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Sérgio de Azevedo

Luís Aureliano Gama de Andrade

HABITAÇÃO E PODER:
da Fundação da Casa Popular ao Banco Nacional Habitação

Discentes: Yuri da Costa e Juliana Ozelim


05/07/2023

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
SUMÁRIO
PARTE I - Habitação e populismo: a Fundação da Casa Popular Edição impressa: 1982,
Zahar Editores
PARTE II - Tentativas de mudança: do Banco Hipotecário ao
Instituto Brasileiro de Habitação

PARTE III - O BNH: O novo regime e a política habitacional

PARTE IV - BNH em ação: As correções de rota da política


habitacional

PARTE V - A trajetória recente da política de habitação popular

PARTE VI - O balanço da política: o BNH na berlinda

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Edição online: SciELO -
Centro Edelstein (2011)
https://books.scielo.org/id/xnfq4

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
OS AUTORES
Sérgio de Azevedo (1946 - atual)
❏ Carioca, Graduado em Administração Pública (FGV), Mestre em Ciência Política
e Sociologia (IUPERJ), Doutor em Sociologia (UCL - Bélgica).
❏ Foco de pesquisas: políticas públicas, habitação e governança metropolitana.
❏ Importante contribuinte para a mensuração do déficit habitacional no Brasil.

Luís Aureliano Gama de Andrade (1946 - 2013†)


❏ Carioca, Graduado em Filosofia (UFMG), Mestre em Política Pública e Doutor em
Ciência Política (University of Michigan - EUA).
❏ Foco de pesquisas: educação, planejamento, desenvolvimento e modernização
da administração pública.
❏ Consultor de políticas públicas e planejamento: OEA, do BID e do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
❏ O livro compreende o período de 1946 (ano de criação da Fundação da Casa Popular) a 1982 (Publicação do livro).

Dutra Café Filho Nereu Jânio Quadros João Goulart Costa e Silva Geisel
Ramos

1930-1945 1951-1954 1955 1956-1961 1961 1964-1967 1969-1974 1979-1982

1946-1951 1954-1955 1955-1956 1961 1961-1964 1967-1969 1974-1979

Vargas Vargas Carlos Luz Juscelino Mazzilli Castelo Médici Figueiredo


Kubitschek Branco

Governos Federais entre 1946 e 1982

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
DÉCADA DE 30:

❏ A economia brasileira no início da década de 1930 passou por uma


profunda crise que atingiu diretamente a renda gerada no setor
cafeeiro.
❏ Política habitacional estruturada a partir dos IAPs na década de 30.
❏ Ascensão e gradativa hegemonia da burguesia industrial.
❏ Progressiva cooptação das massas urbanas para esfera política
(aparato governamental e agências governamentais de bem-estar
social).
❏ Política habitacional como “capital político”.
❏ Em 1937, Getúlio Vargas dissolve o congresso e assembleias
estaduais, fecha partidos e institui o Estado Novo.
❏ Ruptura com estruturas de uma economia dependente da
agroexportação.

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RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
DÉCADA DE 40:
❏ Impactos econômicos da segunda-guerra mundial (alta dos valores na
construção civil)
❏ Com a redução das importações imposta pelo cenário internacional,
cresce a industrialização e a produção agrícola diversifica-se.
❏ Crescimento das indústrias de base (Companhia Siderúrgica Nacional,
Fábrica Nacional de Motores)
❏ Legislação trabalhista é sistematizada, ampliada. Instituição do
salário-mínimo, imposto sindical e do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço.
❏ Nesta década a população aumenta 26% (de 41,2 milhões para 51,9
milhões). A população urbana cresce 46% e a rural 17%.
❏ Lei do Inquilinato em 1942, escassez e crise da habitação
❏ Liga Social Contra Mocambo e Favelas autoconstruídas

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RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
DÉCADAS DE 50 e 60:
❏ Criação da ONU em 1945 e da OEA em 1948 viabiliza suporte institucional
para que profissionais de diversos campos e países se engajem em missões
técnicas e de assistência em países subdesenvolvidos.
❏ Em 1948 criada a Comissão Econômica para América Latina e Caribe
(CEPAL). A instalação no Brasil se dá em 1950.
❏ Ao longo da década, a população urbana cresce 60% e ⅓ desse crescimento
concentra-se em áreas metropolitanas.
❏ São Paulo e Rio de Janeiro com taxas de urbanização já em 60%. Nos grandes
centros urbanos as periferias já estão consolidadas.
❏ Plano Nacional Desenvolvimentista de JK e Plano de Metas
❏ Ao fim do governo JK, parque industrial brasileiro cresce 80% (Usinas
Hidroelétricas, Aço, Automóveis, Rodovias e Construção de Brasília).
❏ Planejamento de caráter regional: superação do limite político administrativo
para demarcar áreas de planejamento, consideração de determinantes
geográficos, econômicos e regionais.
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RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
DÉCADAS DE 50 e 60:
❏ Crise econômica após os anos iniciais do governo JK (grande emissões de
papel moeda e abertura ao capital estrangeiro - divisas desviadas aos países
das multinacionais, desvalorização da moeda local e inflação).
❏ Desenvolvimento desigual de regiões do país (grande fluxos migratórios para
sudeste e Brasília) - criação da SUDENE em 1959.
❏ Crises políticas: fim do governo JK, breve governo Jânio Quadros, imposição
de regime parlamentarista no governo Jango, retomada do presidencialismo.
❏ Pressões populares pelas reformas de base, Ligas Camponesas e pressão
militar para ampliar poderes nas três esferas de poder.
❏ Jango anuncia tabelamento de aluguéis, nacionalização das refinarias de
petróleo, reforma agrária, desapropriação de terras em torno de açudes,
rodovias e ferrovias.
❏ Golpe militar em 1964.

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RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
DÉCADA DE 70:
❏ Apogeu da ditadura militar no Brasil
❏ No início da década a economia ainda experimenta o milagre econômico
com taxas de crescimento de dois dígitos - 13,9% em 1973
❏ Teoria do “crescimento do bolo”
❏ Em 1974, após “o milagre econômico”, o salário mínimo tinha apenas
metade do poder de compra.
❏ De 1970 a 1980, a população brasileira cresce 28% – menos que nas
décadas de 1960 (33%) e 1950 (35%).
❏ No mesmo período, a população rural, que desde a década de 40 vinha
crescendo cada vez menos que a urbana, não só para de crescer como
diminui, caindo de 41 para 38,6 milhões, um recuo de 6%.
❏ Observa-se assim o aprofundamento da desaceleração do crescimento
demográfico e do esvaziamento do campo.

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RECORTE TEMPORAL (1946-1982)
1982:
❏ Governo Figueiredo: último presidente da ditadura militar.
❏ Crise econômica e processo de reabertura política no país.
❏ III Plano Nacional de Desenvolvimento elaborado por Delfim Neto - não
surtiu efeito, recessão mundial barrava obtenção de novos empréstimos
❏ O PIB per capita, que de 1970 a 1980 vinha se expandindo à taxa média
de 6,1% a.a., diminui 13% entre 1980 e 1983.
❏ Endividamento externo, mas que rapidamente passa a se traduzir no
desajuste interno da economia.

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PREFÁCIO - INTRODUÇÃO
❏ FOCO: política habitacional brasileira desde a fase da Fundação da Casa
Popular" (1946) até criação do Banco Nacional da Habitação BNH (1964).
❏ A política habitacional no Brasil foi fragmentada e influenciada por diferentes
contextos econômico e institucional:
❏ Períodos populistas
❏ Regimes autoritários
❏ Clientelismo
❏ Mudanças do sistema econômico.
❏ O BNH apesar de ter sido um banco de desenvolvimento social, seus objetivos
eram contraditórios e a política habitacional oscilava entre o regressivo e o
progressivo. Além disso, não atenderam grande parte da população de baixa
renda.
❏ O Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados - PROFILURB
❏ "Mutirão" e a "Autoconstrução" como possibilidades válidas. Periferias de São Paulo : 1940 - 1970

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PARTE I
Habitação e Populismo: A Fundação da Casa Popular

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A importância da Habitação…
O que é a habitação? Em que escala da política pública ela entra?

ESTADO

Necessidade básica

Mercadoria Direito Social

HABITAÇÃO

Bem de consumo

CAPITAL POLÍTICO

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
O primeiro órgão nacional
❏ IAP’s - Institutos de Aposentadoria e Pensões - Década de 1930
❏ A Fundação da Casa Popular (FCP) foi criada em 1° de maio de 1946, para promover o desenvolvimento habitacional
e urbano para a população de baixa renda.
❏ Centralizar as áreas de imóveis e recursos dos (IAP’s), abrangendo o desenvolvimento urbano, social e econômico.
❏ Objetivo era financiar projetos de infraestrutura, serviços sociais e a indústria de materiais de construção, além
de apoiar pesquisas e estudos sobre tendências arquitetônicas regionais de habitação.
❏ A Fundação enfrentou desafios, como a falta de recursos financeiros e a falta de competência constitucional para
atuar em certas áreas.
❏ Mudanças na legislação limitaram suas atividades complementares e fontes de financiamento, dependendo
exclusivamente de dotações orçamentárias da União.
❏ A proposta de imposto sobre transações imobiliárias não foi eficaz devido a incentivos para falsear as transações e
à falta de cooperação dos Estados na arrecadação.
❏ Oscilações da conjuntura financeira e dependente de recursos orçamentários disputados com outros parceiros.
❏ As verbas orçamentárias - insuficientes, tornando a Fundação dependente do poder político e financeiro.

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O modelo e a ação
❏ Construção por empreitada e por administração direta (futuramente
abandonada). A construção por administração direta permitia testar
diferentes materiais de construção para reduzir os custos.
❏ O conjunto habitacional mais importante - Guadalupe (RJ) (1949 e 1950)
com casas feitas de diferentes materiais, como madeira, bloco e placa de
concreto. No interior da Bahia, foram testadas técnicas tradicionais de Casas “casas-balão” (ou iglus de concreto) -
construção como o barro e pau a pique. Conjunto Habitacional Carmela Dutra, RJ.

❏ O regime por empreitada, por meio de licitação, foi o mais utilizado


buscava reduzir os custos e apoiar pequenas e médias empresas
regionais.
❏ A FCP era responsável pelos projetos arquitetônicos, enquanto os
Municípios doavam o terreno e realizavam obras de infraestrutura.
❏ A Seleção das cidades para construção dos conjuntos considerava as
solicitações dos municípios, necessidades locais e apoio das prefeituras.
Considerações políticas muitas vezes influenciavam a alocação.
Interior - Conjunto Habitacional Carmela Dutra, RJ.

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Casa Popular: O distributivismo da Política e Paternalismo autoritário
❏ Preferência para aquisição ou construção de moradias dada a brasileiros, estrangeiros com mais de 10 anos no
país, ou com filhos brasileiros sem habitação própria.
❏ Proporção para aquisição ou construção das moradias:
❏ Trabalhadores em atividades particulares (3),
❏ Servidores públicos ou de autarquias (1)
❏ outras pessoas (1).
❏ Critérios de renda familiar e dependência financeira para pleitear financiamento, com tetos elevados que permitiam a
participação de setores mais favorecidos economicamente. No entanto, esses setores eles não achavam adequado para
sua posição social.
❏ Seleções interferidas por influências clientelistas, por restrições de acesso a informação e por prazos de inscrição
insuficientes.
❏ Cláusulas nas escrituras de promessa de compra e venda que demonstravam o caráter autoritário da administração,
com regulamentação minuciosa do comportamento social e possibilidade de rescisão do contrato em caso de
comportamento nocivo à ordem ou moral do conjunto.

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Localização das Casas Populares
❏ Grandes centros urbanos - 68%
❏ Pequenas e médias cidades (32%)
❏ Locais com menos de 20 mil habitantes tinham prioridade na construção.
❏ Não houve construções na região Norte.
❏ Desequilíbrio na distribuição
❏ Sudeste (70%), Sul (4%), Nordeste (14%) e Brasília (11%).
❏ Concentração de casas construídas em Minas Gerais e antiga
Guanabara (49%), superando a soma das regiões Sul e Nordeste juntas.
❏ São Paulo ficou em 3º lugar, e a Bahia recebeu baixa prioridade em
relação a outros estados do Nordeste.
❏ A distribuição das construções refletiu a força das lideranças políticas
regionais, especialmente em Minas Gerais, onde houve uma vinculação
com a direção da FCP e a presidência de Juscelino Kubitschek.

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Populismo e Habitação: As limitações da FCP
❏ A FCP teve desempenho limitado na construção de moradias
durante o período populista.
❏ A FCP contribuiu com menos de 10% das moradias construídas
em comparação com Institutos e Caixas de Pensões (ICP), a
❏ Pouca percepção das vantagens eleitorais ou incapacidade de
implementação.
❏ Instituições direcionaram sua produção habitacional para famílias de
renda média ou alta, em vez de focar nas classes de baixa renda.
❏ Modelo de casa subsidiada integralmente não era sustentável,
dificultando a ampliação do acesso à casa própria.

Conjunto IAPI Vila Guiomar-Santo André-SP. Arq,


Carlos Frederico Ferreira, 1940. Fonte: PESSOLATO

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PARTE II
Tentativas de mudança: do banco hipotecário ao Instituto Brasileiro de Habitação

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Tentativas de mudanças
❏ Ao longo de sua trajetória a Fundação da Casa Popular (FCP) tomou consciência das limitações de
seu modelo e percebeu que a dependência aos recursos orçamentários, a rápida depreciação das
aplicações realizadas e a estrutura institucional eram entraves à consecução dos objetivos da política
habitacional.

❏ Gasto excessivo com a burocracia e a timidez de suas iniciativas frente à magnitude das necessidades
que, no inicio da década de 1950, eram estimadas em 3.600.000 moradias.

❏ A primeira tentativa de transformação da FCP que merece destaque ocorreu em janeiro de 1953, com a
proposta discutida no conselho central do órgão, para criar um banco hipotecário.

❏ Os mentores da ideia justificavam a mudança a partir da debilidade financeira da Fundação da Casa


Popular, da necessidade de garantir recursos próprios e das dificuldades de levantar, através de
impostos e taxas, os recursos para suprir o órgão.

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com os exíguos recursos financeiros de que dispõe, a Fundação da Casa Popular não está,
assim, em condições de, ao menos, atenuar de modo sensível a crise nacional de moradia.
Daí as inúmeras sugestões que têm surgido para dar maior elasticidade e amplitude a seus
movimentos, de modo a permitir a acumulação de recursos ponderáveis e necessários a uma
política social de resultados positivos. Dentre elas, a de mais fácil viabilidade (...) será a
constituição de um banco (...) o qual terá por finalidade capitalizar e angariar
disponibilidades financeiras, para a solução de um problema angustiante, sem o expediente,
sempre pernicioso, do acréscimo de impostos e taxas que acarretam, invariavelmente, o
encarecimento do custo de vida. Através do Banco Hipotecário (...) as classes menos
favorecidas terão assegurada, pelo crédito a longo prazo e juros médios, a oportunidade de
adquirir, reparar ou ampliar a moradia própria.
Conselho Central da FCP

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Tentativas de mudanças
❏ A proposta do banco hipotecário previa recursos de várias fontes: depósitos, lucros das operações,
receitas provenientes de letras hipotecárias de sua responsabilidade e subscrição compulsória por parte dos
particulares que viessem a contrair empréstimos junto ao banco.

❏ O capital deveria ser integralizado em 90% pela própria Fundação da Casa Popular. O restante deveria ser
coberto por particulares.

❏ Embora a proposta das letras hipotecárias tivesse sido tomada de experiências internacionais, tinha-se
consciência da precariedade do mercado financeiro do Brasil e da necessidade de o poder público sustentá-las.

❏ Outra dimensão que se pretendia introduzir na política habitacional através do projeto era a divisão de trabalho
entre a Fundação da Casa Popular e o próprio Banco Hipotecário de Investimento e Financiamento da
Habitação Popular. A este competiria a execução da política, enquanto à Fundação estaria reservado o papel
normativo.

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Tentativas de mudanças
❏ Durante o período Kubitschek optou-se por dinamizar a Fundação da Casa Popular, sem alterar-lhe as
estruturas organizacionais e os métodos de ação. Embora não se tivessem superado nesses anos as
debilidades que haviam marcado a atuação da FCP no passado, foi a época de maior prestígio da
instituição. Construíram-se os conjuntos de Brasília, a maior parte das unidades residenciais de Minas
Gerais e do antigo Distrito Federal.

❏ Uma nova tentativa apenas 8 anos mais tarde no governo de Jânio Quadros, diante de um clima de
inquietação social. “O diagnóstico da crise era amplo e abrangente. Realçava, de um lado, a estrutura
agrária arcaica e injusta, que expulsava o homem do campo, e, de outro, a industrialização incipiente,
incapaz de absorver os contingentes de migrantes rurais” (AZEVEDO, ANDRADE, 1982).

❏ Foi a partir da percepção de que estava em marcha uma crise social em larga escala que se propôs a
reformulação da política habitacional com o Plano de Assistência Habitacional e a criação do
Instituto Brasileiro de Habitação.

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
Revelada dramaticamente nas favelas do Rio de Janeiro ou nos mocambos de Recife, a
crise habitacional era, sob essa ótica, um fenômeno dependente, “expressão de outras
crises mais profundas e mais amplas”. Era agravada pelo êxodo rural que a esperança
de emprego atraía para a cidade grande.

Faltava, além disso, a essas populações, de acordo com o argumento oficial, as


qualificações necessárias para se integrarem ao ambiente urbano. Consequentemente,
segundo essa visão, os migrantes seriam marginais em potencial, portadores que eram
de uma cultura que não os habilitava à vida urbana e industrial. Cabia, portanto, ao
Estado “recuperá-los para a civilização”, através de programas sociais dentre os quais
se destaca o habitacional. Azevedo e Andrade (1982)

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
Tentativas de mudanças - plano de assistência habitacional
❏ A solução idealizada com o Plano propunha linhas de ação de curto e de longo prazo. Preconizava, de início, o
revigoramento da FCP, que mais tarde deveria ceder lugar a uma nova instituição, o Instituto Brasileiro de Habitação
(IBH).
❏ A curto prazo:
i) construção de 100 mil casas entre julho de 1961 e dezembro de 1962,
ii) empréstimo de 80 milhões de dólares junto ao BID,
iii) as casas a serem edificadas tinham custo estimado em 200 mil cruzeiros, ou 800 dólares norte-americanos,
iv) as casas seriam dotadas apenas dos elementos essenciais.
❏ A Fundação da Casa Popular competiria, segundo o esquema de financiamento, a aquisição do terreno, a montagem
da infraestrutura de água, esgoto e de rede elétrica, em colaboração com as prefeituras municipais
❏ Quando o adquirente não dispusesse dos recursos necessários, a FCP supriria a entrada com financiamento especial
junto às caixas econômicas.
❏ A grande inovação estaria, entretanto, na forma de pagamento. As prestações mensais deveriam ser estabelecidas de
forma proporcional com salário-mínimo (não poderia exceder 20% de uma salário-mínimo no Rio e São Paulo).

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Tentativas de mudanças - plano de assistência habitacional
❏ Não poderiam candidatar-se à aquisição os proprietários de imóvel e os
solteiros. Vedava-se também o acesso aos que auferiam renda superior
ao “salário médio”.

❏ Para a seleção e classificação dos concorrentes: o número de filhos, o


tempo de permanência na cidade, a capacidade de trabalho, o poder
aquisitivo e a estabilidade no emprego.

❏ Embora buscasse atingir os estratos pobres da população, o Plano de


Assistência Habitacional, se tivesse sido implementado, os excluiria.

❏ O plano de curto prazo tinha em mira as grandes cidades do Nordeste,


do Leste e do Sul, ficando para outro momento as regiões Norte e
Centro.

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Tentativas de mudanças - instituto brasileiro de habitação
❏ Com o IBH, visava-se um novo modelo, em arranjo que lhe
conferisse o papel de coordenador e definidor da política que os
demais protagonistas da habitação deveriam trilhar.

❏ Centralização do planejamento, conjugando em um único órgão os


esforços despendidos por todas as entidades públicas e privadas.

❏ Necessidade de encontrar para a política habitacional soluções que


combinassem “diretrizes de âmbito nacional” com as
“peculiaridades de cada região”.

❏ O campo de ação delimitado era vasto e complexo. Compreendia,


além do papel urbano, funções relativas à própria indústria de
construção civil.

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Tentativas de mudanças - instituto brasileiro de habitação
❏ Sistema de arrecadação: dotações orçamentárias , doações e contribuições de organismos internacionais,
contribuição de 1%, a cargo do empregador, sobre o valor das folhas de pagamento, adicional de 50% ao imposto
de consumo sobre fósforos, 40% sobre bebidas, taxa de selo de contrato de imóveis para habitação.

❏ Fontes complementares: Capitais provenientes da emissão de título de valor reajustável e de subscrição


compulsória (“bônus de habitação”).

❏ Bônus de habitação: eram obrigadas a subscrever neste título, pessoas físicas e jurídicas, nos exerícios de 1963 a
1966, na proporção de 10% do valor do imposto de renda devido nesses anos. Tinha caráter compulsório, e era um
empréstimo restituível.

❏ Enquanto no Plano de Assistência Habitacional, as prestações seriam alteradas toda vez que o salário mínimo
fosse elevado, no IBH, as prestações passariam por uma correção de acordo com um índice a ser definido
anualmente pelo Conselho Nacional de Economia (embrião da correção monetária do BNH).

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O Fracasso da mudança
❏ Sob o manto do populismo, a questão habitacional ganhava prioridade, e a FCP tomava força institucional e de
recursos, mas era levada a atuar “apagando incêndios”.

❏ Aos governos populistas não interessava “resolver o problema”, ou equacionar os termos da solução (só
interessava acumular dividendos políticos).

❏ A pulverização da política.

❏ As burocracias dos institutos e dos demais órgãos com atuação na área habitacional.

❏ “A Fundação da Casa Popular não atingiria maturidade institucional capaz de levá-la a uma visão
compreensiva da questão habitacional. Limitou-se, por esses fatores, a construir “aqui e ali”, até onde o fôlego
das verbas do Tesouro lhe permitiam”.

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PARTE III
O BNH: O novo regime e a Política Habitacional

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
Fim da FCP e do clientelismo
❏ Golpe de 1964 - crise na política habitacional e
extinção da FCP.
❏ A estratégia de fortalecer a Fundação da Casa Popular
foi inviabilizada.
General Humberto de Alencar Castelo Branco, presidente do Brasil
❏ Congelamento de aluguéis tiveram efeitos perversos a
entre 1964 - 1967.
médio prazo.
❏ A falta de moradia levou as pessoas a adotarem
medidas como adiar casamentos, morar com a família
ou fazer sublocações.
❏ A questão habitacional perdeu prioridade para a reforma
agrária durante o governo de Jango.
❏ Com a Ditadura Militar, a política habitacional passou a
ser vista como uma questão técnica, buscando
encontrar soluções politicamente neutras.
Residências da Fundação da Casa Popular em Brasília - 1958

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Nasce o BNH: a ideologia da Política Habitacional
❏ Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) são criados
pela a Lei n.° 4.380 de 21 de agosto de 1964, como parte do Plano Nacional de Habitação.
❏ A autoria da lei foi da deputada Sandra Cavalcanti, a primeira presidente do banco,
❏ Sandra envia uma carta ao presidente da república com as intenções ao propor a criação do BNH:

Prezado amigo Presidente Castelo,


Aqui vai o trabalho sobre o qual estivemos conversando. Estava destinado à
campanha presidencial do Carlos, mas nós achamos que a Revolução vai
necessitar de agir vigorosamente junto às massas. Elas estão órfãs e magoadas,
de modo que vamos ter de nos esforçar para devolver a elas uma certa alegria.
Penso que a solução dos problemas de moradia, pelo menos nos grandes centros,
atuar de forma amenizadora e balsâmica sobre as suas feridas cívicas. Posse da Sandra Martins Cavalcanti de Albuquerque,
como Presidente do BNH, em 1964.

Urbanismo, Planejamento e Urbanização no Brasil: Séc. XIX e XX 1/2022 Professor: Rodrigo de Faria
Nasce o BNH: a ideologia da Política Habitacional
❏ O Plano Nacional de Habitação, juntamente com o BNH, tinha como
intenção mostrar sensibilidade às necessidades das massas e evitar
mobilizações políticas da esquerda.
❏ O objetivo principal era solucionar o problema habitacional, mas também
visava a criação de empregos e estimulação da poupança. Plano Nacional de Habitação da Cidade de Deus - Governo
Carlos Lacerda
❏ Tanto o BNH quanto o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) foram
estratégias para atrair o apoio das massas.
❏ Ao longo do tempo, a política habitacional perdeu seu caráter social e
político, afastando-se de sua origem.
❏ Desafios em atender à faixa proletária e evitar o desvio de recursos para os
que suportavam a compensação inflacionária.
❏ A política habitacional foi afetada pelo fim do período pré-1964, com a
extinção dos partidos políticos e a desmobilização das massas.
Cidade de Deus - RJ - 1965

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As premissas da nova política
❏ Funções do BNH: órgão central dos Sistemas Financeiros da Habitação e do Saneamento, promovendo construção
e aquisição de casa própria para as classes de menor renda.
❏ Características distintivas do BNH: Banco, financiamentos com correção monetária e articulação entre setor público
e privado na política habitacional.
❏ Tensões entre objetivos sociais e racionalidade econômico-administrativa empresarial.
❏ Uso da correção monetária para preservar poupanças e evitar descapitalização.
❏ Desafios e debates sobre inflação e acesso ao sistema para mutuários de baixa renda.
❏ Centralização da política habitacional e segmentação do mercado com o BNH como coordenador e definição de agentes
específicos para cada setor do mercado:
❏ Companhias Habitacionais COHABS (mercado popular): renda mensal de 1 a 3 salários mínimos, mas ampliado
para até 5 salários;
❏ Cooperativas habitacionais (mercado econômico): renda mensal de 3 a 6 salários mínimos.
❏ Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE (mercado médio): renda mensal mínima de 6 salários
mínimos.

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PARTE IV
BNH em ação: as correções da rota política habitacional

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BNH em ação
Sistema Hipotecário

Iniciador BNH Iniciador Financiador

Apresentação do projeto Promessa de Compra e Levantamento de Refinanciamento junto


a ser financiado Venda de Hipotecas Recursos (Sistema ao BNH
Brasileiro de Poupança
e Empréstimo)

Iniciador Financiador BNH

Liquida crédito junto ao Liquida crédito junto ao Detentor de créditos


financiador BNH hipotecários

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BNH em ação
Dificuldades do Sistema Hipotecário
❏ Valor do imóvel e percentuais de financiamento.
❏ Financiamento máximo de 80% do valor do imóvel. O adquirente deveria completar os 20% restantes.
❏ Imóveis que excedessem 500 salários teria diferença financiada pelo comprador ou vendedor.
❏ Posteriormente, resoluções federais alteraram limites do financiamento por valor do imóvel e localização.
Também foi elaborada uma nova resolução que financiava 52% diretamente com o BNH cabendo ao iniciador
complementar o financiamento.
❏ Na prática, gerou mais dificuldades em na comercialização e criou-se a possibilidade de uma segunda hipoteca.
❏ Na prática do sistema continuou a revelar dificuldades. Prestações teriam de ser pagas em dois lugares,
correspondendo à primeira e segunda hipoteca; o sistema financeiro não respondeu à nova sistemática e os
iniciadores enfrentaram dificuldades de obter financiamento.
❏ Quanto às habitações populares, não ocorreram problemas desse tipo, pois as Cohabs, com recursos
provenientes do FGTS, financiavam integralmente o mutuário.
❏ Já as cooperativas, voltadas a setores de trabalhadores de classe média baixa, embora exigissem poupança
prévia, permitiam a acumulação dos valores durante a construção das unidades habitacionais através de
pequenas prestações mensais.
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BNH em ação
Planos de Reajustamento e Sistemas de Amortização

❏ A princípio, os empréstimos fornecidos pelos agentes do BNH obedeciam a dois planos: A e B. O plano A
estava destinado à erradicação de favelas e às classes de baixa renda. O plano B, voltado para os demais
setores da população.
❏ O reajustamento das parcelas de empréstimo do Plano A seria feito de acordo com a elevação do
salário-mínimo, já do Plano B de forma trimestral. Contudo, o reajuste do saldo devedor de ambos os
planos era baseado no UPC, cujo índice de crescimento era maior que a correção dos salários.
❏ UPC (Unidade Padrão de Capital): foi criada pelo extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) e pelos
bancos ligados ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), para servir de base ao financiamento de
moradias. Foi instituída, em tese, com o objetivo de manter a uniformidade do valor unitário em moeda de
todas as operações do sistema habitacional. Na prática, seu índice de crescimento era maior que a
correção do salário-mínimo.
❏ O resultado era uma dívida com prazo excessivamente longo e que crescia em descompasso com a
valorização do salário-mínimo.

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BNH em ação
Planos de Reajustamento e Sistemas de Amortização

❏ A partir de Janeiro de 1970, o Plano A é substituído pelo Plano de Equivalência Salarial (PES) e o plano B
passa a se chamar Plano de Correção Monetária (PCM).

❏ A inovação do PES: Fixação do número de prestações a serem pagas pelos adquirentes. A dívida é
passou a ser dada por um número de prestações constantes, expressa em função do maior
salário-mínimo vigente no país. Fundo de Compensação das Variações Salariais assume a
responsabilidade pelo saldo devedor dos financiamentos contratados.

❏ A prestação imobiliária era composta de: uma parte/parcela que amortiza a dívida e outra parte/parcela
composta de juros. A forma de conjugar esses dois fatores que vai compor o sistema de amortização.

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BNH em ação
Planos de Reajustamento e Sistemas de Amortização

Sistema de Amortização de Prestação Constante


(SAPC) - Tabela Price:

Os juros incidiam sobre saldos devedores cada vez


menores e, por isso, declinavam no decurso de tempo.
As quotas de amortização, ao contrário, cresciam após
cada pagamento.

Sistema de Amortização Constante (SAC) - a partir de


1972:

Começava amortizando uma parcela mais substancial


da dívida e a correção monetária passava a incidir em
saldos devedores menos expressivos. Por ser mais
rápida a depreciação do saldo devedor, os juros pagos
pelos mutuários são menores.

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BNH em ação
Planos de Reajustamento e Sistemas de Amortização

Dívida mais prolongada

Pagava-se mais juros

Probabilidade de saldo devedor residual ao término

Prestações mais altas

Amortização fixa em UPC ou salário mínimo

Prestações regridiam pouco (0,4% ao mês)

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BNH em ação
BNH como banco de segunda linha

❏ Para os autores, apesar das mecânicas de reajuste de prestações e do sistema de amortização, a mudança
mais importante foi a transformação do BNH em banco de segunda linha.
❏ Por ser banco, isto é, por ter necessidades de remunerar o capital investido, era o BNH vulnerável à saída
encontrada pelos mutuários – abandono do imóvel, atraso de pagamentos e desistências.
❏ Os créditos cedidos pelo BNH passaram a ser transferidos a agentes privados do Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo (SBPE).
❏ Os créditos foram empurrados aos agentes privados, e mesmo com garantia de 100% diante eventuais
prejuízos não se mostrou um bom negócio.
❏ Era a renda, concentrada e mal distribuída, e não as conhecidas fichas socioeconômicas, o fator decisivo
para a insolvência do segmento habitacional de mutuários de baixo poder aquisitivo.
❏ Os problemas de infraestrutura, no plano físico, e os problemas de educação, de policiamento, de
mobilidade populacional, de perda de renda, no plano humano, não podem ser resolvidos apenas com
soluções financeiras, de diferenciais de juros, altos ou baixos.

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PARTE V
A trajetória recente da Política de Habitação Popular

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Dimensões da Política de Habitação Popular
❏ COHABS são agentes promotores do BNH para o mercado popular,
controladas pelo setor público com participação privada.
❏ Financiamento e recursos: Projetos eram aprovados pelo BNH, ee a
complementação financeira era do banco, Estados ou Municípios, com
recursos provenientes do FGTS. Conjunto habitacional da Cohab : Sertãozinho (SP)

❏ Condições de financiamento: Prazo de até 25 anos, juros baixos,


prestações corrigidas anualmente com base em índices definidos pelo
governo federal.
❏ Operação das COHABS: Repassavam os recursos do BNH para
empreiteiras, comercialização das habitações construídas, margem de
lucro menor para construtoras, cobrança de taxas por serviços técnicos
e de fiscalização para sustentabilidade.

Bairro Shangri-lá : Sertãozinho (SP)

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Fases da implantação
❏ Implantação e expansão (1964-1969): O BNH entra
em operação e mais de 40% das habitações
financiadas são destinadas ao mercado popular.
❏ Esvaziamento e crise (1970-1974): A inadimplência
afeta financeiramente as COHABS, desfazendo o
modelo empresarial de construção para famílias de
baixa renda.
❏ Restauração (1975-1980): As COHABS voltam a
ocupar lugar de destaque, com ênfase no mercado
popular.
❏ O mercado médio foi o que mais se beneficiou em
termos de volume de investimento, embora o número
de unidades financiadas tenha sido menor em
comparação ao mercado popular.

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O período da decadência
❏ Decadência das COHABs (1970-1974): Período de dificuldades financeiras e desequilíbrio no financiamento de
habitações populares. Transformação do BNH de autarquia para empresa pública.
❏ Inadimplência e aumento dos custos: aumento dos custos das habitações populares levou à inadimplência por parte
dos compradores.
❏ Impacto da redistribuição de renda: benefícios limitados às classes médias urbanas, enquanto mutuários de baixa
renda enfrentavam dificuldades econômicas.
❏ Problemas técnicos e de qualidade: seleção de mutuários, localização inadequada e qualidade da construção
contribuíram para a inadimplência.
❏ O BNH era inflexível em sua política e insensível em relação aos problemas da população.
❏ Causas adicionais da inadimplência: falta de compreensão dos mecanismos de reajustamento das prestações,
pressão de grupos de mutuários e falta de infraestrutura adequada nos conjuntos habitacionais.

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Recife – mais de 70% dos 20 mil moradores do Jardim Brasil. um dos quatro conjuntos residenciais de
Olinda, construídos pelo Banco Nacional da Habitação, o abandonaram, para fugir da correção monetária –
superior a 400% em 4 anos – e da falta de esgoto, calçamento, transporte, farmácia e supermercado[...].
in do Brasil. Rio, 8 de abril de 1974, p. 3, 1. cad. c. 3

Rio de Janeiro – Os moradores dos 3.280 apartamentos do Conjunto Habitacional D. Pedro I, no Realengo,
Rio de Janeiro, costumam dizer que até depois de mortos terão que descer do céu mensalmente para pagar as
prestações do BNH se quiserem saldar a divida de 25 anos, agora dobrada ou triplicada, dependendo do atraso
no pagamento. Mas a maioria, por não ter condições de pagar, resolveu que o melhor é esquecer as contas e ir
comendo vivendo enquanto pode e a frase de um deles resume o pensamento de muitos: “A verdade é que a
gente não pode pagar porque dinheiro mal dá para comer. Eles puseram a gente aqui. Se tirar, vão ter que botar
em outro lugar, porque foram eles que começaram essa história.
Opinião de 1.° de agosto de 1975.

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O revigoramento das COHABS
❏ Reversão da crise em menos de seis anos: redução da inadimplência e desempenho
econômico-financeiro saudável das COHABs.
❏ Maior financiamento no mercado popular: superou o mercado médio em número de
unidades financiadas.
❏ Dinamismo e crescimento das COHABs (1975-1980): Financiamento de 749.911 casas
populares, representando 74% da produção total.
❏ Alternativa para baixa classe média: COHABs ofereceram baixas taxas de juros e parte
da construção subsidiada pelas prefeituras.
❏ Melhoria do desempenho das COHABs: Aumento da faixa salarial (entre 3 a 5 salários
mínimos) e recompra de imóveis usados por pessoas de melhor condição financeira.
❏ Mudança na clientela das COHABs: Empregados do terciário especializados e
operários qualificados se tornaram maioria.
❏ Avanços técnicos e melhores condições de financiamento: melhoria na seleção de
mutuários, qualidade das obras, localização dos conjuntos e serviços de infraestrutura.

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Situação do mercado de habitação popular (1973-1978)
❏ Desempenho favorável das COHABs: redução da desocupação, melhoria dos conjuntos habitacionais e queda na
inadimplência.
❏ Clientelismo e tráfico de influência: práticas de favoritismo devido à demanda por casas populares e preços
controlados.
❏ Preterimento dos setores de menor renda: setores de menor renda são deixados de lado nos programas habitacionais
tradicionais.
❏ Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB): Objetivo de fornecer infraestrutura básica para que
os mutuários construam suas próprias casas.
❏ Desafios e entraves do PROFILURB: condições financeiras desfavoráveis, resistência das COHABs e poderes
municipais, custo das obras de infraestrutura e taxa de administração.
❏ Resultados modestos do PROFILURB: poucos projetos concluídos e terrenos adquiridos para lotes urbanizados
utilizados para projetos tradicionais.
❏ Importância e iniciativas promissoras do PROFILURB: objetivos relevantes para melhorar as condições de moradia
das faixas de menor renda, com iniciativas de autoconstrução mostrando resultados encorajadores.

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Perspectivas do Política de Habitação Popular
❏ Influência das diferentes situações políticas nos investimentos em
habitações para baixa renda.
❏ Dificuldades em testar a hipótese de autoritarismo e baixa prioridade para
habitação popular.
❏ Desafios de comparar políticas habitacionais em países com sistemas
políticos distintos.
❏ Impacto do respaldo popular nas políticas habitacionais para classes de
baixa renda.
❏ Expectativa de crescimento e fortalecimento dos investimentos públicos
em habitação popular.
❏ Limitações dos programas tradicionais de habitação popular para atender
setores de baixa renda e reflexões sobre a autoconstrução

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Autoconstrução: uma alternativa viável?
❏ É necessário incentivar políticas de acesso à terra e processos de construção
para resolver problemas habitacionais.
❏ Estimular à autoconstrução pode ser uma resposta para atenuar as
necessidades habitacionais nas camadas populares.
❏ A autoconstrução já é uma prática comum na população de baixa renda, mas é
necessário dinamizar por meio de informações, financiamento de lotes
urbanizados e venda de materiais acessíveis.
❏ As críticas quanto à autoconstrução são relacionadas ao mercado da construção
civil e à superexploração da força de trabalho.
❏ Apoiar a autoconstrução com a participação dos interessados permite uma
melhor adaptação do espaço interno às necessidades das classes de baixa
renda.
❏ Não é a solução ideal que acabará com os problemas habitacionais, no entanto,
deve ser considerada uma opção a depender das circunstâncias sociais e
econômicas da população.

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PARTE VI
O balanço da política: o BNH na berlinda

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Balanço da política
❏ Para os autores o saldo das políticas do BNH até aquele momento é negativo.
❏ Apesar dos números superiores em comparação a produção dos IAPs e da FCP, a questão da crise da habitação
não foi solucionada.
❏ O que importa não é a quantidade absoluta, mas a relação entre unidades construídas e demandas.
❏ Para os autores, o BNH não conseguiu enfrentar o desafio da casa própria à altura: entre 1972 a 1976 houve um
aumento de 114% dos domicílios de “construção rústica”, contra apenas 0,7% de domicílios duráveis.
❏ Em 1972, 10,8 milhões de pessoas moravam em habitações rústicas; quatro anos depois, esta cifra se eleva
para 24,5 milhões, significando um aumento da ordem de 126%.
❏ Das unidades financiadas com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, até dezembro de 1980, 65%
destinaram-se às camadas de renda média e alta da população.
❏ Somente 35% das unidades financiadas destinaram-se formalmente às famílias com rendimentos mensais
abaixo de cinco salários-mínimos (faixa de abrangência legal das Cohabs)

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Balanço da política
❏ as três faixas superiores utilizam quase a
metade dos investimentos enquanto as
seis faixas mais baixas não alcançam
15%.
❏ os mutuários com rendimentos mensais
até 5,85 salários mínimos captam apenas
9,75% dos recursos do Sistema Financeiro
da Habitação. Dentro desse setor popular
chamam atenção os estratos mais pobres,
com renda até 3,10 salários mínimos, que
não chegam a usufruir de 10% das
aplicações.

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A faixa salarial de um a três salários, que um dia foi a própria razão de ser do BNH,
passou a ser cada vez menos representada nos novos conjuntos. Concentrou-se a ação
nas faixas mais altas, de três a cinco salários-mínimos, sendo que contingentes
razoáveis de mutuários se encontram acima do limite de renda legal definido para as
Cohabs. Este, como se mencionou anteriormente, foi o preço pago para o saneamento
financeiro das Companhias Habitacionais nos meados da década de 1970.
Azevedo e Andrade (1982)

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EXTINÇÃO DO BNH

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Alguns motivos…
❏ Muitas razões que levaram o Banco Nacional da Habitação ao seu fim, dentre elas : inadimplência,
corrupção e, sobretudo, fragilidade em relação à flutuações macroeconômicas do seu período de vigência.
❏ O Sistema Financeiro da Habitação não foi capaz de atingir a principal demanda do déficit de habitação do
país – aqueles com renda inferior a 5(cinco) salários-mínimos.
❏ Segundo Bolaffi (1982) os recursos utilizados pelo Sistema Financeiro da Habitação só foram suficientes
para atender a 24 por cento da demanda populacional (urbana).
❏ O desempenho do BNH dependia de dois fatores: arrecadação do FGTS e do grau de inadimplência dos
mutuários. Apesar da sofisticação da sua estrutura, como qualquer sistema de financiamento a longo prazo,
o BNH era sensível à flutuação econômica.
❏ A crise econômica nos primeiros anos da década de 1980, onde a inflação atingiu 100% entre 1981 e 1982
(em 1989 chegaria a 1770%), levou a queda do poder de compra do salário, principalmente da classe média,
público que tinha se tornado alvo das políticas do BNH.
❏ Sua extinção se deu através de decreto-lei nº 2.291, assinado por Sarney, em Novembro de 1986.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Principais tópicos levantados ao longo da análise.

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Principais tópicos analisados ao longo de análise da trajetória do BNH.
❏ A política habitacional no Brasil foi perversa por acentuar desigualdades sociais.
❏ As soluções políticas foram limitadas e faltou sensibilidade social.
❏ Rigidez do modelo do BNH e falta de adaptação às classes baixas contribuíram para o fracasso das políticas.
❏ A ênfase nos interesses dos empresários do setor imobiliário de classe média e alta prejudicou atendimento às
classes baixas.
❏ A inadimplência dos mutuários de baixa renda nos primeiros anos de atuação do BNH levou a uma redução
significativa dos investimentos nesse setor.
❏ A partir de 1975, as COHABs privilegiaram famílias de renda mais alta (3 a 5 salários mínimos), reduzindo chances
das famílias de renda mais baixa (1 a 3 salários).
❏ A especulação imobiliária e as vantagens oferecidas pelo governo levaram a um aumento da procura por habitações
das COHABs por setores da baixa classe média.
❏ O impacto das vantagens oferecidas pelo governo, como diminuição de juros e ampliação dos prazos de financiamento,
a escassez de habitações populares levaram à competição acirrada pelas casas das COHABs.

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Principais tópicos analisados ao longo de análise da trajetória do BNH.
❏ Operários qualificados e empregados do terciário passaram a ser maioria do perfil da clientela da COHAB, tornando
a disputa pelas casas acirradas.

❏ A procura de casas passa a ser maior que a oferta, com isso, ressurge as práticas de clientelismo em algumas COHABs.

❏ Segundo os autores, a previsão naquela época é que os investimentos futuros no mercado habitacional popular iriam
priorizar a faixa de renda mais alta, enquanto os programas tradicionais, como PROFILURB e Ficam para classes de
baixa renda terão um papel secundário.

❏ Para enfrentar o problema habitacional das classes de baixa renda, será necessário incentivar a prática da
autoconstrução como uma solução viável.

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OBRIGADA!

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