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Cleiane Maria Moretto

DE IGREJA MATRIZ À CATEDRAL:


MODERNIZAÇÃO URBANA E OS SENTIDOS DE UMA DEMOLIÇÃO QUE
MARCOU ERECHIM/RS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo
como requisito parcial e final para obtenção do grau
de mestre em História sob a orientação da Profa.
Dra. Jacqueline Ahlert.

Passo Fundo
2017
Dedico esta pesquisa a todos que mantém vivas as memórias de Erechim e à Clarissa.
AGRADECIMENTOS

A UPF e à CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.


À professora Jacqueline Ahlert, por ter me orientado nesta pesquisa, pela disposição,
tranquilidade e confiança que sempre transmitiu durante o percurso, bem como pela
inteligência inspiradora.
A todos os membros do Programa de Pós Graduação em História da UPF, desde seus
diretores e coordenadores, até a equipe de limpeza e administração.
A banca examinadora, especialmente à professora Gizele Zanotto, que acompanhou a
evolução do trabalho através das bancas de avaliação, pelo incentivo, indicações e
apontamentos importantes.
Aos funcionários do Arquivo Histórico de Erechim.
Aos autores que mantiveram viva a história da cidade de Erechim.
Aos colegas que se tornaram amigos, por dividirem não apenas caronas, mas
conhecimento, pelas contribuições, debates, cafés e pela amizade.
Aos meus amigos, por partilharem das minhas angústias, dúvidas e principalmente
pelo incentivo a não desistir, mas buscar meus sonhos sempre, especialmente Flávia e Paola
que participaram mais intensamente desse processo.
Aos meus pais, Clédio e Ciloé, pelo apoio incondicional.
A toda minha família, pelo constante incentivo.
Ao meu companheiro incansável Felipe, pelo encorajamento, pela compreensão das
minhas ausências, da minha presença sempre repleta de preocupações com o mestrado, por
todo apoio, carinho e amor que me alicerçou e por acreditar em mim quando eu mesma não
acreditava.
Ao nosso bebê que está a caminho e já nos fez felizes com sua existência.
Gratidão a Deus e à vida, pela oportunidade, pelo aprendizado que foi singular e
constante. Pela minha transformação pessoal, pelas minhas mudanças na maneira de agir, de
pensar e compreender a vivência humana.
“Os signos consagrados para a perenidade das
civilizações são os fantasmas maravilhosos da
História fragmentada visto que o curso do
tempo se rompeu, deixando entrever no
rodamoinho dos signos os fragmentos únicos
das sociedades e dos seres considerados
desaparecidos”.

Henri-Perre Jeudy
RESUMO

A igreja neobarroca matriz São José de Erechim, construída entre 1927 e 1934 e demolida em
1969 para ser substituída pela Catedral São José, em estilo modernista, é o objeto de estudo
deste trabalho. Buscando primeiramente compreender as motivações da sua demolição, a qual
se deu de forma polêmica e paradoxal, o objetivo principal desta pesquisa é investigar sob
uma perspectiva histórica o processo da demolição da matriz até a sua substituição pela
catedral. Através da análise detalhada do principal periódico existente na época em Erechim,
cruzando fontes diversas encontradas, e visando estabelecer uma relação com aspectos
culturais, levando em conta a temática patrimonial, área expressiva no âmbito social e
considerando a sua representação para a comunidade erechinense, pondera-se que tal
substituição teve reflexos na dinâmica de ocupação e leitura de sentido conferida ao espaço
pelos moradores da cidade. Este trabalho versa sobre aspectos da história da conformação do
espaço arquitetônico compreendido pela Praça da Bandeira, tendo como foco principal a
substituição da igreja e sua representatividade em termos sociais e na projeção de um ideário
modernista. No que se refere a interação e às reações da comunidade alusivas ao
acontecimento, identifica-se a relação de conceitos do uso do espaço e representação.
Relacionado ao campo do patrimônio e memória, busca-se também a reflexão entre a
modernização e a preservação. O estudo sobre a demolição da igreja matriz São José, que
culminou em 1969 em Erechim, não se restringe apenas à edificação neobarroca, sua
demolição e substituição, mas também ao imaginário criado por uma parte dos habitantes,
hipoteticamente relacionado ao “lugar” que a igreja estava inserida. Considerando que as
práticas agregam significados que produzem interfaces com as memórias, a edificação de
caráter estético modernista que substituiu a matriz São José, elevada a catedral, pode ter
alterado a relação de sentido de parte da comunidade erechinense - sobretudo os
frequentadores - para com o “lugar” e com a edificação.

Palavras-chave: Matriz São José, Catedral São José, Patrimônio, Modernização,


Erechim/RS.
ABSTRACT

The neo-baroque church of São José in Erechim, built between 1927 and 1934 and
demolished in 1969 to be replaced by the São José Cathedral in modernist style, is the object
of study of this work. Aiming first to understand the motivations of its demolition, which took
place in a polemical and paradoxical way, the main objective of this research is to investigate
from a historical perspective the process of demolition of the matrix until its replacement by
the cathedral. Through a detailed analysis of the main periodical existing at the time in
Erechim, crossing different sources found, and aiming to establish a relationship with cultural
aspects, taking into account the patrimonial theme, expressive area in the social scope and
considering its representation for the community of Erechinense, it is weighed That such
substitution had repercussions in the dynamics of occupation and reading of sense given to the
space by the inhabitants of the city. This work deals with aspects of the history of the
conformation of the architectural space understood by Praça da Bandeira, whose main focus is
the replacement of the church and its representativeness in social terms and in the projection
of a modernist ideology. In relation to the interaction and the reactions of the community
allusive to the event, the relation of concepts of the use of space and representation is
identified. Related to the field of patrimony and memory, we also seek the reflection between
modernization and preservation. The study on the demolition of the matrix San José church,
which culminated in Erechim in 1969, is not restricted to the neo-baroque building, its
demolition and replacement, but also to the imaginary created by a part of the inhabitants,
hypothetically related to the "place" that Church was inserted. Considering that the practices
add meanings that produce interfaces with the memories, the modernist aesthetic building that
replaced the São José matrix, elevated to the cathedral, may have altered the relation of
meaning on the part of the erechinian community - especially the attendants - towards the
"Place" and with the edification.

Keywords: Saint Joseph Matrix, Saint Joseph's Cathedral, Heritage, Modernization,


Erechim/RS.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Localização da cidade de Erechim. ........................................................................... 32


Figura 2. Sede da Comissão de Terras, 1917. .......................................................................... 35
Figura 3. Painel Santa Ceia do artista Arystarch, interior da catedral São José, 1976. ............ 47
Figura 4. Igreja matriz São José, década de 1940. ................................................................... 50
Figura 5. Interior da igreja matriz São José. ............................................................................. 53
Figura 6. Praça da Bandeira, década de 1960. .......................................................................... 54
Figura 7. Malha urbana de Erechim. ........................................................................................ 55
Figura 8. Praça da Bandeira, 1966. ........................................................................................... 56
Figura 9. Avenidas do centro de Erechim. ............................................................................... 57
Figura 10. Praça da Bandeira atualmente. ................................................................................ 58
Figura 11. Chafariz da Praça da Bandeira, década de 1960. .................................................... 58
Figura 12. Marco Zero de Erechim, segundo degrau da catedral São José. ............................. 59
Figura 13. Avenida Maurício Cardoso, década de 1930. ......................................................... 60
Figura 14. Foto do padre Tarcísio Utzig publicada no jornal. .................................................. 63
Figura 15. Padre Atalibo Lise. .................................................................................................. 64
Figura 16. Dom Cláudio Colling, bispo de Passo Fundo. ........................................................ 68
Figura 17. Recorte de jornal, interditada a igreja Matriz. ........................................................ 79
Figura 18. Recorte de jornal, Reformar a igreja matriz ou construir a Catedral? .................... 82
Figura 19. Recorte de jornal, catedral deverá ser construída.................................................... 83
Figura 20. Perspectiva da catedral que acompanhava as matérias jornalísticas. ...................... 86
Figura 21. Recorte da coluna social, 1969. .............................................................................. 87
Figura 22. Recorte do jornal, igreja matriz desaparecerá. ........................................................ 89
Figura 23. Recorte do jornal A Voz da Serra da coluna Dialogando com você amigo. ........... 95
Figura 24. Recorte da matéria sobre o Seminário de Fátima.................................................. 105
Figura 25. Recorte da matéria campanha do telhado.............................................................. 106
Figura 26. Recorte do jornal sobre oferta a catedral............................................................... 107
Figura 27. Bispo Dom João Aloysio Hoffmann, recorte do jornal......................................... 108
Figura 28. Recorte da enquete sobre a catedral. ..................................................................... 110
Figura 29. Página do jornal que mostra a torre da catedral crescendo. .................................. 112
Figura 30. Recorte do jornal sobre o progresso vivido por Erechim. ..................................... 113
Figura 31. Imagem da catedral São José publicada no jornal. ............................................... 117
LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Campanha pró-diocese.


Tabela 2. Paróquias da Diocese Erechim em 1971.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CDL – Câmara de Dirigentes Logistas


IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPAC – Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Erechim
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
RS – Rio Grande do Sul
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 111

1. Erechim: da efetiva colonização à aspiração pela modernização ............................... 32

1.1. Imigração e modernização na formação da cidade .................................................... 33

1.2. O catolicismo em Erechim ......................................................................................... 42

1.3. A igreja matriz ........................................................................................................... 49

1.4. A igreja e seu contexto urbano .................................................................................. 54

1.5. A criação da Diocese de Erechim .............................................................................. 61

2. O contexto da Demolição ................................................................................................ 70

2.1. A imprensa em Erechim ............................................................................................ 70

2.2. O Jornal A Voz da Serra e seu fundador .................................................................... 73

2.3. A busca pela diocese que terminou em demolição .................................................... 76

2.4. As romarias do Santuário de Fátima e sua contribuição no processo pró diocese .. 104

2.5. Com a Diocese instalada, o foco se volta para a construção da catedral ................. 106

3. Ecos da demolição ......................................................................................................... 118

3.1. “A matriz desaparece”.............................................................................................. 118

3.2. “Uma igreja no coração” .......................................................................................... 123

3.3. “É melhor chorar agora do que chorar depois” ........................................................ 130

3.4. “Os capitalistas compram uma igreja” ..................................................................... 133

3.5. “Dialogando com você amigo” ................................................................................ 138

3.6. “Deus é sempre o mesmo, ainda que de casa nova” ................................................ 139

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 147

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 151

ANEXOS ................................................................................................................................ 158


INTRODUÇÃO

A cidade onde o objeto de estudo se insere está próxima de completar seu primeiro
centenário. Erechim foi colonizada a partir de 1908, quando imigrantes europeus começaram
a ocupar a região, de acordo com um plano de imigração e colonização executado pelo
Estado.1 A sede provisória da Colônia Erechim se localizava onde atualmente se encontra a
cidade de Getúlio Vargas, enquanto o território ocupado por Erechim se denominava Paiol
Grande.2 Em 22 de dezembro de 1910, o governo municipal de Passo Fundo, pelo decreto nº
167, constituiu a Região de Boa Vista do Erechim em 8º distrito. O município de Erechim foi
criado pelo decreto 2.342 de 30 de abril de 1918, do presidente do Estado do Rio Grande do
Sul, Borges de Medeiros.3
Durante esse século de existência, as mudanças não foram apenas nas denominações
de Erechim, que adotou inicialmente o nome de Paiol Grande e sucessivamente Boa Vista,
Boa Vista de Erechim, José Bonifácio e finalmente Erechim. Foram diversas as
transformações, muitas vezes influenciadas pelos processos econômicos, políticos e sociais
decorrentes no país, os quais colaboraram com as modificações da paisagem urbana.
O território que abrange a cidade de Erechim atualmente, está localizado ao norte do
Rio Grande do Sul, região do Alto Uruguai, limitando-se ao norte com os municípios de
Aratiba e Três Arroios, ao sul com Getúlio Vargas e Erebango, ao leste com Gaurama e Áurea
e a oeste, com Paulo Bento e Barão de Cotegipe.4 A microrregião Erechim pertence à
mesorregião Noroeste Rio-Grandense5, tendo uma área de 5.710,341 km² e aproximadamente
220 mil habitantes.
A partir de 1822, quando o Brasil se tornou independente, passou-se gradualmente, a
investir na melhoria das estradas, buscando alternativas para a economia que até então se

1
A Colônia Erechim foi fundada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Carlos Barbosa Gonçalves, em
1908, e era composta por nove núcleos urbanos (correspondentes às estações ferroviárias implantadas na região
norte). Pertenceu ao oitavo distrito de Passo Fundo até 1918. O secretário das Obras Públicas na época era o
engenheiro Cândido José de Godoy.
2
No decorrer dos anos houveram muitas rivalidades entre as atuais localidades de Erechim e Getúlio Vargas,
primeiro a respeito da sede da colônia, depois quanto à sede do município, e terceiro quanto ao nome de
Erechim, ao qual cada uma das localidades queria ter direito (DUCATTI NETO, 1981, p. 79).
3
Ver anexo 2 (mapas da colonização de Erechim).
4
Erechim, atualmente, com aproximadamente 102.906 habitantes (censo de 2016/ IBGE), é a principal cidade de
um complexo de municípios de pequeno porte, se comparado a regiões fronteiriças do extremos sul do Rio
Grande do Sul. A microrregião de Erechim compreende os municípios de Aratiba, Áurea, Barão de Cotegipe,
Barra do Rio Azul, Benjamin Constant do Sul, Campinas do Sul, Carlos Gomes, Centenário, Cruzaltense, Entre
Rios do Sul, Erebango, Erval Grande, Estação, Faxinalzinho, Floriano Peixoto, Gaurama, Getúlio Vargas,
Ipiranga do Sul, Itatiba do Sul, Jacutinga, Marcelino Ramos, Mariano Moro, Paulo Bento, Ponte Preta, Quatro
Irmãos, São Valentim, Severiano de Almeida, Três Arroios e Viadutos.
5
A mesorregião Noroeste Rio-Grandense comporta aproximadamente 2 milhões de habitantes (IBGE 2009).
12

voltava principalmente para a exportação de matérias-primas. Mesmo com a diversificação da


economia no período pós-independência, foram necessários esforços para realizar a
transmutação do sistema econômico, que era predominantemente escravocrata e colonial, para
uma economia “moderna” e capitalista. Além da novidade nos estilos arquitetônicos, vinda
juntamente com o novo ciclo econômico, como o estilo neoclássico6, que ficou marcado nas
principais edificações da época, o advento dos trens foi um dos principais impulsionadores da
economia e da modernização das cidades entre fins do século XIX e início do século XX. As
estradas de ferro tornaram o transporte de carga menos oneroso e mais rápido, diminuindo
consideravelmente o custo da logística de distribuição de produtos. A estação férrea
construída em 1904 na região Alto Uruguai, possibilitou a vinda e permanência dos
colonizadores, juntamente com uma transformação da economia local, introduzida com a
produção de erva-mate.
A estrada de ferro São Paulo - Rio Grande7, viabilizou a instalação de estações que
foram a origem dos núcleos urbanos de Coxilha, Sertão, Erechim (território da atual Getúlio
Vargas), Erebango, Capo- Erê, Paiol Grande (atual Erechim), Baliza, Barro (atual Gaurama),
Viadutos e Marcelino Ramos. Para uma melhor compreensão da narrativa, é importante desde
já reiterar que, na época da fundação da Colônia Erechim, sua sede se encontrava no território
da atual cidade Getúlio Vargas, e a localidade de Erechim se designava como Paiol Grande.
Carlos Torres Gonçalves8, engenheiro que comandava a Diretoria de Terras e Colonização,
transferiu a sede para um local geograficamente “mais centralizado”, que era Paiol Grande,
que ao ser emancipado em 1918, passou a se chamar Boa Vista do Erechim. A localidade de
Getúlio Vargas só emancipou-se 17 anos mais tarde.9
Inserida na principal praça da cidade, a Praça da Bandeira10 - constante ponto de
identificação e referência urbana para os habitantes erechinenses, e também ponto de partida

6
O neoclassicismo foi um movimento artístico (incluía pintura, literatura, escultura e arquitetura), surgido na
Europa por volta de 1750 até meados do século XIX. Este movimento teve como objetivo principal resgatar os
valores estéticos e culturais das civilizações da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma).
7
A responsável pela construção foi a Companhia Belga “Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésilien”.
8
Carlos Torres Gonçalves se formou em engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1898, a qual
formou também outros importantes engenheiros responsáveis por planos urbanos efetuados no Brasil, como
Francisco Pereira Passos, Aarão Reis e Saturnino de Britto.
9
Em tese, a primeira nomenclatura de Erechim foi Paiol Grande, até 30/04/1918, foi seguida, sucessivamente
por Boa Vista até 07/09/1922, Boa Vista de Erechim até 05/04/1938, José Bonifácio até 29/12/1944, quando
finalmente se tornou Erechim, pelo Decreto nº 720.
10
Até 1938, foi chamada de Praça Cristóvão Colombo. A partir do ato de nº 93, da Prefeitura Municipal, passou
a denominar-se Praça da Bandeira. Há pouco mais de uma década foi instalado um mastro de 20 metros de altura
com uma Bandeira do Brasil, dando ainda mais significado ao seu nome.
13

do tradicional esquema urbanístico do município11 -, a atual catedral12 São José compõe um


conjunto de edificações de significado singular para a população local. Constituem a
paisagem urbana, a antiga Sede da Comissão de Terras, popularmente conhecida como
“Castelinho” - prédio da década de 1920, no estilo colonial13 em madeira, único tombado na
cidade -, a Prefeitura Municipal - em estilo neoclássico14, muito utilizado no Brasil em
contraponto ao estilo colonial durante o ciclo econômico da era imperial, entre 1822 e 1889 -,
entre outras edificações relevantes, como a igreja Episcopal, o antigo Fórum, assim como a
Câmara Municipal, logo atrás da Prefeitura. Notavelmente, a Praça da Bandeira foi, e
permanece, um espaço de concentração de poderes políticos, administrativos, legislativo,
judiciário e religiosos.
A Praça da Bandeira constitui um conjunto arquitetonicamente heterogêneo, mas de
vínculos identitários para com os moradores da cidade, por seus valores simbólicos, sua
originalidade arquitetônica, bem como, por serem lugares de práticas sociais. Além do estilo
colonial, que perdurou até o século XIX, baseado nas influências dos colonizadores europeus,
mas que se diferenciou em cada região do país15, Erechim possui um conteúdo diversificado
de edifícios que remetem a sua constituição histórica, muitos construídos em madeira pelos
imigrantes que iniciaram a colonização da cidade, e outros em alvenaria, boa parte de estética
eclética, como o estilo art déco16, decorrente da industrialização e expansão urbana

11
A cidade de Erechim recebeu um plano de urbanização em 1914 que definiu o traçado urbano da cidade. Ver
mapa em anexo (anexo 2 e anexo 3).
12
Catedral é a principal igreja de uma diocese, onde se encontra o trono episcopal. Ou seja, para haver catedral, é
preciso haver um bispo associado a ela.
13
A arquitetura colonial no Rio Grande do Sul, ciclo cultural desenvolvido na região de imigração europeia no
Rio Grande do Sul, entre 1875 e 1960, representa um legado de grande importância arquitetônica, histórica e
cultural. Inicialmente destinada a atender a necessidades urgentes de abrigo dos primeiros imigrantes, no
contexto da difícil colonização da serra rio-grandense, e sendo por isso de caráter instável e precário, a
arquitetura vernacular desenvolvida na região em pouco tempo evoluiu e se diversificou, ganhou imponência e
durabilidade, revestiu-se de uma estética em muitos aspectos original, e em seu apogeu, que ocorre entre o início
do século XX e aproximadamente a década de 1940, foi associada a questões de identidade cultural e status
social.
14
O estilo neoclássico chega ao Brasil a partir de 1816, com a vinda da Missão Artística Francesa.
15
Principalmente na região nordeste o estilo colonial se baseava em características Renascentistas menos
rebuscadas, com materiais existentes na região e mão de obra escrava (primeiramente indígena e posteriormente
africana), enquanto por exemplo na região Sul, além de ser mais recente, o colonial tem características
correspondentes ao estilo construído pelos próprios imigrantes em seu país de origem e ao “colono”
propriamente dito, aquele que trabalha na agricultura, no campo, que se devem principalmente à construções de
duas águas em madeira.
16
O art déco nasceu em exposições comemorativas do início do século XX, sendo um estilo simultâneo ao
modernismo, intimamente ligados ao processo de industrialização. No Brasil, representa um novo desenho
construído através de técnicas tradicionais No Rio Grande do Sul, a principal referência foi a Exposição
Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha (1935), ocorrida na capital Porto Alegre.
14

vivenciadas em diversas regiões do país a partir de 1930.17 Enquanto que a art nouveau18 é
vista como parte da belle époque19, a art déco é situada geralmente como um divisor de águas,
um passo importante para os futuros desenvolvimentos da arquitetura modernista.
Até o início da década de 1930, o conjunto urbano de Erechim era composto por
edificações de madeira e poucas edificações em alvenaria. A Avenida Maurício Cardoso já
estava consolidada com edificações de madeira de estilo colonial de dois pavimentos, que
abrigavam atividades comerciais no térreo e residências no pavimento superior. O primeiro
edifício público foi a sede da Comissão de Terras e Colonização, localizado na Praça da
Bandeira, que se diferenciava das demais edificações pela “suntuosidade e riqueza de
ornamentos. Ao longo dos anos o aprimoramento da técnica de construção com madeira
difundiu os adornos nas edificações de madeira e este modo de construir trazido pelos
imigrantes europeus foi aplicado a outros estilos arquitetônicos” (PRESTES, 2012, p. 52).
O sítio cultural que se configura na área central de Erechim, é composto
predominantemente por três tipos de construções. As primeiras propriedades, construídas
pelos imigrantes europeus, fabricadas em madeira20, edificações em alvenaria com estilo art
déco, principalmente a partir de 1940, conjunto mais numeroso do IPAC (Inventário de
Proteção do Acervo Cultural de Erechim), com 66 edificações na avenida central, e
edificações modernistas21. O último estilo classificado como significativo no inventário em
Erechim foi a arquitetura modernista, cuja lista é composta por 22 edificações localizadas no
sítio cultural e em bairros adjacentes.22 As localizadas ao norte do sítio cultural são, na

17
Cabe ressaltar que esses movimentos se deram em momentos diversos nas diferentes regiões do país. Em
Erechim, assim como no noroeste do Rio Grande do Sul, o art déco foi mais tardio, se expressando a partir de
1940.
18
A expressão francesa art nouveau significa "arte nova". Esse estilo é inspirado principalmente por formas e
estruturas naturais como flores e plantas, mas também linhas curvas. Conheceu várias formas com tendências
localizadas, e particularmente em Erechim também teve seu espaço. O art nouveau foi substituído pelos estilos
modernistas do século XX, sendo considerado uma importante transição entre o historicismo e o modernismo.
Ele ilustra a transição do século XIX para o XX na arte, pensamento e sociedade.
19
A belle époque foi um momento da trajetória histórica francesa que teve seu início no final do século XIX,
mais ou menos por volta de 1880, e se estendeu até a Primeira Guerra Mundial, em 1914. Não é possível
demarcar precisamente seus limites, pois a belle époque se remeteu mais a um estado espiritual do que material.
Foi uma época marcada por profundas transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e
viver o cotidiano. No Brasil, por exemplo, este período teve início em 1889, com a Proclamação da República, e
perdurou até 1922, quando inicia o movimento modernista, com a realização da Semana da Arte Moderna na
cidade de São Paulo. A belle époque brasileira é, no entanto, instaurada lentamente no país, por meio de uma
breve introdução que começa em meados de 1880, e depois ainda sobrevive até 1925, sendo aos poucos minada
por novos movimentos culturais.
20
Arquitetura de madeira ou estilo neocolonial, foi muito utilizado nas primeiras décadas do século XX. Faz
referência ao período colonial brasileiro, principal estilo protegido pelo IPHAN durante a fase heroica.
21
A arquitetura moderna é composta por formas simples, geométricas e sem ornamentos, valorizando os
materiais, principalmente os industrializados como o ferro e o concreto. O modernismo prioriza a forma e a
função do edifício.
22
Dados do IPAC.
15

maioria, grandes residências de famílias tradicionais da cidade. Há também dois edifícios


residenciais, o mais alto com sete pavimentos, ambos com comércio no térreo, o ginásio de
um colégio e a sede social do Clube do Comércio. Outra edificação que remete a este estilo,
mas não consta no IPAC, é a catedral São José, localizada na praça central, construída entre
1969 e 1977, após a demolição da edificação antiga em estilo neobarroco23 (PRESTES, 2012,
p. 59), o qual é objeto do presente estudo. Essa composição estabelece uma arquitetura
eclética em Erechim.
A igreja matriz São José funcionava num prédio de madeira até 1927, quando formou-
se uma comissão para dar início à construção em alvenaria, liderada pelo padre Benjamin
Busato,24 personagem de destaque na política e sociedade entre 1926 e 1950 enquanto foi
pároco da matriz São José de Erechim. O padre Benjamin dominava sua tarefa de propagador
da ordem eclesiástica, porém destacava-se na sua dinamicidade, envolvendo grande parte da
sociedade em suas iniciativas, tendo participação direta na construção da matriz São José (Cf.
CIMA, 2001).25
Em 1967, houve boatos de que a matriz estaria condenada, quando a população foi
surpreendida com a notícia de interdição do templo, devido a possíveis riscos de
desabamento. Entretanto, para demolir, foi necessário utilizar dinamite, o que indica que essa
informação pode ser questionada. Além disso, o processo até a demolição foi polêmico, e
demonstrava ter envolver outros interesses políticos, econômicos, religiosos e sociais. Na
época, Erechim pertencia à Diocese de Passo Fundo, e objetivava ter seu próprio bispado,
sendo uma das exigências, possuir uma catedral maior do que a igreja matriz. Segundo o
jornal A Voz da Serra de 30 de julho de 1967, fora formada uma comissão para decidir sobre a
reforma da igreja ou nova construção e, em 1969, se iniciaram os trabalhos de demolição da
matriz para dar lugar à catedral São José, existente até hoje. Essa comissão, interviu nas
questões burocráticas e práticas pró diocese e pró catedral, apelando para que os erechinenses
aprovassem o novo projeto e apoiassem a iniciativa, inclusive financeiramente. Na época, foi

23
Neobarroco é o estilo arquitetônico que remete à criações artísticas que contêm importantes aspectos do estilo
barroco. Esse estilo insere-se no contexto da segunda metade do século XIX, sobretudo a partir de 1880. O
neobarroco foi bastante utilizado para a construção de teatros e igrejas, visto que suas características contribuíam
para uma grande expansão das artes cenográficas.
24
O padre Benjamin Busato foi pároco da paróquia São José de Erechim de 26 de dezembro de 1926 a 17 de
maio de 1950, teve papel de destaque por sua liderança, por suas diversas iniciativas não só no campo religioso
mas também social. Faleceu em 1984, com 81 anos. O padre Benjamin Busato chegou em Erechim em 1926,
quando foi nomeado vigário da paróquia São José, permanecendo na cidade até por volta de 1950, quando se
afastou temporariamente. Escreveu diversos trabalhos, entre os quais se destacaram “Meu Erechim Cinquentão”,
onde ele usa o pseudônimo de Chico Tasso.
25
No decorrer da narrativa, será denominado padre Benjamin Busato a figura religiosa que faz parte da história
da Erechim, e será utilizado Chico Tasso quando houver referência às crônicas escritas pelo padre com tal
pseudônimo.
16

o padre Atalibo Lise, pároco da paróquia São José, que esteve à frente das organizações,
como relatou o mesmo jornal.26
Essa substituição não foi aceita pacificamente, havendo protestos de um grupo de
cidadãos. De acordo com Sônia Cima, “até hoje encontramos pessoas insatisfeitas com a
demolição da igreja São José, que foi símbolo de Erechim nos primeiros tempos” (2001, p.
108). A estética do prédio da catedral é criticada por não ter suprido as expectativas da
população, que aguardava um santuário moderno e impactante, comparando o novo templo a
um “supermercado”. Diante desse contexto, 50 anos depois desse fato polêmico, que ainda
carrega consigo a reflexão da demolição, considerou-se pertinente estudar as possíveis razões
da iniciativa tomada em 1969.
A pesquisa pretende analisar, através de uma interpretação histórica e estética, o
decurso da demolição da igreja matriz São José e substituição pela catedral, por meio de um
levantamento documental articulado com orientações metodológicas oriundas de autores
vinculados em um diálogo com a História Cultural. No que tange a questão patrimonial, é
relevante promover uma leitura de sentidos sobre o edifício e o espaço inserido, considerando
sua representação para a sociedade.
A pesquisa indaga ainda uma questão relevante: como essa demolição de 1969 afetou
aspectos da dinâmica da relação da comunidade com o espaço urbano e comportamentos em
relação às práticas religiosas e de sociabilidade. Considerando a demolição da igreja, são
imaginários de uma ação determinante no espaço social e que requerem uma observação
crítica, de modo a mapear fatos ou agentes importantes para a história religiosa, política e
cultural da cidade de Erechim.
A demolição da igreja neobarroca matriz São José, seguida de sua substituição pela
modernista catedral São José, proporciona reflexões que problematizam as valorações
patrimoniais em prol da modernização, bem como, pode ser representativa da alteração na
hierarquia eclesiástica e das demandas impostas pelo contexto, como a possibilidade de
Erechim possuir seu próprio bispado. A demolição da igreja São José é polêmica presente até
os dias atuais, quando muitos ainda são os questionamentos: seria esse o único lugar para se
construir uma catedral? Por que a necessidade de dinamite na demolição, se alegava-se que a
igreja estaria condenada? Essa pesquisa pretende problematizar e investigar essas questões,
relacionando-as com aspectos culturais e sociais.

26
CARRARO, Estevam. Reformar a igreja matriz ou construir a catedral? A Voz da Serra, Erechim, 30 de julho
de 1976, p. 1.
17

Este trabalho tem por fonte fundamental o principal periódico que circulava na época
do contexto da demolição, o contemporâneo A Voz da Serra, que surgiu em 1929 e se
estabeleceu por décadas.27 Além de ter um acesso facilitado, pois seu acervo está disponível
para consulta no Arquivo Histórico Municipal, o jornal era uma das principais maneiras de as
pessoas se manterem informadas sobre os acontecimentos da cidade na época do ocorrido.28 O
mesmo, segundo os relatos, detinha considerável credibilidade na comunidade e permite, em
suas páginas, verificar aspectos da dinâmica do acontecimento em interação com a população,
expondo muitas vezes as reações das pessoas e permitindo mais pontos de vista sobre um
mesmo assunto.
A polifonia concedida por um periódico semanal ou diário, que era o caso de A Voz da
Serra, sugere que várias vozes sejam ouvidas sobre um mesmo acontecimento. Nesse aspecto,
devem ser levados em consideração os estudos do historiador Roger Chartier, a respeito da
impossibilidade de se estruturar um discurso perfeitamente neutro a respeito do objeto de
pesquisa, especialmente quando trata-se de práticas sociais. Chartier desenvolve a
investigação de como as práticas e as representações são construídas, propondo uma nova
forma de abordagem, buscando perceber as representações como construções que os grupos
fazem sobre suas práticas. O autor defende que essas práticas não são possíveis de serem
percebidas em sua totalidade, elas somente existem enquanto representações. Para Chartier
não existe a noção de história como tradução da realidade, nenhum texto tem a capacidade de
abranger a realidade em sua totalidade. Desta forma, “o real assume assim um novo sentido:
aquilo que é real, efetivamente, não é” (CHARTIER, 1991, p. 173).
Cada leitor pode ter diferentes percepções e interpretações ao tomar conhecimento de
uma notícia, podendo transmitir o acontecimento com a sua ótica pessoal, afastando a
realidade dos fatos. Além disso, a análise de um periódico como fonte, deve ser cuidadosa e
atenta, buscando-se captar informações que possibilitem à construção da narrativa da forma
mais fiel possível, considerando para qual público a matéria é direcionada, se as informações
sofreram algum tipo de seleção ou ocultação, se elas deixam outras informações ocultas
transparecerem, sempre levando em consideração que toda fonte é um recorte do
acontecimento.

27
O jornal A Voz da Serra persistiu até o início do século XXI, atualmente foi reformulado e atua sob nova
direção, com o nome de A Voz. Informações sobre o periódico serão aprofundadas no segundo capítulo.
28
O jornal A Voz da Serra esforçava-se em trazer notícias de âmbito internacional, nacional, estadual e
municipal, sendo um completo meio de comunicação na época. Além dos impressos, as rádios também
veiculavam as notícias de maneira rápida e eficaz.
18

A análise detalhada dos periódicos dentro do recorte de tempo estabelecido, entre


1944 e 1978, necessitou atenção à metodologia adequada e a interpretação de fontes
impressas e midiáticas. As mesmas também, possibilitaram a indicação de outras fontes
valiosas para a análise de informações. Articulando as fontes impressas, bibliográficas e
iconográficas encontradas, buscou-se construir o enredo onde o simbolismo extrapola as
fronteiras religiosas e adentra aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos, conduzindo
uma análise dentro do campo da História Cultural, e associando os componentes que
definiram esse acontecimento como marcante.
O pesquisador dos jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o que por si
só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram
a decisão de dar publicidade à cada informação. Entretanto, ter sido publicado implica atentar
para o destaque conferido ao acontecimento, assim como para o local em que se deu a
publicação, por exemplo, se foi publicado na capa do periódico, ou no seu interior, assim
como a quantidade de tiragens do jornal por semana. A seção em que é publicada a notícia
também poderá influenciar, assim como se o assunto retorna nos dias seguintes ou é
“esquecido” logo a seguir. Em síntese, os discursos adquirem significados de muitas formas,
inclusive pelos procedimentos tipográficos e de ilustração que os cercam. A ênfase em certos
temas, a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público que o jornal
ou revista pretende atingir (LUCA, 2005, p. 139). Levando em conta que no âmbito das fontes
da imprensa, a política e a sociedade tinham influência, cabe ao pesquisador identificar e
aproximar-se das possíveis motivações, poderes, interesses, inclusive de caráter publicitário
que geralmente ficam por trás das linhas escritas.
Registros, fotografias e depoimentos de moradores também ajudaram a construir a
narrativa. Nos termos de Ricoeur (2007), sobre o imaginário que permeia o acontecimento,
em vários aspectos a pesquisa se norteia por evidências teóricas e empíricas que abrangem a
produção de sentidos. A tradição qualitativa se orienta na construção de dados sobre
percepções, ações, crenças e valores que podem ser interpretados pelos pesquisadores a partir
da utilização de diferentes abordagens (CEDRO, 2011, p. 129). Além disso, se buscou
perpassar conceitos e movimentos da arquitetura, no que tange aos estilos estéticos da matriz
e da catedral e aos movimentos históricos que influenciaram nas suas configurações,
buscando compreender melhor as motivações daquela época.
As entrevistas orais que estão no acervo do Arquivo Histórico Municipal, também
demandam certo cuidado ao serem analisadas. A entrevista apresenta-se em várias tipologias e
com métodos distintos que são utilizados conforme o problema e o objeto pesquisado.
19

Também merece registro a intencionalidade das perguntas visando respostas que se


transformem em dados essenciais para o pesquisador. No entanto, a resposta pode aparecer
com pouca espontaneidade e certas omissões, e aí entra mais uma vez o laborioso papel
investigativo do historiador.
A partir de meados do século XX, mais especificamente a partir da década de 1970, a
Nova História possibilitou uma diversidade de propostas metodológicas, novos objetos e
conceitos, as quais ampliaram o leque de temáticas e o diálogo com outras áreas do
conhecimento. Nessa perspectiva, passou-se a utilizar a metodologia da História Oral. Tendo
em vista isso, a entrevista apresenta-se em várias tipologias e com métodos distintos que são
utilizados conforme o problema e o objeto pesquisado. Também merece atenção a
intencionalidade das perguntas, visando respostas que se transformem em dados qualificados
para o entrevistador.
Neste sentido, há a inquietação sobre a estreita relação do relato com o uso da
memória. A memória sendo resultado de uma reconstrução psíquica/intelectual, dada a partir
de uma seleção do passado em questão, é orientada a partir de um fio condutor, no caso das
fontes orais, a entrevista dirigida a partir de um objeto de pesquisa (LE GOFF, 1990).
Contudo, esta seleção do passado (do depoente) envolve não somente as suas lembranças, mas
também o contexto social, familiar em que o mesmo está ou estava inserido, podendo então,
esta memória ser individual e/ou coletiva, sofrendo alterações constantes.29 Entretanto, a
memória individual não pode ser distanciada das memórias coletivas, pois o indivíduo não
possui sozinho o controle do “resgate” sobre o passado, ela é constituída por indivíduos em
interação, por grupos sociais, sendo as lembranças individuais o resultado desse processo.
Assim, a memória individual está vinculada à memória do grupo, e a do grupo, por sua vez,
determina a memória coletiva de cada sociedade, que constituirá no conceito de tradição. A
linguagem é o instrumento socializador que possibilita a transmissão da cultura local herdada,
sendo constituída por acontecimentos vividos socialmente (HALBWACHS, 1990, p. 53).
Para esse estudo não é suficiente apenas descrever o acontecimento da demolição, mas
contextualizá-lo, tendo como objetivo, através da investigação, compreender aspectos do
processo histórico do período em evidência. O estudo representa um entrelaçamento entre o

29
Pollak parte da premissa de que a memória pode e deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social,
que está sujeito a constantes transformações. Sendo assim, tanto na memória individual quanto na coletiva,
podem ocorrer marcos ou pontos invariantes, imutáveis, ou seja, elementos irredutíveis, onde a solidificação da
memória impossibilitou a ocorrência de mudanças. São acontecimentos vividos pessoalmente, e/ou
acontecimentos vividos “por tabela”, ou seja, vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente
pertencer (POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5.n. 10,
1992, p. 200).
20

edifício analisado e seu contexto, considerando ambos no entendimento das relações de poder,
práticas e leituras conferidas pelos seus agentes e usuários. Constitui-se como tema de
pesquisa, entre outros, a questão da modernidade, complexificada pelas discussões sobre as
identidades e a ocupação dos espaços. Espaços estes de fragmentação do ser, onde o indivíduo
se evidencia como sujeito e a cultura passa a ser constituída enquanto segmentação de um
conhecimento.
Metodologicamente, os aportes da Nova História Cultural foram de extrema relevância
para esta pesquisa. Herdeira da História das Mentalidades, a História Cultural tem como uma
de suas características a análise dos fenômenos culturais na perspectiva da longa duração
(CHARTIER, 1990). Além de Roger Chartier, com seus estudos sobre cultura e o papel do
historiador contemporâneo, assim como seus vínculos com a História Social, que analisa um
conjunto de práticas e objetos culturais, percebendo o mundo como representação, e Jacques
Le Goff (1990), que enfatiza que a memória é a propriedade de conservar certas informações,
num conjunto de funções psíquicas, que permite ao indivíduo atualizar impressões ou
informações passadas, ou reinterpretadas como passadas, o estudo de Michel de Certeau
(1994) foi relevante para compreender a formação de aspectos do cotidiano, no âmbito da
História Cultural, assim como aportes da arquitetura, antropologia, sociologia e filosofia,
fazendo com que a interdisciplinaridade fosse uma grande aliada desse estudo. As
formulações de Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1984) sobre o conceito de tradição, como
algo inventado e criado, diferente dos costumes, também foi importante, sobretudo à terceira
parte deste trabalho. Além de considerar que os indivíduos se firmam às tradições buscando,
entre outros elementos, a sensação de segurança. Zygmunt Bauman (2005), levantou
importantes perspectivas sobre o conceito de identidade, como forma de conhecer, classificar
e ordenar o mundo, sublinhando os processos de fragmentação da modernidade, que
denunciam a perda de referências políticas, culturais e da civilização, auxiliou diretamente no
estudo do nosso objeto, dentro de um enfoque interdisciplinar.
Valendo-se da trajetória dos historiadores que se dedicaram a pensar abordagens
teórico-metodológicas para o exercício da historiografia ao longo do tempo, certificando o
surgimento de meios para se conduzir a pesquisa histórica, aperfeiçoando seus métodos,
conceitos, de acordo com as necessidades de cada período, encontram-se conceitos essenciais
para o presente estudo, como o conceito de imaginário, o conceito de representação, de
memória, de identidade, de tradição, de cultura e patrimônio.
A partir das décadas de 1960 e 1970 iniciou-se uma renovação metodológica na
historiografia provinda da terceira geração dos Annales, visando enfatizar estudos ligados ao
21

social, considerando novos problemas, novas abordagens, novos temas, passando a


compreender o homem enquanto ser complexo (BARROS, 2013). Esta, conhecida
como Nova História, trouxe consigo a História das Mentalidades. Contudo, esse novo recurso
de investigação veio acompanhado de inúmeras críticas, principalmente no que se refere às
mentalidades enquanto um só imaginário inerente a todas as camadas sociais, como se todo
um grupo de pessoas compartilhassem de um mesmo ideário, anulando a diversidade.
Desmembradas destas críticas, propuseram-se outras respostas as demandas oriundas da
multiplicidade de sujeitos históricos em interação nos fenômenos analisados.30 Seguindo a
conjectura de que uma “nova luz intelectual” estava surgindo, através da aceitação de modos
de expressões culturais das elites letradas, entre relações com manifestações das populações
anônimas, priorizando o popular, a História Cultural foi ganhando cada vez mais espaço, se
distanciando do estruturalismo histórico (BARROS, 2011).
A importância de atentar ao papel das diferentes classes sociais e seus conflitos foi
uma das particularidades da História Cultural, não limitada a descrição de eventos ou tentativa
de expressão das mentalidades de uma forma unitária, cujos indivíduos não se distinguissem.
Roger Chartier, historiador procedente da corrente francesa, distancia-se visivelmente da ideia
dicotômica de cultura popular/cultura erudita, em detrimento de uma visão mais abrangente.
Estima o dimensionamento da cultura em termos de classes sociais, desde que não se delimite
as classes em qualquer âmbito exterior ao da produção e consumo culturais. Portanto,
necessita-se buscar o social em atrelamento com a diversidade do emprego do aparelhamento
intelectual disponível. Sua proposta problematiza o conceito de cultura enquanto prática,
sugerindo para seu melhor entendimento, categorias de representação e apropriação.
O objeto da História Cultural é, segundo Chartier, “identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler”
(CHARTIER, 1990, p. 16). Explorando os caminhos da cultura, assim como o universo
mental das sociedades, foi delimitando-se um campo que pode ser definido como História do
Imaginário. Esse investimento abre alternativas de investigação de objetos historiográficos
que até então eram exclusivos da História das Mentalidades. De acordo com José D´Assunção
Barros, (2005, p. 1), a História do Imaginário estuda essencialmente as imagens produzidas

30
Devido às discussões acerca da História das Mentalidades, cunhou-se um novo termo que procurava defender
a validade do estudo referente ao mental, sem renegar a História como especialidade, procurando retificar as
deficiências teóricas que assinalavam essa corrente ideológica. Os historiadores da cultura buscaram, a partir da
ambiguidade e imprecisão da História das Mentalidades, relacioná-la com o todo social. Para isto, utilizaram da
aproximação com a Antropologia e com a concepção da História de longa duração.
22

por uma sociedade, mas não apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais e,
em última instância, as imagens mentais.
O conceito de imaginário, devido à sua polissemia, possibilita uma
interdisciplinaridade, se abrindo a discussões dentro da sociologia, antropologia, sociologia e
história. Esse termo, que vem sofrendo ressignificações, por envolver uma série extensa de
questões pertinentes ao debate acadêmico contemporâneo, considerando que o historiador se
encontra mais sensível a temáticas que se aproximem do simbólico e entre outros assuntos
dentro da chamada Nova História Cultural (BARROS, 2013).
Para dirigir os estudos sobre imaginário, são propícias as contribuições do historiador
francês Jacques Le Goff, a partir dos estudos sobre Idade Média, estendendo o interesse em
diversas temáticas, entre as quais o comércio, a vida urbana, as universidades, a literatura e o
imaginário. De modo geral, em termos de modalidades historiográficas, pode-se dizer que a
produção de Le Goff como medievalista concentrou-se, principalmente, em torno dos campos
históricos que ficaram conhecidos como História Cultural, História das Mentalidades, História
do Imaginário e Antropologia Histórica, sempre ligado às transformações que ocorriam na
historiografia da sua época (BARROS, 2013).31 Outro campo muito evidente de seu interesse
é o da História Urbana, que lhe rendeu uma obra mais geral sobre a cidade medieval e
diversos artigos específicos. Ao relacionar imagens, símbolos, mitos e visões de mundo às
questões sociais e políticas de maior destaque, o historiador inicia uma “história problema”.
Esse imaginário deve fornecer materiais para o estabelecimento de interconexões diversas, em
busca da compreensão da vida social, política, econômica, cultural e religiosa.
Preocupação semelhante pode ser encontrada no trabalho de Bronislaw Baczko
(1985). A busca de uma solução para o dilema entre conservação e mudança (hesitação que se
coloca como um dos problemas mais sérios do conceito de mentalidades), recebe uma
proposta metodológica interessante por parte de Baczko. Segundo ele, em alguns momentos
históricos, irá acontecer um conflito social onde a imaginação poderá sofrer um ímpeto
particular, ocorrendo uma produção acelerada de significações para os acontecimentos. Tais
elementos de pesquisa, se evidenciam na interação de poderes frente a permanência e
demolição da igreja, na possível interação da comunidade com o fenômeno e nas
consequentes alterações de sentido para com o espaço e os edifícios.

31
Essa compreensão poderá nos ajudar a entender o processo da demolição e a sua significação para Erechim,
que também demonstra abranger uma série de questões dentro do imaginário social, indicada pela imprensa, por
exemplo, em notas que transparecem o pesar de algumas pessoas sobre o acontecimento.
23

O conceito de representação é a base da reflexão proposta por Baczko (1985). Sobre o


imaginário social, tema bastante abordado por Roger Chartier (1990), que identifica em seu
campo analítico três modalidades de relação com o mundo social: o trabalho de produção de
sentidos múltiplos para o real, visto que a realidade é construída de maneira diversa pelos
diferentes grupos sociais; as práticas que visam estabelecer uma identidade própria no mundo;
e finalmente as formas institucionais mediante as quais umas pessoas representam a outras
(CHARTIER, 1990, p. 23). A representação tanto poderá dar a ver algo ausente, como poderá
exibir uma presença, como apresentação de algo ou alguém (CHARTIER, 1990, p. 20). Em
ambos os casos, colocará “algo no lugar de”, ou seja, simulará uma presença – não uma
simples presença, mas uma presença dotada de significado simbólico. Roger Chartier, lembra-
nos que aquelas relações duais, dicotomia de conceitos tidos como alicerce, que ele chama de
delimitações essenciais, concentram na verdade profundos problemas (1990).32
Ainda de acordo com Chartier, os conflitos e lutas não se dão no social mas sim nas
representações. Dessa forma, Chartier nega que existam práticas ou estruturas que não sejam
representadas, priorizando as representações e não o recorte social, pois as diferenças
culturais não são traduções de divisões estáticas e imóveis, mas sim efeito de processos
dinâmicos, tornando necessário compreender como as construções das representações se dão
conflituosamente entre um mesmo grupo ou entre grupos.33 O conceito de representação de
Chartier se apresenta como alternativa de compreensão do social e cultural da realidade via
representação. O autor apresenta a pluralidade do conceito de representação que pode vir
como ausência de um objeto, sendo ele substituído por uma “imagem” presente de algo
ausente, lidando com ausência e presença ao mesmo tempo.
A probabilidade de traduzir ações humanas em linguagem, já está incluída na própria
língua, e cabe ao construtor da narrativa acrescentar a estes objetos e situações que
disponibilizam na língua uma série de especificidades, discursivas que darão a cada narrativa,
em sentido estrito, uma configuração própria e singular. A narrativa é construída de uma
história, ou de histórias entrelaçadas, não apenas pela ação humana mas também repercutindo
seus significados (PESAVENTO, 1997).
Com subsídios complementares, que consideram a construção da narrativa e a ação
dos sujeitos na dinâmica de produção, circulação e consumo de bens, práticas, saberes etc., o
historiador Michel de Certeau (1994), procura através de suas pesquisas, dar voz ao não dito.

32
O que nos interessa especificamente nesta reflexão refere-se às relações entre verdade versus ficção, pois os
historiadores das representações desconstroem a ideia de verdade em história.
33
Essas reflexões de Chartier nos auxiliarão a entender para quem e por quais razões nosso objeto de estudo
possui significado.
24

Ao pensarmos sobre a história como uma prática, a argumentação de Certeau começa calcada
na necessidade de uma técnica para a realização da produção historiográfica. Ele ressalta que
as maneiras de se fazer história e as técnicas por ela empregadas vão variar devido a distintos
contextos culturais, que cada sociedade pode vir a possuir. Certeau salienta que a prática do
historiador se centra em transformar um objeto histórico, em historicizar um elemento, que
não sendo analisado dentro de um contexto, poderia ficar no espaço do “não dito”. Para
Certeau, o gesto que liga as „ideias‟ aos lugares é, precisamente, um gesto de historiador, e
compreendê-lo é analisar em termos de produções localizáveis o material que cada método
instaurou inicialmente segundo seus métodos de pertinência.
Dentro do conceito de espaço e lugar, Certeau considera que o espaço é o lugar-
comum. Como cada um o entende ou o utiliza depende de situações variadas, incertas, porém
o problema surge quando algum uso da cidade é ignorado, ao impor determinada percepção
por exemplo. Utilizando a linguagem como metáfora, o autor privilegia em sua análise a ação
dos transeuntes. Assim, se, por um lado, a língua “vigiada por uma gramática” é um fator
limitante no uso que fazemos dela, por outro, ela nos garante a fundação para as figuras de
linguagem. Da mesma forma, as diversas narrativas produzidas por estruturas disciplinadoras
ou práticas quotidianas garantem a base para diferentes táticas e estratégias – aprendemos a
falar utilizando a linguagem criada por outros.
No que tange ao conceito de identidade, de acordo com Zygmunt Bauman (2005), tal
definição aproximar-se-ia da ideia de pertencencimento. Assinalando que, dentre as várias
conotações do conceito de identidade, aquela referente à nacionalidade representa a conexão
que se sobrepõe ao agregado de indivíduos do Estado. A identidade que conhecemos foi
conduzida a uma compreensão humana, pois seu surgimento se deu através de uma ficção, e
não de uma experiência propriamente dita. Essas ideias, como refere Bauman, são fruto da
crise do pertencimento e do esforço que se desencadeou para a recriação da realidade à
semelhança da ideia. Esse esforço foi erguido pelo nascente Estado moderno na condição de
dever obrigatório para todas às pessoas que se encontravam sob a égide de sua soberania
territorial. O “pertencer por nascimento” de Bauman é a consequência lógica de pertencer a
uma nação cuja convenção foi intensamente construída pela humanidade. O pertencimento e a
identidade não possuem a solidez perpétua, mas sim a finitude de um mecanismo que exerce
um poder de transformação contínua. As identidades estão em constante trânsito, provenientes
de diversas fontes, quais sejam aquelas disponibilizadas por terceiros ou acessíveis através de
nossa própria escolha. Esse fenômeno humano se fortalece pela centralidade que o homem
25

assume como indivíduo, considerado portador de cultura, inteligente, biologicamente maduro


e ligado a outros seres humanos na ação e no sentimento coletivo (MADALENA, 2013, p. 1).
Bauman defende que essa busca de identidade vem de um sentimento de querer
afirmar-se diante de transformações, sobretudo no contexto da modernidade. Essa ideia se
articula diretamente com aspectos desta pesquisa, pois o objeto que é a igreja matriz traz com
ele enunciações semelhantes a serem investigadas, onde possivelmente houve a busca pela
modernização.
Atreladas as noções de construção identitária, estão as de tradição. Para Eric
Hobsbawm, esse conceito é utilizado em um sentido amplo, porém bem definido: inclui as
tradições propriamente inventadas e institucionalizadas, e as que surgem repentinamente e da
mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como outras, como se sua origem fosse
longínqua, ainda que duram relativamente pouco. Esse conjunto de práticas de natureza ritual
ou simbólica teria por objetivo incorporar determinados valores e comportamentos definidos
por meio da repetição em um processo de “continuidade em relação ao passado”, geralmente,
um passado histórico apropriado (HOBSBAWM, 1984). O autor explica que a tradição pode
se expressar pela escolha de um estilo arquitetônico, por exemplo, que funciona como reação
às situações novas, atuando como referência a situações anteriores em uma continuidade
artificial. Esse contraste se mostra intrigante nos estudos de história contemporânea, pelo
anseio de se estruturar de modo imutável e invariável alguns aspectos do meio social ao
mesmo tempo em que se apresentam constantes as mudanças e inovações o mundo moderno.
Finalmente, o estudo das tradições é interdisciplinar, um campo comum a
historiadores, antropólogos sociais e vários outros estudiosos das ciências humanas, e que não
pode ser adequadamente investigado sem tal colaboração (HOBSBAWM, 1984, p. 23). Em
nosso estudo, o conceito de tradição é fundamental para que se busque entender a relação dos
indivíduos com objetos que para eles possam trazer essa sensação de afirmação, segurança e
identidade, no contexto de alterações das dinâmicas de permanência conexas a modernidade.
A temática do patrimônio É discutida por Françoise Choay (2001), Sandra Pesavento
(1995), Pedro Paulo Funari (2001), entre outros autores que apresentam uma noção de
patrimônio cultural mais contemporânea. Essa noção mais recente, tem maior abrangência do
que a que era praticada há poucas décadas atrás, em que se estabelecida apenas sobre os
“pilares da história e da arte, época em que a excepcionalidade artística ainda tutelava o
reconhecimento histórico. Os tempos mudaram, mas as raízes de formação do pensamento
patrimonial ainda definem com bastante intensidade o tratamento que é dado aos bens
patrimoniais” (CARSALADE, 2011, p. 1).
26

A relação do desenvolvimento urbano com a imagem da cidade e a trama que confere


um sentido onde a sociedade se reconhece é o ponto de partida do nosso estudo sobre a
demolição da igreja matriz para a construção da catedral. De acordo com Ana Wickert (2005),
para além da diversidade de representações arquitetônicas e minuciosas descrições dos
desenhos urbanos, o espaço citadino é mais que um cenário no qual os enredos são
desenvolvidos.
O conceito de patrimônio34, que é uma categoria dotada de historicidade que se altera
ao longo do tempo, cresceu na sua relevância e vem sendo abordado por diversos autores
contemporâneos, trazendo novas discussões que acercam a destruição e a conservação do
patrimônio cultural, o descaso na manutenção de cultura material histórica e a relação do
patrimônio com a sociedade.
Nas palavras de Françoise Choay: “O patrimônio histórico e as condutas a ele
associadas encontram-se presos em estratos de significados cujas ambuiguidades e
contradições articulam e desarticulam dois mundos e duas visões de mundo.” Para Choay,
ainda, o atual culto ao patrimônio histórico deve merecer de nós mais do que simples
aprovação. “Ele requer um questionamento, porque se constitui num elemento revelador,
negligenciado mas brilhante, e de uma condição da sociedade e das questões que ela encerra”
(CHOAY, 2001, p. 12).
Françoise Choay, tentando mapear a historicidade do patrimônio no âmbito das
estruturas materiais edificadas, ressalta que os monumentos com função de evocação da
memória foram erigidos pelas sociedades antigas e medievais. No entanto, esses monumentos
guardavam relação direta com a memória de acontecimentos, feitos ou personagens e, nesse
sentido, estavam submetidos à trama de produção e desaparecimento dessas memórias. Não à
toa poderiam ser destruídos e suplantados por outros monumentos (CHOAY, 2001).
De acordo com Funari, o cuidado com o patrimônio sempre se deteve a cargo da elite,
cujas prioridades têm sido tanto míopes como ineficazes. Edificações de alto padrão
arquitetônico, protegidos por lei, são deixadas nas mãos do mercado. Segundo o autor, tanto o
patrimônio erudito quanto o popular deve ser preservado a fim de democratizar a informação
e a educação em geral. Afora este quesito, a substituição de construções antigas por novas, de
acordo com projetos de modernização para as cidades, possui relevância para a presente
pesquisa.

34
A etimologia da palavra liga-se à ideia de herança. Designa-se, usualmente, patrimônio como o conjunto de
bens de propriedade de uma família, de uma empresa, de uma instituição ou de uma sociedade. Pressupõe
cuidado com sua manutenção, guarda, aumento e aprimoramento com a finalidade de transmissão às futuras
gerações.
27

Considerando que tanto a arquitetura, como a sociedade e a cultura são dinâmicas, e


que Erechim possui uma diversidade em relação ao patrimônio cultural edificado, sendo esse
mesmo patrimônio um referencial identitário para os moradores, esta pesquisa abre espaço
para a ponderação de um assunto pertinente: a proteção do patrimônio histórico.
Erechim possui desde 8 de agosto de 2007, a lei nº 4.176, que criou o Conselho
Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural. Logo após foi aprovada a lei nº
4.248, de 12 de dezembro de 2007 que institui a proteção ao patrimônio histórico, artístico e
cultural do Município de Erechim. O Artigo 64, Inciso V da Lei Orgânica do Município que
prevê instituir a proteção das fachadas históricas do Município de Erechim, permanece na
espera da definição de uma lei complementar que possa garantir a preservação e a restauração
dos prédios históricos, públicos e privados de Erechim.
Destaca-se como patrimônio histórico, artístico e cultural, segundo a Lei Municipal, o
conjunto de bens móveis e imóveis existentes no município, cuja preservação e conservação
sejam de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do
município, quer por seu valor arqueológico, etnográfico ou bibliográfico e que inserem
também os monumentos naturais, os sítios e paisagens que devam ser preservados,
conservados e protegidos, por sua feição notável dotada pela natureza ou promovida pelo
engenho humano.35
Aos 22 dias do mês de dezembro de 2015, foi aprovado o projeto de lei do Executivo
que teve a parceria do Instituto de Arquitetos do Brasil - núcleo de Erechim -, e Câmara de
Dirigentes Lojistas de Erechim, um importante passo no processo de Requalificação do
Centro Comercial e Histórico de Erechim. O projeto de Lei Nº 6.093, “Erechim, Cidade
Limpa”, depois de discutida em audiência pública e referendada pelo Conselho das Cidades -,
foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Vereadores e regulamenta a instalação de
anúncios em prédios e veículos, além de estabelecer padrão de cores nos edifícios históricos
do município. A ação busca promover melhorias que priorizem a humanização dos espaços
públicos visando a despoluição das fachadas de edificações do centro e dos bairros da
cidade36. O texto legal dispõe orientações sobre a ordenação dimensional de letreiros, controle
do material publicitário aplicado no espaço urbano e padronização de cores para pintura de
prédios com no mínimo 50 anos de construção e com valor histórico a ser avaliado pelo
Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Comphac). O prazo para

35
Ver: Lei Orgânica de Erechim, 1990.
36
Diário da Manhã, 23/12/2015.
28

implantação das mudanças foi de 12 meses na região central e de 18 meses nos demais bairros
da cidade.37
Diversos trabalhos abordaram questões arquitetônicas e urbanísticas referentes a
história de Erechim, no entanto a demolição da igreja não foi foco das pesquisas apesar do
grande envolvimento da sociedade com o fenômeno, o que tornou oportuna a realização dessa
exploração, a fim de preencher uma lacuna na história dessa região. Alguns desses trabalhos
valem ser mencionados aqui, pela contribuição em diversas questões, como a compreensão da
formação da cidade, assim como do resultado que se tem hoje, a paisagem urbana existente e
os aspectos sociais e culturais que compõe atualmente o município.
Sônia Mári Cima (2001), em sua pesquisa Padre Busato: um protagonista na cidade
de Erechim (1926 – 1950) pesquisou a vida do padre Benjamin Busato, sendo para a autora o
principal articulador social e político entre 1926 e 1950 na cidade de Erechim, teve por base o
estudo das crônicas do próprio padre publicadas no jornal A Voz da Serra. Esse personagem,
que disputava espaço político, social e religioso, e que teve relevante participação nas
primeiras décadas de formação da cidade, assim como participação direta na construção da
igreja matriz, não poderia ser excluído de atenção em nossa pesquisa. A autora afirma que “o
imaginário social constrói líderes, apaga outros, dependendo da posição de grupos de
dominação e da ordem vigente. Há os que culminam, no processo histórico, com
características bem distantes das que possuíam originariamente, porém, mesmo sendo uma
produção, a aceitação é real” (2001, p. 112). Apesar disso, não se tem como afirmar que isso
tenha relação no processo de demolição, mas foi necessário averiguar. O trabalho de Sônia
Cima reúne também várias entrevistas orais realizadas por ela em 2001, que serviram de
auxílio nessa pesquisa, tanto em relação à demolição como ao imaginário social.
Remís Schmidt (2010), em seu trabalho Erechim: Cidade construída para imigrantes -
Poder simbólico na conquista do espaço urbano, revela a cooperação dos imigrantes
europeus no processo de ocupação da cidade. Segundo a autora, na época, a República recém
havia sido instaurada e, com a implantação do Federalismo, a velha Província de São Pedro
dava lugar a um novo Estado. A autora se detém mais especificamente na ação do Estado
quanto à apropriação do espaço urbano no início do século XX e na influência da ideologia
positivista para a concepção de um detalhado plano de ocupação daquela área setentrional. A
pesquisa aborda a questão indígena e o processo de regularização das terras devolutas no

37
Esse projeto de lei de Erechim tem como base experiências bem sucedidas em diversas cidades, como São
Paulo, Barcelona e Caxias do Sul/RS.
29

Estado, avalia a influência da opção pelos imigrantes, seus propósitos e sua força de trabalho
e as várias etnias envolvidas. O trabalho de Remís Schmidt permite que se compreenda o
processo de formação da cidade, imprescindível em nossa pesquisa no âmbito de assimilar
aspectos culturais e sociais que se estabeleceram até o acontecimento em 1969.
O estilo art déco, expressivo na principal avenida de Erechim, Avenida Maurício
Cardoso, foi pesquisado por Sandra Petry (2009) em sua dissertação de mestrado As
manifestações do Art Déco na Arquitetura de Erechim/RS. Ambos auxiliaram as
interpretações sobre a composição arquitetônica de Erechim, também evidenciando dentro dos
aspectos da nossa pesquisa, apontamentos na formação e na paisagem urbana da cidade.
Nesses trabalhos, além do estilo colonial e Art Déco, o estilo neobarroco e o neoclássico
também incluem-se representados na arquitetura mais antiga de Erechim, complementada pela
arquitetura modernista e eclética e recentemente, contemporânea.
Simone Litwin Prestes (2012) descreve em seu estudo Sentidos e imagens do
patrimônio cultural em Erechim/RS na iminência de sua preservação institucional o resultado
de uma pesquisa de campo que inclui um conjunto amplo de informações sobre a formação da
cidade e as edificações mais antigas. A política de preservação é abordada através das etapas:
produção, proteção e recepção do conjunto de bens, num processo que tem gerado diferentes
opiniões, anseios e ações entre os cidadãos. O trabalho dá ênfase a Arquitetura de Madeira e
aos agentes do campo do patrimônio. As edificações de madeira são analisadas como síntese
entre os conceitos de patrimônio material e imaterial, visto que além de preservarem uma
imagem que remete ao passado da cidade, são representativas do modo de construir dos
imigrantes italianos e são envolvidas por relações sociais – práticas, laços familiares e
memórias – que as humanizam e garantem sua conservação e permanência, apesar das
transformações no espaço urbano. Os sentidos de preservação e tombamento são
problematizados a partir de uma edificação de madeira pesquisada em profundidade, a casa da
família Rigoni. Nesse trabalho, além das diversas informações sobre a arquitetura, se
evidencia a relação entre a mesma com a representação da imigração, o vínculo entre o
patrimônio e a sua significação.
As contribuições de Prestes coincidem com as discussões sobre o patrimônio dentro
das condições de modernização das cidades. As ações de diferentes agentes do campo
patrimonial são abordadas através da problematização do patrimônio como marca da cidade e
como experiência cotidiana, além de ser ressaltada a relevância da atividade turística agregada
à política de preservação do patrimônio cultural municipal.
30

Aline Skowronski (2008) apresenta em sua dissertação Erechim das cinzas ao sonho –
Erechim destruída por incêndio e renovada pela modernidade, um acontecimento de extrema
importância na compreensão da evolução urbana de Erechim, que foram os incêndios
ocorridos nas primeiras décadas da sua formação, atingindo a maioria das casas em madeira
construídas pelos imigrantes colonizadores. De acordo com a autora, os incêndios foram
caracterizados como uma ruptura na linha histórica da cidade e suas influências na
transformação urbana de Erechim foram reveladas a partir do estudo da forma urbana. As
intervenções causadas pelos incêndios, são importantes na compreensão da modificação do
espaço e da paisagem urbana de Erechim, além de fazerem parte do processo de formação da
cidade, podendo também ter algum tipo de relação com a aspiração de modernização que
existiu na época do acontecido, pois em seguida aos incêndios, uma lei estabeleceu que só se
poderiam construir edificações em alvenaria na avenida principal.
Karla Fünfgelt (2004), com o objetivo de refletir a respeito da evolução urbana de
Erechim, resgata a história urbana por meio da compreensão das transformações ocorridas na
paisagem da área central, argumentados na dissertação de mestrado História da paisagem e
evolução urbana de Erechim.
A relevância de temáticas que abordam cultura e patrimônio e que se relacionam
diretamente com a preocupação social da preservação do patrimônio cultural, que buscam
compreender processos de modernização e de urbanização são de extrema valia para o estudo
da demolição da igreja. Nesse sentido, os trabalhos que já abordaram a formação da história
da cidade de Erechim, assim como o levantamento do seu patrimônio, nos ajudam a
configurar a pesquisa, porém buscando aprofundar o tema da demolição da igreja que mesmo
já mencionado por alguns autores, não trouxe a reflexão que aqui se pretende, e nem a relação
do acontecimento com o desenvolvimento de Erechim nos últimos anos. Mais precisamente,
não existe nenhum trabalho de pesquisa que buscou responder à questão até hoje levantada
por um grupo de pessoas: afinal, por que resolveram demolir a igreja matriz?
O trabalho a seguir, apresenta em seu primeiro capítulo, um breve histórico da cidade
de Erechim, onde o leitor se situa dentro do espaço (região) e dos acontecimentos. Nele consta
também a história da igreja matriz neobarroca e sua construção, dados sobre o catolicismo em
Erechim e outras religiões, assim como uma noção da configuração de um espaço simbólico
onde a edificação estava inserida, para desta forma entender possíveis influências políticas,
econômicas e sociais que acabaram por intervir no contexto da demolição. De forma sucinta,
o primeiro capítulo finaliza abordando a questão da criação da Diocese de Erechim, que
introduz o problema. O segundo capítulo, inicialmente aborda sobre a fonte principal, o jornal
31

A Voz da Serra, explanando desde a fundação do periódico até os seus editores, aspectos que
auxiliam na compreensão da trajetória da demolição. Em seguida, o texto discorre sobre o
contexto da demolição da igreja, que ocorreu juntamente ao processo de elevação ao bispado,
os esforços de Erechim em unificar sua região católica, até a inauguração da nova catedral.
No terceiro capítulo, serão discutidas todas as questões subjetivas que envolveram a trajetória
da demolição, incluindo referências de memória, representação, identificação das pessoas em
relação ao espaço, assim como patrimônio e modernização.
1. Erechim: da efetiva colonização à aspiração pela modernização

Figura 1. Localização da cidade de Erechim.

Fonte: Folha uol. Link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u99834.shtml

O Rio Grande do Sul, conhecido por Terra dos Tapes 38 por um certo período,
permaneceu relativamente isolado do restante do Brasil por aproximadamente 130 anos,
quando era ocupado por minuanos, charruas e tapes, entre outras etnias de menor dimensão
demográfica, até os jesuítas chegarem a região do Alto Uruguai. Tratando-se da pré-história
do Rio Grande do Sul, devemos retroceder no tempo cerca de 13.000 anos. Segundo Arno
Kern (1994, p. 32) até o momento "a datação mais antiga que possuímos para a chegada dos
primeiros caçadores-coletores é de 12.770 anos", com margem de erro de 220 anos para mais
ou para menos. 39

Dentre os grupos pré-históricos que ocupavam o território correspondente ao atual


Rio Grande do Sul, certamente, os povos que habitavam as florestas de araucária
figuram entre os mais conhecidos, inclusive por reconhecer-se alguns de seus
remanescentes atuais, como os Kaingáng e Xokléng, agrupados linguisticamente ao
ramo meridional da família Jê. Contudo, os indígenas sobre os quais mais possuímos
informações seguramente são os Guarani, devido em grande parte às analogias que
os pesquisadores se permitem fazer entre os grupos pré-históricos e seus atuais
descendentes (VICROSKI, 2012, p. 16).

A ocupação do território foi sistemática a partir do início do século XX, em virtude do


plano de imigração e colonização desempenhado pelo Estado. Porém, a região de Erechim já

38
O Rio Grande do Sul teve outras denominações: Rio Grande de São Pedro (sob o domínio espanhol), Terra
dos Tapes, Capitania Del Rei, Continente de São Pedro, Estado Riograndense (República de Piratini), Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, uma das províncias do Império do Brasil, tendo sido criada em 28 de
fevereiro de 1821 a partir da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul. Com a proclamação da República
brasileira em 15 de novembro de 1889, tornou-se Estado do Rio Grande do Sul.
39
O livro “O índio Kaingãng no Rio Grande do Sul” da professora Ítala Irene Basile Becker representa uma das
bibliografias para a compreensão do tema eu envolve a presença do índio neste território, por centralizar as
fontes principais descritivas até hoje, em bases antropológicas, sobre a região. Para uma análise mais detalhada,
ver BECKER, Ítala Irene Basile. O índio Kaingáng no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1995.
33

era habitada por índios caingangues há centenas de anos antes da chegada dos primeiros
colonizadores40. Outro grupo social que compunha a região eram os birivas:

Em 1909 já havia várias famílias designadas pelo apelido de Birivas. Foram,


portanto, os primeiros moradores de nossas terras, das matas de Erechim, os
descendentes dos bandeirantes, que, vindos em busca da prata, por aqui ficavam
cruzando a raça com os Kaingangs. Aos caboclos Birivas se foram juntando, com o
passar dos anos os foragidos da justiça (CASSOL, 1979, p. 127).

De acordo com Cassol (1979, p. 127), esses habitantes chegaram através do Passo de
Goyo-En, conhecido há muito pelos caingangues. Posteriormente, instalaram-se nas paragens
de Erechim posseiros de terras vindos, principalmente, de São Paulo (séc. XIX). Devido a um
fluxo migratório, essa zona acolheu fugitivos da Guerra dos Farrapos (1835-1845) e da
Revolução Federalista (1893-1895). O território também foi alvo de expedições exploratórias
em busca de ouro até o início do século XX, quando começou a ser povoado por imigrantes
europeus, sendo principalmente italianos, alemães e poloneses que se instalaram em pequenas
propriedades familiares e iniciaram a produção agrícola e a extração de erva-mate.

1.1. Imigração e modernização na formação da cidade

A edição especial do periódico A Voz da Serra de 1968, produzida em homenagem ao


Cinquentenário do Município, traz a matéria “Breve Histórico sôbre Erechim”, de Wilson
Weber41, descrevendo a emancipação de Erechim:

A sua emancipação data de 30 de abril de 1918. Antes desta data a nossa cidade
fazia parte integrante do município de Passo Fundo, então um dos mais extensos do
Estado do Rio Grande do Sul. Erechim figurou até 1910 como sétimo distrito, que
tinha sua sede no povoado de Capo-Erê, e, desta data em diante, passou a fazer parte
do oitavo distrito e a sua sede era na Colônia Erechim, hoje cidade de Getúlio
Vargas. Erechim chamava-se, então, Paiol Grande.42

Erechim – termo caingangue para designar “campo pequeno” -, teve inúmeras


aplicações. O povoamento oficial se fez conforme chegavam os grupos de imigrantes ao

40
Para compreender a política de imigração e colonização, conferir: CASSOL, Ernesto. Histórico de Erechim.
Passo Fundo: SEP/CESE- Instituto Social Padre Berthier. 1979, p. 13-16).
41
De acordo com Ducatti Neto (1981), foi um advogado de renome, esportista e historiador. Wilson Watson
Weber escreveu um trabalho sob o título de “O Velho Erechim”, que foi publicado pela “Revista Erechim”.
42
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
34

povoado Erechim, Paiol Grande e Barro, onde eram alojados inicialmente em barracões, e
posteriormente encaminhados para as áreas em que os lotes rurais já estavam demarcados.43

A colônia Erechim, dentre as colônias fundadas no Rio Grande do Sul, foi a mais
nova e a que mais progrediu. Isso deveu-se à forma organizada como foi conduzida
desde o início, à fertilidade das terras, ao potencial madeireiro e ervateiro, à ferrovia
que garantia o transporte da produção agrícola e, principalmente, à disposição para o
trabalho dos imigrantes de várias etnias que a colonizaram (CHIAPARINI et al,
2012, p. 49).

Esses imigrantes europeus que chegaram à Colônia Erechim, a partir de 1910,


estiveram em outros lugares do estado e do país, e ao chegarem na região encontraram uma
infraestrutura em fase de execução, um órgão oficial de colonização em atividade, além da
ferrovia.

Atraídos pela fertilidade das terras de Erechim, servidas já então pela ferrovia
iniciada em 1904 e pelos imensos pinheirais, começaram a chegar os primeiros
colonos, em grande número vindos das colônias velhas, como a preparar ambiente
para o imigrante que na velha Europa estava pronto a vir para a América (CASSOL,
1979, p. 127).

Um dos fatores determinantes para a constituição dos povoados da região do Alto


Uruguai, foi a presença da estrada de ferro que liga Passo Fundo a Marcelino Ramos.
Segundo Wolf, o decreto 10.432 de 9 de novembro de 1889, do Imperador dom Pedro II,
“concedia a autorização legislativa e a garantia da construção, uso e gozo de uma estrada de
ferro, que partiria das margens do Itararé na Província de São Paulo, a terminar em Santa
Maria, no Rio Grande do Sul, com diversos ramais” (2005, p. 117). O trecho entre Santa
Maria e Cruz Alta foi concluído em 1894 e em 1898 chegou à Passo Fundo. A Estação
Ferroviária de Erechim foi inaugurada no dia 03 de agosto de 1910, e no mesmo ano chegou a
Marcelino Ramos.

Muito contribuiu para êste [sic] rápido desenvolvimento a estrada de ferro São
Paulo-Rio Grande em construção, e com o surgimento das estações de Erechim,
Erebango, Capo-Erê, Bôa Vista, Balisa, Barro, Viadutos, Canavial e Alto Uruguai
(hoje Marcelino Ramos), e ainda o trabalho da “Jewish Colonisation Association”,
que em 1910 iniciou a colonização da Fazenda Quatro Irmãos, fazendo o mesmo a
“Emprêsa Colonizadora Luce, Rose & Cia. Ltda, de Pôrto Alegre, que instalou seu
escritório no povoado de Barro, hoje Gaurama.44

44
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
35

A distribuição dos lotes entre os colonos era feita através da Comissão de Terras e
Colonização, subordinada à ex-diretoria de Terras e Colonização com sede na capital
estadual, instalada em 1916, no prédio conhecido atualmente como “Castelinho” (primeiro
prédio público do município).45 Juntamente com o povoamento da Colônia, a ex-diretoria de
Terras e Colonização procurava abrir estradas internas e também para fora da colônia, já
visando o seu uso para os automóveis, que na época estavam começando a entrar em uso na
região (DUCATTI NETO, 1981, p. 78).

Figura 2. Sede da Comissão de Terras, 1917.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Em 6 de outubro de 1908 foi criado o núcleo colonial de Erechim, que foi instalado
em 1910, composto por 36 colonos, sendo eles quatro famílias com 28 pessoas e 8 solteiros.
Essa comissão atuou inicialmente no local onde hoje se encontra a cidade de Getúlio Vargas,
por volta de 1909.

45
A comissão era responsável por dividir de maneira controlada pelo estado, e através de normas, as terras
pertencentes à região que compreendia a área do município de Erechim. De acordo com Ducatti Neto, as
principais finalidades da comissão eram demarcar e vender os lotes rurais e urbanos, instalar núcleos, dar
assistência social aos agricultores da região e a construção das estradas de rodagem (1981, p. 181).
36

Para proceder a demarcação dos lotes da extensa gléba [sic] devoluta que formava o
oitavo distrito de Passo Fundo, o Govêrno [sic] do Estado, por proposta da diretoria
de Terras e Colonização, nomeou uma comissão de engenheiros, tendo como chefe o
dr. Severiano de Souza Almeida, e auxiliares técnicos os srs. Henrique von Scwerin
e Julio Wermingnhott, sendo escriturário o sr. José Garcia Cony.46

Os serviços preliminares de exploração e demarcação da terra foram iniciados em 15


de julho de 1909, pelo agrimensor Julío Wermignhoff, sob a chefia do agrimensor coronel
Severiano de Almeida.47 Ainda de acordo com a edição, em virtude do esforço dessa
comissão, Erechim transformou-se em um notável centro rural de trabalho, apresentando
naquela época uma população de 14.400 habitantes, entre brasileiros e imigrantes alemães,
russos, franceses, austríacos, poloneses e italianos.48
Deste modo, a organização do núcleo urbano foi efetivamente iniciada século XX
adentro, de modo planejado e prevendo seu desenvolvimento demográfico e econômico. Tais
elementos estavam acompanhados de intenções modernizantes que seriam marcantes no
decorrer das alterações urbanas levadas a cabo.
Com a ampliação da colônia, José Weiderspan instalou o primeiro engenho a vapor, o
que dinamizou economicamente a região. O primeiro relatório enviado pelo Coronel
Severiano de Souza e Almeida ao Dr. Carlos Torres Gonçalves, chefe da Diretoria de Terras e
Colonização, em 30 de julho de 1910, incluía o número de imigrantes: eram 226 pessoas,
formando 31 famílias e alguns solteiros, os quais estavam empregados na estrada de ferro ou
em trabalhos de estrada nesta Colônia.49
A partir do relatório do coronel Severiano de Almeida compreende-se que os
imigrantes teriam, desde logo, adaptando-se aos costumes da terra, inclusive adotaram o
hábito do chimarrão. Lê-se em um trecho do relatório:

46
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
47
A medição dos lotes foi procedida por diversas turmas a cargo do agrimensor Júlio Wermignhof e pelo
auxiliar Henrique von Schwerin e, também pelos agrimensores contratados Cândido Nei Passos Hyalma
Tufvesson e João Alberto Wittée-Neetzow. No ano de 1917 foram investidos os primeiros trabalhos de
escavação e remoção de terras nas avenidas José Bonifácio, hoje Maurício Cardoso, e praça Júlio de Castilhos.
48
Nos relatórios da Diretoria de Terras e Colonização consta que foi a partir do ano 1909 que foi escolhido o
local da sede, porém desde aquela época se tinha o entendimento de que a sede definitiva deveria ser no local da
atual cidade de Erechim, por ser o centro de todas as glebas a serem colonizadas, até o vale do Rio Uruguai, e o
ponto mais alto de toda a região. Entretanto, naquele momento seriam loteadas apenas as terras de Sertão até as
proximidades da atual cidade de Erechim, achou-se que o ponto melhor e mais central seria a atual Getúlio
Vargas, onde se iniciou a demarcação dos lotes urbanos, sendo que foi também este o local escolhido para ser a
sede provisória, com o nome de Erechim (DUCATTI NETO, 1981, p. 79).
49
A nacionalidade desses imigrantes era a seguinte: 83 alemães, 13 russos, 15 franceses e 3 portugueses, do sexo
masculino. As mulheres eram em menor número: 39 alemãs, 8 russas, 1 austríaca, 8 italianas, 10 francesas. Junto
com eles, estavam 53 crianças. Ver: A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial Cinquentenário, s/n, 1968.
37

Tenho também observado que os imigrantes recém chegados já fazem uso da herva-
mate [sic], cuidando com desvêlo não só as plantas que se encontram nos lotes que
lhes são destinados, como procurando fazer maior número de mudas possíveis de
aumentar o resultado que essa útil planta lhes trará cada ano em sua colheita,
fazendo assim, uma fonte especial e fácil de maior tornar os seus rendimentos.50

Em 20 de abril de 1916, por determinação da Diretoria de Terras, o escritório da


Comissão de Terras foi transferido da antiga sede Erechim para Paiol Grande. No ano
seguinte, existiam apenas 140 casas em Paiol Grande e o número de habitantes era de 872.51
O memorial que consta detalhadamente a procedência dessa população de Erechim foi
encaminhado pelo Governo do Estado ao Conselho Municipal de Passo Fundo em 5 de
dezembro de 1917. Na sessão de 11 de dezembro deste mesmo ano foi submetido a votação, a
qual foi a favor da emancipação.52 No Conselho Municipal de Passo Fundo, o Dr. Antônio
Augusto Borges de Medeiros, em 30 de abril de 1918, assinou o decreto nº 2.342, que elevava
a categoria de município o território do oitavo distrito de Passo Fundo, com o nome de
Erechim, e tendo por sede a localidade Paiol Grande.53
Em todos os aspectos da colonização de Erechim a atuação do Poder Público foi
determinante na sua formação e na sua sistematização. A nível mundial, o início do século
XX foi marcado pela crescente importância da ciência para a indústria e pela disputa de áreas
de influência e de mercados por parte dos países europeus, uma das causas da Primeira Guerra
Mundial.
No contexto nacional, com o fim do Segundo Reinado e com a Proclamação da
República, em 1889, os militares assumiram papel preponderante na vida política, com
influências ideológicas do positivismo comteano.54 Neste cenário, ocorria o crescimento e a
transformação das cidades brasileiras, com a introdução da energia elétrica, ampliação dos
meios de transporte, dos espaços de comércio, entre outros. Por outro lado, vê-se o
surgimento da periferia urbana e outros problemas sociais que um desenvolvimento repentino

50
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
51
Eram 21 casas comerciais, 4 hotéis, 1 funilaria, 2 ferrarias, 2 sapatarias, 2 padarias, 1 farmácia, 1 alfaiataria, 3
engenhos a vapor, 2 curtumes, 2 barbearias e 2 açougues (WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A
Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1).
52
Os conselheiros Dr. Nicolau de Araujo Vergueiro, Gabriel Bastos, Anibal da Silva Lemos e Ângelo Pretto
votaram pela emancipação, contra os votos dos conselheiros Eugênio de Primo e João Brandísio de Almeida, que
apoiavam o cel. Pedro Lopes de Oliveira, então intendente de Passo Fundo. Id.
53
O povo de Erechim (Getúlio Vargas) porém não estava satisfeito, pois esperava que a sede da nova comuna
fosse em sua vila e não em Paiol Grande. Em Paiol Grande, entretanto, o contentamento era geral. O primeiro
intendente de Erechim foi o Dr. Ayres Pires de Oliveira, nomeado em 29 de maio de 1918. Id.
54
A denominação Positivismo vem da obra de Augusto Comte (1798-1857), Filosofia Positivista (aquilo que
pode ser provado cientificamente), onde o autor faz uma análise sobre o desenvolvimento de seu país ao longo
do século, atribuindo à indústria e à elite industrial (grupo considerado esclarecido e capacitado) e
responsabilidade pelo progresso econômico. Para Comte, à elite cabia governar, enquanto ao povo caberia
trabalhar, pois só o trabalho e a ordem é que pode determinar o progresso.
38

traz consigo. Juntamente, as construções e as novas formas de socialização urbanas, tiveram


influência as representações culturais da Belle Époque (século XIX),55 com rejeição das elites
à cultura popular. Neste contexto ocorreu o crescimento da importância e participação dos
imigrantes no pequeno comércio, na indústria e na agricultura, assim como também deu-se
uma expansão da imprensa e das casas de teatro e cinema56 (DUCATTI NETO, 1981, p. 157).
O crescimento econômico da época gerou desenvolvimento arquitetônico e urbanístico
visível na qualidade das edificações e na sofisticação dos detalhes, advindos dos modelos
europeus do final do século anterior, por isso é considerado um movimento tardio da belle
époque. Mesmo assim, essas influências fizeram com que a cidade passasse a ser vista como
um lugar de modernidade e de progresso, identificada com o planejamento e com a
racionalidade, em oposição ao mundo rural, vinculado ao atraso (CHIAPARINI et al, 2012, p.
34). Em tom ufanista, as publicações realizadas em comemoração ao cinquentenário do
município, no A Voz da Serra expõe:

Nestes cinquenta anos de existência o município de Erechim transformou-se


rapidamente. O antigo Paiol Grande só existe na lembrança dos velhos pioneiros.
Aquele pequeno aglomerado de casas desapareceu para dar lugar a esta magnífica
cidade. Nossos antigos moradores recordam com saudades aqueles tempos. E aqui
fica o nosso agradecimento.57

No decorrer dos anos, começou a surgir um novo modelo econômico em nível


mundial, com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a economia passou a ser regida por
forças mais liberais e, reavaliado em alguns aspectos, o positivismo perdeu parte da
proeminência que possuía. Com o governo de Jucelino Kubitschek, a perspectiva econômica e
social do município comportou significativas mudanças, destacando-se pelo desenvolvimento
do comércio e da indústria.

55
A belle époque foi um movimento que perpassou o Realismo, o Impressionismo, o Simbolismo, o Pontilhismo
e a art nouveau. O movimento da belle époque foi iniciado na Europa (França) nos anos de 1880, século XIX,
tendo declínio em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial. Muitos estudiosos desse movimento
ressaltam a dificuldade de delimitá-lo temporalmente e espacialmente, sobretudo por suas influências em vários
países do mundo em que períodos que ultrapassaram a delimitação usual: 1914. No Brasil, a belle époque teve
seu auge entre os anos de 1889 a 1922, perdurando até 1925. A belle époque brasileira foi uma verdadeira
europeização dos hábitos e costumes de uma sociedade. Vale ressaltar que as maiores influências desse
movimento se deram em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Sobre o assunto, ver:
NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura no Rio de Janeiro na virada do século. Trad.:
Celso Nogueira. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
56
O primeiro cinema a funcionar em Boa Vista do Erechim foi o Cinema Central de propriedade da família
Kreische. O cinema era mudo, e havia sempre uma orquestra a tocar durante as apresentações. O segundo
cinema instalado foi o Avenida, de propriedade da família Noal que foi destruído por um incêndio, e o terceiro
era da propriedade de Triches e Cantergiani. Posteriormente surgiu o cinema Ideal (continuação do Apolo) e o
Cine Luz, que funcionou até os anos 1990. Ver: DUCATTI NETO, 1981.
57
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
39

O extrativismo da erva-mate foi a primeira atividade econômica de vulto do Alto


Uruguai, presente no início da colonização, seguida pelo pequeno comércio, ciclo da madeira
(exportação de madeira pelo rio Uruguai), frigoríficos (indústria de banha e carnes), modelos
cooperativistas, ciclo do milho, do trigo, do linho e da soja. Com essa nova fase sendo
vivenciada pelo país, e a nível mundial, incentivou-se a industrialização, com destaque para a
indústria metal-mecânica. De acordo com Chiaparini et al (2012, p. 162), “a partir de 1950,
incentivou-se a indústria, em detrimento do campo. Passou a haver uma urbanização nacional,
e Erechim não escapou desse efeito”.58

O novo perfil urbano do Município estabeleceu um novo rumo nas relações com o
Estado a partir do final de 1939. O divisor de águas na administração pública de
Erechim foi o Decreto Estadual nº 8.053, de 23 de dezembro de 1939. O Rio Grande
do Sul estava sob a intervenção do Coronel Cordeiro de Farias. Esse Decreto
transferiu ao município de José Bonifácio os lotes urbanos devolutos, reservados
para sede do Município. Transferiu também o serviço de urbanismo (CHIAPARINI
et al, 2012, p. 86).

As mudanças decorrentes do decreto alteraram o plano original da cidade e os lotes


maiores que davam aos imigrantes a possibilidade de subsistência através da agricultura e
agropecuária foram sendo substituídos por lotes menores, com características urbanas, se
afastando progressivamente do projeto inicial de colonização, até quando perdeu totalmente
sua caracterização, na década de 1950. Essas transformações caracterizam uma ação na
direção da urbanização e da modernização identificadas na trajetória de Erechim. Conforme o
autor supracitado,

As administrações municipais passaram a solicitar junto ao Governo, estadual e


federal, a infraestrutura necessária. A abertura de novas vias, a pavimentação das
estradas e áreas urbanas, a necessidade de energia elétrica, comunicação, postos de
saúde e segurança, acompanharam o desenvolvimento de Erechim e dos municípios
da Região (2012, p. 86).

Esse sistema foi o responsável pelas características econômicas existentes até hoje na
região, sendo essa a condição que impulsionou progressivamente a trajetória de
desenvolvimento de Erechim. Pode-se notar uma distinção no decorrer das décadas de 50, 60
e 70 do século XX na sua industrialização: até meados dos anos 60, de forma autônoma, os
grupos industriais tiveram um período de crescimento contínuo, marcado pelo
conservadorismo, baseado no crescimento da oferta, mão de obra em grande quantidade e a

58
O setor da indústria começou a despontar a partir da década de 50, as empresas Cercena e Moccelin, do bairro
Três vendas de Erechim, viram seu potencial demonstrado durante a primeira Frinape em 1966 (Feira Regional,
Industrial e Agropecuária de Erechim).
40

existência de matéria-prima, não considerando o avanço tecnológico. A partir dos anos 1960,
houve uma evolução tecnológica que transformou o enfoque empresarial, onde a
modernidade, a comunicação, os transportes e a tecnologia causaram rupturas em estruturas
regionais já consolidadas, que reagiram com lentidão ao processo de renovação (Cf.
CHIAPARINI et al, 2012, p. 162).
Ilustrativo desse processo foi a construção do Condomínio Erechim, um dos marcos da
modernização da cidade e que persiste até hoje, com 12 andares e 16 pisos de concreto
armado, construído em um terreno central da Avenida Maurício Cardoso, em meio à
incentivos, mas também contrariedades. A Voz da Serra, em 10 de janeiro de 1960, publicou a
reportagem intitulada “Ingentes sacrifícios fizeram uma vitória”, escrita por Ricieri Zanin,
onde lê-se:

No ano de 1952, tive o pensamento de executar nesta cidade um prédio de


apartamentos, considerando o crescimento da cidade, considerando a educação que
tive neste município, considerando que toda minha família, pelos meus irmãos e
irmãs e terminando em meus queridos progenitores tivemos aqui, um simbólico
berço que nos recebeu e acalentou com as maiores esperanças e vitórias. Justificava-
se plenamente o ideal que me invadira o espírito para levar a cabo o
empreendimento aludido.59

Na época em que surgiu o projeto do Condomínio Erechim, a Câmara Municipal e


seus respectivos vereadores estudaram o empreendimento e apresentaram um projeto de lei
que isentasse o edifício de impostos pelo prazo de 25 anos. O poder Executivo sancionou a
referida lei, proporcionando, desta maneira um incentivo as construções de alta envergadura
para um crescimento mais ágil do município.60 Outro feito, que veio um pouco mais tarde, em
1966, e que marcou esse processo de modernização foi a construção do viaduto no final da
avenida Maurício Cardoso, melhorando a circulação sobre os trilhos da Viação Férrea.

Melhoramento da máxima importância e há muito tempo reclamado pela cidade é a


construção de um viaduto na Avenida Maurício Cardoso, na movimentada passagem
dos trilhos da Viação Férrea. A administração municipal, encarando o problema com
objetividade, incluiu em seu plano de obras a construção da importante obra de arte.
Para tanto, o prefeito consignou no orçamento uma verba destinada ao início das
obras, da ordem de 20 milhões de cruzeiros.61

59
ZANIN, Ricieri. Ingentes sacrifícios fizeram uma vitória. A Voz da Serra, Erechim, 10 de janeiro de 1960, p.
1.
60
Idem.
61
CARRARO, Estevam. Em junho: início da construção do viaduto da Av. Maurício Cardoso. A Voz da Serra,
Erechim, 30 de abril de 1966, p. 1.
41

A década de 1970 iniciou de maneira discreta, mas foi uma linha divisória na história
de Erechim. Os acontecimentos mais relevantes foram a chegada do Centro de Ensino
Superior de Erechim, em 1969 (extensão de Passo Fundo), o processo de mecanização do
campo, que liberou um enorme contingente de mão de obra para o meio urbano, a chegada da
BR 153, que proporcionou o surgimento de estabelecimentos comerciais que trouxeram o
crédito facilitado, e a criação do Distrito Industrial, fatos que conjugados, implicaram uma
nova configuração urbana em Erechim (Cf. CHIAPARINI et al, 2012, p. 162).
Percebe-se a interlocução do modelo de colonização e planificação concebido com o
processo de urbanização proposto e executado, através da análise do traçado da cidade e das
imagens que retratam as praças, as avenidas centrais e as suas edificações. Refletindo-se,
então, acerca do conceito de poder simbólico e de representação, que está implícito na
intervenção do Estado, conjugada à influência dos primeiros ocupantes na construção do
espaço urbano (Ibid., p. 26).
Os períodos seguintes são marcados por uma espécie de “euforia da modernidade”, um
clima de inquietação e de ampliação das possibilidades de experiência e de eliminação de
barreiras, atmosfera que justifica a rapidez com a qual a cidade passou a absorver
peculiaridades e costumes na virada do século XX. Uma nova consciência industrial surgiu a
partir dos anos 1970, diversificada e moderna, atuando em vários segmentos e mercados. No
setor comercial e de prestação de serviços também se conferiu essa renovação 62 (Cf.
CHIAPARINI et al, 2012, p. 163).
Além do progresso econômico, seus moradores construíram centros culturais, escolas,
hotéis, cinemas, clubes, espaços esportivos63, orquestras, bandas marciais, conjuntos
acústicos, grupos de música tradicionalista, literatura, teatro e outras expressões artísticas,
uma universidade e centros de saúde. E, como a maioria das sociedades, que desde a
antiguidade64 tem parte de sua formação baseada nas crenças, a sociedade colonizadora de
Erechim não foi diferente. No livro de fotografias e narrativas que apresenta a história da

62
Impulsionados pelo Poder público municipal, no início da década de 80, industriais erechinenses aceitaram a
proposta de migrar para a área industrial criada pelo município. Atualmente Erechim possui uma indústria
diversificada que inclui alimentação, informática, metal-mecânica, eletroeletrônica, calçadista, confecções,
fundições, construção civil, madeireira, moveleira, equipamentos, rodoviários, entre outros (Cf. CHIAPARINI et
al, 2012, p. 230).
63
Um acontecimento marcante nesse momento de modernização de Erechim foi a inauguração do Estádio do
Clube Ipiranga, o Colosso da Lagoa, em 1970, que continua sendo até hoje o maior do interior do estado.
64
Desde as primeiras civilizações, quando surge a vida cívica, dando início às cidades e assim, os espaços
públicos, onde também é expressiva a presença de obras de acordo com o sistema de crenças da sociedade.
Deuses, demônios, heróis míticos, tiveram forte presença na cultura dessas civilizações, que consequentemente
exprimem nas suas obras esse poder, divino e sobrenatural. Exemplo disso são os templos, palácios, onde se dão
os rituais e práticas desses indivíduos. Muitos templo foram destinados a “morada” de divindades.
42

colonização no município e região, de 2012, Erechim Retratos do passado Memórias do


presente seus autores atribuem a característica do povo Erechinense, “trabalhador e forte na
fé” ao sucesso na colonização:

A religião foi o fator decisivo na luta do colonizador para enfrentar as múltiplas


dificuldades que se apresentavam diante da realidade desprovida de conforto
material e de recursos médicos. A alma do colonizador foi moldada pelo conforto
espiritual das mais diversas religiões, seja do Catolicismo, Protestantismo,
Judaísmo, Afro-brasileiras e outras. Com solidariedade, caridade paz e outras
virtudes humanas, o colonizador conseguiu transformar a selva em campos férteis e
as pequenas vilas em cidades (CHIAPARINI, 2012, p. 230).

A questão da religiosidade teve força entre as etnias que formaram a cidade de


Erechim, contribuindo para que em todas as localidades fossem construídas capelas e locais
de cultos e orações, que eram intensamente frequentadas pela população. Disputaram o
espaço físico e simbólico de âmbito religioso as igrejas correspondentes às religiões dos
imigrantes colonizadores, com predominância do catolicismo, seguido da igreja luterana,
plesbiteriana e protestante.65

1.2. O catolicismo em Erechim

De acordo com o padre Antônio Valentini Neto (2007, p. 29), uma das primeiras
providências dos colonizadores ao se estabelecerem na região, era definir um local de
encontro dominical para o terço, identificando-o, inicialmente, por uma cruz. Em seguida,
construíam um oratório (capitel). O livro produzido em comemoração ao cinquentenário de
Erechim66, reforça a teoria de que os colonizadores da cidade tinham uma base religiosa
católica significativa:

Povo por excelência religioso e cônscio de suas obrigações com o Supremo Criador
é o erexinense, cumpridor de suas tradições religiosas, sendo a mais difundida e
praticada a religião católica. Está a cidade distribuída em três Paróquias, possuindo
ainda dois Seminários, aonde são ministrados os ensinamentos a centenas de jovens
que se dedicam ao clericado (1968, p. 37).

65
A igreja católica teve seu estatuto jurídico reconhecido pelo governo federal em outubro de 2009, ainda que o
Brasil seja atualmente um estado oficialmente laico. Erechim, por sua vez, possui os mais diversos credos
protestantes ou reformados, como por exemplo a Assembleia de Deus. De acordo com dados do censo de 2000,
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população de Erechim é composta por: católicos
(85,76%), evangélicos (11,32%), pessoas sem religião (0,90%), espíritas (0,71%) e 1,31% estão divididas entre
outras religiões. Dados da Câmara Municipal de Erechim.
66
Essa obra trata-se de uma edição de comemoração ao cinquentenário de Erechim. Seu conteúdo transparece
discursos de incitação, estímulo, encorajamento e certo sentimento de orgulho da cidade que supostamente
prosperava.
43

Devemos considerar que o testemunho do padre não é neutro. O desafio de trabalhar


com estas fontes é considerar que o discurso é sempre produzido de um lugar, a partir da
posição do sujeito. A produção textual muitas vezes serviu para produção de sentidos. A obra
supracitada descreve uma possível religiosidade excessiva, muitas vezes identificada em
algumas matérias do jornal A Voz da Serra quando o assunto é a Igreja. Nota-se também que a
motivação católica traz por consequência uma sociabilização naquele espaço.

Aos domingos e feriados são muito frequentados [entende-se que a maioria da


população católica frequentava as missas todos os domingos e feriados,
identificando-se como uma prática], notando filas enormes de pessoas que ali vão
dar graças ao Criador por tudo quanto durante a semana lhes foi permitido realizar.
É a fé de um povo que crê no futuro e no trabalho como alicerce básico da grandeza
da sua família e da sua pátria (ibid., p. 37).

Transparece que a população católica era a mais expressiva no início da formação da


sociedade erechinense, devendo-se particularmente à presença da imigração na colonização de
Erechim, a qual deixou seu legado tanto na cultura quanto na paisagem urbana da cidade.
Existem registros fotográficos de outros antigos templos na região, muitos em madeira, e que
por isso desapareceram, como a Igreja Russa Ortodoxa de Barão de Cotegipe. Há registros
também da Sinagoga de Quatro Irmãos, do início da colonização, da Igreja Batista em Boa
Vista do Erechim, assim como a Igreja Evangélica Luterana, a Igreja Episcopal Anglicana
(localizada na Praça da Bandeira) e da Igreja Sinodal (CHIAPARINI et al, 2012, p. 232).
Atualmente ainda encontram-se na cidade e suas proximidades inúmeros templos religiosos, a
maioria em alvenaria.

Sempre houve em Erechim movimentos de espíritas que procuraram difundir os


ensinamentos religiosos de Alan Kardec. O Centro Espírita Caminho da Luz é o
mais antigo na cidade e um de seus maiores líderes foi José Maria de Amorim.
Semanalmente apresentava programas radiofônicos e fazia sua pregação nos sábados
à tarde. O Centro Espírita distribuía receituário de medicamentos homeopáticos
(ZAMBONATTO, 1977, p. 137).67

De acordo com a citação acima, o Espiritismo foi uma das religiões que demonstrou
estar presente desde as primeiras décadas de Erechim. Seguida pela maioria católica, estão as
religiões luterana, presbiteriana, e demais enquadradas como protestantes68. Erechim abrange

67
Não se tem registro em que ano ocorreram esses movimentos espíritas, porém o espiritismo esteve presente
desde as primeiras décadas da colonização.
68
O protestantismo caracteriza todas as Igrejas oriundas da reforma de Martin Luther (Lutero), ocorrida no
século XVI e outros reformadores que o sucederam. Em Erechim existem nove igrejas protestantes.
44

diversas religiões, das quais, a maioria esteve presente desde o início da sua colonização. São
elas: protestantismo, que incluía a Igreja Episcopal do Brasil, a Igreja Evangélica de Profissão
Luterana do Brasil, a Igreja Metodista, a Igreja Batista, a Igreja Adventista do Sétimo dia, a
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os Testemunhas de Jeová, a Igreja do
Evangelho Quadrangular e a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, assim como o
espiritismo, religiões afro-brasileiras, judaísmo e maçonaria.
A proeminência do catolicismo marcou o desenvolvimento da cidade. Até 1910, a
região pertencia a única diocese do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Em 26 de outubro de
1911, foi criado o Curato, considerada a primeira paróquia da região, com sede na atual
cidade de Getúlio Vargas. Foi desmembrado da paróquia de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida, de Passo Fundo.

Em 26.10.1912, o bispo diocesano de Santa Maria, a cuja jurisdição pertencia este


território, que abrangia desde a estação de Coxilha a Marcelino Ramos e de Nonoai
ao Rio Ligeiro, criava a paróquia de Erechim (Getúlio Vargas), na sede provisória da
colônia de mesmo nome. Seu primeiro vigário foi o Padre Alberto Scheuermann
(palotino). Também já existia na localidade uma igreja protestante, construída na
praça principal (DUCATTI NETO, 1981, p. 77).

Em 1915 foi criada a paróquia de Áurea e em 1919, as paróquias de Barro e Paiol


Grande (Cf. VALENTINI NETO, 2007, p. 29). Segundo Ducatti Neto, a primeira missa
celebrada no município foi em 1911, numa casa grande, próxima à Estação Férrea de
Erechim. A primeira capela católica da localidade foi inaugurada no dia 13 de junho de 1913,
construída por incentivo de Elisa Vacchi. Essa construção tinha 4m x 6m, estava localizada na
Rua Torres Gonçalves e o padroeiro era Santo Antônio.69

Foi D. Elisa quem levantou a primeira capelinha em Erechim. E em honra de Santo


Antônio de Pádua, junto à sua primeira moradia. Pouco depois, a capela foi
transferida para onde hoje está a casa Mattone. Aí foram rezadas as primeiras missas
pelos padres de Gaurama, tendo sido o Frei Justino Girardi o inaugurador. Erechim
nasceu sob a proteção de Santo Antônio. Se hoje é São José o patrono deve-se à
doação duma imagem de São José, a atual na Matriz, feita em promessa pela família
de Modesto Silva. Como era a mais bonita imagem e um pouco quem sabe, por
influência do nome do Sr. Modesto Silva que era comerciante forte, o fato é que na
constituição da paróquia ficamos sendo Paróquia São José.70

69
Nesse mesmo ano os católicos comemoraram a primeira visita do bispo Dom Miguel de Lima Valverde, da
Diocese de Santa Maria. Na época, o nome de Erechim era Paiol Grande, contava com 245 habitantes, e nem
todos eram católicos (DUCATTI NETO, 1981, p. 236).
70
TASSO, Chico. Meu Erechim Cinquentão, 1967. Crônica 14.
45

Na crônica de Chico Tasso71, fica evidente a participação de dona Elisa Vacchi na


construção do primeiro templo católico de Erechim. Ela era natural da Itália, de onde veio
com seu esposo Paulo Vacchi em 1912. De acordo com Chico Tasso, foi uma mulher forte
que trabalhou desde a colonização de Erechim: “As duas primeiras capelinhas foram fruto de
seu esforço. Nelas Elisa puxava o terço e dava os avisos. Mais tarde, envolveu-se com a
construção da matriz de madeira, obra de João Cervelin, e na atual igreja paroquial.”72
Em 1915 foi construída a segunda igreja de Erechim, coordenada por João Cervelin,
com 288 m², em madeira, no local onde hoje se encontra a casa paroquial da catedral São
José, em frente à Praça da Bandeira. O primeiro pároco da paróquia São José foi o religioso
Vicente Testani. De acordo com Chiaparini, “em 19 de agosto de 1919, o bispo de Santa
Maria, Dom Miguel de Lima Valverde, criou a paróquia de Erechim, dando-lhe São José
como padroeiro do município de Erechim” (2012, p. 234). Inicialmente, Erechim pertencia à
Diocese de Santa Maria, depois à Diocese de Passo Fundo73, que foi fundada em 10 de março
de 1951.74 A instalação da Diocese de Erechim ocorreu somente de 1º de agosto de 1971, com
a posse do bispo dom João Aloysio Hoffmann.75
Em 1927 a paróquia de Erechim obteve sua igreja matriz, idealizada principalmente
pelo padre Benjamin Busato,76 que além de atuar no campo religioso, participou intensamente

71
Chico Tasso foi o pseudônimo adotado pelo padre Benjamin Busato em suas crônicas publicadas no jornal A
Voz da Serra, na década de 1960. Tratam-se de crônicas polêmicas, que abordavam assuntos políticos, sociais e
muitas vezes contavam detalhes da história das primeiras décadas de Erechim, informações que foram buscadas
pelo próprio padre, que entrevistou pessoalmente diversos erechinenses e personagens da colonização de
Erechim. Também foram publicados no Correio Riograndense (na época, Staffetta), em uma coluna sobre
política e religião durante 2 ou 3 anos. Valia-se desse pseudônimo em suas crônicas, que o identificavam
sugestivamente como um articulista (Cf. VALENTINI NETO, 2007, p. 34).
72
Chico Tasso manifesta em sua crônica 14 o seu desgosto pela falta de reconhecimento a esta pioneira, que para
ele, mereceria uma rua em seu nome, assim como fizeram com outros homens pioneiros. Ela era doceira e
montou sua tenda no centro da quadra em frente à estação da Viação Férrea, onde residiu até passar a morar onde
hoje está a empresa Sponchiado. Vendia doces no balcão e aos passageiros da estação à chegada dos trens. D.
Elisa Vacchi foi a primeira e única parteira da terra por muito tempo. Prestativa em extremo, carinhosa, cuidava
de todos os doentes, ajudava em todas as obras, fosse igreja, hospital, ou outros, era sempre a primeira no
trabalho de juntar donativos, a organizar festas. Nas festas de construção do atual Hospital de Caridade D. Elisa
Vacchi se destacou com o apoio de D. Apolônia Chiesa e outras senhoras.
73
Dom Cláudio Colling, bispo da Diocese de Passo Fundo, tomou a iniciativa de construir o seminário para a
formação dos futuros padres, com sede em Tapera e outro em Erechim, que foi inaugurado em 3 de março de
1953.
74
Juntamente com todas as paróquias que compuseram mais tarde a Diocese de Erechim, em 1971.
75
A Diocese de Erechim foi criada por decreto de 2 de julho de 1967 e foi instalada em 1º de agosto de 1971,
tendo como seu primeiro bispo Dom João A. Hoffmann. O Seminário Diocesano entrou em funcionamento em
1973, com 78 seminaristas e seu número foi crescendo até o ano de 1976, quando recebeu 224 candidatos aos
sacerdócio. Até esse ano eram recebidos seminaristas das Dioceses de Passo Fundo e Frederico Westphalen. Em
1977, este número diminuiu para 126 e em 1978 ficou reduzido a 92 (Cf. DUCATTI NETO, 1981, p. 238).
76
O padre Benjamin foi o 4º vigário nomeado da paróquia de São José, dirigindo-a de janeiro de 1926 até junho
de 1950. Teve como sucessores o Cônego Gregorio Comassetto, de 1950 a 1959, Monsenhor Fioravante Magnin,
de 1959 à 11 de maio de 1962, o padre Tarcísio Utzig de 1962 à 1967, substituído pelo padre Atalibo Lise, que
foi o vigário nos anos em que a matriz foi demolida e em seguida se iniciou a construção da atual catedral.
46

no campo político e social de Erechim, operando também na criação do Hospital de Caridade


e de alguns sindicatos. Atestando a importância do religioso para a comunidade, foi outorgado
o título de Cidadão Erechinense a Benjamin Busato, “uma homenagem a quem tanto fez pelo
desenvolvimento desta comuna, nos tempos mais difíceis que atravessamos, o início da
colonização desta cidade”. Consta no periódico A Voz da Serra a publicação do
acontecimento junto as informações: “como Sacerdote, construiu a atual Igreja Matriz São
José cujo patrimônio histórico cede lugar agora à construção da Catedral de Erechim. Foram
tempos difíceis que atravessou o Revdo. Padre Benjamin Busato”.77

No período 1968/69 a igreja foi demolida, para desgosto e sob protesto de muitos
fiéis que não aprovavam a ideia, para poder ser construída a Catedral “São José”.
Existem muitas fotografias, tanto na Biblioteca Pública como na mão de
particulares, da Igreja Matriz “São José”, guardadas com carinho (ZAMBONATTO,
1977, p. 184).

O templo moderno que substituiu a igreja neobarroca foi construído entre 1969 e 1977.
De acordo com o mesmo autor, “seu interior revela uma beleza ímpar da obra realizada em
esgrafito afresco, pelo escultor polonês Arystarch Kaszkurewicz78, imigrado após a Segunda
Guerra Mundial. Seu discípulo, o artista plástico erechinense, Harrysson De Carli Testa,
herdou a técnica, tendo trabalhado com o autor no decorrer da execução.” Nos painéis laterais
do altar central estão retratados o Batismo e a Ressurreição de Cristo e, nos espaços entre os
vitrais laterais, a Via Sacra, arte considerada o destaque da catedral para os moradores.

77
CARRARO, Estevam. Sua vida foi inteiramente dedicada à Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 19 de maio de
1970, p. 1.
78
Arystarch Kaszkurewicz (1912-1989) nasceu na Polônia, era pós-graduado em Direito em Varsóvia e cursou
Belas Artes na Alemanha Fluente em 9 idiomas, veio para o Brasil fugindo da Segunda Guerra Mundial na
Europa, tendo perdido, durante a ocupação alemã, as duas mãos e o olho esquerdo. Morou no Brasil desde 1952,
acompanhado de sua esposa Ludmila e seu filho Eugenius. Realizou trabalhos em 28 cidades brasileiras em
completo anonimato (algumas delas foram: Americana, Jundiaí, Santo André, Itatiba, São Paulo, Itatiaia, Rio de
Janeiro, Cuiabá, Passo Fundo, Erechim, Fortaleza), até sua morte, em 1989 por ataque cardíaco. Por sua
deficiência, o artista chegou a ser chamado de “segundo Aleijadinho”. Na maior parte anônimo, o acervo de
Kaszkurevicz ainda está sendo mapeado. A surpreendente forma como usava os pulsos para fazer as obras de
arte acabaram por criar um estilo inconfundível, com a predominância de formas retas. Mais informações e
imagens estão no trabalho de Fabrício Vicroski, disponível no endereço eletrônico
http://www.academia.edu/3793465/O_Arquiteto_dos_Deuses.
47

Figura 3. Painel Santa Ceia do artista Arystarch, interior da catedral São José, 1976.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

A região de Erechim, inserida num contexto de construção de um campo social


atuante, tem uma expressiva influência da igreja no que tange a ações sociais tanto na
comunidade rural como urbana, estabelecendo lideranças que fundem o âmbito social,
religioso e político. De acordo com Sônia Mári Cima:

Durante o período que permaneceu como pároco da igreja São José, o padre Busato
organizou inúmeras comissões, como religioso e como cidadão, ou fez parte delas,
juntamente com representantes da sociedade, as quais visavam à formação de
importantes entidades que até hoje detêm grande representação social no município,
atuando num contexto histórico em que a todo momento disputavam espaços
políticos ou religiosos (2001, p. 28).

Nota-se que o padre Benjamin representava um papel de articulador social, coeso com
as necessidades que a cidade demandava em suas primeiras décadas de existência. Segundo
Cima, nos 24 anos que o religioso atuou na comunidade católica, influenciou as decisões
políticas da população e arredores, a exemplo disso, figurava como cabo eleitoral de prefeitos
e deputados, até assumir a função de vereador, em 1940, e presidente do Conselho
48

administrativo. Sua ação centralizadora refletiu-se na organização da sociedade local em meio


à disputa ente Estado e Igreja por espaço político.
Erechim possuía na época três paróquias: paróquia São José (desde 1919), paróquia
São Pedro (1958) e paróquia Nossa Senhora da Salete (1954), que atende principalmente ao
bairro Três Vendas, tendo sua nova sede inaugurada em 1971. A diocese é subdividida em
paróquias, cada uma dirigida e administrada por um pároco ou vigário, com os ajudantes, que
geralmente são membros da comunidade (Cf. CASSOL, 1979, p. 168).
A paróquia São Pedro, por sua vez, foi criada por decreto do bispo diocesano Cláudio
Colling, em 29 de Junho de 1958, sendo que a igreja matriz foi instalada provisoriamente num
barracão que servia de depósito de madeiras, a casa canônica foi instalada numa casa
residencial e o salão paroquial num casarão antigo, onde existia uma pensão. O periódico A
Voz da Serra, de 11 de junho de 1961, contém o registro da construção da nova sede da
paróquia São Pedro79:

O engenheiro Dr. José Mafessoni, numa colaboração da Prefeitura Municipal,


projetou uma obra de arte, que lembra de forma simples, os templos da antiguidade,
prevendo instalar na parte superior dessa obra, inicialmente a Igreja Matriz e
posteriormente, um amplo salão para conferências, reuniões sociais, apresentações
teatrais, cinema, etc, além de diversas salas para biblioteca, secretaria e outros fins.80

O Seminário Nossa Senhora de Fátima, que também compõe o cenário católico de


Erechim, foi fundado no ano de 1953, tendo como primeiro reitor Monsenhor Fioravante
Magrin. Anualmente, no 2º domingo de outubro, realiza-se a Romaria de Fátima81, com
presença de milhares de fiéis (ZAMBONATTO, 1977, p. 184).
Percebe-se que a religiosidade foi uma constante desde a colonização de Erechim, não
sendo unicamente católica - embora fosse o grupo mais expressivo desde o início -, devido
aos imigrantes que ocuparam o território representarem sua cultura e costumes na paisagem e
arquitetura da cidade. Entende-se que as noções que se acoplam mais à de “cultura” para
constituir o universo de circunscrição da História Cultural são, conforme José D‟Assunção
Barros (2005), as de “linguagem”, “representações”, e de “práticas”. Consideradas aqui nos
discursos que vinculam religiosidade, índole e progresso; nos modos de delimitação espacial

79
A paróquia São Pedro pertence hoje à Diocese de Erechim. Na época da criação da Diocese, o padre Adriano
Franzon atuava juntamente com os padres Augusto Menegat e Nicolau Martinowski.
80
CARRARO, Geder. Construção da paróquia São Pedro será igreja provisoriamente. A Voz da Serra, Erechim,
11 de junho de 1961, p. 1.
81
Monumento de Nossa Senhora de Fátima: No dia 13 de maio de 1952, ocorreu a primeira Romaria ao
Monumento de Nossa Senhora de Fátima, preparada pelo Cônego Dionísio Basso e o Cônego Gregório
Comasseto, vigário da paróquia. Desde então a Romaria de Fátima se realiza anualmente com a participação dos
devotos de Virgem Maria.
49

da religiosidade e abrangência simbólica de suas influências e, ainda, na incorporação dessas


diretrizes no cotidiano erechinense.
São vários os templos católicos e de outras religiões, estabelecidos em Erechim, o que
manifesta a importância da religião para esses indivíduos. Evidenciando uma disputa do
espaço religioso, a igreja católica buscou firmar-se difundindo-se em paróquias e fortalecendo
suas práticas, como veremos mais adiante, idealizando a sua própria diocese, a fim de ser o
centro religioso da região. Outro fator que contribuiu para isso foi a construção do seminário e
as romarias de Fátima. Além disso, fica subentendido que o discurso carregava uma estética
representativa, em que se procurou garantir que essas paróquias fossem de uma arquitetura
“bonita e moderna”, a exemplo da igreja São Pedro e a catedral, buscando notoriedade e
espaço social.

1.3. A igreja matriz

Conforme dados do livro Meu Erechim Cinquentão de Chico Tasso, que reúne suas
principais crônicas, a paróquia São José funcionava em um prédio de madeira desde 1915,
obra de João Cervelin, até 1927, quando então formou-se uma comissão liderada pelo padre
Benjamin Busato, dando início à construção em alvenaria, composta por Giocondo
Pagnoncelli, João Massignan, Carlos Mantovani, Bortolo Balvedi, Eugênio Isoton e Luiz
Longo. Os alicerces foram iniciados em outubro do mesmo ano e, em março de 1928, o bispo
de Santa Maria, Dom Áttico Eusébio da Rocha abençoou a pedra angular do prédio localizado
na Avenida Maurício Cardoso, em frente à praça da Bandeira.
Concluída apenas em 1935, a matriz possuía duas torres, correspondente ao estilo
arquitetônico neobarroco, dispondo de 45 metros de comprimento e 21 metros de largura,
totalizando 945 m². O projeto da igreja foi elaborado pelo arquiteto de Porto Alegre, Vitorino
Zani, enquanto a estrutura ficou a cargo do construtor Carlos Fermento, também de Porto
Alegre.
50

Figura 4. Igreja matriz São José, década de 1940.

Fonte: Arquivo Histórico de Erechim.

Na crônica 49 de Chico Tasso, intitulada “Como e quem fez a igreja São José”, lê-se
sobre a construção da matriz:

Na escavação dos alicerces não se encontrou nem um metro de tabatinga. Acabava a


terra vermelha vindo a rocha. A rocha se inclinava da Avenida para os fundos. Há
mais de 900 metros cúbicos de alicerces. Dada a profundidade se fez tudo com
argamassa de cimento. 10.000 quilos de cimento alemão e barricas de 100 quilos
marca GATO. A base da torreão lado da Rádio Difusão teve que ser de concretação
especial com trilhos e ferro porque a rocha caia em desnível acentuado para a
Rádio.82

Como busca descrever Chico Tasso, as bases da matriz eram sólidas e bem
executadas, informação que levanta a possibilidade de haver equívocos ao se afirmar que a
matriz estaria condenada, como veremos mais adiante, no segundo capítulo. Quanto ao estilo
arquitetônico da matriz, houveram dificuldades quanto à sua definição: durante o processo, foi

82
TASSO, Chico. Meu Erechim Cinquentão, Crônica 49, Erechim, 1967.
51

consultada a Secretaria das Obras Públicas de Porto Alegre, que desaconselhou o estilo
gótico, devido ao fato da região estar sujeita à furacões, recaindo sobre a escolha o estilo
românico.83 Como supracitado, o projeto da igreja ficou a cargo do “arquiteto desenhista”
Vitorino Zani de Porto Alegre e também estudado posteriormente pelos engenheiros da
Comissão de Terras. Parte dos alicerces entregues foram do construtor Carlos Fermento,
também da capital. As pedras utilizadas foram trazidas de Dourado, localidade há 4 km do
centro de Erechim, cujo material apresentava “melhor consistência”.84

Obras de arte tais como colunas, florões, capitéis vinham de P. Alegre. A areia veio
toda de M. Ramos, do Uruguai pelos trens. O cal, de Caçapava, parte também de
Curitiba. Quanto aos tijolos houve também dificuldades. Em Erechim ainda não se
fazia. Comprou-se do Zortea lá de Capinzal. Mais tarde Casemiro Lazzari pôs
fábrica aí onde era a Usina. No fim havia diversas olarias. O custo total da obra
andou em 690 contos.85

Todas estas informações – tipologia dos materiais, dados estruturais, escolha da


matéria-prima, encomendas especiais etc. -, indicam o apuro com o qual construiu-se o
edifício. Ainda segundo o autor, as paredes só foram concluídas em 1929, devido à
dificuldade em se obter o material, especificamente o cimento, em torno de 10 toneladas que
foram importadas da Alemanha. As madeiras foram todas doadas pela família de Mariga, da
localidade Gramado, tiradas de seus engenhos, e as portas foram doação da família Meneghel.
Tais menções demonstram o quanto as famílias colonizadoras empenharam-se para ver
construída a matriz.86

Quanto aos grandes e beneméritos impulsionadores da obra cabe mencionar em


primeiro lugar o sr. Giocondo Pagnoncelli. A parte comercial foi dedicadamente
resolvida toda por êle e sua família. Contratos, pesquisas de preços tudo era dêle. E
para terminar ainda emprestou perto de 100 contos praticamente sem juros. Nas
festas era sempre o primeiro a ajudar passando as vezes bons serões com Jardino,
Hermes, O. Berto e outros na composição dos festejos.87

Foram organizadas festas para arrecadações de recursos financeiros para a construção


da igreja, com a ajuda da comunidade e alguns membros: Giocondo Pagnoncelli, João

83
Embora não haja registros de furacões em Erechim, os desastres naturais mais comuns na região são granizo,
estiagem, enxurradas, enchentes, deslizamentos e vendavais, porém são casos isolados e sem regularidade.
84
Idem.
85
Idem.
86
Na base da parte onde se colocava o coro da igreja São José guardava-se uma caixa de ferro contendo um
álbum de fotos da edificação e os nomes dos colaboradores na obra da igreja Matriz, entre os quais estavam:
Tosetto, de Grandi, Marcelino Ramos, que foram os responsáveis pelos alicerces, Busnello, que foi o amassador,
Tomaso Fávero e João Paloschi, que levantaram as paredes, reboco, os estuques do forro, a cumeeira da igreja,
entre outros (Idem).
87
Idem.
52

Massignan, Luiz Longo, Bortolo Balvedi, Eugênio Isoton, Amália Isoton, Olinto Zambonatto,
Adélia Zambonatto, Cesarim Galli, Itália Galli, Elisa Vacchi, Julia Argenta, Catina Basso,
Noemia Berto, Bella Dal Bianco, Gelsomina Carraro, Apolônia Chiesa, Maria Biollo, Judith
Pagliosa, Jardino, Hermes e Berto, os quais não foram localizados os nomes completos.
Muitas foram as promoções realizadas pela população para ajudar na construção da igreja
matriz, como almoços, rifas e outros, porém alguns desses eventos causaram confusões e até
morte (Idem).
No Livro Tombo da paróquia São José, mais precisamente no termo de “Visita
Pastoral” do dia 3 de março de 1929, feito por Dom Áttico Eusébio da Rocha, de Santa Maria,
encontra-se:

O Revmo. Pe. Vigário e seu dedicado coadjutor trabalham activamente no


levantamento da nova Matriz, cuja falta prejudica de alguma forma, a vida religiosa
[...] É de justiça que deixamos registradas aqui os nossos louvores ao Revmo. Padre
Vigário e Coadjutor, pela dedicação, zelo e critério que revelam na administração
parochial.88

De acordo com o registro, o bispo de Santa Maria apoiava a construção da igreja


matriz, referindo-se ao padre Benjamin Busato, na época vigário da igreja, como dedicado e
zeloso na obra paroquial. No ano de 1933, inacabada, ainda com piso de terra batida e sem
acentos, a igreja foi aberta para atividades religiosas. Neste ano, chegaram também da
Alemanha os três sinos fundidos em aço, que receberam os nomes de “Jesus”, “Maria” e
“José”. Em 1934, a igreja foi contemplada com um altar em bronze e mármore. Conforme a
descrição, suas paredes eram brancas, suas colunas, verdes, os florões rosa-claros, os capitéis
verde-escuros e a abóbada azul-clara.

88
LIVRO TOMBO Nº1, Paróquia São José, Erechim, ano 1929, p. 27.
53

Figura 5. Interior da igreja matriz São José.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

De acordo com Carlos Francisco Berto89, “a igreja era muito bonita”. Segundo ele, o
padre Benjamin Busato foi o idealizador da matriz, sendo quem “se dedicou à construção da
igreja sob todos os recursos.” Ele ainda acrescenta, em sua declaração: “Por que a igreja foi
demolida? Até hoje não se sabe, todos condenavam a demolição”.90 Mais adiante, no segundo
e terceiro capítulos, aprofundaremos a questão da comunidade perante a essas divergências.
Em maio de 1969, deu-se início à demolição da antiga igreja matriz São José, tendo
como motivo anunciado, o fato de a igreja estar em precárias condições de uso. Porém essa
justificativa é contestada, pois sabia-se que sua construção era estável e a igreja tinha em
torno de 34 anos de uso. Há relatos que descrevem interesses econômicos por parte de
empresários locais, do ramo da construção civil, e também há referências de que ocorreu um
plebiscito na cidade, tendo os moradores optado pela demolição (CHIAPARINI et al, 2012, p.
242). Entretanto, não existe comprovação dessas versões. A estrutura da igreja demandou que
suas bases fossem implodidas com dinamite, o que fortalece argumentos como os de
Chiaparini e Berto. Ema Maria Sgarabotto Massignan, neta de um imigrante da Itália que se

89
Cidadão erechinense, fotógrafo, vivenciou a época em que a Matriz existiu, tendo-a fotografado diversas
vezes.
90
BERTO, Carlos Francisco Berto. Entrevistado por Sônia Mári Cima em 26 de maio de 2001. (Anexo 7). Ver:
CIMA, 2001, p. 143.
54

instalou em Erechim por volta de 1918, também afirma em seu depoimento de 5 de dezembro
de 1985, que encontra-se no Arquivo Histórico Municipal:

A Igreja Matriz São José não deveria ter sido demolida; todos nós sentimos bastante;
deveriam ter construído a Catedral noutro lugar e restaurado aquela Igreja. Eu acho
que os prédios históricos antigos não deveriam ser demolidos, mas sim tombados
como Patrimônio Histórico, conservar como por ex. o prédio da Comissão de
Terras.91

No próximo capítulo aprofundaremos esse assunto simultaneamente à explanação da


história da demolição da igreja matriz. Outro ponto importante a ser mencionado, é que no
momento em que se construía a nova catedral, estava sendo criada a nova Diocese de
Erechim, precisamente no ano de 1971, o que indica uma relação entre os fatos. Atualmente a
Diocese de Erechim é formada por 27 paróquias, abrangendo 30 municípios da Região do
Alto Uruguai, em um contingente de 210 mil habitantes, a qual é predominantemente
católica.92

1.4. A igreja e seu contexto urbano

Figura 6. Praça da Bandeira, década de 1960.

Fonte: Arquivo Histórico de Erechim.

91
Entrevista Oral Ema Maria Sgabarotto Massignan. Museu do Som, Depoimento 32, Arquivo Histórico
Municipal.
92
Fonte: http://www.catedralsaojose.org.br.
55

A igreja matriz São José e posteriormente a catedral, se inserem em um local bastante


relevante: a Praça da Bandeira. Uma das principais da cidade, onde também está o primeiro
prédio público do município, o Castelinho, e a prefeitura municipal. Erechim possui um
traçado urbano que tornou-se parte da identidade da cidade, planejado pelo engenheiro Carlos
Torres Gonçalves, aos moldes de Washington, Paris e Buenos Aires, inspirado no desenho da
cidade brasileira de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Essa característica diferencia Erechim
da maioria das cidades do interior do Rio Grande do Sul, por suas largas avenidas e forte
hierarquização. A partir de diretrizes básicas, estabelecidas pelo decreto nº 247 de 19 de
agosto de 1899, assinado por Borges de Medeiros, o engenheiro Carlos Torres Gonçalves
projetou a sede da colônia Erechim, seguindo os ideais positivistas93 vigentes na época, e
visivelmente influenciado pelos conceitos de racionalidade e ordem, adotados a partir do
urbanismo barroco, a exemplo da reforma urbana, efetuada por Haussamann em Paris e do
plano de Aarão Reis, para a cidade de Belo Horizonte (FÜNFGELT, 2012, p. 18).

Figura 7. Malha urbana de Erechim.

Fonte: http://www.pmerechim.rs.gov.br

93
Mais uma vez se denota essa influência na formação de Erechim. O traçado urbano, assim como os estilos
arquitetônicos já mencionados anteriormente, também experienciaram o conceito de Augusto Comte.
56

O terreno de Erechim não era plano, o que necessitou adequações ao longo do tempo.
Foi nivelada a desconformidade existente na avenida Maurício Cardoso, canalizadas as sangas
existentes nas primeiras quadras das ruas Itália e Nelson Ehlers, e muitos outros buracos
foram nivelados com madeira e terra, na medida do possível.94 Foram diversas as
administrações municipais que tentaram em vão nivelar a cidade, até ser criado o Plano
Diretor, na década de 1930, que dispunha sobre a construção urbana. A partir disso,
concedeu-se o nivelamento de muitas construções antes de fazer o nivelamento das ruas, que
também foram atenuadas, melhorando as íngremes subidas.

Figura 8. Praça da Bandeira, 1966.

Fonte: Arquivo Histórico de Erechim.

A Praça da Bandeira é o ponto central da cidade de Erechim e marca a confluência de


dez avenidas assim situadas: ao norte a Av. Maurício Cardoso; ao nordeste a Av. Tiradentes; a
leste a Av. Amintas Maciel e Av. Comandante Kramer; a sudeste a Av. 15 de Novembro; ao
sul a Av. Sete de Setembro; A sudoeste a Av. Pedro Pinto de Souza e ao oeste as Avenidas
Salgado Filho e Uruguai. A malha xadrez é planejada a partir da avenida central, no sentido
norte-sul, projetada com uma largura de quarenta metros, de onde partem as ruas

94
O último trabalho executado pela antiga Comissão de Terras foi um levantamento que durou muitos meses,
capitaneado por Diumer Schneider, os Irmão Malinowski, os Irmãos Losina, Antônio Bergmann e Henrique
Schwerin, que fizeram um levantamento topográfico de dois em dois metros quadrados, tal a situação. Antes
mesmo do término desse serviço, um prefeito da época mandou o agrimensor da Prefeitura nivelar o calçamento
e foram estendidos os cordões, com todos os defeitos da superfície (FÜNFGELT, 2012, p. 22).
57

perpendiculares e paralelas de menor dimensão. As avenidas diagonais são sobrepostas à


malha na porção superior da planta, irradiando a partir da praça da Bandeira.

Figura 9. Avenidas do centro de Erechim.

Fonte: Mapa dos bairros, http://www.pmerechim.rs.gov.br

[...] A praça Cristóvão Colombo, hoje praça da Bandeira, com dimensões maiores,
de onde irradiam avenidas diagonais, foi destinada a se tornar um centro político,
administrativo e religioso, com a previsão de uma de suas faces, da instalação do
edifício da “Comissão de Terras”, hoje chamado carinhosamente de “Castelinho”,
prédio em madeira, tombado pelo Município e Instituto de Patrimônio Histórico e
Arquitetônico do Estado. Nas décadas seguintes, foram instaladas no entorno da
praça, a Prefeitura, a Catedral e o Fórum, ratificando a sua função de centro político,
administrativo e religioso (CHIAPARINI et al, 2012, p. 245).

Como o engenheiro Torres Gonçalves previu, a Praça da Bandeira se tornou um


espaço de sociabilização importante, um núcleo de convergência política, administrativa e
religiosa, que inclui a Prefeitura Municipal, o Castelinho, hoje referência histórico-cultural da
cidade, a catedral São José, a Câmara Municipal, o antigo Fórum e também a igreja
Episcopal.95

95
Teve início em Erechim em 2 de dezembro do 1916, um ramo da Igreja Anglicana, fundada por Henrique III,
rei da Inglaterra, em 1534, pois nesta data chegava a então vila de Boa Vista do Erechim o Sr. Múcio Mendes de
Castro, cirurgião dentista e funcionário da Comissão de Terras, o primeiro cidadão episcopaliano a residir em
Erechim.
58

Figura 10. Praça da Bandeira atualmente.

Fonte: http://www.pmerechim.rs.gov.br

No centro da Praça da Bandeira, o destaque é o chafariz que foi construído,


simultaneamente, com o referido logradouro público. Seu projeto foi trazido da Itália pelo
professor Pedro Paulo Mandelli, irmão do Prefeito de Erechim, José Mandelli Filho. Em 1952
o projeto foi apresentado e aprovado pela prefeitura que o executou. Na “Revista de
Erechim”, do mês de julho de 1953, na página 11 lê-se: “Situado na Praça da Bandeira, o
majestoso chafariz foi construído de tal forma que, automaticamente, troca de cores,
mantendo mais de uma dezena de posições diferentes, conforme os jactos d´água. À noite,
com a sua enorme profusão de cores, constitui um encanto aos olhos do expectador.”

Figura 11. Chafariz da Praça da Bandeira, década de 1960.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


59

Além disso, o Marco Zero de Erechim está localizado no segundo degrau da catedral
São José, há mais de 60 anos. Ou seja, o centro de controle geodésico nacional oficializou o
Marco Zero ainda quando a igreja matriz estava ali. Muitas vezes este é confundido com a
Placa de Altitude que fica na Estação Férrea de Erechim. No aeroporto está localizado o
Marco das Coordenadas Aéreas e no Parque Longines Malinowski está localizado o Obelisco
da Colonização.96

Figura 12. Marco Zero de Erechim, segundo degrau da catedral São José.

Fonte: Fotografia do autor, janeiro de 2016.

A arquitetura de Erechim é caracterizada por variados tipos de edificações, resultado


de uma cultura diversificada proveniente dos diferentes grupos étnicos que colonizaram a
região. Dentre os principais estilos encontrados na composição urbana da cidade, estão as
construções do início do século XX, em madeira, bastante rústicas, construídas pelos
primeiros colonizadores e construções em alvenaria no estilo art déco, expressivo na principal
avenida de Erechim, Maurício Cardoso. Além do estilo colonial e art déco, o estilo
neobarroco e o clássico também se encontram representados na arquitetura mais remota de
Erechim, complementada pela arquitetura modernista e eclética e recentemente,
contemporânea.

96
Informações sobre o marco zero estão no endereço eletrônico:
http://erechim.rs.leg.br/institucional/historia/historia-da-cidade e no site da Câmara Municipal de Erechim.
60

Os comerciantes destinavam o primeiro pavimento de suas casas à função comercial


e o segundo pavimento para a residência de suas famílias. Em algumas edificações
havia também os porões, que, devido aos problemas de topografia, encontrados no
local após a abertura das ruas, eram feitos de pedras e ficavam abaixo do nível da
rua, na parte frontal da casa, fazendo com que a parte térrea, a qual servia para a
atividade comercial, ficasse na altura da via (CHIAPARINI et al, 2012, p. 201).

Nas primeiras décadas da existência de Erechim, ocorreram incêndios que acabaram


atingindo a maioria das casas em madeira construídas pelos imigrantes colonizadores. Há
registros de ocorrência de três incêndios, que destruíram grande parte do acervo edificado em
madeira na área central da cidade, causando grandes mudanças nas décadas de 30 e 40 do
século XX. Esse acontecimento e suas consequências, influenciaram na imagem da cidade,
que passou a carregar essas mudanças importantes da arquitetura e da forma urbana.

Figura 13. Avenida Maurício Cardoso, década de 1930.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

De acordo com Skowronski (2008), que realizou um levantamento sobre a formação e


o desenvolvimento urbano da cidade de Erechim até os anos 1940, e posteriormente analisou
os períodos que antecederam e que sucederam os incêndios, assim como a maneira que a
cidade foi reconstruída, a fim de compreender a dimensão desse fato na sua evolução urbana,
- esses incêndios caracterizam uma ruptura na linha histórica da cidade e sua influência na
transformação urbana de Erechim foi determinante. A forma urbana revela as ações globais e
61

locais sobre ela, o que possibilita entender as continuidades e descontinuidades na história da


cidade. Em seu trabalho, as recordações dos moradores mais antigos da cidade completam a
análise e contribuem para a formação da imagem da cidade antes e depois do ocorrido. Nesse
aspecto, o fato é semelhante ao que acontece com a matriz, que é lembrada de forma emotiva
pelos erechinenses.
Diversos edifícios históricos da cidade foram demolidos, por proposital ou
involuntária substituição, como no caso dos incêndios acidentais, uma memória que se
manifesta exclusivamente na história e no imaginário, demarcando uma brusca mudança no
curso do desenvolvimento de produção da sociedade. Praticadas pela ação humana ou agentes
naturais, com o passar dos anos, a cidade apresentou transformações que podem ser
percebidas na paisagem expressa na área central, espaço condensador da memória e que
acumula em seu âmbito fragmentos de diferentes períodos. “Sempre que a sociedade (a
totalidade social) sofre uma mudança, as formas ou objetos geográficos (tanto os novos como
os velhos) assumem novas funções; a totalidade da mutação cria uma nova organização
espacial” (SANTOS, 1997, p. 49).
Nesse sentido, o espaço pode ser definido como um produto social em constante
transformação, e afim de compreendê-lo, torna-se necessário um entendimento de sua relação
com a sociedade (Idem).

1.5. A criação da Diocese de Erechim

Segundo consta no Livro Tombo, em 20 de julho de 1967, o padre Atalibo Lise,


pároco da igreja matriz São José, viajou a Garibaldi/RS, onde acontecia um encontro de freis
capuchinhos, a fim de conversar também sobre as medidas a serem tomadas para a criação da
diocese. Nesse encontro, Dom Aloísio Lorscheider orientou que tudo fosse tratado com o
bispo diocesano Dom Cláudio Colling. No ano seguinte, houve uma reunião, em 12 de
outubro, entre o padre Atalibo, a diretoria da paróquia São José e Dom Cláudio Colling para
tratar sobre o processo de criação da futura diocese. Contudo, foi somente em 16 de maio de
1969 que Colling deu posse à comissão pró diocese, um comitê que se configurou para
viabilizar as possibilidades de elevação da paróquia São José a Diocese de Erechim, ano que
coincidiu com o início do processo de demolição da igreja matriz.
A idealização de Erechim tornar-se diocese teve grande impulso com a renovação
conciliar, no entanto foi ainda em 1944 que as primeiras especulações sobre a cidade ter a
possibilidade de ser a sede de um novo bispado iniciaram:
62

Pelo que nos foi informado, realmente esteve por estes poucos dias na cidade,
Monsenhor Clemente Muller, tratando das possibilidades da diocese a ser
creada,[sic] nada transpirando contudo sobre a escolha desta ou daquela cidade para
sede do novo bispado.97

De acordo com a mesma matéria, entende-se que Passo Fundo, naquele momento
também se movimentava para o caminho do bispado, “justificando o movimento e os esforços
já dispensados na construção da catedral.” Passo Fundo realmente seguiu nessa linha e
conquistou seu bispado em 1951, como já foi informado neste capítulo.
Pouco antes de se iniciarem movimentos de organização a favor da diocese, um
acontecimento inesperado teve destaque no periódico A Voz da Serra: a transferência do
vigário responsável pela paróquia São José, Tarcísio Utzig. No jornal do dia 31 de dezembro
de 1966, se noticiou: “A população desta cidade foi surpreendida com a notícia da repentina
transferência do vigário da paróquia São José, padre Tarcísio Utzig, para a cidade de
Carazinho.” De acordo com a matéria, uma comissão viajou a Passo Fundo para solicitar ao
bispo Cláudio Colling que reconsiderasse a sua transferência, logo agora que o vigário levaria
adiante o projeto de construção da nova igreja matriz98. Porém, Cláudio Colling respondeu
que o ato de transferência era irreversível, e em face da recusa do bispo, a população de
Erechim iniciou um movimento com grande apoio ao padre, visando sua permanência na
comunidade. Foram colhidas mais de 20 mil assinaturas em um abaixo assinado, e também foi
enviada uma carta de apelo ao bispo Dom Sebastião Baggio, no Rio de Janeiro, para tentar
reverter a transferência do religioso, porém, nenhuma dessas medidas foi suficiente para
evitar sua transferência.99
No jornal do dia 19 de fevereiro do ano seguinte, noticiou-se que o padre Tarcísio
Utzig, que esteve por quatro anos e meio como pároco da paróquia São José, receberia o título
de cidadão erexinense, caso fosse realmente transferido de paróquia, de acordo com
pronunciamento feito na Câmara Municipal do vereador Antonio Burin.100
Confirmando as notícias anteriores, no dia 8 de março de 1967, na primeira página, A
Voz da Serra informa a despedida do padre Tarcísio Utzig, e anuncia a chegada do novo
vigário à paróquia São José:

97
CARRARO, Estevam. Será José Bonifácio a sede de um novo bispado. A Voz da Serra, Erechim, 13 de março
de 1944, p. 1.
98
No Jornal A Voz da Serra analisado desde os anos 1944, foi a primeira situação onde o periódico mencionou a
intenção da Igreja Católica de Erechim de construir uma nova Matriz.
99
CARRARO, Estevam. Tranferência de Vigário provoca movimento da população. A Voz da Serra, Erechim,
31 de dezembro de 1966, p. 1.
100
CARRARO, Estevam. Título de cidadão erechinense. A Voz da Serra, Erechim, 19 de fevereiro de 1967, p. 1.
63

Assumiu na semana finda a Paroquia São José de nossa cidade, o Revdo. Padre
Atalibo Lise, em substituição ao Revdo. Padre Tarcísio Utzig que vem de ser
transferido. O revdo. Padre Atalibo Lise por muitos anos exerceu sacerdócio nesta
Região, conquistando a simpatia e admiração da população católica, motivo porque
sua indicação para a Paróquia São José foi muito bem recebida.101

Figura 14. Foto do padre Tarcísio Utzig publicada no jornal.

Fonte: A Voz da Serra de 8 de março de 1967.

De acordo com Estevam Carraro102, do corpo redatorial do periódico, o padre Tarcísio,


transferido da paróquia São José, fato que segundo ele “chocou” a população erechinense,
esteve na redação e deixou por escrito em seu órgão de imprensa uma carta dirigida ao
próprio Estevam Carraro:

Erechim, 3 de março de 1967. Ilmo Sr. Estevam Carraro


DD. Diretor de A VOZ DA SERRA
Nesta
Impossibilitado de dirigir quando de minha saída de Erechim, dadas as
circunstâncias anormais que cercaram minha transferência, aproveito o ensejo que se

101
CARRARO, Estevam. Despedida do padre Tarcísio. A Voz da Serra, Erechim, 8 de março de 1967, p. 1.
102
Estevam Carraro foi o primeiro agente do Correio de Erechim. Teve atuação de destaque na política e na
sociedade erechinense. Em 1929 instalou uma tipografia, sendo o fundador do jornal O Boavistense, que depois
passou a se chamar A Voz da Serra e atualmente é a Voz (Cf. DUCATTI NETO, p. 281). No segundo capítulo
iremos aprofundar as informações sobre Carraro e o jornal A Voz da Serra.
64

me oferece nesta oportunidade para externar a V. S. bem como a toda equipe que
diuturnamente se empenha para dotar essa comunidade de um jornal cada vez mais
eficiente e sempre mais condizente com os anseios de desenvolvimento, os meus
sinceros agradecimentos pela colaboração que sempre recebi todos nos quatro anos
de minha permanência nesta cidade.103

Dessa forma o padre Utzig se despede do jornal e da população, não poupando elogios
ao redator Estevam Carraro, ficando evidente o complacente relacionamento entre o
responsável pela paróquia São José e a imprensa, especificamente o jornal A Voz da Serra. A
partir dessa data, assume a paróquia São José, o padre Atalibo Lise.

Figura 15. Padre Atalibo Lise.

Fonte: Arquivos da catedral São José.

Dando sequência, no dia 18 de maio de 1969, o periódico A Voz da Serra publica


dados sobre uma “importante reunião” que ocorreria na Câmara Municipal. Na oportunidade,
seria empossada a comissão pró diocese de Erechim. De acordo com a matéria, “na reunião
que contará com a presença de autoridades, estará presente S. Exa. Dom Claudio Colling

103
CARRARO, Estevam. Despedida do padre Tarcísio. A Voz da Serra, Erechim, 8 de março de 1967, p. 1.
65

Bispo Diocesano.” A comissão pró diocese era uma das exigências da Santa Sé104, com a
finalidade de providenciar o que fosse necessário para a instalação do bispado.
Na crônica 28 do livro Meu Erechim Cinquentão, de Chico Tasso, publicada em A Voz
da Serra no dia 28 de setembro de 1967, com o título de “Bispado em Erechim”, o autor
descreve sobre seu conhecimento sobre o processo que Erechim vinha considerando: “Peça
Fundamental do Concílio Vaticano II, no entender dos peritos é a Constituição dogmática
sôbre a Igreja, denominada Lumen Gentium” (TASSO, 1967).105
Em 1º de outubro de 1967, o periódico traz a notícia: “Catedral deverá ser construída”,
onde intenta obter o apoio dos leitores paroquianos através de uma carta escrita pelo padre
Atalibo Lise, vigário da paróquia São José:

Prezado paroquiano: Na impossibilidade de um contato direto com cada família de


nossa comunidade paroquial, é nosso desejo fazê-lo através desta carta, para colocar
todos à par dos desejos e planos nossos, que são os desejos e planos da diretoria da
paróquia. Ao lado do empenho incessante de transformar a nossa paróquia numa
comunidade de viva fé culto e caridade, temos pela frente a grande preocupação da
construção da Matriz.106

Na carta, o pároco enfatiza que a atual igreja matriz já não comporta o número de fiéis
correspondentes à paróquia e segue explicando que “após longos estudos realizados por
peritos”, chegaram à conclusão de que a melhor das reformas, além de custar muito, jamais
deixaria o templo da forma que a cidade de Erechim, ou melhor, a população de Erechim
exige. Segundo ele ainda:

[...] foi eleita uma diretoria e um conselho paroquiais, dando assim aos leigos as
responsabilidades que lhes são próprias dentro da comunidade. Já muitas reuniões
foram feitas pela diretoria e várias com o conselho a fim de deliberarem sobre o
assunto. A diretoria, após o animador resultado do inquérito, reuniu o conselho que a
autorizou tomar as primeiras providências (Idem).

Dentre os planos da diretoria, os principais estavam tratar com o engenheiro


responsável sobre a execução do projeto definitivo da futura igreja, que seria a futura catedral
e sede do bispado, compor o mapa da paróquia, organizar comissões para visitar as firmas,
famílias e particulares para saber qual seria a contribuição mensal durante um período de
catorze meses, a partir de novembro do corrente ano (1967), e escolher pessoas responsáveis
104
A Santa Sé (em latim: Sancta Sedes, oficialmente Sancta Sedes Apostolica, e em português: "Santa Sé
Apostólica"), também chamada de Sé Apostólica, do ponto de vista legal, é distinta do Vaticano, ou mais
precisamente do Estado da Cidade do Vaticano. Seu líder é o Papa.
105
A Voz da Serra, Erechim, 28 de setembro de 1967, p. 3.
106
CARRARO, Estevam; LISE, Atalibo. Catedral deverá ser construída. A Voz da Serra, Erechim, 1º de outubro
de 1967, p.1.
66

pelas cobranças a cada quarteirão. Ao finalizar, o padre que escreve através do periódico,
informa que em breve todos os paroquianos receberão uma visita, e solicita:

Dá a tua contribuição com espírito e fé, lembrando-te que sem sacrifício nada de
(ilegível). A tua oferta se destina à construção da tua igreja, da tua casa de oração, o
templo de teu Deus. Contando com as bênçãos de Deus e a colaboração de todos é
que a diretoria, da qual fazemos parte, se vai lançar neste empreendimento. A São
José, nosso grande padroeiro, desde já confiamos esta obra que é o obra de Deus,
contando com seu valioso auxílio. Deus, que ama a quem dá com alegria vos
abençoe! Pe. Atalibo Mauricio Lise – Pároco.107

No mesmo texto, discorre que em entrevista concedida ao jornal O Nacional de Passo


Fundo, Dom Cláudio Colling salienta que o seminário da diocese foi construído em Erechim,
e que deverá, futuramente, ser elevada à categoria de sede de bispado. Dessa forma, ele
justifica que seria aconselhável construir em Passo Fundo um seminário diocesano para 150
alunos, e apoia que seja construída a nova catedral, pois segundo ele, sua concretização traria
consigo a possibilidade do bispado em Erechim.
De acordo com a entrevista oral pertencente ao acervo do Arquivo Histórico
Municipal, realizada por Leila Albertoni com o padre Atalibo Lise, em 2003, quando o
religioso tinha 76 anos, o principal motivo da iniciativa da demolição foi devido ao estado
precário da matriz. Segundo o padre Atalibo, “se fez então uma comissão naquela grande
dúvida: reconstruir, quer dizer, renovar uma Igreja, com a despesa sairia talvez até mais e
além de tudo ficaria sempre uma igreja inadequada para a atual liturgia”. Ainda de acordo
com o padre, a questão foi muito discutida até se chegar à conclusão de que seria mais eficaz
demolir e ter um templo moderno no centro da cidade. Outra razão também seria a localização
dos templos:

[...] Muito bonita a Igreja antiga, não dá pra negar, etc, né, mas em primeiro lugar se
fosse de ter que comprar um terreno no centro da cidade, ou transferir porque pra
celebrar realmente era muito inconveniente, né, ihhh então se fosse pra reformar não
daria muitos anos, pra se construir uma Igreja no centro seria muito mais difícil, né,
ou então construí-la fora do centro que cairia fora, assim, do próprio, da história ali,
da cidade que começou ali onde está a prefeitura, com a Igreja antiga, etc.108

O jornal A Voz da Serra do dia 12 de outubro de 1967, informa que o bispo diocesano
Dom Cláudio Colling era aguardado em Erechim para receber homenagens da população e
autoridades da comuna e região, assim como também para manter contatos com a diretoria

107
Idem.
108
Entrevista oral realizada com o padre Atalibo Lise (ALBERTONI, Leila Cristina. História Oral. URI, 2003,
p.3).
67

que visa a construção da futura catedral diocesana. Logo em seguida, em 17 de outubro de


1967, se anuncia no mesmo periódico, em matéria intitulada “Criação do Bispado”, as
seguintes informações:

S. Exa. Dom Cláudio Colling Bispo Diocesano, que esteve em nossa cidade por
ocasião das festividades da Romaria de Nossa Senhora de Fátima, prestou
declarações a nossa reportagem sôbre a criação do Bispado em Erechim. Salientou-
nos S. Exa. o Bispo Diocesano, como algo possível e provável no futuro,
esclarecendo que é a favor da criação do Bispado, porém observando as normas
vigentes para o caso.109

Quando questionado sobre a questão da catedral, o bispo responde que “sempre


acompanhou com extrema simpatia as confecções das plantas da futura Catedral de Erechim,
uma vez que a igreja matriz São José, encontra-se em estado precário, sendo que os projetos
iniciais tem inclusive a sua aprovação, como é currial [sic] para o caso.” Ele complementa:

Concito, disse-nos S. Exa., o povo católico a unir-se para a construção desse Templo
de Deus que futuramente será a catedral da Região. Vejo em Erechim e no povo da
Região Alto Uruguai, como um povo trabalhador e bom, contando o mesmo com
tôda a minha estima.110

Ainda nessa matéria, o redator informa que o bispo diocesano Dom Cláudio Colling
prevê que Erechim e a região do Alto Uruguai têm possibilidade de se unirem pelo futuro
bispado, e argumenta que “sem dúvida trará uma infinidade de benefícios para a região.”
Nota-se que os membros da igreja em geral, afirmavam que a matriz se encontrava em estado
precário. Porém, devemos levar em conta que essa informação poderia estar equivocada,
avaliando todas as questões que envolveram o acontecimento.
Mais uma vez, no dia 7 de novembro de 1967, o bispo diocesano visita Erechim, na
oportunidade recebe novamente homenagens dos católicos da região. Na ocasião, ele volta a
reafirmar a possibilidade de Erechim ser elevado à categoria de bispado, dando ainda seu
integral apoio na construção da nova catedral e as condutas do “Reverendo Padre Atalibo Lise
e a Diretoria” formada para dirigir as obras de construção.111

109
CARRARO, Estevam. Criação do bispado. A Voz da Serra, Erechim, 17 de outubro de 1967, p. 1.
110
CARRARO, Estevam. Criação do bispado. A Voz da Serra, Erechim, 17 de outubro de 1967, p. 1.
111
CARRARO, Estevam. Bispo diocesano esteve em Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 7 de novembro de
1967, p. 1.
68

Figura 16. Dom Cláudio Colling, bispo de Passo Fundo.

Fonte: A Voz da Serra, 7 de novembro de 1967.

No dia 10 de dezembro de 1967, a edição do jornal A Voz da Serra traz mais uma vez
informações sobre o bispado de Erechim. Na matéria intitulada “Erechim com possibilidades
de ser elevado a Bispado”, é relembrada a última visita de Dom Cláudio Colling e o apoio que
o bispo demonstra em relação à questão da construção da nova catedral e juntamente com
isso, a criação da Diocese de Erechim. 112

Entrementes, a referida Diretoria, vem reunindo-se semanalmente na Casa Canônica,


com a presença do titular da paróquia da Igreja Matriz, ocasião em que, planos são
traçados e atacados, buscando a concretização de suas duas metas mais imediatas, a
elevação de Erechim a categoria de Bispado e a construção da nova Catedral.113

Atualmente, o bispo de Erechim é o Dom Frei José Gislon. O início de seu ministério
episcopal na Diocese de Erechim foi no dia 19 de agosto de 2012, na Catedral São José.
Fazem parte da Diocese Erechim atualmente: paróquia Catedral São José, paróquia Nossa
Senhora da Salete, paróquia São Cristóvão, paróquia São Pedro, paróquia Nossa Senhora
Aparecida, paróquia Santa Luzia, paróquia São Francisco de Assis, todas de Erechim,
paróquia Imaculada Conceição de Getúlio Vargas, paróquia Nossa Senhora do Monte Claro
de Áurea, paróquia Santa Isabel da Hungria de Três Arroios, paróquia São Tiago de Aratiba,
paróquia Nossa Senhora das Dores de Capoerê, paróquia São Valentim de São Valentim,

112
Na mesma edição de 10 de dezembro de 1967 do jornal A Voz da Serra, foi publicada a crônica 49 – Meu
Erechim Cinquentão de Chico Tasso: “Como e quem fez a igreja São José”. O editor do jornal escreveu que,
“com tanta conversa na rua em tôrno do projeto de construção de outro templo em lugar do velho não podíamos
deixar de procurar nosso antigo vigário e saber dêle alguma coisa para registrar antes de demolir a histórica Casa
de Deus.”
113
CARRARO, Estevam. Erechim com possibilidades de ser elevado a Bispado. A Voz da Serra, Erechim, 10 de
dezembro de 1967, p. 1.
69

paróquia Nossa Senhora da Glória de Erval Grande, paróquia Nossa Senhora Medianeira de
Barra do Rio Azul, paróquia São Roque de Itatiba do Sul, paróquia São Francisco de Assis de
Mariano Moro, paróquia Nossa Senhora dos Navegantes de Campinas do Sul, paróquia São
Caetano de Severiano de Almeida, paróquia São Luiz Gonzaga de Gaurama, paróquia Santa
Ana de Carlos Gomes, paróquia Santo Antônio de Jacutinga, paróquia Santa Teresinha de
Estação, paróquia Sagrado Coração de Jesus de Paulo Bento.114
Esse processo de criação da Diocese de Erechim, que foi abordado neste capítulo de
forma introdutória, de acordo com a pesquisa realizada nos periódicos até o final de 1967,
possui uma relação com a construção da nova catedral para possibilitar que Erechim recebesse
seu bispado. No próximo capítulo, essa questão será aprofundada, juntamente com a narrativa
da demolição da igreja matriz São José, processo que culminou na criação da Diocese de
Erechim, através do decreto de 2 de julho de 1967, sendo instalada em 1º de agosto de 1971.

114
Dados do site da Diocese de Erechim: www.catedralsaojose.org.br
2. O contexto da Demolição

Este capítulo baseia-se principalmente na análise da principal fonte do trabalho, o


periódico A Voz da Serra. O texto é composto com a sustentação das matérias do jornal,
dialogando com outras fontes encontradas, a fim de construir o contexto da demolição da
igreja matriz. Além disso, a fonte principal possibilitou os recursos determinantes para a
descoberta de outras fontes e informações. Mais conexões são percebidas através da leitura
das matérias, bem como de que maneira que são abordados os assuntos, como tema principal
do dia ou apenas uma nota, por exemplo. Além disso, as matérias jornalísticas impressas,
juntamente com as rádios, eram as principais responsáveis pela disseminação das notícias,
mediante às tecnologias da época, sendo assim um meio condizente para “acessar” o
fenômeno.
O jornal possibilita também serem identificadas algumas reações da população frente a
decisão de demolição da igreja. Tal movimento se denota por exemplo, pela publicação
subsequente que expõe a reação da sociedade frente a determinada notícia, como será exposto
no capítulo. Além disso, o periódico também serviu como meio para expressão da população,
como a opinião contrária à demolição, inclusive também fica subentendido que certas
informações foram filtradas pelos editores.
Estevam Carraro, o fundador e editor do jornal, algumas vezes faz relatos em primeira
pessoa e, muitas vezes, também distingue as matérias do jornal que apresentam um sujeito
oculto daquelas assinadas pelo editor, onde este coloca seu juízo sobre os fatos. Esse
posicionamento sugere que, como editor principal, as demais matérias estavam condicionadas
a sua posição político-ideológica. Sobre a questão da demolição da igreja matriz, nota-se
claramente o apoio dado à igreja na campanha a favor da diocese, iniciativa que colaborou
diretamente na decisão da demolição.

2.1. A imprensa em Erechim

Atualmente, os jornais impressos em circulação em Erechim são: Bom dia, Boa Vista,
Voz e Atmosfera. De acordo com a primeira edição do mais recente periódico da cidade, o
Atmosfera, que foi lançado no dia 24 de novembro de 2016, e que abordou o histórico dos
periódicos da região nessa estreia, “o jornalismo impresso em Erechim iniciou na década de
71

1920, e foi marcado pela grande quantidade de periódicos que permaneciam por pouco tempo
em atividade.”

O primeiro impresso que se tem notícia é o jornal O Erechim, editado pelo Partido
Republicano Rio-grandense, que surgiu em 1º de janeiro de 1919, na Vila de
Erechim, 2º Distrito do Município, onde atualmente fica a cidade de Getúlio Vargas.
A partir daí, segundo a obra Histórico de Erechim, editado e coordenado por Ernesto
Cassol, foram muitos outros impressos circulando, principalmente em Erechim, mas
também em distritos que hoje são as cidades de Marcelino Ramos e Gaurama. 115

Ainda de acordo com o depoimento do historiador Chiaparini para o jornal Atmosfera,


nessa mesma matéria, “até o início da década de 1970 já haviam sido registrados 62
periódicos na região”, os quais surgiam e desapareciam logo em seguida, sendo a primeira
exceção o A Voz da Serra, que até hoje é o jornal com mais tempo de circulação e
permanência. O hodierno A Voz é dirigido por uma parte da família de Estevam Carraro,
fundador do A Voz da Serra, que iniciou em 1929 se chamando O Boavistense. Entre 1925 e
1927, existiu um periódico que não teve relação com A Voz da Serra, apesar da semelhança
do nome - chamava-se Voz da Serra, circulava semanalmente e era editado em Barro, atual
Gaurama.
De acordo com Ducatti Neto (1981, p. 251), a literatura e o jornalismo tiveram
intelectuais de qualidade em Erechim. Escritores, poetas e historiadores como João Frainer,
Luiz A. F. Souto Neto, Antão Abade Chagas, Romeu Paiva, Wilson Weber, padre Benjamin
Busato, entre outros. Em seu livro, Neto também relata que entre os anos de 1919 à 1968,
foram diversos os órgãos que surgiram. Até 1930, iniciaram e deixaram de circular os
seguintes jornais: O Erechim, O Tempo, O Município, O Arbeit, O Raio X, A Folha, O K. C.
T. E., O Bem-te-vi, O Jornal, O Meu Jornal, A Luneta, Interrogação, Atalaia da Verdade, O
Parafuso. Até 1940, foram: O Erechim, O Arauto, A Tezoura, O Liberal, Interrogação, O
Carimbo, A Conversa, O Alarme, O Debate, O Clarim, O Marcelinense, O Integral, A
Verdade, A Evolução, A Chácara, O Paladino, Almanaque da Serra (Cf. NETO, 1981,
p.251). Zambonatto, igualmente, declara sobre os periódicos de Erechim:

Já está em torno de uma centena o número de jornais que Erechim teve, contando-se
nesta cifra, jornaizinhos que eram improvisados e não tinham estruturas para poder
persistir e mostrar sua presença na comunidade. Já nasciam débeis e assim não
“aguentavam o inverno”, tinham vida efêmera. Alguns eram de caráter político, e
visavam determinado objetivo e adversários políticos, outros não tinham nenhuma
penetração nos vários setores da sociedade e tudo isso levava a definhar rapidamente
e desaparecer (ZAMBONATTO, 1977, p. 137).

115
CASTRO, Edson. Atmosfera, Erechim, 24 de novembro de 2016, p. 3.
72

Em 1977, ano que coincide com a conclusão da construção da catedral São José, o
principal jornal continuava sendo A Voz da Serra, o que se prolongou durante pelo menos
mais duas décadas. O Diário da Manhã chegou na década de 1980 e logo adquiriu
importância, juntamente com A Voz da Serra. Sua primeira edição foi lançada no dia 22 de
fevereiro de 1986, pertencendo ao grupo empresarial da área das comunicações de Túlio
Fontoura, de Passo Fundo, onde se encontra a sede da empresa.116
Zambonatto (1977), considerava A Voz da Serra o jornal contemporâneo de Erechim,
por ter tido sua primeira edição em 26 de outubro de 1929, quando o município tinha apenas
11 anos. Na época, Erechim chamava-se Boa Vista do Erechim, e por isso o jornal recebeu o
nome de O Boavistense.117
Estevam Carraro, o fundador, proprietário e editor do jornal, desde a década de 1930,
foi o pioneiro do jornalismo na região. Na época não havia energia elétrica abundante, e as
primeiras impressões do jornal dependiam de um motor a gasolina. Segundo Zambonatto,
Carraro acionava a impressora com uma manivela, enquanto sua esposa Gelsomina colocava
o papel na máquina e removia a folha impressa (Cf. ZAMBONATTO, 1977, p. 137).
Por volta dos anos de 1940, em uma das ocasiões em que Erechim mudou de nome, O
Boavistense passou a denominar-se A Voz da Serra. A partir de 1969, Estevam Carraro ainda
como diretor, passa a ter em sua equipe seus filhos Gilson Carraro e Geder Carraro. O jornal
seguiu sendo administrado e dirigido pela sua família nas décadas seguintes, incluindo seus
netos e bisnetos.
Levando em conta que no âmbito das fontes da imprensa a política e a sociedade
tinham influência, cabe ao pesquisador tentar detectar e intuir possíveis motivações, poderes,
interesses, inclusive de caráter publicitário que, geralmente, ficam por trás das linhas escritas.
Conforme Luca, o historiador deve dispor de “ferramentas provenientes da análise do discurso
que problematizam a identificação imediata e linear entre a narração do acontecimento e o
próprio acontecimento” (2005, p. 139).
Neste sentido, a seguir abordaremos aspectos mais pormenorizados da fonte e dos
discursos por ela sustentados, a partir de seus editores.

116
O Diário da Manhã encerrou suas atividades em Erechim em 2016. Circulou na cidade desde 1986, mas a
partir dos anos de 1970 até hoje, ele era editado também nas cidades de Passo Fundo, Carazinho e Marau, no Rio
Grande do Sul, e em Chapecó, Santa Catarina. Em Passo Fundo, além do jornal havia também a Rádio Diário da
Manhã. Em 1977, o jornal era dirigido por Dyógenes Auildo Martins Pinto, genro de Túlio Fontoura.
Atualmente o Grupo Diário da Manhã tem suas familiares Janesca Martins Pinto como presidente e Ilânia Pretto
Martins Pinto como vice.
117
Nas primeiras décadas de formação de Erechim, foram diversas as empresas que se lançaram com o nome que
remetia à cidade, como a fábrica de balas Boavistense, o frigorífico, entre outros.
73

2.2. O Jornal A Voz da Serra e seu fundador

No ano de 1997, ao comemorar 68 anos da fundação do jornal A Voz da Serra, mais


precisamente no dia 25 de outubro, a direção do jornal publicou uma edição especial de
aniversário, onde encontra-se uma homenagem ao fundador Estevam Carraro. Logo na
primeira página da edição, em formato de coluna lateral, com a foto de Carraro, se anuncia:
“Nosso aniversário é a sua festa”. Ao descrever a “emoção e a responsabilidade” de preparar
uma homenagem justa e significativa, o editor ressalta:

O pioneiro da imprensa de Erechim, o nosso fundador Estevam Carraro, deve ter


passado por emoções semelhantes quando no dia 26 de outubro de 1929 ousou
lançar o jornal O Boavistense, a raiz de A Voz da Serra. Dono de um espírito
empreendedor, o mineiro erechinense de coração, Estevam Carraro, fez da cidade o
seu roteiro de notícias, revelou talentos e escreveu a história dos construtores do
desenvolvimento desta que é hoje o Pólo da Região Alto Uruguai.118

Na segunda página, na homenagem do repórter Nirfes Filho, cidadão que conviveu


com Carraro e sua equipe, são citados outros diversos colaboradores que tiveram relação com
A Voz da Serra, como o professor Dr. Pucini, João Frainer, o poeta Soutto Netto, Romeu
Paiva, Dr. Rui Vilaboas, Dr. Stern, Dr. Paulo Nunes Garcia, Dr. Wilson W. Weber, Miguel
Illa Font, Valério Zavaski, entre outros tantos que trabalharam na redação do Jornal. Nirfes
não deixa de salientar também a sua admiração por dona Gelsomina, esposa de Carraro,
devido à “sua brilhante atuação, no momento em que o Jornal A Voz da Serra, era diário”.119
No caderno especial do jornal, em homenagem à Estevam Carraro, a primeira página
versa sobre as convicções expressas por ele desde a data da fundação em 1929 e os desejos de
seguir no rumo da modernidade. Registrando “a história, a cultura, a política e realizações
individuais e coletivas”, A Voz da Serra “cumpre assim com sua missão de bem informar para
servir de fonte de pesquisa dos muitos fatos que projetaram Erechim desde os primórdios de
sua colonização.” O editor finaliza o texto enfatizando que a principal motivação desse
trabalho é o leitor erechinense e da região.
Estevam Carraro é conhecido como um dos pioneiros do jornalismo de Erechim, pois
houveram outros que não persistiram. Nascido em Minas Gerais, em meados de 1918 - com

118
SMANIOTTO, Maria Lucia Carraro. A Voz da Serra, Erechim, EDIÇÃO ESPECIAL, 1997, p. 1.
119
Idem.
74

18 anos -, Carraro veio para a Vila de Paiol Grande, diretamente de São Paulo, após ter
trabalhado em lavouras de café.120

Da Itália ao Brasil, os caminhos conduziram Sante e Ângela para as Minas Gerais,


onde na mineira São João Nepomuceno nasceu, em 15 de janeiro de 1900, o filho
mais velho do casal, Estevam Carraro, Com o passar dos anos, desceram para São
Paulo. Mas ficaram por pouco tempo. Atraídos pelas promessas de dias melhores,
deixaram as colheitas de café e Estevam para trás e vieram para Erechim. A então
Colônia Nova, com suas terras férteis, era um atrativo para os imigrantes. O jovem
Carraro foi crescendo entre os cafezais. Juntou dinheiro e veio ver a família. Nos
seus planos uma permanência de apenas alguns dias. Acabou ficando uma vida
inteira. Fez a sua escolha, definiu seus rumos, estabeleceu que dotaria a cidade de
um jornal. Não foi o primeiro a impor este projeto, mas pela sua teimosia e
persistência em vencer e superar as intempéries, pode se dizer, sim, que Estevam
Carraro por sua devoção prestada à Imprensa, através de A Voz da Serra, é um dos
pioneiros de Erechim.121

Ao iniciar sua vida na nova cidade, Estevam Carraro trabalhou como barbeiro, onde as
conversas e trocas de notícias aconteciam constantemente. A fim de aumentar seu rendimento,
passou a trabalhar também com o agente dos correios da cidade Alberto Fehlauer, até 1933,
quando se tornou agente dos correios. Ainda antes disso acontecer, Carraro deixou a barbearia
e abriu uma tipografia chamada Tipografia Modelo em parceria com Manoel Pinheiro Mena,
conhecido por todos como Chaminé, o qual tornou-se seu sócio quando decidiram ousar ainda
mais e iniciar o jornal O Boavistense, raiz do A Voz da Serra, no dia 26 de outubro de 1929.
As ideias de Carraro e Mena foram apoiadas por um grupo de intelectuais que se
ressentiam da falta de um veículo de comunicação na, então, Boa Vista do Erechim. Deixando
explícitas suas intenções de representar um mensageiro da população, na primeira edição do
O Boavistense, Estevam ressalta: “Creio portanto que esta simpática terra está de parabéns,
pois embora humilde e despretensioso, aqui está agora seu porta-voz, o qual estará sempre a
postos para encampar a defesa de seus interesses gerais”.122
Nos primeiros anos do jornal, os dois fundadores costumavam apoiar o presidente
Getúlio Vargas, no contexto da Revolução de 30, o que mudou no decorrer da década.
Naquele período de manifestações, seu sócio resolve vender sua parte na sociedade do jornal e
ir “engrossar as fileiras revolucionárias” e Estevam seguiu no trabalho jornalístico. “O
autoritarismo do Governo Provisório de Getúlio Vargas se faz presente. É neste período que a
censura prévia da Imprensa é instalada em Boa Vista do Erechim.”123 Cada edição do mês de

120
Idem.
121
Ibidem, p. 2.
122
Idem.
123
Ibidem, p. 3.
75

maio de 1937, Carraro teve que submeter à censura, saindo assim com tarjas brancas, as quais
evidenciam a supressão da liberdade de imprensa sofrida na época.
De acordo com a edição especial, a partir de 1945 o jornal A Voz da Serra começou a
circular diariamente, o que permitiu um acesso mais frequente da população a notícias
atualizadas, nacionais e internacionais, como a Segunda Guerra Mundial, Política Estadual e
Nacional, entre outros. Outro fator sobre o meio de comunicação, foi que o periódico
publicava as reivindicações da população, “liderando campanhas de cunho social”, sendo
muitas vezes uma espécie de emissário da população. Segundo a edição, Carraro
frequentemente deslocava-se à capital em busca de soluções junto aos governadores,
secretários e deputados e muitas vezes retornando com respostas positivas. Frequentemente
ele era convidado para os atos políticos mais importantes da cidade, acompanhando prefeitos,
líderes políticos, autoridades que chegavam ao município e a maioria das inaugurações dos
estabelecimentos. Apesar de ser evidente o relacionamento promissor de Carraro com
diversos nomes políticos e autoridades, de acordo com a edição, na política regional ele
preferiu atuar nos bastidores.124
Como fica evidenciado, a posição de Carraro ultrapassava a função jornalística e
espraiava-se para vida social e política do município. A frente de um jornal – considerando a
força simbólica de seu discurso -, o personagem manejava estratégias para defender seus
posicionamentos através de uma rede de contatos e influências.
A Tipografia e, posteriormente, a Livraria Modelo, ambas de propriedade da família
de Carraro, se mantiveram, sob a direção de Gelsomina, esposa de Estevam. A tipografia foi a
essência do jornal desde 1929, e a livraria surgiu algum tempo depois para suprir a demanda
local, comercializando obras literárias nacionais e regionais, assim como impressos em geral,
papelaria, material de escritório, entre outros. Comercializavam as principais revistas do
centro do país e da capital do estado, livros de autores brasileiros e locais. O êxito da livraria
fez com que Estevam Carraro também lançasse revistas, como a Almanaque da Serra e
magazines sobre a sociedade local.
Na edição especial, Fernando Sefrin afirma que “não dá para falar de Erechim, sem
falar de Estevam Carraro”. Na sua opinião, ele representava para o município uma alta
personalidade jornalística que impulsionou dentro do seu jornal a verdadeira democracia, o
verdadeiro ideal de jornalista e foi um grande pensador para o futuro.125

124
Ibidem, p. 4.
125
Ibidem, p. 9.
76

No dia 23 de setembro de 1979, Carraro faleceu e foi homenageado pela população


Erechinense, que declarou 3 dias de luto oficial por sua morte, o que demonstra a relevância
desse cidadão para a sociedade. Outra indicativo disso, é que no dia de 27 de outubro de 1978,
menos de um ano antes de sua morte, numa sessão solene prestigiada pelas lideranças
políticas e amigos, Estevam Carraro com seus 78 anos, recebeu da Câmara Municipal o título
de Cidadão Erechinense, sendo o reconhecimento pelo seu destaque e colaboração através do
seu trabalho que favoreceu o crescimento e o engrandecimento da cidade, opinião unânime da
câmara de vereadores.
Segundo a edição, a presença feminina também incorporou a trajetória do jornal A Voz
da Serra, primeiramente através de Gelsomina, que além de cuidar da Livraria Modelo e da
Tipografia, participava da vida comunitária. Ela foi fundadora da Sociedade de Amparo à
Maternidade e Infância e por 25 anos esteve à frente de sua direção. Na sequência, sua nora
Romilda Carraro, formada em contabilidade, controlava a livraria, pautava os repórteres e
escrevia a coluna da página 3, De olho no fato, na qual marcava a posição de A Voz da Serra
frente à diversos assuntos da comunidade. A terceira geração das mulheres no A Voz da Serra
se corporificou com a jornalista Maria Lúcia Carraro Smaniotto, neta de Estevam Carraro, que
em 1997 dividia a direção do jornal com seu pai Gilson Carraro. Ela chegou em Erechim no
final de 1991, vinda de Porto Alegre, com planos de dar uma nova configuração ao jornal, o
que pôs em prática logo de início, quando quebrou o longo ciclo da linotipia126 e das
máquinas de escrever, atualizando tecnicamente A Voz da Serra. Esse compasso seguiu até
novembro de 1999, quando a direção da empresa e do jornal passou para o filho de Estevam,
Geder Carraro, que, ao lado dos filhos, Geder Júnior, Ricardo e Gilkka, levaram adiante o
jornal que passou a denominar-se Voz Regional e, posteriormente, somente Voz.
Em posse de uma mesma família ao longo dos anos, o jornal construiu uma imagem
composta por noções de tradição e confiabilidade, já consolidada nas décadas de 1960 e 70,
período no qual está focalizada a pesquisa.

2.3. A busca pela diocese que terminou em demolição

126
Linotipia: sistema de composição e impressão por meio de linotipo ou máquina similar. Trata-se de um tipo
de máquina de composição de tipos de chumbo, inventada em 1884 em Baltimore, nos Estados Unidos, pelo
alemão Ottmar Mergenthaler. O invento foi de grande importância por ter significado um novo e fundamental
avanço na história das artes gráficas. A linotipia provocou, na verdade, uma revolução porque venceu a lentidão
da composição dos textos executada na tipografia tradicional, onde o texto era composto a mão, juntando tipos
móveis um por um. Constituía-se, assim, no principal meio de composição tipográfica até 1950.
77

Para compreender o âmbito em que se deu a demolição, é necessário retomar alguns


acontecimentos relevantes que tiveram relação direta com o referido fato, como a formação da
diocese de Erechim, já mencionada no capítulo anterior.
Analisando fontes do Arquivo Histórico Municipal e o periódico A Voz da Serra a
partir das décadas de 1940, identificou-se que, aproximadamente, no ano de 1965 o padre
responsável pela paróquia de Erechim, Tarcísio Utzig teria planos de transformar Erechim em
diocese e construir uma catedral para a comunidade. Dois anos mais tarde, em fevereiro de
1967, se deu a transferência de Utzig para Carazinho/RS, e em decorrência, uma comoção da
comunidade, que era contra sua mudança. Na ocasião, um vereador da Câmara Municipal
sugeriu que caso realmente fosse concretizada a transferência do religioso, que fosse entregue
a ele o título de cidadão Erechinense - demonstrando o reconhecimento que a comunidade
tinha por ele e seus feitos enquanto foi pároco da paróquia São José em Erechim durante
quatro anos e meio -, o que de fato ocorreu. Com a confirmação da transferência do padre
Tarcísio, quem assumiu seu posto religioso foi Atalibo Lise, que já havia exercido sacerdócio
na região, de acordo com o periódico, ele já havia conquistado “a simpatia e admiração da
população católica”, razão pela qual foi indicado para o cargo. Com isso, os planos de diocese
são adiados, porém não suspensos, pois anos mais tarde o padre Atalibo retoma os trâmites.127
Na semana de sua partida, o padre Tarcísio, visitou a redação do jornal A Voz da Serra
e, aproveitando a oportunidade, entregou uma carta que foi publicada junto ao corpo da
matéria, agradecendo o constante apoio da direção do jornal em sua permanência como
religioso na cidade. De acordo com o artigo do dia 8 de março de 1967, redigido pelo próprio
diretor jornalista Estevam Carraro, Utzig conquistou “a admiração e a simpatia de tôda
população”.128 A carta destinada ao diretor do jornal demonstra o bom relacionamento entre o
respectivo órgão de imprensa e o representante da Igreja Católica. Também é possível
perceber a insatisfação do vigário ao deixar a paróquia de Erechim, além da forma inquietante
que se expressou quando se referiu aos motivos da sua transferência, quando diz
“circunstâncias anormais”.
Sem antes haver nenhuma notícia registrada sobre condições precárias do prédio da
igreja matriz, em 27 de julho de 1967 a Voz da Serra noticia: “Interditada a igreja Matriz São
José”. A matéria relata a transferência das cerimônias litúrgicas para o colégio São José e
ressalta que “péssimas condições da igreja motivaram a interdição”. A matéria se
complementa indagando sobre uma reforma ou nova construção, já salientando a existência de

127
CARRARO, Estevam. Título de cidadão erechinense. A Voz da Serra, Erechim, 19 de fevereiro de 1967, p. 1.
128
CARRARO, Estevam. Despedida do padre Tarcísio. A Voz da Serra, Erechim, 3 de março de 1967, p. 1.
78

uma comissão formada para estudar o caso. O texto inicia relatando uma breve história de
Erechim, e na sequência descreve trechos da formação da igreja católica na cidade:

Nesse ano de 1913, a colônia já possuía alguns milhares de habitantes e a 26 de


novembro, atendendo ao progresso que a mesma ia tendo, Dom Miguel de Lima
Valverde, Bispo da Diocese de Santa Maria, por uma carta apostólica, nomeou uma
Comissão de Católicos sob a presidência de Albano Stumpf e composta dos
cidadãos Osório de Quadros, Beltoldo Bischoff, Adam Cichocki e Eugênio Isoton,
para promoverem a ereção de uma Igreja, de acordo com o vigário, no local
denominado Paiol Grande, hoje sede do município.129

O artigo continua descrevendo o momento em que a igreja construída foi elevada à


paróquia, sob proteção do padroeiro São José, em 19 de agosto de 1920, e que pouco tempo
depois, em 21 de setembro de 1924, era inaugurada uma Igreja Protestante na sede, filiada à
Igreja Episcopal Brasileira.130 Na sequência do texto, com o subtítulo “Interditada”, o editor
descreve:

Como é fácil de notar-se a Igreja Matriz São José, em nossa principal artéria,
praticamente sem nunca ter sido reformada, abrigava os fiéis católicos há longos
anos. Agora a população católica de nossa cidade é chocada com a notícia da
interditação [interdição] daquele templo, devido que o mesmo oferecia até certo
perigo de vida aos que lá faziam suas preces. A medida da interditação [interdição]
entretanto fazia-se necessária, uma vez que a Igreja Matriz São José, pelo passar de
seus anos, carecia de uma reforma. A verdade entretanto é que a Igreja Matriz São
José está interditada, num fato inédito na Região e mesmo no Estado.131

No intervalo anterior, o editor descreve claramente sobre a situação delicada em que a


igreja matriz se encontrava, a qual necessitava uma reforma devido ao desgaste natural do
tempo. O inusitado é que no prosseguimento do artigo aparece outro subtítulo: “Reforma ou
nova construção”, o qual já informa que existe uma comissão formada para estudar o
problema da paróquia São José.

129
CARRARO, Estevam. Interditada a igreja matriz São José. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1967,
p.1.
130
A Igreja Episcopal Brasileira localiza-se até hoje na praça da Bandeira, no lado oposto ao da catedral São
José.
131
CARRARO, Estevam. Interditada a igreja matriz São José. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1967,
p.1.
79

Figura 17. Recorte de jornal, interditada a igreja Matriz.

Fonte: Jornal A Voz da Serra de 27 de julho de 1927.

No mesmo, ainda lê-se que “resta-se entretanto saber-se se essa comissão optará pela
reforma daquele templo ou então, pela construção de uma nova igreja matriz, cujo projeto já
está concluído”. O editor então comenta a necessidade da união de todos os católicos,
“notadamente dos antigos moradores de nossa comuna, para a reforma ou construção de uma
nova Igreja Matriz São José”, solicitando também o apoio dos erechinenses ao padre Atalibo
Lise para o reerguimento da matriz São José e comunica que por determinação do padre
Atalibo Lise, Vigário da igreja matriz São José, todas as cerimônias litúrgicas se realizariam
na Capela do Colégio São José. O conteúdo finaliza com a transcrição de um pequeno trecho
80

da crônica Meu Erechim Cinquentão, do colaborador Chico Tasso, pseudônimo do padre


Benjamin Busato, no qual ele refere-se à construção da igreja matriz, desde o seu primeiro
estabelecimento erguido com a ajuda de Elisa Vachi. Na mesma página, ainda acompanham o
texto, as imagens da igreja matriz e a perspectiva do novo projeto mencionado, uma nova
catedral.132
Poucos dias mais tarde, no jornal do dia 30 de Julho de 1967, A Voz da Serra traz a
matéria “Reformar a igreja Matriz ou construir a Catedral?”, contendo discussões acerca das
pretensões da paróquia de Erechim de se tornar diocese, onde além de registrar vagamente
sobre a importância conservar as memórias dos colonizadores que construíram a igreja matriz,
salienta a preocupação da paróquia com a segurança dos fiéis ao frequentarem a igreja,
questões que estavam em pauta nos últimos três dias entre os erechinenses, resultado da
matéria publicada no jornal do dia 27. Ainda nesse artigo, se informa novamente sobre a
comissão formada para a decisão de acordo com pesquisa que será feita com os paroquianos.
De acordo com o texto, seria levada em conta a opinião de todos os moradores da cidade para
essa definição, e o objetivo seria construir uma “Catedral monumental”.

Quando se iniciava um movimento no sentido de dotar Erechim de uma Catedral, a


repentina transferência do Pe. Tarcísio, determinada pelo Bispo, afastando-nos o
vigário, fez com que morresse tal iniciativa. O impacto que sofreu Erechim, com a
medida de S. Excia. refletiu-se mais profundamente na Matriz São José, fazendo
com que fossem interrompidos os trabalhos e planos do operoso vigário. O pároco
de então, procurava com ingentes esforços das a Erechim, um dos mais belos
templos que se tem conhecimento. Templo esse, que se um dia realizado o sonho da
comunidade católica do Alto Uruguai, seria a Catedral da Diocese.133

O editor do jornal continua referindo-se ao padre Atalibo como “um humilde mas
gigante batalhador de nossa causa”. Segundo ele, o padre procurou dar o seu máximo
empenho para que “a Paróquia São José não ficasse acéfala” e não poupa elogios ao vigário.
Conforme Carraro, um dos primeiros passos do padre Atalibo, “demonstrando o zêlo que
caracteriza seu trabalho, foi além de procurar dar tôda a assistência espiritual, garantir,
também a segurança pessoal dos fiéis que frequentam sua igreja. Já que o revestimento do
teto, pesando várias toneladas constituía uma grave ameaça”. Ele se refere a interdição da
igreja matriz, devido ao estuco134 do teto estar comprometido e haver a possibilidade de cair

132
CARRARO, Estevam. Interditada a igreja matriz São José. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1967,
p.1.
133
CARRARO, Estevam. Reformar a igreja matriz ou construir a catedral? A Voz da Serra, Erechim, 30 de julho
de 1967, p. 1.
134
Estuque é uma argamassa resultante da adição de gesso, água e cal, usada como um aditivo retardador de uma
secagem demasiadamente rápida (por essa característica é possível utilizado como forro). O uso do estuque
81

sobre os frequentadores da igreja. Naquela circunstância então, o padre Atalibo se uniu aos
representantes das mais diversas classes sociais que compõe a paróquia, pedindo que
nomeassem uma comissão para resolver o caso.

Assim, no dia 11 de junho reuniram-se os paroquianos atendendo ao convite e em


Assembléia Geral no Palácio dos Esportes, elegeram o Conselho Paroquial.
Conselho êsse composto por Médicos, Advogados, Professôres, Educadores,
Bancários, Comerciantes, Dentistas, Estudantes, Funcionários Públicos, Agricultores
e Empregados, formando assim a melhor representação comunitária já organizada
numa paróquia.135

Esse Conselho elegeu uma diretoria executiva, já em sua primeira reunião. A diretoria,
dividia com o vigário os encargos e as responsabilidades da paróquia em nome da
comunidade. Os trabalhos dessa equipe porém, não se resumiam apenas à segurança da
população, mas também almejavam dar continuidade aos antigos planos do padre Tarcísio
Utzig, ou seja, a construção de uma nova catedral. Sem consultar a população, com a
justificativa da falta de tempo, devido “às advertências de perigo feitas pelos engenheiros”, a
diretoria assumiu a responsabilidade de remover o “estuco” que integrava os ornamentos do
teto, mas garantiu que depois dessa iniciativa, essa mesma diretoria, auxiliada pelo conselho,
iria “de casa em casa, à todos os lares erechinenses, para com êles debater o problema
„reformar a matriz ou construir a catedral‟”, e somente depois de conhecer a opinião de todos
os paroquianos iria executar a decisão manifestada pela população.

como revestimento decorativo ou material de modelação de origem milenar, na civilização mediterrânea. Nas
fontes, ele é descrito como estuco, porém esse termo é o mesmo, porém no idioma espanhol.
135
Idem.
82

Figura 18. Recorte de jornal, Reformar a igreja matriz ou construir a Catedral?

Fonte: Jornal A Voz da Serra de 30 de julho de 1967.

Ainda no mesmo editorial, é salientado que devido ao problema enfrentado pela


paróquia de Erechim, já existia um projeto contratado pelo padre Tarcísio com o engenheiro
Plinio Tota, devidamente autorizado pelo bispo Claudio Colling. “Projeto êsse orçado em
NCr$ 8.700,00, o qual seria feito em etapas. A primeira etapa representando os desenhos e
maquetes já foi concluída e custou a soma de NCr$ 3.000,00 os quais a Matriz São José deve
ao construtor”.136
Dado que o valor referente aos honorários do engenheiro ainda não haviam sido pagos,
uma das primeiras visitas que o padre Atalibo Lise recebeu foi a de Plinio Tota, que veio
cobrar-lhe a dívida e solicitar a anuência ao contrato para continuar os trabalhos do projeto.
Além da pretensão da nova catedral, a igreja também planejava a construção da residência do
futuro bispo, condições necessárias para a criação do bispado de Erechim.
Alguns meses mais tarde, no dia 1º de outubro do mesmo ano, A Voz da Serra volta a
mencionar o caso da igreja matriz. No seu conteúdo revela-se que a catedral deverá ser
construída e que a “População Erechinense tem obrigação de apoiar a iniciativa”.

136
Idem.
83

Figura 19. Recorte de jornal, catedral deverá ser construída.

Fonte: Jornal A Voz da Serra de 1º de outubro de 1967.

O editorial menciona a entrevista publicada dias antes no jornal O Nacional, de Passo


Fundo, onde Dom Cláudio Colling salienta que o seminário da diocese foi construído em
Erechim e que deverá, futuramente, ser elevada à categoria de sede de bispado. Juntamente
com a apresentação das primeiras ações para o bispado e os planos da diretoria da comissão, o
jornal publica uma carta do padre Atalibo Lise. Ele inicia a carta cumprimentando os
paroquianos, e em seguida pedindo a colaboração e o empenho da comunidade católica na
transformação da paróquia, alegando que peritos confirmaram a necessidade da reforma da
matriz, que já não comporta o número de fiéis. Ele frisa que uma reforma poderia ter um custo
elevado e não suprir a exigência de um templo como Erechim exige. Refere-se, também, a
uma suposta pesquisa de opinião que nunca foi confirmada:

O inquérito feito com os paroquianos constatou que quase a totalidade deles isto é,
98,5%, está disposta a dar sua contribuição para erguer-se no local da atual Matriz
um templo amplo e moderno, moldado dentro das novas prescrições do Concílio,
com uma belíssima torre moderna que estará a apontar para infinito, lembrando ao
homem seu destino eterno.137

137
LISE, Atalibo. Catedral deverá ser construída. A Voz da Serra, Erechim, 1º de outubro de 1967, p. 1.
84

O padre Lise conclui explicando que a comissão eleita irá cuidar dos detalhes do
assunto, e que sua primeira iniciativa foi remover uma parte do teto da matriz que estava
ruindo. Na sequência de sua declaração, estavam listados os planos da diretoria:

1º) Tratar com o engenheiro sôbre a execução do projeto definitivo da futura


catedral. 2º) Compor o mapa da paróquia, dividindo-a em quarteirões para facilitar o
trabalho. 3º) Organizar comissões para visitar as firmas, famílias e particulares, para
saber qual a contribuição mensal durante um período de catorze meses, a partir de
novembro do corrente ano. 4º) Escolher uma determinada pessoa em cada quarteirão
para realizar as cobranças nas quadras e quarteirões.138

De acordo com o texto, somente após este levantamento é que a diretoria poderia
tomar decisões mais concretas a respeito da construção. O padre Lise, como supracitado,
apela à população: “dá a tua contribuição com espírito de fé (...). A tua oferta se destina à
construção da tua igreja, da tua casa de oração, o templo de teu Deus” (Idem).
Em diversas edições seguintes do periódico A Voz da Serra, noticiou-se sobre visitas
do bispo diocesano Cláudio Colling à Erechim, movimentando os trâmites para a elevação da
paróquia de Erechim à bispado e divulgações de reuniões da comissão pró diocese. No dia 12
de outubro de 1967, em uma matéria intitulada “Bispo Diocesano aguardado em Erechim”
informou:

Deverá aportar hoje a noite em nossa cidade, s. exa. Dom Cláudio Colling, Bispo
Diocesano e que será alvo das mais carinhosas homenagens por parte da população e
autoridades de nossa Comuna e Região. S. Exa. Dom Cláudio Colling, aproveitando
sua estada em nossa cidade deverá manter contatos com a Diretoria que visa a
construção da futura Catedral Diocesana. 139

Por diversas vezes foram feitas homenagens por parte da comunidade católica
erechinense ao bispo. No artigo de 17 de outubro de 1967, Dom Cláudio Colling, que esteve
em Erechim por ocasião das festividades da Romaria de Nossa Senhora de Fátima, prestou
declarações a equipe de reportagem do jornal A Voz da Serra, referente à criação do Bispado
em Erechim. Na ocasião, salientou como algo “possível e provável no futuro”, esclarecendo
que é a favor da criação do bispado, porém observando as normas vigentes para o caso. Ainda
de acordo com o artigo, Dom Claudio Colling incentiva a população católica de Erechim a se
unir para a construção desse “Templo de Deus que futuramente será a catedral da Região”,

138
Idem.
139
CARRARO, Estevam. Bispo Diocesano aguardado em Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 12 de outubro de
1967, p. 1.
85

posicionando-se continuamente a favor da catedral.140 Questionado sobre boatos que


circulavam em Erechim sobre a possibilidade da venda do Seminário de Erechim, o bispo
respondeu: “Quem seriamente me atribui tais intenções, nada entende de Igreja e me ofende
gravemente”. A matéria se encerra dando destaque para o apoio de Dom Claudio Colling à
possibilidade de Erechim e a região do Alto Uruguai terem seu próprio bispado, o que traria
uma “infinidade de benefícios para a região”.141
No dia 7 de novembro de 1967, A Voz da Serra volta a noticiar a visita do diocesano
Cláudio Colling, condecorado, como de costume, pelos católicos erechinenses. Na ocasião,
novamente a autoridade religiosa demonstrou seu apoio à construção da nova catedral,
solicitando a contribuição da população aos esforços do padre vigário da paróquia de
Erechim, Atalibo Lise e sua diretoria formada para dirigir as obras.
Em dezembro do mesmo ano, a editoria do jornal continuou seguindo a mesma linha
temática e forma de abordagem. A diretoria, passou a reunir-se semanalmente na casa
canônica, com a presença do titular da matriz, “ocasião em que, planos são traçados e
atacados, buscando a concretização de suas duas metas mais imediatas, a elevação de Erechim
a categoria de Bispado e a construção da nova Catedral”.142
No ano seguinte, quando Erechim comemoraria seu primeiro Cinquentenário, A Voz
da Serra publicou, no dia 19 de julho de 1968, a matéria que noticiava a derrubada das
árvores em frente à igreja matriz e a casa canônica.

Uma das velhas aspirações de Erechim é possuir na esquina da Maurício Cardoso,


local onde se encontram erguidas a Igreja Matriz São José e a Casa Canônica, a sua
Catedral. Há meses foi formada uma Comissão de Paroquianos que gestionaram
junto a S. Excia. Dom Cláudio Colling, nêsse sentido, e resultados positivos foram
obtidos.143

O texto demonstra que os primeiros passos necessários para a construção da catedral já


estavam sendo dados, seguindo uma meta precisa estabelecida pela igreja juntamente com a
comissão, “que aproximava cada vez mais o erechinense da concretização de um ideal, ou
seja, ver erguida a imponente Catedral de Erechim”.144

140
Idem.
141
CARRARO, Estevam. Criação do Bispado. A Voz da Serra, Erechim, 17 de outubro de 1967, p. 1.
142
CARRARO, Estevam. Erechim com possibilidades de ser elevado a bispado. A Voz da Serra, Erechim, 10 de
dezembro de 1967, p. 1.
143
CARRARO, Estevam. Catedral de Erechim – Iniciados os trabalhos. A Voz da Serra, Erechim, 19 de julho de
1968, p.1.
144
Idem.
86

No dia 28 de novembro do mesmo ano, a edição do jornal A Voz da Serra, trazia a


matéria “Festa no Balneário São Floriano”, com a foto da nova catedral estampada junto ao
texto. Tal festa garantiria fundos para a construção do edifício.

A população erechinense está convidada a colaborar com a construção da futura


Catedral de Erechim, participando da monumental festa campestre a ser realizada no
parque do Balneário São Floriano, domingo, dia 1º de dezembro. O ingresso, com
direito a churrasco e banho, é de apenas NCr$ 3,50 para adultos, e, NCr$ 2,00 para
crianças. As emprêsas de ônibus de nossa cidade, a partir das 7 horas daquêle dia,
estarão levando passageiros até aquêle aprazível local, saindo de fronte à Igreja
Matriz São José, por apenas NCr$ 0,50, que também reverterão em benefício da
construção da Catedral. Às 10 horas, será rezada Missa Campal, desenvolvendo-se
festejos durante todo o dia.145

Figura 20. Perspectiva da catedral que acompanhava as matérias jornalísticas.

Fonte: A Voz da Serra do dia 19 de julho de 1968.

Enquanto isso, ainda se realizavam cerimônias e celebrações na igreja matriz, o que se


confirma nas colunas sociais do jornal A Voz da Serra como na imagem a seguir, da edição de
9 de março de 1969, onde há registro de um casamento que se realizou na igreja matriz São
José.

145
CARRARO, Estevam. Festa no balneário São Floriano. A Voz da Serra, Erechim, 23 de novembro de 1968,
p.1.
87

Figura 21. Recorte da coluna social, 1969.

Fonte: A Voz da Serra do dia 9 de março de 1969.

Em 18 de maio de 1969, o jornal comunica: “Cláudio Colling é aguardado em


Erechim para reuniões com a comissão Pró-Diocese”. Seria realizada um importante reunião
no dia 19, às 20:30, na Câmara Municipal, na presença das autoridades eclesiásticas e
municipais, oportunidade onde seria empossada a comissão pró diocese de Erechim. Na
mesma matéria, também é comentada a preocupação com a nova residência do bispo, estando
em pauta a decisão de comprar um imóvel ou construir um novo. No texto também foram
reconhecidos os membros atuantes no processo. A comissão executiva era composta pelo
presidente Faustino Gomes, os vices presidentes eram Dr. Plínio Costa e Narciso Passuello, os
secretários, Dr. Charley Cerioli e Romeu Madalozzo e tesoureiros, Alexandre Linkievicz e
88

José R. Meneguzzo.146 A comissão pró diocese era uma das exigências da Santa Sé, com a
finalidade de providenciar tudo o que fosse necessário para a instalação de Bispado.147
A edição ainda anuncia o prosseguimento das obras da nova catedral, que estavam em
“ritmo bastante acelerado, estando a população erechinense, independentemente de credos
religiosos, colaborando para a pronta conclusão das obras”.148 Como de praxe, Colling seria
alvo de agraciamentos por parte das autoridades e da população católica. Nesta ambiência, a
ocasião foi propícia para pedir a colaboração da população nas obras.
O diretor jornalista Estevam Carraro recebeu um convite para participar da referida
reunião, diretamente do padre Atalibo Lise. Conforme o ofício,

Temos a grata satisfação de levar ao seu conhecimento que V. S. foi apontado para
compor o conselho da Comissão Pró Diocese a ser instalada no dia 19 do corrente às
20:30 horas, na sala de sessões da Câmara Municipal de Vereadores, ocasião em que
sua Excia. Revma. Dom Claudio Colling irá empossar a comissão e promulgar os
nomes que irão compor o conselho. Contando com sua honrosa presença
antecipamos agradecimentos e subscreve-nos com alta estima e distinta
consideração.149

Novamente, denota-se o estreito relacionamento entre a igreja e o núcleo do principal


órgão de imprensa de época. Uma semana depois dessa importante reunião, A Voz da Serra
noticia: “Instalada comissão Pró-Diocese”.

Usando da palavra S. Exa. Dom Claudio Colling exemplificou aos presentes o que
seria a instalação de uma Diocese e a vinda de um Bispado a Erechim, sendo que um
dos primeiros passos a ser tomado pelas comissões será a aquisição ou a construção
de uma residência para o futuro Bispo de Erechim. Salientou s. exa. o Bispo
Diocesano que já havia sido efetuado o levantamento em doze municípios, faltando
somente as comunas de Getúlio Vargas e Itatiba do Sul, sendo que a Diocese a ser
instalada em Erechim, abrangerá 14 município e 25 Paróquias150

De acordo com o editor do jornal, ao final da exposição do bispo, que foi intensamente
aplaudido, o padre Atalibo Lise foi nomeado representante do mesmo. Na semana seguinte, A
Voz da Serra comunica que a comissão Pró Construção da catedral, a partir do dia 1º do

146
Conselheiros: Os três padres vigários da cidade; reitor do Seminário N. S. de Fátima; Padre Benjamin Busato;
Irmão Alfredo Baumgrotz, Diretor do Ginásio Medianeira; Irmã Miriam Lorenzetti, Diretora do Centro
Educacional São José; Irmã Nazaré, Diretora da Escola Santo Agostinho; Irmã Gertrudes Chotieski, Superiora da
Congregação das Irmãs da Sagrada Família e os srs Hilário Munaretto, Hugo José Caldart, dr. Clovis
Pagnoncelli, Eddie Valentim Mattevi, Arno Nicolini, Gomercindo Zaffari, Giocondo Pagnoncelli, Pedro Zaffari,
Domingos Menegatti, Fausto Demoliner, Francisco Pinto de Souza, Heitor Pereira de Almeida Arcangelo Lo
Bosco, Eloi Mocellin, Jacques Massignan, José Bordignon e Estevam Carraro.
147
CARRARO, Estevam. Comissão pró diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 18 de maio de 1969, p. 1.
148
Idem.
149
Idem.
150
Idem.
89

próximo mês, estaria visitando todas as famílias erechinenses, a fim de solicitar a colaboração
para o rápido andamento das obras, solicitando ainda a “coletividade erechinense”, que
colaborasse integralmente com a campanha.151
No dia 29 de junho de 1969, então, eis que estampada na primeira página do periódico
A Voz da Serra lê-se a notícia: “Igreja Matriz desaparecerá”. O texto comunica que na semana
que se encerrava, foram iniciados os “trabalhos de demolição da Igreja Matriz São José, que
cederá lugar para as obras de construção da Catedral de Erechim, futura sede do Bispado”. Os
serviços foram iniciados pela torre da nave esquerda, pois dessa forma pretendiam reduzir o
peso sobre os “fracos alicerces, uma vez que é o lado onde o terreno foi rebaixado vários
metros, podendo haver perigo de um desmoronamento”. A edição ainda deixa claro que essa
medida adotada pela comissão encarregada é para a maior segurança da população.152

Figura 22. Recorte do jornal, igreja matriz desaparecerá.

Fonte: A Voz da Serra de 29 de junho de 1969.

151
CARRARO, Estevam. Construção da catedral. A Voz da Serra, Erechim, 27 de maio de 1969, p. 1.
152
CARRARO, Estevam. Igreja matriz desaparecerá. A Voz da Serra, Erechim, 29 de junho de 1969, p. 1.
90

De acordo com o editorial, os trabalhos de construção da catedral seguiam em ritmo


bastante acelerado. Segundo Carraro, os alicerces já haviam sido concretados, estando agora
em fase de concretagem as colunas da primeira etapa. O editor ainda acrescenta que quando
estiverem concluídos os trabalhos de concretagem da parte inicial, onde estará localizado o
salão paroquial, seria demolida a parte final da igreja São José. Como já se observou na
maioria das matérias a respeito da construção da catedral, no final do discurso é solicitada a
colaboração da população erechinense, para que o ritmo das obras não diminua, concluindo
assim o mais breve possível a futura sede.

Neste sentido vem encontrando a maior colaboração por parte da coletividade


erechinense, independente de credos religiosos, que apoia integralmente o Bispado
em Erechim. A futura Catedral de Erechim, obedece as normas estabelecidas pelo
Concílio Ecumênico e será sem dúvida uma das mais belas do Estado. Desaparecerá
pois a Igreja Matriz São José para a futura Catedral de Erechim, sede do Bispado.153

Com o título impactante, no dia 6 de julho de 1969, A Voz da Serra reitera na primeira
página: “Igreja Matriz desaparece”.154 No corpo do texto, o editorial explica que a matriz São
José está sendo demolida para dar lugar às obras da futura Catedral de Erechim,
desaparecendo assim uma edificação neobarroca, para ceder espaço às linhas modernas da
futura catedral. No interior do mesmo jornal, aparece então a primeira argumentação contrária
publicada no periódico, um texto do cidadão erechinense Leão Magno, com o título “Os
capitalistas compram uma igreja”.

Quando se falou da demolição da nossa vetusta Matriz escrevi algumas


considerações para esta fôlha. Infelizmente não chegaram ao destinatário. Agora é
tarde, o que está feito está feito. Isto porém não me impede de me alinhar ao lado
dos que lutaram contra a demolição de uma igreja que ainda poderia batizar mais
algumas gerações.
Prevalecesse minha opinião a Matriz não seria demolida, muito embora
reconhecendo que o espaço que ela oferece já se tornou insuficiente. É justamente
um argumento para conservá-la. A nova igreja seria colocada noutro lugar. O centro
de uma cidade não é imutável, a nova igreja seria colocada no lugar para onde a
cidade cresce. Foi o que aconteceu com uma grande igreja em Chicago. O lugar
onde estava tornou-se um centro comercial. Aos domingos o bairro ficava deserto e
a igreja quasi vasia [sic]. Os capitalistas cobiçavam o local da igreja para um grande
prédio. Procuraram os padres e lhes apresentaram uma boa proposta: construiriam
uma nova igreja num bairro residencial de acôrdo [sic] com a planta apresentada
pelos padres. Em troca receberiam a velha igreja e o terreno. Dariam ainda de
sobrecarga o material recuperado da demolição. A proposta foi aceita. Os homens de
negócio foram generosos, não regatearam despezas. Construiram uma igreja de
encher os olhos (e o coração também) Ganharam os dois: os capitalistas ganharam
um terreno bem no centro do bairro comercial e os fiéis tiveram uma igreja moderna

153
Idem.
154
CARRARO, Estevam. Igreja matriz desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 6 de julho de 1969, p. 1.
91

sem prejuízo do seu caráter sacral bem à porta. Mais satisfeitos ficaram os padres
que viram triplicada a frequência às missas.
Aqui não seria o caso, não há crise de espaço, mas nada impediria que a Matriz,
relativamente nova, ficasse onde está para atender os fiéis do centro. Com menos
despesa teríamos duas igrejas. Para facilidade dos fiéis seria de desejar que cada
bairro ou grupos de bairros tivessem a sua própria igreja. Num bairro pobre não
haveria mais a desculpa, principalmente da parte do elemento feminino: “Não tenho
roupa, não posso ir à missa”. O fiel frequenta com mais gosto a igreja do próprio
bairro.
Foi a idéia que propuz em tempo. Talvez o argumento teria pesado na votação, pois
agora estou sabendo que a demolição da Matriz não foi pacífica: teve gente que
brigou três dias sem beber água. Estou com eles, nada mais posso fazer senão
manifestar-lhes a minha solidariedade (grifo nosso).155

Fica claro no texto de Magno, que logo no início das discussões sobre a decisão de
demolir a matriz, houve outra tentativa da parte dele para possivelmente alertar a população
em impedir sua consumação, a qual não foi publicada. Talvez, no momento em que essa
reinvindicação foi publicada, já não houvesse mais o que fazer, como o próprio autor lamenta.
Mesmo reconhecendo que o espaço que a matriz oferece já se tornou pequeno, ele afirma que
é a favor de sua preservação, assim como mais pessoas, que segundo ele não reagiram
pacificamente à iniciativa, se posicionando contra a demolição. O autor ainda argumenta que
não há crise de espaço urbano, e que tranquilamente a catedral poderia ser construída em
outro terreno, alegando o interesse dos capitalistas de que ela se mantivesse no centro.
Na sequência, como possível resposta e convite de reflexão às questões levantadas por
Leão Magno, no dia 13 de julho de 1969, é publicado no referido jornal o texto: “É melhor
chorar agora do que chorar depois”. Oluzan, autor do artigo, escreve que também lamenta as
memórias da comunidade perante à igreja, mas defende que a demolição é uma necessidade,
principalmente pela segurança. Na primeira página do periódico, a direção do jornal publica
com o título “Demolição da Matriz mostrará documentos”, um artigo que anuncia a
demolição da matriz e a construção da catedral, e traz a transcrição de um trecho do livro
“Meu Erechim Cinquentão”, de Chico Tasso, que versa sobre a construção da matriz. Na
segunda página, o texto de Oluzan:

Felizes de nós que temos de ver que agora são apenas alguns que choram, mas
muitos mais infelizes e desgraçados seríamos se futuramente teríamos que chorar
talvez com lágrimas de sangue a nossa imprudência e desleixo.
Estão demolindo a nossa querida Matriz São José, estão demolindo um monumento
histórico, estão desfazendo aquilo que nossos avós, nossos pais edificaram com
tanto sacrifício. Quão gratas (ou talvez tristes) recordações calem no fundo dos
nossos corações. Comenta-se: Quantos batizados, quantos casamentos, quantas
recordações, quantas encomendações, quantas missas solenes lá se realizaram!

155
MAGNO, Leão. Os capitalistas compram uma igreja. A Voz da Serra, Erechim, 6 de julho de 1969, p. 3.
92

Eu, fui batizado, crismado, fiz minha primeira comunhão. Eu, me uni à minha
espôsa na Matriz São José, batizei meus filhos... as lamentações vão por aí a fora e
se tornam tão prolongadas como a Ladainha de todos os Santos é claro, com exceção
dos que foram cassados.
Não pretendo e tampouco desejo imiscuir-me nos sentimentos alheios, muito pelo
contrário, cada qual que guarde e bem guardado suas gratas recordações e
sentimentalismo e também uma foto de nossa querida Matriz São José.
Gente! O que nós precisamos é um bocado de sensatez. A velha Matriz não está
sendo demolida pelo belo prazer de vermos edificado um novo templo, para vermos
uma Erechim com seus prédios com as mais belas linhas arquitetônicas. Ela está
sendo demolida por uma necessidade premente. Não um plano de meia dúzia, não é
compra de um capitalista.
Foi procedido um inquérito à tôda comunidade, apenas 1,9% se manifestaram
contra. Os que não se manifestaram pouca ou nenhuma preocupação tiveram. Foi
efetuado um levantamento técnico especializado que condenaram unânimemente
aquela edificação por não oferecer a mínima condição de segurança.
Está sendo feito o que deve ser feito. Que nos perdoem os ofendidos, mas sejamos
reais, sejamos (repito) sensatos, porque é melhor que alguns chorem agora, do que
centenas ou milhares chorarem depois, vendo seus parentes e amigos subterrados
nos escombros da velha e querida matriz São José (grifo nosso).156

Oluzan deixa transparecer em seu texto que haviam mais inconformados com a
decisão da demolição do que o próprio dado emitido por ele, de 1,9 % que se manifestaram
contra. Ele também justifica que o empreendimento é uma medida de segurança para a
população, remetendo mais uma vez à tese de que a matriz estava em estado precário,
afirmando que o interesse em construir a catedral não é de apenas alguns homens, mas sim a
decisão acertada, que prioriza a segurança de todos. Na terceira página do mesmo jornal,
complementando essa atmosfera de pesar e conformidade, é publicada a poesia de Iná Maciel
com o título “Matriz”:

Cidade Jovem
Com uma igreja no coração

Na avenida
Uma silhueta antiga
Nave mourisca
Par de torres
O altar-mór de São José.

Tombam os sinos da Matriz


com êles
cânticos
com êles
amores do sacramento
com êles
rezas da voz anciã.

A procissão
As luzes da oração

156
OLUZAN. É melhor chorar agora do que chorar depois. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
93

Nuvens de santidade
Sobem do chão ao céu

Estrondo de pedra
da Matriz morrendo

Por quê?
Por quê?

Anciâ dos salmos que vai sumindo


Gemendo cânticos.
Distante como a velha igreja
Floresta escura
Caminhos curvos
Noivos na manhã
A santa missa
Padres rezando pelos que se foram.

Amor
Saudade
De uma igreja no coração
(grifo nosso).157

No dia 15 de julho, na segunda página do jornal A Voz da Serra, mais um cidadão se


manifesta à respeito da construção da catedral. Com o título de “A Catedral é uma
necessidade”, o autor que se denomina Dico, inicia o texto argumentando a importância do
desenvolvimento e progresso da cidade, chamando a atenção para que a população se una com
os idealizadores que notaram que Erechim está precisando de um templo maior e mais
moderno. Ele prossegue:

Comentário e mais comentários estão surgindo de todos os lados, uns contra, outros
a favor da demolição da matriz São José, e a construção da Catedral, mas eu me
ponho a favor da demolição, não por ela oferecer perigo para soterrar cristãos por ser
vendida a capitalistas, por ser uma obra arquitetônica da época em que foi
construída, ou por guardar recordações, não; me ponho a favor porque Erechim
cresceu, prosperou, a população aumentou, e a região comporta muito bem uma
Catedral e Erechim tem necessidade de um templo maior (grifo nosso).158

Dico prossegue seu argumento se colocando a favor do desenvolvimento e,


assegurando que os perigos de desabamento do prédio da matriz não são reais, e que se havia
algum risco, os mesmos já haviam sido solucionados com a retirada do forro, que era o único
perigo eminente apresentado pela matriz São José, e termina garantindo que o imóvel pode
“continuar por mais séculos que não há perigo” (Idem).

157
MACIEL, Iná. Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
158
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
94

Esclareço também que a construção da Catedral que esta surgindo, é a realização


dum ideal dos nossos antepassados que já na época em que êles existiam sonhavam
ter um bispado em Erechim.
Portanto amigos, unamo-nos aos idealizadores, não com comentários e críticas mas
sim com a nossa colaboração e incentivo para que em pouco tempo possamos ver de
pé aquilo que chamaremos de CATEDRAL, é uma obra prima arquitetônica de
nossa época, e assim possamos no futuro dizer aos nossos filhos e netos que aquilos
que êles estão vendo foi construído pelos seus pais (grifo nosso).159

Dias depois desse depoimento, A Voz da Serra divulga no dia 20 de julho, na sua
primeira página, o anúncio “Uma surge – Outra Desaparece”, com uma foto da matriz sendo
demolida e o surgimento dos alicerces da futura catedral.160 O termo “desaparece”, utilizado
mais uma vez, representa a força do acontecimento, que apagaria para sempre a matriz,
levando com ela suas afetividades e principalmente, cessando as discussões sobre a
construção da catedral, como se fosse um desfecho, afinal, “o que está feito está feito”.
Na terceira página do mesmo periódico, é publicada uma matéria com o título
“Dialogando com você amigo”, que inicia uma coluna que perdurou por meses, abordando
assuntos do Concílio da Igreja no mundo de hoje, trazendo sempre junto ao corpo do texto a
imagem da perspectiva da futura catedral.

159
Idem.
160
CARRARO, Estevam. Uma surge – outra desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 20 de julho de 1969, p. 1.
95

Figura 23. Recorte do jornal A Voz da Serra da coluna Dialogando com você amigo.

Fonte: A Voz da Serra, 20 de julho de 1969.


No dia 27 do mês corrente, A Voz da Serra transmite uma matéria intitulada
“Campanha do Otimismo: Capital do Alto Uruguai”, referindo-se a modernização de
Erechim, que na época estava com 50 mil habitantes e contava com um movimento
agropecuário intenso.161
Dando sequência à análise dos periódicos, durante alguns meses, mais precisamente
até fevereiro do próximo ano, não se mencionou mais a questão da demolição da matriz.
Entretanto, quase que semanalmente, foram publicadas matérias que seguiam um padrão
comum, podendo ser consideradas como uma campanha. Nessas matérias, na maioria das
vezes, com o título “Dialogando com você amigo”, os textos apareciam acompanhados da
imagem da futura catedral, como na figura 22. Do dia 20 de julho de 1969 ao dia 7 de junho
de 1970, ou seja, durante quase um ano, foram publicados textos escritos pelo padre Demétrio
Valentini, geralmente na terceira página do periódico, consecutivamente abordando assuntos
referente à igreja católica. Na tabela a seguir é possível conferir as datas desses artigos e seus
respectivos títulos.

161
A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1969.
96

Tabela 1. Campanha pró diocese.


Data da publicação Título da coluna
20 de julho de 1969 Dialogando com você amigo
10 de agosto de 1969 Dialogando com você amigo
17 de agosto de 1969 Dialogando com você amigo
24 de agosto de 1969 Dialogando com você amigo
31 de agosto de 1969 As interrogações mais profundas do
gênero humano
7 de setembro de 1969 Os documentos do Concílio
14 de setembro de 1969 Como surgiu o Concílio Vaticano
Segundo
21 de setembro de 1969 Como surgiu o Concílio Vaticano
Segundo
28 de setembro de 1969 A preparação do Vaticano
5 de outubro de 1969 Momentos decisivos do Concílio
12 de outubro de 1969 Os assuntos quentes do Concílio
19 de outubro de 1969 As idéias – Fôrça do Concílio
26 de outubro de 1969 Os movimentos que precederam o
Concílio
2 de novembro de 1969 O desenrolar do Concílio
9 de novembro de 1969 O Itinerário dos Documentos Conciliares
15 de novembro de 1969 A organização do Concílio
7 de dezembro de 1969 Como funciona a Igreja no Brasil
14 de dezembro de 1969 A união dos Cristãos
28 de dezembro de 1969 Os caminhos da Unidade Cristã
23 de janeiro de 1970 A Diocese de Erechim
07 de fevereiro de 1970 As fôrças vivas da Diocese
15 de fevereiro de 1970 Os Leigos e a nova Diocese
24 de fevereiro de 1970 As responsabilidades dos leigos
2 de abril de 1970 Diocese, Cúria e Catedral
16 de abril de 1970 As metas da Diocese
3 de maio de 1970 As causas da Ignorância Religiosa
97

17 de maio de 1970 A Reflexão Comunitária


7 de junho de 1970 Uma comunidade que nasce
Fonte: Sistematização do autor.

No dia 7 de outubro de 1969, é publicada uma matéria sobre as romarias ao santuário


de Fátima e a influência das mesmas no processo de elevação à Diocese de Erechim. Há anos
o santuário foi a sede das romarias, um acontecimento religioso que interessa às paróquias
vizinhas, anualmente atraindo a atenção da região para a nossa cidade. No texto também foi
explicado que diocese significa “um grupo de paróquias reunidas em torno de um Bispo”.162
O fato de estar incluída essa informação no texto, assim como a campanha que a coluna
“Dialogando com você amigo” desenvolveu, demonstra que a comunidade, inclusive católica,
poderia ignorar ou ter dúvidas a respeito dos assuntos triviais da Igreja. Para tal constatação,
entende-se que se a população não sabia o que era uma diocese, tampouco poderia
compreender a importância de Erechim ter a sua, assim como a de ter a necessidade de
construir uma catedral.
Nas duas primeiras semanas de novembro, são iniciadas festividades comemorativas
pela passagem do cinquentenário da paróquia São José.163 No dia 25 de novembro, se noticia
numa pequena nota, na primeira página, sobre a criação da diocese, informando que o padre
Atalibo Lise, vigário da paróquia São José, estava indo à São Paulo conversar com o Núcio
Apostólico, representante do Vaticano no Brasil, para tratar do andamento do processo de
criação do bispado em Erechim, retornando ainda na mesma semana.164 Logo a seguir, no dia
30, é divulgada a resposta positiva dessa viagem. De acordo com o padre Atalibo Lise, Dom
Humberto Mozzoni, que encontrava-se no Brasil há quatro meses, salientou que não seria
possível precisar uma data para a criação da Diocese em Erechim, mas garantiu formalmente
que, em 1970, Erechim teria sua diocese.

A demora na criação da Diocese em Erechim, é causada em primeiro lugar pelo


grande número de Dioceses que se encontram sem Bispo, as quais o Núncio
Apostólico tem compromisso com a Santa Sé de prevê-las até março do próximo
ano. Somente após o mês de março é que deverá tratar da criação das novas
Dioceses dentre as quais está Erechim, cujo processo já encontra-se em Roma.165

162
CARRARO, Estevam. As Romarias e a Nova Diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 7 de outubro de
1969, p. 3.
163
CARRARO, Estevam. Cinquentenário da Paróquia São José. A Voz da Serra, Erechim, 4 de novembro de
1969, p. 1.
164
CARRARO, Estevam. Criação da diocese. A Voz da Serra, Erechim, 25 de novembro de 1969, p. 1.
165
CARRARO, Estevam. Em 70 Erechim será Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 30 de novembro de 1969, p. 1.
98

Segundo Dom Humberto Mozzoni, outra dificuldade enfrentada foi encontrar um


bispo para cada diocese, pois não era muitos os sacerdotes que aceitavam esse cargo.
Entretanto, enquanto eram aguardadas essas resoluções, a comissão pró diocese tinha o tempo
necessário para providenciar as instalações. No ano seguinte, em janeiro de 1970, uma
matéria na 3ª página, A Voz da Serra abordou novamente o assunto da diocese, interpretando
palestras realizadas entre os padres sobre como ela funcionaria, e que ela deveria ser original
e não se igualar às outras dioceses.166

Não existe uma moldura oficial para diocese, dentro da qual tôdas precisam se
enquadrar. De novo precisamos nos recordar que a Igreja não é uma organização,
uma administração, que enquadra (...) Não precisamos nos tornar todos iguais para
sermos cristãos. E consequentemente as comunidades cristãs podem ser tão diversas
quanta é a diversidade que existe no mundo. Por isto que a diocese de Erechim será
a diocese nossa, daqui, com os nossos problemas e com a maneira nossa de enfrentá-
los com as nossas características, com a nossa história, nossas realizações e nossos
tropeços.167

Essa maneira de considerar a diocese foi aprovada pela população e seus padres, pois
apresentava o conceito de que a paróquia de Erechim não precisava deixar de ser o que era
para se tornar diocese, podendo conservar seus valores de acordo com os princípios da região,
a qual possuía um espírito “comunitário e jovial que sempre acolhia quem chegava”. Tal
flexibilidade oferecida pela Igreja na questão dos princípios e valores, pode ser interpretada
como uma forma de evitar que a comunidade se intimidasse, incutindo o plano de diocese e
modernização pretendido pela paróquia São José, mas ao mesmo tempo, tranquilizando-a que
a mudança seria apenas na edificação, e não na sua fé ou religião, já que esse grupo social
demonstrava ter fundamentos religiosos firmados.

É a partir da nossa realidade que a diocese de Erechim vai se configurar. A


organização que se precisar fazer será em função da realidade. Trazer a diocese para
Erechim não significa enquadrar a nossa realidade dentro de moldes
preestabelecidos, não significa que a nossa região vai perder sua personalidade, mas
quer dizer que a Igreja de Cristo vai se encarnar na realidade que nos é própria.
Vamos realizar aqui a nossa união, e as nossas coisas, em tôrno de Cristo.168

Em complementação às matérias da linha “Dialogando com você amigo”, o artigo


acima evoca que a comunidade tem uma tarefa coletiva: a construção de uma diocese com
personalidade própria, sugerindo que não seria uma imposição, mas que a comunidade em

166
VALENTINI, Padre. A diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 23 de janeiro de 1970, p. 3.
167
Idem.
168
Idem.
99

geral iria participar, tomando para todos a iniciativa e, evidenciando mais uma maneira de
buscar incentivo e apoiar a causa.
No mês seguinte, é publicada em uma nota na primeira página do A Voz da Serra
informando sobre as obras de demolição da matriz São José que serão reiniciadas nos
primeiros dias de março, segundo determinação da comissão pró catedral. Juntamente, as
obras na nova catedral foram reiniciadas, com os trabalhos desenvolvendo-se na parte térrea,
local onde provisoriamente seriam realizadas as missas, até que fosse concluída a catedral.169
Em abril, fala-se novamente da espera pela criação da diocese e, na mesma ocasião, se
informa que a construção da casa do bispo foi adiada para quando ele estivesse presente,
podendo assim opinar onde seria o local mais conveniente.170 No dia 30 do mês em questão,
mais uma vez o jornal noticia: “Erechim, em breve Diocese”. No artigo, uma informação nova
até o momento: “Em 1965, através da Associação Comercial, foi endereçado em pedido ao
então Núncio Apostólico, D. Sebastião Bágio. Foi o primeiro despertar.” Sobre a comissão
que possibilitou esse pedido de 1965:

Esta comissão empenhou-se principalmente em conseguir o necessário, referente à


parte financeira para a instalação da residência do sr. Bispo e a respectiva Cúria
Diocesana. A par disto os Sacerdotes das paróquias que irão compor a Futura
Diocese, fizeram também um trabalho de instrução ao povo sôbre o sentido da
criação de uma Diocese. Com esta finalidade esteve em Erechim, por ocasião do
Cinquentenário da Paróquia São José, o sr. Bispo Auxiliar de Pôrto Alegre, Dom Ivo
Lorscheiter, que desempenha o cargo de coordenador Pastoral de tôda a região Sul,
mantendo contato com a Comissão Pró-Diocese, com Sacerdotes e Comissões das
Paróquias da Região; falando por várias vêzes nas Rádios locais, esclarecendo o que
significa hoje, após o Concílio Vaticano II, a criação de uma DIOCESE (grifo
nosso).171

Como percebe-se, além do envolvimento da comissão, foram diversos os membros da


igreja católica que se dispuseram a cooperar no trabalho de “instrução do povo”, o que mais
uma vez comprova o discurso sobre o desconhecimento da população sobre as questões da
diocese. Ainda segundo o jornal, a catedral seria provisoriamente instalada na parte do
subsolo da igreja, local que futuramente, serviria como salão paroquial. O bispo nomeado pela
Santa Sé para dirigir a diocese de Erechim iria residir temporariamente no seminário Nossa
Senhora de Fátima até a construção de sua residência. O editor da matéria finaliza
parabenizando a população católica de Erechim e do Alto Uruguai pela próxima criação da
diocese, garantindo que a conduta irá contribuir ainda mais para o desenvolvimento,

169
CARRARO, Estevam. Demolição da matriz. A Voz da Serra, Erechim, 1º de fevereiro de 1970, p. 3.
170
VALENTINI, Padre. As metas da diocese. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1970, p. 3.
171
CARRARO, Estevam. Erechim, em breve diocese. A Voz da Serra, Erechim, 30 de abril de 1970, p. 1.
100

espiritual, cultural e material de toda a Região.172 Essa conduta do editor, verificada com
frequência, demonstra o apoio da imprensa na realização do empreendimento, pautando
sempre expressões como “desenvolvimento”, auxiliando na tarefa de persuasão de que seria a
melhor alternativa para o município.
Enfim, no dia 30 de junho de 1970, numa nota na primeira página, com uma foto da
matriz e a chamada “Matriz desaparecerá definitivamente”, informa-se que haviam sido
iniciados os trabalhos de demolição definitiva da igreja matriz São José, com a retirada do
telhado de zinco.173
No mesmo ano, ainda se noticiou que a nova catedral seguiria o exemplo de igrejas
modernas, reservando um lugar para um ossário174. “Esta medida além de dar lugar digno aos
restos mortais de nossos entes queridos ajudará a solucionar o problema de espaço do nosso
cemitério e também conseguir base financeira para num espaço de tempo mais breve possível
concluir as obras da nossa moderna Catedral”.175 Nesta conjuntura, ao final do ano de 1970, o
título de Cidadão Erechinense foi entregue ao padre Benjamin Busato.176
Em 1971, diversas foram as notícias sobre a nova diocese. A maioria anunciava a sua
criação, comunicava tramitações que aconteciam para sua concretização ou traziam
informações sobre como funcionaria. No dia 3 de junho, na primeira página, A Voz da Serra
anuncia oficialmente a criação de três dioceses no Rio Grande do Sul: a de Cruz Alta,
Erechim e Rio Grande, desmembradas respectivamente de Santa Maria, Passo Fundo e
Pelotas. Também anuncia que Dom João Aloysio Hofmann, bispo de Frederico Wetsphalen,
foi designado para ser primeiro bispo de Erechim, devendo estar em Erechim no dia 4 de
julho.
De acordo com a edição do jornal, a notícia foi recebida com alegria pela comunidade,
que esperava há anos pelo acontecimento. A nova diocese de Erechim desmembrada da de
Passo Fundo, compreendia na época, 14 municípios: Erechim, Getúlio Vargas, Campinas do
Sul, Jacutinga, Barão de Cotegipe, São Valentim, Erval Grande, Itatiba, Aratiba, Gaurama,

172
Idem.
173
CARRARO, Estevam. Matriz Desaparecerá definitivamente. A Voz da Serra, Erechim, 30 de junho de 1970,
p. 1.
174
Compartimentos onde se guardam os ossos humanos.
175
CARRARO, Estevam. Na Catedral os Restos de Nossos Mortos. A Voz da Serra, Erechim, 27 de outubro de
1970, p. 1.
176
O padre Benjamin Busato, foi quem construiu a Igreja Matriz São José, agora demolida, as bases do Hospital
de Caridade, da Associação Comercial, da Associação Rural. Sua atuação foi uma das mais destacadas no
povoado que recém estava formando-se e que hoje constitui-se Erechim. Quando dos festejos do cinquentenário
de nosso Município, publicou o padre Benjamin Busato, livro “Meu Erechim Cinquentão”, onde em crônicas,
relata aspectos da formação deste Município, no correr da máquina deixando as gerações futuras, o que foi a
formação do nosso Erechim. Ver: A Voz da Serra, Erechim, 8 de dezembro de 1970, p.1.
101

Severiano de Almeida, Mariano Moro, Viadutos, Marcelino Ramos. A população total da


diocese era de aproximadamente 300 mil habitantes, só 32 mil em Erechim, sua sede. No
âmbito religioso, possuía 25 paróquias: três em Erechim (a catedral São José, Nossa Senhora
da Salette e São Pedro), além das de Estação de Getúlio Vargas, Áurea, Capo-Erê, Carlos
Gomes, Três Arroios, Benjamin Constant, Barra do Rio Azul, Dourado e Paulo Bento.
Dom João Aloysio Hoffmann, escolhido para ser o primeiro bispo de Erechim, era até
aquele momento pastor da diocese de Frederico Wetsphalen. Nasceu no dia 24 de junho de
1919 em Joaneta (São Leopoldo/RS). Ordenado no dia 19 de dezembro de 1943, foi
cooperador da paróquia de Carazinho e posteriormente pároco de Tapera. De 1958 a 1962, foi
secretário geral e depois vigário-geral de Passo Fundo. Elevado ao Episcopado no dia 26 de
março de 1962 e nomeado primeiro bispo de Frederico Wetsphalen, foi ordenado em 10 de
junho do mesmo ano, em Passo Fundo, pelo Núncio Apostólico Dom Armando Lombardi.177
A comitiva que se deslocou à Frederico Wetsphalen, seguida por Dom Cláudio
Colling, tinha como objetivo dar as boas-vindas ao bispo, assim como acertar detalhes da data
de sua instalação e a tomada de posse, o qual ficou ajustado para 4 de julho. Os preparativos,
como de praxe, ficaram a cargo da comissão pró diocese.
Sendo a criação da diocese um fato de comoção regional, a comissão organizadora pró
diocese mobilizou diferentes entidades na preparação dos festejos, criando assim
subcomissões, onde as entidades do Rotary e do Lyons se engajaram. A Prefeitura Municipal,
Associação Comercial e os colégios da cidade também se envolveram, tudo para marcar o
acontecimento tão esperado “que irá congregar com novos laços de união o povo do Alto
Uruguai.” Na mesma página, também foi publicada uma mensagem do cardeal Vicente
Scherer, Arcebispo de Porto Alegre, que parabeniza Erechim pela nova diocese.178
Em matéria do dia 20 de junho, seguem as argumentações sobre a diocese, como uma
responsabilidade do povo, e não uma premiação, assim como uma missão maior, voltando a
falar das mudanças da Igreja, do sonho que Erechim alcançava naquele momento, ainda
buscando o apoio dos católicos, apelando para a fé, Jesus Cristo etc.179 Dois dias depois, uma
publicação vem esclarecer o que é diocese, mostrando que normalmente se entende que
diocese é apenas uma divisão administrativa ou funcional, mas que o correto é a presença da
Igreja em meio ao povo.180 De acordo com o Concílio, “Diocese é a porção do povo de Deus
confiada a um bispo para que a pastoreie em colaboração com o presbitério, de tal modo que,

177
CARRARO, Geder. Criada a Diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 3 de junho de 1971, p. 1.
178
CARRARO, Geder. Reunião da Comissão pró-Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 8 de junho de 1971, p. 1.
179
CARRARO, Geder. A criação da diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 20 de junho de 1971, p. 1.
180
CARRARO, Geder. O que é uma diocese. A Voz da Serra, Erechim, 22 de junho de 1971, p. 1.
102

unida ao seu pastor e por êle congregada no Espírito Santo mediante o Evangelho e a
Eucaristia, constitua uma Igreja particular, na qual verdadeiramente está e opera a Uma Santa
Católica e Apostólica Igreja de Cristo.”181 No dia 27 do mesmo mês, outro artigo aborda a
função do bispo em uma Diocese.182
Na segunda página do dia 1º de julho de 1971, com o título de “Uma Diocese nossa”, é
exposta a missão de Erechim como diocese, enfatizando que “cada diocese deve ter sua
marca, seus valores e fundamentos”, como já introduzido em outras publicações de 1970. De
acordo com o texto, para a comunidade erechinense, a diocese significava novas iniciativas
em diversos campos, assim como uma contínua “busca dentro do cristianismo”, inserido na
própria realidade da região do Alto Uruguai. “A presença da Igreja não é para competir com
ninguém mas para trazer a tôdas as coisas a complementação cristã, de que tôdas necessitam e
que lhes dá um sentido mais completo e verdadeiro”.183
Complementando a matéria que veio esclarecer as funções e a importância do bispo,
na sequência é publicada outra discutindo a responsabilidade da comunidade na diocese,
assim como a organização diocesana, os religiosos, os presbíteros (padres) e transmissão da
fé.184 No dia 13 de julho, A Voz da Serra traz uma reflexão mais abrangente:

Muitos esperam que a nova diocese vai se constituir num impulso muito grande para
o progresso da nossa cidade. A presença do bispo seria uma forte mão na roda para
tocar adiante as aspirações da região. A partir da diocese iriam deslanchar muitas
realizações, e o ritmo do nosso crescimento seria bem mais rápido. Esta esperança
tem aliás bom fundamento. Baseia-se no fato de que a presença da Igreja promove
não só o progresso espiritual, mas impele também para o desenvolvimento
econômico e social.185

O artigo continua, buscando esclarecer mais a respeito do assunto, refletindo e


buscando o apoio da população nessa ascensão religiosa, social e econômica. Na primeira
página do dia 27 do mês corrente, se anuncia que a região terá o seu bispado no próximo
domingo, assim como as expectativas da coletividade. Segundo a matéria, o bispo seria
recebido em Barão de Cotegipe, depois acompanhado até Erechim, onde seria saudado pelo
prefeito em exercício, Irany Jaime Farina, juntamente com as autoridades e o povo
erechinense. A seguir almoçariam na paróquia São Pedro. À noite, o poder Legislativo faria

181
Idem.
182
CARRARO, Geder. O Bispo na Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 27 de junho de 1971, p. 1.
183
CARRARO, Geder. Uma diocese nossa. A Voz da Serra, Erechim, 1º de julho de 1971, p. 2.
184
CARRARO, Geder. As fôrças vivas da Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 4 de julho de 1971, p. 4.
185
CARRARO, Geder. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1971, p. 1.
103

homenagem solene na Câmara. De acordo com a imprensa, 200 mil pessoas aguardavam esse
momento histórico.186
A edição que noticiou a posse do bispo, iniciou com o trecho de “Uma Profecia”,
crônica de Chico Tasso que escreve de maneira literária sobre uma visita de Dom Áttico
Eusébio da Rocha, bispo de Santa Maria à Erechim por volta de 1926, quando Erechim ainda
possuía a maioria de suas casas em madeira e não havia luz elétrica nem pavimentação, assim
como a igreja São José ainda era apenas um casarão de madeira. Nesse dia, segundo ele, o
bispo diz: “Boa Vista terra de venturas! Estou vendo o teu futuro, grande cidade, importante
bispado.” Logo abaixo, outra nota intitulada “A Criação da Diocese”:

Longamente amadurecida, carinhosamente preparada, instala-se adulta em Erechim


uma diocese, o sonho a aspiração da família cristã erechinense.
Comunitariamente, sua realização é mais uma consagração da colaboração
harmônica entre a imprescindível iniciativa particular e a necessária
complementação dos poderes públicos.187

Dessa forma, o texto induz a reflexão de que Igreja e desenvolvimento andam sempre
juntos. Na mesma página também são especificadas as congregações religiosas existentes na
Diocese de Erechim com seus respectivos campos de atividade. São elas:
Congregação das irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora;
I. União das Cônegas regulares de Santo Agostinho – Congregação de Nossa
Senhora;
II. Instituto das Irmãs da Consolata para missões estrangeiras;
III. Congregação das irmãs Franciscanas da Sagrada Família de Maria;
IV. Sociedade das filhas da caridade de São Vicente de Paula;
V. Congregação das irmãs de São José;
VI. Congratulação das irmãs dos Santos Anjos;
VII. Congregação das Irmãs Pastorinhas – Catequistas;
VIII. Irmãos Marista;
IX. Padres dos Instituto Missões de Consolata;
X. Padres de Nossa Senhora de Salete;
Em anexo, segue uma tabela especificando as paróquias da nova diocese na época da
sua criação188. Ainda na edição especial de 1º de agosto do A Voz da Serra, foram relatadas as

186
CARRARO, Geder. Região terá Bispado Domingo. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1971, p. 1.
187
CARRARO, Geder. Edição especial – Posse do Bispo. A Voz da Serra, Erechim, 1º de agosto de 1971, p. 1.
188
As cidades também estão com seus nomes da época, algumas delas mudaram de nome, como Estação Getúlio
Vargas que hoje é apenas Estação.
104

primeiras atribuições do bispo. Instalada oficialmente em Erechim no dia 1º de agosto, a


diocese passaria a ter uma nova administração, o que deveria ser um dos próximos passos a
ser executado. De acordo com Estevam Kfiecinski, autor da matéria, “foi convocada uma
reunião entre os padres para o próximo dia 9, para tomarem as primeiras providências da
diocese, assim como a intenção de criar o Conselho de Pastoral”.
Com a instalação da diocese, a comissão pró diocese se extinguiu e foi criado um
Conselho Administrativo para cuidar dos assuntos financeiros da mesma. Também, na
ocasião, o bispo escolheu um padre para a função de Vigário Geral da diocese, que podia
acumular a função de procurador da Mitra Diocesana, sendo o substituto do bispo na ausência
do mesmo. Ao final da matéria, foi novamente salientada a importância da participação e
189
apoio da população dentro da diocese. No dia 5 do mês seguinte, nas semana do bispo, o
jornal A Voz da Serra divulgou o Conselho Diocesano de Administração.190

2.4. As romarias do Santuário de Fátima e sua contribuição no processo pró


diocese

O Seminário Diocesano Nossa Senhora de Fátima, fundado em 1º de Março de 1953,


funcionou dois anos num prédio provisório. Unindo esforços da comunidade católica,
sacerdotes e o bispo da diocese de Passo Fundo, a qual Erechim pertencia naquele momento,
foi erguida a primeira e principal ala do atual Seminário, com 85 m de comprimento, 13 m de
largura e três pisos, inaugurada no dia 27 de fevereiro de 1955, atendendo, assim, ao crescente
número de candidatos ao sacerdócio. No seguinte passo foi concretizada a segunda ala,
inaugurada no dia 21 de outubro de 1956. E como terceira etapa, atendendo à necessidade dos
seminaristas e as práticas religiosas dos fiéis, aos 16 de outubro de 1960 foi inaugurado o
Santuário de N. Sra. De Fátima, também padroeira do Seminário e em cuja honra,
anualmente, ainda é celebrada a tradicional Romaria Diocesana de N. Sra. De Fátima.191
Pouco tempo depois da efetivação da Diocese de Erechim e próximo da congregação
de Fátima que ocorre anualmente em outubro, houveram matérias no jornal A Voz da Serra
remetendo-se a importância das Romarias de Fátima nesse triunfo, pois as mesmas teriam
ajudado à dar a essa região o caráter de um centro, consequentemente, de comunidade. As

189
Ibidem, p. 3.
190
O Conselho Aministrativo era composto por Dr. Gladstone Osório Mársico, Eolo Arioli, Dr. Almiro
Badalotti, Dr. Clóvis Pagnoncelli, Oscar Abal, Narciso Passuello, Renato Caron, Dr. Paulo Dias Fernandes,
Heitor Carlon, Arnaldo Zordan, Natalin Desordi, Pedro Fávero, Roberto Zaffari, Jaime Lago, Rovilo José
Meneguzzo, e Hilario Munaretto (A Voz da Serra, Erechim, 5 de setembro de 1971, p.1).
191
Ibidem, p. 1.
105

romarias, que já são tradicionais, continuaram servindo como um agente agregador e


unificante em torno do bispo e da nova diocese. “Para a Diocese de Erechim, a romaria de
Fátima se apresenta como um grande valor que pode trazer bons frutos, sobretudo de união
diocesana e de renovação cristã”.192
De acordo com o padre Esteva Kfiecinski, no dia 10 de outubro, Erechim recebeu os
romeiros de diversas comunas do estado, que participaram da 20ª Romaria em honra de Nossa
Senhora de Fátima. Na ocasião, o bispo conclui as visitas que estava fazendo em cada
paróquia da região, levando consigo a imagem de Fátima.193 A seguir, ilustra-se a imagem que
fazia parte da reportagem e o Seminário Nossa Senhora de Fátima.194

Figura 24. Recorte da matéria sobre o Seminário de Fátima.

Fonte: do A Voz da Serra de 10 de outubro de 1971.

192
CARRARO, Geder. A Romaria de Fátima e a Diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 3 de outubro de
1971, p. 2.
193
CARRARO, Geder. 20ª Romaria de Fátima. A Voz da Serra, Erechim, 10 de outubro de 1971, p. 2.
194
A Lei Municipal nº 3.409 de 31 de outubro de 2001 declara a Romaria de Nossa Senhora de Fátima como
bem imaterial integrante do patrimônio cultural de Erechim.
106

2.5. Com a Diocese instalada, o foco se volta para a construção da catedral

Na primeira página do jornal A Voz da Serra do dia 28 de dezembro de 1971, o título


“Campanha do telhado” elucida que a comissão da paróquia São José lançará dentro de alguns
dias uma campanha que irá abranger toda a região Alto Uruguai para arrecadar fundos para a
execução do telhado da catedral, acrescentando que “certamente encontrará a maior acolhida
por parte da coletividade erechinense”. A campanha incluiu sorteios de prêmios, visando uma
arrecadação rápida para o prosseguimento das obras.195

Figura 25. Recorte da matéria campanha do telhado.

Fonte: A Voz da Serra de 28 de dezembro de 1971.

195
CARRARO, Geder. Campanha do Telhado. A Voz da Serra, Erechim, 28 de dezembro de 1971, p. 1.
107

No dia 30 de dezembro, a catedral recebe a doação de uma moradora de Planalto/RS,


que recentemente havia acertado na Loteria Esportiva, conforme noticiou o jornal:

Figura 26. Recorte do jornal sobre oferta a catedral.

Fonte: A Voz da Serra de 30 de dezembro de 1971.

Em 1972, a primeira notícia sobre a catedral referia-se a um perigo na sua construção.


A escavação realizada para a execução da torre estaria ameaçando a segurança dos
transeuntes. O fosso, já com certa profundidade, não tinha uma proteção adequada, apenas
uma cerca nas laterais. O jornal, salienta como a coletividade apoia integralmente a
construção da catedral e alerta a comissão de obras para corrigir tal irregularidade.196
Nos meses que se seguem, são publicadas outras notícias sobre as obras da catedral:

As obras da Catedral continuam em ritmo acelerado neste fim de ano. Espera-se para
esta semana a vinda do técnico da Sul Metal – Estruturas Metálicas para orientar os
trabalhos de colocação dos ferros de esfera do telhado para após ser concretada a
viga de acabamento da cobertura. Dois motivos provocaram um pequeno atraso nos
trabalhos: as chuvas constantes que se fizeram sentir nos últimos meses, e o atraso
da própria firma Sul Metal em fornecer o material comprado.197

No dia 5 de dezembro de 1972, A Voz da Serra divulga que o engenheiro responsável,


Almiro Badalotti, esteve em Porto Alegre para entrar em contato com a empresa Sul Metal
Estrutura, com a qual a comissão da igreja fez o contrato da estrutura de ferro do telhado da
catedral. Segundo o engenheiro, nos próximos dias o edifício receberia a primeira remessa do
telhado. O término da execução do telhado havia ficado prevista para o mês de janeiro de
1973. Com o auxílio dos valores adquiridos com a “Campanha do telhado” foi possível quitar
os pagamentos iniciais, prevendo que para conseguir concluí-lo, a comissão precisaria
“recorrer a empréstimos para poder cumprir os seus compromissos.” A matéria informa,

196
CARRARO, Geder. Perigo na construção da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 23 de março de 1972, p. 1.
197
CARRARO, Geder. Obras da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 30 de novembro de 1972, p. 1.
108

ainda, quais foram os números contemplados na campanha do telhado, que sorteou um


televisor e alguns rádios portáteis.198 No dia 17 seguinte, o cronograma da obra é publicado,
anunciando novamente que a próxima etapa será a colocação da estrutura metálica da
cobertura.
Em maio do ano seguinte, na entrevista semanal que A Voz da Serra realizava, foi
entrevistado o bispo da diocese de Erechim, Dom João Aloysio Hoffmann. Ao ser
questionado sobre como vê o andamento da obra, e como situa a catedral em relação à
diocese, ele responde:

Felizmente a construção da catedral está encontrando bastante colaboração. Como


cada comunidade paroquial tem a sua igreja matriz, assim também a comunidade
paroquial da catedral terá a sua, que, ao mesmo tempo será a Igreja-Mãe de toda a
diocese por estar nela a cátedra do bispo, simbolizando a missão de ensinar
autenticamente a mensagem de salvação a todos os diocesanos.199

Figura 27. Bispo Dom João Aloysio Hoffmann, recorte do jornal.

Fonte: A Voz da Serra de 20 de maio de 1973.

Tanto por questão de organização e administração, como visando novas formas de


arrecadar fundos para o término das obras da catedral, foram entregues a cada família que
pertencia à comunidade carteirinhas de identificação, com o objetivo de organizar e registrar

198
CARRARO, Geder. Obras da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 5 de dezembro de 1972, p. 2.
199
CARRARO, Geder; HOFFMANN, João Aloysio. Entrevista da Semana – Dom João Aloysio Hoffmann. A
Voz da Serra, Erechim, 20 de maio de 1973, p. 3.
109

informações sobre os sacramentos solicitados e a contribuição mensal de cada uma. Deste


modo, a carteirinha deveria ser apresentada quando fosse solicitado algum serviço paroquial,
como batismo, crisma, assistência a doentes, matrimônio, missas, entre outros.
Simultaneamente, a diretoria da catedral São José impulsiona mais uma campanha visando os
custos da obra chamada “Campanha de todos Nós”.200
Uma enquete realizada em outubro do mesmo ano, questiona a população se a nova
catedral deve ou não possuir sinos, como as tradicionais igrejas. As opiniões divergem por se
tratar de uma igreja em estilo “moderno”. Não foi divulgado o resultado da pesquisa de
opinião, porém a decisão final foi a de não possuir sinos.

200
CARRARO, Geder. Catedral São José - Entrega de Carteiras de Identificação. A Voz da Serra, Erechim, 29
de julho de 1973, p. 1.
110

Figura 28. Recorte da enquete sobre a catedral.

Fonte: A Voz da Serra de 7 de outubro de 1973.

Em 1974, a obra chega na etapa de acabamento externo. Na fachada localizada


defronte à avenida Presidente Vargas, os trabalhos estavam quase concluídos. Na matéria do
periódico A Voz da Serra do dia 3 de fevereiro, é informado que o valor estimado agregado à
obra até o momento seria de aproximadamente 880 mil cruzeiros e que sua inauguração se
111

daria em 1974.201 Em maio do mesmo ano, é noticiado pelo mesmo jornal que os erechinenses
podem concluir em breve sua catedral. Porém, como será abordado a seguir, isso só acontece
oficialmente no ano de 1977.
Como referido anteriormente, em janeiro de 1969, foi iniciada a demolição da antiga
igreja São José e iniciada a construção da nova catedral diocesana, projetada pelo engenheiro
Plínio Totta e tendo como responsável pela sua execução o engenheiro Almiro Badalotti. Em
1974, a obra atingia a fase de acabamentos, conforme foi noticiado:

Com efeito a diretoria da Catedral está atualmente empenhada na colocação das


janelas, já mandadas confeccionar em Porto Alegre, no piso e no teto. Não é sem
dificuldades que se chegou até aqui e não será sem sacrifício que se continuará.
Apenas para concretizar: quando terminarem de ser pagas as últimas prestações das
janelas, os gastos chegarão à casa de um milhão de cruzeiros. Tão logo estiverem
colocadas as janelas prevê-se utilizar a nave central para as funções litúrgicas o que
pode demorar pois a firma contratada deveria ter instalado os janelões dos fundos
ainda em dezembro passado e até agora não o fez.202

De acordo com o artigo, a diretoria da catedral seguia estudando um novo plano para
angariar fundos, colocado em prática assim que a campanha “de Todos Nós” terminasse.
Meses depois, é publicada na capa do A Voz da Serra a imagem da torre frontal sendo
executada, como pode ser visto na figura 28.

201
CARRARO, Geder. Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 3 de fevereiro de 1974, p. 1.
202
CARRARO, Geder. Erechinenses podem concluir em breve sua Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 26 de
maio de 1974, p. 5.
112

Figura 29. Página do jornal que mostra a torre da catedral crescendo.

Fonte: A Voz da Serra de 12 de novembro de 1974.

No interior do periódico, se informa que as obras de conclusão da catedral São José


continuam em ritmo acelerado e que sua nave central já está em fase de acabamento, bem
como a estrutura externa. O projeto previa a conclusão das obras básicas dentro de 60 dias,
incluindo a torre de 36 metros de altura e 8 metros de base, formada por 4 vigas, com vãos de
4 metros.203

203
CARRARO, Geder. A Catedral que cresce. A Voz da Serra, Erechim, 12 de novembro de 1974, p. 7.
113

Em meados de julho de 1975, na capa do periódico foi divulgado o desenvolvimento


da cidade: “Erechim crescendo no ritmo do progresso, vertical e horizontalmente”. Percebe-se
que matérias assim foram comuns durante o processo da demolição até a construção da
catedral, sempre enfatizando o aspecto da modernização, estimulando Erechim nesse
percurso.

Figura 30. Recorte do jornal sobre o progresso vivido por Erechim.

Fonte: A Voz da Serra de 31 de julho de 1975.

Após um período sem notícias da catedral, ela volta a ser assunto de pauta no ano
seguinte, com foco na decoração da construção. No artigo, se descreve que a catedral, “uma
das mais belas obras arquitetônicas da cidade”, é “imponente na simplicidade dos lineamentos
que lhe esboçam o talhe”, e estava na etapa dos acabamentos e decorações internas.

O processo de decoração (esgrafitto), por sua considerável área de abrangência e


pela própria natureza de sua elaboração, deverá se prolongar durante várias semanas
de trabalho caprichoso e esmerado, a cargo do decorador Aristarco [o nome dele era
Arystach] Kaszkurewicz, autor de várias obras idênticas por todo o país, que
empregará a técnica especial de alto relevo. No painel fronteiro (atrás do altar) será
representada a última Ceia. Dois painéis laterais, um de cada lado, em seguimento
àquele, retratarão respectivamente os símbolos da Ressurreição e do Batismo. Mais
quatorze painéis, repartidos em ambos os lados, representarão todas as etapas da Via
Sacra.204

204
CARRARO, Geder. Decoração da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 18 de março de 1976, p. 1.
114

A matéria visa relatar com o máximo de detalhes a decoração interna, que anunciava
ser “encantadora”. Os três painéis primeiramente descritos teriam “grandes dimensões”, e os
demais “um pouco menores, aproximadamente 4 x 2 metros”. Essa descrição demonstra a
intenção de exaltar as qualidades que a catedral iria dispor à população. Seguindo a ordem
cronológica, no mês seguinte, há a ocorrência de notícias sobre a restauração do prédio
histórico do Castelinho205 e sobre a ampliação do Barão do Rio Branco, em anexo à Igreja
Episcopal.206
Finalmente, no ano de 1977 deu-se a conclusão da catedral São José. Porém, no mês
de abril, A Voz da Serra abre espaço para a divulgação de uma carta recebida com destino à
seção Correio do Leitor do Correio do Povo, da capital do Estado. Constando o seguinte:

Foi demolida na cidade de Erechim a antiga Matriz que os velhos povoadores de


Boa Vista do Erechim idealizaram. Em seu lugar foi construído um novo templo. Eis
a rápida nota, com foto anexa estampada no “Correio do Povo”. O que nos admirou
foi que os cultos cidadãos de Erechim tenham permitido que se consumasse a
demolição. Num país onde as cidades fazem por esquecer o seu passado, perdem a
sua perspectiva histórica, tenha o povo da velha Colônia de Paiol Grande assistido
passivamente a sua destruição, trocando a velha Matriz de linhas clássicas,
carregada das lembranças dos seus velhos colonizadores, por uma construção
comum, sem beleza. Desculpem a comparação, meus patrícios, um misto de garagem
e de supermercado, na qual, se não existisse uma cruz vazada no frontispício, não se
saberia que era uma casa estimada ao culto de Deus. É claro que presentemente, não
iríamos nos bater pela construção de uma catedral em estilo gótico ou renascentista,
porém, pôr abaixo o que é belo, o que lá existia, é o cúmulo da insensibilidade.
Porém, está consumado e nada mais se pode fazer, senão lamentar por todos nós e
advertir a outras comunidades que ainda possuem belos e históricos templos que
não se deixem contaminar por esta onda (...). Pois assim agindo estão prestando um
desserviço a um país ainda tão pobre de cultura. Fernando Freire, Porto Alegre
(grifo nosso).207

A redação finaliza o artigo com uma nota, expressando que “naturalmente esse leitor
não teve oportunidade de visitar nossa Catedral, por dentro. Se o tivesse feito, poderia
acrescentar que é uma das mais belas que provavelmente, já terá tido ocasião de admirar”.208
Na edição especial do aniversário de Erechim, o clima da reportagem de A Voz da Serra é de
boas-vindas a nova catedral: “A bênção, Erexim.”

Ah, como era bom o tempo dos namoros na praça, das missas das dez, das cadeiras
na calçada, dos encontros políticos no bar da esquina, dos bailes de gala, das
serenatas para as moças bonitas, das roupas novas de domingo.

205
CARRARO, Geder. Restauração de prédio Histórico. A Voz da Serra, Erechim, 6 de abril de 1976, p. 1.
206
CARRARO, Geder. Ampliação do Barão do Rio Branco. A Voz da Serra, Erechim, 10 de abril de 1976, p. 1.
207
CARRARO, Geder; Nossa Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1977, p. 3.
208
Idem.
115

Hoje, olho pra ti e continuas linda, a mesma branca e pura cidadezinha da minha
infância.
Um pouco cansada, talvez, pelo progresso que já começa a correr em tuas ruas,
como sangue quente nas veias.
Hoje, paro em frente ao espelho e vejo que daquele piá levado, daquele jovem
intelectual e namorador, ficou a imagem de um marido mimado, um pai camarada,
um avô bonachão e muito sonhador.
Passeio pelas tuas ruas e é como se abrissem seus braços pra me abençoar.
Obrigado, minha pequena musa encantada, por teres me guiado pela vida afora.
A bênção, minha cidade (grifo nosso).209

Dessa forma, o texto acima demonstra o sentimento dos moradores de Erechim ao


presenciarem a materialização de um processo de aproximadamente uma década. No dia 10
de maio de 1977, o jornal A Voz da Serra anuncia a inauguração da catedral, e no dia 12
informa sobre as festividades que irão preceder a inauguração da catedral diocesana de
Erechim.210 De acordo com o mesmo, é “grande afluxo de pessoas, que todas as noites assiste
aos cultos, permitindo com isto, prever-se que culminará domingo, dia 15, com um
acontecimento cristão, que marcará época em nossa cidade, com a inauguração oficial da
Catedral”.211
No dia que antecedeu a inauguração oficial da catedral, na capa da edição de A Voz da
Serra lê-se: “Deus é sempre o mesmo, ainda que em casa nova”. Novamente um enunciado
que busca aproximar a população do novo empreendimento, garantindo o acolhimento que os
fiéis encontrariam dentro da catedral. No corpo do texto há um pronunciamento sobre o
importante acontecimento para a religiosidade de Erechim, e lembra:

Para os saudosistas inconformados, lembramos que o povo foi consultado e


concordou com a demolição do antigo templo, sinal de que a humanidade caminha
para frente.
Para os conformistas, representa o trabalho de toda uma comunidade, sem mudar-lhe
o local, garantindo-lhe a situação de destaque, em nossa acolhedora cidade.
Para os modernistas, aí está o monumento atual, que fala bem alto, de nossa
capacidade criadora, do que podemos legar aos nossos pósteros.
Mas, no fundo de tudo isso, paira soberano, acima de todas as nossas imperfeições e
deficiências, o ideal supremo que a isto nos levou: “Deus”.
Nesse Deus, estaremos todos irmanados no dia de amanhã, saudosistas,
conformistas e modernistas, unidos numa comunhão espiritual, que a todos procura
aperfeiçoar.
O que está feito, está feito e não poderá ser remediado.
Curvemo-nos diante do real e pensemos, que tanto Deus, estará dentro desse
suntuoso templo, como no mais tosco e carcomido lar, onde existe a esperança e o
amor (grifo nosso).212

209
CARRARO, Geder; A bênção Erexim. A Voz da Serra, Erechim, Edição especial 1977, p. 1.
210
CARRARO, Geder; Inauguração da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 10 de maio de 1977, p. 1.
211
CARRARO, Geder; Festa na Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 12 de maio de 1977, p. 1.
212
CARRARO, Geder; Deus é sempre o mesmo ainda que em casa nova. A Voz da Serra, Erechim, 14 de maio
de 1977, p. 1.
116

O início da citação deixa perceptível que ainda haviam pessoas contra o


empreendimento, mesmo ele já estando concretizado. A edição destaca novamente o
monumento “moderno” e finaliza enunciando que o dia 15 de maio de 1977, não seria o
marco da renovação de Deus, mas iria representar o ponto de partida de “raios de amor e
fraternidade, na Catedral Diocesana de Erechim”. Ainda na primeira página do periódico, a
mensagem do bispo diocesano, que inicia seu texto falando do “acontecimento jubiloso e
festivo” que ao final da longa caminhada até a inauguração da catedral São José, representa:

Quando nos foi confiada a diocese no dia 1º de agosto de 1971, apenas a cripta
estava pronta e serviu até agora de catedral provisória. Reconhecemos todos que a
humilde cripta oferecia um ambiente aconchegante e sua penumbra convidava a
todos para o recolhimento, o encontro pessoal com Deus e uma participação
efetivamente comunitária no culto.213

O bispo prossegue destacando o “dinamismo incansável” do padre Atalibo Lise e dos


diversos colaboradores, como a diretoria, que possibilitaram a execução do projeto dos
engenheiros supracitados, bem como a decoração interna do artista Aristarch Kaszkurewicz.
A venda de uma área do terreno da catedral deu condições de apressar os acabamentos que
tinham um custo mais elevado, assim como levantar o prédio contínuo, que serviria para o
atendimento pastoral e residência dos sacerdotes.214
Hoffmann continua o texto cumprimentando a comunidade paroquial, o pároco e todos
os seus auxiliares, a população e toda a diocese pela festiva inauguração. Agradece, inclusive,
a honrosa presença do cardeal Dom Vicente Scherer que, segundo o bispo, “deixou
importantes compromissos na Capital para viabilizar sua participação na inauguração oficial
da Catedral São José” e finaliza:

Que a Catedral, agora acabada, nos lembre a tarefa diária de construirmos o nosso
templo espiritual, a nossa vida cristã de acordo com as palavras do Senhor: “Sede
perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.
Muitos sacrifícios exigiu a construção do templo material muitos exige também a
edificação do templo espiritual.
Sirva-nos de exemplo e de estímulo o famoso artista Aristarch, que mesmo sem
mãos e com uma só vista, soube por assim dizer, espiritualizar internamente as
paredes de material de nossa Catedral. Louvemos o Senhor por mais este benefício
com que nos agraciou.215

Na mesma página, juntamente a homenagem do bispo e as boas vindas da edição,


seguem as imagens da catedral internamente e externamente:
213
Idem.
214
Idem.
215
Idem.
117

Figura 31. Imagem da catedral São José publicada no jornal.

Fonte: A Voz da Serra de 14 de maio de 1977.

Subsequentemente, é publicada a repercussão da inauguração do edifício. De acordo


com A Voz da Serra, teria sido “grande a afluência de católicos no domingo de 15 de maio na
Catedral Diocesana São José”. Solenidades marcaram o início da celebração dos cultos
religiosos. Estavam presentes, “representantes de todas as paróquias da diocese, inclusive o
Cardeal Metropolitano Dom Vicente Scherer”, quem concelebrou a missa de inauguração
com o apoio do Coral São José e da Orquestra de Consertos de Erechim. Após a celebração da
Santa Missa, o povo permaneceu por várias horas, “na parte situada aos fundos da Catedral e
destinada a jogos, diversões e música ao vivo”. Ao meio-dia, um churrasco foi servido,
lotando as dependências montadas para tal fim. Na inauguração também encontrava-se
presente o artista polonês Aristarch Kaszkurewicz, autor da decoração interna da catedral. O
editor do jornal finaliza a matéria parabenizando toda a comunidade pela obra finalizada com
118

o apoio de todos, a qual iria engrandecer “louvando a Deus, ao mesmo tempo notabiliza ainda
mais, nossa cidade”.216
A análise detalhada do contexto da demolição nos permite agrupar uma série de
detalhes que configuram o desfecho do acontecimento. A questão do tamanho da matriz,
considerado pequeno pela paróquia São José, que já se ressentia de um santuário maior, e que
passou a julgar ainda mais necessária a construção de uma catedral mais ampla e moderna
quando moveu-se a empenhar-se na tentativa de elevação ao bispado. Outra questão alegada
pela igreja São José era a segurança dos frequentadores das missas. Certamente a matriz
necessitava uma reforma, algo natural para o tempo de uso, porém as fontes informam que o
problema maior era o forro interno que ameaçava cair, que após trocado não ofereceria mais
perigos, e o reboco externo, que precisava de reparos.
O apoio da imprensa foi decisivo na conclusão da intervenção, que requeria o apoio da
população para a realização do empreendimento. Além disso, nas entrelinhas das narrativas é
possível perceber que o acontecimento foi muito mais tenso do que a imprensa quis deixar
transparecer. A denúncia de que a iniciativa seria interesse de capitalistas, levanta a
possibilidade de que a mesma não fosse o desejo geral da população, entretanto em fontes,
nada foi comprovado.
O jornal emprega diversas vezes o termo “modernização” e “moderno”, utilizando da
onda de modernidade representada pelo modernismo para incitar e persuadir a população,
criando uma atmosfera positiva em relação ao novo, ao moderno, idealizando uma situação
onde Erechim conquistaria reconhecimento e destaque através do sucedido. Fica subentendido
também que a população, inclusive a comunidade católica, não tinha real conhecimento das
temáticas da Igreja, tampouco sobre o que viria a ser uma diocese. Nesse sentido, o jornal fez
o papel informativo, através de uma coluna publicada semanalmente, escrita por membros da
Igreja. O periódico deu argumentação à demolição e lidou de maneira imparcial somente
quando permitiu as publicações dos insatisfeitos, porém, reiteradamente tentou mostrar o lado
positivo do evento aos descontentes, sempre apoiando a demolição. Devemos levar em
consideração que essas posturas também podem ter sido uma estratégia, aparentando uma
falsa imparcialidade da imprensa.

216
CARRARO, Geder; Inaugurada a Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 19 de maio de 1977, p. 1.
3. Ecos da demolição

Em complementação à construção da história da demolição, este capítulo adentra


aspectos fundamentais que delinearam o roteiro da substituição da matriz pela catedral,
buscando sentidos e interpretações. Traços como o empenho dos colonizadores em erguer
suas igrejas - os quais evocam a identidade desses grupos -, se chocam com termos utilizados
durante a trajetória da demolição, como a impactante expressão “desaparecerá”, explicitando
paradoxos vividos durante o acontecimento em Erechim. Tais evidências se relacionam aos
usos da memória, despertando sentimentos diversos entre a população que, dividida entre a
afetividade e os desejos de modernizar-se, assiste ao desfecho controverso. Além disso, este
capítulo traz discussões acerca de concepções consideradas dentro do âmbito do patrimônio,
sendo necessário compreender o domínio desse conteúdo rico em ambiguidades para balizar
os condicionantes por trás demolição. Questões da esfera do imaginário, da memória,
representação, identificação, tradição, conceito de espaço e lugar, assim como o multifacetado
debate entre modernizar e preservar são arrazoados no texto, afim de aproximar-se do enredo
do acontecimento.
As entrelinhas percebidas nas narrativas da demolição no decorrer dos anos,
publicadas nos periódicos, nos auxiliam a entender mais profundamente os sentidos através
das expressões utilizadas. Voltando às páginas dos jornais A Voz da Serra, é possível
examinar os termos essenciais, que dialogam de forma explícita ou deixando vestígios de
reflexão.

3.1. “A matriz desaparece”

No dia 29 de junho de 1969, na primeira página do periódico A Voz da Serra, foi


publicado o perturbador anúncio: “Igreja Matriz desaparecerá”. Em seguida, no dia 6 de julho,
também na primeira página, outra matéria com o título “Igreja Matriz desaparece”.217 Dias
depois, novamente na primeira página, o anúncio “Uma surge – Outra Desaparece”.218 Essas
matérias tiveram o intuito apenas de noticiar que os trabalhos da demolição estavam sendo
iniciados, porém a escolha das palavras do título é que chamam a atenção: “desaparece” e
“desparecerá”.

217
CARRARO, Estevam. Igreja matriz desaparecerá. A Voz da Serra, Erechim, 29 de junho de 1969, p. 1.
218
CARRARO, Estevam. Uma surge – outra desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 20 de julho de 1969, p. 1.
119

O verbo desaparecer tem por definição sair da vista ou da presença. Ocultar-se; Fugir,
abalar; Sumir-se; Levar descaminho; Morrer; Apagar-se, ofuscar-se. Esses termos, carregados
de sentidos em confronto e diálogo com a memória, evidenciam a ânsia de extinguir para
sempre qualquer indício da matriz. Na tentativa de compreender a questão da
representatividade da matriz na memória de Erechim, é necessário que busquemos discutir
alguns conceitos:

Patrimônio histórico. A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma


comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação
contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum:
obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de
todos os saberes e savoir-fraire dos seres humanos. Em nossa sociedade errante,
constantemente transformada pela mobilidade e ubiquidade de seu presente,
“patrimônio histórico” tornou-se uma das palavra-chave da tribo midiática. Ela
remete a uma instituição e a uma mentalidade (CHOAY, 2001, p. 11).

O intrincado conceito de patrimônio histórico, que abrange termos subjetivos e


afetivos, numa compreensão bastante simplificada, corresponde um conjunto de bens ou
objetos, que são importantes para um indivíduo em sua representação, e podem se tornar uma
reserva de valores. Não apenas valores econômicos, na maioria das vezes passageiros, mas
valores associados a significados muito mais profundos e sutis (POHL, 2005, p. 64).

[...] Os monumentos históricos e os restos arqueológicos são importantes portadores


de mensagens e, por sua própria natureza como cultura material, são usados pelos
actores sociais para produzir significado, em especial ao materializar conceitos como
identidade nacional e diferença étnica. [...] (FUNARI, 2001, p. 2).

O termo monumento, do latim, monumentum, derivado de monere, significa


“advertir”, “lembrar”, aquilo que traz à lembrança. Possui uma natureza afetiva, com o
propósito de tocar pela emoção, uma memória viva.

[...] Nesse sentido primeiro, chamar-se-á monumento tudo o que for edificado por
uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de
pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. A especificidade
do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória. Não
apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que
lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse o presente. Mas esse passado
invocado, convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é
localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que se pode, de forma direta,
contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica ou
religiosa, nacional, tribal ou familiar (CHOAY, 2001, p. 18, grifo nosso).

O comportamento do monumento em relação ao exercício da memória deixa notável


que a mesma é, assim, reconstrução ou esquecimento, dependendo do grupo particular que ela
120

se refere. No caso da matriz de Erechim, o percurso da demolição tentou apagar a relação de


um grande grupo, usuário da mesma, que tinha relações afetivas com o templo histórico, para
abrir caminho para os objetivos de um grupo menor. Durante o processo houve um manejo
para que a população se convencesse que o feito seria a melhor alternativa para Erechim. O
esquecimento é um aspecto relevante para a compreensão da memória de grupos e
comunidades, pois muitas vezes é voluntário, indicando a vontade do grupo de ocultar
determinados fatos. Assim, a memória coletiva reelabora constantemente os fatos.
Segundo Jacques Le Goff (1990), a memória é a propriedade de conservar certas
informações, referindo-se a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo
atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas. O estudo da
memória passa da psicologia à neurofisiologia, sendo a memória social um dos meios
fundamentais para a abordagem de temas históricos. Essa memória pode ser individual ou
coletiva, a segunda sendo composta por lembranças vividas pelo indivíduo ou que lhe foram
repassadas, mas que não lhe pertencem somente, e são entendidas como propriedade de um
grupo. Além disso, a memória coletiva também pode se apoiar em imagens e paisagens.
Halbwachs (1990) situa o grupo social como referência e base de memória do
indivíduo. O grupo social reconstrói as lembranças, tornando-as fenômenos sociais. Dessa
forma, se destaca a importância do pesquisador em conhecer os símbolos e suas significações
no tempo, seu intercâmbio e a forma de como é construída a dimensão social das memórias
individuais (TEDESCO, 2001, p. 21). A memória coletiva “evolui segundo suas leis, e se
algumas lembranças individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que
sejam recolocadas num conjunto que não é mais uma consciência pessoal” (HALBWACHS,
1990, p. 54).

[...] ela [a memória] não é inteiramente isolada e fechada. [...]. Ela se reporta a
pontos de referência que existem fora dela e que são fixados pela sociedade. Mais
ainda, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses
instrumentos que são as palavras e as ideias que o indivíduo não inventou e que
emprestou de seu meio (HALBWACHS, 1990, p. 54).

A memória de uma sociedade estende-se até onde acerca a memória dos grupos dos
quais ela é composta. Existem muitas memórias coletivas, mas não podem existir muitas
histórias.

A história não é todo o passado, mas também não é tudo aquilo que resta do
passado. Ou, se quisermos, ao lado de uma história escrita, há uma história viva que
se perpetua ou se renova através do tempo e onde é possível encontrar um grande
121

número dessas correntes antigas que haviam desaparecido somente na aparência. [...]
(HALBWACHS, 1990, p. 67).
A memória tem dupla essência: além de ser um conjunto de lembranças e de imagens,
ela pode ser também considerada um conjunto de representações associadas a valores e
normas de comportamento. Porém essa passagem do primeiro ao segundo nível não é
automática, sendo que o aspecto dos valores e das representações ganha significados
profundos na esfera da família, da religião e das classes sociais (TEDESCO, 2001, p. 26). As
memórias individuais, e posteriormente coletivas, partirão desses aspectos selecionados
dentro do âmbito familiar, e sucessivamente sociais. A história da demolição da matriz,
possivelmente foi recontada no ambiente familiar dos envolvidos no acontecimento na década
de 1970, por exemplo, assim como nunca se ouviu falar a respeito em outros lares. Posterior a
esse primeiro contato, é no contexto social que essas memórias poderão ou não se amparar e
fixar. Reiterando, o trabalho da memória é, portanto, ao mesmo tempo de reconstrução e de
esquecimento, dependendo dos grupos que estiverem envolvidos, assim como outros fatores,
como a temporalidade.
Nesse horizonte do esquecimento e da reconstrução grupal da memória apresentam-se
conflitos na hierarquização e legitimação das memórias. Aí entra a importância do simbólico
(religioso, histórico, social), na determinação de memórias dominantes/dominadas, de
memórias inseridas e expulsas, da valorização e desvalorização de memória (TEDESCO,
2001, p. 30). É a memória de um grupo que conserva sua unidade, pois representa o tempo
que passa com um presente que dura. O grupo reconstrói a diversidade de suas experiências
em uma identidade de si.

Não é suficiente reconstruir peça por peça a imagem de um acontecimento do


passado para se obter uma lembrança. É necessário que esta reconstrução se opere a
partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como
no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aquele
reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma
mesma sociedade (HALBWACHS, 1990, p. 34).

A colocação de Halbwachs nos permite observar que as memórias da matriz possam


estar presentes até hoje, mesmo sem a população conhecer sua história total. Vestígios de
memórias individuais se unem numa memória coletiva de um templo que existiu, deixando
lembranças.
Trazendo a memória afetiva à superfície das obras humanas, o monumento histórico
adquire uma universalidade sem precedentes. O monumento tradicional, aquele
correspondente às primeiras civilizações, por exemplo, era reconhecido sem qualificativos, e
122

universalmente difundido, fazendo reviver os passados particulares de comunidades


específicas. Já o monumento histórico fazia até então referência a uma concepção ocidental da
história e suas dimensões nacionais. Em contrapartida, na concepção ruskiniana219, quaisquer
que tenham sido as civilizações ou os grupos sociais que o erigiram, ele se remete igualmente
a todos os homens (CHOAY, 2001, p. 14).
A relação do patrimônio histórico com o meio, tanto com as gerações passadas como
futuras, bem como os usos do presente, são algumas das condições da sua permanência. Para
Françoise Choay, o patrimônio histórico e as práticas associadas a ele se encontram “presos
em estratos de significados cujas ambiguidades e contradições articulam e desarticulam dois
mundos e suas visões de mundo” (2001, p. 11). Para a autora, ainda, o que designamos como
patrimônio deve ser questionado, pois o mesmo se constitui num elemento revelador de uma
condição da sociedade. Através das décadas, o conceito de patrimônio se ampliou, incluindo
novos tipos de bens, tornando essa discussão ainda mais complexa. Além disso, o domínio
patrimonial não se limita apenas aos edifícios individuais, compreendendo também
aglomerados de edificações e malhas urbanas, entre outros.

O próprio século XX forçou as portas do domínio patrimonial. Provavelmente


seriam tombados e protegidos, hoje, o Hotel Imperial de Tóquio, obra prima de F. L.
Wright (1915), que resistiu aos sismos naturais mas foi demolido em 1968; os ateliês
Esders de Perret (1919), demolidos em 1960; as lojas de departamentos Schocken
(1924) de Mandelsohn, em Stuttgart, demolidas em 1955; o dispensário de Louis
Kahn, na Filadélfia (1954), demolido em 1973. [...] (CHOAY, 2001, p. 13).

Na França, constituiu-se uma comissão do “Patrimônio do século XX”, que


estabelecia critérios para que nenhum testemunho historicamente significativo fosse excluído.
Os arquitetos, que buscavam com seu trabalho, também marcar o espaço urbano, foram os
principais interessados em proteger suas obras. Como amostra disso, Le Corbusier fez com
que 11 de suas obras fossem tombadas e 14 fossem inscritas em um inventário suplementar. A
mansão Savoye, por exemplo, alcançou mais apelos em campanhas por restaurações do que
muitos monumentos medievais (2001, p. 14).
Ao longo do tempo, também, diversos estilos coexistiram, justapostos e articulados,
numa mesma cidade e até mesmo num mesmo edifício. Cidades como Paris, seduzem pela

219
A concepção ruskiniana da arte foi marcada simultaneamente por uma educação estética exemplar, que
abrangia o conhecimento direto das obras-primas europeias da pintura e da arquitetura. A crítica da arquitetura
contemporânea leva Ruskin inevitavelmente à crítica da sociedade vitoriana, inorgânica, desintegrada,
incoerente. Ruskin analisa impiedosamente as consequências do sistema industrial e a decadência do trabalho
humano que, baseado em noções de lucro e de produção, deixou de ser a realização de uma função vital (Cf.
CHOAY, 2005).
123

sua vasta gama estilística de suas arquiteturas e seus espaços. Para Choay, “arquiteturas e
espaços não devem ser fixados por uma ideia de conservação intransigente, mas sim manter
sua dinâmica” (2001, p. 16).

3.2. “Uma igreja no coração”

No dia 13 de julho de 1969, foi publicado no jornal A Voz da Serra, um poema da


moradora erechinense Iná Maciel, com o título de “Matriz”. O mesmo contém uma
significativa carga de afeto pela igreja. O verso “com uma igreja no coração”, denota o lugar
simbólico que a igreja ocupava, atribuído ao “coração” da “jovem cidade”. O verso “Estrondo
de pedra da Matriz morrendo”, repetidamente fala em desaparecer, sumir, perder a vida,
morrer. “Amor saudade de uma igreja no coração”, destaca a relação afetiva com o templo.220
No texto de Oluzan, no mesmo periódico do dia 13 de julho de 1969, onde “Estão
demolindo a nossa querida Matriz São José, estão demolindo um monumento histórico, estão
desfazendo aquilo que nossos avós, nossos pais edificaram com tanto sacrifício”, têm-se uma
noção clara de que a matriz representava um patrimônio histórico e sentimental para parte
daquela comunidade.221
Oluzan também descreve “Quão gratas (ou talvez tristes) recordações calem no fundo
dos nossos corações. Comenta-se: Quantos batizados, quantos casamentos, quantas
recordações, quantas encomendações, quantas missas solenes lá se realizaram!” e mais uma
vez fica nítida a relação afetiva marcada nos sacramentos realizados na igreja pelos cidadãos.
Tais enunciações representam reflexões teóricas relacionadas aos conceitos de lugar e
espaço vivido, considerando a máxima de Michel de Certeau de que o espaço é um lugar
praticado (1994, p. 202). Partindo da metáfora que o “coração” destacado no poema é o lugar
simbólico ocupado pela igreja, outras concepções relevantes como representações coletivas e
o conceito de identidade nos auxiliam na compreensão acerca do assunto, entretanto,
primeiramente é necessário entender aspectos dentro do âmbito urbano.
O ato de pensar e sentir a cidade aproxima-se de uma compreensão filosófica, pelo
menos até o século XIX, quando começam a surgir cada vez mais pensadores da sociedade,
como historiadores, sociólogos e antropólogos, preocupados em entender a especificidade do
viver urbano. No século XX houve grandes preocupações em compreender as mutações, as
diferenças em relação aos outros ambientes sociais, em captar a complexidade dos vários

220
MACIEL, Iná. Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
221
OLUZAN. É melhor chorar agora do que chorar depois. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
124

tipos de vida social que poderiam ser abrigados nas diversas modalidades de formações
urbanas (BARROS, 2007, p. 9). No campo mais específico do urbanismo, as primeiras obras
preocupadas simultaneamente com a forma, a funcionalidade e seus desdobramentos sociais
começam a surgir no século XIX.

Havia, é claro, os tratados renascentistas que, desde o século XV, propunham agir
sobre a vida citadina através de uma ação sobre o espaço urbano que considerasse as
suas necessidades econômicas e sociais, e aqui, nas teorizações destes arquitetos
renascentistas, já encontraremos os primeiros esforços de concretizar uma
verdadeira arte urbana. Mas um campo de estudos que começa a analisar a cidade
como um espaço que corresponde a um viver próprio que é passível de ser estudado
mais sistematicamente sob o ponto de vista das ciências sociais, aliás em formação
eis aqui uma contribuição mais específica que só poderia ser trazida pelo século
XIX, simultaneamente contra o pano de fundo dos novos sabedores especializados
que então surgiam e da própria centralidade que um mundo urbano em vias de se
superpovoar passava a ocupar nos destinos humanos com a emergência das
sociedades industriais (BARROS, 2007, p. 10).

No esforço de entender o fenômeno urbano, buscou-se significar o que é cidade.


Kevin Lynch (1981) classifica as cidades em três categorias básicas com relação aos seus
padrões formais, de funcionamento e transformação. Seriam elas: as “cidades cósmicas”, as
“cidades práticas” e as “cidades orgânicas”. Na primeira categoria, estariam enquadradas
cidades etruscas e indianas que seguem um padrão místico ou religioso, até cidades modernas
como Brasília, que seguem um plano de significados. Já as cidades práticas, crescem e se
desenvolvem conforme suas necessidades materiais, como um padrão mecânico, onde novas
partes são acrescentadas e velhas partes são alteradas. Por fim, as cidades orgânicas vão se
formando e crescendo de forma semelhante aos organismos vivos, adaptando-se ao terreno de
maneira vital, já que não foram previamente planejadas (Cf. BARROS, 2007, p. 23).
Os espaços públicos são os locais de circulação e de conexão entre os indivíduos. A
partir dessas interações, são produzidos os fenômenos cotidianos que transformam a cidade.
Não só as praças e parques, mas as ruas e os passeios representam esses espaços públicos, que
estão sempre sendo reconfigurados, por diversas questões sociais, ambientais ou políticas.

Os elementos móveis de uma cidade, especialmente as pessoas e as suas actividades,


são tão importantes como as suas partes físicas e imóveis. Não somos apenas
observadores deste espetáculo, mas sim uma parte activa dele, participando com os
outros num mesmo palco. Na maior parte das vezes, a nossa recepção da cidade não
é íntegra, mas sim bastante parcial, fragmentária, envolvida noutras referências.
Quase todos os sentidos estão envolvidos e a imagens é o composto resultante de
todos eles (LYNCH, 1981, p. 11).
125

São diversos os fatores que podem ocasionar essas alterações e reconfigurações. Os


espaços públicos podem inclusive impactar a economia de uma cidade, por meio de feiras,
festivais, comércios de rua, assim como culturalmente e socialmente, através de oficinas
culturais e artísticas, por exemplo. Espaços públicos de qualidade beneficiam não somente as
pessoas e a cidade com áreas de lazer e convivência, mas têm potencial para fomentar o
mercado local e valorizar toda a comunidade em que estão inseridos. Áreas verdes, áreas de
lazer, infraestrutura adequada com redes pluviais e fluviais, coleta de lixo correta, trânsito
funcionando de acordo com a interação entre pedestres e veículos, entre outros sistemas bem
planejados, possibilitam qualidade de vida para as comunidades. Não é incomum ver áreas
públicas que, gradualmente esquecidas, deixam de ser espaços de convivência e de circulação
de pessoas, e se tornam locais degradados e associados à falta de segurança. Para que sejam
agradáveis e seguras, as cidades precisam ser pensadas como um sistema formado por peças
interdependentes, relacionadas entre si e com o seu entorno.

A cidade não é apenas um objetcto perceptível (e talvez apreciado) por milhões de


pessoas das mais variadas classes sociais e pelos mais variados tipos de
personalidades, mas é o produto de muitos construtores que constantemente
modificam a estrutura por razões particulares. [...] (LYNCH, 1981, p. 12).

Jan Gehl222, em seu livro Cidade para pessoas, discorre sobre o crescimento repentino
e massificado das cidades com o auxílio da industrialização, o qual gerou uma mudança de
paradigma, principalmente em torno de 1960: de forma repentina, as cidades deixaram de ser
construídas a partir das pessoas e a preocupação passou a ser em direção às construções. A
escala dos projetos se transformou, e tudo passou a ser visto de cima, ao sobrevoar a cidade,
enquanto que o que acontecia no andar terrestre deixou de ser prioridade, quando essa
importância não foi notada. O autor chama esse fenômeno de A síndrome de Brasília, quando
uma cidade parece adequada vista do avião ou do helicóptero, mas que lá em baixo, entre os
prédios e ruas movimentadas, não é saudável. Sobre um estilo de arquitetura que privilegia a
forma, Gehl destaca que a boa arquitetura não é sobre a forma, mas sim sobre a interação
entre a vida e a forma, mas como essas interações tem inúmeros desdobramentos e o seu
estudo é mais complexo, acaba que a forma prevalece como fundamento nas faculdades de
arquitetura, deixando a vida e o cotidiano de lado.

222
Jan Gehl é um arquiteto e urbanista dinamarquês que nasceu em Copenhague em 17 de setembro de 1936,
professor universitário aposentado e consultor, cuja carreira foi construída com base no princípio de melhorar a
qualidade de vida urbana através da reorientação do planejamento urbano em favor de pedestres e ciclistas.
Crítico do modernismo, estudou por mais de 40 anos sobre a escala humana e a interação urbana. Fonte da
entrevista com Jan Gehl: http://www.fronteiras.com/entrevistas/jan-gehl
126

Por décadas, a dimensão humana tem sido um tópico do planejamento urbano


esquecido e tratado a esmo, enquanto várias outras questões ganham mais força,
como a acomodação do vertiginoso aumento do tráfego de automóveis. Além disso,
as ideologias dominantes de planejamento – em especial, o modernismo – deram
baixa prioridade ao espaço público, às áreas de pedestres e ao papel do espaço
urbano como local de encontro dos moradores da cidade (GEHL, 2015, p. 3).

O Brasil tem claramente inúmeros problemas urbanísticos, os quais foram ocasionados


por diversos fatores, sendo um deles a desigualdade social. O período que correspondeu ao
acelerado processo de urbanização, principalmente a partir de 1958 resultou um cenário
urbano complexo.
As cidades crescem, desenvolvem-se e são forçadas a pensar e repensar novas
estratégias de adaptação. Nesse sentido, identifica-se que a trajetória da demolição se
configurou dentro das premissas do modernismo, negligenciando o fato de que o espaço
público poderia ter usos e identificações. Para Lynch,

Uma imagem do meio ambiente pode ser analisada em três componentes:


identidade, estrutura e significado. Será útil imaginá-la num plano abstracto, com o
fim de as analisar, pois, na realidade, estas três componentes aparecem juntas. Uma
imagem viável requer, em primeiro lugar, a identificação de um objetcto, o que
implica a sua distinção de outras coisas, o seu reconhecimento como uma entidade
separável. Falamos de identidade, mas não no sentido de igualdade com outra coisa
qualquer, mas significando individualidade ou particularidade. Em segundo lugar, a
imagem tem de incluir a relação estrutural ou espacial do objeto com o observador e
com os outros objetctos. Em último lugar, este objeto tem de ter para o observador
um significado quer prático quer emocional. Isto significa que existe também uma
relação, mas uma relação diferente da espacial ou estrutural (1981, p. 18).

A oposição entre particular e universal e entre individual e coletivo emerge da cidade e


da construção do próprio objeto: a sua arquitetura. É necessário perceber a oposição entre
particular e universal e entre individual. Isso se manifesta sob diversos aspectos, nas relações
entre esfera pública e privada, na oposição entre projeto racional da arquitetura urbana e os
valores do “locus”, entre edifícios públicos e edifícios privados (ROSSI, 2001, p. 2).

Inicialmente, entre espaço e lugar, coloco uma distinção que delimitará um campo.
Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas
relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade, para duas
coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do „próprio‟: os elementos
considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio”
e distinto que define. Um lugar é, portanto, uma configuração instantânea de
posições (CERTEAU, 1994, p. 201).
127

O espaço realiza-se enquanto vivenciado, ou seja, um determinado lugar só se torna


espaço na medida em que indivíduos exercem dinâmicas de movimento nele através do uso, e
assim o potencializam e o atualizam. Neste sentido, quando ocupado, o lugar é imediatamente
ativado e transformado, passando à condição de “lugar praticado” (CERTEAU, 1994, p. 207).
O lugar praticado é algo fisicamente imóvel que depende das dinâmicas de deslocamentos de
um coletivo para se ressignificar e atualizar-se constantemente. O dispositivo que transforma
o espaço em lugar é efêmero, mas adquire tal condição justamente por uma vivência temporal
do indivíduo em determinado lugar, segundo o autor. O espaço público só adquire identidade
quando praticado pelos indivíduos através do contato físico, pressupondo um tipo de
enraizamento – provisório – com tais lugares. As transições de um lugar a outro, realizadas
pelo coletivo de praticantes das cidades geram reverberações constantes nas passagens de
lugar para lugar-praticado, de anônimos para portadores de identidade (1994, p. 209).
Além disso, o lugar está intimamente ligado ao relato, em uma espécie de bricolagem
do mundo, constituído por resíduos ou detritos deste, agrupados de diferentes formas.
Fragmentos diversos como lembranças são unidos, justapostos como numa “colagem” com o
intuito de produzir e conferir sentido a determinado local. Os relatos são da ordem do não
visto, já que têm o poder de detectar presenças do que já não existe mais, mas que um dia
existiu (Cf. CERTEAU, 1994).
Em seu texto Caminhando na Cidade, Certeau pondera que "os passos tecem lugares,
moldam espaços, esboçam discursos sobre a cidade”. O autor utiliza o World Trade Center
para mensurar a supremacia econômica do lugar e a rotina de vida da cidade, a sua constante
modernização e o desprezo pelo passado, utilizando a analogia de estar no alto do prédio e
dominar o poder. Com base em suas afirmações, compara o ato pedestre, de andar pela
cidade, ao falar. Assim, “o caminhar é uma enunciação pois o pedestre se apropria do sistema
topográfico (como nos apropriamos da língua), faz do lugar um espaço (como fazemos da
língua um som) e se relaciona com a cidade através dos seus movimentos” (como nos
relacionamos com o outro através da língua). Para o autor, a cidade e suas diferentes
interpretações são percebidas como uma linguagem textual que se dá na prática do caminhar
nas ruas, por isso ele afirma que uma das formas de tentar perceber a cidade é caminhar por
ela (CERTEAU, 1994).
Com base na teoria de Certeau sobre a prática do caminhar, define-se, assim, que a
arte de moldar percursos, implica estilos e usos. O estilo conota o que é de cada um, o
singular. O uso, por sua vez, remete a uma norma, o que é normalmente feito. Tal princípio
evidencia as relações diferenciadas que o fato da demolição pode ter entre diferentes grupos
128

sociais. Os gestos do caminhar urbano muitas vezes passam despercebidos pelo olhar das
pessoas, pois “cada movimento é único” e traduz algo a ser observado somente pela ótica
daqueles que subvertem a ordem do caminhar frenético da vida agitada. Esses aspectos nos
revelam que os significados sobre a demolição da matriz também podem variar para os
sujeitos.

Essas práticas do espaço remetem a uma forma específica de “operações”


(“maneiras de fazer”), a “uma outra espacialidade” (uma experiência
“antropológica”, poética e mítica do espaço) e a uma mobilidade opaca e cega da
cidade habitada. Uma cidade transmutante, ou metafórica, insinua-se assim no texto
claro da cidade planejada e visível (CERTEAU, 1994, p. 172).

A retórica ambulante, para Michel de Certeau, é a adaptação linguística, e a caminhada


do pedestre é a adequação linguística ao contexto espacial onde o caminhante se encontra. A
maneira de fazer, nesse caso, seria o falar e o caminhar. Certeau indica a análise das maneiras
de apropriação do espaço, que corresponde à manipulação de elementos de uma ordem
construtora, a transitoriedade e os arranjos linguísticos feitos para isso. Para ele, os
movimentos linguísticos do andar na cidade são apresentados nas práticas sociais, ou seja, a
medida em que o espaço é considerado específico, por uma linguagem específica, acaba sendo
isolado. Os movimentos nos lugares promovem ausência de continuidades no espaço histórico
constituído. No sentido de perceber os elementos históricos através da análise do que é dito,
nos lugares comuns podemos ver uma história fragmentada, que se encaixa nas práticas
sociais (CERTEAU, 1994). Em complementação a essas ideias, temos a colaboração do
geógrafo Tuan sobre percepções do espaço:

A rua onde se mora é parte da experiência íntima de cada um. A unidade maior, o
bairro, é um conceito. O sentimento que se tem pela esquina da rua local não se
expande automaticamente com o passar do tempo até atingir todo o bairro. O
conceito depende da experiência, porém não é uma consequência inevitável da
experiência. O conceito pode ser deduzido e esclarecido por meio de perguntas,
dirigidas primeiro para o concreto e depois para o mais abstrato (TUAN, 2013, p.
208).

Na edição especial de 1977 do A Voz da Serra, é relembrado o costume da


comunidade, que mesmo recente já demonstra não fazer parte da nova rotina pós catedral.
“Ah, como era bom o tempo dos namoros na praça, das missas das dez, das cadeiras na
calçada, dos encontros políticos no bar da esquina, dos bailes de gala, das serenatas para as
129

moças bonitas, das roupas novas de domingo”.223 Esses costumes criaram o imaginário e a
identidade do lugar, espaço ocupado pela matriz.
De acordo com Baczko, o imaginário social é uma das forças reguladoras da vida
coletiva, porque de acordo com ele, uma coletividade designa sua identidade, elabora uma
determinada representação de si, estabelece a distribuição de papéis e das posições sociais,
exprime e impõe crenças comuns e compõe uma espécie de código de comportamento,
construindo o código do modo de vida urbano (BACZKO, 1985, p. 309). Além disso,
O homem, na sua qualidade de ser sensível, é muito menos guiado por princípios
generosos do que por “objetos imponentes, imagens chamativas, grandes
espectáculos, emoções fortes”. Sendo esta “nova consideração” rigorosamente
aplicável aos indivíduos, é – o ainda mais “as nações encaradas no seu conjunto”.
Assim o poder deve apoderar-se do controle dos meios que formam e guiam a
imaginação colectiva. (BACZKO, 1985, p. 302)

Uma das características fundamentais do fato social é o seu aspecto simbólico. Na


maioria das representações coletivas, não se trata da representação única de algo a fim de
significar e exercer um comando sobre as práticas. Na maioria das vezes, os comportamentos
sociais não se dirigem tanto aos objetos em si, mas aos símbolos dos mesmos. As
representações coletivas emitem sempre um estado do grupo social, traduzem a estrutura atual
e a maneira como ele reage frente a cada acontecimento (BACZKO, 1985, p. 306). Dessa
forma, o fato religioso constitui uma expressão simbólica do fato social. As representações
coletivas reconstituem e perpetuam as crenças. Ainda, se espera que as sociedades imaginem
e inventem a legitimidade atribuída ao poder. Ao legitimar, essas sociedades atribuem
significação. Em outras palavras, o poder tem necessariamente de enfrentar o seu arbitrário e
controlá-lo reivindicando uma legitimidade.

A questão da identidade só surge com a exposição a “comunidades” da segunda


categoria – e apenas porque existe mais de uma idéia para evocar e manter unida a
“comunidade fundida por idéias” a que se é exposto em nosso mundo de
diversidades e policultural. É porque existem tantas dessas idéias e princípios em
torno dos quais se desenvolvem essas “comunidades de indivíduos que acreditam”
que é preciso comparar, fazer escolher, fazê-las repetidamente, reconsiderar escolhas
já feitas em outras ocasiões, tentar conciliar demandas contraditórias e
frequentemente incompatíveis. [...] (BAUMAN, 2005, p. 17).

O pertencimento e a identidade não são aspectos estáveis, ou seja, são bastante


negociáveis e renegociáveis, podendo se transformar pela influência de outros fatores. As
decisões individuais, os caminhos percorridos, as maneira de agir e a as atitudes frente a tudo
isso são fatores decisivos tanto para o pertencimento quanto para a identidade (BAUMAN,

223
CARRARO, Geder; A Voz da Serra, Erechim, Edição Especial, 1977, p. 1.
130

2005, p. 17). A perda referencial da matriz, no âmbito dos usos e sentidos, mas também, no
histórico e identitário, confrontou-se com o imaginário de uma Erechim “moderna”,
constituinte dos ideais dos imigrantes, identificáveis nos discursos de projeção e expectativa
da cidade, desde o início do século XX, como exposto no primeiro capítulo desse estudo.

3.3. “É melhor chorar agora do que chorar depois”

No texto de Dico publicado no periódico A Voz da Serra de 15 de julho de 1969,


quando escreve “comentário e mais comentários estão surgindo de todos os lados, uns contra,
outros a favor da demolição da Matriz São José”, percebe-se a contrariedade de parte da
sociedade em relação à demolição. As razões enumeradas por ele expunham que haviam
diversas questões sendo comentadas, como o perigo de soterrar os cristãos, ser vendida por
capitalistas, por ser uma obra arquitetônica da época da imigração, por guardar recordações,
mas o autor afirma que “porque Erechim cresceu, prosperou, a população aumentou, e a
região comporta muito bem uma Catedral e Erechim tem necessidade de um templo
maior”.224
Dico posiciona-se a favor da demolição por ser a favor do desenvolvimento de
Erechim, assegurando que “é melhor chorar agora”, desapegar-se das lembranças e de toda
afeição pela matriz, do que lamentar no futuro o que não foi feito.
Para a compreensão dos diversos fatores que compõem o quadro conformado pela
demolição, partiremos das teorias de alguns autores:

Para aqueles que edificam, monumento é uma defesa contra o traumatismo da


existência, um dispositivo de segurança. O monumento assegura, acalma,
tranquiliza, conjurando o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das origens e
dissipa a inquietação gerada pela incerteza dos começos. Desafio à entropia, à ação
dissolvente que o tempo exerce sobre todas as coisas naturais e artificiais, ele tenta
combater a angústia da morte e do aniquilamento (CHOAY, 2001, p. 18).

O dispositivo de segurança que Choay se refere, são os lugares da memória, como se


fosse a materialização do sentimento afetivo que o indivíduo elege e se identifica. O conceito
de monumento pode variar através das gerações, garantindo que o significado do mesmo é
mutável. Uma igreja como a matriz, por exemplo, pode ter um significado para a comunidade
dos anos 1970, assim como pode não significar nada para grupos e sujeitos de outros tempos.
O que acontece no caso da matriz em estudo, é que parte da população atual ainda a

224
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
131

reconhece como patrimônio, enquanto outra parte não tem conhecimento da sua existência.
Isso evidencia como as informações repassadas sofrem seleções que alteram os usos da
memória.

Como é possível um monumento transcender os valores de determinada cultura?


Uma resposta pode ser: um grande monumento como Stonehenge tanto tem
importância geral como específica. A importância específica muda com o tempo, ao
passo que a geral permanece. Consideremos o moderno Gateway Arch de São Luís.
Tem a importância geral de “dono celestial” e de “portal” que transcende a história
norte-americana, mas também tem a importância específica de um período único na
sua história, principalmente a abertura do oeste para o povoamento. Os lugares
permanentes, que são muito poucos no mundo, advertem a humanidade. A maioria
dos monumentos não pode sobreviver à decadência de sua cultura. Quanto mais
específico e representativo o objeto, tanto menor a probabilidade de sobreviver:
desde o fim do imperialismo britânico no Egito as estátuas da rainha Vitória não
mais dirigem mundos, mas se converteram em obstáculos para o trânsito. Com o
passar do tempo, a maioria dos símbolos públicos perdem seu status como lugar e
simplesmente obstruem o espaço (TUAN, 2013, p. 202, grifo do autor).

De acordo com Tuan, a singularidade de um objeto considerado monumento é


diretamente proporcional a sua capacidade de perder-se como tal. Quando o monumento tem
significado e representatividade para um grupo maior de pessoas, é mais complacente que
perpetue, do que algo que é muito específico, símbolo para um pequeno grupo social. À
medida que forem perdendo seu sentido, esses monumentos passar apenas a ocupar o espaço.
Ainda segundo o autor, “o lugar é um tipo de objeto. Lugares e objetos definem o espaço,
dando-lhe uma personalidade geométrica” (TUAN, 2013, p. 28).

[...] Os monumentos e os ambientes característicos devem coexistir com as


estruturas e as instalações da cidade contemporânea, porque o interesse formal tem
um lugar circunscrito entre os outros interesses heterogêneos da cidade burguesa: os
monumentos e as obras de arte contêm as qualidades que faltam ao ambiente comum
e permitem experimentar – à guisa de pausa e recreação irregular - a harmonia que
se perdeu no resto da cidade e da vida cotidiana (BENEVOLO, 1991, p. 68)

De acordo com Benevolo, a conservação dos artefatos isolados levanta um problema


circunscrito, cultural ou “estético”. É preciso fazer valer o interesse especializado para o
testemunho histórico e para a forma artística, a par e muitas vezes contra os interesses
econômicos e produtivos, que na cidade contemporânea se tornaram independentes dos
primeiros (Idem). No caso da matriz de Erechim, fica claro que esses valores históricos não
foram respeitados, sobressaindo-se os interesses políticos e religiosos. Além disso, em
concordância com Knack, a memória patrimonial de uma cidade não é composta apenas pelo
patrimônio tombado pelo município, mas inclui também “espaços que representam
132

experiências da comunidade, marcando suas práticas sociais, contribuindo para formação da


identidade de seus habitantes” (2011, p. 15). Assim,

O valor que é dado a determinado objeto arquitetônico, por exemplo, não se


encontra apenas nas suas características físicas e morfológicas, mas em tudo o que
ele passará a representar como a identidade de determinado grupo, cidade ou nação
ou o período histórico ao qual pertenceu, entre inúmeros outros (POSSAMAI, 2000,
p. 17).

É na atribuição de determinados valores, como o nacional, histórico, artístico


arquitetônico, paisagístico, afetivo, entre outros, que se opera a definição do que será
considerado patrimônio, o que será preservado, e o que será relegado ao esquecimento.

Por várias razões a dimensão política emerge como um dos principais definidores da
cidade. Por um lado, sem demérito das lutas camponesas, a cidade é a principal sede
das lutas sociais. Por outro lado, ela é obrigatoriamente sede de poderes políticos:
necessariamente irá abrigar poderes municipais, e eventualmente será também a sede
de poderes estatais mais amplos. O papel de centralidade que ela assume em relação
a toda uma região limítrofe, ao campo circundante, a uma rede de cidades menores
ou dependentes – daí emerge uma terceira série de relações políticas e de poderes
que se instalam no recinto urbano, sob a forma de “dominâncias metropolitanas”.
Por fim, a cidade é lugar de uma multiplicidade de poderes e micropoderes que não
necessariamente se expressam por meio de instituições governamentais, mas que em
todo o caso se refletem nas formas complexas mediante as quais se organiza a
sociabilidade urbana (BARROS, 2007, p. 63).

Como já visto nos capítulos anteriores, no caso da cidade de Erechim se verifica que
essa influência política colaborou na formação e na transformação da paisagem, além do
interesse individual e coletivo. Ademais, entende-se que a arquitetura é por natureza coletiva,
“como uma criação inseparável da vida civil e da sociedade em que se manifesta” (ROSSI,
2001, p. 1).

Do mesmo modo que os primeiros homens construíram habitações e na primeira


construção tendiam a realizar um ambiente mais favorável à sua vida, a construir um
clima artificial, também construíram de acordo com uma intencionalidade estética.
Iniciaram a arquitetura ao mesmo tempo em que os primeiros esboços das cidades; a
arquitetura é, assim, inseparável da formação da civilização e é um fato permanente,
universal e necessário.225

Ainda segundo Rossi, as características estáveis da arquitetura são a criação de um


ambiente mais propício à vida e intencionalidade estética. Esses aspectos evidenciam-se em
algumas pesquisas e contemplam a cidade como criação humana.

225
Idem.
133

Mas, com o tempo, a cidade cresce sobre si mesma, adquire consciência e memória
de si mesma. Na sua construção, permanecem os motivos originais, mas
simultaneamente, a cidade torna mais precisos e modifica os motivos de seu
desenvolvimento (ROSSI, 2001, p. 2).

Na edição especial de 1977 do A Voz da Serra, juntamente com uma homenagem


inicial aos tempos da matriz, o editor ainda comenta o desenvolvimento da cidade, que
provocou tal mudança “pelo progresso que já começa a correr em tuas ruas, como sangue
quente nas veias”, confirmando a marcante presença do modernismo.226 Para Choay,

Com efeito, o advento da era industrial como processo de transformação – mas


também degradação – do meio ambiente contribuiu, ao lado de outros fatores menos
importantes, como o romantismo, para inverter a hierarquia dos valores atribuídos
aos monumentos históricos e privilegiar, pela primeira vez, os valores da
sensibilidade, principalmente estéticos. A revolução industrial, como ruptura em
relação aos modelos tradicionais de produção, abriria um fosso intransponível entre
dois períodos da criação humana. (2001, p. 127).

Dessa forma, se estabelece que a decisão da população erechinense foi favorável ao


processo de revolução industrial vivenciado pelo país durante aquele período, invertendo os
valores atribuídos ao templo histórico e favorecendo a modernização.

3.4. “Os capitalistas compram uma igreja”

Retomando o texto de Dico, identifica-se que havia outra polêmica referente a decisão
de demolir, o que seria “um acordo entre capitalistas”.227 No jornal do dia 13 de julho, se
pronuncia que “muitos esperam que a nova diocese vai se constituir num impulso muito
grande para o progresso da nossa cidade”, onde argumenta que o desenvolvimento justifica o
feito, alegando que a partir da criação da diocese, sucederiam muitas realizações, em ritmo
acelerado e crescente.
A informação de que “baseia-se no fato de que a presença da Igreja promove não só o
progresso espiritual, mas impele também para o desenvolvimento econômico e social”228
aparenta tratar-se de uma decisão vertical, compartilhada entre membros da Igreja com os
“capitalistas da cidade” (nesse sentido seriam os cidadãos a favor do desenvolvimento,
possivelmente empresários, empreendedores etc.). Segundo as fontes, inclusive descritas no
segundo capítulo, integrantes da Igreja já haviam contratado o arquiteto para o projeto da

226
CARRARO, Geder; A bênção Erexim. A Voz da Serra, Erechim, Edição especial 1977, p. 1.
227
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
228
Idem.
134

catedral tempos antes de consultar a população, o que demarca ainda mais essa verticalização.
Dico ainda tenta persuadir a população sobre as possíveis especulações sobre os interesses
capitalistas:

Gente! O que nós precisamos é um bocado de sensatez. A velha Matriz não está
sendo demolida pelo belo prazer de vermos edificado um novo templo, para vermos
uma Erechim com seus prédios com as mais belas linhas arquitetônicas. Ela está
sendo demolida por uma necessidade premente. Não um plano de meia dúzia, não é
compra de um capitalista.229

O espaço simbólico ocupado pela igreja foi peça fundamental na questão da catedral.
Tem-se conhecimento de que o espaço em frente à matriz era constantemente utilizado pela
população. A prática do footing, denominação dada ao hábito de passear após a missa matinal
de domingo, oportunidade de encontro social, atividade normalmente realizada por famílias e
jovens solteiros, abandonada após a construção da catedral, demonstra que houve uma
alteração no uso do espaço. Do ponto de vista social, é comum as comunidades
transformarem seus espaços de prática religiosa em patrimônio, como sinal de pertença a um
lugar. Patrimônio este, responsável muitas vezes pela afeição de pessoas e também pelo
desenvolvimento econômico dessa(s) localidade(s) referente(s) a esse patrimônio. Além da
motivação religiosa, relações sociais como o footing ocorriam no entorno do edifício da igreja
matriz, o que sugere um envolvimento coletivo ainda mais significativo com o espaço
inserido (Cf. PRESTES, 2012, p. 127).

A apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das
interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que as produzem. Assim, voltar a atenção para as
condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações
de produção do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também)
é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências
nem as idéias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que
as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou
fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias
históricas (CHARTIER, 1991, p. 179).

Metodologicamente, as contribuições de Chartier são propícias para interpretação do


fenômeno. O autor considera fundamentais três noções: representação, prática e apropriação.
O autor observa que tais demarcações e modelos constituem o objeto de uma História Cultural
que leva a repensar completamente a relação tradicional postulada entre o social, que
ambicionava identificar o real. Dessa forma, a Nova História Cultural propõe o estudo dos

229
Ibidem, p. 3.
135

processos com os quais se constrói um sentido. Para isso, tem-se que ter em conta as
especificidades do espaço próprio das práticas culturais. Somente assim é possível
compreender as práticas, “complexas, múltiplas, diferenciadas, que constroem o mundo como
representação”.

(...) as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir
uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um
estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas em
virtude das quais "representantes" (instâncias coletivas ou indivíduos
singulares) marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da
comunidade ou da classe (CHARTIER, 1991, p. 183).

O patrimônio cultural manifesta bens e valores materiais e imateriais (palavras,


imagens, objetos, ritos, habitus, resíduos...), transmitidos historicamente por contínuas
gerações, manifestando modos de ser, de fazer e de viver de um grupo social, uma
comunidade, uma coletividade que se identifica. O patrimônio cultural ajudar a promover a
intensidade da integração cultural, enriquece a memória, reforça a autoestima e a apropriação
da herança cultural por comunidades ameaçadas pelo esquecimento (TEDESCO, 2001, p. 51).

A memória coletiva foi relevantemente ameaçada nas lutas pelo poder entre as
forças sociais, e ter o controle do esquecimento e da memória é uma das principais
apreensões dos grupos ou indivíduos que tiveram e tem o domínio das “sociedades
históricas” (LE GOFF, 1990, p. 427)

Por seu caráter social, esta memória pode ser obtida, também, nas coisas materiais que
compõe o espólio de sua comunidade, em objetos, hinos, expressões de linguagem,
expressões artísticas e culturais, monumentos e, talvez, o que mais se sobressaia devido ao seu
volume, perenidade e fácil identificação por um maior número de indivíduos na arquitetura e
na paisagem.
Essas disputas simbólicas constituem uma “teia de relações de poder invisíveis” e de
disputas pelo poder simbólico. Pierre Bordieu (1989, p. 7) definiu o “poder simbólico como o
poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Ainda segundo o autor,

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação
sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito
específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário (Idem, p. 14).
136

Em outras palavras, o poder simbólico é o poder que atua na construção da realidade,


criando consensos, fabricando verdades e discursos, semeando conformismos e legitimando
as dominações vigentes. Portanto, são poderes que atuam no campo das representações
sociais, particularmente nos sistemas simbólicos.
Todas as sociedades, ao longo da sua história, produziram a suas próprias
representações globais: trata-se da elaboração de um sistema de ideias-imagens de
representação coletiva mediante o qual elas se atribuem uma identidade, estabelecem as suas
divisões, legitimam o seu poder e concebem modelos para a conduta de seus membros
(PESAVENTO, 1995, p. 16).
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem a
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses
de grupo que as forjam. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros,
produzem estratégias e práticas sociais escolares políticas que tendem a impor uma autoridade
à custa de outros por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformulado reformador ou a
justificar para os próprios indivíduos a suas escolhas e condutas.
O espaço e o tempo estruturam as narrativas e as representações humanas. O lugar na
memória reproduz um choque entre o presente e o passado com a dinamicidade do presente.
Ele é apresentado e adotado por necessidades e vivências sociais que ao evocar o passado se
transformam em memória. E essa memória não diz respeito apenas ao passado, mas também a
uma interpretação que ainda é e está no presente. Desta forma, as imagens que cada sujeito
tem de um dado lugar revelam algo que apenas a memória pode demonstrar. E na incessante
busca da permanência ou ainda dos marcos que são capazes de construir nexos entre passado
e presente é que repousa a essência da representação simbólica de um dado lugar para um
indivíduo.
Neste sentido - e retomando as considerações supracitadas, de Certeau - a ocupação de
um espaço simbólico pela igreja católica e manutenção deste, esteve diretamente relacionada
a um conjunto de poderes presente em edificações na praça da Bandeira, “o Coração da
Cidade”. Representações de poder simbólico, como a Prefeitura Municipal, o Castelinho, o
antigo Fórum e o Instituto Anglicano Barão do Rio Branco.
A praça concentra outros elementos identitários elegidos como representação pelos
“poderes” da cidade. Situam-se nela: o mosaico retratando a colonização, com desenho
arquiteto Francisco Riopardense de Macedo, o mastro de 35 metros com a bandeira brasileira
de 14 panos, o busto do Presidente Getúlio Vargas com a Carta Testamento, a pira da Pátria e
o chafariz, em estilo italiano.
137

Desse modo, foi desvalidado o contra-argumento de que a catedral poderia ter sido
construída em outro local da cidade. A manutenção da presença, poder e referência da igreja
católica deveria manter-se no ponto nodal de Erechim.
138

3.5. “Dialogando com você amigo”

A série de matérias “Dialogando com você amigo”, publicadas semanalmente durante


alguns meses no periódico A Voz da Serra, tiveram o objetivo de informar a população sobre
o funcionamento da igreja católica, assim como outras questões que envolvem o bispado. “A
par disto os Sacerdotes das paróquias que irão compor a futura Diocese, fizeram também um
trabalho de instrução ao povo sôbre o sentido da criação de uma Diocese”. Relativo a essa
emissão, fica evidente a incompreensão da população em relação ao dado acontecimento e se
confirma a visão de um poder vertical.
Semelhante a essa situação político-religiosa de Erechim, Passo Fundo vivenciou esse
cenário de expansão do catolicismo, “de articulação política com lideranças, de formação de
um laicato prosélito e de centralização doutrinária e operativa que iniciaram as tratativas para
a Constituição de um Bispado em Passo Fundo” (ZANOTTO, 2011, p. 213).

A Igreja Catedral de Passo Fundo como construção coletiva que foi e


empreendimento eclesial que representa, carrega esta marca simbólica que a vincula
ao social, ao político e ao religioso. Evidentemente que a força do poder religioso
aqui se sobressai, pois dele derivam não só a autorização para a construção física da
obra, mas a legitimidade institucional para sua identificação como o tempo distinto
dos demais (futura Catedral). Embora, como já apontamos, o empreendimento fora
anunciado como derivativo do desejo dos Passo-Fundenses, como resultado da
mobilização social em prol de fundos para a edificação, como projeto politico
defendido por lideranças geralmente presentes nos eventos marcantes do processo de
ereção da atual arquidiocese, a palavra final derivava das altas autoridades
eclesiásticas – eis aí explicitado o seu poder de tornar um simples edifício em um
signo distintivo, em um semiófero forjado pelas tratativas, declarações,
regulamentações, aceitações e consagrações dos príncipes da Igreja (ZANOTTO,
2011, p. 221).

Por diversas vezes, no decorrer do processo da demolição e com ênfase na edição que
antecedeu a sua primeira celebração religiosa oficial, o jornal A Voz da Serra ressalta a
importância do bispado, além do “trabalho de instrução ao povo”.230 No caso da demolição da
matriz, o processo notabiliza a força do poder religioso, mesmo que sua comissão fosse
composta por diversos integrantes da comunidade, e que o feito acabou almejado pela grande
maioria.

230
CARRARO, Geder. Edição especial – Posse do Bispo. A Voz da Serra, Erechim, 1º de agosto de 1971, p. 1.
139

3.6. “Deus é sempre o mesmo, ainda que de casa nova”

Para os saudosistas inconformados, lembramos que o povo foi consultado e


concordou com a demolição do antigo templo, sinal de que a humanidade
caminha para frente.
Para os conformistas, representa o trabalho de toda uma comunidade, sem
mudar-lhe o local, garantindo-lhe a situação de destaque, em nossa
acolhedora cidade.
Para os modernistas, aí está o monumento atual, que fala bem alto, de nossa
capacidade criadora, do que podemos legar aos nossos pósteros.
Mas, no fundo de tudo isso, paira soberano, acima de todas as nossas
imperfeições e deficiências, o ideal supremo que a isto nos levou: “Deus”.
Nesse Deus, estaremos todos irmanados no dia de amanhã, saudosistas,
conformistas e modernistas, unidos numa comunhão espiritual, que a todos
procura aperfeiçoar.
O que está feito, está feito e não poderá ser remediado.
Curvemo-nos diante do real e pensemos, que tanto Deus, estará dentro desse
suntuoso templo, como no mais tosco e carcomido lar, onde existe a
esperança e o amor.231

A matéria de A Voz da Serra da véspera da inauguração da catedral anuncia que a


mesma estava totalmente pronta e convida os fiéis para sua inauguração, evocando a todos
“saudosistas, conformistas e modernistas”. Além do pronunciamento, comunica-se que a
questão do bispado, decisiva no desfecho da demolição e substituição do templo, foi uma
decisão “madura”, pois foi muito idealizada e preparada pela comunidade católica, sendo “o
sonho a aspiração da família cristã erechinense”. Comunitariamente, “sua realização é mais
uma consagração da colaboração harmônica entre a imprescindível iniciativa particular e a
necessária complementação dos poderes públicos”.232
Além de dar ênfase à questão do bispado, o jornal salienta que a catedral era a “casa
nova”, referindo-se ao novo templo, e que a religião encontrada em seu interior era a mesma
conhecida pela comunidade. A edição finaliza enunciando que o dia 15 de maio de 1977, não
seria apenas o marco da renovação de Deus, mas iria representar o ponto de partida de “raios
de amor e fraternidade, na Catedral Diocesana de Erechim”.
No texto de Dico, ainda da época da polêmica da demolição em 1969, ele também fala
que o bispado era uma aspiração antiga: “Esclareço também que a construção da Catedral que
está surgindo, é a realização dum ideal dos nossos antepassados que já na época em que êles
existiam sonhavam ter um bispado em Erechim”.
O cenário de modernização que se manifestava na época da demolição,
aproximadamente nos anos 1970 em Erechim, foi um dos fatores impulsionadores do projeto

231
CARRARO, Geder; Deus é sempre o mesmo ainda que em casa nova. A Voz da Serra, Erechim, 14 de maio
de 1977, p. 1.
232
CARRARO, Estevam. Uma surge – outra desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 20 de julho de 1969, p. 1.
140

de substituição. Fica evidente, através das narrativas do jornal, uma busca pelo
desenvolvimento, que sempre envolvia e instigava a população.

Novos prédios em construção, mudam a fisionomia da cidade, havendo estímulo e


entusiasmo num município em que tudo é trabalho, amor pelo que é objetivo e
patriótico. Um povo consciente de suas obrigações não foge à responsabilidade e a
predestinação de construir, nesta região um lugar digno para todos os brasileiros.
Belas e bem cuidadas praças, arborizadas dão uma agradável sensação de bem estar.
É a prova mais evidente de uma raça com espírito comunitário e entusiasmo pelo
que é seu com o justificado orgulho de possuir muito mais do que os outros sem
querer ser mais do que ninguém (grifo nosso).233

Heitor Trentin, morador de Erechim e autor do texto, afirma que o comércio de


Erechim era um dos mais movimentados, devido ao seu “desenvolvimento econômico fluente
e progressista”, e por sua estratégica localização, no centro da região Alto Uruguai, a oeste de
Santa Catarina e sudoeste do Paraná, sendo esses os seus maiores e principais mercados.

Variado e notável é pois, o movimento comercial, contando com aproximadamente a


500 estabelecimentos comerciais de todos os gêneros funcionando em modernos e os
mais acessíveis edifícios com perfeita, moderna e agradável montagens, onde os
erechinenses encontram de tudo a par de um atendimento solícito e cordial. Desde os
bares até os mais finos estabelecimentos, onde se pode ver as mais requintadas
modas em evidência nos mais altos centros do país, encontra-se no meio comercial
aquela solicitude, honradez e presteza que primam e caracterizam o povo que habita
a Região Alto Uruguai (grifo nosso).234

Entende-se que a arquitetura moderna é a investigação dos modos alternativos para


organizar o ambiente construído, partindo dos objetos de uso para a cidade e o território. Esta
definição das tarefas atuais vale também como interpretação do passado e permite considerar
a história da arquitetura como história do ambiente construído, produto da presença do
homem sobre a superfície terrestre (BENEVOLO, 1991, p. 29).

O ambiente contemporâneo caracteriza-se sobretudo pelos efeitos do


desenvolvimento industrial: já recebeu no passado, recebe agora e está para receber
uma série de transformações, mais profundas e mais rápidas do que as que se
registraram em qualquer outra época depois do aparecimento da cidade
(BENEVOLO, 1991, p. 30).

233
CARRARO, Estevam. Campanha do otimismo: capital do Alto Uruguai. A Voz da Serra, Erechim, 27 de
julho de 1969, p. 1.
234
TRENTIN apud CARRARO, Estevam. Campanha do otimismo: capital do Alto Uruguai. A Voz da Serra,
Erechim, 27 de julho de 1969, p. 1.
141

A arquitetura moderna representou a busca de uma alternativa para o mecanismo


urbano pós-liberal. A opção de destruir ou preservar os centros históricos, acomete a uma
alternativa mais geral:

O patrimônio a ser preservado não constitui um elenco de artefatos homogêneos e


independentes entre si (justamente aqueles que no sistema anterior cultural tinham
valor de modelos: os “monumentos” e as “obras de arte”); pelo contrário, é um
sistema de artefatos heterogêneos e ligados entre si, que no seu conjunto formam o
ambiente vital das épocas passadas, com as quais perdemos o contato espontâneo
habitual: antes de tudo, o ambiente da sociedade anterior à revolução industrial, que
se costuma chamar de “pré-industrial” ou “antigo regime”. Trata-se de cultivos, de
vias, de canais, povoados, cidades, edifícios e objetos de uso, selecionados não com
base num “valor artístico” controverso, mas com base num grau de significação e de
coerência abrangente de modo a nos permitir reconstruir os vínculos
retrospectivamente perdidos ou ameaçados e, portanto, averiguáveis com rigor
científico (BENEVOLO, 1991 p. 141, grifo do autor)

Enquanto o modernismo tem por essência a valorização da forma e da função do


edifício, utilizando formas simples, geométricas, destituídas – de modo geral -, de
ornamentações, enaltecendo o emprego dos materiais como o concreto aparente, em
detrimento do reboco e da pintura; o barroco, que foi uma das principais manifestações da
contrarreforma religiosa católica por meio da arte, presente principalmente em igrejas e
catedrais, tem por características a presença de linhas curvas, relevos, o uso de abóbodas,
arcos, efeitos cenográficos teatrais, contrastes, dualidades, demonstrando uma libertação
espacial das geometrias, perpetrado uma riqueza de detalhes que exasperavam as emoções.

Hoje que a arquitetura moderna está sendo interpretada novamente como um estilo
entre os outros, é preciso, ao contrário, reconhecer no “funcionalismo” de cinquenta
anos atrás a tentativa (parcial e questionável) de reivindicar a integridade da
experiência ambiental, onde valores de uso e valores de contemplação devem voltar
a coincidir como no passado.
Mies van der Rohe chegou a citar uma frase atribuída a Santo Agostinho: “O belo é
o esplendor do verdadeiro”. A gente comum pensa do mesmo modo e não está
absolutamente interessada na distinção entre o belo e o útil: procura um bom sapato,
uma boa casa, um bom bairro, onde “bom” significa simultaneamente cômodo, bem
construído, agradável de se ver e a um preço razoável. (Mies dizia: “Não quero ser
interessante, quero ser bom”.) Nos países de tradição não europeia, como o Japão,
não existem palavras diferentes para indicar a beleza e a utilidade como exigências
separadas (BENEVOLO, 1991, p. 56, grifo do autor).

Essa oposição entre os estilos barroco e moderno, assim como a matriz e a catedral,
revela os sentimentos afetivos muitas vezes evidenciados nos textos do jornal, confirmando
que o estilo barroco, no caso da matriz, neobarroco, traz sutilezas e o acolhimento desejado
por um templo, que ao contrário da catedral, por suas formas retas e funcionais, pode vir a
repelir e afastar.
142

Ainda que o estilo barroco assumisse características distintas de um país para o outro –
bem como nas suas expressões neobarrocas -, seus princípios estéticos de ornamentação,
dramaticidade e emoção, perpetuaram. A aspiração religiosa foi representada num diálogo
entre a edificação, as figura sagrada e o espectador. Esta corrente, ascendente e descendente,
teve o edifício como mediador através de formas envolventes e “acolhedoras” (MARAVALL,
1997). Conceitos antagônicos são expressos pela arquitetura modernista, de linhas e ângulos
retos, espaços balizados e certa impassibilidade.

A arte e a arquitetura buscam visibilidade. São tentativas de dar forma sensível aos
estados de espírito, sentimentos e ritmos da vida diária. A maioria dos lugares não
são criações deliberadas, eles são construídos para satisfazer necessidades práticas.
(TUAN, 2013, p. 204).

O Jornal A Voz da Serra publicou a nota sobre a substituição dos templos de Erechim
que foi veiculada no Correio do Povo, periódico da capital, o qual lamentou o feito, surpreso
pela população ter assistido a consumação da demolição: “Num país onde as cidades fazem
por esquecer o seu passado, perdem a sua perspectiva histórica, tenha o povo da velha Colônia
de Paiol Grande assistido passivamente a sua destruição, trocando a velha Matriz de linhas
clássicas, carregada das lembranças dos seus velhos colonizadores, por uma construção
comum, sem beleza”.235 De acordo com esse artigo, do autor identificado como Fernando
Freire, a catedral se parece “um misto de garagem e de supermercado, na qual, se não
existisse uma cruz vazada no frontispício, não se saberia que era uma casa estimada ao culto
de Deus”.236
Essas características expõem a impessoalidade de obra, que dentro dos princípios do
modernismo, desfavorecem a sensibilidade, priorizando apenas a funcionalidade e os
materiais. O autor ainda prossegue: “É claro que presentemente, não iríamos nos bater pela
construção de uma catedral em estilo gótico ou renascentista, porém, pôr abaixo o que é belo,
o que lá existia, é o cúmulo da insensibilidade”237, consciente de que o modernismo era o
estilo adotado nas principais obras de destaque do contemporâneo, porém inconformado de
que a obra não atingiu a beleza própria do caráter modernista.
Mesmo assim, nota-se que o jornal insiste enaltecendo o feito, onde na edição de
inauguração da catedral publicou: “Para os modernistas, aí está o monumento atual, que fala

235
CARRARO, Geder. Nossa Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1977, p. 3.
236
FREIRE, Fernando apud CARRARO, Geder. Nossa Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1977, p.
3.
237
Idem.
143

bem alto, de nossa capacidade criadora, do que podemos legar aos nossos pósteros.”238 No
mesmo sentido e espírito modernizador, se dava o diálogo de Dico, em 1969, que diz:

Portanto amigos, unamo-nos aos idealizadores, não com comentários e críticas mas
sim com a nossa colaboração e incentivo para que em pouco tempo possamos ver de
pé aquilo que chamaremos de CATEDRAL, é uma obra prima arquitetônica de
nossa época, e assim possamos no futuro dizer aos nossos filhos e netos que aquilos
que êles estão vendo foi construído pelos seus pais (grifo do autor).239

Foram diversos os episódios semelhantes ocorridos no Brasil durante o século XX. A


exemplo da demolição da antiga matriz de Sant´Ana – igreja colonial localizada na cidade de
Ferros, interior de Minas Gerais – para dar lugar a um templo de estilo moderno, por volta de
1960. Da mesma forma, também houve um vigoroso debate em torno da possibilidade de
demolição que acabou por mobilizar os moradores de Ferros, autoridades eclesiásticas da
igreja católica no estado e ativistas católicos, acirrando posições e opiniões e atraindo a
atenção da imprensa nacional.

(...) a substituição de diversas igrejas antigas no Brasil por novos templos durante
esse período teria sido impulsionada pela crença na eficácia da técnica como
elemento instaurador de modernidade. E também seria promovida pela marca
“cristocentrista” sustentada pelo Movimento Litúrgico, possibilitando o diálogo
entre a Igreja católica e os arquitetos modernistas e expressando, entre outras
particularidades, uma Igreja mais afinada aos novos tempos (ANDRADE, 2011, p.
11).

No caso do templo moderno de Ferros, o maior problema do mesmo é estar inserido na


Praça da Matriz, tradicional espaço de encontro e principal referência da comunidade,
gerando um estranhamento em oposição ao prédio do antigo Fórum de Ferros e à própria
praça, impondo uma paisagem que não compatibiliza com o entorno. A matriz, que era de
estilo colonial com elementos de um rococó tardio, também enfrentou uma discussão em
torno da questão da demolição, ultrapassando a comunidade eclesiástica e ganhando destaque
na imprensa mineira e até carioca. Os partidários do “novo” possuíam referências de que a
modernização arquitetônica seria um elemento propulsor, exatamente como o caso de
Erechim. Para eles inclusive, esse processo de “exorcização” de um passado a ser superado
pela comunidade, espécie de momento de fundação, rito de passagem a uma nova era. Assim
como no caso da matriz São José, a ação desse grupo acabou sendo decisiva para que se
efetivasse a demolição (SILVEIRA, 2011).

238
CARRARO, Geder; A bênção Erexim. A Voz da Serra, Erechim, Edição especial 1977, p. 1.
239
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
144

(...) ali mesmo, naquela praça onde hoje vemos uma contrastante paisagem, havia
outrora uma Igreja Matriz perfeitamente assentada com a arquitetura do antigo
prédio do Fórum. Formavam, juntamente com uma pracinha que se prolongava ao
redor de um tradicional coreto, um conjunto harmônico, incapaz de nos remeter à
sensação de estranhamento hoje proporcionada naquele local (ANDRADE, 2011, p.
15).

No plano internacional, segundo Peter Anson, a primeira igreja na qual o concreto


armado encontrou expressão arquitetural direta teria sido a Notre-Dame du Raincy, projetada
por Auguste Perret e inaugurada em 1923. Quatro anos depois, Karl Moser projetaria outra
igreja que marcava época – a de Santo Antônio, na Basileia -, em que a lógica do aço, vidro e
concreto foi aplicada ao tradicional plano da basílica dotada de naves laterais.240
Especialmente na Alemanha, a partir de 1922, um grupo de arquitetos teria se reunido
para estudar os princípios básicos do moderno planejamento de igrejas. Em 1930, inaugura-se
a Igreja de Corpus Christi em Aachen (Aquisgrana), de Rudolf Scharz. Dominikus Böhm
destaca-se, por sua vez, pelos templos de S. Enguelberto em Riehl (sagrada em 1932) e de
Ringenberg (1935). É curioso notar, entretanto, que em todos esses edifícios as inovações se
limitariam às novas concepções litúrgicas orientadas e à aplicação de materiais e técnicas
construtivas modernas. Seguindo as propostas funcionalistas do debate arquitetônico europeu,
os templos considerados mais avançados naquele momento não exploraram de maneira mais
ousada as novas possibilidades plásticas do concreto armado (ANDRADE, 2011, p. 17).
Por outro lado, nas principais narrativas sobre a história da arquitetura modernista do
241
Brasil destacam-se, geralmente, dois edifícios considerados inovadores mundialmente no
tocante à temática religiosa, ambos de Oscar Niemeyer: a Capela da Pampulha, da primeira
metade da década de 1940, e a catedral de Brasília, do final dos anos 1950. A primeira teria,
inclusive, influenciado bastante Le Corbusier em seu projeto da Capela Notre-Dame, em
Ronchamp, construída entre 1950 e 1955. Nela, o mestre funcionalista buscava um maior
equilíbrio entre forma e função, a exemplo do esforço empreendido pelo arquiteto brasileiro.
A intensidade do brilho dessas duas experiências parece, contudo, ter obscurecido a produção
dos outros arquitetos brasileiros no campo religioso entre as décadas de 1940 e 1960.
Henri-Pierre Jeudy, em seu livro Espelho das cidades, uma união de duas obras
complementares sobre a questão patrimonial contemporânea (A maquinaria patrimonial e

240
Cf. ANSON. A construção de igrejas, 1969.
241
Cf. MARTINS. Revista Pós (Anais do Seminário Nacional “O estudo na formação do arquiteto”), 1994, p.
91.
145

Crítica da estética urbana), trata de dois processos distintos que podem ser chamados de
patrimonialização e estetização urbanas, os quais fazem parte de um mesmo processo atual e
mais vasto, o qual ele denomina espetacularização das cidades. Para Jeudy, esse processo se
liga diretamente às estratégias de marketing e branding urbano, as quais muitas vezes se
denomina como estratégia de revitalização, buscando construir novas imagens para as cidades
contemporâneas, garantindo assim destaque e representatividade internacional.

Os diferentes momentos vividos ao longo de uma existência representam, como


cartões-postais, atmosferas da vida cotidiana que não poderemos jamais esquecer.
Este jogo infernal da memória é controlado pela ordem patrimonial, que o solidifica
ao lhe impor um sentido de espetáculo. O prazer da restituição “viva” nos faz viver
como “neomortos”, como seres já mortos que continuam em estado de sobrevida. A
exibição patrimonial imobiliza a própria nostalgia e anula a aventura da transmissão.
Prevalece o princípio da retroação perpétua. (JEUDY, 2005, p. 16).

Na dialética de Jeudy, a cultura também passou a ser compreendida como uma marca
ou grife de entretenimento, um objeto de consumo imediato. Com relação às cidades, isso
ocorre de maneira similar, onde a competição entre investidores e turistas estrangeiros é
acirrada, enquanto os políticos se empenham em vender uma imagem de marca de suas
cidades (JEUDY, 2005, p. 9).

A regra é clara: para que o passado não seja abolido é preciso que tudo o que se vive
seja atualizado. As diferenças temporais entre o passado, o presente e o futuro são
aniquiladas graças aos simulacros dessa atualização. O passado e o futuro parecem
se conjugar no presente, ao passo que o próprio presente se torna o tempo da
reprodução antecipada do passado (JEUDY, 2005, p. 16).

Dessa maneira, esse padrão acaba tornando todas essas áreas semelhantes entre si,
embora estejam em diferentes países e culturas, o que resulta em um processo de
“museificação urbana em escala global”. Para este fim, a cidade passa a sofrer cirurgias
plásticas ou liftings, onde sua restauração permanente é o espelho atual do porvir das
sociedades contemporâneas, tornando-se muitas vezes uma conservação patrimonial
obsessiva, correndo o risco de petrificar a própria cidade, que se transforma assim, em museu
de si mesma.

Não temos mais a liberdade de esquecer, pois isto seria um crime. “Esquecer é
ocultar”, tal seria a nova regra de uma boa gestão de memórias. Censuramos as
gerações que nos precederam por terem tão facilmente esquecido. É provável que
elas tenham achado possível viver o tempo presente tal como ele era (JEUDY, 2005,
p. 15).
146

O que prevalece é o princípio da reflexividade, o qual determina que uma sociedade


tem melhores condições de gestão quando se vê refletida em seu próprio espelho, tanto das
cidades quanto das sociedades contemporâneas. É como se as sociedades precisassem se
assegurar de quem são, baseando-se no que já foram, evitando o novo.
No oriente, no caso das cidades japonesas, por exemplo, a questão do patrimônio não
tem tanta importância, uma vez que as questões ancestrais se mantém vivas no cotidiano da
população, oposto da Europa, que por manter os recursos da atual museificação e petrificação
de suas cidades, chegam a ser consideradas cidades mortas. No caso do Brasil, projetos de
revitalização urbana de caráter patrimonial vem se multiplicando em diferentes cidades
chamadas históricas, muitas vezes repetindo essa mesma fórmula mundial, sem um
questionamento crítico. Além da patrimonialização e estetização, provoca a espetacularização,
padronização dos espaços e até a gentrificação, que seria a expulsão de moradores, muitas
vezes de baixa renda, das áreas de intervenção, para normalmente exercer funções mais
elitizadas (JEUDY, 2005, p. 11).

No Brasil, houve, sempre, uma falta de interesse, por parte dos arqueólogos, em
interagir com a sociedade em geral – como é o caso, na verdade, alhures na América
Latina, como nota Gnecco242 (1995, p.19) – e o patrimônio foi deixado para
“escritores, arquitectos e artistas, os verdadeiros descobridores do patrimônio
cultural no Brasil, não historiadores ou arqueólogos” (Munari 243 1995). A
preservação dos edifícios de igrejas coloniais poderia ser considerado, no Brasil e no
resto da América Latina (García244 1995, p.42), como o mais antigo manejo
patrimonial (FUNARI, 2001, p. 2).

Contudo, ainda de acordo com Funari, nem mesmo as igrejas foram bem preservadas
no Brasil, salvo algumas exceções. Tal fato pode ser explicado pelo anseio das elites, nos
últimos cem anos, pelo progresso. Não por acaso, a bandeira nacional criada na época da
Proclamação da República, em 1889, leva o emblema “ordem e progresso”. Desde então, o
país tem buscado a modernidade e qualquer edifício moderno é considerado melhor do que
um antigo. Entretanto, o século XXI veio acompanhado de uma preocupação maior com a
questão patrimonial, que ainda necessita aperfeiçoamento. A criação de Brasília, inclusive, em
1961, teve além de motivos econômicos, sociais ou geopolíticos, essa simpatia pela
modernidade (FUNARI, 2001, p. 2).

242
Gnecco, C. 1995. Práxis científica en la periferia: notas para una historia social de la Arqueologia
colombiana. Revista Española de Antropología Americana 25, 9-22.
243
Munari, L.A.S. 1995. Surpresas de ´Óculum´. Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas, September 4th, p.2
244
García, J. 1995. Arqueología colonial en el área maya. Aspectos generales y modelos de estudio. Revista
Espanõla de Antropología Americana 25, 41-69.
147

A melhor imagem da sociedade brasileira não deveria ser os edifícios históricos do


Rio de Janeiro, mas uma cidade moderníssima e mesmo os mais humildes sertanejos
deveriam preterir seu patrimônio, em benefício de uma cidade sem passado
(FUNARI, 2001, p. 2).

Esse fenômeno humano histórico, que retratou um momento de modernização


proveniente do processo de industrialização vivido no país em meados do século XX, afirmou
o desejo de Erechim tornar-se moderno, amplificado a interesses político-religiosos de
elevação ao bispado. Através da análise do jornal A Voz da Serra, pôde-se verificar detalhes
do conflito vivido pela comunidade de Erechim, a demolição e substituição de um templo
pelo qual as pessoas tinham relação afetiva, por outro templo que trouxe vantagens, como um
templo maior, o bispado, a modernização e promessas de um futuro próspero, mas ao mesmo
tempo um vazio que não correspondeu às questões mais subjetivas da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Erechim, cidade colonizada no início do século XX, principalmente por imigrantes


europeus, os quais marcaram a formação da cidade com sua cultura, sua arquitetura, seu
trabalho e suas crenças religiosas, e que sempre buscou progresso, em 1969 foi surpreendida
por um acontecimento carregado de contradições. A trajetória da demolição da matriz até sua
substituição pela atual catedral, teve como uma das principais razões motivadoras a criação da
Diocese de Erechim, acompanhada pela expectativa de modernizar-se e se tornar um centro
regional religioso, idealizando que a partir da instalação do bispado que se deu em 1971, essa
sequência se daria com ainda mais intensidade.
No decorrer desta pesquisa, foi possível reunir as singularidades que configuraram o
desfecho do episódio, estabelecido como um fenômeno humano e histórico. A comunidade
católica, que desde a década de 1940 já aspirava por sua própria diocese, identifica a
possibilidade de elevação ao bispado ao construir um santuário maior, avaliando ainda mais
necessária a construção de uma catedral, já que a sua matriz carecia de reformas.
Acompanhando o momento vivenciado pelo país na década de 1960, a eclosão do
modernismo e a “euforia” pelo progresso, o estilo arquitetônico da catedral deveria ser o
modernista. No entanto, desde sua inauguração, houve a decepção com sua arquitetura, que
foi comparada à de um supermercado.
Outra questão captada na pesquisa, foi de que o espaço onde a matriz se inseria se
caracterizava como um lugar praticado, intensamente utilizado pela comunidade, relação que
não teve continuidade após a implantação da catedral. A prática do “footing” ainda acontece
em Erechim, porém as pessoas costumam se distribuir no decorrer das avenidas, não havendo
mais a concentração em frente à igreja São José.
Atualmente, a crescente retomada dos espaços urbanos pelas pessoas é parte do
processo de humanização das cidades, em um esforço para melhorar e promover a
convivência nas ruas. O uso dos espaços públicos pressupõe muito mais do que apenas o
deslocamento de um lugar a outro: trata-se, antes e muito mais, dos encontros e trocas que
esses lugares podem proporcionar, das diferentes relações que podem fazer surgir, dos
momentos de convivência, da conexão entre as pessoas.
O apoio da imprensa foi determinante para viabilizar a intervenção, que demandava o
apoio direto da população. Através da investigação dos jornais, foi possível verificar que o
episódio foi mais turbulento do que a imprensa e a igreja permitiram transmitir. Verificou-se
148

que o acerto entre a igreja e o engenheiro responsável pela obra teria ocorrido antes de 1967,
sem o conhecimento prévio da população. Denúncias de que capitalistas estariam envolvidos
na iniciativa foram abordadas de maneira superficial, sendo que nada do gênero foi realmente
confirmado. Mesmo através dos anos, essas hipóteses resistem nas conversas informais,
quando o assunto é a demolição da matriz, entretanto, além de nunca terem sido comprovadas,
seria injusto concluir que apenas um estabelecimento comercial fosse o beneficiário do
empreendimento, que trouxe outras vantagens, como o bispado e um templo maior. No
entanto, em diferentes momentos históricos, inclusive na atualidade, evidencia-se que grandes
empresas lucram com esses “progressos”.
Os termos utilizados nas redações das matérias jornalísticas, como “modernização” e
“moderno”, representam o apelo ao público em prol da modernização, encorajando a
população, e gerando uma atmosfera otimista em relação ao novo, ao moderno, idealizando
uma situação onde Erechim conquistaria reconhecimento e destaque através do feito. Os
boatos que envolveram a matriz de que a mesma estaria condenada, perderam sustentação à
medida que se deu a demolição, deixando óbvias outras motivações inicialmente encobertas,
como o espaço que a catedral almejava ocupar, na Praça da Bandeira, central e simbólico.
Posicionando-se sempre a favor da modernização e da demolição da matriz, A Voz da Serra
também fez papel informativo, considerando que a população não tinha real conhecimento da
importância de uma diocese, continuamente argumentando os benefícios que a mesma traria à
região.
Através da percepção de um diálogo inexplícito nas matérias jornalísticas, analisado
delicadamente no terceiro capítulo, pôde-se identificar que o conflito vivido pela comunidade
de Erechim, a demolição de um templo pelo qual as pessoas tinham relação afetiva, por outro
templo que anunciava a modernização, resultou em um vazio que não correspondeu às
questões mais subjetivas da população.
O patrimônio cultural pode ser entendido como o passado ressignificado pelo presente,
sendo importante ressaltar que os significados do passado e do presente se interceptam
construindo redes de significados, cuja decifração é complexa. Dado que o aspecto da
materialidade é menos relevante do que os usos da comunidade para com o objeto, a
consequência desse debate é o conflito entre preservar uma obra de arte sem uso, a
acompanhar o progresso e desenvolvimento das cidades. Entretanto, no caso da matriz, além
dela estar em pleno uso, mesmo necessitando reformas, não havia crise de espaço urbano, o
que permitia encontrar outras alternativas menos radicais para todas as questões envolvidas.
149

Para Pesavento, “tal como um ser humano, a cidade possui uma identidade que faz
com que os indivíduos a reconheçam e se reconheçam nela como individualidade” (1997, p.
25). A história de um lugar, enquanto espaço citadino, é compreendida a partir do
reconhecimento de sua formação em conjunto com a sua arquitetura. Uma edificação, para ser
entendida como patrimônio histórico arquitetônico, deve possuir uma identificação pelos
moradores e gestores da cidade, onde a mesma se encontra e se reconhece, fazendo com que
ela deixe de ser apenas um material ou um bem, e seja instrumento fundamental da história da
cidade, tornando-se um objeto simbólico.
Estabelecer uma conexão entre espaços públicos e privados parece ser o caminho para
a transformação das cidades em ambientes urbanos mais seguros. Na prática, isso significa
fazer com que as construções em geral tenham uma função ativa na cidade, convidem as
pessoas a entrar, tendo aberturas e materiais transparentes, por exemplo, de tal forma que seja
possível enxergar o espaço como uma extensão da rua, e vice-versa. Notando-se a robustez da
fachada da catedral, assim como suas características arquitetônicas derivadas do modernismo,
que pela sua forma, não atrai os transeuntes a adentrá-la, verifica-se que a matriz e seu estilo
proveniente do barroco, tinham um efeito exatamente ao contrário, acolhedor e convidativo,
podendo assim pontuar essa desvantagem da catedral na colaboração com o espaço urbano.
O patrimônio, que designa um conjunto de bens de valor histórico, artístico, material,
cultural, natural, etc., tidos como significativos para a comunidade local, regional ou mesmo
mundial por seus atributos de constituição de identidade e cultura, atesta a história de uma
determinada sociedade. O conceito de patrimônio histórico está intimamente ligado ao
patrimônio cultural que é constituído pelos chamados bens culturais que pode ser definido
como toda produção humana emocional, intelectual ou material, independente da sua origem
ou época. Ao selecionar alguns bens como patrimônio de determinada sociedade, também se
está excluindo inúmeros outros, portanto essa seleção que muitas vezes é arbitrária e
verticalizada pode revelar um campo de conflitos e disputas simbólicas no seio de
determinada sociedade.
Além disso, a memória individual não pode ser distanciada das memórias coletivas,
pois o indivíduo não possui sozinho o controle do “resgate” sobre o passado, ela é constituída
por indivíduos em interação, por grupos sociais, sendo as lembranças individuais resultado
desse processo. Assim, a memória do indivíduo está vinculada à memória do grupo e a do
grupo, a esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade, tendo como
instrumento socializador a linguagem, assim ela torna-se importante para a transmissão da
cultura local herdada, sendo constituída por acontecimentos vividos socialmente.
150

As práticas de significação ocorrem no contexto das relações sociais de poder: os


significados próprios de determinados grupos sociais sobrepõe-se aos significados de outros
grupos. Reiterando, a memória é um fenômeno social, possui um caráter social, uma
linguagem coletiva e uma comunhão de noções compartilhadas com os participantes do grupo
social. A tradição necessita da rememoração, precisando de um fato importante vivido por
uma ou várias pessoas para ganhar corpo e continuidade no tempo. A reconstituição de uma
tradição normalmente é feita com recursos mediadores dos ritos e dos símbolos. As pessoas
ou grupos que recorrem à tradição, normalmente o fazem com a intenção de dar sentido ao
presente, objetivam responder às provocações do tempo presente (RIVERS, 1998, p. 50).
É o indivíduo e sua memória que gravitam ao redor do grupo. Para Halbwachs, a
identidade individual está em reconstrução permanente da mesma forma que a realidade
social que a envolve. O indivíduo articula sua capacidade de memorização conhecendo e
reconhecendo-se no grupo (1990, p. 28).
Dessa forma, preservar edificações de importância histórica é preservar a relação do
indivíduo ou do grupo com seu passado e sua identidade. Essa discussão por si só é polêmica,
é instável, e não é recente. O próprio conceito de patrimônio histórico por si só já justifica sua
preservação. Estudar o patrimônio histórico arquitetônico é apenas um meio de compreender
as transformações dadas em uma cidade.
Devido às experiências que ocorrem no presente, a população precisa manter o contato
com estes bens para valorizar a sua existência e seu significado, construindo no presente
novas experiências, atribuindo diferentes valores históricos em um processo de interação
dinâmico.
Entendemos que identidades não são dadas, são construídas e assimiladas por todos
nós pelas nossas ações cotidianas, nas relações sociais e nas formas de lermos e concebermos
um mundo. Algumas transformações sociais que ocorrem numa cidade, não podem ser
explicadas na história de uma cidade apenas pelas suas edificações históricas. Pensar no
patrimônio deve ser um exercício proativo, pois seu valor histórico e o significado para a
comunidade está em constante transformação.
O patrimônio histórico necessita de um tratamento mais lógico e esclarecido do
passado, para que não venha a ser sobreposto pelo consumismo cultural e turístico.
Demolições e construções fazem parte da ação urbana, porém a garantia da preservação do
patrimônio depende de percebermos que esse espaço urbano é dinâmico, onde os novos usos
não devem eliminar o testemunho do antigo.
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Livro Tombo 2. Paróquia São José, de Erechim. Ano 1968.

Livro Tombo 1. Seminário Diocesano Nossa Senhora de Fátima de Erechim. 1955.

Livro Cinquentenário de Erechim, 1968.

Revista Erechim, do mês de julho de 1953.

Leis e Decretos

Decreto nº 10.432 de 9 de novembro de 1889.

Decreto nº 247 de 19 de agosto de 1899.

Decreto nº 167 de 22 de dezembro de 1910.

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Plano Diretor de Erechim, 04 de janeiro de 1994.

Lei Orgânica de Erechim, 1990.

Lei Municipal nº 3.409 de 31 de outubro de 2001.

Lei Municipal nº 4.176 de 8 de agosto de 2007.

Lei Municipal nº 4.248 de 12 de dezembro de 2007.

Lei Municipal nº 6.093 de 22 de dezembro de 2015.


157

Arquivos e bibliotecas consultados

Arquivo Histórico Municipal Juarez Miguel Illa Font Erechim.

Arquivo documental da Catedral São José, Erechim.

Biblioteca Central da Universidade de Passo Fundo.

Biblioteca Pública Dr. Gladstone Osório Mársico, Erechim.

Seminário Diocesano Nossa Senhora de Fátima, Erechim.

Prefeitura Municipal de Erechim – http://www.pmerechim.rs.gov.br


ANEXOS

Anexo 1. Paróquias da Diocese Erechim em 1971.


Paróquia Cidade Data de Fundação
Imaculada Conceição Getúlio Vargas 25/10/1911
Nossa Senhora do Monte Áurea 10/04/1915
Claro
São José Erechim 19/08/1919
São Luiz Gonzaga Gaurama 24/08/1919
Santa Ana Carlos Gomes 08/02/1925
São João Batista Marcelino Ramos 22/02/1928
Santa Isabel Três Arroios 01/01/1932
N. Sra. do Rosário Cotegipe 14/09/1934
Sagrado Coração de Jesus Viadutos 23/09/1934
Santo Antônio Jacutinga 14/09/1937
Nossa Senhora Medianeira Barra do Rio Azul 02/02/1938
Sagrado Coração de Jesus Paulo Bento 02/06/1943
São Valentim São Valentim 13/02/1944
N. Sra. do Pedancino Erval Grande 23/02/1947
São Caetano Severiano de Almeida 07/08/1951
São Tiago, de Aratiba Aratiba 07/08/1951
Santa Terezinha Estação Getúlio Vargas 05/06/1953
N. Sra. dos Navegantes Campinas do Sul 20/12/1954
Campinas do Sul
N. Sra. de Salete Três Vendas de Erechim 25/12/1954
São Pedro Erechim 13/07/1958
São Francisco de Assis Mariano Moro 25/01/1965
São Roque, de Itatiba do Itatiba do Sul 02/09/1965
Sul
São Roque Benjamin Constant 27/04/1966
São Pedro Dourado 01/01/1967
N. Sra. das Dôres Capo-Erê 11/01/1968
Fonte: Sistematização do autor.
159

Anexo 2. Mapa do projeto da sede da Colônia Erechim.

Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal.


160

Anexo 3. Mapa da Subdivisão da Colônia Erechim.

Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal.


161

Anexo 4. Foto da comunidade em frente à matriz, Corpus Christi, década de 1940.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


162

Anexo 5. Foto da comunidade em frente à matriz, ato cívico, década de 1940.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


163

Anexo 6. Comunidade em frente à matriz, 1943.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


164

Anexo 7. Matriz São José, década de 1940.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


165

Anexo 8. Matriz São José sendo demolida, 1969.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


166

Anexo 9. Construção da catedral São José, 1971.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.

Anexo 10. Missa de inauguração da catedral São José, 1977.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal.


167

Anexo 11. Vista superior da Praça da Bandeira.

Fonte: DTZ Imagens aéreas.

Anexo 12. Imagem superior da Praça da Bandeira, que mostra a catedral São José e a Avenida Maurício
Cardoso.

Fonte: DTZ Imagens aéreas.


168

Anexo 13. Catedral São José atualmente.

Fonte: http://www.pmerechim.rs.gov.br

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