Você está na página 1de 11

O eclipse total do Sol de 1947 no escuro do cinema: uma análise da construção discursiva do

Cine Jornal Informativo “O eclipse solar”

Heráclio Duarte Tavares*

Resumo
Em 20 de maio de 1947 ocorreu um eclipse do Sol que teve sua faixa de totalidade cruzando o
território brasileiro. A cidade de Bocaiuva (MG) recebeu diversas expedições científicas para a
realização de observações, coleta de dados e posteriores estudos deste fenômeno. As
circunstâncias do imediato pós Segunda Guerra Mundial conferiram um grande destaque na
imprensa nacional e internacional a este evento, produzindo registros em diferentes mídias.
Visamos analisar o registro fílmico: “Cine Jornal Informativo. vol. 1, nº 40. ‘O eclipse solar’”, na
medida em que este documento aborda uma produção científica específica e suas imbricações
com as circunstâncias históricas.

Palavras chave: eclipse total do Sol, Cinejornal Informativo, ciência e sociedade.

Abstract
On May 20, 1947 an eclipse of the Sun occurred that had its path of totality crossing the Brazilian
territory. The city of Bocaiuva (MG) had received several scientific expeditions to the
achievement of observations, data collection and subsequent studies of this phenomenon. The
circumstances of the immediate post second war gave a great emphasis on national and
international media to this event, producing records in different medias. We aim to analyze the
film: “Cinejornal Informativo. vol. 1, nº 40. ‘O eclipse solar’”, in the understanding that this
document approach a specific scientific production and its interplay with the historical
circumstances.

Keywords: total eclipse of the Sun, Cinejornal Informativo, science and society.
*
Mestrando do Programa de Pós Graduação em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista
CNPq. O autor agradece ao Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ) e à Cinemateca Brasileira (SP) por terem
oferecido o respaldo e apoio institucional necessários à elaboração deste artigo.
2

Sobre o Cinejornal Informativo


Cinejornais eram filmes jornalísticos de curta duração, que tratavam de forma dinâmica as
principais notícias dos últimos dias. Os primeiros cinejornais remontam ao início do século XX,
época em que eram produzidos por pequenas produtoras e não havia qualquer tipo de apoio
institucional. Por volta dos anos 1930 existiam diferentes produtoras realizando cinejornais, e em
1932 suas exibições passaram a contar com apoio legal (Decreto nº 21.240), como a
obrigatoriedade de exibição de curtas brasileiros antes das sessões de filmes de longa metragem.
O Cinejornal Informativo foi uma série de filmes de caráter jornalístico produzida pela
Agência Nacional de 1946 a 1954. Os filmes do Cinejornal Informativo produzidos a partir do
ano de 1950 encontram-se no Arquivo Nacional (RJ), enquanto que na Cinemateca Brasileira
(SP) estão depositados os números produzidos de 1946 a 1949. A Cinemateca Brasileira publicou
em 1992 o Catálogo do Cinejornal Informativo, que contém, além da divulgação do acervo, uma
apresentação geral dos temas tratados e um pouco de sua história. O Cinejornal Informativo
substituiu o Cinejornal Brasileiro, que foi criado em 1938 durante o Estado Novo e atuou,
principalmente, na construção de uma representação da figura de Getúlio Vargas almejando a
busca por apoio populacional ao regime. O Cinejornal Brasileiro retratou Getúlio Vargas de
maneira onipresente e associado a um carisma populacional. Já o Cinejornal Informativo,
segundo José Inácio de Melo Souza, “[...] respeitou as linhas gerais daquilo que havia sido
estatuído pelo Cinejornal Brasileiro no período da ditadura.” (CINEMATECA BRASILEIRA,
1992: 3) Porém, acompanhando as transformações de seu tempo, o progresso nacional, por
exemplo, que era retratado no Cinejornal Brasileiro a partir da siderurgia, passou a ter o foco na
eletrificação. Além disso, observou-se uma inclinação anticomunista a partir de 1947, o que nos
leva a crer que através de análises do Cinejornal Informativo podemos ter uma melhor
compreensão da produção e circulação de representações fílmicas de um certo período histórico.
Renata Gomes nos oferece um panorama que abarca desde o processo de produção do
Cinejornal Informativo à sua distribuição pelas salas de cinema no país. Segundo Gomes, o
processo de produção seguia a seguinte ordem: 1) Escolha do assunto 2) Produção do roteiro 3)
Captação das imagens 4) Criação da sonorização: música e narração 5) Edição do filme 6) União
3
da narração, música e imagens. O resultado deste processo era um filme de cerca de 7 a 10
minutos de duração em que até quatro reportagens, às vezes apenas uma, eram exibidas. Do
processo de construção do filme, é importante destacar que a locução do Cinejornal Informativo
assume o papel de legitimadora de verdades, pois interpreta e dá sentido às imagens, que são
entendidas como ilustração daquilo que se ouve. (GOMES, 2007).
O Cine Jornal Informativo. vol 1, nº 40. “O eclipse solar” é fruto desta construção. Nosso
interesse por este arquivo é devido, antes de tudo, ao tema tratado e por ser um dos poucos
registros fílmicos, talvez o único, realizados por cinegrafistas brasileiros sobre o eclipse total do
Sol de 1947 que resistiu às adversidades do tempo e chegou até nós.1 Através de sua análise, as
relações entre a produção científica e a sociedade da época, sob a ótica da Agência Nacional,
ganham em compreensão. Além disso, a própria materialidade deste arquivo é um patrimônio a
ser preservado nos acervos científicos e vem contribuindo para, por exemplo, ações de resgate da
história da Cidade de Bocaiuva (MG) – cidade que recebeu a maioria das expedições científicas
para a observação do fenômeno – e para a auto afirmação de sua identidade como um local de
produção de conhecimento.2

Eclipses totais do Sol e suas relações com a sociedade no pós Segunda Guerra Mundial
Eclipses totais do Sol obedecem a grandes coincidências naturais.3 Todavia, apesar das
coincidências serem grandes, elas não são raras. Os eclipses obedecem a um ciclo de cerca de 18
anos, chamado de Ciclo de Saros. Há mais de 150 tábuas de Saros, as quais cada uma contém
uma série que varia de 39 a 47 eclipses do Sol (que podem ser totais, parciais ou anulares). Isso
significa que não temos um eclipse do Sol a cada 18 anos, mas que a cada 18 anos assiste-se à

1
Encontramos referências à realização de outros filmes sobre o eclipse de 1947 no sítio da Cinemateca Brasileira.
Porém, a instituição não os possui em seu acervo. Trata-se de uma edição do Bandeirantes na Tela e outra do Notícia
da Semana. Tivemos ciência, também, de um registro fílmico sobre o eclipse de 1947 feito por Herbert Richers.
2
A Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura de Bocaiuva reproduziu o Cine Jornal Informativo. vol. 1, nº 40.
‘O eclipse solar’ e o exibe em sessões nas escolas da região. Esta ação visa recuperar a memória do acontecimento e
reforçar a ideia de que a cidade é, também, um local de produção de conhecimento. Esta atitude esta vinculada à
divulgação da abertura de pólos universitários da UNIMONTES, com os cursos de Química e Física, em Bocaiuva.
3
A distância entre a Terra e a Lua é 400 vezes menor que a entre o Sol e a Terra. O diâmetro do Sol é cerca de 400
vezes maior do que o da Lua. Esta coincidência faz com que o Sol e a Lua tenham aparentemente o mesmo diâmetro
quando observados da Terra e é um dos determinantes que propicia os eclipses totais do Sol..
4
ocorrência de um eclipse pertencente à mesma tábua, o que não impede que diferentes eclipses do
Sol ocorram em pequenos intervalos de anos, ou, até mesmo, em um mesmo ano.
No contexto do imediato pós-guerra o status social dos cientistas, principalmente os da
natureza, cresceu bastante. O uso militar da energia nuclear recrudesceu a corrida pelos meios de
sua produção, conferindo à pesquisa científica, especialmente à física, um caráter de
possibilitadora de aumento de poder dos governos frente a outras nações. Há de se considerar,
também, que a imprensa, de uma forma geral, passava por uma renovação – adquiria um caráter
mais empresarial e passou a contar com equipamentos mais modernos – na segunda metade da
década de 1940, o que ajudou a construir e a disseminar uma imagem dos cientistas como
celebridades. Neste cenário favorável ao desenvolvimento da ciência, houve a criação de
importantes instituições científicas como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em
1949 e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) em 1951.
Na circunstância histórica esboçada acima, foi identificada a circulação de notícias, em
alguns periódicos, que estabeleciam relações entre as observações científicas do eclipse de 1947 e
os aspectos beligerantes da recém terminada Segunda Guerra Mundial.4 Por mais que a
divulgação do plano de trabalho dos cientistas que vieram ao Brasil observar o eclipse total do
Sol de 1947 apontasse para estudos da atmosfera, da incidência dos raios cósmicos, da variação
do magnetismo terrestre e, principalmente, para a coleta de dados para comprovação da Teoria da
Relatividade as circunstâncias históricas da época indicam que, talvez, os cientistas tivessem,
também, interesse no aperfeiçoamento de armas.5
Durante a primeira metade da década de 1940 as áreas de influência russa e estadunidense
iam sendo definidas através de encontros como o de Yalta e Potsdam. O quadro de abertura
política desenhado no Brasil em 1946 não durou muito tempo, deteriorando-se pouco a pouco
frente a famosos discursos do então primeiro ministro inglês W. Churchill, em março de 1946, e,
principalmente, diante do discurso do Presidente dos E.U.A. Harry Truman, em março de 1947,

4
Estes resultados foram apresentados no 11º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia no painel:
“As expedições astronômicas na imprensa brasileira: o caso do eclipse de Bocaiúva”, de autoria do autor deste artigo.
5
Este é um dos possíveis desdobramentos da pesquisa que aqui é apresentada. Para ilustrar essa ideia, lembro que o
cientista que liderou a expedição dos E.U.A. em Bocaiuva, o físico Lymann Briggs, esteve à frente de uma Comissão
especial, Briggs Advisory Committee on Uranium, para o estudo das condições de aquisição e de fissão do Urânio
235, ao final dos anos 1930, quando Albert Einstein enviou uma carta ao Presidente Franklin Delano Roosevelt
alertando-o de que os alemães estavam estudando formas de desenvolvimento de uma bomba atômica.
5
que colocou os E.U.A. como defensores das democracias ocidentais e oficializou a ofensiva
contra o comunismo. Aproximando estes acontecimentos ao nosso objeto de estudo, essa
dicotomia política foi apropriada e gerou representações relacionadas ao eclipse total do Sol de
1947 em diversas mídias, inclusive no Cinejornal Informativo que será trabalhado a seguir.

Por dentro do Cinejornal Informativo: “O eclipse solar”


Ao analisarmos a construção discursiva do filme em questão, a ideia de que o
encadeamento das cenas seguiu a cronologia dos acontecimentos foi tomada como base. As
imagens para o documentário foram coletadas a partir da chegada dos jornalistas ao
acampamento em Bocaiuva, que foi exatamente na manhã em que ocorreu o eclipse. Logo,
cremos que mesmo com o trabalho de edição, o encadeamento temporal das imagens obedeceu,
na maior parte, à ordem dos fatos. Isso fortalece a ideia de “verdade” que o documento fílmico
transmite, ainda mais se levarmos em conta o fator “novidade” que o cinema ainda continha
naquele período.
Desde o início do filme, o eclipse total do Sol é espetacularizado. No discurso do
Cinejornal Informativo o encantamento e fascínio do fenômeno se sobrepõem aos estudos que
foram realizados. Do plano de observação dos cientistas, que havia sido distribuído a toda
imprensa, apenas a tentativa de comprovação da Teoria da Relatividade tem espaço no discurso:

Nenhum detalhe foi esquecido pelos homens da ciência, todos ansiosos pelo momento
em que iriam colher elementos da maior significação, dados preciosos e concretos para
aquilatar com segurança e base sólida sobre a Teoria de Einstein.
[...] Precisamente às oito horas e vinte e dois minutos inicia-se o eclipse [inaudível]
aceleram-se. Os cientistas entregam-se a estudos que hão de proporcionar o controle
comprobatório sobre a validade da Teoria da Relatividade de Einstein, a qual é de suma
importância no estudo da estrutura do átomo e do universo como um todo. (Transcrição.
Cinejornal Informativo: 1947).

A Teoria da Relatividade é mencionada, primeiro, em um trecho no qual a ciência é


detalhista e detentora de uma base sólida e concreta. Posteriormente, a mesma Teoria da
Relatividade, nesta chave, a representação maior da ciência, tem um uso universal, abarcando a
6
totalidade da existência - do átomo ao Universo. Vale lembrar que, naquele período, a figura de
Albert Einstein era mundialmente conhecida e que através de observações de um eclipse total do
Sol realizadas em Sobral (CE), em 1919, os primeiros dados que confirmaram a deflexão da luz
estelar e a curvatura do espaço foram coletados. (COLES: 1999).
No Cinejornal Informativo que analisamos há uma ideia central, que perpassa todo o
filme, de que a ciência é um bem para a humanidade.6 Entretanto, a ideia de universalizar os
resultados da ciência não foi usada quando para a universalização de seus possíveis praticantes. A
prática científica no discurso do Cinejornal Informativo estava restrita aos “gênios”. A mesma
restrição da prática científica a “grandes mentes” também foi observada no periódico O Cruzeiro
(ANDRADE, 1994), dando a esta representação restritiva da prática científica uma circulação
pelo país. E isso não é só. Nos trechos em que o locutor fala do “povo” as imagens do
documentário mostram a cerca que marca os limites do acampamento de observação e o “povo”
além dela.7 Obviamente que para se focalizar o “povo”, teria que se focalizar também esta cerca,
já que ela servia para delimitar uma área de trabalho isenta de interferências dos populares aos
cientistas e assegurar a integridade dos instrumentos. Mas, e quando a câmera faz uma tomada a
partir da perspectiva do telespectador, enquadra uma grade que põe de um lado o nosso olhar e do
outro lado um balão científico?8

Figura A Figura B

6
Esta representação positiva sobre a produção científica circulou em diversos periódicos e foi observada no projeto
de pesquisa, cujo o autor deste artigo foi bolsista PIBIC: “Expedições Astronômicas no Brasil (1850 – 1950)”,
coordenado pela Professora Drª Christina Helena da Motta Barboza, da Coordenação da História da Ciência/ Mast.
7
Figura A.
8
Figura B.
7

A premissa desta indagação vale também para a locução de um trecho mais adiante, no
qual há uma ideia de separação entre duas categorias de homens promovida pelos produtores do
Cinejornal Informativo:

O espetáculo é surpreendente, belo, extraordinário, único quase indescritível. Não


apaixona apenas aos que mergulharam no oceano da ciência, impressiona também e
profundamente a quantos tem a aventura de assisti-lo. Sua fascinação envolve
igualmente aos leigos que apenas veem e sentem a grandiosidade espetacular do
fenômeno, sem, no entanto, compreender-lhe ou avaliar sequer o imensurável valor
científico, o alcance intraduzível. (Transcrição. Cinejornal Informativo: 1947).

Ou seja, além das representações imagéticas anteriormente citadas, há a verbalização de


duas categorias de homens: o homem que se apaixona pelo fenômeno e é capaz de compreendê-lo
cientificamente e uma outra categoria de homem que é movido apenas pelas paixões e
sentimentos. Mais uma vez a ideia, subjacente a este enunciado, de que existe uma grande
distância entre o “homem comum” e a prática científica toma forma. Seria imprudente imputar
uma intencionalidade aos funcionários da Agência Nacional em construir uma representação que
desse conta deste distanciamento entre a população e o fazer científico. A análise das etapas de
produção deste Cinejornal Informativo, principalmente do roteiro (se ainda existir), poderá nos
esclarecer este ponto. Pretendemos desenvolver esta abordagem futuramente. Enquanto ainda não
possuímos elementos para responder a esta questão, ficamos com a hipótese de que a circulação,
no mesmo período, de outras representações com o mesmo cunho restritivo do fazer científico
talvez tenham alcançado os responsáveis pela produção do Cinejornal Informativo, e tomadas,
por estes, como verdadeiras, o que pode ter causado a reprodução da mesma ideia equivocada.
Outros trechos significativos neste filme são os que mostram a aproximação entre o Brasil
e E.U.A. Em dois momentos específicos essa aproximação é construída. Primeiro, quando a
locução fala do embaixador norte americano William Pawley, que estaria presente no campo de
observação entre os cientistas. Logo após esta fala, entra uma cena na qual tremulam juntos os
8
pavilhões do Brasil, dos E.U.A. e da National Geografic Society sobre os cientistas que, segundo
a locução, estariam a poucos instantes de darem início aos trabalhos.9

Figura C

O segundo momento, que é ao final do filme, difere um pouco do primeiro, pois há uma
clara edição de imagens que não segue a cronologia dos acontecimentos. As imagens10 seguem a
uma ordem estabelecida pela seguinte locução:

Locutores do rádio internacional transmitem para o mundo tudo quanto lhes foi dado a
assistir. Todos os detalhes do impressionante fenômeno, toda a atividade valiosa dos
homens da ciência e toda magnitude do eclipse solar, então observado, são
proclamados ao ouvido do universo inteiro. E depois, pouco e pouco o Sol começa a
fulgurar sobre Buki Uki, a cidade erguida em duas semanas, onde cem cientistas
realizaram estudos dos mais proveitosos para a ciência e para a humanidade.
(Transcrição. Cinejornal
Informativo: 1947).

9
Figura C.
10
Figuras D, E e F. O encadeamento das imagens é o mesmo da ordenação das figuras.
Figura D Figura E Figura F
9

Os elementos que permearam todo o filme estão presentes no trecho final. A


espetacularização da ciência, que é levada a todo o mundo pela imprensa internacional, e a
valiosa contribuição da ciência são enunciadas pela voz do locutor, que ainda ressalta, pela
segunda vez no filme, o fato do acampamento ter sido construído em duas semanas. Temos, aqui,
uma representação da ciência geradora de progresso, que era um dos objetivos dos governos
brasileiros daquela circunstância histórica. Por outro lado, enquanto o espectador ouvia o trecho
citado através da voz convincente do locutor – voz essa treinada e de caráter radiofônico –, o
encadeamento das cenas se apoia na ligação entre a produção de saber científico e a relação entre
o Brasil e os E.U.A., atravessada pelo eclipse total do Sol. Uma das proposições de José Inácio de
Melo Souza sobre o Cinejornal Informativo é:

Se o imaginário social deste “filhote de ditadura”, cujo contorno geral estamos


traçando, já estava dado, é obrigatório nuançar este quadro para apontar as marcas
deixadas pelo seu tempo, fazer notar os sinais daquilo que lhe é único e diferente do que
vinha antes. O primeiro deles é o anticomunismo. (CINEMATECA BRASILEIRA,
1992: 3)

Conclusão
A análise tão e somente interna de qualquer representação é uma armadilha que
procuramos fugir. Além da tentativa de entender o documento nas suas circunstâncias históricas,
lançamos mão de hipóteses e intenções de pesquisas quando nossas fontes eram, ainda,
insuficientes para visualisarmos respostas às questões que surgiam. O fato dos principais temas
abordados neste Cine Jornal Informativo não terem sido, até onde sabemos, novamente tratados
em outras edições, isola nosso documento em sua série de produção e impede uma visão de
conjunto que poderia revelar continuidades ou rupturas.
De uma forma geral, o Cine Jornal Informativo. vol 1, nº 40. “O eclipse solar” nos
permite compreender os modos de criação de significados, que, como vimos, tinha a locução
10
como orientadora da sequência de imagens, usava determinados enquadramentos para transmitir
uma ideia e fazia uso da edição de imagens para montar um encadeamento com um determinado
sentido. Esta edição do Cine Jornal Informativo contém elementos que dizem respeito às relações
entre a sociedade e a pesquisa científica na segunda metade da década de 1940. A
espetacularização da ciência e do próprio eclipse contribuíram para dar à prática científica uma
grande importância social. Por outro lado, o deslumbre oferecido pelo espetáculo na tela grande
pode ter contribuído para tornar a prática científica algo inalcançável e ininteligível. Cremos que
o Cine Jornal Informativo em foco é produto e produtor de representações que circulavam à sua
época. Produto porque muito do seu conteúdo estava de acordo com ideias contemporâneas, o
que, muito provavelmente, orientou sua construção. Produtor porque ao (re)produzir as ideias que
circulavam em um novo formato e suporte sua característica criadora é ressaltada. Talvez,
pesquisas futuras revelem elementos que afastem a ideia de que este Cine Jornal Informativo seja
o resultado de ideias que circulavam, e o coloquem na esfera das intenções.
Por fim, entendemos que os acervos científicos, nas suas mais variadas naturezas, só
cumprem seu pleno papel como patrimônio histórico, a partir do momento em que estão
disponíveis ao público. Os usos e apropriações que emergem do contato entre a sociedade e seus
patrimônios históricos são múltiplos, e o Cine Jornal Informativo. vol 1, nº 40. “O eclipse solar”
enquadra-se nesta perspectiva.

Referências bibliográficas
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. O Cruzeiro e a Construção de um Mito da Ciência. Rio de
Janeiro: Perspicillum. Vol. 8, nº 1, 1994, p. 107 – 137.

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do


desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto – 2 ed., 1995.

Cine Jornal Informativo – Catálogo. Cinemateca Brasileira, 1992.

COLES, Peter. Einstein and the total eclipse. New York : Totem Books, 1999.
11

GLASS, Bentley. The academic scientists: 1940 – 1960. Science 132, nº 3427 (2 September
1960), p. 598 – 603.

GOMES, Renata Vellozo. Cotidiano e cultura: as imagens do Rio de Janeiro nos cinejornais
da Agência Nacional nos anos 50. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado – UFRJ, 2007.

GUILLERMIER, Pierre; KOUTCHMY, Serge. Total eclipses: science, observations, myths


and legends. New York: Springer, 1999.

RÊGO, Daniela Domingues Leão. Imagem e Política: estudo sobre o Cinejornal Brasileiro.
Campinas: Dissertação de mestrado - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes,
2007.

SOUZA, José Inácio Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História.
Questões e Debates. v. 38, p. 43-62, 2003. Disponível em
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewFile/2714/2251 Acessado no dia
07/08/2009.

Você também pode gostar