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Revista Perquirere, vol. 19, n.

1: 193-201, 2022
© Centro Universitário de Patos de Minas
https://revistas.unipam.edu.br/index.php/perquirere

Efeitos do cigarro eletrônico na saúde

Effects of electronic cigarettes on health

LUAN FERREIRA CAIXETA


Discente do curso de Medicina - UNIPAM
E-mail: luancaixeta@unipam.edu.br

JULIANA RIBEIRO GOUVEIA REIS


Professora orientadora - UNIPAM
E-mail: julianargr@unipam.edu.br

Resumo: Os cigarros eletrônicos conquistaram bastante espaço, principalmente entre o público


jovem, pois se apresentam com visual moderno e atrativo, com oferta de sabores que, ao contrário
dos cigarros tradicionais, são agradáveis ao usuário. No entanto, apesar das propagandas que,
muitas vezes, podem apresentar o produto como inócuo, já há evidências de que esses produtos
são maléficos à saúde, inclusive por mais de um mecanismo de agressão. O uso dos cigarros
eletrônicos é associado ao desenvolvimento de Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Produtos
de Cigarro Eletrônico ou Vaping (EVALI), uma doença cujos achados consistem em pneumonite
fibrinosa aguda, dano alveolar difuso e pneumonia em organização.
Palavras-chave: Cigarro eletrônico. Saúde. Lesão pulmonar.

Abstract: Electronic cigarettes reached a lot of space, mainly among the young public, as they
present themselves with a modern and attractive look, offering flavors that, unlike traditional
cigarettes, are pleasant to the user. However, despite the advertisements that can often present
the product as innocuous, there is already evidence that these products are harmful to health,
including through more than one mechanism of aggression. E-cigarette use is associated with the
development of Electronic Cigarette Use Associated Lung Injury or Vaping (EVALI), a disease
whose findings consist of: acute fibrinous pneumonitis, diffuse alveolar damage, and organizing
pneumonia.
Keywords: E-Cigarettes. Health. Lung Disease.

1 INTRODUÇÃO

O cigarro eletrônico, também conhecido como pod, e-cig, Electronic Nicotine


Delivery Systems (Ends) ou Dispositivo Eletrônico de Fumar (DEF), é um dispositivo
capaz de gerar vapor a partir de essências (e-liquid/juices) que são misturas de
compostos orgânicos, flavorizantes e nicotina e, que podem ser inaladas, simulando o
ato de fumar um cigarro tradicional. Existem vários modelos que variam em formato,
cores e apresentação, mas seguem uma mesma composição: contendo uma bateria que
corresponde à maior parte do dispositivo e é acoplada a um atomizador formado por
um tanque, no qual se deposita a essência, e uma resistência (coil) envolta de algodão
que aquecerá, vaporizando a essência. O bocal presente nos cigarros eletrônicos permite

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que o usuário aspire aquele e-liquid que foi vaporizado, resultando no consumo de
nicotina pelas vias aéreas e pulmonar (VARGAS et al., 2019).
A princípio, o farmacêutico chinês Hon Lik desenvolveu o cigarro eletrônico
para ser utilizado como uma ferramenta que auxiliasse na cessação do tabagismo
(BARRETO, 2018). No entanto, o fato de os e-liquid apresentarem sabores agradáveis,
variando do adocicado ao mentol, favoreceu o consumo desse produto entre indivíduos
jovens, pois retomava o hábito de fumar como algo bonito e descolado e ainda
desprendido do odor forte do cigarro tradicional. Nessa perspectiva, identificando seu
novo público, a indústria do tabaco direcionou sua mercadoria para os jovens que
podem iniciar o vício ainda em idade escolar, apresentando dispositivos que evoluíram
a cada geração, adquirindo aspecto moderno e atraente para esse público, sem falar dos
sabores de e-liquid disponibilizados, como Coca-Cola e sobremesa, que são atraentes a
essa classe (ALMEIDA et al., 2017).
Em vários países, houve dificuldades para lidar com aspectos legislativos que
contemplassem a emergente questão dos cigarros eletrônicos, uma vez que não existiam
leis vigentes específicas que pudessem ser aplicadas a esses dispositivos. O Brasil,
todavia, não se inclui nesses países, já que foi um dos primeiros a criar uma resolução
própria para regulação dos e-cigs em seu território. Isso aconteceu quando a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2009, publicou a Resolução RDC 49/2009,
proibindo a comercialização e a propaganda de qualquer Dispositivo Eletrônico para
Fumar (DEF), contendo ou não nicotina, em todo o território nacional até que estudos
científicos e avaliações toxicológicas e clínicas fossem realizados, com objetivo de
comprovar sua suposta efetividade para o tratamento do tabagismo. Como os estudos
sobre tais aspectos ainda são inconsistentes, a comercialização e a propaganda desses
dispositivos seguem proibidas (DA SILVA; MOREIRA, 2019b).
Em análise concreta da realidade, a Anvisa parece ter atrasado a emergência
dos cigarros eletrônicos em larga escala no território brasileiro, mas não parou, de fato,
a chegada desses dispositivos, pois, distante do que é previsto em lei, os e-cigs são
comercializados em sites na internet e possuem considerável adesão pelo público jovem.
Ademais, plataformas nas quais a fiscalização não acontece, como Youtube e Instagram,
permitiram a promoção dos cigarros eletrônicos por pessoas influentes no âmbito
digital, sem considerar os próprios sites de venda que, por meio de um discurso
pseudocientífico, incentivam o uso dos DEFs (ALMEIDA et al., 2017).
Além disso, outro motivo pelo qual os cigarros eletrônicos foram tão bem
aceitos é o fato de que, no Brasil e no mundo, a maioria dos fumantes acredita que esses
dispositivos são menos nocivos à saúde do que os cigarros tradicionais (CAVALCANTE
et al., 2017). Todavia, antes de se afirmar isso, deve-se considerar que o cigarro comum é
altamente lesivo e seu uso implica inalação de mais de 4.000 substâncias tóxicas que
variam desde a nicotina ao monóxido de carbono. Logo, é relativamente possível que os
cigarros eletrônicos, de fato, sejam menos nocivos, mas isso não significa que eles sejam
inócuos ou que seu uso deva ser incentivado (DA SILVA; MOREIRA, 2019a).
Diante do exposto, este estudo tem como objetivos discutir os efeitos do cigarro
eletrônico na saúde e identificar as complicações fisiopatológicas provenientes dos DEFs
já descritas em literatura.

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2 METODOLOGIA

O presente estudo consiste em uma revisão integrativa de literatura sobre os


efeitos do cigarro eletrônico. Para elaboração da questão de pesquisa da revisão
integrativa, utilizou-se a estratégia PICO (Acrômio para Patient, Intervention, Comparation
e Outcome). Assim, a questão de pesquisa delimitada foi “Quais as consequências do uso
de cigarros eletrônicos para a saúde de seus usuários em geral”? Nela, temos: P = pessoas
que já fizeram uso contínuo ou pontual de cigarros eletrônicos; I = uso de cigarro
eletrônico; C = comparação com o cigarro tradicional; O = possível impacto desse
dispositivo na saúde dos usuários.
A partir do estabelecimento das palavras-chave da pesquisa, foi realizado o
cruzamento dos descritores “cigarro eletrônico”; “Dispositivos Eletrônicos de Fumar
(DEFs)”; “fisiopatologia” e “complicações” nas seguintes bases de dados: Biblioteca
Virtual de Saúde (BVS); National Library of Medicine (PubMed MEDLINE), Scientific
Eletronic Library Online (SCIELO), EbscoHost.
A busca foi realizada no mês de dezembro de 2021. Foram considerados estudos
publicados no período compreendido entre 2016 e 2020. A estratégia de seleção dos
artigos seguiu as seguintes etapas: busca nas bases de dados selecionadas; leitura dos
títulos de todos os artigos encontrados e exclusão daqueles que não abordavam o
assunto; leitura crítica dos resumos dos artigos e leitura na íntegra dos artigos
selecionados nas etapas anteriores. Tais etapas foram esquematizadas no fluxograma
abaixo (Figura 1).

Figura 1: Fluxograma de busca e seleção dos artigos utilizados no estudo

Fonte: elaborada pelos autores, 2021.

Foram selecionados 17 artigos, dos quais foram lidos os títulos e resumos


publicados. Como critérios de inclusão, foram considerados artigos originais, que
abordassem o tema pesquisado e permitissem acesso integral ao conteúdo do estudo,
sendo excluídos aqueles estudos que não obedeceram aos critérios de inclusão

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supracitados. Após leitura criteriosa das publicações, 7 artigos não foram utilizados
devido aos critérios de exclusão. Dessa forma, 10 artigos foram selecionados para a
análise final e construção da revisão bibliográfica. Tais artigos encontram-se resumidos
no quadro a seguir (Quadro 1).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme descrito na metodologia, foram selecionados, ao final, 10 artigos para


realização da revisão integrativa de literatura que estão elucidados, por meio de título,
autor e achados principais, no Quadro 1.

Quadro 1: Artigos selecionados


Estudo Título Achados principais
A proibição da propaganda e do comércio
dos cigarros eletrônicos, no Brasil, se deu em
razão da falta de evidências desse
dispositivo como algo menos lesivo que o
A proibição dos cigarro tradicional. Nesse viés, ainda se
(DA SILVA; cigarros eletrônicos no considera que usar os cigarros à combustão
MOREIRA, 2019b) Brasil: sucesso ou como parâmetro é inadequado, visto que eles
fracasso? apresentam substâncias de toxicidade
elevada e, portanto, é relativamente fácil algo
ser menos tóxico do que eles. Ou seja, apesar
dos e-cigs sugerirem uma menor toxicidade,
não poderiam ser considerados inócuos.
Os cigarros eletrônicos apresentam um
visual moderno e atrativo, utilizando
recursos visuais para ganhar engajamento
entre pessoas mais jovens. Além disso, outro
elemento que é bem visto pelos usuários é a
Por que os cigarros
variedade de sabores que variam desde o
(DA SILVA; eletrônicos são uma
adocicado ao mentol, contrastando com a
MOREIRA, 2019a) ameaça à saúde
fumaça, muitas vezes desagradável, do
pública?
cigarro tradicional. Isso aumenta a adesão
desses produtos entre o público jovem que,
após 1 ano em uso de cigarros eletrônicos,
apresentam 4 vezes mais chance de iniciar o
uso de cigarros tradicionais e de maconha.
Ainda não há consenso sobre os reais efeitos
do cigarro eletrônico na saúde de seus
Conhecimento e uso de
usuários; isso fez com que a Agência
cigarros eletrônicos e
Nacional de Saúde, desde 2009, adotasse
(CAVALCANTE et al., percepção de risco no
uma postura preventiva, impedindo a
2017) Brasil: resultados de
comercialização, a propaganda e a
um país com requisitos
importação dos cigarros eletrônicos.
regulatórios rígidos
Entretanto, no senso comum, as pessoas que
conhecem esses dispositivos acreditam, de

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forma equivocada, que eles são menos


perigosos do que os cigarros tradicionais.
O uso dos cigarros eletrônicos, na redução de
danos, para auxiliar indivíduos que desejam
cessar o tabagismo se mostrou válido, visto
que, comparados aos cigarros tradicionais,
os eletrônicos podem ser menos prejudiciais
à saúde e apresentam eficácia igual ou
superior às terapias de reposição de nicotina.
Além disso, a proibição não significa,
Tabagismo, cigarros necessariamente, que não haverá comércio e
eletrônicos e redução de uso desses dispositivos, visto que o acesso a
(BARRETO, 2018)
danos: uma revisão esses itens pode se dar por meios ilícitos. Isso
narrativa comprometeria, inclusive, a “qualidade” dos
produtos, pois a produção e a manipulação
seriam isentas de fiscalização, tal qual
acontece com as substâncias narcóticas Por
outro lado, há receio de que a “liberação”
para o uso em redução de danos favoreça seu
consumo entre populações mais vulneráveis,
como crianças e adolescentes, induzindo à
iniciação do tabagismo.
O tabagismo, nas últimas décadas, entrou em
declínio pela mobilização global de
instituições relacionadas à promoção de
saúde no combate a esse mau hábito. No
entanto, a emergência dos cigarros
eletrônicos pode comprometer o esforço
Névoas, vapores e
realizado para que o estigma do cigarro fosse
(ALMEIDA et al., outras volatilidades
de um produto não essencial e nocivo à vida
2017) ilusórias dos cigarros
humana. Essa ameaça vem, essencialmente,
eletrônicos
das propagandas dos dispositivos
eletrônicos, as quais usam um discurso
pseudocientífico e moderno, para tentar
convencer seu público de que os “e-cigs” são
limpos, modernos, saudáveis, glamorosos e
aceitáveis.
A Lesão Pulmonar Associada ao Uso de
Produtos de Cigarro Eletrônico ou Vaping
(EVALI) é uma doença respiratória aguda
que possui achados patológicos típicos:
Riscos do uso
pneumonite fibrinosa aguda, dano alveolar
alternativo do cigarro
(VARGAS et al., 2019) difuso e pneumonia em organização. Diante
eletrônico uma revisão
desse espectro de apresentações, depreende-
narrativa
se que exista mais de um mecanismo de lesão
envolvido na fisiopatologia do uso de
cigarros eletrônicos, que são o principal fator
de risco, mas ainda não se tem conhecimento

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de quais componentes são de maior


agressividade ao usuário.
A exposição aos cigarros eletrônicos pode
causar problemas em diferentes esferas do
sistema respiratório. Na fisiologia do fluxo
do ar, tende a existir um aumento da
resistência à passagem do ar, intensificando
Pulmonary toxicity of
(CHUN et al., 2017) o esforço respiratório. Paralelamente, nos
e-cigarettes
alvéolos, há deposição de partículas tóxicas e
aumento dos níveis de necrose e
citotoxicidade. Além disso, verificou-se um
enfraquecimento da resposta imune do
hospedeiro contra patógenos.
Os líquidos que são vaporizados possuem
aditivos e solventes que, quando aquecidos,
podem formar compostos cancerígenos.
Nesse viés, ao examinarem a urina de
adolescentes usuários de DEFs, foram
identificados cinco compostos orgânicos
Cigarros eletrônicos:
(URRUTIA-PEREIRA; voláteis em níveis consideráveis:
esses ilustres
SOLÉ, 2018) acrilonitrila, acroleína, óxido de propileno,
desconhecidos
acrilamida e crotonaldeído, sendo quatro
deles cancerígenos. Como a maioria dos
usuários de cigarros eletrônicos são jovens,
deve-se ter em mente que a exposição, nessa
fase da vida, tende a apresentar repercussões
na vida adulta.
Vapors Produced by O uso de cigarros eletrônicos é associado à
Electronic Cigarettes deposição de pequenas partículas de
and E-Juices with materiais tóxicos (ex.: alumínio, cobre, zinco,
Flavorings Induce magnésio, manganês), isso parece irritar os
Toxicity, Oxidative alvéolos de um modo que há promoção de
(LERNER et al., 2015)
Stress, and estresse oxidativo e de inflamação. Além
Inflammatory disso, identificou-se aumento da secreção
Response in Lung das interleucinas 8 e 6 em células do
Epithelial Cells and in endotélio pulmonar que eram diretamente
Mouse Lung expostas ao vapor dos cigarros eletrônicos.
Observou-se que, durante os anos de 2011 a
2015, o consumo de cigarros eletrônicos entre
Dispositivos
estudantes do Ensino Médio cresceu 900 por
eletrônicos de liberação
cento, adquirindo maior adesão do que os
(AUGUSTO et al., de nicotina (cigarros
cigarros tradicionais nessa faixa etária. Entre
2018) eletrônicos e similares):
adultos e adolescentes jovens usuários de
“Lobos em pele de
DEFs, nota-se: dependência, redução dos
cordeiro?”
reflexos, déficits de atenção, dificuldade de
raciocínio e transtornos de humor.
Fonte: elaborado pelas autoras com base nos dados da pesquisa, 2021.

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Dos países do mundo, o Brasil foi um dos pioneiros a proibir os Dispositivos


Eletrônicos de Fumar (DEFs) em seu território. Essa decisão se baseou no princípio da
precaução, já que inexistiam dados científicos com evidência que comprovasse sua não
maleficência. Assim, por meio da Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa: RDC nº
46, de 28 de agosto de 2009, ficou vetada a comercialização e a propaganda de cigarros
eletrônicos, contendo ou não nicotina, em todo território nacional até que, por meio de
estudos e avaliações toxicológicas, seus efeitos e riscos à saúde fossem esclarecidos. Essa
ação não foi bem aceita, especialmente por grupos de usuários desses produtos que
acusam a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir um produto que
seria benéfico no auxílio à cessação do tabagismo, além de ser mais seguro ou, melhor
dizendo, menos nocivo do que os cigarros tradicionais (CAVALCANTE et al., 2017).
Entretanto, mesmo após a proibição da comercialização, os cigarros eletrônicos
não deixaram de circular no Brasil. O visual moderno e os sabores agradáveis foram
eficazes para garantir o engajamento do produto entre o público jovem, com destaque
para as mídias sociais, o principal meio de comércio e de propaganda dos “e-cigs”. Em
fase de consolidação, muito se discute sobre o cigarro eletrônico ser uma “porta de
entrada” para o uso de cigarros tradicionais e até de outras drogas, como maconha.
Identificou-se que, após 1 ano em uso desses dispositivos, indivíduos jovens
apresentavam 4 vezes mais chance de começarem a fumar cigarros à combustão,
comparado àqueles que não fazem uso de nenhum dispositivo eletrônico de fumar (DA
SILVA; MOREIRA, 2019a).
De um modo amplo, a literatura ainda requer estudos fundamentados em mais
evidências para descrever o meio pelo qual os cigarros eletrônicos causam danos aos
seus usuários. Entretanto, isso não significa que já não existem condições patológicas
associadas ao uso desses dispositivos, muito menos que os DEFs tratam de substâncias
inócuas à saúde. A partir desse panorama, deve-se compreender que, ao contrário dos
cigarros tradicionais que possuíam uma fórmula “padronizada” de produção, os
eletrônicos apresentam uma gama de diferentes sabores que possuem diferentes
aditivos. Assim, deve-se ter em mente que os constituintes do líquido que é vaporizado
estão diretamente relacionados, com a irritação das vias aéreas, bem como com a
formação de substâncias cancerígenas. Ou seja, uma “essência”, como são chamados os
líquidos vaporizados, pode ser mais ou menos nociva de acordo com os aditivos que são
utilizados em sua produção (CHUN et al., 2017).
O fato de os mecanismos fisiopatológicos ainda não serem tão bem descritos
não impediu que se instaurasse a Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Produtos de
Cigarro Eletrônico ou Vaping (EVALI), um termo que abrange uma série de achados que
podem ser encontrados em pacientes que fazem uso de cigarros eletrônicos. Dentre os
achados presentes, deve-se destacar: pneumonite fibrinosa aguda, dano alveolar difuso
e pneumonia em organização. Assim, analisando a gama de achados associados ao uso
de cigarro eletrônico, compreende-se que, possivelmente, exista mais de um mecanismo
de dano envolvido no uso dos “e-cigs”, isso evidencia a necessidade de mais estudos
para compreender o quão lesivo pode ser o efeito desses dispositivos a curto, médio e
longo prazo (VARGAS et al., 2019).
Para além dos problemas citados em relação à troca gasosa, é possível observar
que usuários de cigarros eletrônicos tendem a apresentar maior esforço respiratório,

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visto que há um aumento da resistência à passagem do ar pela árvore brônquica nesses


indivíduos. Outro ponto importante é a resposta inflamatória que se desenvolve no
parênquima pulmonar; a interação das substâncias tóxicas, juntamente com a deposição
de partículas estranhas, pode promover citotoxicidade. Todavia, essa indução de uma
resposta inflamatória maléfica ao indivíduo não é eficaz em combater patógenos, ou seja,
esses indivíduos que fazem uso crônico de cigarros eletrônicos estão mais suscetíveis a
desenvolverem doenças infecciosas do sistema respiratório, pois apresentam uma defesa
imune menos eficiente nesse sistema (URRUTIA-PEREIRA; SOLÉ, 2018).
Outro mecanismo que causa dano ao sistema respiratório é a deposição de
pequenas partículas de metais tóxicos, como alumínio, cobre, zinco, magnésio e
manganês, nos alvéolos pulmonares. A liberação desses resíduos resulta do aquecimento
e resfriamento da “coil”; o metal responsável por aquecer e transmitir seu calor ao
algodão embebido de “e-liquid” tende a se oxidar às suscetíveis mudanças de
temperatura. Nesse contexto, ao atingirem o parênquima pulmonar, esses metais
promovem estresse oxidativo e inflamações que podem comprometer a função renal
plena do paciente (LERNER et al., 2015).

4 CONCLUSÃO

O advento dos cigarros eletrônicos promove uma reconstrução do hábito de


fumar, com um visual mais moderno e sem o característico mau cheiro dos cigarros
tradicionais. Entretanto, deve-se destacar que, apesar da drástica mudança estética, esses
dispositivos não são inócuos e seu uso implica danos à saúde por mais de um
mecanismo, podendo comprometer a função respiratória do indivíduo, bem como
predispor a infecções. Assim, mostram-se necessários estudos que consigam
acompanhar, a longo prazo, os efeitos dos cigarros eletrônicos na saúde, padronizando
variáveis como os “e-liquid” utilizados e a temperatura de aquecimento, a fim de obter
dados mais precisos sobre a fisiopatologia por trás da Lesão Pulmonar Associada ao Uso
de Produtos de Cigarro Eletrônico ou Vaping.

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