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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ-UECE

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL – UAB


SECRETARIA DE APOIO ÀS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS - SATE

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

DISCIPLINA: METODOS E TECN. DE ENS. DE ARTES VISUAIS


POLO: SOBRAL
PROFESSOR(A): Ms. Andreia Vieira de Mendonça
ALUNO(A): FABIO DAVI DE SOUSA ANGELO
DATA: 15 de outubro de 2022

ATIVIDADE 1

Durante a infância tive uma mente inundada pelos contos e lendas locais
narrados por minhas tias que, por sua vez, ouviram de suas mães e avós. Residindo em
uma comunidade distante 31km da sede de Pires Ferreira, a comunidade ribeirinha de
Serrota dos Carneiros era um berço de lendas e fazeres artesanais resultantes da relação
com rio.
A tradição da modelagem em argila ou “barro de louça”, como também era
chamada, foi herança de meu bisavô José Pereira dos Santos, o “Zé dos Santos”, rezador
e mestre em medicinas naturais em Coité Matões, interior da cidade de Caucaia.
As ações de criação geradas a partir das narrativas do povo da região norte
do estado do Ceará estão presentes em minha trajetória desde os primeiros estudos, em
2002, com a argila retirada do açude Araras (Paulo Sarasate) e adicionada a óleos
essenciais artesanais da casca da laranja, com o intuito de aperfeiçoar as técnicas de
trabalho do meu bisavô e dar face e aspecto aos contos e lendas narrados pelas mulheres
da família.
O misto de argilas e óleos artesanais desempenharam um papel importante
para que a matéria-prima não sofresse fissuras ou se fragmentassem na secagem pelo
volume excessivo de água na composição. Uma das ações curiosas de minha
comunidade se dá pelo fato de que quando ainda jovem, eu era convidado à escola local,
Joaquim Gomes de Lima para apresentar as teorias e estórias de lendas aos demais
estudantes.
Nos intervalos das aulas, costumeiramente, um grupo de jovens se reunia a
um batente de casa para ver as peças produzidas de barro e ouvir estórias da “Cobra
Grande” – ser misterioso e aquático que dizem habitar as águas do Araras. Após algum
tempo experimentando o “barro de louça”, em 2008, já com a técnica estabilizada, dei
início ao atual acervo do ateliê.
Trilhando este percurso venho desenvolvendo ações de resgate de lendas e
histórias dos povos das águas, dando vida à seres fantásticos e se autointitulando
Sereeiro, que é a pessoa que vive em torno da escuta, registro e que, por intermédio de
técnicas artísticas, reproduz o aspecto dos seres encantados das águas, na intenção de
“dar vida”.
Neste processo criativo, vivencio a utilização de diversos materiais, desde a
argila colhida nas margens do açude Araras ao silicone, material mais sofisticado e de
aspecto que imita a textura da pele. Por fim, disponibilizo as obras ao público em
ateliês/museus em Pires Ferreira e Sobral e em galerias da região norte do estado do
Ceará. Como também nas redes sociais e plataformas de compartilhamento de vídeos de
livre acesso ao público.
A partir da tradição oral, com as histórias escutadas desde a infância, sobre
os seres encantados que vivem nos rios e açudes do sertão do Ceará, me proponho,
acima de tudo, a perpetuar o que foi ouvido e “visto” para as novas gerações de forma
concreta e palpável. Ainda no início da pesquisa, as obras tornaram-se um atrativo para
a comunidade da qual fazia parte, encantando os visitantes de forma cada vez mais
frequente.
Aberto ao público pela primeira vez em 13 de novembro de 2013 o espaço
Ateliê Davi Ângelo começou a funcionar onde era uma pequena mercearia desativada
da família. Conforme a própria casa tornava-se pequena para acomodar a ininterrupta
produção e experimentação iniciadas em 2002, meus pais resolveram entregar o espaço
de 3,5m por 4,5m para gerenciá-lo como espaço cultural aberto à comunidade e que se
consolidou como pequeno museu de curiosidades local.

Atualmente vivendo e produzindo na cidade de Sobral – CE, o espaço no


qual se encontram as mais recentes obras se chama Casa KlangoPreá (calango preá), a
junção de dois animais do sertão que trazem, simbolicamente, a resistência e a
fertilidade. Considerando-se tudo descrito anteriormente, ser ou reconhecer a mim
mesmo como professor é uma tarefa de uma vida inteira que chega a fundir-se com a
infância. Dentre as mais diversas experiencias em salas de aulas trabalhando oficinas ou
como professor em cargos polivalentes, substituto, oficineiro etc. Deparo-me por vezes
refletindo que apesar de ser formato em administração de empresas possuo a continua
oportunidade de estar em sala de aula e promover encantamento através da arte e as suas
experimentações possíveis.

A mais atual experiência de trabalho em sala de aula se dá pela vivencia


diária com jovens em condição de conflito com a lei. Diariamente percebo o quanto da
arte ainda não está completamente acessível a todos e sobre quantas experiencias novas
seriam capazes de promover uma vida mais plena fora do sistema socioeducativo.

Todos os dias convivo com a reafirmação de que existem barreiras,


limitações territoriais e, portanto, sociais que ditam por vezes até onde um indivíduo
pode chegar. Percebo que o papel do professor neste caso é sobre afirmar diariamente
que somos dignos de viver e experienciar todo potencial que a arte tem para a vida de
cada indivíduo e transpassar as barreiras comuns que limitam a mente, elas são
basicamente as responsáveis pelas cascas de nossos olhos, ciscos de uma cegueira que
embaça a visão a ponte de não conseguirmos perceber o outro.

Nesta jornada autodidata de mais de uma década de pesquisa e produção,


graduando em Artes Visuais pela UAB/UECE, minha pesquisa desenvolvida ilustra de
maneira poética, a materialização da sereia e as vozes de lavadeiras e pescadores. Em 02
de fevereiro de 2022 (mês que se celebra a mãe d’água) contemplam-se duas décadas de
imersão na pesquisa e obra dos encantados das águas e continuo a torcer para que os
encantos deste rio me levem a deságues ainda mais profundos e arrebatadores.

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