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No momento em que foi lançado, o Brasil vivia ainda mais do que agora um
período marcado pela ruptura comunicativa entre as bolhas sociais. Esses isolamentos
conjunturais reforçaram as lógicas inerentes aos respectivos paradigmas político-
ideológicos. Enquanto o discurso não especializado de variadas camadas da sociedade
acredita dominar conceitos e verdades absolutas, são nas ciências humanas que esses
grupos enxergam as mais completas certezas. Neste contexto, qualquer incidente pode ser
a ruptura inicial que permite o desenvolvimento das lógicas fomentadoras de
desinformação como já apontava Marc Bloch há um século:
[...] uma falsa notícia nasce sempre de representações que preexistem ao seu nascimento; só na
aparência é fortuita, ou, mais precisamente, tudo que em si tem de fortuito é o incidente inicial,
absolutamente um qualquer, que desencadeia o trabalho de imaginações, mas esta agitação só tem
lugar porque as imaginações estão já preparadas e fermentam surdamente (Bloch, 1998, p. 191).
[...] cada vez mais as pessoas formam sua idéia do passado através do cinema e da televisão, seja
por meio de filmes de ficção, docudramas, séries ou documentários. Hoje em dia, a principal fonte
de conhecimento histórico para a maioria da população é o meio audiovisual, um mundo livre
quase por completo do controle de quem tem dedicado a vida à História (Rosenstone, 1988, p. 2).
1
Disponível para acesso em: https://www.youtube.com/c/BrasilParaleloOficial.
2
Originalmente foi lançado na rede Cinemark, mas após a pré-estréia, que não deveria sequer ter
acontecido, a própria empresa “afirmou que o ocorrido foi um erro de ‘procedimento’” – fonte: Correio
Braziliense. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/04/02/interna-
brasil,746968/cinemark-emite-nota-de-esclarecimento-apos-exibicao-de-filme-sobre-196.shtml Acesso
em: 09 fev. 2022.
de alteridade com gerações anteriores fazem com que as reminiscências memorialísticas
acerca dos períodos históricos em primeira mão se tornem escassas3. Logo, vislumbra-se
o quadro no qual facilmente surgem novas versões, convincentes a certos olhos, sobre
eventos históricos. Porém, quando se busca fixar uma nova visão do passado,
constantemente ela remeterá mais ao momento atual do que ao período que propõe
representar.
1.2 Justificativa
3
Como bem questiona Walter Benjamin no seu artigo de 1933, “Experiência e Pobreza”.
4
O medicamento em questão seria a Hidroxicloroquina, incluída no “Kit COVID”, amplamente noticiado
na mídia, destacamos o resumo jornalístico da BBC – essa reportagem e várias outras estão anexados ao
corpus material arquivístico conforme proposto na metodologia. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57166743. Acesso em 04 março, 2022.
5
Fonte: JHU CSSE COVID-19 Data; veiculado pelo Google diretamente em sua plataforma. Acesso em
16 janeiro, 2023.
grupos de apoio caracterizaram-se, em parte, pela adesão em plano nacional a um amplo
movimento negacionista científico6, que por fim mina a legitimidade do campo
acadêmico e reflete em políticas públicas.
A busca do sentido, da inteligibilidade [...] se coloca na pesquisa histórica como um gesto a mais,
não separado dos outros, que procura religar os mortos aos vivos, o sujeito a seus semelhantes,
indicando os lugares da sua irredutível separação, lá onde interrompem a história para construir
outra, certamente pouco discernível, mas dizível (Farge, 2011, p. 12).
Para tanto, não será isolado em nível de análise o conteúdo da obra de sua dimensão social
(conjuntural) e econômica (estrutural) na construção de uma síntese conclusiva dos
resultados desta pesquisa. Pois, só será possível apreender uma compreensão abrangente
de suas significações no movimento da relação de seu conteúdo transmitido, sua produção
no período sócio-político coetâneo transposto à sua historicidade estrutural.
1.3 Crítica historiográfica
A História sempre recebeu propostas de revisão dos seus métodos e resultados,
principalmente por meio de novos trabalhos, além de críticas céticas. O negacionismo
6
Conforme apontado em inúmeros recortes jornalísticos, digitais e, principalmente, em artigos científicos
como: “Homo digitalis e as práticas de linguagem: do negacionismo ao ‘novo normal’ na sociedade
pandêmica” da professora Débora Hissa (UECE), “A construção do discurso negacionista frente à pandemia
da Covid-19 no Brasil: um recorte da fala presidencial de Jair Messias Bolsonaro” de Vanessa Aivi e
Rosemere de Almeida (UEMS); “Discursos negacionistas disseminados em rede” de Helcira Lima
(UFMG); “O ‘Gabinete das Sombras’ e o discurso negacionista no Brasil” de Hélio Oliveira (UNICAMP),
entre outros.
dissimulado de revisionismo histórico ganhou força indiretamente por conta dos preceitos
postulados pelos teóricos pós-estruturalistas das décadas de 1960 e 1970, principalmente
voltados como uma postura crítica ao estruturalismo e ao “marxismo vulgar” de caráter
determinista.
Atores sociais de diferentes áreas, envolvidos no movimento da “Virada
Linguística” como Hayden White, Derrida e Deleuze7, chegaram a teorizar que “a
descontinuidade entre narrativa e realidade argumentam com frequência que a
organização do texto em forma de relato impõe aos fatos a que se refere uma estrutura
[...]” (Cardoso, 2005, p. 62) e que essa estrutura configurada como narrativa
[...] não passa de produto de uma construção do imaginário [...]; não tem qualquer veracidade,
mesmo quando apoiada em fontes, pois não se trata de uma questão de documentação: tratar-se-
ia de uma descontinuidade profunda (Cardoso, 2005, p. 62).
Desta forma, na medida em que esta polêmica alimenta uma posição de ceticismo quanto
a produção historiográfica, o enfraquecimento do caráter de realismo da narrativa
histórica “Independentemente das intenções [...] conduz à ideia de que todas as versões
se equivalem, enquanto qualquer pretensão a um horizonte mais holístico ou geral seria
ilusória [...]” (Cardoso, 2005, p. 69). Essa suposta “equidade” discursiva, originalmente
pautada na natureza linguística da representação como narrativa (e no seu fechamento
sincrônico, simbólico e semântico em uma perspectiva saussariana com latente ignorância
em relação a seu referente externo), viria a ser um dos principais combustíveis teóricos
dos posteriores movimentos negacionistas.
No esteio desta discussão acerca do realismo epistêmico, os historiadores
buscaram incorporar os pontos positivos destas críticas pós-modernas ao seu trabalho. O
historiador Paul Veyne apontou diretrizes pontuais para a prática historiográfica: a fuga
da perspectiva parcial de uma verdade geral, absoluta, apreensível e seu corolário, uma
História totalizante unívoca (que será mais convicentemente delineada pelos
descolonialistas8 como Gayatri Spivak, Sanjay Subrahmanyam, Seth Sanjay, Achille
Mbembe, Chakrabarty, Enrique Dussel entre tantos outros críticos); o deslize entre o
discurso da verdade autoritária para o da explicação, da compreensão: o objetivo da
7
Ressaltamos o fato de usarmos e referenciarmos o historiador Robert Rosenstone na parte de metodologia,
sendo ele altamente influenciado por Hayden White em sua perspectiva da discussão do “Realismo
Epistêmico” e do caráter narrativo por excelência da produção historiográfica – sua contribuição aqui se
resume a preceitos audiovisuais.
8
O historiador Seth Sanjay é considerado pós-colonialista, no entanto, este trabalho não visa adentrar a
discussão conceitual entre os movimentos pós-colonial, decolonial e descolonial.
História agora se torna fazer compreender, sendo suas verdades sublunares9; o fim de
qualquer perspectiva da História escrita enquanto reflexo literal da realidade natural;
tomada de consciência do labor historiográfico conforme a prática que é, e o que isso
acarreta: suas limitações subjetivas (internas, pessoais ao historiador) e suas limitações
objetivas (o referente externo, a busca pela constatação das fontes materiais e dos
registros possíveis que fazem significação ao tema pretendido de abordagem ao evento
designado, a submissão ao que o autor chama de “campo factual”)10.
Anos depois, Paul Ricoeur virá deglutir estas lógicas historiográficas “pós-
modernas” e sintetizar um discurso metodológico-filosófico que incita o historiador a
buscar a ligação, originalmente pela investigação e posteriormente pelos meios
representativos, da conjuntura à estrutura e vice-versa. Destarte, tendo a disciplina
histórica seu referente a práxis social do passado, é na mudança da abordagem (com suas
consequências também nas durações temporais) que “em cada escala, vêem-se coisas que
não são vistas em outra escala e que cada visão está no seu direito.” (Ricoeur, 2007, p.
230)” e cujas múltiplas perspectivas analíticas podem, e devem, entrelaçar-se. O
historiador E. P. Thompson o fez com êxito em sua obra “Economia moral da multidão
inglesa no século XVIII”. Dessa maneira, neste projeto será resguardado aspectos
metodológicos do materialismo histórico na descrição das categorias constituintes do
objeto real e externo proposto, categorias que não são apenas de longa duração.
Simultaneamente, não se abandonará a contribuição do pós-modernismo à valorização
das formas capilares da existência social, que suscita um discernimento mais específico
e regionalizado, ao mesmo tempo em que renega uma perspectiva marxista vulgar que
termina por popularizar uma visão “determinista” da metodologia marxiana sobre a infra-
estrutura, que não é configurada na obra do próprio Marx11.
Conforme a História é
[...] por si só, revisionista, e o conhecimento está intimamente ligado à possibilidade de revisão.
O revisionismo é, portanto, inerente à pesquisa, pois a narrativa historiográfica é ancorada no
presente e é a partir dele que se constitui e se enriquece (Buzalaf, 2019a, p. 6),
9
Termo que Paul Veyne utiliza constantemente na obra que consta na próxima nota de rodapé. O conceito
de “sublunar” remete a realidade humana prática no mundo, à sua especificidade fugaz e indefinível
definitivamente, se não por abstrações – o mundo sublunar, o mundo da história, um mundo em devir
constante, tão real quanto impossível de ser esgotado.
10
Cf. VEYNE, Paul. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1998.
11
Como indica o professor José Paulo Netto sobre o método marxiano: a economia dá condição de
existência à sociedade burguesa, mas não determina sua complexidade.
sempre haverá de se pontuar e criticar a existência de narrativas enviesadas, que buscam
se camuflar intitulando-se como “revisionistas”, artificialmente partícipes do campo
discursivo da disciplina. Analisá-las em suas multiplicidades (divergências) e unicidades
(reminiscências) sempre que emergirem, identificar seus contextos, suas características e
suas produções de sentido – ou destruição de sentidos prévios – torna-se função social do
historiador.
Neste espírito, o caráter revisionista do filme que este projeto pretende analisar se
encaixa em um espaço de lutas que é historicamente datado e se relaciona com vários
movimentos, não apenas dentro da disciplina Histórica, mas também na sociedade civil –
na medida em que as feridas abertas pelas múltiplas transgressões institucionais ou sub-
reptícias dos agentes envolvidos nos confrontos políticos do período até hoje são sensíveis
- , no plano político contemporâneo direta e indiretamente, e nas discussões que remetem
ao avanço imagético da distribuição de informação. Discussões estas que apenas
recentemente tem se tornado objeto de estudo e interesse da História.
2. Objetivos da pesquisa
3. Metodologia
[...] analisar uma produção fílmica, o historiador não deve se limitar a uma simples enumeração
de erros e acertos em relação ao período histórico representado na tela, mas analisar como o
passado foi contado e, principalmente, por que foi contado com base em tal narrativa (Rosenstone,
2010).
12
Cf. FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1992. Coletânea com vários
de seus trabalhos mais célebres. Não é pretendido neste trabalho aprofundar as discussões acerca das críticas
posteriores a alguns dos preceitos que Marc Ferro viria a fomentar, como a ideia de “contra-realidade”
capturada pela câmera, já criticada por Eduardo Morettin. Cf. MORETTIN, Eduardo Victorio, O Cinema
Como Fonte Histórica na Obra de Marc Ferro. Referências completas no tópico “4.2 Bibliografia teórica”.
13
Este trabalho é inspirado, no que se refere à Análise do Discurso (AD) em preceitos específicos, advindos
das professoras Eni Orlandi e Maria do Rosário Gregolin (UNICAMP). Ressalta-se que tal escolha é
efetuada em detrimento de uma possível AD foucaultiana que renega os aspectos ideológicos de sua
produção, mas cuja teoria enunciativa aprofunda as pespectivas do não-dito da AD francesa marxista, e que
suas categorias de formação e subformação discursiva (com suas estratégias de formação dos objetos e
sujeitos) também poderiam ser profícuas para a construção da análise aqui proposta. por outro viés.
14
Este processo de dessuperficialização remete ao trabalho inicial do analista, que ao se deparar com a
materialidade discursiva (que pode advir de uma imagem, texto, fala, vídeo, etc), necessita seguir alguma
diretriz teórica específica relativa àquela forma material (texto [livro, notícia, etc], imagética [fotografia,
pintura, etc], audiovisual [filmes, propagandas comerciais, telejornais, etc] para embasar sua leitura
discursiva como uma prática e construir uma síntese. Cf. Eni Orlandi. Análise de Discurso: Princípios e
Procedimentos. 2020, p. 65.
15
Os preceitos teóricos explicitados estão presentes no artigo “A história depois do papel”, de Marcos
Napolitano, na coletânea da Prof.ª Carla Pinsky e no livro “A linguagem do cinema: uma introdução” de
Rodrigo Carreiro. Referências completas no tópico “4.2 Bibliografia teórica”.
texturas e tons predominantes da imagem (como a produção e direção utiliza essa
ferramenta para reforçar ou minar algum aspecto da construção dos ambientes ou do
psicológico dos personagens, de sua situação social ou da narrativa em geral?), efeitos
especiais, ângulos de gravação, encaixe e opção da trilha sonora. Por fim, e
principalmente, os diálogos. Não apenas são significativos em si isoladamente, mas
também indicarão as opções de direcionamento e roteiro da obra (omissões; trucagens;
ordenamento dos evento, falas e atividades; tempo da narrativa; montagem) e alimentarão
uma síntese de sua narrativa discursiva.
Este projeto não intenta esgotar a polissemia audiovisual, mas contribuir para sua
compreensão referencial. Nele, será cativado a consciência de que “Articular
historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa
apropriar-se de uma reminiscência [...]” (Benjamin, 1987, p. 225) e de que o “[...] cinema
é manipulação e é essa sua natureza que deve ser levada em conta no trabalho
historiográfico, com todas as implicações que isso representa” (Napolitano, 2005, p. 247)
como princípios analíticos para refletir sobre os condicionamentos referentes aos sentidos
estabelecidos nesta narrativa. Neste espaço, destaca-se o fato de que o sentido da obra
não é limitado apenas a parte linguística do ato comunicativo presente no filme, mas
igualmente no que é visível.
16
Referências completas no tópico “4.1 Levantamento de fontes”.
conjuntural na “questão democrática” - Argelina Cheibub: “Democracia ou Reformas?
Alternativas democráticas à crise política – 1961-1964”; Jorge Ferreira: “O governo João
Goulart e o golpe civil militar de 1964”, “A estratégia do confronto: A Frente de
Mobilização Popular”; e, finalmente, as obras que se situam no plano do novo ciclo
histórico, com acesso à documentação atualizada/inédita – Carlos Fico: “O grande irmão:
da Operação Brother Sam aos anos de chumbo. O governo dos Estados Unidos e a
Ditadura Militar brasileira”, Rodrigo Patto Sá: “Em guarda contra o perigo vermelho: o
anticomunismo no Brasil (1917-1964)”.
Para além, serão trazidos à análise três conceitos hodiernos que permeiam as
condições de inteligibilidade da emergência deste filme. Portanto, “Guerra Cultural”
agregará embasamento teórico proveniente das seguintes fontes primárias: o livro
“Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político” do autor João
Cezar de Castro Rocha (Stanford e UERJ), a tese de Bruno Teixeira (PUC-Campinas):
“As (re)configurações da guerra cultural no Brasil a partir da refusão no processo da
comunicação contemporânea” destacando-se a busca do distanciamento entre os
locutores e sua natureza política, e o artigo “O projeto Orvil e a introdução da Guerra
Cultural no contexto brasileiro” de Marcos Vinícius Festa (FUPF).
Outro conceito esclarecedor é a “Pós-Verdade”, que será analisado a partir dos
artigos: “A pós-verdade como acontecimento discursivo” de Silvânia Siebert e Israel
17
Ressalta-se que existem vários outros vídeos e materiais digitais disponíveis acerca da crítica deste
conteúdo, porém a excelência de divulgação científica (certificado pela associação “Science Vlogs Brasil”)
em linguagem didática executada pelo trabalho deste canal especificamente o torna um destaque.
Referência completa no tópico “4.1 Levantamento de fontes”.
Vieira Pereira (UFSC), “O que é a pós-verdade? Elementos para uma crítica do conceito”
de Eli Borges Junior (USP), “A era da pós-verdade no cenário político contemporâneo”
de Antonio Edson Ribeiro de Almada (UECE). Por fim, e mais importante, é o conceito
instituinte “Think Tank”, que caracteriza a organização da qual o filme é oriundo e será
relacionado a partir da tese “Menos Marx, mais Mises: uma gênese da nova direita
brasileira” de Camila Rocha (USP), do livro “A tragédia e a farsa – a ascensão das direitas
no Brasil contemporâneo” de Flávio Casimiro (UFF) e dos artigos “Think Tanks
ideológicos e a formação da opinião pública: reflexões sobre grupos conservadores, suas
redes e os estudos de comunicação” de Daniel Reis Silva (UFMG), “Think Tanks da
nova direita e suas estratégias de cooptação: caso do programa Imil (Instituto Millenium)
na sala de aula” de Eduardo Ferreira (USP) e “Conexões ultraliberais nas Américas: o
Think Tank norte-americano Atlas Network e suas vinculações com organizações latino-
americanas” de Katia Baggio (UFMG).
No sentido estrutural, não seria profícuo pensar nesta narrativa sem relacioná-la a
ascensão do ultraliberalismo. Como conectivo para alcançar as questões estruturais, a
caracterização de “Think Tank” será a chave, uma vez que sua historicidade remete às
origens dos primeiros idealizadores18 do que viria a ser atualmente considerado
“ultraliberalismo” pela ciência política e social. Antes de alcançar a contemporaneidade
econômica, há de se entrelaçar o trajeto histórico das Think Tanks ao ultraliberalismo.
Esta abordagem será inspirada pelo artigo “Breves apontamentos sobre o
ultraliberalismo” de João Miranda (UNISINOS) somada ao livro “O Brasil e o capital-
imperialismo” de Virgínia Fontes (UFF), aonde é visto que “[...] o termo ‘neoliberal’ é
bastante controverso e escorregadio e está distante de possuir status de uma categoria
conceitual precisa e sistematizada.” (Miranda, 2020, p. 1111), além de que
“O chamado ultraliberalismo se trata de transformações qualitativas em relação ao liberalismo,
entretanto, não no sentido de constituição de uma nova razão do mundo, mas sim para perpetuar
a velha ordem e razão burguesa, solidificando-a em patamares ainda mais regressivos de
expropriação e exploração da classe trabalhadora. Ou seja, ainda que se possa ver uma
radicalização do liberalismo [...], não se vê, contudo, transformações qualitativas nos
“pressupostos da subsunção real do trabalho no capital tais como estudados por Marx”, ainda que
tenha ocorrido a expansão quantitativa e internacionalizada [...].” (Miranda, 2020, p. 1113)
18
Conforme será demonstrado mediante a pesquisa das fontes previamente apontadas.
formas do ultraliberalismo no Brasil (tipificadas como “Social-liberal” [Governos FHC,
Lula e Dilma]).
“[...] reduz a percepção do conteúdo similarmente capitalista e imperialista que liga os dois
períodos, assim como apaga a discrepância que predominara entre a existência da população
trabalhadora nacional nos países imperialistas e nos demais” (Fontes, 2010, p. 154),”
Portanto, em prol das lutas e conceptualizações do tempo presente, será operado este
deslocamento na nomenclatura “neoliberal” para “ultraliberal”. Não como uma forma de
minar ou deslegitimar as análises prévias (que serão utilizadas e analisadas conforme
fontes apontadas acima), mas como uma contribuição para a atualização e reprodução
ideal do real movimento do objeto em sua trajetória. O ultraliberalismo é uma
terminologia recente, posterior à maioria destas obras que utilizam o termo
neoliberalismo que são datadas da década de 90 e início do terceiro milênio.
4. Bibliografia
19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg. Acesso em 07 fev., 2023.
20
Ficha técnica elaborada em conformidade com o esboço teórico proposto pelo professor Marcos
Napolitano em A História Depois do Papel. In. PINSKY, Carla (org.) Fontes Históricas. p. 269.
21
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