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Resumo
Em 20 de maio de 1947 ocorreu um eclipse do Sol que teve sua faixa de totalidade cruzando o
território brasileiro. A cidade de Bocaiuva (MG) recebeu diversas expedições científicas para a
realização de observações, coleta de dados e posteriores estudos deste fenômeno. As
circunstâncias do imediato pós Segunda Guerra Mundial conferiram um grande destaque na
imprensa nacional e internacional a este evento, produzindo registros em diferentes mídias.
Visamos analisar o registro fílmico: “Cine Jornal Informativo. vol. 1, nº 40. ‘O eclipse solar’”, na
medida em que este documento aborda uma produção científica específica e suas imbricações
com as circunstâncias históricas.
Abstract
On May 20, 1947 an eclipse of the Sun occurred that had its path of totality crossing the Brazilian
territory. The city of Bocaiuva (MG) had received several scientific expeditions to the
achievement of observations, data collection and subsequent studies of this phenomenon. The
circumstances of the immediate post second war gave a great emphasis on national and
international media to this event, producing records in different medias. We aim to analyze the
film: “Cinejornal Informativo. vol. 1, nº 40. ‘O eclipse solar’”, in the understanding that this
document approach a specific scientific production and its interplay with the historical
circumstances.
Keywords: total eclipse of the Sun, Cinejornal Informativo, science and society.
*
Mestrando do Programa de Pós Graduação em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista
CNPq. O autor agradece ao Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ) e à Cinemateca Brasileira (SP) por terem
oferecido o respaldo e apoio institucional necessários à elaboração deste artigo.
2
Eclipses totais do Sol e suas relações com a sociedade no pós Segunda Guerra Mundial
Eclipses totais do Sol obedecem a grandes coincidências naturais.3 Todavia, apesar das
coincidências serem grandes, elas não são raras. Os eclipses obedecem a um ciclo de cerca de 18
anos, chamado de Ciclo de Saros. Há mais de 150 tábuas de Saros, as quais cada uma contém
uma série que varia de 39 a 47 eclipses do Sol (que podem ser totais, parciais ou anulares). Isso
significa que não temos um eclipse do Sol a cada 18 anos, mas que a cada 18 anos assiste-se à
1
Encontramos referências à realização de outros filmes sobre o eclipse de 1947 no sítio da Cinemateca Brasileira.
Porém, a instituição não os possui em seu acervo. Trata-se de uma edição do Bandeirantes na Tela e outra do Notícia
da Semana. Tivemos ciência, também, de um registro fílmico sobre o eclipse de 1947 feito por Herbert Richers.
2
A Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura de Bocaiuva reproduziu o Cine Jornal Informativo. vol. 1, nº 40.
‘O eclipse solar’ e o exibe em sessões nas escolas da região. Esta ação visa recuperar a memória do acontecimento e
reforçar a ideia de que a cidade é, também, um local de produção de conhecimento. Esta atitude esta vinculada à
divulgação da abertura de pólos universitários da UNIMONTES, com os cursos de Química e Física, em Bocaiuva.
3
A distância entre a Terra e a Lua é 400 vezes menor que a entre o Sol e a Terra. O diâmetro do Sol é cerca de 400
vezes maior do que o da Lua. Esta coincidência faz com que o Sol e a Lua tenham aparentemente o mesmo diâmetro
quando observados da Terra e é um dos determinantes que propicia os eclipses totais do Sol..
4
ocorrência de um eclipse pertencente à mesma tábua, o que não impede que diferentes eclipses do
Sol ocorram em pequenos intervalos de anos, ou, até mesmo, em um mesmo ano.
No contexto do imediato pós-guerra o status social dos cientistas, principalmente os da
natureza, cresceu bastante. O uso militar da energia nuclear recrudesceu a corrida pelos meios de
sua produção, conferindo à pesquisa científica, especialmente à física, um caráter de
possibilitadora de aumento de poder dos governos frente a outras nações. Há de se considerar,
também, que a imprensa, de uma forma geral, passava por uma renovação – adquiria um caráter
mais empresarial e passou a contar com equipamentos mais modernos – na segunda metade da
década de 1940, o que ajudou a construir e a disseminar uma imagem dos cientistas como
celebridades. Neste cenário favorável ao desenvolvimento da ciência, houve a criação de
importantes instituições científicas como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em
1949 e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) em 1951.
Na circunstância histórica esboçada acima, foi identificada a circulação de notícias, em
alguns periódicos, que estabeleciam relações entre as observações científicas do eclipse de 1947 e
os aspectos beligerantes da recém terminada Segunda Guerra Mundial.4 Por mais que a
divulgação do plano de trabalho dos cientistas que vieram ao Brasil observar o eclipse total do
Sol de 1947 apontasse para estudos da atmosfera, da incidência dos raios cósmicos, da variação
do magnetismo terrestre e, principalmente, para a coleta de dados para comprovação da Teoria da
Relatividade as circunstâncias históricas da época indicam que, talvez, os cientistas tivessem,
também, interesse no aperfeiçoamento de armas.5
Durante a primeira metade da década de 1940 as áreas de influência russa e estadunidense
iam sendo definidas através de encontros como o de Yalta e Potsdam. O quadro de abertura
política desenhado no Brasil em 1946 não durou muito tempo, deteriorando-se pouco a pouco
frente a famosos discursos do então primeiro ministro inglês W. Churchill, em março de 1946, e,
principalmente, diante do discurso do Presidente dos E.U.A. Harry Truman, em março de 1947,
4
Estes resultados foram apresentados no 11º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia no painel:
“As expedições astronômicas na imprensa brasileira: o caso do eclipse de Bocaiúva”, de autoria do autor deste artigo.
5
Este é um dos possíveis desdobramentos da pesquisa que aqui é apresentada. Para ilustrar essa ideia, lembro que o
cientista que liderou a expedição dos E.U.A. em Bocaiuva, o físico Lymann Briggs, esteve à frente de uma Comissão
especial, Briggs Advisory Committee on Uranium, para o estudo das condições de aquisição e de fissão do Urânio
235, ao final dos anos 1930, quando Albert Einstein enviou uma carta ao Presidente Franklin Delano Roosevelt
alertando-o de que os alemães estavam estudando formas de desenvolvimento de uma bomba atômica.
5
que colocou os E.U.A. como defensores das democracias ocidentais e oficializou a ofensiva
contra o comunismo. Aproximando estes acontecimentos ao nosso objeto de estudo, essa
dicotomia política foi apropriada e gerou representações relacionadas ao eclipse total do Sol de
1947 em diversas mídias, inclusive no Cinejornal Informativo que será trabalhado a seguir.
Nenhum detalhe foi esquecido pelos homens da ciência, todos ansiosos pelo momento
em que iriam colher elementos da maior significação, dados preciosos e concretos para
aquilatar com segurança e base sólida sobre a Teoria de Einstein.
[...] Precisamente às oito horas e vinte e dois minutos inicia-se o eclipse [inaudível]
aceleram-se. Os cientistas entregam-se a estudos que hão de proporcionar o controle
comprobatório sobre a validade da Teoria da Relatividade de Einstein, a qual é de suma
importância no estudo da estrutura do átomo e do universo como um todo. (Transcrição.
Cinejornal Informativo: 1947).
Figura A Figura B
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Esta representação positiva sobre a produção científica circulou em diversos periódicos e foi observada no projeto
de pesquisa, cujo o autor deste artigo foi bolsista PIBIC: “Expedições Astronômicas no Brasil (1850 – 1950)”,
coordenado pela Professora Drª Christina Helena da Motta Barboza, da Coordenação da História da Ciência/ Mast.
7
Figura A.
8
Figura B.
7
A premissa desta indagação vale também para a locução de um trecho mais adiante, no
qual há uma ideia de separação entre duas categorias de homens promovida pelos produtores do
Cinejornal Informativo:
Figura C
O segundo momento, que é ao final do filme, difere um pouco do primeiro, pois há uma
clara edição de imagens que não segue a cronologia dos acontecimentos. As imagens10 seguem a
uma ordem estabelecida pela seguinte locução:
Locutores do rádio internacional transmitem para o mundo tudo quanto lhes foi dado a
assistir. Todos os detalhes do impressionante fenômeno, toda a atividade valiosa dos
homens da ciência e toda magnitude do eclipse solar, então observado, são
proclamados ao ouvido do universo inteiro. E depois, pouco e pouco o Sol começa a
fulgurar sobre Buki Uki, a cidade erguida em duas semanas, onde cem cientistas
realizaram estudos dos mais proveitosos para a ciência e para a humanidade.
(Transcrição. Cinejornal
Informativo: 1947).
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Figura C.
10
Figuras D, E e F. O encadeamento das imagens é o mesmo da ordenação das figuras.
Figura D Figura E Figura F
9
Conclusão
A análise tão e somente interna de qualquer representação é uma armadilha que
procuramos fugir. Além da tentativa de entender o documento nas suas circunstâncias históricas,
lançamos mão de hipóteses e intenções de pesquisas quando nossas fontes eram, ainda,
insuficientes para visualisarmos respostas às questões que surgiam. O fato dos principais temas
abordados neste Cine Jornal Informativo não terem sido, até onde sabemos, novamente tratados
em outras edições, isola nosso documento em sua série de produção e impede uma visão de
conjunto que poderia revelar continuidades ou rupturas.
De uma forma geral, o Cine Jornal Informativo. vol 1, nº 40. “O eclipse solar” nos
permite compreender os modos de criação de significados, que, como vimos, tinha a locução
10
como orientadora da sequência de imagens, usava determinados enquadramentos para transmitir
uma ideia e fazia uso da edição de imagens para montar um encadeamento com um determinado
sentido. Esta edição do Cine Jornal Informativo contém elementos que dizem respeito às relações
entre a sociedade e a pesquisa científica na segunda metade da década de 1940. A
espetacularização da ciência e do próprio eclipse contribuíram para dar à prática científica uma
grande importância social. Por outro lado, o deslumbre oferecido pelo espetáculo na tela grande
pode ter contribuído para tornar a prática científica algo inalcançável e ininteligível. Cremos que
o Cine Jornal Informativo em foco é produto e produtor de representações que circulavam à sua
época. Produto porque muito do seu conteúdo estava de acordo com ideias contemporâneas, o
que, muito provavelmente, orientou sua construção. Produtor porque ao (re)produzir as ideias que
circulavam em um novo formato e suporte sua característica criadora é ressaltada. Talvez,
pesquisas futuras revelem elementos que afastem a ideia de que este Cine Jornal Informativo seja
o resultado de ideias que circulavam, e o coloquem na esfera das intenções.
Por fim, entendemos que os acervos científicos, nas suas mais variadas naturezas, só
cumprem seu pleno papel como patrimônio histórico, a partir do momento em que estão
disponíveis ao público. Os usos e apropriações que emergem do contato entre a sociedade e seus
patrimônios históricos são múltiplos, e o Cine Jornal Informativo. vol 1, nº 40. “O eclipse solar”
enquadra-se nesta perspectiva.
Referências bibliográficas
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Janeiro: Perspicillum. Vol. 8, nº 1, 1994, p. 107 – 137.
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11
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1960), p. 598 – 603.
GOMES, Renata Vellozo. Cotidiano e cultura: as imagens do Rio de Janeiro nos cinejornais
da Agência Nacional nos anos 50. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado – UFRJ, 2007.
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Campinas: Dissertação de mestrado - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes,
2007.
SOUZA, José Inácio Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História.
Questões e Debates. v. 38, p. 43-62, 2003. Disponível em
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewFile/2714/2251 Acessado no dia
07/08/2009.