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Viva o Centro a Pé

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A Arquitetura das Igrejas
de Porto Alegre

Cláudio Calovi Pereira

Porto Alegre foi oficialmente fundada em 1772, embora já


houvesse população estabelecida às margens do Guaíba
desde a chegada dos imigrantes açorianos duas décadas
antes. Apesar de ainda ser uma cidade jovem com seus
quase 250 anos de idade, seu acervo arquitetônico de
igrejas apresenta grande diversidade que, além de servir
aos fiéis da cristandade, constitui um roteiro de visitas
muito atrativo tanto para arquitetos e artistas como para
o público em geral. Estas igrejas podem ser divididas
em três grupos organizados cronologicamente: as mais
antigas, que correspondem aos tempos do Brasil colônia
e império; as ecléticas, edificadas principalmente na
época da República Velha (1889-1930) e as modernas,
construídas depois disso. Para apresentá-las, é neces-
sário fazer uma seleção representativa, principalmente
quanto aos dois últimos períodos.

As primeiras igrejas de Porto Alegre

A antiga matriz de Porto Alegre teve sua localização


determinada em 1772, no arruamento estabelecido
por Alexandre Montanha. Contudo, a construção só foi
iniciada em 1779, segundo projeto enviado do Rio de
Janeiro, capital do Brasil colônia na época. Em 1793, a
nave e a capela-mor estavam prontas e o templo começou
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a ser usado para os ofícios religiosos. Tratava-se de uma


típica igreja colonial portuguesa de planta salão, sóbria

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em sua simplicidade, cujas torres só foram completa-
das em 1846, após a independência do país. Dois anos
depois, é criada a diocese de São Pedro do Rio Grande,
tornando a matriz em catedral e introduzindo a neces-
sidade de uma nova igreja. O processo se alongou, mas
finalmente levou à demolição da antiga igreja, em 1920.

Outras igrejas foram iniciadas na época colonial. A igreja


de N. S. do Rosário (1817-27) preservou sua imagem
colonial até sua demolição em 1951. Dentre as primei-
ras igrejas da cidade que sobreviveram, a mais velha é
a de N. S. das Dores. Sua capela-mor foi terminada em
1813, quando teve início os ofícios religiosos. Somente
em 1857 foi finalizada a nave com forro abobadado. A
grande escadaria diante da igreja foi concluída em 1873,
enquanto a fachada principal só foi erguida em 1904,
segundo projeto de Julius Weise. Apesar da constru-
ção demorada, realizada por diferentes profissionais, o
conjunto é notável. A fachada eclética de Weise confere
monumentalidade ao templo, que ainda hoje se desta-
ca na vista à distância, seja da Rua da Praia ou do rio
Guaíba. As duas altas torres contrastam com a tradição
das fachadas coloniais com torres baixas. A verticalidade
da fachada, conjugada ao posicionamento da igreja ao
final de uma grande escadaria, conferem-lhe um aspec-
to cenográfico singular. A condição de coroamento de
perspectiva viária, evidente em fotos antigas, está hoje
dissimulada pelo crescimento desordenado das árvores.

Embora muito distinta do corpo da igreja barroca, a


fachada de Wiese não introduz desarmonia pelo fato
de não haver visualização da parte mais antiga do edi-
fício desde a rua da Praia. As três portas originais são
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inseridas na trama de pilastras clássicas, que respeita


as duas subdivisões horizontais da fachada antiga, cor-
respondentes às portas e às janelas do coro. A segunda

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faixa tem altura pequena, gerando uma ordem coríntia
diminuta. Acima destas duas faixas há uma terceira,
onde já há separação entre o corpo central e as torres,
evidenciando seu caráter de acabamento mural que
oculta o oitão. As torres ainda apresentam um quarto
nível de pilastras, seguido de uma terminação aguda em
pirâmide de base octogonal. Quanto às ordens clássicas,
é curioso notar que o arquiteto usou ordens diferentes
para as torres (jônica) e para o corpo central (coríntia).
Essa é uma liberdade típica do ecletismo, já que a tradi-
ção clássica prevê a superposição de ordens diferentes.
As torres alcançam 35 metros de altura.

A nave tem cerca de 30 metros de comprimento, que


também é a dimensão aproximada do comprimento da
escadaria de acesso, mostrando um intento de ordenar
proporcionalmente os espaços interno e externo da igre-
ja. A ampla nave única é coberta por uma abóbada de
madeira, com foco na capela-mor emoldurada por arco
cruzeiro apoiado em pilastras. Nas laterais há seis altares
com talhas de pouca profundidade e similares em seu
desenho, criando uma sequência rítmica. A composição
do interior do templo combina a tipologia das igrejas
coloniais portuguesas com a simplificação e ordenação
do neoclassicismo imperial brasileiro. O espaço interno
da igreja, em sua organização geral e detalhes decora-
tivos, é de autoria do português João do Couto e Silva.

A segunda igreja sobrevivente em estilo colonial na ci-


dade foi iniciada 29 anos após o fim do Brasil colônia.
Trata-se da Igreja de N. S. da Conceição, construída
entre 1851 e 1858, segundo projeto de Couto e Silva, o
mesmo mestre que atuou na Igreja das Dores. A fachada
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com duas torres só foi concluída em 1880. Todavia, esta


é uma igreja de menores dimensões. A fachada tem cor-
po com três portas, correspondidas no nível acima por

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janelas e tendo no coroamento um frontão. Nas laterais
há duas torres, cujas divisões se coordenam com as
duas faixas do corpo central. Na altura do frontão, as
torres têm uma terceira subdivisão, contendo abertu-
ras para os sinos. O topo das torres tem cobertura em
forma de bulbo. O exterior da igreja é bastante simples,
com superfícies planas e marcação pouco expressiva
de pilastras, que são desprovidas de capitéis no trecho
mais baixo. A sobriedade ordenada desta igreja revela
influências do neoclassicismo. A planta segue a tradi-
ção das igrejas coloniais, com salão, capela-mor e altar
como sequência decrescente de volumes retangulares. A
decoração interna contrasta com o exterior, pois Couto e
Silva dotou a nave da igreja de abóbada de berço, quatro
altares, púlpito, coro e arco cruzeiro, todos de elaborada
talha. A capela-mor se destaca pelo altar principal, que
replica em escala menor o arco cruzeiro. O segundo tem
pilastras compósitas com caneluras no fuste, enquanto
o primeiro tem colunas coríntias. A riqueza da talha,
que merece ser apreciada, não tem a mesma unidade
de conjunto encontrada na Igreja das Dores.

Nove anos depois da inauguração da Igreja da Conceição,


foram iniciadas as obras da capela do Senhor do Bom
Fim (1867), inaugurada em 1883, mas em construção
até 1913. O fato a destacar é a fachada, que se afasta
do modelo colonial e introduz a articulação clássica de
forma mais evidente. Ela consiste num plano mural re-
tangular dividido em três faixas verticais. A faixa central
está levemente ressaltada do plano de fundo, além de ele-
var-se conformando a torre. Horizontalmente também há
divisões, acusadas por bases e entablamentos. Ordens
clássicas aparecem ao centro e em pares de colunas.
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No plano de base, quatro colunas dóricas emolduram


a porta de entrada. Acima delas há quatro colunas co-

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ríntias que sustentam um frontão aplicado a um ático,
que mantém a geometria retangular da fachada. A torre
repete a organização clássica da faixa central pela apli-
cação de quatro pilastras coríntias ladeando a abertura
para os sinos. As pilastras têm fechamento com frontão
curvo e entablamento segmentado. A torre apresenta a
repetição dessa articulação nas outras faces. Embora
algumas partes do esquema clássico da capela sejam
de execução tardia, sua fachada clássica é pioneira em
termos de estilo na cidade.

As igrejas ecléticas da República Velha

O advento da República, em 1889, introduz mudanças


significativas no contexto da arquitetura porto-alegrense.
A maior autonomia concedida aos estados da federação
coincide com a ascensão de uma classe empresarial lidera-
da por imigrantes alemães que se estabelecem na cidade.
Esses dois fatores resultam num grande acréscimo de ativi-
dade construtiva na capital gaúcha, promovida pelo poder
público (edifícios institucionais) e pela crescente burguesia
empresarial. É justamente entre os germânicos que surgem
comunidades religiosas que edificarão igrejas importantes.
Em 1856 os luteranos haviam começado a se reunir como
congregação, enquanto os católicos alemães passaram a
fazê-lo em 1871. Embora gozando de autorização oficial
para suas reuniões, os luteranos reuniam-se numa casa,
até construírem um templo, em 1865, na rua Senhor dos
Passos. Este edifício não possuía torres nem sinos, pois a
legislação imperial só permitia a forma externa de templo
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às igrejas católicas. Após a proclamação da República, o


arquiteto Johann Grünewald projetou uma torre neogótica
para a igreja luterana, concluída em 1902.

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A arquitetura neogótica que surge em Porto Alegre nesse
momento representa o advento do ecletismo na cidade.
No período imperial, o neoclassicismo, impulsionado na
corte pelo arquiteto da Missão Francesa Grandjean de
Montigny, predominou no país. Contudo, os anos finais do
império já mostram o uso do revivalismo gótico em obras
oficiais. Desde então, clássico e gótico constituem opções
estilísticas que logo seriam mais numerosas. As primeiras
igrejas neogóticas da cidade não sobreviveram. A capela
do Divino Espírito Santo, construída de 1882 a 1884, foi
demolida em 1920 para a construção da nova catedral.
A própria igreja luterana antes referida foi demolida na
década de 1960 para a construção de um novo templo.
Permanece até hoje a Catedral da Santíssima Trindade,
templo evangélico anglicano erguido de 1900 a 1903. A
igreja é pequena, ficou sem a torre que havia no projeto
original e hoje está entre edifícios altos. Contudo, apre-
senta contrafortes, pináculos, arcos ogivais e vitrais que
identificam sua filiação neogótica. Desse modo, em 1903,
dois templos protestantes passaram a integrar a paisagem
eclesiástica da cidade, antes exclusiva das igrejas católicas.

Em 1912 foi iniciada a construção de um templo bastan-


te peculiar em Porto Alegre, que não tinha ligação com
as igrejas tradicionais. Trata-se do Templo Positivista,
cuja construção está ligada à forte presença da ideolo-
gia positivista de Auguste Comte no Rio Grande do Sul
durante a República Velha. Localizado na avenida João
Pessoa, próximo ao campo da Redenção (atual Parque
Farroupilha), o edifício porto-alegrense se inspirou no
Templo Positivista erguido no Rio de Janeiro entre 1890
e 1897. Ele expressava a fé positivista no culto aos gran-
des personagens da civilização humana como formador
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das novas gerações. O edifício tem forma de templo


clássico, com pódio alto e acesso por escadaria central,

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conduzindo à fachada com quatro pilastras coríntias,
entablamento e frontão. O projeto original previa a fu-
tura construção de um pórtico colunar com escadaria
em toda a extensão. Nas escadarias, na fachada e no
interior do templo estão registrados por escrito diversos
fundamentos da assim chamada Religião Mundial da
Humanidade propagada por Comte, que mistura o culto
clássico da virtude e o cristianismo católico. Em relação à
propagação do ideal positivista por meio da arquitetura,
o Templo Positivista deve ser examinado em conjunto
com a Biblioteca Pública de Porto Alegre, projetada por
Affonso Hebert, em 1912.

O grande empreendimento católico em Porto Alegre


durante a República Velha é a construção da nova
Catedral Metropolitana. Com o início da construção
do novo palácio para a governo estadual em 1909, em
escala monumental e ao lado da antiga matriz, o desejo
de substituir a velha igreja deve ter ganhado força entre
as autoridades eclesiásticas. Um concurso convocado
em 1916 foi vencido pelo espanhol Jesus Maria Corona
com um projeto neogótico de grande porte, que com-
binava arcos ogivais e pináculos com uma cúpula de
base octogonal apoiada em contrafortes. Projetos em
estilo clássico de autoria dos arquitetos Johann Baade
e Theo Wiederspahn foram premiados. Contudo, rea-
ções locais contra o projeto vencedor fizeram com que
as autoridades eclesiásticas enviassem o material do
concurso a Roma, para que o arquiteto Gianbattista
Giovenale, encarregado da conservação da basílica de
São Pedro de Roma, preparasse um projeto definitivo,
que foi enviado a Porto Alegre. O novo edifício foi iniciado
em 1921, em estilo clássico. Em muitos aspectos, sua
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composição lembra a própria basílica de São Pedro, tal


como na planta em cruz latina e na cúpula assentada

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sobre um tambor guarnecido por colunas aos pares. No
interior, a cúpula apoiada em pendentes ligados a quatro
pilares chanfrados também relembra a igreja romana,
em menor escala. A nave da igreja porto-alegrense, com
abóbada de berço apoiada em arcadas subdivididas por
pilastras, e o átrio transversal ao eixo de acesso também
demonstram a importância do precedente romano no
projeto de Giovenale. Contudo, em outros aspectos as
semelhanças não se repetem, como na fachada principal
e no esquema decorativo.

A fachada principal tem duas torres separadas do corpo


central e uma galeria aberta no térreo. Apesar disso,
o monocromatismo do granito lhe confere unidade. O
corpo central corresponde à nave principal, enquanto as
ligações com as torres correspondem às naves laterais.
A parte inferior, correspondente à primeira ordem de
pilastras (coríntia), tem cinco subdivisões: nas extre-
midades estão as bases compactas das torres, mas ao
centro existem aberturas definidas por um entablamento
secundário, no qual se apoiam duas colunas jônicas,
menores que as pilastras. Ao centro da fachada, a
abertura adquire o formato de uma serliana1, com arco
demarcando o acesso principal da igreja. O tema das
duas colunas volta a comparecer no topo das torres,
enquanto a serliana reaparece no trecho intermediário.
A parte central da fachada se projeta num segundo nível,
cujas pilastras são jônicas, tal como no segundo nível
das torres. Contudo, a parte central destaca-se por seu
avanço em relação às demais partes, tanto em altura
como em projeção frontal. Além disso, suas pilastras
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1 Gênero de pórtico caracterizado por quatro apoios verticais que


sustentam uma verga interrompida ao centro por um arco de meio
ponto. Embora assim chamado por ter sido divulgado pelos livros
de Sebastiano Serlio, foi criado por Donato Bramante (século XVI).

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são duplas e acentuam o movimento da fachada. Seu
coroamento apresenta um frontão triangular, replicado
por frontões curvos no topo das torres. A catedral des-
taca-se pelo cuidado de sua articulação clássica, visível
na fachada principal, na cúpula e na nave. Nas partes ao
redor da cúpula (absides e altar principal) essa articu-
lação se perde e surgem soluções mistas. A presença de
vitrais e mosaicos causa surpresa numa igreja em estilo
clássico. A inauguração só ocorreu em 1986, revelando
as dificuldades na execução do templo. É peculiar a
solução empregada no exterior da cripta, que funciona
como base do templo na declividade do terreno. Blocos
de pedra rústica são animados por capitéis de cabeças
indígenas e portais de inspiração egípcia.

Entre 1920 e 1924 a comunidade católica alemã constrói


a Igreja de São José, segundo projeto de Josef Lutzenber-
ger. Arquiteto formado em Munique, ele é responsável por
outras obras importantes em Porto Alegre, como o Colégio
Pão dos Pobres e o Palácio do Comércio. Contudo, a igreja
lhe propiciou uma oportunidade de melhor expressar-se
plasticamente. O edifício é inovador em sua composição,
pois possui um pórtico de entrada elevado do nível da rua e
acessado por escadarias laterais. Essa solução tirou partido
da topografia do terreno e conferiu maior monumentalidade
à igreja. A torre foi colocada sobre o pórtico e marca o ponto
de acesso à nave. O interior tem uma grande nave com
galerias laterais em arcada e forro plano com entramado
de caixotões, rememorando algo das basílicas paleocristãs
romanas. Diante do altar não há transepto, mas apenas
um grande arco cruzeiro, no qual a imagem de São José
com o menino Jesus junto a um pórtico clássico aparece
em destaque tridimensional. Em sua volumetria, a igreja
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inverte o tradicional arranjo em cruz (com o transepto ao


fundo) e assume o formato em “T”, com a galeria à frente.

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Assim como a volumetria, a decoração da igreja não é
convencional. Há traços do ecletismo pela presença de
elementos clássicos como colunas, pilastras, cornijas e
entablamentos. No entanto, estes elementos não se arti-
culam entre si como linguagem no todo da obra. Há tam-
bém uma evidente influência de tendências germânicas
modernizantes, como a arquitetura de Wagner, Olbrich e
Hoffmann e do Jugendstil, tanto nos ornamentos (cores,
texturas, vitrais, esculturas) como no arranjo das partes
(muros, arcadas, colunas, forros). A nave da igreja possui
um plano mais baixo, que compreende a área das arcadas,
seguida por um setor de semicolunas brancas ladeadas
por muros com pinturas e janelas. Cabe destacar que,
exceto pelas esculturas, todos os revestimentos, pinturas
e vitrais são de autoria de Lutzenberger.

Em 1924, três anos após ser iniciada a construção da


Catedral, começam as obras da Igreja de Santa Terezi-
nha, situada diante do campo da Redenção (atual Parque
Farroupilha). A igreja foi concluída em 1931, em estilo
neogótico, segundo projeto do frei espanhol Ciríaco de São
José. Também é dele a igreja neogótica de N. S. do Carmo,
em Rio Grande. O estilo empregado nessas obras caracte-
riza a alternativa mais forte ao classicismo na arquitetura
de igrejas da época. A planta apresenta nave principal
verticalizada com clerestório (local onde se encontram os
vitrais) e naves laterais com galerias. O interior se destaca
pelo uso preciso da linguagem gótica de arcos e abóbadas
ogivais de aresta, combinados à verticalização do espaço
e à modulação estrutural. A fachada apresenta apenas
uma torre, colocada no centro da fachada, tal como outras
igrejas neogóticas anteriores no estado (matriz de São Leo-
poldo, igreja luterana de Porto Alegre). Contudo, a torre da
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igreja de Santa Terezinha tem planta hexagonal, enquanto


as outras torres tem base quadrada. A igreja se destaca

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no panorama da cidade como o exemplo mais expressivo
na adoção do estilo neogótico, revelado na decoração e na
articulação dos elementos construtivos (arcos, abóbadas,
nervuras, colunas, capitéis).

As igrejas modernas de Porto Alegre

O estilo moderno de construir na capital gaúcha é in-


troduzido em grande escala pela Exposição Farroupilha
de 1935. Por meio da arquitetura de seus pavilhões,
em grande parte projetados por Cristiano Gelbert, o Art
Déco passa a predominar na cidade. Em 1940 é aberta
a avenida Farrapos, importante via de acesso ao centro
urbano. Em pouco tempo, essa avenida tem seus alinha-
mentos preenchidos por edifícios residenciais Art Déco
de três pavimentos mais térreo comercial. É justamente
nessa avenida que será erguido um dos primeiros tem-
plos modernos da cidade: a Igreja de São Geraldo. Ela
foi construída de 1938 a 1940 em terreno próximo à
esquina com a avenida São Pedro, segundo projeto de
Vitorino Zani. O arquiteto italiano foi responsável pelo
projeto de muitas igrejas no estado, dentre as quais se
destaca a igreja de São Pelegrino em Caxias do Sul.

A Igreja de São Geraldo é bastante simples formalmente,


vinculando-se ao jogo de volumes puros do Art Déco, o
que a torna um integrante monumental da arquitetura
predominante na nova avenida. A fachada se destaca
pelo portal central com arco apoiado em robustas pi-
lastras, que emoldura a entrada principal. A entrada é
encimada por um vitral estruturado por trama geomé-
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trica. Outro elemento importante é a alta torre colocada


à direita do templo, que ainda hoje se destaca na paisa-

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gem da avenida. De base quadrada, ela tem uma grelha
na parte superior onde estão os sinos. No topo há uma
estátua do santo celebrado na igreja.

Outras igrejas de formas cúbicas e limpas foram


construídas na cidade nas décadas de 1940 e 1950.
Além delas, seguiram aparecendo templos em estilos
históricos, tal como a Igreja de N. S. Auxiliadora,
iniciada em 1953 num estilo clássico inspirado em
alguma medida na igreja da Madeleine em Paris (Vig-
non, 1777-1842). A similaridade se revela no pórtico
de semicolunas colossais de ordem coríntia, que su-
portam um extenso entablamento com frontão. Essa
obra de classicismo elegante é surpreendentemente
tardia, tendo sido inaugurada em 1961.

Em 1943 foi terminada a capela de São Francisco de


Assis na Pampulha (Belo Horizonte), segundo projeto de
Oscar Niemeyer. No entanto, poucas igrejas alinhadas
com essa modernidade mais abrangente foram constru-
ídas no país antes de Brasília. No caso de Porto Alegre,
a oportunidade veio com um concurso convocado pela
Igreja Luterana em 1959, para a construção do Centro
Evangélico de Porto Alegre (CEPA). O programa previa
um novo templo, a Igreja da Reconciliação, conjugado a
espaços complementares, como escola bíblica, adminis-
tração, salão de eventos e apartamentos para pastores.
O projeto vencedor teve autoria de Carlos e Suzy Fayet,
sendo concluída sua construção somente em 1970.
Ao fundo do terreno foi localizado um edifício para as
funções administrativas e sociais da igreja, além dos
apartamentos. O templo se posiciona à frente, ladeado
por um pátio elevado em relação à rua. Alguns aspectos
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importantes do projeto original não foram construídos,


como o grande campanário, o átrio de pé direito duplo e o
mezanino suspenso por tirantes. Mesmo assim, o edifício

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é obra muito significativa por suas amplas dimensões,
pela composição ordenada e pela expressão construtiva.
A igreja tem forma de prisma retangular, com 30 metros
de comprimento, 20 metros de largura e 11 de altura.
Sua fachada cega de concreto (onde haveria um vitral
e um baixo relevo dos quatro evangelistas) contrasta
com a face totalmente vazada por combogós do edifício
alto ao fundo. No interior, pórticos duplos de concreto a
cada 5,50 metros deixam o espaço de culto livre. Entre
os pórticos existem vitrais verticais e muros de tijolo à
vista. O edifício constitui uma elegante interpretação da
temática moderna brutalista, que usa os materiais e as
estruturas portantes como meios de expressão plástica.

Em 1962, o arquiteto Emil Bered projetou a Igreja de N.


S. do Líbano, destinada a atender aos católicos de origem
libanesa na capital gaúcha, seguidores do rito maronita.
A construção é iniciada no ano seguinte, na avenida
Jerônimo de Ornellas e, em 1964, a igreja é inaugurada.
É curiosa a similaridade do partido dessa igreja em re-
lação a anterior, mostrando uma certa coordenação na
produção da primeira geração de arquitetos formados
em Porto Alegre. O templo tem formato cúbico, com 35
metros de comprimento, 15 de largura e 10 de altura.
A estrutura portante apresenta uma série de pórticos
de concreto com espaçamento de 4 metros entre si. Os
intervalos regulares dos pórticos criam uma perspectiva
cadenciada da nave da igreja. Os planos verticais entre
os pórticos são preenchidos com muros de tijolo à vista
em planos inclinados, separados da estrutura portante
por janelas em fita. Essa separação entre muro e pórtico
acentua a autonomia de ambos e suaviza a nota de ru-
deza típica do brutalismo. Esse jogo de contraposições
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caracteriza a arquitetura moderna gaúcha nas décadas


de 60 e 70 do século passado.

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O conjunto de obras aqui apresentadas representa uma
pequena parcela das igrejas edificadas em Porto Alegre.
Embora a cidade seja nova em comparação com outros
centros brasileiros (Salvador, Recife, Rio de Janeiro etc.),
seu acervo de igrejas é diversificado e representativo,
incluindo exemplares dos períodos colonial e imperial,
assim como da era republicana antes e depois de 1930.
Visitar estas igrejas é uma experiência significativa e
abrangente, permitindo comparar estilos arquitetônicos
distintos e interpretações variadas do tema da igreja na
história da arquitetura. A divulgação desse patrimônio
é um fator importante na valorização do patrimônio
cultural abrigado na capital gaúcha.

Templo Positivista de Porto Alegre. Foto: Flavia Boni Licht


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Viva o Centro a Pé

Igreja das Dores, na Rua das Andradas. Foto: Ivo Gonçalves / PMPA

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