O panóptico
descreve a função generalizada da disciplina quando controla uma multiplicidade de
indivíduos pouco numerosa. Contemporaneamente ao panóptico, surgiria outro diagrama de
poder, este caracterizado por uma função generalizada de gerir uma multiplicidade
numerosa (população) em espaço aberto. Esse novo diagrama é o biopoder. Foucault
mostra de que modo a disciplina e o biopoder se articulam em torno do dispositivo da
sexualidade. Tal é o tema central de “A vontade de saber”, primeiro volume de História da
sexualidade. (FOUCAULT, 2001). O desenvolvimento desse livro levara a análise de um
objeto que levara ao aprimoramento da Genealogia, mas constituirá, igualmente certos
impasses que levarão ao fim mais esta fase do pensamento de Foucault.
29

Do ponto de vista da Genealogia, a sexualidade é um “dispositivo histórico” e não


um “referente biológico”. Na verdade a sexualidade é um dos dispositivos que visam
dominar o corpo e o desejo, um dispositivo datado do séc. XIX. No século XVIII, há outro
dispositivo, o “sexo”, enquanto antes havia a “carne”.
São as seguintes as diferença entre “sexo” e “sexualidade” enquanto dispositivos
históricos. Para Foucault o sexo (séc. XVIII) está relacionado com a família, pois é nele que
se realiza o “dispositivo de aliança”. Neste caso, o discurso está articulado às obrigações
religiosas e legais do casamento. Sendo assim, liga-se a “transmissão da riqueza, da
propriedade e do poder”. (DREYFUS e RABINOW, 1995, p. 245) Já a sexualidade (séc.
XIX) é uma outra forma histórica de discurso relativo ao sexo; nasce de uma separação
entre o sexo e o dispositivo de aliança.
O sexo torna-se, durante o século XVIII, um “objeto de investigação científica, de
controle administrativo e de preocupação social”. Os enunciados relativos ao sexo têm as
seguintes regras de formação: “uma incitação técnica ao falar de sexo” o que corresponde à
“preocupação do aparelho administrativo com o bem estar da população”. (DREYFUS e
RABINOW, 1995, p. 244) A atividade sexual passa por uma classificação mais geral que a
coloca no contexto dos cuidados com a vida. Inicialmente, essas classificações se misturam
ao discurso religioso (carne, moral cristã, pecado). Porém, gradativamente o sexo torna-se
tema de demografia e de políticas de administração publica. O sexo é, cada vez mais, um
assunto de interesse do Estado,

Através da pedagogia, da medicina e da economia, fazia do sexo não somente


uma questão leiga, mas negócio de Estado; ainda melhor, uma questão em que
todo o corpo social e quase cada um de seus indivíduos eram convocados a
porem-se em vigilância. Nova, também, porque se desenvolvia ao longo de três
eixos: o da pedagogia, tendo como objetivo a sexualidade especifica da criança; o
da medicina, com a fisiologia sexual própria das mulheres como objetivo; e,
enfim, o da demografia, com o objetivo da regulação espontânea ou planejada dos
nascimentos (FOUCAULT, 2001, p. 110)

No século XVIII, o “cuidado com a vida e o crescimento populacional tornou-se a


preocupação central do estado”. (DREYFUS e RABINOW, 1995, p. 147) Essa
preocupação com as condições históricas, geográficas e demográficas faz emergir as
ciências sociais com estudo que se volta para a elaboração de uma teoria da administração.
30

Nessa época, o saber-poder é um agente da transformação da vida humana, nele residindo a


às tecnologias de biopoder relacionado à população ou a espécie humana. O sexo torna-se
um assunto ligado ao estudo estatístico da população. A população permite estabelecer o
elo entre a questão do sexo e do poder. O sexo, segundo Foucault, pertence à emergência
do biopoder. Um dos pólos do biopoder refere-se às populações ou a espécie humana. O
outro pólo relaciona-se ao corpo e ao indivíduo. Diz Foucault, indicando que é a “norma” o
elo entre os dois pólos:

o elemento que vai circular entre o corpo e a população, que permite a um só


tempo controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleatórios de
uma multiplicidade biológica, esse elemento que circula entre um e outro é a
norma. A norma é o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar
quanto a uma população que se quer regulamentar (FOCAULT, 2001, p. 302)

A constituição do biopoder implica numa mudança de racionalidade política.


Foucault descreve três etapas da racionalidade política, até chegar ao biopoder. No
pensamento tradicional, a política era uma arte que se preocupava com o bem-estar dos
cidadãos e com a justiça. A razão prática procurava organizar a vida política de acordo com
a ordem do cosmo (Aristóteles e toda herança medieval aristotélica).
No Renascimento, surge um novo tipo de racionalidade política. A relação entre o
poder, o governante e o Estado por ele governado passa a ser objeto de reflexão. O saber
prático não esta mais centrado no bem-estar do cidadão, não havia considerações de ordem
metafísica a respeito da ordem do cosmo, o objetivo político era o de aumentar o poder do
governante.
Já o terceiro tipo de racionalidade política, a qual corresponde a emergência do
biopoder, sacrifica a política em favor de programas voltados para a ordenação e
disciplinarização de indivíduos. O Estado tem uma razão e um fim em si mesmo que não
estão atreladas as vontades individuais do governante. Esse novo tipo de racionalidade
política não se interessa pela elaboração de uma teoria geral da sociedade, preocupava-se
isto sim, com administração de um Estado particular historicamente. Sendo assim, essa
nova racionalidade exigia um saber concreto e mensurável sobre todos os dados que
estivessem na base de organização do Estado: história, geografia, clima e demografia. O
Estado internamente, e nas relações entre eles tinham de quantificarem suas forças para se
mensurarem, por isso a política se organizou em torno do biopoder:
31

As vidas, as mortes, as atividades, o trabalho, as misérias e as alegrias dos


indivíduos eram importantes por constituírem preocupações cotidianas que se
tornavam politicamente úteis (...)

Os administradores do Estado expressaram seus conceitos de bem-estar humano e


de intervenção do Estado em termos de questões biológicas, tais como
reprodução, doença, trabalho ou dor (DREYFUS e RABINOW, 1995, p.
153-154)

Sendo assim, entende-se porque a sexualidade torna-se um elemento articulado ao


pólo do biopoder engajado na administração da espécie humana, onde os indivíduos eram
organizados em populações sobre as quais se exercia um gerenciamento sobre a vida, a
morte e a saúde. No outro pólo do biopoder, o pólo do corpo e do indivíduo, medrava a
tecnologia disciplinar, com suas funções específicas voltadas para a moldagem de uma
multiplicidade de indivíduos pouco numerosos em um espaço restrito.
Sabemos que a grande lacuna da sociedade disciplinar era a questão dos espaços
interdisciplinares. Procura-se coordenar, através do diagrama panóptico, todas as funções
disciplinares, mas sempre restavam lacunas a disciplinarização. Foi assim que se criou um
novo mecanismo capaz de ampliar a eficácia da sociedade disciplinar, ampliando seu
exercício em espaços abertos e sobre as populações. Este dispositivo, ao mesmo tempo,
funciona como um catalisador de seus dois pólos, que até então de desenvolviam
paralelamente, quais sejam o pólo da população e o pólo do corpo. O novo mecanismo,
capaz de unificar todos estes elementos foi a sexualidade. A sexualidade constitui-se como
articulador da disciplina e do biopoder.

3.3. Estética da Existência


Nos dois volumes finais de História da sexualidade (FOUCAULT, 1984 e 1985),
nota-se uma mudança em sua trajetória. A notória questão acerca do saber e do poder, que
até então tinha sido a marca do pensamento foucaultiano, mais precisamente até o primeiro
volume de História da Sexualidade (FOUCAULT, 2001), é acrescida de uma indagação a
respeito das práticas pelas quais nos tornamos sujeitos. Foucault é explícito a respeito da
mudança de trajetória quanto a uma genealogia da sexualidade, na medida em que se trata,
então, de estudar “de que maneira o indivíduo moderno podia fazer a experiência dele
mesmo enquanto sujeito de uma sexualidade” (FOUCAULT, 1984, p. 11). Desta forma,
32

somos informados de que “sexualidade” é um dentre os modos históricos pelos quais


fazemos a experiência de constituirmo-nos enquanto sujeitos e não apenas um dispositivo
pelo qual disciplina e biopder controlam o corpo através de certas tecnologias políticas.
Foucault coloca tal empreendiemento como uma continuação de seu trabalho
anterior, pois “essa genealogia me afastava muito de meu projeto primitivo” (FOUCAULT,
1984, 11). Esse novo domínio de análise colocava-se como “ponto de interseção”
(FOUCAULT, 1984, p. 16) entre os dois campos de seus objetos anteriores, quais sejam, a
arqueologia do saber e a genealogia do poder. Esta interseção, onde Foucault delimita o
novo campo de pesquisas, pode ser definida de maneira apropriada como estando
organizada em torno da relação da subjetividade com a história, pois é a respeito dessa
relação que podemos observá-lo propor “o que poderia chamar uma história da ética e da
ascética, entendida como história das formas de subjetivação moral e das práticas de si
destinadas a assegurá-la” (FOUCAULT, 1984, p. 29). É esse estudo que relaciona
subjetividade e história que ficou conhecido como “estética da existência”.
A estética foucaultiana da existência apresenta dois conceitos básicos, a saber,
“subjetivação” e “práticas de si”.
O que é “subjetivação”?
Toda subjetividade, o sujeito, para Foucault, envolve um processo de subjetivação,
visto que, segundo suas próprias palavras, não existe “constituição do sujeito moral sem
modos de subjetivação” (FOUCAULT, 1984, p. 28), ou seja, toda experiência que
concretiza uma subjetividade envolve modos historicamente peculiares de se fazer a
experiência do si (subjetivação).
O que são “práticas de si”?
A subjetivação é garantida por determinadas práticas que envolvem o corpo e se
efetivam a partir do “prazer”. Quer dizer, Foucault explica que nossa subjetividade é
maleável, é uma relação de si consigo mesmo, e que essa relação é conquistada através de
certos hábitos ou exercícios culturalmente vigentes.
Os modos pelos quais nos tornamos sujeitos, os modos de “subjetivação”, aparecem
e se desenvolvem historicamente como “práticas de si” que, embora vigorem dentro de
práticas discursivas (saberes) e práticas de poder que testemunham pela descontinuidade de
suas formas históricas (FOUCAULT, 1984, p. 23), correspondem a quatro grandes focos de
33

“problematizações”, a saber, “natureza do ato sexual, fidelidade monogâmica, relações


homossexuais, castidade” (FOUCAULT, 1984, p. 17), as quais atravessam as pretensas
oposições entre a “filosofia pagã”, a “ética cristã” e a “moral das sociedades européias
modernas” (FOUCAULT, 1984, p. 18).
Os quatros focos de problematização podem ser aglutinados em dois grandes tipos
de moral, cada uma com suas práticas de si e modos de subjetivação correspondentes.
Nesta linhagem de morais, o corpo é entendido como lugar do desejo como força
natural que precisa ser regrada, neste caso, as práticas visão menos o auto-governo e mais a
proteção contra a violência do prazer, de modo os modos de subjetivação são codificados.
Essas morais, indica Foucault, têm uma feição jurídica, pois nelas vige

o código e (...) sua capacidade de cobrir todos os comportamentos (...), de modo


que sua importância deve ser procurada do lado das instâncias de autoridade que
fazem valer esse código, que o impõem à aprendizagem e à observação, que
sancionam as infrações; nessas condições, a subjetivação se efetua, no essencial,
de uma forma quase jurídica (FOUCAULT, 1984, p. 29)

Em um tipo de moral, o corpo é entendido como lugar onde o prazer é uma potência
que pode ser organizada através de práticas de si, de modo que seu modo de subjetivação é
o “auto-governo”. Neste caso, o prazer não é mais tomado como uma energia natural a ser
regrada, mas como uma potência que pode ser gerida e conservada. Nestas morais, diz
Foucault, “o elemento forte e dinâmico dever ser procurado das formas de subjetivação e
das práticas de si” (FOUCAULT, 1984, p. 30), pois são eles campos de experimentação
para a conquista do auto-governo.
Da oposição entre estes dois tipos de morais, advém a separação, segundo Foucault,
entre o “corpo-prazer” e o “corpo-carne”. (FOUCAULT, 2001, p. 190) Em termos gerais, o
corpo-carne, característico das morais cuja ênfase se dá sobre as “práticas que permitam
transformar o próprio modo de ser” (Foucault, 1984, p. 30) coincidem historicamente com a
Antiguidade Greco-Romana (pagã), ao passo que as morais do corpo-carne, definidas pelo
código, correspondem ao Cristianismo. No entanto, alerta Foucault, “entre elas houve
justaposições, por vezes rivalidades e conflitos, e por vezes composição” (ibid.). Para
sermos mais precisos, dentro de cada período histórico, o que permite separar o amálgama
das duas linhagens da moral é a relação com a verdade, pois a “questão das relações entre o
34

uso dos prazeres e o acesso à verdade” (FOUCAULT, 1984, 201 e 214) surge dentro da
moral grega, mas dá o acesso a morais baseadas no código, como a cristã, quando o que
passa a ser problematizado, afirma Foucault, não é mais o “prazer, com a estética de seu
uso, mas o desejo, com sua hermenêutica purificadora” (id., 221). O uso dos prazeres se
tornaria ainda mais austero, no dois primeiros séculos de nossa era, em função do
aprofundamento acerca da relação do prazer com a verdade, a qual, enfim, torna as práticas
de si associadas ao “conhecimento de si”, embora essas restrições ainda estejam muito
distantes de uma moral prescritiva como a cristã (FOUCAULT, 1985, p. 45-47, 71-73;
Foucault, 1997, p. 119-130).
A relação com a verdade, demonstra Foucault, vem acompanhada de uma certa
acentuação dos efeitos nocivos do prazer, de modo que o corpo, ao invés de ser entendido
como lugar onde o homem domina o prazer e por isso torna-se senhor de si, passa a ser
visto como um espaço de fragilidade arrebatado por forças naturais cujo controle se deve
mais a expedientes de proteção do que ao exercício de uma soberania sobre si mesmo
(FOUCAULT, 1985, p. 125-126).
Mas o que isso tem a ver conosco, hoje em dia?
Numa moralidade característica Antiguidade Clássica, os prazeres do corpo são o
domínio onde se constitui o autogoverno, perfazendo um campo contínuo onde não se
demarca a questão do desejo. Por exemplo, no campo dos prazeres não cabe a pergunta: em
que tipo de relação há uma verdadeira reciprocidade do ponto de vista do amor, a relação
heterossexual ou a relação homossexual? Já, numa Antiguidade Tardia, que corresponde à
ascensão do Império Romano, a problematização do desejo, a qual vem acompanhada da
indagação sobre o amor verdadeiro, de acordo com Foucault, desencadeará um processo
que se estenderá à sexualidade, entendida como modo de subjetivação do sujeito moderno.
O surgimento do desejo como novo modo de subjetivação atesta um

movimento que, na verdade, só se completará muito mais tarde, quando for


edificada uma concepção absolutamente unitária de amor: a que separa as
conjunções de um sexo ao outro e as relações internas a um mesmo sexo. É esse
regime que, grosso modo, é ainda o nosso hoje em dia, na medida em que está
solidificado por uma concepção unitária da sexualidade, que permite marcar de
modo estrito o dimorfismo das relações, e a estrutura diferencial dos desejos
(FOUCAULT, 1985, p. 198)
35

Foucault observa que, nas sociedades modernas, a relação do prazer com a verdade
(scientia sexualis) orienta a subjetivação em torno de uma “forma de poder-saber” que
instaura procedimentos voltados para que o indivíduo diga a “verdade sobre o sexo”
(FOUCAULT, 1985, p. 57). O modo de subjetivação moderno, portanto, pode ser
surpreendido em práticas de si reguladas por um dispositivo disciplinar, onde emerge a
noção de sexualidade como constitutiva da subjetividade moderna. Sendo assim, a
sexualidade, como modo de subjetivação, articula-se com a questão da relação entre o
corpo e a verdade sobre o sexo. Por um lado, o modo de subjetivação do sujeito moderno,
que é, de certa forma, aquele que ainda experimentamos em nossos dias, não é uma moral
relacionada com o autogoverno; de outro, não pode ser caracterizado como uma moral de
código, no sentido prescritivo ou jurídico, que vigia em uma moral cristã.
Como vimos, o modo de subjetivação moderno é marcado por um dispositivo
denominado “sexualidade”, que procura estabelecer uma “incitação técnica” a falar da
sexualidade, partindo do princípio de que aquele que pensa a sexualidade conhece melhor a
si mesmo. O dispositivo de sexualidade procura estabelecer um certo eixo que gira em
torno das “relações entre comportamento sexual, a normalidade e a saúde” (Foucault, 1984,
p. 220). Não estamos, com relação à sexualidade, em busca do autogoverno que geriria o
prazer, nem da verdade que regraria o desejo, mas de uma verdade da sexualidade relativa
ao auto-conhecimento e à identidade que, ao mesmo tempo, nos liga à instância coletiva do
biopoder através de várias instâncias disciplinares.

3.4. 3. Conclusão: um filósofo comprometido com o tempo e a história


É claro que, diante das três fases caracterizadas anteriormente, podemos extrair
algumas linhas gerais da obra de Foucault. Observa-se que, em todos exemplos que
utilizamos para ilustrar o alcance temático de sua obra, a saber, a formação da clínica
médica, as experiências da loucura, os regimes de punição e os modos pelos quais nos
tornamos sujeitos, Foucault enfoca um dos problemas filosóficos básicos e, talvez, o mais
importante de todos: o do tempo.
Se as indagações de Foucault estão presentes em todos esses âmbitos, de todas essas
maneiras, é porque, em seu pensamento pode se encontrar o curso de uma reflexão sobre o
tempo. Como dizíamos, Foucault não nos questiona, não nos deixa em paz, como se fosse
36

um delegado, juiz ou um diretor de consciência. Ele não nos julga. Em suas perguntas – o
que você está fazendo de si mesmo? - ressoa a seguinte afirmação: que outra coisa estamos
nos tornando. Foucault acredita que tudo está sujeito ao tempo. Ele não condena, ele diz
que há sinais de vida, se tudo já se alterou tanto, então, isso não vai parar.
Devido a essa problemática central que é o tempo, presente em todos os planos de
sua pesquisa, é que Foucault escreveu muitos livros de história. Foucault precisa da história
para expor suas idéias sobre o tempo. O senso comum sobre a história diz que o tempo, a
passagem do tempo é organizada por um vetor de sentido. Isto é, por mais que os
acontecimentos aparentem ser caóticos e disparatados existe como que uma razão que os
ordena em direção a algo melhor ou pior, seja para um bem maior como a liberdade
universal do ser humano, seja para o progresso material de nossa civilização, seja para uma
catástrofe que embotaria a própria humanidade.
Ao contrário, Foucault não crê, e escreve textos sobre isso, que a história de todas as
coisas que acontecem com os Homens, seja uma história contínua que se orienta em direção
a um fim. (FOUCAULT, 1982) Para Foucault, a história é descontinua, nela pulsam
composições de forças que se fazem e se desfazem, sem que seja possível traçar uma linha
de progresso. Os eventos não se organizam de maneira unitária, descrevendo um
movimento em que todos os elementos são homogêneos e cujo sentido se revela de uma
vez por todas como algo contínuo no tempo. Pelo contrário, a verdade ou o sentido que
encontramos na história é sempre uma composição de elementos heterogêneos. A verdade
histórica tem muitas arestas, não é uma figura bem torneada. Ou ainda, a história é um
quebra-cabeça onde as peças não apresentam contornos muito concordantes, de modo que a
figura que se forma na história parece mal formada ou suas peças parecem reunidas a
contragosto, à força.

3.5. Referências Bibliográficas

ARISTÓFANES. As Nuvens. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Minuit, 1986.


37

DREYFUS, H. & RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do
estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

ÉRIBON, D. Michel Foucault. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

FOUCAULT, M. Naissance de la Clinique. Paris : PUF, 1963.

FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história”, in Microfísica do Poder. Rio


de Janeiro: Graal, 1982, p. 15-37.

FOUCAULT, M. História da sexualidade II: o uso dos prazeres, Rio de Janeiro: Graal,
1984.

FOUCAULT, M. História da sexualidade III: o cuidado de si, Rio de Janeiro: Graal, 1985.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,


1987a.

FOUCAULT, M. História da Loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987b.

FOUCAULT, M. O poder psiquiátrico. In: Resumos dos cursos do Collège de France


(1970-1982). Rio de Janeiro: Zahar, 1997a.

Foucault, M. A hermenêutica do sujeito, in Resumo dos Cursos do Collège de France


(1970-1982). Rio de Janeiro: Zahar, 1997b.

FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas, 8ª ed.


São Paulo: Martins Fontes, 1999a.

FOUCAULT, M. Em defesa da Sociedade – Curso no Collège de France (1975-1976). São


Paulo: Martins Fontes, 1999b.
38

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: a história da violência nas prisões. 19ª ed. Petrópolis/RJ:
Vozes, 1999c.

FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 14ª Ed. Rio de Janeiro:


Graal, 2001.

FOUCAULT, M. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo:


Martins Fontes, 2002.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir, Petrópolis: Vozes, 2003.

ORLANDI, L.B.L. Nuvens, in Idéias, Campinas, 1(1), jan./jun. 1994, p. 78-79.


39

OBRAS DE FOUCAULT E SEUS PRINCIPAIS COMENTADORES PUBLICADOS EM


PORTUGUÊS

1) Livros publicados pelo autor – Estudos teóricos

FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.


São Paulo: Martins Fontes, 1999 (1966).
____. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000 (1969).

2) Livros publicados pelo autor – Estudos arqueológicos e genealógicos

FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,


1994 (1954).
____. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 2000 (1961).
____. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998
(1963).
____. Raymond Roussel. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999 (1963).
____. Eu, Pierre Rivère, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de
Janeiro: Graal, 1984 (1973).
____. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2000 (1975).
____. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1999
(1976).
____. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998
(1984).
____. História da sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985
(1984).

3) Cursos, conferências e aulas proferidos pelo autor

FOUCAULT, M. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
____. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
____. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
____. A hermenêutica do sujeito: curso no Collège de France (1981-1982). São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
____. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em
2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 1996.
____. A verdade e as formas jurídicas: conferências de Michel Foucault na PUC –
Rio de 21 a 25 de maio de 1973. Rio de janeiro: Nau, 2002.

4) Coletâneas de textos publicados pelo autor

MACHADO, R. (Org.). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1990.


40

MOTTA, M. B. (Org.). Michel Foucault: problematização do sujeito, psicologia,


psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. (Coleção
Ditos e Escritos I).
____. Michel Foucault: arqueologia das ciências e história dos sistemas de
pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. (Coleção Ditos e
Escritos II).
____. Michel Foucault: estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2001. (Coleção Ditos e Escritos III).
____. Michel Foucault: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003. (Coleção Ditos e Escritos IV).
____. Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004. (Coleção Ditos e Escritos IV).

5) Livros e coletâneas de textos de comentaristas do pensamento do autor

ARAÚJO, I. L. Foucault e a crítica do sujeito. Curitiba: UFPR, 2001.


BIEHL, J. G. Antropologia da razão: ensaios de Paul Rabinow. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1999.
CHARTIER, R. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto
Alegre: UFRGS, 2002.
COSTA, J. F. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988.
DOSSE, F. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do
sentido. São Paulo: Unesp, 2001.
EIZIRIK, M. F. Michel Foucault: um pensador do presente. Ijuí: UNIJUÍ, 2002.
ERIBON, D. Michel Foucault 1926-1984. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
EWALD, F. Foucault, a norma e o direito. Lisboa: Veja, 1993.
GARCIA, M. M. A. Pedagogias críticas e subjetivação.Petrópolis: Vozes, 2002.
HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
MACHADO, R. Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000.
ORTEGA, F. Amizade e estética da existência em Foucault. Rio de janeiro: Graal,
1999.
____. Por uma política da amizade: Arendt, Derrida, Foucault. Rio de janeiro:
Relume Dumará, 2000.
____. Genealogias da amizade. São Paulo: Iluminuras, 2002.
PORTOCARRERO, V. & BRANCO, C. Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: Nau,
2000.
QUEIROZ, A. Foucault: o paradoxo das passagens. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999.
RABINOW, P. & DREYFUS, H. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para
além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1995.
RAGO, M. Et ali (Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias
nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
ROUANET, S. P. (Org.). O homem e o discurso: a arqueologia de Michel Foucault.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
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____. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.


____. Mal-estar na modernidade: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.
ROUDINESCO, E. et ali. Foucault: leituras da história da loucura. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1994.
SILVA, T. T. O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes,
1999.
VEYNE, P. Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história. Brasília:
UnB, 1998.

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