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FRANCISCO MOREIRA TURBIANI

A LUZ EM PROCESSO E O PROCESSO ATIVO DA LUZ:


MODO DE CRIAÇÃO E PROCEDIMENTO NA ILUMINAÇÃO CÊNICA
BRASILEIRA

Relatório de qualificação apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, para aprovação
parcial de pesquisa de doutorado.

Área de concentração: Artes Cênicas


Linha de pesquisa: Teatralidades e
Performatividades: Criação, Pensamento e
Percursos
Orientadora: Profa. Dra. Cibele Forjaz Simões

São Paulo
2024

1
Sumário
1. Atividades realizadas durante o curso ......................................................... 3
1.1. Dados pessoais do aluno ...................................................................... 3
1.2. Disciplinas cursadas.............................................................................. 3
1.2.1. Resumo .......................................................................................... 3
1.2.2. Trabalhos realizados....................................................................... 4
CAC5290-3/1: Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística.......... 4
CAC6012-1/1: Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística........ 10
CAC6027-1/2: À Luz da linguagem: a iluminação cênica, de instrumento
da visibilidade à dramaturgia do visível .................................................. 16
1.2.3. Vinculação com a tese .................................................................. 27
1.2.4. Histórico escolar ........................................................................... 29
1.2.5. Outras atividades .......................................................................... 30
2. Projeto da tese ........................................................................................... 31
2.1. Título ................................................................................................... 31
2.2. Objeto da pesquisa ............................................................................. 31
2.2.1. Justificativa ................................................................................... 31
2.2.1.1. A iluminação no Brasil enquanto área criativa........................ 31
2.2.1.2. Considerações a respeito da literatura estrangeira e nacional
sobre o tema........................................................................................... 32
2.2.2. Objetivos ....................................................................................... 33
2.3. Pesquisa bibliográfica ......................................................................... 35
2.4. Metodologia ......................................................................................... 35
2.5. Dificuldades encontradas .................................................................... 37
2.6. Como pretende continuar .................................................................... 37
2.7. Referências bibliográficas ................................................................... 38
2.8. Plano de Pesquisa .............................................................................. 40
2.9. Cronograma até o depósito da tese .................................................... 40
3. Apresentação do texto ............................................................................... 42

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1. Atividades realizadas durante o curso

1.1. Dados pessoais do aluno

Número USP: 6438941


Nome: Francisco Moreira Turbiani
CPF: 368.629.768-00
E-mail: f.turbiani@gmail.com

1.2. Disciplinas cursadas

1.2.1. Resumo

Ao longo da primeira metade da pesquisa, cursei quatro disciplinas,


totalizando 28 créditos. Para o envio do relatório de qualificação eram
necessários somente 21 créditos. Contudo, decidi cursar uma quarta disciplina,
ministrada por minha orientadora, por acreditar que poderia contribuir de forma
muito significativa para a pesquisa, tendo em vista a proposta de conteúdo
programático.
As disciplinas foram:

• Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas Sigla: CAC5290-3/1


• Espólios: a persistência de questões abertas pelas produções artísticas
das décadas de 1960 e 1970 na atualidade Sigla: CAP6003-1/1
• Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística Sigla: CAC6012-1/1
• À Luz da linguagem: a iluminação cênica, de instrumento da visibilidade
à dramaturgia do visível Sigla: CAC6027-1/2

Todas as disciplinas foram disponibilizadas pelo próprio PPGAC, com


exceção da segunda disciplina, realizada junto ao Departamento de Artes
Plásticas da ECA. A primeira disciplina foi cursada no primeiro semestre de 2022,
de forma remota. A segunda e a terceira, no segundo semestre de 2022 de forma
presencial. Já a quarta disciplina ocorrei ao longo do primeiro semestre de 2023.

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Com exceção da disciplina Espólios: a persistência de questões abertas
pelas produções artísticas das décadas de 1960 e 1970 na atualidade, todas as
disciplinas requereram a produção de trabalhos finais escritos, apresentados a
seguir. Já nesta disciplina, a avaliação foi realizada com a apresentação de um
seminário sobre o conceito de teatro site-specific e o grupo Teatro da Vertigem.

1.2.2. Trabalhos realizados

CAC5290-3/1: Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística

REVERBERAÇÕES DA DISCIPLINA NO PROJETO DE PESQUISA: EM


BUSCA DE UMA METODOLOGIA PARA INVESTIGAR A ILUMINAÇÃO CÊNICA.

Disciplina: CAC6012-1/1 Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas


Docente: Prof(a). Dr(a). Sayonara Souza Pereira
Discente: Me. Francisco Moreira Turbiani

RESUMO

Neste breve relato, busquei registrar algumas implicações que a realização da disciplina
“Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas”, disponibilizada pelo PPGAC-USP, teve
no desenho de pesquisa planejado por mim para o projeto de doutorado Luz em processo
e o processo ativo da luz: modos de criação e procedimentos metodológicos na
iluminação cênica brasileira.

ABSTRACT

In this brief report, I tried to register some implications that taking the course
“Methodologies for Research in Performing Arts”, made available by PPGAC-USP, had
on the research design planned by me for the doctoral project Light in process and the
active process of light: creation modes and methodological procedures in Brazilian scenic
lighting.

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Discorro neste texto sobre as diferentes reverberações que a realização da
disciplina “Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas”, disponibilizada pelo PPGAC-
ECA-USP, teve na reestruturação do meu projeto de doutorado em andamento.
Cronologicamente, creio ser importante ressaltar que frequentei a disciplina durante o
primeiro semestre da pesquisa que estou desenvolvendo. Creio que esse dado produziu
um fortuito casamento entre as temáticas discutidas nos encontros com a necessária
reescritura e aperfeiçoamento do desenho do projeto de investigação. Parece-me que este
é justamente o intuito da disciplina, que pesquisadores ingressantes possam refletir e
repensar seus caminhos metodológicos nas etapas iniciais de suas pesquisas.
Defendi minha dissertação de mestrado intitulada A luz em processo: um mergulho
na criação de Guilherme Bonfanti na Trilogia Bíblica do teatro da Vertigem em março
de 2021. A pesquisa desenvolveu um estudo sobre as formas de trabalho do iluminador
paulista Guilherme Bonfanti, mais especificamente no processo de criação da iluminação
dos espetáculos O Paraíso Perdido, O Livro de Jó e Apocalipse 1,11, que compõem a
chamada Trilogia Bíblica da companhia teatral Teatro da Vertigem.
Estudar a forma de trabalho do iluminador Guilherme Bonfanti nesses espetáculos
produziu em mim a constatação da

[..] fundamental importância de nomear e investigar a forma como


acontecem os processos criativos em iluminação no Brasil. Estudando e
analisando as criações luminosas apresentadas [...] fica evidente a relação
intrínseca entre os modos de produção dos processos criativos e os resultados
artísticos produzidos pelos mesmos.
(TURBIANI, 2021, p.181)

Além do mais, foram feitas pertinentes provocações pela banca de defesa que me
levou a acreditar que haviam sido deixadas em aberto na dissertação questões importantes
que poderiam embasar uma pesquisa mais aprofundada de doutorado. Deste modo, decidi
escrever um projeto no mesmo ano de 2021 para tentar ingresso novamente no PPGAC-
ECA-USP, agora como discente de doutorado.
Contudo, é preciso admitir que o projeto original foi escrito de forma
consideravelmente apressada, devido ao curto tempo entre a defesa e o processo seletivo

5
para o ano seguinte. Foi ao longo deste primeiro semestre já dentro do doutorado, e
justamente com a realização da disciplina, que pude revisar e rever algumas partes mais
frágeis do projeto de pesquisa proposto. A partir do confronto com diferentes
metodologias e formas de estruturação de pesquisas em artes apresentadas pelos
professores ao longo da disciplina, percebi que diversos pontos careciam de melhorias no
projeto, em especial o desenho do caminho metodológico escolhido e quais seriam os
objetivos da pesquisa.
A pesquisa de doutorado por mim desenvolvida tem como material de base o
conjuntos das entrevistas realizadas no programa de youtube Lighting Studio (LIGHTING
STUDIO, 2020), concebido e realizado durante o ano de 2020, por iniciativa minha e do
iluminador Guilherme Bonfanti, no contexto da pandemia de covid-19. Este material, que
segue disponível e acessível na internet, é composto por quarenta e quatro entrevistas com
diferentes iluminadores e iluminadoras brasileiras de diferentes regiões do Brasil. Além
disso, somam-se a elas cinco debates realizados para discutir temas decorrentes das
mesmas. Todos os vídeos tem duração aproximada entre uma hora e trinta minutos e duas
horas.
O conjunto das entrevistas é constituído por um grupo heterogêneo de pessoas
com formas diversas de pensar a iluminação cênica. Foi construído buscando abarcar
diferentes gerações, gêneros, etnias, regionalidades e áreas de atuação. No entanto, sua
composição foi limitada pela disponibilidade dos artistas e pelos contatos que
conseguimos acessar no momento de realização dos convites.
No que diz respeito ao objeto de pesquisa selecionado, trata-se de um conjunto de
informações muito amplo, vasto demais para ser trabalhado em sua totalidade durante
uma pesquisa de doutorado. Desde o início do projeto, sempre esteve presente a
necessidade de um recorte, que permita que a investigação ocorra com devido
aprofundamento. Em um primeiro momento, cogitei selecionar quatro ou cinco destes
artistas e trabalhar somente a partir de suas práticas, deixando os demais para outro
momento.
No entanto, durante a apresentação dos seminários da disciplina, surgiu uma
segunda possibilidade, que me parece mais rica diante da natureza tanto do objeto
estudado como da forma como pretendo aborda-lo. Eu partiria para organizar o material
estudado não a partir de um recorte de determinados artistas, mas de recortes temáticos.
A cada tema elencado, posso lançar mão de diferentes grupos de entrevistas onde este se
fez mais presente. Deste modo, não há o objetivo de dar conta de todo o trabalho de um

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(ou alguns) determinado artista, mas de entender alguns parâmetros centrais do trabalho
com iluminação, partindo deste amplo grupo de artistas selecionados. Deste modo, é a
partir do meu olhar e da minha prática como iluminador nos últimos catorze anos que
servirão como lente para o filtro e seleção dos fragmentos de processos e procedimentos
apresentados nas entrevistas.
Outro elemento que me parece fundamental de ser entendido é que as entrevistas
foram produzidas previamente ao início da pesquisa. No entanto, o programa já surge
tendo como questão central entender como criam e pensam iluminadores e iluminadoras
brasileiras. Desta maneira, mesmo que as perguntas antecedam a pesquisa, o material
bruto produzido dialoga diretamente com as questões que esta investigação pretende
fazer. O que proponho agora, como procedimento metodológico é voltar a elas e buscar
respostas nas entrelinhas, fazendo novas perguntas ao material, e escutar o que o material
me retorna como resposta. Como afirma o pesquisador Tim Ingold (INGOLD, 2012, p.
29) “observar uma coisa não é ser trancado para o lado de fora, mas ser convidado para
uma reunião”. Nem todas as perguntas que pretendo fazer são respondidas por todos os
entrevistados, mas acredito que é no seu conjunto e entrecruzamento que encontrarei as
possíveis respostas para cada uma delas.

[...] entrevistar pode ser uma forma empolgante de fazer pesquisas


fortes e valiosas. O desvendar de histórias e novos insights pode ser gratificante
para ambas as partes que interagem durante a entrevista. A leitura das
entrevistas transcritas pode inspirar o pesquisador a novas interpretações de
fenômenos bem conhecidos, e os relatórios das entrevistas podem contribuir
com novos conhecimentos substanciais para um campo.
(BRINKMANN; KVALE, 2009, P.14)1

Por outro lado, essas entrevistas foram pensadas, roteirizadas e conduzidas com a
minha participação. E isso não é de maneira alguma algo problemático. Há um
entrelaçamento entre o eu e objeto, mas acredito que será a partir do questionamento, das

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Tradução minha. No original: [...] interviewing can be an exciting way of doing strong and
valuable research. The unfolding of stories and new insights can be rewarding for both parties in the
interview interaction. Reading the transcribed interviews may inspire the researcher to new interpretations
of well-known phenomena, and the interview reports can contribute substantial new knowledge to a field.
(BRINKMANN; KVALE, 2009, P.14)

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perguntas ao material que surgirá um entendimento mais aprofundado do todo composto
por esse conjunto diverso de pontos de vista. Como afirma a pesquisadora Victoria Pérez
Royo,

[...] a pesquisa consiste – primeiro e acima de tudo – em um encontro em que


duas entidades se definem reciprocamente em sua inter-relação. Nesse caso,
trata-se de saber a maneira como se age; de conhecer a maneira própria de
formular problemas e de resolvê-los. Para esse fim, é necessário começar a
movimentar-se; parar de estar conectado ao objeto; abandonar os métodos
próprios de comunicar-se criados juntamente com ele e deslocar-se para uma
linguagem diferente; distanciar-se de si mesmo; formular-se em objetos
diferentes.
(ROYO, 2015, p. 539)

Também me parece fundamental compreender que esta pesquisa não se propõe a


dar conta de uma suposta totalidade das práticas da iluminação no território brasileiro, a
partir de qualquer pressuposto universalista nacional. Uma centena de importantes
profissionais da iluminação brasileira não está no escopo das entrevistas estudadas.
Certamente existem diversos outros profissionais brasileiros que poderiam ter sido
convidados para o projeto devido a sua competência e trajetória artística. Parece-me que
seria demasiado injusto e eticamente inconsequente buscar algum tipo de universalidade.
Além do mais, ela nem é almejada. Partimos do principio de que é justamente a
pluralidade e diversidade de formas e modos de ação no processo criativo da luz que
reside à riqueza dos trabalhos destes e destas artistas.
Esta pesquisa não tem por intuito em seu resultado propor um caminho criativo
rígido e de reprodução automática. Pelo contrário, propõem o estudo de uma série de
procedimentos e estratégias do processo criativo da iluminação que podem ser (ou não)
utilizadas de diferentes formas, ordenações, sequências ou lógicas. Parece-me que o
caminho sugerido neste texto, de trabalhar a partir da construção de fragmentos desse
grande conjunto de artistas, dialoga de forma muito mais direta com os princípios gerais
que conduzem o projeto. Assim, a questão central a respeito do tamanho do objeto de
pesquisa não sobre qual sua amplitude, mas como essa amplitude se relaciona com os
objetivos da investigação e de que forma esses objetivos articulam as ações propositivas
para a lida com o material e suas escolhas metodológicas.

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Finalizo a disciplina fortemente enriquecido pelas diversas e distintas – mas
complementares – metodologias de pesquisa em artes cênicas apresentadas. Mas mais do
que isso, com a percepção de que as ferramentas metodológicas adquiridas durante a
escrita da dissertação de mestrado não são suficientes para a empreitada proposta para
esta pesquisa de doutorado. Por mais que ambas dialoguem diretamente e uma seja fruto
da outra, estamos trabalhando com significativas mudanças no escopo do objeto de
estudo. Deste modo, novos objetos e novas perguntas pedem outros procedimentos
metodológicos a serem explorados.

BIBLIOGRAFIA

BRINKMANN, S.; KVALE, S. InterViews: learning the craft of qualitative research


interviewing. 2ª. ed. Thousand Oaks: Sage, 2009.

LIGHTING STUDIO. Canal Lighting Studio. Canal de entrevistas com iluminadores


sediado na plataforma Youtube. 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/channel/UCXkg9fxW8eYtfjug7FGMSyQ>. Acesso em: 02
de julho de 2021.

INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo

de materiais. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, p. 25-44,

jan./jun. 2012.

TURBIANI, Francisco Moreira. A luz em processo: um mergulho na criação de


Guilherme Bonfanti na Trilogia Bíblica do teatro da Vertigem. 2021. 232 f. Dissertação
(Mestrado em Artes Cênicas) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2021.

ROYO, Victoria Pérez. Sobre a Pesquisa em Artes: um discurso amoroso. Revista


Brasileira de Estudos da presença, Porto Alegre, v.5, n. 3, p. 533-558, set./dez. 2015.
Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbep/a/XHhfK4nqZVHCQNgZdvYyhmL/
?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 13 de julho de 2022.

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CAC6012-1/1: Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística

Disciplina: Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística – CAC6012-1/1


Docente: Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
Discente: Francisco Moreira Turbiani (doutorando)

A proposta de mediação artística, desenvolvida a partir dos estudos e


trocas da disciplina e descrita a seguir, foi pensada para um grupo específico e
determinado de espectadores. Busquei, assim, relacionar as questões relativas
à mediação teatral com minha atividade profissional e docente com iluminação
cênica, mais especificamente como formador do curso técnico em teatro com
ênfase em iluminação cênica na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das
Artes do Palco.

Essa escolha pode a principio aparentar ser oriunda de uma mera vontade
pessoal de aproximar meu campo de atuação e pensamento à disciplina – não
que acredite existir um problema na questão em si caso assim o fosse. Contudo,
intuo existirem singularidades no curso no qual leciono em que a prática da
mediação artística seria demasiada proveitosa na formação de iluminadoras e
iluminadores, técnicos e técnicas de iluminação. Dada a natureza singular do
grupo de estudantes de iluminação, a aproximação com obras teatrais através
de uma prática de mediação artística poderia ser valiosa.

As turmas de iluminação, por uma séria de razões que explicarei a seguir,


se constituem em um grupo marcado por sua heterogeneidade nas diversas
esferas que caracterizam seus indivíduos. Uma primeira característica que é
importante ser ressaltada é a origem diversa dos estudantes que buscam o
processo seletivo da escola. Nos processos seletivos, entrevistamos pessoas
que tem as mais distintas experiências e formações. É muito comum a presença
de pessoas formadas no audiovisual, radio e teve, fotografia, arquitetura,
animação, artes visuais, por exemplo, além de casos pontuais de pessoas que
atuam em áreas completamente distintas do campo artístico. Posso elencar de
memória candidatos oriundos da farmácia, gerontologia, filosofia, história,

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advocacia, etc. Sempre existem estudantes oriundos do próprio campo teatral,
seja por experiência amadora, profissional e/ou formação universitária, mas esse
grupo nunca está próximo de constituir uma maioria. Outra característica
marcante é a baixa procura de pessoas jovens, sem nenhuma formação anterior,
imediatamente saídas do ensino médio.

De qualquer forma, uma característica marcante é tratar-se de um grupo


com pouquíssima proximidade com a linguagem teatral, ou mesmo o habito de
frequentar o teatro. Além disso, não existe no curso alguma forma de ciclo básico
introdutório, que de a mesma formação teatral a todos os estudantes
independente de suas habilitações. Por mais que existam conteúdos sobre a
linguagem teatral ao longo do curso, isso não está estruturado de uma forma que
os dê uma base teatral comum.

Além do mais, o curso é estruturado de forma modular e semestral, o que


significa que todo semestre a turma é composta por estudantes mais veteranos,
que já cursaram um, dois até três semestres anteriormente, junto de
ingressantes que acabaram de começar o curso. Deste modo, pensar a
mediação para esse grupo pode a princípio parecer simples, mas tratasse de um
grupo muito heterogêneo com diversos graus de conhecimento e proximidade
com o meio teatral.

Outra questão muito característica dos estudantes de iluminação é a


dificuldade de expressão em coletivo. Ao longo dos anos, fatores como timidez
ou baixa autoestima intelectual, mostraram-se barreiras na sala de aula,
produzindo estudantes que não falam que não tem opinião e quando indagados
no coletivo nada tem a dizer.

Deste modo, busca-se uma mediação que permita aos estudantes


produzirem suas próprias leituras não somente sobre o espetáculo, mas sobre
as escolhas criativas presentes na iluminação do mesmo. E exercitarem a
partilha e expressão de suas ideias e pensamentos. Procura-se uma mediação
emancipatória, em consonância com os princípios pedagógicos que guiam o
curso.

Tanto Guilherme Bonfanti, coordenador do curso de iluminação, como eu,


enquanto artista docente do curso, acreditamos em uma formação que não

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busca impor uma “maneira correta” de iluminar, onde basta seguir princípios
gerais e métodos genéricos como “tal aparelho serve para tal coisa” ou “este tipo
de luz se faz desta maneira”, mas sim que cada novo processo criativo contém
a descoberta dos caminhos para o desenho de iluminação. Deste modo
buscamos sempre colocar os estudantes em confronto com o trabalho de outros
profissionais da iluminação, para que entrem em contato com diferentes
pensamentos e maneiras de criar luz.

A mediação proposta abaixo parte dos seguintes princípios:

-Criação de um ambiente onde todos se sintam à vontade para colocar


suas ideias, mesmo que não tenham certeza sobre suas opiniões.

-Evitar um olhar tecnicista sobre o espetáculo, observando somente a


iluminação desconectada dos demais elementos da cena.

-A luz é um elemento estrutural e estruturante da acena, produtor de


expressividade e construtor de sentido para o espectador.

Para o exercício foi escolhido o espetáculo Museu Nacional, do grupo


Barca dos Corações Partidos, com texto e direção de Vinicius Calderoni. A peça
esteve em cartaz no SESC Vila Mariana entre 14 e 30 de outubro de 2022. O
projeto de iluminação é assinado pelo iluminador Wagner Antônio. A escolha deu-
se pela percepção que o espetáculo possui um desenho de iluminação rico em
elementos técnicos para discutir as questões abaixo propostas.

1. Chegada
Como dito anteriormente, as praticas do curso de iluminação por vezes
podem se tornar muito tecnicistas, e atividades de formação teatral geral se
tornam necessárias. Um reflexo deste formato é que são raras as situações onde
conseguimos instaurar um ambiente mais teatralizado, de concentração,
ritualizando um pouco mais a sala de trabalho. Para esta pratica de mediação,
creio ser importante começar o trabalho com um exercício que, mesmo que
simples, possa aquecer a escuta e a concentração do grupo. Além disso, é uma
forma de diferenciar a dinâmica da sala de uma aula entre tantas, instaurando
um clima específico. Praticas de apresentação em que cada integrante diz seu

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nome ou coisas similares não fariam sentido nesse caso, visto que o grupo já se
conhece.

Desta forma, a pratica se inicia pedindo que o grupo forme uma roda de
cadeiras, tentando formar um circulo bem desenhado e sem buracos. Sentados,
é proposto um exercício com palmas, onde uma pessoa bate uma palma, a
pessoa ao lado bate uma palma e seguida, depois a seguinte, e assim por diante.
É importante que as palmas sigam um ritmo específico e contínuo. Quando a
sequência de palmas circular a roda toda e voltar para a primeira pessoa, a
pessoa seguinte deve bater a palma junto com a primeira. A sequência de palmas
segue pela volta toda e quando for iniciar novamente a três primeiras pessoas
batem palmas juntas, depois as quatro primeiras, depois as cinco, e assim por
diante até que a roda toda bata uma palma final todos ao mesmo tempo. Busca-
se assim aquecer a concentração e atenção do grupo.

Em seguida, como forma de iniciar uma aproximação com o espetáculo,


é requisitado o seguinte ao grupo:

“Agora, vou pedir que cada pessoa faça o exercício de


lembrar um item ou objeto expositivo do museu nacional que
estava presente no espetáculo. Não precisa escolher, não. O
primeiro que ver à mente. Aí escrevam em um papel ou no
caderno mesmo, de qual objeto vocês lembraram.”

Quando o grupo tiver concluído o pedido, as pessoas dizem o que


escreveram, e podem levantar a mão aqueles que por ventura tiverem se
lembrado do mesmo objeto, para que vejamos quais foram mais presentes no
grupo. Caso alguém se lembre de outros objetos que não foram citados também
será incentivado a se colocar neste momento coletivo.

2. Espetáculo
Em seguida, é dada a seguinte orientação:

“Agora quero que cada pessoa feche os olhos e tente


rememorar o espetáculo. Aquilo que ficou na memória de vocês.
Podem ser passagens, cenas, imagens, momentos, fragmentos.”

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É dado um tempo para que as pessoas rememorem o espetáculo, sendo
orientado em seguida:

“Vamos partilhar algumas coisas que ficaram na memória


de você, quem quiser pode começar falando. Só existe uma
regra neste momento, não é permitido falar nada sobre a
iluminação do espetáculo, seja de fora mais técnica, seja
descrevendo uma luz. Nada do tipo: ‘aquela luz assim assado’
ou ‘aquele momento que acendia tal’. Se forem descrever algum
momento ou imagem do espetáculo, o façam sem se referenciar
à iluminação.”

Em coletivo, as pessoas são incentivadas a se colocar. O mediador vai


conduzindo a conversa, questionando para que deem descrições mais precisas
e buscando relações entre o que cada pessoa falar.

“Para próxima parte, quero que vocês se dividam em


grupos de quatro ou cinco pessoas”. Vou dar um tempo, trinta
minutos, para que vocês conversem nos grupos buscando
responder às seguintes perguntas:

-Na opinião de vocês, qual o tema central da peça?

-E quais seriam os temas tangenciais que também estão


presentes?

-Qual é, para vocês, o discurso da peça? O que o grupo


está buscando dizer através da narrativa sobre o museu
nacional?”

Após o tempo estipulado, forma-se novamente uma roda com todos os


integrantes na sala para a partilha de um breve resumo do que foi discutido em
cada subgrupo.

3. A iluminação
Em seguida, possivelmente após um breve intervalo para beber água e
demais necessidades, é dada a seguinte orientação:

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“Vamos falar um pouco agora sobre a iluminação
propriamente dita. Vamos começar elencando elementos da
iluminação que vocês perceberam no espetáculo. Pode ser de
forma muito livre mesmo, das primeiras coisas que vierem, eu
vou escrevendo aqui na lousa.”

Neste momento é possível que as pessoas elenquem descrições um tanto


vagas dos elementos constitutivos da iluminação, e cabe à mediação puxar cada
vez mais para que o exercício de descrição seja o mais detalhista possível,
respondendo às falas com perguntas cada vez mais precisas. Conforme
elementos forem surgindo, o mediador vai escrevendo na lousa, para que todos
possam ver a lista de elementos da iluminação construída em conjunto. Nesse
momento pode ser que surjam elementos mais técnicos como “o contraluz
diagonal âmbar afinado em leque” ou “as luzes laterais de chão com filtro de
correção quente” ou mesmo questões mais amplas quanto às escolhas estéticas
do iluminador, tais quais “os corredores de luz que eram utilizados nas cenas em
que os atores estavam andando pelos corredores do museu ou “os focos eram
todos recortados para não pegar as pernas dos atores, iluminando somente o
tronco, remetendo a um quadro”.

“Para esta ultima etapa do encontro, gostaria de pedir


que vocês voltassem a formar grupos de quatro ou cinco
pessoas, mas que não a gente não repita os mesmos grupos.
Vamos misturar um pouco. Nos grupos quero que vocês observem
um pouco essa lista que criamos em conjunto e tentem
responder à seguinte pergunta:

-Como a iluminação do espetáculo se articula com os


elementos discursivos e narrativos que conversamos na
primeira parte do encontro? Onde ela constrói e se constitui
como parte desse discurso?

Novamente vou dar um tempo de trinta minutos para que


vocês conversem e em seguida retornamos para a roda.”

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Após o tempo estipulados, há a volta para o grupo coletivo e é feita a
partilha das conclusões de cada subgrupo. Encerra-se, assim, o encontro de
mediação artística.

CAC6027-1/2: À Luz da linguagem: a iluminação cênica, de instrumento da visibilidade


à dramaturgia do visível

Discente: Ma. Francisco Moreira Turbiani


Docente: Prof. Dr. Cibele Forjaz Simões
Disciplina: CAC6027 - À Luz da linguagem: a iluminação cênica, de
instrumento da visibilidade à dramaturgia do visível
Universidade de São Paulo – 1ºsem. 2023

PERSPECTIVAS DA PROCESSUALIDADE DA ILUMINAÇÃO NO CONCEITO


DE LUZ ATIVA DE ADOLPHE APPIA

As contribuições do cenógrafo, diretor, teatrólogo e iluminador Adolphe


Appia para o campo da iluminação cênica são profundas e influenciaram
diversas experiências teatrais ao longo do século XX. Prenunciaram em seu
tempo um potencial ainda pouco explorado das possibilidades que a luz teria
como capacidade comunicacional, para além do paradigma representacional de
seu tempo.

Neste texto, buscarei analisar algumas passagens de sua obra, à luz de


um pensamento contemporâneo do fazer teatral, partindo da seguinte
indagação: Como podemos reelaborar as proposições de Luz Ativa a partir do
paradigma da processualidade?

Para tal, farei referência a algumas passagens dos textos A Encenação


Como Meio de Expressão, de 1899, e A Obra de Arte Viva, de 1921, ambos

16
recentemente publicados pela editora perspectiva com tradução de Jacó
Guinsburg e apresentação de Cibele Forjaz.

Ao publicar suas concepções para uma nova cena teatral, Appia critica
diversas práticas recorrentes da época ligadas ao uso dos telões pintados e a
longa tradição de técnicas de perspectiva para a criação da ilusão de espaços
tridimensionais na pintura em telões cênicos bidimensionais. Ao analisar o seu
uso na época, conclui que haveria uma contradição inconciliável entre a “luz
fictícia” pintada de forma ilusória nos telões cenográficos e a luz concreta, real,
incidindo sobre o espaço cênico e, mais importante, sobre os corpos em cena.

O jogo harmonioso de tudo isso é evidentemente muito


complicado, tão complicado mesmo que ele o é perfeitamente
impossível, e nossos espetáculos constituem prova. Há aí vários
elementos contraditórios para poder jamais fornecer seja qual for a
harmonia; por isso se renunciou e se fragmentou impiedosamente o
exercício do mais poderoso de todos os engenhos cenográficos. Como
conciliar, com efeito, uma luz destinada a iluminar as telas verticais e
que incida igualmente nos objetos dispostos entre elas, com uma luz
destinada a esses objetos e que incida do mesmo modo nas telas
verticais? Em um tal estado de coisas seria ridículo falar da qualidade
das sombras! E, no entanto, não é de plástico, seja qual for seu tipo,
animada ou inanimada, que se possa dispensar. Se não há sombra,
não há luz, porque a luz não é de “ver claro”; para os mochos é a noite
que é dia; “ver claro” só diz respeito a nós, o público; a luz se distingue,
pois, por sua expressão. Se a expressão falta, não há luz, é o caso de
nossas cenas: a gente “vê claro”, mas sem luz, e é por essa razão que
um cenário só é expressivo na ausência do ator, pois a luz fictícia
pintada sobre as telas corresponde às sombras, não menos fictícias,
que aí são pintadas do mesmo modo. O próprio ator é um corpo sólido,
que nenhuma luz fictícia pode aclarar: para ter luz na cena, é preciso
renunciar a um ou ao outro. Renunciando ao ator, suprime-se o drama
e se cai no diorama; é, portanto, a pintura que é necessário sacrificar.
APPIA, 2022, p.245

Diante desse impasse, Appia propõe então que é a luz física, real, que
deve ser valorizada, mesmo que isso signifique o sacrifício de determinadas
tradições ilusórias da pintura cenográfica. Ele questiona e recusa a luz fictícia e
aponta a difícil tarefa técnica de iluminar com qualidade os telões pintados e ao

17
mesmo tempo fazer incidir sobre os corpos em cena uma iluminação que seja
coerente com as luzes e sombras representadas no telão. Ao tentar resolver esse
difícil problema ilusório, a iluminação cênica ficaria presa a uma atividade muito
aquém de seu pleno potencial.

Em nossos palcos modernos, a iluminação não tem atividade;


o seu fim é apenas o de deixar ver a pintura do cenário; o ator participa
dessa luz geral, sendo-lhe acrescentado a ribalta para que ele seja
iluminado por todos os lados. A iluminação destinada às telas pintadas
poderia a rigor conservar uma aparência de atividade diante do ator se
a ribalta não viesse enfraquecer e esvaziar de uma vez o pouco de
expressão representativa que a plantação lhe concedia.
APPIA, 2022, p. 258

O teatrólogo defende, assim, a valorização da iluminação como força


tridimensional e espacial, capaz de, em interação com o corpo atuante, e os
demais elementos da cena, produzir movimento.

Appia propõem ainda, uma nova forma de organizar e estruturar a


iluminação na cena. Isso é feito no texto de forma tanto teórico-conceitual como
com a descrição de uma estrutura muito concreta e material de como empregar
os refletores e fontes de luz disponíveis em seu tempo. É importante levarmos
em consideração que os meios técnicos da iluminação cênica no tempo histórico
de Appia é significativamente diverso do nosso atual. Por mais que a iluminação
elétrica já fosse uma realidade amplamente presente no meio teatral a partir da
virada do século XX, os refletores, sistemas de fixação e controle da luz eram
muito mais rudimentares do que aqueles que temos presentes nos dias de hoje.
Se deixarmos de fora toda a diversidade de equipamentos de iluminação
multiparâmetros que se utilizam da eletrônica e da robótica existentes nos dias
atuais e nos atermos somente a refletores de luz incandescente, ainda assim
percebemos diferenças radicais na variedade e qualidade tanto ótica como
luminosa dos refletores de hoje e aqueles aos quais Appia se referia a mais de
cem anos atrás.

Tal contextualização não rejeita, de forma alguma, o reconhecimento da


radical transformação que foi o advento da iluminação elétrica para as artes da
cena.

18
Com a eletricidade, adentrou ao teatro uma espécie de
dialética luz/escuridão que não tinha tido muitas possibilidades nos
séculos anteriores e trouxe consigo a promessa de novas condições
para a criação de espaço e tempo.
Crisafulli, 2013, sem página2

No entanto, por mais revolucionária que seja o advento da eletricidade


para a cena teatral, toda revolução tecnológica possui seu próprio tempo e é
construída a partir da sucessão de pequenas transformações. De início, as
possibilidades da iluminação elétrica se apresentam muito mais como uma
potência a ser explorada do que como um elemento totalmente reconhecido.

As potencialidades das fontes de luz elétrica não foram,


certamente, totalmente apreciadas no início. Como acontece
frequentemente com a chegada de uma nova tecnologia, esta foi
inicialmente utilizada pela sua capacidade de melhorar a qualidade de
funções já estabelecidas e pelos aspectos inovadores mais marcantes
e espetaculares. Inicialmente, a sua utilização foi orientada
principalmente para a obtenção de uma melhor visibilidade da cena,
além de efeitos fantasmagóricos e imaginários e, como já foi referido,
dos efeitos atmosféricos obtidos com projeções. Os aspectos
linguísticos e estruturais raramente eram levados em conta
metodicamente.
Crisafulli, 2013, sem página3

Com a chegada da iluminação elétrica, ela é utilizada inicialmente para


reproduzir exatamente as mesmas funções e produzir qualidades de luz
similares às fontes de luz a gás. Muito rapidamente diversos teatros converteram
seus sistemas de iluminação a gás para a energia elétrica, inclusive aproveitando
estruturas preexistentes nesse processo. “As lanternas eléctricas foram
inicialmente penduradas nos canos de gás de 2 polegadas que substituíram a

2
Tradução minha. No original: A type of light/dark dialectic which entered the theatre along with
electricity and hadn’t had many possibilities in previous centuries, brought with it the promise of new
creative space and time conditions. (Crisafulli, 2013, sem página)
3
Tradução minha. No original: The potential of electricity sources certainly weren’t fully appreciated at
the start. As often happens with the arrival of new technology, it was initially used for its ability to improve
the quality of established functions, and for the innovative aspects which were the most striking and
spectacular. Initially, its use was mainly directed at achieving improved scene visibility, in addition to
ghostly and imaginary effects and, as mentioned previously, atmospheric effects obtained with
projections, though linguistic and structural aspects were rarely taken into account methodically.
(Crisafulli, 2013, sem página)

19
iluminação a gás original, daí o termo "tubo" utilizado em alguns países para as
varas de iluminação” (MORT, 2011, p. 39)4. Podemos ver de forma evidente esse
processo de transição inicial do gás para a iluminação elétrica na ilustração
abaixo:

4
Tradução minha. No original: Electric lanterns were first hung on the 2” gas barrels tha suplied the
original gas lighting, hence the term ‘pipe’ used in some countries for lighting bars.(MORT, 2011, p. 39).

20
Figura 1 - Sistema de baterias de iluminação elétrica na Ópera de Paris em 1887 e os
sistemas a gás anteriores que haviam sido substituídos.

Fonte: CRISAFULLI, 2013.

Nos anos seguintes, serão desenvolvidos os primeiros refletores, muito


similares aos PCs (Plano-convexo) contemporâneos a partir da adaptação de
refletores de carbureto (limelight) com lâmpadas incandescentes, permitindo
controlar melhor a direção da luz dessas fontes. Podemos ver no trecho abaixo
Appia se referir a esses refletores como “fontes móveis e manipuláveis”, ao listar
as formas como a tecnologia da época era empregada na cena.

21
Sobre nossas cenas, a iluminação se faz simultaneamente sob
quatro formas diferentes:

1. As varas de iluminação fixas que, colocadas nos frisos, devem


iluminar as telas pintadas e ser apoiadas nos bastidores e
sobre o palco da cena por meio de ribaltas mais móveis, cujo
objetivo é o mesmo.
2. Aquilo que denominamos “a ribalta”, essa singular
monstruosidade de nossos teatros, encarregada de iluminar o
cenário e os atores pela frente e por debaixo.
3. Os aparelhos completamente móveis e manipuláveis para
fornecer um raio preciso, ou diversas projeções.
4. Enfim, a iluminação por transparência, isto é, a que valora
certos motivos transparentes da pintura, iluminando a tela pelo
lado oposto ao público.

O jogo harmonioso de tudo isso é evidentemente muito


complicado, tão complicado mesmo que ele o é perfeitamente
impossível, e nossos espetáculos constituem prova.
APPIA, 2022, p. 244.

Appia aponta como impossível a coexistência dessas múltiplas fontes de


luz de forma a produzir algo que considerasse positivo para a cena. Novamente
aqui, está criticando o uso simultâneo de formas de iluminar antagônicas. Nessa
equação, um elemento luminoso impede o outro de existir.

É diante desse contexto tecnológico que Appia propõe que a iluminação


cênica seja pensada a partir de duas qualidades e atividades dentro da cena: luz
ativa e luz difusa. A segunda teria a função de permitir a visibilidade dos
elementos e corpos em cena, enquanto a primeira configuraria realmente a
expressividade da iluminação.

Antes de tudo é preciso procurar em que categoria de luz


(difusa ou ativa) cada aparelho pode ser colocado. Do mesmo modo
que é possível julgá-los a priori, os aparelhos serão os menos
manipuláveis, os menos móveis e que difundem sua luz de maneira
mais proporcional por toda parte, que hão de ser encarregados da luz
difusa; isto é, as varas de iluminação, as rampas móveis e, em um grau
evidentemente mínimo, as luzes da ribalta. Nenhuma dúvida de que o
modo de as instalar e de empregá-las será muito diferente para um

22
cenário que não rege mais a pintura em sucessão de telas paralelas,
mas o princípio de sua construção particular não pode variar muito. Os
aparelhos inteiramente móveis e manejáveis produzirão a luz ativa e
serão objeto do máximo cuidado no aperfeiçoamento de seu
mecanismo. Às instalações mais ou menos fixas da luz difusa serão
acrescentadas telas de uma transparência variável, destinadas a
atenuar o efeito muito acentuado de sua claridade sobre os objetos de
seu entorno imediato e sobre os atores que dele se aproximam. Uma
parte essencial dos aparelhos móveis e manejáveis da luz ativa será
constituída pelas diversas maneiras de interceptar sua claridade, e se
o procedimento elétrico da luz puder ser fixado aproximativamente
antes de seu emprego dramático, o da obstrução (embora invisível)
pertence ao próprio cenário, e será sempre combinado ad hoc, de
acordo com a plantação. Já vimos, em se tratando deste último, qual é
a importância da obstrução parcial da luz ativa para conservar a
integridade expressiva do quadro; a pintura irá nos fornecer novos
exemplos disso. Quanto à iluminação por transparência das telas
pintadas, ela faz parte exclusiva da pintura e não exerce influência
sobre a luz ativa senão na medida em que é própria para lhe dar livre
curso, visto que ilumina a pintura sem iluminar o restante do cenário.
APPIA, 2022, p. 246

Appia aponta que determinados equipamentos, devido a suas qualidades


luminosas, deveriam ter funções diferentes no iluminar. Para ele, luz ativa e
difusa não são conceitos antagônicos, mas que poderiam e deveriam ser
trabalhados em comunhão na cena teatral. Para isso, seria necessário um
equilíbrio, para que uma qualidade de luz não interferisse na outra.

A luz difusa e a luz ativa só existem simultaneamente por


seu grau diferente de intensidade. A luz difusa sozinha é simplesmente
“ver claro”, o que no drama do poeta-músico corresponde ao signo. A
luz ativa sozinha é a noite (lua ou tocha) ou o sobrenatural. A diferença
de intensidade entre as duas luzes não deve ser inferior àquela que a
existência de sombras torna necessária. Abaixo desse mínimo, suas
combinações são de uma variedade infinita. Entretanto, um desvio
demasiado grande, ao nos impedir de perceber a luz difusa, torna a
iluminação exclusivamente ativa e a submete então às condições da
média visual do público, assim como o veremos ao tratar da sala. Para
evitar sombras que alterariam a potência da luz ativa, a luz difusa deve
aclarar todas as partes do material cenográfico (inclusive os atores).
Quando por meio dela se passar a “ver claro” sobre a cena e quando

23
as sombras lançadas se contrariarem suficientemente para se anular,
a luz ativa poderá fazer sua aparição, pois, com exceção dos casos,
sem dúvida raros, em que uma ou a outra das duas luzes deverá operar
sozinha, é evidente que é por “ver claro” que se deverá começar. A
intensidade da luz difusa será a seguir regulada pela intensidade da
luz ativa. Essa distinção fundamental das naturezas diferentes de luz é
a única noção técnica que pertence como propriedade da iluminação
no novo princípio cênico.
APPIA, 2020, p. 247

Podemos perceber como suas proposições são bastante concretas e


materiais. Appia está pensando a iluminação a partir de seu tempo histórico e
dos dispositivos luminosos disponíveis a sua época. Como já apontado, a
tecnologia ao qual temos acesso nos dias atuais é significativamente diversa.
Contudo, Appia está ao mesmo tempo construindo um pensamento conceitual-
filosófico sobre o papel e a função da luz na cena que será base para uma série
de manifestações ao longo do século XX.

O conceito de luz ativa proposto por Appia contem essa duplicidade. Tanto
uma camada mais abstrata e reflexiva que irá impactar diversas experiências e
investigações posteriores com a iluminação cênica, como uma proposição
técnico-material a partir dos meios técnicos disponíveis em seu tempo histórico.
Como aponta Cibele Forjaz:

Appia instituiu, portanto, no plano das ideias, as bases para o


conceito da iluminação cênica como linguagem estrutural e
estruturante da arte do espetáculo; ou, em outras palavras, fundou a
dramática para uma dramaturgia do visível através da iluminação
cênica.
FORJAZ apud APPIA, p. 12

Posteriormente, diversos artistas levarão a cena suas próprias


interpretações sobre como realizar e concretizar a luz ativa preconizada por
Appia. Além disso, outros teóricos e pesquisadores revisitarão o termo,
buscando utiliza-lo para analisar diversas manifestações teatrais do século XX,
como é o caso do autor Fabrizio Crisafulli (2013), que propõe em seu livro Luz
ativa: Questões da luz no teatro contemporâneo5, uma reflexão a respeito das

5
No original: Active light: Issues os light in contemporary theatre. Tradução nossa.

24
diversas possibilidades da manifestação de uma luz ativa na cena, enquanto
elemento capaz de interferir e construir expressividade na cena. Ou da própria
pesquisadora Cibele Forjaz (SIMÕES,2013), cujo conceito de luz estrutural e
estruturante dialoga diretamente com o de luz ativa. São pensadores que leram
a produção reflexiva de Appia para além da materialidade técnica de seu tempo,
se apropriando de sua lógica teórico-conceitual e articulando-a a um fazer e
pensar da luz na contemporaneidade.

Diante deste debate, proponho fazermos um deslocamento no nosso


modo de leitura das proposições de Appia, nos atendo menos à camada estética
da cena teatral e mais para as possibilidades metodológicas de seu projeto
artístico. Talvez, dessa forma, possamos estabelecer novas possibilidades de
diálogo da luz com a cena contemporânea. Uma cena marcada pela
processualidade do work-in-progress (COHEN, 2004), onde processo e objeto
artístico estão absolutamente imbrincados entre si. Passamos, assim, a pensar
a iluminação cênica a partir de paradigmas como experimentação, percurso,
rede de criação, procedimento e investigação (SALLES, 2013,2017).

Partimos ainda da premissa de que a iluminação cênica é um agente


criativo singular dentro do processo de criação teatral, assim como a cenografia,
a sonoplastia, o figurino etc. Desta forma, para que possamos pensar a luz ativa
na cena é preciso investigar o processo criativo da iluminação de seu ponto de
vista relacional.

Retomemos, então, os escritos de Appia a partir da lente do processo,


buscando pistas de um modo de fazer, de criar com a iluminação, em busca de
uma cena teatral onde ela possa se constituir enquanto luz ativa.

Em seu livro a Obra de Arte Viva, de 1921, Appia reserva um trecho para
refletir sobre a Colaboração. Para ele,

A Ideia de Colaboração está, pois, implicitamente contida na


da arte viva. A arte viva implica uma Colaboração. A arte viva é social;
ela é de um modo absoluto a arte social. Não as belas-artes postas ao
alcance de todos, mas todos elevando-se até a arte. Isso redunda em
dizer que a arte viva será o resultado de uma disciplina – disciplina
tornada coletiva, e se esta não for sempre efetiva sobre todos os

25
corpos, ela é ao menos determinante sobre todas as almas pelo
despertar do sentimento corporal.
Appia, 2022, p. 135.

Appia aborda a colaboração como uma necessidade humana. Um produto


do fazer humano que é naturalmente parte do fazer teatral, visto que a arte
cênica acontece a partir de uma comunhão entre corpos. Em outras palavras, é
no encontro coletivo entre artistas e público que o teatro ocorre e esse encontro
é inevitavelmente coletivo. Seu texto aponta muito mais para uma reflexão
filosófica sobre como os elementos da cena se articulam do que propriamente
para uma metodologia de trabalho. Indica a busca de um equilíbrio entre esses
elementos de forma a produzir a obra de arte viva. Mas há uma passagem que
aponta para um caminho demasiado interessante.

O “mister” vivo é ao mesmo tempo demasiado simples e


complexo. A sua teoria é simples, porque exige o dom completo de si
mesmo, mas a aplicação requer um estudo múltiplo, que não é dado a
cada um poder realizar integralmente. Daí o princípio de Colaboração
ou cooperação.
Appia, 2022, p. 139

Ao afirmar que não é possível a cada um realizar integralmente o estudo


necessário para realização de seu projeto, Appia nos dá a chave para pensar
seu projeto estético-conceitual a partir de uma processualidade. Se em seus
textos há uma defesa de uma forma de fazer teatro, cabe a nós descobrir um
como fazer que, inevitavelmente, envolve a interrelação entre os agentes
criativos da cena. Nos entremeios de suas proposições estéticas podemos
observar apontamentos de um modo de fazer teatro, ou apontamentos que nos
indiquem como realizar tais proposições estéticas. Deste modo, pensar o
conceito de luz ativa no fazer teatral contemporâneo necessita colocar em
questão os processos criativos geradores das quais essas iluminações cênicas
fazem parte.

26
Referências bibliográficas

APPIA, Adolphe. A obra de arte viva e outros textos. Seleção e tradução: J.


Guinsburg. Apresentação. Cibele Forjas Simões. São Paulo: Perspectiva, 2022.

COHEN, Renato. Work in progress na cena contemporânea. São Paulo,


Perspectiva, 1998.

CRISAFULLI, Fabrizio. Active light: issues of light in contemporary theatre.


Dublin: Artdigilando.com, 2013.E-book.

MORT, S. Stage lighting: the technicians' guide. Londres: Methuen, 2011.

SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. 6ª. ed. São


Paulo: Intermeios, 2013.

SALLES, C. A. Redes de criação. 2ª. ed. São Paulo: Horizonte, 2017.

SIMÕES, F. C. À Luz da Linguagem: A Iluminação Cênica: de Instrumento de


Visibilidade à ‘Scriptura do Visível’. 375 f. Tese (doutorado em artes) – Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

1.2.3. Vinculação com a tese

As disciplinas Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística e


Espólios: a persistência de questões abertas pelas produções artísticas das
décadas de 1960 e 1970 na atualidade não produziram pontos de contato
significativos com a pesquisa de doutorado. Ambas foram muito proveitosas,
bem ministradas e pude relacionar com questões relativas à minha atividade
como iluminador. Nesse sentido, foram experiências enriquecedoras do ponto de
vista formativo/pedagógico. Contudo, não pude articular conteúdos e
conhecimentos que pudessem contribuir diretamente para escrita da tese.
Já a disciplina Entre o Espectador e a Cena, a Mediação Artística
propiciou uma importante oportunidade para repensar a metodologia e os

27
caminhos trilhados na pesquisa. Pude reescrever o projeto de pesquisa,
compreendendo melhor algumas questões que estavam vagas quando da
entrada no programa.

A disciplina À Luz da linguagem: a iluminação cênica, de instrumento da


visibilidade à dramaturgia do visível, teve significativo vinculo com a tese, devido
ao conteúdo programático proposto. Pude revisitar a história da iluminação
cênica, entrando em contato com os escritos do teórico e arquiteto cênico
Adolphe Appia. A partir deste contato, surgiu a proposição de trabalhar a partir
do conceito de Luz Ativa para pensar o processo ativo da iluminação cênica,
conceito central para esta tese.

28
1.2.4. Histórico escolar

29
1.2.5. Outras atividades

Ao longo dos dois primeiros anos da pesquisa, continuei com minha


atuação como docente de iluminação cênica e como iluminador. Por mais que
não sejam atividades acadêmicas diretas, são campos que se relacionam
diretamente com os temas pesquisados. As entrevistas do Lighting Studio foram
constantemente utilizadas na minha prática pedagógica, permitindo reencontros
e descobertas com o material.

Do ponto de vista de atividades acadêmicas, ao longo dos anos de 2022


e 2023, participei do 11º e 12º Seminários de Pesquisas em Andamento, do
PPGAC-USP, apresentando a pesquisa de doutorado e atuando na mediação de
mesas. Além disso, em 2023, participei do IV SEMINÁRIO DO GPHPC/UFSJ -
Projetos e Práticas Pedagógicas em Iluminação Cênica no Brasil e Argentina –
criação e documentos de luz, participando de mesas de debate e ministrando
uma oficina, com o intuito de partilhar parte do pensamento pedagógico da
iluminação na SP Escola de Teatro.

Ainda, durante o período, conduzi quatro entrevistas no canal do Youtube


Da Ideia a Luz, dentro do programa #PESQUISA, com os pesquisadores Beatriz
Mendes, Marília Velardi, Rafael Bicudo e Priscila Chagas.

30
2. Projeto da tese

2.1. Título

A LUZ EM PROCESSO E O PROCESSO ATIVO DA LUZ: MODO DE


CRIAÇÃO E PROCEDIMENTO NA ILUMINAÇÃO CÊNICA BRASILEIRA

2.2. Objeto da pesquisa

2.2.1. Justificativa

2.2.1.1. A iluminação no Brasil enquanto área criativa

Em contexto mais amplo, cabe justificar este projeto a partir do


reconhecimento da iluminação cênica enquanto área criativa autônoma.
Partimos do entendimento de que a iluminação cênica não é somente uma
linguagem integrante do fenômeno teatral, mas trata-se de um oficio criativo a
ser realizado por um profissional especializado. Essa pessoa possui função cuja
natureza não se restringe somente à tradução técnica das ideias de outrem
(direção, cenografia etc.); pelo contrário, exerce um trabalho criativo, que transita
entre a autonomia de sua criação e a colaboração com as demais pessoas
envolvidas no espetáculo. Por mais que as relações de trabalho entre a
iluminação e as demais áreas teatrais possam acontecer de formas muito
distintas, atuamos aqui na busca do reconhecimento dessa área e da sua
importância para o fenômeno teatral.
Este projeto, portanto, propõem-se a realizar uma investigação que
contribua para o reconhecimento da área e para a desmistificação dos modos de
criação da iluminação. Quanto maior for nosso acesso à forma como
iluminadores e iluminadoras desenvolvem seus processos criativos, maior será
a compreensão de que a iluminação não é somente um elemento anexo à
linguagem da cena, mas um importante articulador de sua visualidade. Desse
modo, uma compreensão metodológica mais profunda da iluminação cênica não

31
contribui somente para os artistas da área, mas para o meio teatral como um
todo, aproximando diretores, atuantes, cenógrafos, assim todos os outros
artistas da cena, de questões importantes para a criação da luz.

2.2.1.2. Considerações a respeito da literatura estrangeira e nacional sobre o


tema

Quando observamos algumas das referências mais consolidadas na


literatura estrangeira a respeito da iluminação cênica, podemos reconhecer que,
apesar de valiosas para o entendimento das ferramentas e dos modos de
criação, muitas vezes reproduzem padrões de produção bastante rígidos. Estas
estão calcadas em uma tradição vinculada a uma cultura teatral eminentemente
eurocêntrica. Livros como A process to lighting de stage (MCGRANTH, 1990) ou
Stage lighting design (PILBROW, 2008), assim modo diversas outras
publicações (BRIGGS, 2008; MOODY, 1997; MORT, 2011; REID, 2001) não
abarcam algumas características importantes do fazer teatral brasileiro.
Essa tradição, apesar de ser parte fundamental e constituinte da forma
como pensamos e criamos iluminação cênica no Brasil, não dá conta dos
contornos singulares do oficio em nossa cultura. Para exemplificar esse
raciocínio, é possível elencar o uso recorrente de equipamentos não
convencionais, adaptados ou construídos artesanalmente no trabalho de
diversos iluminadores e iluminadoras brasileiros (BONFATI, 2020; FLECHA,
2020; SOUZA, 2011 e 2020). Outro exemplo é a significativa heterogeneidade
de formas de trabalhar, decorrente de um meio cuja formação foi fortemente
baseada no autodidatismo e nas relações mestre-aprendiz. Podemos ainda
elencar o atravessamento de técnicas tradicionalmente convencionadas em
diferentes linguagens da cena (teatro, dança, música etc.) como outro elemento
presente no contexto da iluminação cênica brasileira com as quais essas
referências estrangeiras pouco dialogam.
Quanto à produção brasileira sobre o assunto, ao acessar a Biblioteca
Virtual de Design Cênico (SCHEFFLER; et al, 2021), espaço que se destina a
reunir informações sobre publicações acadêmicas com temáticas em design
cênico, pode-se observar uma relevante produção acadêmica na área de
iluminação. O conjunto de dissertações e teses, constituído somente nesse

32
repositório virtual de 32 produções listadas, revela um profundo avanço na
pesquisa da temática nas ultimas duas décadas. Ademais, é importante ressaltar
o recente lançamento da revista A luz em cena: revista de pedagogias e poéticas
visuais, periódico produzido pela Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC e primeira iniciativa na área focada integralmente para o assunto.
Observando o quadro de produção acadêmica focada especificamente no
campo da iluminação cênica, podemos notar como estão voltadas,
majoritariamente, para o estudo da linguagem da luz. Cabe lembrar que não é
possível dissociar a linguagem da cena de seu processo construtivo e essas
teses e dissertações, ao investigar a forma como a luz se apresenta na cena,
inevitavelmente acabam por levantar indícios de seus modos de criação.
Podemos citar como exemplo a tese de Tudella (2013), que propõe justamente
que a iluminação está no cerne da gênese da cena ou as pesquisas de Simões
(2008, 2013) que ao olhar para história da linguagem da iluminação
inevitavelmente revela a forma como eram construídas em diferentes períodos
históricos.
No entanto, não nos parece ainda tão frequente a presença de pesquisas
que se propõem um enfoque especificamente metodológico na iluminação
cênica. Ao realizar um levantamento, é possível encontras algumas poucas
produções acadêmicas que possuem esse viés.
Ao citar aqui tanto referências estrangeiras como nacionais na literatura
sobre o assunto, não existe de nenhuma forma a pretensão de questionar ou
criticar suas naturezas. São obras de grande importância para o tema e se estão
aqui listadas é justamente devido a sua qualidade e significância. Tanto em um
caso como no outro, a maioria dos materiais pesquisados aparenta não atender
aos questionamentos centrais propostos neste projeto. Trata-se aqui somente de
constatar uma questão de enfoque temático de pesquisa, deslocando o olhar
para um campo metodológico da iluminação cênica que me parece ter espaço
para maior aprofundamento investigativo.

2.2.2. Objetivos

33
Este estudo tem como objetivo geral investigar os modos de criação da
iluminação cênica, a partir de procedimentos utilizados por iluminadores e
iluminadoras contemporâneos, dentro do contexto teatral brasileiro.
Entendemos como modo de criação o conjunto das práticas,
procedimentos, ferramentas e estratégias criativas aplicadas por um ou mais
indivíduos dentro do contexto de um processo criativo específico ou
desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo de um sequencia de trabalhos. Deste
modo, objetiva-se um olhar voltado para a complexa rede de interações que
constitui o ato criativo da iluminação cênica, impregnado da visão da
pesquisadora Cecília Almeida Salles sobre o assunto:

O percurso criador mostra-se como um itinerário não


linear de tentativas de obras, sob o comando de um projeto
de natureza estética e ética, também inserido na cadeia da
continuidade e sempre inacabado. É a criação como
movimento, em que reinam conflitos e apaziguamentos.
Um jogo permanente de estabilidade e instabilidade,
altamente tensivo.
(Salles, 2013, p. 35)

Para realização deste propósito mais geral, será realizado o levantamento


de procedimentos e metodologias criativas descritas por diversos artistas da luz
durante as entrevistas realizadas e registradas pelo programa Lighting Studio na
plataforma Youtube. Além disso, será produzida estudo e analise do conceito de
Luz Ativa, tanto do ponto de vista histórico como em perspectivas mais
contemporâneas do tema, relacionando-o à perspectiva processual da
iluminação cênica.
Ao final, este projeto objetiva construir a escrita de um conjunto
metodológico de procedimentos criativos para iluminação cênica, advindo das
entrevistas realizadas junto ao programa Lighting Studio. Deste modo, mais do
que uma busca por determinar uma pretensa totalidade do que seria o fazer da
iluminação no Brasil, esta pesquisa propõe aprofundar o entendimento dos
caminhos metodológicos da criação com luz, abordando procedimentos e

34
estratégias que possam dialogar com diferentes contextos artistico-culturais do
país.

2.3. Pesquisa bibliográfica

O quadro teórico de referência está muito relacionado à bibliografia


levantada durante o processo de pesquisa do mestrado (TURBIANI, 2021).
Nessa pesquisa pregressa, já havia uma discussão a respeito de questões
metodológicas e processuais da criação em iluminação cênica. Antes, e agora,
utilizamos o trabalho da pesquisadora Cecília Almeida Salles (2010, 2013, 2017)
como forma de embasar as discussões a respeito das particularidades do
processo criativo.

No capítulo 2, fizemos levantamento de alguns materiais bibliográficos


sobre iluminação cênica e seu método de trabalho. Tratam-se, principalmente de
manuais de iluminação para palco em língua inglesa, predominantemente norte-
americanos (MCCANDLESS, 1947; MCGRANTH, 1990; PILBROW, 2008; REID,
2001; ROSENTHAL, 1972).

Outra referência fundamental para o trabalho é o texto A Obra de Arte


Viva, de Adolphe Appia (2022). Appia apresenta o conceito de Luz Ativa, central
para as hipóteses que buscamos aqui investigar. Ao interseccionar o conceito às
questões da processualidade da iluminação cênica, buscamos defender a tese
de que, em uma perspectiva contemporânea, pensar a possibilidade de uma Luz
Ativa na cena pressupõe a existência de um Processo Ativo da Luz. Em outras
palavras, quanto mais ativo for o processo criativo da iluminação, maior a
probabilidade dessa luz se constituir enquanto ativa na linguagem da cena.

2.4. Metodologia

Inicialmente, realizamos um levantamento de práticas realizadas pelos


iluminadores e iluminadoras entrevistados pelo programa Lighting Studio ao
narrar suas práticas e experiências de trabalho. Para isso, foram feitas uma série
de perguntas ao material, tais como:

35
-O que esses iluminadores e iluminadoras consideram a primeira etapa
de seus processos criativos? Por onde começam? Quais são as etapas
subsequentes?
-Que tipo de vinculo ou troca esses artistas buscam construir com a
direção e demais áreas do processo?
-Como organizam sua presença na sala de ensaio? O que buscam
observar ou fazer? O quão presentes acham necessário estar na sala de ensaio
com os demais integrantes do trabalho? Que tipos de registros fazem do que
observam em ensaio (anotação, storyboard,etc.)?
-Como utilizam referências visuais em seus trabalhos?
-Como lidam com a presença do acaso? Têm consciência de como o caso
pode interferir nos seus trabalhos?
-Como se dá a construção da planta de iluminação? O quão ela é
alterada ao longo do processo? Quantas versões são feitas? Em que momento
do processo passam a materializa-la no papel? Quais informações técnicas
consideram necessárias para construí-la?
-Que tipo de ferramentas tecnológicas fazem uso na sua criação? Que
tipo de softwares utilizam?
-Qual entendimento iluminadores e iluminadoras têm da função da luz
nos espetáculos que criam? Qual função – ou quais funções - a iluminação tem
dentro da linguagem teatral?

A partis das respostas a essas questões foi proposto organizar os


procedimentos criativos da iluminação cênica em sete verbos de processo:
observar (e escutar), estudar, coletar, experimentar, projetar, montar e executar.
Estes verbos estruturam os capítulos 3 e 4 da tese. Deste modo, será realizada
uma escrita que busque estruturar uma sistemática metodológica da iluminação
cênica, não como um conjunto de regras a serem seguidas, mas como um
conjunto de procedimentos e modos de trabalho que dialoguem com diferentes
situações e organizações, sem determinação de ordem específica dentro do
processo criativo, e que se relacione com questões pertinentes ao contexto
criativo da iluminação cênica no Brasil.

36
2.5. Dificuldades encontradas

Uma primeira dificuldade encontrada foi em relação ao projeto da


pesquisa em si. Apesar do tema se apresentar como pertinente e a pesquisa ter
sido aprovada no processo seletivo do PPGAC, foi apontado pela orientação que
a primeira versão do projeto ainda precisava de ajustes e definições. A
metodologia inicialmente propunha uma proposta de pesquisa prática, mas que
se mostrava genérica e injustificada diante da proposta temática. Além disso,
não havia uma hipótese ou tese esboçada.
Esse processo de readequação da pesquisa tomou algum tempo do início
do período, buscando descobrir mais a fundo o tema e como estruturar o
trabalho. Isso fez com que, por mais que chegue na qualificação com um guia
de como proceder na continuidade, a produção escrita não tenha um volume tão
avançado quanto talvez fosse desejado.
Além disso, houve a recorrente relatada dificuldade de aliar a pesquisa à
necessidade de cumprimento dos créditos em disciplinas. Por mais que todas as
disciplinas realizadas tenham sido muito proveitosas, bem estruturadas e
ministradas por docentes muito competentes, nem todos os temas se mostraram
pertinentes para o campo de estudo que estamos buscando desenvolver nesta
tese. Isso tomou um tempo de estudo, acompanhamento e entrega de trabalhos
que não necessariamente contribuíram para o desenvolvimento direto desta
pesquisa.

2.6. Como pretende continuar

Ao longo dos próximos dois anos, pretendo proceder com a escrita da


tese, seguindo a ordem proposta no sumário comentado. Os capítulos 3 e 4 são
justamente embasados nas entrevistas. Para escreve-los, continuaremos a
análise dos vídeos, coletando passagens e trechos, agora já estruturando o texto
dos capítulos. Para os capítulos seguintes já há um levantamento bibliográfico
sobre o trabalho de Adolphe Appia e o conceito de Luz Ativa.
Aparentemente, temos a percepção de que os referenciais gerais da
pesquisa, materiais e temas já estão estruturados e levantados. A orientação da
pesquisa indicou que seria importante ampliarmos a análise histórica das origens
da função criativa da luz, ampliando para o contexto europeu, especialmente
37
britânico e alemão. Devemos proceder com um rigoroso cronograma de escrita,
ao longo dos próximos dois anos, que permita estruturar a tese com a
complexidade que merece.

2.7. Referências bibliográficas

APPIA, Adolphe. A obra de arte viva e outros textos. Seleção e tradução: J.


Guinsburg. Apresentação. Cibele Forjas Simões. São Paulo: Perspectiva, 2022.

BONFANTI. Lighting Studio com Guilherme Bonfanti [19 ago. 2020].


Entrevistador: Francisco Turbiani. 2h 21 min 50 s. Youtube, 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=KHJoME16MJI&t=3667s>. Acesso em: 20
novembro 2020.

BRIGGS, J. Encyclopedia of stage lighting. North Carolina: McFarland &


Company, 2008.

FLECHA, Marcelo. Lighting Studio com Marcelo Flecha [16 jun. 2020].
Entrevistador: Francisco Turbiani e Guilherme Bonfanti. 1h 56 min 25 s. Youtube,
2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=onzQbycqjbg>.
Acesso em: 20 ago 2021.

KELLER, M. Light Fantastic: The Art and Design of Stage Lighting. 3ª ed.
Munich: Prestel, 2010.

MCGRANTH, I. A Process for Lighting the Stage. Boston: Allyn and Bacon,
1990.

MOODY, J. L. Concert lighting: techniques, art and business. Oxford: Focal


Press, 1997.

MORT, S. Stage lighting: the technicians' guide. Londres: Methuen, 2011.

PILBROW, Richard. Stage Lighting Design. Hollywood: Design Press, 2008.

38
REID, F. The stage lighting handbook. 6ª. ed. New York: Routledge, 2001.

ROSENTHAL, J.; WERTENBAKER, L. The magic of light: the craft and career
of Jean Rosenthal, pioneer in lighting for the modern stage. Boston: Little, Brown
and Company, 1972.

SALLES, C. A. Arquivos de criação: arte e curadoria. São Paulo: Editora


Horizonte, 2010.

SALLES, C. A. Redes de criação. 2ª. ed. São Paulo: Horizonte, 2017.

SALLES, C. A. Processos de criação em grupo: diálogos. São Paulo: Estação


das Letras e Cores, 2017.

SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. 6ª. ed. São


Paulo: Intermeios, 2013.

SCHEFFLER, Ismael; et al. Biblioteca virtual de design cênico: iluminação.


Repositório de teses e dissertações que abarcam o tema da iluminação cênica,
desenvolvido junto à Universidade tecnológica Federal do Paraná, 2021.
Disponível em: <https://bibliotecadesigncenico.ct.utfpr.edu.br/?cat=5>. Acesso
em: 24 ago 2021.

SIMÕES, C. F. A Linguagem da Luz: A Partir do Conceito de Pós-Dramático


Desenvolvido por Hans-Thies Lahmann In: O Pós-Dramático: Um Conceito
Operativo? São Paulo: Perspectiva, 2010.

_______. À Luz da Linguagem: A Iluminação Cênica: de Instrumento de


Visibilidade à ‘Scriptura do Visível’ (Primeiro Recorte: do Fogo à Revolução
Teatral). 232 f. Dissertação (mestrado em artes) – Escola de Comunicação e
Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

_______. À Luz da Linguagem: A Iluminação Cênica: de Instrumento de


Visibilidade à ‘Scriptura do Visível’. 375 f. Tese (doutorado em artes) – Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

39
TUDELLA, E. A. S. Práxis Cênica como Articulação de Visualidade: A Luz na
Gênese do Espetáculo. 629f. Tese (doutorado em artes) – Programa de Pós-
graduação em artes cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

TURBIANI, Francisco M. A Luz em Processo: Um mergulho na criação de


Guilherme Bonfanti na Trilogia Bíblica do Teatro da Vertigem. 236 p. Dissertação
(mestrado em artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2021.

2.8. Plano de Pesquisa

O plano de trabalho para continuidade da pesquisa é focado na escrita da


tese, articulando os materiais e referências já investigados. O plano é seguir a
ordem dos capítulos proposta no sumário presente na terceira parte deste
relatório, pois ele constrói um caminha lógico coerente com a investigação,
debruçando-se primeiramente do material das entrevistas e em seguida
articulando-as com o referencial bibliográfico proposto.

2.9. Cronograma até o depósito da tese

O cronograma apresenta os semestres já transcorridos em cinza e o


período até o depósito da tese em colorido.

SEMESTRE
ATIVIDADES

1 2 3 4 5 6 7 8

Frequência às aulas/cumprimento dos créditos de


disciplinas.
Levantamento de material bibliográfico sobre processo
de criação/método criativo/procedimento de criação.

Estudo e análise das entrevistas

40
Criação de uma primeira proposta de sumário

Depósito do exame de qualificação (capítulos 1 e 2 da


tese)

Escrita do capítulo 3 da tese

Escrita do capítulo 4 da tese

Escrita dos capítulos 5, 6 e 7 da tese

Revisão e diagramação da tese

Depósito da tese

41
3. Apresentação do texto

O(A) aluno(a) deverá apresentar texto parcial ou capítulo da dissertação diante


de comissão examinadora previamente constituída (próxima página).

42
A LUZ EM PROCESSO E O PROCESSO ATIVO DA LUZ: MODO
DE CRIAÇÃO E PROCEDIMENTO NA ILUMINAÇÃO CÊNICA
BRASILEIRA

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 3

1. O PROGRAMA DE ENTREVISTAS LIGHTING STUDIO ....................................... 4

1.1. Propondo diálogos na iluminação em tempos pandêmicos............................. 4

1.2. O conjunto de entrevistas: recorte de um Brasil .............................................. 8

2. A LUZ EM PROCESSO ....................................................................................... 13

2.1. Processualidades da luz: pensar a iluminação como área criativa do teatro . 13

2.2. A luz e seus procedimentos .......................................................................... 21

3. A LUZ EM PROCESSO: De onde surgem as ideias ............................................ 27

3.1. Observar e escutar ....................................................................................... 28

3.1.1. Acompanhamento dos ensaios .............................................................. 28

3.1.2. Leitura do texto dramatúrgico ................................................................ 28

3.1.3. Diálogos com artistas colaboradores ..................................................... 29

3.1.4. Entrar no espaço ................................................................................... 29

3.2. Estudar ......................................................................................................... 29

3.2.1. Uso de referências e a teoria como base conceitual do projeto ............. 30

3.2.2. Análise e estudo do texto ...................................................................... 30

3.3. Coletar .......................................................................................................... 30

3.3.1. Coletar Imagens .................................................................................... 30

3.3.2. Coletar Materiais ................................................................................... 31

3.3.3. Coletar Experiências (pesquisa de campo) ............................................ 31

3.4. Experimentar ................................................................................................ 31

3.4.1. Experimentação externa ........................................................................ 31

3.4.2. Experimentação em sala de ensaio ....................................................... 32

4. A LUZ EM PROCESSO: De como as ideias viram luz ......................................... 32


4.1. Projetar ......................................................................................................... 32

4.1.1. Desenho de planta de iluminação .......................................................... 32

4.1.2. Uso de softwares de visualização .......................................................... 33

4.2. Montar .......................................................................................................... 33

4.2.1. Montagem em espaço convencional ...................................................... 33

4.2.2. Montagem em espaço não convencional ............................................... 33

4.3. Executar ....................................................................................................... 34

4.3.1. Processo de descoberta do roteiro de iluminação ................................. 34

4.3.2. Roteiro de operação: técnicas de registro.............................................. 34

4.3.3. Modos de operação e programação da luz ............................................ 34

5. O PROCESSO ATIVO DA LUZ: Do conceito de Luz Ativa às perspectivas de


colaboração na iluminação teatral............................................................................... 35

5.1. Luz ativa: perspectivas históricas ................................................................. 35

5.2. Apontamentos sobre a colaboração na Obra de Arte Viva............................ 35

6. Modos de atividade da luz no processo criativo: ESCUTA ................................... 35

6.1. Tradição e cultura teatral na sala de ensaio.................................................. 36

6.2. A primeira geração e suas reverberações: Jorginho de Carvalho, Aurélio de


Simone, Beto Bruel ................................................................................................. 36

7. Modos de atividade da luz no processo criativo: EXPERIMENTAÇÃO ................ 36

7.1. A sala de ensaio como laboratório da cena .................................................. 37

7.2. O teatro de grupo e as práticas colaborativas: Cibele Forjaz, Guilherme


Bonfanti, Alessandra Domingues, Marcelo Flecha, Iara Souza. .............................. 37

8. Referências bibliográficas .................................................................................... 37


INTRODUÇÃO
Na introdução, será apresentada a origem da pesquisa e suas questões
metodológicas. Comentaremos como foi abordado o material das entrevistas, a
partir do conceito de pesquisador bricoleur, e explicaremos que, por mais que
existam questões históricas relativas ao material estudado que requerem
contextualização ao longo da escrita, está não é uma pesquisa de viés histórico.
Descreveremos a trajetória da pesquisa, englobando suas etapas, e como esta
foi sendo desenvolvida ao longo do período.
Buscaremos traçar paralelos entre a pesquisa e a minha atuação como
docente. Isso se deve ao fato de acreditarmos que a docência é uma
característica relevante no que concerne à construção do olhar do pesquisador
sobre o material.
Apresentaremos também o quadro de referencial teórico trabalhado
buscando delimitar o escopo conceitual da pesquisa.
1. O PROGRAMA DE ENTREVISTAS LIGHTING STUDIO
Se na introdução dessa tese apresentamos as questões metodológicas,
os referenciais teóricos e o contexto geral dessa pesquisa, acreditamos ser
importante abordar de forma mais detalhada alguns aspectos e características
envolvendo o programa Lighting Studio, cujas entrevistas alimentam diretamente
essa escrita. Essa apresentação poderia talvez estar inserida na introdução da
tese, mas intuímos caber um primeiro capitulo a parte, dedicado somente à
descreve-lo, mesmo que mais curto.
O ponto fundamental é que o programa Lighting Studio não é somente uma fonte
de dados, fornecendo conteúdo a partir de suas entrevistas. À época em que foi
realizado, já continha em seu cerne princípios e questões diretamente
relacionados à esta tese. O roteiro de perguntas e a estrutura das entrevistas já
apontavam para as a discussão central realizada aqui, sobre o entendimento e
estudo do processo criativo da iluminação. Deste modo, o Lighting Studio, por
mais que tenha sido produzido anteriormente ao início formal deste projeto de
doutorado, é onde a pesquisa aqui descrita tem seu início.

1.1. Propondo diálogos na iluminação em tempos


pandêmicos

O projeto jamais teria se concretizado da forma como ocorreu sem a


iniciativa do iluminador Guilherme Bonfanti, na função de coordenador do curso
técnico em iluminação cênica da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das
Artes do Palco. À época atuava, e ainda atuo, como formador de iluminação do
mesmo curso, trabalhando diretamente sob orientação de Guilherme e já fazia
alguns anos que ele pensava em realizar um programa de entrevistas com
iluminadores e iluminadoras, como forma de dar voz a esse grupo de
profissionais e registrar esses encontros para que ficassem disponíveis ao
público em geral. O formato seria remotamente inspirado no programa
estadunidense Inside The Actors Studio (IMDB, sem data), com encontros
presenciais com um público de estudantes de iluminação.
Na época, o projeto era visto por nós como importante e pertinente para
o contexto da iluminação cênica no Brasil, mas acabava sendo continuamente
postergado diante de outras atividades da escola mais urgentes ou que nos
pareciam mais facilmente executáveis naquele momento. Curiosamente, foi
necessário um momento de absoluta exceção em nossos cotidianos para que a
empreitada saísse do plano das ideias, em um formato consideravelmente
diferente, mas que mantinha sua essência.

Imagem 1: Flyer de divulgação do programa Lighting Studio

Fonte: Guilherme Luigi.

Deste modo, a criação do Lighting Studio está diretamente relacionada à


pandemia mundial de Covid-19 deflagrada no ano de 2020 e seus impactos à
minha atividade como docente. Diante do anuncio de quarentena no estado de
São Paulo (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2020), subitamente foi
requisitada a criação, em um único dia, de um plano de estudo a distância para
os estudantes de iluminação. Dada à imprevisibilidade do ocorrido, inicialmente
foi apresentado um plano de atividades a serem realizadas pelos próximos 15
dias. Deveria ser somente um conjunto de atividades iniciais, para que
pudéssemos utilizar o período para desenvolver uma proposta mais estruturada
para o semestre, visto que no momento não fazíamos ideia de quanto tempo
duraria o distanciamento.
Foi nesse contexto que Guilherme Bonfanti e eu resgatamos a proposta
de conduzir uma série de entrevistas com iluminadores e iluminadoras, para que
pudessem falar sobre suas experiências e processos de criação. Diferentemente
da concepção original, de um encontro presencial, as entrevistas seriam
realizadas ao vivo e remotamente pela plataforma virtual Youtube. Os
estudantes poderiam acompanha-las enviando perguntas e comentários.
Durante nosso planejamento das entrevistas, tínhamos um receio de que
a proposta falhasse antes mesmo de iniciar. Tentativas anteriores de trazer para
a escola determinados iluminadores e iluminadoras para um encontro com os
estudantes já haviam resultado em frustração, principalmente devido a suas
ocupadas agendas de trabalho.
Para nossa surpresa, naquele momento, as respostas foram muito
positivas e os convites, em sua maioria, aceitos. Diversos profissionais relataram
que a súbita interrupção em suas rotinas de trabalho os estava afetando
emocionalmente e a oportunidade de falar um pouco sobre iluminação parecia
interessante. Estávamos todos isolados em nossas residências, inseguros diante
de uma doença sobre a qual sabíamos muito pouco e temerosos diante da
imprevisibilidade quanto a continuidade de nossas atividades profissionais.
Muitos desses iluminadores têm uma rotina constante e dinâmica, atuando em
várias produções ao mesmo tempo. Repentinamente, estavam em casa,
isolados, com todos seus projetos temporariamente suspensos e sem saber
quando seriam retomados.
Entre os entrevistados, haviam aqueles que nunca tinham tido a
oportunidade de parar para refletir sobre suas trajetórias e carreiras artísticas.
Vários iluminadores e iluminadoras relataram como era a primeira vez que
falavam publicamente sobre seus ofícios. Esse fato revela, aparentemente, uma
tendencia recorrente em um campo que historicamente está muito conectado ao
fazer e pouco familiarizado com um refletir sobre esse fazer.
As entrevistas seriam conduzidas conjuntamente por Bonfanti e eu.
Também ficaríamos encarregados de escrever os roteiros de perguntas para
cada entrevistado.
Buscando desenvolver a iniciativa da melhor forma possível, convidamos
um grupo de pessoas para colaborar conosco. A direção de imagem ficou a
cargo do diretor de fotografia Padu Palmério, a direção de arte foi feita pelo
designer gráfico Guilherme Luigi e as músicas de abertura e finalização foram
compostas pelo músico Érico Theobaldo. Para a operação de corte e streaming
convidamos o estudante João Paulo Melo e para a moderação do chat as
estudantes Jess Belarmino e Giorgia Tolaini.
Imagem 2: Páginas do caderno de anotações produzidas durante entrevistas do Lighting Studio

Fonte: acervo pessoal

Inicialmente, nos propusemos a fazer entrevistas diárias, realizadas de


segunda a sexta, sempre às quinze horas da tarde. Imaginávamos que o projeto
teria a duração de somente 3 semanas. Estávamos no início da pandemia e
acreditávamos, ingenuamente, que a quarentena duraria realmente somente
quarenta dias. Como a crise sanitária se revelou muito mais duradoura do que
nossa previsão inicial e o ritmo de entrevistas diárias mostrou-se bastante
desgastante, em meses posteriores reduzimos as atividades para duas
entrevistas por semana e, mais ao final do projeto, somente um encontro
semanal.
A primeira entrevista piloto foi realizada em março de 2020, com o próprio
Guilherme Bonfanti sendo entrevistado por mim. Posteriormente ela foi removida
do histórico do canal e refeita, pois acreditávamos que ela não fazia jus ao
material que havíamos conseguido construir nas entrevistas seguintes. Ainda
estávamos, digamos assim, aprendendo como entrevistar. Em setembro do
mesmo ano, fizemos a última transmissão do programa, tal qual foi concebido.
Começamos a perceber que outras atividades relacionadas à nossa função
pedagógica estavam demandando cada vez mais do nosso tempo. Já havíamos
passado por um semestre de isolamento social e já planejávamos como utilizar
outras ferramentas e mídias digitais para desenvolver o ensino da iluminação
cênica. Tínhamos o receio de que o projeto Lighting Studio fosse aos poucos
morrendo e apostamos que uma finalização oficial, planejada, seria o melhor
caminho.
Algumas atividades pedagógicas relacionadas à SP Escola de Teatro
foram realizadas no canal após a data de termino, mas não com a mesma
estrutura e formato pensado para o programa. O canal do Youtube (LIGHTING
STUDIO, 2020) segue ativo, tanto para que as entrevistas possam ser
continuamente acessadas como para a eventual possibilidade de novas
entrevistas e programas.

1.2. O conjunto de entrevistas: recorte de um Brasil

Durante a existência do programa, foram realizadas quarenta e quatro


entrevista com iluminadores e iluminadoras brasileiros, divididas em 4
temporadas. Entre os entrevistados estão Jathyles Miranda, Aline Santini,
Fernanda Carvalho, Danielle Meireles, Alessandra Domingues, Caetano Vilela,
Miló Martins, Ligia Chaim, André Boll, Marisa Bentivegna, Grissel Piguillem,
Fabio Retti, Denilson Marques, Camilo Bonfanti, Anna Turra, Beto Bruel, Luiz
Paulo Nenen, Walter Façanha, Maneco Quinderé, Aurélio de Simoni, Paulo
Cesar Medeiros, Renato Machado, Ana Luzia de Simoni, Mirella Brandi, Cleison
Ramos, Alexandre Fávero, Iara Souza, Tarik Coelho, Wallace Rios, Ronaldo
Costa, Marcelo Flecha, Telma Fernandes, Natasha Leite, Tabbata Melo,
Eduardo Tudella, Karina Figueredo, Césio Lima, Berilo Nosella, Rodolfo García
Vázquez, Francisco Turbiani, Nadia Luciani, Cibele Forjaz, Guilherme Bonfanti e
Pedro Dutra Benevides.
Após a etapa de entrevistas, transmitimos pelo mesmo canal o 4º
Seminário de Iluminação Cênica do Teatro da Vertigem, onde convidamos os
pesquisadores Cecília Almeida Salles, André Carreira, Marília Velardi e Berilo
Nosella para assistirem as entrevistas e desenvolverem suas próprias análises
a partir das noções de processo criativo, metodologia de trabalho e pesquisa em
arte no campo da iluminação cênica.
Finalmente, no dia trinta de setembro de 2020, seis meses após a primeira
transmissão, o projeto foi encerrado com uma mesa de debate com todos os
integrantes e colaboradores do projeto, avaliando a experiência, o conjunto de
entrevistas e os aprendizados possíveis no campo da iluminação cênica.
Apesar da maioria dos entrevistados serem originários do eixo Rio de
Janeiro-São Paulo, pudemos realizar entrevistas com profissionais dos estados
de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, Brasília, Pernambuco, Paraná, Ceará, Rio
Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Pará, Maranhão e Amazonas.
A divisão do programa em temporadas ocorreu como forma de organizar
nosso planejamento e a divulgação das entrevistas. Pensávamos um grupo de
nomes e enviávamos convites com datas, quando estávamos próximos de
finalizar uma temporada. Observando o formato, pode-se perceber como
começamos na primeira temporada convidando profissionais da iluminação com
os quais tínhamos mais proximidade, um grupo majoritariamente oriundo de São
Paulo.

Imagem 3: Em sentido Horário, entrevistas com Iara Souza, Beto Bruel, Mirella Brandi e Césio
Lima

Fonte: Lighting Studio.

Na segunda temporada, focamos em iluminadores do Rio de Janeiro.


Essa escolha foi feita tendo em vista o papel histórico que o estado teve no
desenvolvimento da iluminação cênica no Brasil. Assim, convidamos nomes
como Aurélio de Simone e Luiz Paulo Nenen, representantes das primeiras
gerações de iluminadores brasileiros.
Somente na terceira e quarta temporada que começamos a descentralizar
as entrevistas, buscando pessoas de outras regiões brasileiras. Imagino que se
continuássemos com essa estrutura, daríamos sequência a esse movimento de
descentralização territorial. Outra iniciativa similar, que surgiu no mesmo
período, foi o canal Da ideia à Luz (DA IDEIA À LUZ, 2020), que quatro anos
após seu surgimento continua realizando entrevistas semanalmente, abarcando
diversos territórios e localidades que o Lighting Studio não alcançou1.
O conjunto das entrevistas do Lighting Studio apresenta um grupo
heterogêneo de pessoas com formas distintas de pensar a iluminação cênica.
Foi construído buscando abarcar diferentes gerações, gêneros, etnias,
regionalidades e áreas de atuação. No entanto, sua composição foi limitada pela
disponibilidade dos artistas e pelos contatos que conseguimos acessar no
momento de realização dos convites. Certamente existem diversos outros
profissionais brasileiros que poderiam ter sido convidados para o projeto devido
a sua competência e trajetória artística.
Quanto à estrutura das entrevistas, logo no início da concepção do
projeto, criamos um roteiro para conduzi-las, com perguntas e temas gerais a
serem abordados. Por mais que quiséssemos que a conversa pudesse ter um
tom descontraído, era fundamental estabelecer uma linha de pensamento que
pudesse nos guiar de modo que a entrevista levantasse informações que
considerávamos importantes. Tínhamos a percepção que muitas vezes
entrevistas com profissionais da iluminação acabavam por cair em uma dinâmica
de “contação de causos” da qual buscávamos fugir. Refiro-me a entrevistas nas
quais o entrevistado expõe histórias pessoais vivenciadas em seu cotidiano
profissional que não necessariamente contribuem para uma reflexão coesa
sobre um tema específico. Não faço aqui um juízo de valor em relação a esta ou

1
No presente momento, contribuo para o canal conduzindo e planejando as entrevistas do
programa Pesquisa, focado em pesquisas de mestrado e doutorado nas áreas de iluminação,
cenografia, figurino, cenotécnica,
aquela maneira de entrevistar. Contudo, como abordado anteriormente, o
Lighting Studio surge com um objetivo pedagógico e era importante para nós que
alguns temas fossem discutidos.
O principal objetivo do projeto, segundo a descrição do canal, era:
[...] abordar temas que possam nos ajudar a criar um perfil
destas e destes profissionais: entender como pensam e atuam no
campo criativo e profissional, trazendo questões como formação, área
de atuação, planejamento de carreira, construção de um projeto
artístico. (LIGHTING STUDIO, 2020).

O roteiro das entrevistas era estruturado em três temas gerais que se


interrelacionam: a profissão, a criação e a estética. Por vezes, era comum que
uma discussão de um bloco já levantasse questões relativas a outro. Isso não
era um problema, pois não havia um compromisso para que o roteiro fosse
seguido em uma determinada ordem, mas que ao final pudéssemos ter passado
por todos esses assuntos.
O roteiro tinha a seguinte estrutura:

A. Da Profissão
1. Como foi sua formação para tornar-se um(a) profissional da
iluminação? Foi mais prática? Envolveu estudos por conta própria? Algum
curso? Relação de mestre-aprendiz?
2. Quais suas principais áreas de atuação (teatro, dança, etc)?
3. Você pensa ou pensou em um desenvolvimento da sua vida
profissional/carreira? Ou em um projeto artístico a longo prazo?

B. Da criação
1. Como costuma ser seu processo de criação? Você percebe etapas
mais ou menos definidas nele? Por onde você costuma começar um trabalho?
Descreva-o para nós.
2. Qual sua relação com o tempo do processo como um todo? Está desde
o início? Costuma chegar em um determinado ponto? Qual a importância da sala
de ensaio?
3. Você costuma ter uma equipe de trabalho? Parceiros/as recorrentes?
Qual a dinâmica/ funções de cada um?
4. Como você desenha? A própria planta a mão, esboços, ideias? No
computador? Quais softwares? Usa 3D? Faz outros tipos de registro do
processo? (Caderno de anotações, diário).
5. Como e em que momento você começa a fazer a escolha das fontes e
equipamentos de luz? Costuma pesquisar fontes para utilizar nos trabalhos, se
arrisca a usar equipamentos que não conheça?
6. Como você pensa o roteiro de luz?

C. Da estética/conceito
1. No seu processo você se utiliza de referências visuais (artes plásticas,
fotografia, cinema), caso afirmativo quais e se isso parte de você mesmo ou é
estimulado pela cenógrafa(o) ou diretor(a)?,
2. Olhando sua trajetória crê que existe uma linha de pesquisa, percebe
elementos visuais recorrentes?
3. Fale um pouco do uso da cor e como está enfrentado a entrada dos
leds em relação a isso.
4. O que mudará tendo somente led e multiparâmetros para utilizar?
5. Como as ideias surgem para você? Imediatamente? Após um tempo
trabalhando? As primeiras ideias costumam ficar? Vão se transformando? Você
costuma levantar muitas ideias que são depois descartadas? Ou trabalha de
forma mais sintética?
4.Você costuma fazer estudos teóricos nos seus trabalhos?

As perguntam tinham como objetivo criar uma espécie de quadro geral


sobre o trabalho desenvolvido por aquela pessoa, abordando principalmente
questões relativas à forma como pensam seu fazer e sua criação, além de
informações a respeito de formação e profissão. Como resultado, produziu-se
um conjunto de relatos que contém a descrição de diversos procedimentos e
modos de criação. É a partir destes métodos que estes artistas da iluminação
desenvolveram em suas trajetórias que pensaremos a processualidade da luz e
seus diversos meandros.
2. A LUZ EM PROCESSO

2.1. Processualidades da luz: pensar a iluminação como área


criativa do teatro

Pensar o processo criativo da iluminação envolve, inevitavelmente,


compreender como se organiza esse oficio em sua dimensão social, a partir das
relações de trabalho e de criação no processo teatral.
Partimos do entendimento de que a iluminação cênica não é somente uma
linguagem integrante do fenômeno teatral, mas trata-se de um oficio criativo a
ser realizado por um profissional especializado. Essa pessoa possui função cuja
natureza não se restringe à tradução técnica das ideias de outrem (direção,
cenografia etc.) mas, pelo contrário, exerce um trabalho criativo, que transita
entre a autonomia da criação e a colaboração com as demais pessoas
envolvidas no espetáculo. As entrevistas que analisamos ao longo da pesquisa
pressupõem a figura do iluminador ou iluminadora como a gente criativo
participante e presente no processo teatral.
Naturalmente, é necessário reconhecer que as funções e papéis dentro
do coletivo de criação não são absolutamente estanques, e que
atravessamentos, agregações e colaborações são parte do processo. No
processo teatral “diversos aspectos da cena interagem em movimentos
irregulares, transversalmente articulados, entrelaçando-se ao longo do processo
de criação de um espetáculo, e não em camadas lineares superpostas
sucessivamente” (TUDELLA, 2017, p. 25).
No entanto, por mais que as relações de trabalho entre a iluminação e as
demais áreas teatrais possam acontecer de formas muito distintas, atuamos aqui
na busca do reconhecimento da iluminação cênica enquanto área criativa e da
sua importância para o fenômeno teatral.
Para algumas pessoas, essa afirmação pode soar anacrônica, levando-
se em consideração o grau de complexidade do oficio da iluminação cênica nos
dias atuais. Como afirma a iluminadora Jamile Tormann: “Podemos observar que
a criação e execução de uma luz para espetáculos, ou até para outros fins, não
é tarefa muito simples. Ao contrário, criar luz exige uma grande dose de técnica
e muita criatividade” (TORMANN, 2008, p. 140). Todavia, a presença dessa
função tem lugar recente em nossa historiografia teatral ocidental.
Nos anos 30, o termo lighting designer começa a ser utilizado nos Estados
Unidos justamente para descrever a figura que ficaria responsável pela criação
da iluminação do espetáculo, diferenciando-a do diretor ou do cenógrafo, que
normalmente concebiam o projeto de luz. Até aquele período, era comum que
essas áreas ficassem responsáveis pelas questões criativas da luz, cuja
execução era realizada por eletricistas cênicos.
Jean Rosenthal, considerada pioneira na profissão, aponta:

Sou uma lighting designer. A profissão é tão antiga quanto os


anos que passei nela. Isto é espantoso quando se considera a
flexibilidade que a iluminação elétrica alcançou antes de eu ter nascido.
Penso que, até os anos 30, nunca passou pela cabeça de ninguém que
a iluminação de qualquer coisa devesse ser uma preocupação
exclusiva de um artesão, e muito menos sob a égide artística de um
especialista. (ROSENTHAL,1972, p.17) 2

Contudo, o surgimento de uma função criativa independente responsável


pela iluminação não significa que será imediatamente reconhecida em pé de
igualdade diante das demais áreas criativas da cena. Se nos anos 30 Rosenthal
e outros profissionais passam a atuar nessa função, a iluminadora reconhece
que quarenta anos depois, nos anos 70, ainda existe uma hierarquia dominante
no mercado que posiciona a cenografia, e outras funções, acima da iluminação
cênica.

O design de iluminação, no qual fui pioneira, continua a ser


considerado, majoritariamente, menos importante do que a decoração
de interiores. Esta atitude justifica-se, de fato, porque a luz continua a

2 Tradução nossa. No original: “I am a lighting designer. The profession is only as old as the years
I have spend in it. This is astonishing When tou consider the flexibility lighting by electricity had
achieved before I was born. I think it Simply never occurred to anyone until the 1930s that the
lighting of anything should be the exclusive concern of a craftsman, let alone under the artistic
aegis of a specialist”. (ROSENTHAL, 1972, P.17).
ser vista primordialmente importante somente para que as pessoas
possam ver aquilo sobre que incide. A iluminação afeta tudo sobre o
que a luz incide: como se vê o que se vê, como se sente a respeito
disso e como se ouve o que se ouve. (ROSENTHAL,1972, p.17)3

No trecho, podemos perceber como Rosenthal associa função criativa e


linguagem cênica. Se a iluminação é compreendida simplesmente como meio
para ver a cena, não haveria motivo para que o profissional a cargo desta função
tenha sua importância reconhecida. Em outras palavras: o grau de importância
e complexidade da iluminação na cena está diretamente relacionado ao grau de
importância e complexidade dessa função criativa dentro do processo teatral.
No Brasil, esse processo ocorre mais tardiamente, na virada dos anos 60
para 70. Ainda no início dos anos 60 era muito comum uma dinâmica similar a
que descrevemos nos Estados Unidos nos anos 20, na qual diretores e/ou
cenógrafos concebiam a iluminação, bastando a presença de um técnicos ou
eletricistas para o posicionamento e afinação dos refletores. Conforme aponta
um manual técnico de teatro da época:

Cabe ao diretor preparar o plano de iluminação, mas sua


execução e montagem requer técnicos especializados.
A iluminação do palco requer bom senso, sensibilidade,
conhecimento rudimentar do valor das cores e noções de artes
plásticas.
São requisitos exigidos do diretor, iluminador da peça ou
pessoa que planeja a iluminação da cena e não do que executa ou
monta a aparelhagem técnico-elétrica. Este último pode ser apenas um
eletricista especializado em teatro. (CRUZ, 1960, p. 117).

É justamente neste período que começam a surgir figuras que, a partir de


um conhecimento técnico da iluminação cênica, passam a atuar em parceria com
diretores na concepção e criação de luz.

3 Tradução nossa. No original: “Lighting design, in which I pioneered, is still considered for the
most part somewhat less importante than interior decoration. That atitude is acarcely justified
because light remains primarily important in order for people to see what it falls upon. The lighting
of it affects everything light falls upon: how you see what you see, how you feel about it, and how
you hear what you are hearing”. (ROSENTHAL, 1972, p.17).
Até então, os diretores pensavam e os técnicos, com a
formação elétrica, tentavam atender o que era pedido. E acho que
começa a surgir essa figura do iluminador exatamente a partir dessa
demanda, dessa pessoa que quer desenvolver mais… Jorginho [de
Carvalho], Aurélio [de Simoni], Davi [de Brito], são exatamente esses
técnicos que viraram iluminadores, por se dedicarem a pensar na luz
como algo a acrescentar artisticamente e não apenas a atender
tecnicamente. (RETTI, 2009, p. 49).

Não podemos nos esquecer que o surgimento da figura do iluminador


como função criativa do processo teatral não inaugura toda e qualquer reflexão
e produção artística da luz na cena, pelo contrário.

Não que antes não se fizesse luz, se pensa, se faz, se escreve


sobre luminotécnica desde o Renascimento. Mas o fato é que, no
Brasil, a primeira pessoa que disse ‘eu sou iluminador’ foi Jorginho de
Carvalho, nos anos 60. Isso é muito pouco tempo. O Ziembinski era
iluminador só que ele não se chamava ‘iluminador’, não tem nenhum
programa em que esteva escrito ‘iluminação: Ziembinski’... Ele criava
luz como encenador, como diretor. Então, se nos anos 60 tem a
primeira geração, a gente tem que pensar que é uma profissão nova
(FORJAZ, 2009, p.52).

Forjaz reforça o quanto essa função, da iluminação como ofício criativo, é


ainda recente no Brasil. Diante desta constatação, faz-se importante
compreender que o surgimento e reconhecimento de uma nova função criativa
não é imediato, mas constitui um processo lento e gradual. Atualmente, ainda é
necessário empreender significativos esforços em busca do reconhecimento da
iluminação como área criativa do fazer teatral.
Outro dado relevante para compreendermos as relações sociais que
permeiam o ofício da iluminação cênica no Brasil diz respeito à fronteira entre as
funções técnicas e criativas da luz. Quando comparamos com o mercado de
trabalho de outros países, notamos que em nosso território muitos profissionais
que criam por vezes atuam como técnicos e, em algumas localidades, nem
mesmo é reconhecida essa distinção.
O contexto teatral brasileiro é significativamente amplo e diverso, em um
país de extensa dimensão territorial. Diferentes estados e regiões podem possuir
mercados com características distintas e as divisões e formas de estruturação
do ofício da iluminação podem variar consideravelmente. Além disso, mesmo em
localidades próximas as relações de trabalho podem ser radicalmente distintas,
com maiores divisões entre funções ou uma única pessoa acumulando funções
diversas, tanto técnicas quanto criativas da iluminação cênica.
Não surpreende que exista, no mercado brasileiro, essa fronteira borrada
entre criação e técnica, tendo em vista algumas características aqui já citadas,
como por exemplo o quão recente é a profissão diante da história do teatro
ocidental. Adiciona-se a isso o fato de que boa parte dos primeiros iluminadores
vieram de funções técnicas. Cabe ressaltar que a presença de cadeiras
universitárias dedicadas à iluminação cênica no Brasil também é bastante
recente. Jean Rosenthal, anteriormente já citada e considerada a primeira
grande lighting designer norte-americana, estudou em Yale, onde teve aulas de
iluminação no departamento de artes dramáticas. Essa tradição de formações
de lighting designers através de programas de graduação ou pós-graduação não
está tão arraigada às origens do nosso ofício quanto em outros países.
Justamente diante dessa Em meados dos anos 90, alguns iluminadores
brasileiros passam a utilizar o termo lighting designer para se auto denominar.

Ainda existem muitas confusões e interpretações diversas


sobre como nomear o profissional criador da iluminação. No contexto
histórico brasileiro o termo iluminador foi utilizado – e ainda o é – para
se referir tanto aquela pessoa que cria a iluminação como para aquela
que traduz tecnicamente as proposições de um diretor ou outro agente
criativo. Por conta desse uso um tanto quanto impreciso, parte de uma
geração de profissionais da iluminação no Brasil nos anos 1990 passou
a se autodenominar lighting designers, como forma de buscar uma
valorização e maior definição de seu trabalho criativo. O termo surge
com a intenção de posicionar o campo da iluminação em pé de
igualdade criativa com outras áreas do fazer teatral, como a cenografia
e a sonoplastia. (TURBIANI, 2021, p. 29)
Desde a escrita do mestrado, tenho optado por utilizar o termo
iluminador/a sempre em referência a uma atividade criativa, mesmo que essa
pessoa exerça atividades técnicas em conjunto, como operar, montar, etc. Caso
estejamos nos referindo a uma atividade puramente técnica, utilizo o termo
técnico/a de iluminação, técnico/a de montagem de iluminação, operador/a de
iluminação, programador/a de iluminação, sempre determinando a função
técnica específica que é desempenhada.
Além da questão social do ofício da iluminação e da questão estética da
linguagem da iluminação na cena, esse processo é também determinado pelo
grau de desenvolvimento tecnológico do período. Durante o 4º Seminário de
Iluminação Cênica do Teatro da Vertigem, o pesquisador, professor e iluminador
Berilo Nosella foi convidado para assistir algumas das entrevistas propondo
observações e reflexões sobre o material. Nesse encontro, Nosella aponta que:

[...] tem um dado técnico, tecnológico a ser investigado que eu


acho que está diretamente relacionado a uma maturação do ofício e do
fazer e que vai... São três elementos: tem o elemento tecnológico; tem
o elemento estético fundamental que isto traz; e tem um elemento
socioeconômico/político que é a constituição da profissão. Esses três
elementos para mim, de alguma maneira, entre a década de ‘60 e ‘70
estão interligados e tem que ser investigados. (NOSELLA, 2020, 32
min).

Nosella nota como esses três fatores estão entrelaçados e não podem ser
compreendidos de forma desassociada. Pontua ainda a necessidade de uma
investigação mais aprofundada dessa relação. Com toda certeza uma
compreensão mais vertical desse processo seria muito proveitosa para o
entendimento do oficio da iluminação cênica. Todavia, é importante notar que
com o passar do tempo, a iluminação foi – e vem – se tornando cada vez mais
complexa tecnologicamente. Este é um fator que não deve ser desconsiderado
no movimento aqui descrito.
A natureza tecnológica da iluminação é uma característica fundamental
no entendimento da relação entre criação e técnica, e da forma como o meio
teatral entende e reconhece os ofícios relacionados à luz. A respeito dessa
relação entre técnica e criação, o pesquisador apresenta a seguinte reflexão:
Mas essa compreensão de que a técnica não está diretamente
relacionada à tecnologia para mim é interessante. Porque não se faz
arte sem técnica, o ator que não tem técnica não faz arte, o diretor que
não tem técnica não faz arte. Então essa história de que nós
(iluminadores) somos técnica, e eles artistas, isso é uma mentira, isso
é uma balela. Porque não se faz arte sem técnica. Tem uma coisa que
- vou adiantar aqui minha anotações - tem uma coisa que o Renato
[Machado] fala da questão dele como professor, como pedagogo, que
o Guilherme ou o Chico pergunta para ele qual é questão central para
ele como professor e ele fala que para ele é tentar passar para o aluno,
mostrar para o aluno, fazer o aluno entender como é que ele pode sair
da ideia para concretude, ou seja, como é que ele pode transformar
aquilo que ele está pensando, em ideia, em obra, na concretude da
obra. Este processo é o processo artístico, e este processo artístico
não se dá sem técnica, ninguém faz ele sem técnica. Então, na
verdade, essa relação entre a técnica e a criação, e essa oposição
entre técnica e criação, ela me parece uma oposição histórica a ser
questionada. (NOSELLA, 2020, 34 min.)

Como afirma Nosella, não existe criação sem técnica. O reconhecimento


da iluminação como área criativa poderia nos levar à falsa conclusão de que para
ser reconhecida como criação ela deve deixar de ser técnica. Partindo deste
pensamento, o criador fica a cargo das questões elevadas da criação e a
resolução técnica material dos problemas relevada à equipe técnica. Resumir-
se-ia, portanto a uma mera substituição do diretor ou cenógrafo pelo iluminador
no papel de concepção da luz no processo histórico que buscamos descrever.
Contudo, a dimensão concreta da criação demonstra que esse movimento
acontece de forma muito mais complexa. A criação com luz é material e laboral,
e o conhecimento dos meios técnico-materiais da luz são fundamentais no
processo criativo.
Todo a dimensão material da iluminação também faz parte do processo
criativo da luz. Estratégias e procedimentos de como registrar ensaios, de como
organizar uma montagem, afinação ou programação, questões relativas à
produção da planta, são parte do processo criativo da luz.
Essa pesquisa vai na direção contraria de compreender a criação como
algo puramente mental ou solitário. Ao contrário, a criação da luz é laboral e
material. E essa materialidade está em constante diálogo com o coletivo e a sala
de ensaio.
Existem processos que podem, por ventura, serem considerados “mais
técnicos”, onde uma direção apresenta concepções de iluminação bastante
determinadas, conceitos, atmosferas. Outros o iluminador ou iluminadora pode
ter mais espaço para propor, sugerir ou investigar. Em ambos os casos existe
processo criativo da iluminação. O processo de materialização de uma ideia,
através de recurso técnicos, constitui processo criativo. No entanto, existem
questionamentos fundamentais que devem ser feitos: Qual o a natureza dessa
criação e como se articulam as relações de trabalho dentro do processo criativo?
Quais as condições que estão dadas (ou são dadas) para essa criação
acontecer? Essas são questões centrais para a discussão que aqui buscamos
desenvolver.
Por condições dadas, podemos entender os modos de produção e criação
em seus mais diversos aspectos: financeiros, relacionais, temporais, espaciais.
Tomemos por exemplo uma produção teatral que conte com abundantes
recursos financeiros, mas em que o iluminador ou iluminadora somente
acompanha seu processo nas etapas finais, poucos dias antes da estreia.
Eduardo Tudella, iluminador e pesquisador, ao refletir sobre a relação da luz no
processo teatral, aponta como “É até possível dizer que a decisão de convocar
o ‘iluminador’, quando o espetáculo está quase ‘pronto’, pode estar vinculada à
presunção de que só nesse momento ele terá o que ‘iluminar’” (TUDELLA, 2017,
p.25). Todavia, essa janela temporal será prejudicial para o processo criativo da
iluminação. Irá determinar tanto o projeto de iluminação, como sua capacidade
de se interrelacionar com os demais elementos cênicos e, invariavelmente, com
a cena em si.
Deste modo, o processo criativo da iluminação é diretamente afetado pelo
processo criativo teatral como um todo. Esse dado é fundamental para
entendermos a importância do reconhecimento da iluminação cênica como
agente criativo pelos demais integrantes do processo teatral. Esse
reconhecimento não é necessário – e aqui defendido – por uma questão
autoindulgente ou egóica, mas porque é justamente determinante para as
condições relacionais do trabalho da iluminação cênica.
Ao participar de um espetáculo no qual deve ‘fazer a luz’, uma
demanda presente em vários processos pode incomodar o iluminador.
Mesmo que lhe ocorram ideias apropriadas, a tarefa de ‘fazer a luz’
pode estar, em muitos casos, comprometida com uma espécie de
‘urgência’ da qual resultaria uma qualidade apenas sofrível, de cunho
essencialmente técnico, inferior àquela que poderia alcançar caso
fosse incluída a experimentação exigida por um trabalho artístico. E
não somente os prazos, mas também limitações técnicas e artísticas
presentes em certos processos podem redundar em qualidade apenas
satisfatória quando se considera a excelência esperada de uma obra
artística. Fica uma impressão: ou o teatro é uma atividade que aceita o
tratamento negligente de um dos seus aspectos essenciais, ou a luz é
considerada parcialmente, até mesmo desconsiderada, ou há alguma
ignorância no que se refere à sua contribuição para o trato visual do
espetáculo. (TUDELLA, 2017, p. 18).

É preciso levar em conta que o ofício da iluminação cênica não se constitui


em uma atividade solo – apesar de que por vezes possa ser solitária – visto que
o fazer teatral é um campo essencialmente colaborativo.

A minha vida não tem sido a do artista solo, cujo trabalho pode
falar por si, mas sim a de uma colaboração constante com artistas,
produtores, realizadores, técnicos e ferramentas. Pensar em design de
iluminação ou em um lighting designer é incluir muitas outras pessoas
e muitas outras coisas. (ROSENTHAL, 1972, p. 25).4

Processo criativo teatral e processo criativo da iluminação não são


independentes e devem ser estudados e analisados de maneira conjunta.

2.2. A luz e seus procedimentos

No Brasil, ainda são raras as publicações que discutem a questão da


iluminação cênica a partir de um método, ou que propõem um modo de trabalho
definido e estruturado. Contudo, temos vasta bibliografia em outras línguas sobre

4Tradução nossa. No original: “My life has not been that of the solo artist, whose work may
speak for itself, but one of constant colaboration with artists, producers, directors, technicians
and tools. To think abou lighting design or a lighting designer at all ir to include a great many
other people and a great many other things”. (ROSENTHAL, 1972, p. 25)
o assunto, majoritariamente em inglês, propondo etapas e procedimentos que
descreveriam o ofício de um iluminador ou iluminadora. Faremos a seguir uma
breve análise de algumas obras que abordam o assunto.
O arquiteto, iluminador e professor Stanley McCandless foi um dos
primeiros a publicar um método estruturado para criar e projetar iluminação
cênica, fruto direto de sua atividade como docente. McCandless formou-se
arquiteto pela Universidade de Harvard em 1923, mas rapidamente recebe um
convite para lecionar iluminação cênica em Yale, no recém-criado departamento
de artes dramáticas (SP ESCOLA DE TEATRO, 2021).
Ali, lecionou para alguns daqueles que viriam a ser a primeira geração de
lighting designers norte-americanos. Entre eles, estava a iluminadora Jean
Rosenthal:

Sempre achei que, no que diz respeito a este país [EUA],


McCandless foi de fato o avô de todos nós. Não porque não houvesse
outros antes dele, mas porque ele tinha uma atitude muito específica e
ordenada em relação à iluminação e estabeleceu aquilo que considero
mais importante: uma atitude que exige que haja uma técnica e um
método para organizar as nossas ideias. (ROSENTHAL, 1972, p. 30). 5

Seu livro A Method of Lighting the Stage “é provavelmente o livro mais lido
e ainda hoje um dos mais procurados e credibilizados sobre o assunto nos EUA,
apesar de grandes partes do livro que tratam dos equipamentos do seu tempo
estarem agora obsoletas” (BRIGGS, 2008, p. 231)6. No livro, o autor propõe um
método a partir da divisão do espaço cênico em áreas, iluminadas de forma a
possibilitar que sejam controladas de forma independente, mas que, quando
acesas em conjunto, produzam uma luz geral homogênea. Em seguida, podem
ser adicionados refletores para fusão e tonificação da luz, refletores para
iluminação das superfícies cenográficas ao fundo da cena e a criação de efeitos

5 Tradução nossa. No original: “I have Always felt that insofar as this country is concerned
McCandless was indeed the granddaddy of us all. Not because there were no others before him,
but because he did have such a specific and orderly atitude toward lighting and he set up tha
most importante Thing: an atitude wich demands that there must de a technique and a method
for organizing your ideas”. (ROSENTHAL, 1972, p.30).
6 Tradução nossa. No original: [...] “is probably the most widely read and still one of the most

sought-after and authoritative books on the subject in the USA today despite the fact that huge
portions of it that deal with the equipment of his day are now obsolete”. (BRIGGS, 2008, p.
231).
especiais. Além disso, McCandless sistematiza quatro propriedades
fundamentais controláveis da luz, a serem trabalhadas e articuladas no processo
de criação: intensidade, cor, distribuição e controle (MCCANDLESS, 1932).
Já Francis Reid, em The Stage Lighting Handbook (REID,2001), lançado
pela primeira vez em 1976, define as seguintes etapas do processo da
iluminação cênica: estudo do texto, discussão com demais criadores, decisão de
estilo, presença em ensaios, produção de planta (identificação das áreas do
palco, determinação de cores por área, determinação de refletores especiais,
estabelecimento de prioridades, escolha de posições de refletores, escolha de
tipos de refletores e seleção de filtros), criação de uma lista de deixas,
comunicação de intenções para toda a equipe, preparar o equipamento,
pendurar os refletores, afina-los, ensaios de luz e ensaios técnicos.
Em A Process for Lighting the Stage (MCGRATH, 1990), Ian McGrath
estrutura os capítulos do livro a partir das etapas que propõe para o processo da
iluminação cênica, que envolve: cronograma de responsabilidades e tarefas,
formulação de um conceito, apresentação do conceito, leitura do texto e ensaios
iniciais, reflexão e estudo do desenho, criação de uma lista básica de deixas,
decompor o desenho em partes, escolha e posição de refletores, produção de
documentação, montagem, afinação, ensaio Técnico, ensaio de figurino e
ensaios corridos e estreia.
Richard Pilbrow, em Stage Lighting Design (PILBROW, 2008), publicado
primeiramente em 2000, apresenta, de forma resumida, o método de
McCandless de forma resumida, mas propõe complementa-lo com algumas
metodologias próprias. Segundo ele, para cada cena deve ser determinada: uma
luz dominante, uma luz secundária, uma luz e contorno e uma luz de
preenchimento. Além disso, sugere que se partas das seguintes perguntas
disparadoras: “Qual é o efeito visual do palco? Qual é o aspecto ou a sensação
que pretendemos criar? Como é que apoia ou sublinha o enredo da peça?”
(PILBROW, 2008, p. 28)7. O autor aponta que as respostas a essas perguntas
deveriam vir de conversas com a direção e a cenografia do projeto, além da
análise do texto dramatúrgico. Cita ainda, como parte do trabalho da iluminação,

7Tradução nossa. No original: “What is the visual effect of the stage? What is the look or feel
we intend to create? How will it support or underline the storyline of the play?” (PILBROW,
2008, p. 28)
a análise do texto, assistir os ensaios, o estudo do espaço teatral e seus
equipamentos e a produção formal da documentação e plantas de iluminação.
Em seu livro La Luz en el Teatro: Manual de Iluminación (SIRLIN, 2005), a
iluminadora argentina Eli Sirlin, descreve o processo de desenho de iluminação
com os seguintes passos: visualização da luz, análise da obra, comunicação das
ideias com a equipe, estudo do espaço cênico e seus recursos técnicos,
participação nos ensaios, dimensionamento do tempo de montagem e produção,
documentação das ideias, supervisão da montagem, afinação, programação da
luz, participação nos ensaios com luz e documentação do projeto de iluminação.
Sirlin retoma as propriedades controláveis da luz, propostas por McCandless,
mas com algumas alterações: intensidade, posição, distribuição-forma, tempo-
movimento e cor.
Todos os livros aqui descritos, apresentam algum tipo de método para a
criação em iluminação. No caso de McCandless e McGrath, seus livros são
estruturados a partir de um método ou processo, e os temas mais técnicos estão
presentes dentro das etapas da criação. Já nos demais casos, esse tema é um
assunto abordado somente em parte dos livros, como um capitulo ou secção
específica.
Apesar das diferenças de peso e importância que é dada ao tema dos
procedimentos e modos de produção da iluminação cênica, todos os livros
trabalham a partir de duas perspectivas: apresentar os elementos materiais com
os quais iluminadores podem trabalhar (como tipos de refletores, ângulos de
incidência, uso da cor) e a descrição do método de trabalho desde as primeiras
ideias até a apresentação para o público.
A problemática que se apresenta nesse modelo de trabalho que a maioria
dos livros segue é que pressupõem uma linearidade e previsibilidade que não
condiz com uma parte significativa dos processos teatrais aos quais tive acesso,
estudei ou vivencie, especialmente se tratando do nosso contexto brasileiro.
Arrisco dizer que mesmo processos mais convencionais, partidários de um modo
de fazer similar aos que descrevemos nos livros acima, tal linearidade é um
desejo de organização e previsibilidade que muitas vezes não se verifica na
prática.
Outro fator que chama atenção é que, em geral, pouco atenção é
dedicada à etapa de produção e desenvolvimento de ideias. Focam muito mais
nos procedimentos relacionados às dinâmicas de produção e materialização da
luz, tanto no que diz respeito a procedimentos de desenho e projeto, como de
práticas de organização da montagem, afinação e gravação.
Existem procedimentos e formas de trabalhar que podem auxiliar no
desenvolvimento de ideias e conceitos. Contudo, observamos como nos livros
descritos se comenta a respeito da necessidade de falar com a direção, assistir
os ensaios e estudar o texto dramatúrgico. Mas pouco se fala sobre o que pode-
se conversar com a direção, possibilidades de como estar presente na sala de
ensaio e de que forma pode-se analisar um texto teatral.
Além disso, a percepção de que as ideias surgem e depois se executam,
em uma divisão entre pensar e fazer, não é condizente com a realidade da
criação artística. O processo criativo é constituído de tentativas de
materialização de ideias. Muitas delas, apresentam-se de forma perfeita em
nosso imaginário, mas quando levadas para materialidade da sala de ensaio ou
do palco revelam-se inviáveis ou completamente diferentes do esperado.

O processo criador mostra-se como um itinerário não linear de


tentativas de obras, sob o comando de um projeto de natureza estética
e ética, também inserido na cadeia da continuidade e sempre
inacabado. É a criação como movimento, em que reinam conflitos e
apaziguamentos. Um jogo permanente de estabilidade e instabilidade,
altamente tensivo. (SALLES, 2013, p. 35)

A luz, enquanto materialidade para a criação, é um meio etéreo, ao qual


não podemos tocar, cheirar e, curiosamente, ver. Por mais que seja o meio
fundamental que possibilita o processo da visão, o que somos capazes de ver é
somente a interferência das qualidades das luzes sobre os objetos, corpos e
espaços que – estes sim – vemos. Mesmo o artifício da fumaça cênica não passa
de um meio material atmosférico, no qual a luz incide e é refletida em direção
dos nossos olhos.
Dada essa característica da luz, o processo de criação da iluminação
sempre envolve alguma considerável quantidade de imaginação a respeito de
como a luz irá se comportar nas condições determinadas pelo projeto. E por mais
que tenhamos recursos tecnológicos muito avançados de simulações digitais e
que a experiência no ofício auxilie significativamente nesse processo
imaginativo, o fato é que em alguma medida só teremos certeza absoluta sobre
como as luzes irão se comportar no momento em que as acendermos nas
condições em que irão ser utilizada. Ou seja, no espaço teatral determinado, com
as afinações planejadas e os filtros de cor colocados, junto dos cenários,
figurinos e corpos em movimento. Até esse momento, por mais que utilizemos
diversos recursos para projetar a luz, sempre existe a possibilidade de as coisas
não funcionarem da forma como era esperado.

Erro e acaso interagem com o processo que está em curso,


propondo problemas que provocam a necessidade de solução. Para
que isso aconteça, hipóteses são formuladas, testadas e,
possivelmente, geram associações de outra natureza. Estamos
falando, sob esse ponto de vista, de importantes desencadeadores do
mecanismo de raciocínio responsável pela introdução de ideias novas.
(SALLES, 2017, p. 312)

Justamente por isso, muitas decisões criativas podem ser feitas até nos
momentos finais antes de uma estreia e, como vemos acontecer, ao longo da
uma temporada de um espetáculo. Isso não significa que não devemos
desenvolver a capacidade de antever e projetar. Mas é um lembrete de que o
processo criativo, mesmo no campo da iluminação cênica, não ocorre dentro de
uma linearidade previsível.
Nos próximos dois capítulos, levantaremos procedimentos de trabalho e
criação em iluminação cênica. Apesar de estarem divididos entre de onde
surgem as ideias, e como as ideias se tornam materialidade, não existe
necessariamente uma hierarquia temporal entre esses dois processos. Ao
contrário, são procedimentos que podem estar operando de forma simultânea no
processo.
Além disso, é importante ressaltar que não necessariamente o primeiro
trata-se de um processo mental enquanto o segundo é físico. Ambos são
pensamento e ação, se construindo simultaneamente. O processo de concepção
de ideias, de construção de um conceito de obra, pressupõe ação, um fazer.
Mesmo ações de observação, de escuta, são ações. É um agir. E são etapas
necessárias do processo criativo da luz.
Os procedimentos descritos não se limitam a uma ordem linear temporal.
São formar de agir, praticadas por diferentes iluminadores e iluminadoras
brasileiras em suas práticas criativas. As ações descritas podem se apresentar
em diferentes momentos do processo, se mesclando e se alternando. O caminho
do processo da luz está sujeito ao processo criativo como um todo e aos modos
de produção que o define. Diferentes grupos e parcerias vão trabalhar de
maneiras diferentes. Pesquisas teatrais sobre temas diversos podem demandar
caminhos distintos a se percorrer.
O que mais interessa é como esse quebra cabeça de procedimentos
podem se organizar e reorganizar a cada processo e como nós, iluminadores e
iluminadoras, podemos nos perceber não somente como criadores de luz, mas
como criadores dos nossos próprios métodos.
É justamente nessa vastidão de possibilidades que reside a graça da
coisa. A cada novo trabalho podemos inventar novos caminhos para criar. O que
se segue nos próximos capítulos é um levantamento de recursos e
procedimentos. São respostas à pergunta: ‘o que fazem iluminadores e
iluminadoras quando estão criando?’ podendo ser utilizados parcialmente e na
ordem desejada.

3. A LUZ EM PROCESSO: De onde surgem as ideias

Neste capítulo, apresentaremos procedimentos de criação da iluminação


cênica relativos às etapas de levantamento de materiais e produção de ideias.
Essas etapas podem incluir distintas formas e configurações de pesquisar,
estudar e levantar materiais que possam subsidiar e fortalecer a criação. Além
disso, incluem-se modos de estar presente no trabalho coletivo e na sala de
ensaio.

Essas categorias não são estanques, e podem se relacionar de forma


complexa, em rede. Acreditamos que não existe uma relação temporal
determinada ou uma ordem completamente preestabelecida de sequência de
procedimentos. O processo criativo pode ser conduzido por diferentes caminhos
e uma metodologia de trabalho deve ser capaz de se ajustar e se transformar a
partir da materialidade da criação.

Os procedimentos abordados neste capítulo são propostos a partir dos


relatos produzidos por iluminadores e iluminadoras no programa Lighting Studio.

3.1. Observar e escutar

Dedicaremos este item aos procedimentos relativos à forma como


iluminadores e iluminadoras se aproximam dos processos coletivos, quando
estes já estão em curso, e das materialidades centrais do processo, como o texto
dramatúrgico e o espaço cênico.
Em alguns contextos, pode existir um pressuposto de que a iluminação
possa se envolver com o processo criativo somente em suas etapas finais.
Buscaremos problematizar essa visão na medida em que investigamos os
benefícios ao trabalho como um todo advindo da presença do iluminador ou
iluminadora desde o começo da criação.
Proporemos a ideia de escuta e observação como princípios centrais do
processo criativo, na medida em que criam condições para que o acaso e a
intuição possam operar.

3.1.1. Acompanhamento dos ensaios

Apresentaremos diferentes formas de acompanhar e participar dos


ensaios, a partir das descrições realizadas nas entrevistas. Buscaremos
responder a perguntas como: O que observar quando presente em um ensaio
de um espetáculo? O que registrar ao assistir um ensaio? Qual o formato que
um ensaio pode ter e qual as diferentes formas de estar presente?
Cabe ressaltar que abordaremos aqui questões relativa à ação de
observação e escuta, mas que existem outras formas, as vezes mais ativas, de
participação no ensaio, que serão discutidas mais adiante.

3.1.2. Leitura do texto dramatúrgico


Neste trecho, desenvolveremos questões relativas à forma como
iluminadores se relacionam com o texto dramatúrgico. Não estamos nos
referindo aqui a análise aprofundada do texto, mas de como se dá a primeira
aproximação a este material. Alguns iluminadores comentam, em entrevistas,
que não gostam de ler o material antes de assistir um ensaio, outros fazem o
oposto, requisitando o texto a ser lido antes da primeira visita à sala de ensaio.
Outra possibilidade é pensar o iluminador que está presente desde o início, e já
acompanha, junto com todo o grupo, a primeira leitura do texto.

3.1.3. Diálogos com artistas colaboradores

Muitos dos iluminadores e iluminadoras comentam sobre como é a partir


do diálogo com a direção e demais parceiros criativos que surgem ideias a serem
experimentadas. Assim, buscaremos responder a perguntas como: Que tipo de
dialogo pode ser construído e com qual objetivo? A que tipo de questão se deve
estar atento e quais assuntos são importantes e determinantes para o processo
da iluminação? Além disso, analisaremos como é nessa relação entre as áreas
criativas do processo teatral que um conceito ou concepção de cena se configura
e se estrutura.

3.1.4. Entrar no espaço

Neste tópico, discorreremos sobre possíveis modos de aproximação entre


a iluminação e a espacialidade cênica e teatral, do ponto de vista criativo e
técnico. Deste modo, nos referimos tanto a uma compreensão subjetiva do
espaço, que percebe e incorpora suas características arquitetônicas à
concepção de luz, quanto aos dados técnicos necessários para execução do
projeto. Em outras palavras, nos debruçaremos sobre procedimentos de entrada
no espaço pela primeira vez e de investigação da arquitetura. Assim como das
informações técnicas que iluminadores e iluminadoras requisitam às equipes
responsáveis pelos espaços.

3.2. Estudar
Dividiremos esse item em dois subitens, relativos ao exercício de estudo
e investigação teórica que podem envolver o processo criativo.

3.2.1. Uso de referências e a teoria como base conceitual do


projeto

Discutiremos como alguns iluminadores e iluminadoras apontam a


importância do estudo teórico de temas relativos ao projeto, não somente como
subsídio para a criação da iluminação, mas como forma de sustentar o diálogo
com as demais áreas criativas. Em seguida, desenvolveremos a ideia de que
alguns artistas trabalham de forma bastante conectada ao desenvolvimento
conceitual de seu projeto, enquanto outros são muito mais ligados a questões
estéticas e visuais.

3.2.2. Análise e estudo do texto

Apresentaremos modos de estudar e analisar o texto dramatúrgico, a


partir do ponto de vista da iluminação cênica. Discutiremos, ainda, que tipo de
informação pode ser extraída do texto e qual pode ser sua importância para o
processo de criação da luz. Além disso, refletiremos sobre como a abordagem
do iluminador ou iluminadora diante do texto pode variar consideravelmente de
acordo com o projeto de encenação proposto para o trabalho.

3.3. Coletar

Neste tópico, abordaremos qualquer tipo de procedimento relativo à busca


de materiais que objetivam alimentar o processo criativo, seja de ordem material,
visual e vivencial.

3.3.1. Coletar Imagens

Alguns iluminadores e iluminadoras, relatam a importância do uso de


material imagético em seus processos criativos. Apresentaremos como esse
recurso pode ser utilizado no projeto, tanto para a criação da iluminação como
para ilustrar propostas para demais integrantes da equipe criativa.

3.3.2. Coletar Materiais

Este trecho faz menção ao fato de que alguns relatos apresentam a


pesquisa de luminárias, lâmpadas e outros tipos de fontes de luz não-
convencionais, como parte importante do processo criativo da iluminação cênica.
Vale mencionar que os trabalhos dos iluminadores Iara Souza, Guilherme
Bonfanti e Marcelo Flecha se relacionam diretamente com essa questão, apesar
de terem abordagens muito distintas sobre o assunto.

3.3.3. Coletar Experiências (pesquisa de campo)

Abordaremos neste trecho procedimentos de investigação de pesquisa de


campo. Muito presente em alguns processos de investigação cênica,
especialmente ligado ao teatro de grupo, a pesquisa de campo envolve o
deslocamento do grupo (e da iluminação) para fora da sala de ensaio, entrando
em contato com grupos, comunidades e realidades distintas.

3.4. Experimentar

Neste tópico, discutiremos algumas práticas relativas à noção de


experimentação cênica, pensando não a iluminação como espectadora da
experimentação, mas como participante.

3.4.1. Experimentação externa

Por experimentação externa, compreendemos testes e investigações que


são realizados fora da sala de ensaio, ou ao menos, sem a presença do resto do
coletivo ensaiando. Normalmente é feita como forma de testar um efeito, ou uma
fonte de luz, buscando saber como se comporta ou para verificar alguma
característica técnica.
3.4.2. Experimentação em sala de ensaio

Por experimentação em sala de ensaio nos referimos à experimentação


que ocorre por parte da iluminação no momento dos ensaios, juntamente com
os demais artistas criadores que compõem o projeto. Abordaremos como esse
tipo de experimentação pode ser um importante dispositivo de descoberta da
relação da iluminação com a cena. Assim, acender e apagar as luzes, enquanto
a cena está em construção, pode alimentar não só o processo criativo da luz
como das outras áreas. Discutiremos possibilidades de trabalho diante de
condições adversas como, por exemplo, quando se ensaia com um equipamento
diferente daquele que será utilizado nas apresentações.

4. A LUZ EM PROCESSO: De como as ideias viram luz


Neste capitulo, abordaremos procedimentos referentes ao processo de
materialização da obra artística, neste caso especificamente, do projeto de
iluminação cênica. Por materialização nos referimos tanto à concepção e
desenho da planta de luz, enquanto projeto, quanto à montagem e operação da
mesma.

4.1. Projetar

Compreendemos o ato de projetar como a capacidade de antever e prever


como a luz se comportará, durante o processo de construção da planta de
iluminação. Discutiremos, ainda, a contradição entre a definição do desenho e
a natureza por vezes incerta do processo criativo, assim como a necessidade de
tomar decisões devido a imposições internas e externas.

4.1.1. Desenho de planta de iluminação

Discutiremos os modos com que diferentes iluminadores e iluminadoras


se relacionam com a planta de luz. De acordo com as entrevistas, alguns fazem
várias versões ao longo do processo enquanto outros são muito mais objetivos,
concebendo algo que pouco ira se modificar. Existem variações quanto ao
momento de definição da planta e qual sua função dentro do trabalho.
Discorreremos ainda sobre os rascunhos de planta, normalmente feitos à mão,
durante o projeto. Apresentaremos ainda a possibilidade da planta feita em
caderno como forma de rascunho, ou tentativa de obra, do projeto de iluminação.

4.1.2. Uso de softwares de visualização

Abordaremos diferentes programas de desenho utilizados por


iluminadores e iluminadoras e qual o intuito que tem ao utilizar esses softwares,
seja para visualizar a luz para si próprio ou para apresentar um projeto para
direção ou outros participantes do processo criativo.

4.2. Montar

Neste item, discorreremos sobre como a montagem é o momento de


materialização do projeto no espaço. Abordaremos a relação da montagem com
o trabalho dos demais integrantes do processo. A montagem trata-se de uma
demanda específica entre várias, tais como montagem de cenário, passagem de
som, ensaios, etc. A negociação entre as necessidades de cada área pode ser
fundamental para a execução da iluminação cênica no espaço. Outro assunto
importante é a relação com o tempo e a estruturação de um cronograma de
trabalho.
Abordaremos, ainda, a percepção de que a montagem pode ser vista
como algo menor diante das questões relativas à criação, mas é justamente onde
a materialização da iluminação acontece. Deste modo, questionamos, de que
vale um Este item está dividido em dois subtópicos, como forma de apresentar
as particularidades enfrentadas tanto em espaço projetados para iluminação
cênica como para aqueles onde não existe uma estrutura pré-concebida para o
suporte da luz.

4.2.1. Montagem em espaço convencional

4.2.2. Montagem em espaço não convencional


4.3. Executar

Abordaremos nesse tópico os aspectos relativos à execução da


iluminação durante o transcorrer do espetáculo. Trata-se portanto, de questões
relativas tanto à operação e programação de luz, como da criação e registro de
um roteiro de operação de luz.

4.3.1. Processo de descoberta do roteiro de iluminação

Apresentaremos diversos modos de desenvolvimento e registro do roteiro


de luz. Ao longo das entrevistas, alguns iluminadores e iluminadoras relatam por
vezes desenvolver um roteiro de deixas antes mesmo de minimamente saberem
como vão organizar a planta de luz. Já em outros processos, essa definição de
mudanças da iluminação ao longo do tempo do espetáculo pode ocorrer nos
momentos finais antes de uma estreia, ou mesmo ao longo de uma temporada.

4.3.2. Roteiro de operação: técnicas de registro

Abordaremos com iluminadores e iluminadoras produzem seus roteiros


de operação e gravação de luz, qual a função deste documento e quais
informações pode conter.

4.3.3. Modos de operação e programação da luz

Neste tópico, discutiremos como pode-se utilizar diferentes formas de


operação da iluminação. As composições de luz podem ser totalmente pré-
gravadas, inclusive com os tempos de entradas e saídas das cenas. Existe a
possibilidade contrária de tudo ser feito manualmente, no momento da
apresentação. Pode-se ainda trabalhar com uma mistura entre essas duas
possibilidades em um mesmo espetáculo. Abordaremos características dessas
escolhas e as implicações de trabalhar com uma e com outra.
5. O PROCESSO ATIVO DA LUZ: Do conceito de Luz Ativa
às perspectivas de colaboração na iluminação teatral

Neste capítulo, abordaremos o conceito de Luz ativa como forma de dar


subsídio conceitual à discussão sobre o processo criativo da iluminação
cênica.

5.1. Luz ativa: perspectivas históricas

Neste trecho, faremos um panorama, ainda que geral, do termo Luz Ativa
e suas implicações conceituais. Para tal, será necessário retomar seu significado
a partir dos escritos de Adolphe Appia, dentro de um contexto histórico específico
no qual o autor está inserido. Além disso, apontaremos algumas possibilidades
mais contemporâneas de leitura do termo dentro do campo da iluminação.
Duas referências serão proveitosas para isso: O livro Active Light, do
Crisafulli, e a tese de doutorado da Nadia Luciani, que faz uso do termo para
discutir a questão da performatividade no teatro contemporâneo.

5.2. Apontamentos sobre a colaboração na Obra de Arte Viva

Neste trecho, partiremos das considerações de Adolphe Appia a respeito


da colaboração na relação com o Obra de Arte Viva. Em seguida,
aproximaremos o conceito ao de Luz Ativa, como forma de compreender como
ambos estão conectados e como acreditamos que a possibilidade de realização
da Luz ativa na cena requer um modo de criação que propicie a colaboração da
iluminação com as demais áreas criativas do processo teatral.

6. Modos de atividade da luz no processo criativo: ESCUTA


Neste capítulo, abordaremos alguns modos de envolvimento da
iluminação com o processo teatral a partir de uma perspectiva de formato de
produção mais convencional ou tradicional. Nesses processos, a iluminação
tende a se estruturar a partir da escuta e observação do desenvolvimento cênico
coletivo.
6.1. Tradição e cultura teatral na sala de ensaio

Discutiremos como existe um modo de trabalhar a iluminação que em


geral está relacionado a um formato tradicional de ensaio, onde a partir de um
texto dramatúrgico, atuantes junto da direção começam a desenvolver um
trabalho em sala de ensaio, que é periodicamente acompanhado pelos demais
parceiros criativos (iluminação, cenografia, figurino, sonoplastia, etc.). Esse
modo de trabalho se conecta a uma tradição desenvolvida ao longo do teatro
moderno.

6.2. A primeira geração e suas reverberações: Jorginho de


Carvalho, Aurélio de Simone, Beto Bruel

Neste trecho, abordaremos como esse modo de trabalhar tem suas


origens no Brasil nos anos 60/70, quando do surgimento dos primeiros
iluminadores brasileiros. Trata-se de uma prática teatral muito conectada a uma
tradição transmitida na relação mestre/aprendiz. Apresentaremos alguns desses
nomes e abordaremos como esse modo de trabalhar se materializa em suas
práticas até os dias atuais.

7. Modos de atividade da luz no processo criativo:


EXPERIMENTAÇÃO
Em contraposição ao capítulo anterior, abordaremos modos de trabalho
mais relacionados à uma concepção de trabalho onde a iluminação se integra
ao coletivo na investigação cênica.
Faz-se importante considerar que não há um juízo de valor entre este
modo e o apresentado anteriormente, nem como ambos podem ser produtores
de obras onde a iluminação é parte fundamental da linguagem da cena. Todavia,
é necessário levar em consideração que, do ponto de vista da participação do
iluminador ou iluminadora no processo criativo, aqui temos uma abordagem
muito mais radical do processo criativo.
7.1. A sala de ensaio como laboratório da cena

Discutiremos como praticas investigativas contemporâneas estruturam a


sala de ensaio de forma muito distinta da forma como tradicionalmente
pensamos a prática teatral. Nesse sentido, abre-se a possibilidade de uma
participação da iluminação como propositora e participante desde o início das
investigações, atuando de forma prática na sala de ensaio.

7.2. O teatro de grupo e as práticas colaborativas: Cibele


Forjaz, Guilherme Bonfanti, Alessandra Domingues, Marcelo
Flecha, Iara Souza.

Discutiremos a relação entre esse modo abordagem do trabalho da


iluminação e sua relação com a noção de processo colaborativo desenvolvida
especialmente no chamado teatro de grupo brasileiro.

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