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Passo Fundo
2017
Dedico esta pesquisa a todos que mantém vivas as memórias de Erechim e à Clarissa.
AGRADECIMENTOS
Henri-Perre Jeudy
RESUMO
A igreja neobarroca matriz São José de Erechim, construída entre 1927 e 1934 e demolida em
1969 para ser substituída pela Catedral São José, em estilo modernista, é o objeto de estudo
deste trabalho. Buscando primeiramente compreender as motivações da sua demolição, a qual
se deu de forma polêmica e paradoxal, o objetivo principal desta pesquisa é investigar sob
uma perspectiva histórica o processo da demolição da matriz até a sua substituição pela
catedral. Através da análise detalhada do principal periódico existente na época em Erechim,
cruzando fontes diversas encontradas, e visando estabelecer uma relação com aspectos
culturais, levando em conta a temática patrimonial, área expressiva no âmbito social e
considerando a sua representação para a comunidade erechinense, pondera-se que tal
substituição teve reflexos na dinâmica de ocupação e leitura de sentido conferida ao espaço
pelos moradores da cidade. Este trabalho versa sobre aspectos da história da conformação do
espaço arquitetônico compreendido pela Praça da Bandeira, tendo como foco principal a
substituição da igreja e sua representatividade em termos sociais e na projeção de um ideário
modernista. No que se refere a interação e às reações da comunidade alusivas ao
acontecimento, identifica-se a relação de conceitos do uso do espaço e representação.
Relacionado ao campo do patrimônio e memória, busca-se também a reflexão entre a
modernização e a preservação. O estudo sobre a demolição da igreja matriz São José, que
culminou em 1969 em Erechim, não se restringe apenas à edificação neobarroca, sua
demolição e substituição, mas também ao imaginário criado por uma parte dos habitantes,
hipoteticamente relacionado ao “lugar” que a igreja estava inserida. Considerando que as
práticas agregam significados que produzem interfaces com as memórias, a edificação de
caráter estético modernista que substituiu a matriz São José, elevada a catedral, pode ter
alterado a relação de sentido de parte da comunidade erechinense - sobretudo os
frequentadores - para com o “lugar” e com a edificação.
The neo-baroque church of São José in Erechim, built between 1927 and 1934 and
demolished in 1969 to be replaced by the São José Cathedral in modernist style, is the object
of study of this work. Aiming first to understand the motivations of its demolition, which took
place in a polemical and paradoxical way, the main objective of this research is to investigate
from a historical perspective the process of demolition of the matrix until its replacement by
the cathedral. Through a detailed analysis of the main periodical existing at the time in
Erechim, crossing different sources found, and aiming to establish a relationship with cultural
aspects, taking into account the patrimonial theme, expressive area in the social scope and
considering its representation for the community of Erechinense, it is weighed That such
substitution had repercussions in the dynamics of occupation and reading of sense given to the
space by the inhabitants of the city. This work deals with aspects of the history of the
conformation of the architectural space understood by Praça da Bandeira, whose main focus is
the replacement of the church and its representativeness in social terms and in the projection
of a modernist ideology. In relation to the interaction and the reactions of the community
allusive to the event, the relation of concepts of the use of space and representation is
identified. Related to the field of patrimony and memory, we also seek the reflection between
modernization and preservation. The study on the demolition of the matrix San José church,
which culminated in Erechim in 1969, is not restricted to the neo-baroque building, its
demolition and replacement, but also to the imaginary created by a part of the inhabitants,
hypothetically related to the "place" that Church was inserted. Considering that the practices
add meanings that produce interfaces with the memories, the modernist aesthetic building that
replaced the São José matrix, elevated to the cathedral, may have altered the relation of
meaning on the part of the erechinian community - especially the attendants - towards the
"Place" and with the edification.
2.4. As romarias do Santuário de Fátima e sua contribuição no processo pró diocese .. 104
2.5. Com a Diocese instalada, o foco se volta para a construção da catedral ................. 106
3.6. “Deus é sempre o mesmo, ainda que de casa nova” ................................................ 139
A cidade onde o objeto de estudo se insere está próxima de completar seu primeiro
centenário. Erechim foi colonizada a partir de 1908, quando imigrantes europeus começaram
a ocupar a região, de acordo com um plano de imigração e colonização executado pelo
Estado.1 A sede provisória da Colônia Erechim se localizava onde atualmente se encontra a
cidade de Getúlio Vargas, enquanto o território ocupado por Erechim se denominava Paiol
Grande.2 Em 22 de dezembro de 1910, o governo municipal de Passo Fundo, pelo decreto nº
167, constituiu a Região de Boa Vista do Erechim em 8º distrito. O município de Erechim foi
criado pelo decreto 2.342 de 30 de abril de 1918, do presidente do Estado do Rio Grande do
Sul, Borges de Medeiros.3
Durante esse século de existência, as mudanças não foram apenas nas denominações
de Erechim, que adotou inicialmente o nome de Paiol Grande e sucessivamente Boa Vista,
Boa Vista de Erechim, José Bonifácio e finalmente Erechim. Foram diversas as
transformações, muitas vezes influenciadas pelos processos econômicos, políticos e sociais
decorrentes no país, os quais colaboraram com as modificações da paisagem urbana.
O território que abrange a cidade de Erechim atualmente, está localizado ao norte do
Rio Grande do Sul, região do Alto Uruguai, limitando-se ao norte com os municípios de
Aratiba e Três Arroios, ao sul com Getúlio Vargas e Erebango, ao leste com Gaurama e Áurea
e a oeste, com Paulo Bento e Barão de Cotegipe.4 A microrregião Erechim pertence à
mesorregião Noroeste Rio-Grandense5, tendo uma área de 5.710,341 km² e aproximadamente
220 mil habitantes.
A partir de 1822, quando o Brasil se tornou independente, passou-se gradualmente, a
investir na melhoria das estradas, buscando alternativas para a economia que até então se
1
A Colônia Erechim foi fundada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Carlos Barbosa Gonçalves, em
1908, e era composta por nove núcleos urbanos (correspondentes às estações ferroviárias implantadas na região
norte). Pertenceu ao oitavo distrito de Passo Fundo até 1918. O secretário das Obras Públicas na época era o
engenheiro Cândido José de Godoy.
2
No decorrer dos anos houveram muitas rivalidades entre as atuais localidades de Erechim e Getúlio Vargas,
primeiro a respeito da sede da colônia, depois quanto à sede do município, e terceiro quanto ao nome de
Erechim, ao qual cada uma das localidades queria ter direito (DUCATTI NETO, 1981, p. 79).
3
Ver anexo 2 (mapas da colonização de Erechim).
4
Erechim, atualmente, com aproximadamente 102.906 habitantes (censo de 2016/ IBGE), é a principal cidade de
um complexo de municípios de pequeno porte, se comparado a regiões fronteiriças do extremos sul do Rio
Grande do Sul. A microrregião de Erechim compreende os municípios de Aratiba, Áurea, Barão de Cotegipe,
Barra do Rio Azul, Benjamin Constant do Sul, Campinas do Sul, Carlos Gomes, Centenário, Cruzaltense, Entre
Rios do Sul, Erebango, Erval Grande, Estação, Faxinalzinho, Floriano Peixoto, Gaurama, Getúlio Vargas,
Ipiranga do Sul, Itatiba do Sul, Jacutinga, Marcelino Ramos, Mariano Moro, Paulo Bento, Ponte Preta, Quatro
Irmãos, São Valentim, Severiano de Almeida, Três Arroios e Viadutos.
5
A mesorregião Noroeste Rio-Grandense comporta aproximadamente 2 milhões de habitantes (IBGE 2009).
12
6
O neoclassicismo foi um movimento artístico (incluía pintura, literatura, escultura e arquitetura), surgido na
Europa por volta de 1750 até meados do século XIX. Este movimento teve como objetivo principal resgatar os
valores estéticos e culturais das civilizações da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma).
7
A responsável pela construção foi a Companhia Belga “Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésilien”.
8
Carlos Torres Gonçalves se formou em engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1898, a qual
formou também outros importantes engenheiros responsáveis por planos urbanos efetuados no Brasil, como
Francisco Pereira Passos, Aarão Reis e Saturnino de Britto.
9
Em tese, a primeira nomenclatura de Erechim foi Paiol Grande, até 30/04/1918, foi seguida, sucessivamente
por Boa Vista até 07/09/1922, Boa Vista de Erechim até 05/04/1938, José Bonifácio até 29/12/1944, quando
finalmente se tornou Erechim, pelo Decreto nº 720.
10
Até 1938, foi chamada de Praça Cristóvão Colombo. A partir do ato de nº 93, da Prefeitura Municipal, passou
a denominar-se Praça da Bandeira. Há pouco mais de uma década foi instalado um mastro de 20 metros de altura
com uma Bandeira do Brasil, dando ainda mais significado ao seu nome.
13
11
A cidade de Erechim recebeu um plano de urbanização em 1914 que definiu o traçado urbano da cidade. Ver
mapa em anexo (anexo 2 e anexo 3).
12
Catedral é a principal igreja de uma diocese, onde se encontra o trono episcopal. Ou seja, para haver catedral, é
preciso haver um bispo associado a ela.
13
A arquitetura colonial no Rio Grande do Sul, ciclo cultural desenvolvido na região de imigração europeia no
Rio Grande do Sul, entre 1875 e 1960, representa um legado de grande importância arquitetônica, histórica e
cultural. Inicialmente destinada a atender a necessidades urgentes de abrigo dos primeiros imigrantes, no
contexto da difícil colonização da serra rio-grandense, e sendo por isso de caráter instável e precário, a
arquitetura vernacular desenvolvida na região em pouco tempo evoluiu e se diversificou, ganhou imponência e
durabilidade, revestiu-se de uma estética em muitos aspectos original, e em seu apogeu, que ocorre entre o início
do século XX e aproximadamente a década de 1940, foi associada a questões de identidade cultural e status
social.
14
O estilo neoclássico chega ao Brasil a partir de 1816, com a vinda da Missão Artística Francesa.
15
Principalmente na região nordeste o estilo colonial se baseava em características Renascentistas menos
rebuscadas, com materiais existentes na região e mão de obra escrava (primeiramente indígena e posteriormente
africana), enquanto por exemplo na região Sul, além de ser mais recente, o colonial tem características
correspondentes ao estilo construído pelos próprios imigrantes em seu país de origem e ao “colono”
propriamente dito, aquele que trabalha na agricultura, no campo, que se devem principalmente à construções de
duas águas em madeira.
16
O art déco nasceu em exposições comemorativas do início do século XX, sendo um estilo simultâneo ao
modernismo, intimamente ligados ao processo de industrialização. No Brasil, representa um novo desenho
construído através de técnicas tradicionais No Rio Grande do Sul, a principal referência foi a Exposição
Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha (1935), ocorrida na capital Porto Alegre.
14
vivenciadas em diversas regiões do país a partir de 1930.17 Enquanto que a art nouveau18 é
vista como parte da belle époque19, a art déco é situada geralmente como um divisor de águas,
um passo importante para os futuros desenvolvimentos da arquitetura modernista.
Até o início da década de 1930, o conjunto urbano de Erechim era composto por
edificações de madeira e poucas edificações em alvenaria. A Avenida Maurício Cardoso já
estava consolidada com edificações de madeira de estilo colonial de dois pavimentos, que
abrigavam atividades comerciais no térreo e residências no pavimento superior. O primeiro
edifício público foi a sede da Comissão de Terras e Colonização, localizado na Praça da
Bandeira, que se diferenciava das demais edificações pela “suntuosidade e riqueza de
ornamentos. Ao longo dos anos o aprimoramento da técnica de construção com madeira
difundiu os adornos nas edificações de madeira e este modo de construir trazido pelos
imigrantes europeus foi aplicado a outros estilos arquitetônicos” (PRESTES, 2012, p. 52).
O sítio cultural que se configura na área central de Erechim, é composto
predominantemente por três tipos de construções. As primeiras propriedades, construídas
pelos imigrantes europeus, fabricadas em madeira20, edificações em alvenaria com estilo art
déco, principalmente a partir de 1940, conjunto mais numeroso do IPAC (Inventário de
Proteção do Acervo Cultural de Erechim), com 66 edificações na avenida central, e
edificações modernistas21. O último estilo classificado como significativo no inventário em
Erechim foi a arquitetura modernista, cuja lista é composta por 22 edificações localizadas no
sítio cultural e em bairros adjacentes.22 As localizadas ao norte do sítio cultural são, na
17
Cabe ressaltar que esses movimentos se deram em momentos diversos nas diferentes regiões do país. Em
Erechim, assim como no noroeste do Rio Grande do Sul, o art déco foi mais tardio, se expressando a partir de
1940.
18
A expressão francesa art nouveau significa "arte nova". Esse estilo é inspirado principalmente por formas e
estruturas naturais como flores e plantas, mas também linhas curvas. Conheceu várias formas com tendências
localizadas, e particularmente em Erechim também teve seu espaço. O art nouveau foi substituído pelos estilos
modernistas do século XX, sendo considerado uma importante transição entre o historicismo e o modernismo.
Ele ilustra a transição do século XIX para o XX na arte, pensamento e sociedade.
19
A belle époque foi um momento da trajetória histórica francesa que teve seu início no final do século XIX,
mais ou menos por volta de 1880, e se estendeu até a Primeira Guerra Mundial, em 1914. Não é possível
demarcar precisamente seus limites, pois a belle époque se remeteu mais a um estado espiritual do que material.
Foi uma época marcada por profundas transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e
viver o cotidiano. No Brasil, por exemplo, este período teve início em 1889, com a Proclamação da República, e
perdurou até 1922, quando inicia o movimento modernista, com a realização da Semana da Arte Moderna na
cidade de São Paulo. A belle époque brasileira é, no entanto, instaurada lentamente no país, por meio de uma
breve introdução que começa em meados de 1880, e depois ainda sobrevive até 1925, sendo aos poucos minada
por novos movimentos culturais.
20
Arquitetura de madeira ou estilo neocolonial, foi muito utilizado nas primeiras décadas do século XX. Faz
referência ao período colonial brasileiro, principal estilo protegido pelo IPHAN durante a fase heroica.
21
A arquitetura moderna é composta por formas simples, geométricas e sem ornamentos, valorizando os
materiais, principalmente os industrializados como o ferro e o concreto. O modernismo prioriza a forma e a
função do edifício.
22
Dados do IPAC.
15
23
Neobarroco é o estilo arquitetônico que remete à criações artísticas que contêm importantes aspectos do estilo
barroco. Esse estilo insere-se no contexto da segunda metade do século XIX, sobretudo a partir de 1880. O
neobarroco foi bastante utilizado para a construção de teatros e igrejas, visto que suas características contribuíam
para uma grande expansão das artes cenográficas.
24
O padre Benjamin Busato foi pároco da paróquia São José de Erechim de 26 de dezembro de 1926 a 17 de
maio de 1950, teve papel de destaque por sua liderança, por suas diversas iniciativas não só no campo religioso
mas também social. Faleceu em 1984, com 81 anos. O padre Benjamin Busato chegou em Erechim em 1926,
quando foi nomeado vigário da paróquia São José, permanecendo na cidade até por volta de 1950, quando se
afastou temporariamente. Escreveu diversos trabalhos, entre os quais se destacaram “Meu Erechim Cinquentão”,
onde ele usa o pseudônimo de Chico Tasso.
25
No decorrer da narrativa, será denominado padre Benjamin Busato a figura religiosa que faz parte da história
da Erechim, e será utilizado Chico Tasso quando houver referência às crônicas escritas pelo padre com tal
pseudônimo.
16
o padre Atalibo Lise, pároco da paróquia São José, que esteve à frente das organizações,
como relatou o mesmo jornal.26
Essa substituição não foi aceita pacificamente, havendo protestos de um grupo de
cidadãos. De acordo com Sônia Cima, “até hoje encontramos pessoas insatisfeitas com a
demolição da igreja São José, que foi símbolo de Erechim nos primeiros tempos” (2001, p.
108). A estética do prédio da catedral é criticada por não ter suprido as expectativas da
população, que aguardava um santuário moderno e impactante, comparando o novo templo a
um “supermercado”. Diante desse contexto, 50 anos depois desse fato polêmico, que ainda
carrega consigo a reflexão da demolição, considerou-se pertinente estudar as possíveis razões
da iniciativa tomada em 1969.
A pesquisa pretende analisar, através de uma interpretação histórica e estética, o
decurso da demolição da igreja matriz São José e substituição pela catedral, por meio de um
levantamento documental articulado com orientações metodológicas oriundas de autores
vinculados em um diálogo com a História Cultural. No que tange a questão patrimonial, é
relevante promover uma leitura de sentidos sobre o edifício e o espaço inserido, considerando
sua representação para a sociedade.
A pesquisa indaga ainda uma questão relevante: como essa demolição de 1969 afetou
aspectos da dinâmica da relação da comunidade com o espaço urbano e comportamentos em
relação às práticas religiosas e de sociabilidade. Considerando a demolição da igreja, são
imaginários de uma ação determinante no espaço social e que requerem uma observação
crítica, de modo a mapear fatos ou agentes importantes para a história religiosa, política e
cultural da cidade de Erechim.
A demolição da igreja neobarroca matriz São José, seguida de sua substituição pela
modernista catedral São José, proporciona reflexões que problematizam as valorações
patrimoniais em prol da modernização, bem como, pode ser representativa da alteração na
hierarquia eclesiástica e das demandas impostas pelo contexto, como a possibilidade de
Erechim possuir seu próprio bispado. A demolição da igreja São José é polêmica presente até
os dias atuais, quando muitos ainda são os questionamentos: seria esse o único lugar para se
construir uma catedral? Por que a necessidade de dinamite na demolição, se alegava-se que a
igreja estaria condenada? Essa pesquisa pretende problematizar e investigar essas questões,
relacionando-as com aspectos culturais e sociais.
26
CARRARO, Estevam. Reformar a igreja matriz ou construir a catedral? A Voz da Serra, Erechim, 30 de julho
de 1976, p. 1.
17
Este trabalho tem por fonte fundamental o principal periódico que circulava na época
do contexto da demolição, o contemporâneo A Voz da Serra, que surgiu em 1929 e se
estabeleceu por décadas.27 Além de ter um acesso facilitado, pois seu acervo está disponível
para consulta no Arquivo Histórico Municipal, o jornal era uma das principais maneiras de as
pessoas se manterem informadas sobre os acontecimentos da cidade na época do ocorrido.28 O
mesmo, segundo os relatos, detinha considerável credibilidade na comunidade e permite, em
suas páginas, verificar aspectos da dinâmica do acontecimento em interação com a população,
expondo muitas vezes as reações das pessoas e permitindo mais pontos de vista sobre um
mesmo assunto.
A polifonia concedida por um periódico semanal ou diário, que era o caso de A Voz da
Serra, sugere que várias vozes sejam ouvidas sobre um mesmo acontecimento. Nesse aspecto,
devem ser levados em consideração os estudos do historiador Roger Chartier, a respeito da
impossibilidade de se estruturar um discurso perfeitamente neutro a respeito do objeto de
pesquisa, especialmente quando trata-se de práticas sociais. Chartier desenvolve a
investigação de como as práticas e as representações são construídas, propondo uma nova
forma de abordagem, buscando perceber as representações como construções que os grupos
fazem sobre suas práticas. O autor defende que essas práticas não são possíveis de serem
percebidas em sua totalidade, elas somente existem enquanto representações. Para Chartier
não existe a noção de história como tradução da realidade, nenhum texto tem a capacidade de
abranger a realidade em sua totalidade. Desta forma, “o real assume assim um novo sentido:
aquilo que é real, efetivamente, não é” (CHARTIER, 1991, p. 173).
Cada leitor pode ter diferentes percepções e interpretações ao tomar conhecimento de
uma notícia, podendo transmitir o acontecimento com a sua ótica pessoal, afastando a
realidade dos fatos. Além disso, a análise de um periódico como fonte, deve ser cuidadosa e
atenta, buscando-se captar informações que possibilitem à construção da narrativa da forma
mais fiel possível, considerando para qual público a matéria é direcionada, se as informações
sofreram algum tipo de seleção ou ocultação, se elas deixam outras informações ocultas
transparecerem, sempre levando em consideração que toda fonte é um recorte do
acontecimento.
27
O jornal A Voz da Serra persistiu até o início do século XXI, atualmente foi reformulado e atua sob nova
direção, com o nome de A Voz. Informações sobre o periódico serão aprofundadas no segundo capítulo.
28
O jornal A Voz da Serra esforçava-se em trazer notícias de âmbito internacional, nacional, estadual e
municipal, sendo um completo meio de comunicação na época. Além dos impressos, as rádios também
veiculavam as notícias de maneira rápida e eficaz.
18
29
Pollak parte da premissa de que a memória pode e deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social,
que está sujeito a constantes transformações. Sendo assim, tanto na memória individual quanto na coletiva,
podem ocorrer marcos ou pontos invariantes, imutáveis, ou seja, elementos irredutíveis, onde a solidificação da
memória impossibilitou a ocorrência de mudanças. São acontecimentos vividos pessoalmente, e/ou
acontecimentos vividos “por tabela”, ou seja, vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente
pertencer (POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5.n. 10,
1992, p. 200).
20
edifício analisado e seu contexto, considerando ambos no entendimento das relações de poder,
práticas e leituras conferidas pelos seus agentes e usuários. Constitui-se como tema de
pesquisa, entre outros, a questão da modernidade, complexificada pelas discussões sobre as
identidades e a ocupação dos espaços. Espaços estes de fragmentação do ser, onde o indivíduo
se evidencia como sujeito e a cultura passa a ser constituída enquanto segmentação de um
conhecimento.
Metodologicamente, os aportes da Nova História Cultural foram de extrema relevância
para esta pesquisa. Herdeira da História das Mentalidades, a História Cultural tem como uma
de suas características a análise dos fenômenos culturais na perspectiva da longa duração
(CHARTIER, 1990). Além de Roger Chartier, com seus estudos sobre cultura e o papel do
historiador contemporâneo, assim como seus vínculos com a História Social, que analisa um
conjunto de práticas e objetos culturais, percebendo o mundo como representação, e Jacques
Le Goff (1990), que enfatiza que a memória é a propriedade de conservar certas informações,
num conjunto de funções psíquicas, que permite ao indivíduo atualizar impressões ou
informações passadas, ou reinterpretadas como passadas, o estudo de Michel de Certeau
(1994) foi relevante para compreender a formação de aspectos do cotidiano, no âmbito da
História Cultural, assim como aportes da arquitetura, antropologia, sociologia e filosofia,
fazendo com que a interdisciplinaridade fosse uma grande aliada desse estudo. As
formulações de Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1984) sobre o conceito de tradição, como
algo inventado e criado, diferente dos costumes, também foi importante, sobretudo à terceira
parte deste trabalho. Além de considerar que os indivíduos se firmam às tradições buscando,
entre outros elementos, a sensação de segurança. Zygmunt Bauman (2005), levantou
importantes perspectivas sobre o conceito de identidade, como forma de conhecer, classificar
e ordenar o mundo, sublinhando os processos de fragmentação da modernidade, que
denunciam a perda de referências políticas, culturais e da civilização, auxiliou diretamente no
estudo do nosso objeto, dentro de um enfoque interdisciplinar.
Valendo-se da trajetória dos historiadores que se dedicaram a pensar abordagens
teórico-metodológicas para o exercício da historiografia ao longo do tempo, certificando o
surgimento de meios para se conduzir a pesquisa histórica, aperfeiçoando seus métodos,
conceitos, de acordo com as necessidades de cada período, encontram-se conceitos essenciais
para o presente estudo, como o conceito de imaginário, o conceito de representação, de
memória, de identidade, de tradição, de cultura e patrimônio.
A partir das décadas de 1960 e 1970 iniciou-se uma renovação metodológica na
historiografia provinda da terceira geração dos Annales, visando enfatizar estudos ligados ao
21
30
Devido às discussões acerca da História das Mentalidades, cunhou-se um novo termo que procurava defender
a validade do estudo referente ao mental, sem renegar a História como especialidade, procurando retificar as
deficiências teóricas que assinalavam essa corrente ideológica. Os historiadores da cultura buscaram, a partir da
ambiguidade e imprecisão da História das Mentalidades, relacioná-la com o todo social. Para isto, utilizaram da
aproximação com a Antropologia e com a concepção da História de longa duração.
22
por uma sociedade, mas não apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais e,
em última instância, as imagens mentais.
O conceito de imaginário, devido à sua polissemia, possibilita uma
interdisciplinaridade, se abrindo a discussões dentro da sociologia, antropologia, sociologia e
história. Esse termo, que vem sofrendo ressignificações, por envolver uma série extensa de
questões pertinentes ao debate acadêmico contemporâneo, considerando que o historiador se
encontra mais sensível a temáticas que se aproximem do simbólico e entre outros assuntos
dentro da chamada Nova História Cultural (BARROS, 2013).
Para dirigir os estudos sobre imaginário, são propícias as contribuições do historiador
francês Jacques Le Goff, a partir dos estudos sobre Idade Média, estendendo o interesse em
diversas temáticas, entre as quais o comércio, a vida urbana, as universidades, a literatura e o
imaginário. De modo geral, em termos de modalidades historiográficas, pode-se dizer que a
produção de Le Goff como medievalista concentrou-se, principalmente, em torno dos campos
históricos que ficaram conhecidos como História Cultural, História das Mentalidades, História
do Imaginário e Antropologia Histórica, sempre ligado às transformações que ocorriam na
historiografia da sua época (BARROS, 2013).31 Outro campo muito evidente de seu interesse
é o da História Urbana, que lhe rendeu uma obra mais geral sobre a cidade medieval e
diversos artigos específicos. Ao relacionar imagens, símbolos, mitos e visões de mundo às
questões sociais e políticas de maior destaque, o historiador inicia uma “história problema”.
Esse imaginário deve fornecer materiais para o estabelecimento de interconexões diversas, em
busca da compreensão da vida social, política, econômica, cultural e religiosa.
Preocupação semelhante pode ser encontrada no trabalho de Bronislaw Baczko
(1985). A busca de uma solução para o dilema entre conservação e mudança (hesitação que se
coloca como um dos problemas mais sérios do conceito de mentalidades), recebe uma
proposta metodológica interessante por parte de Baczko. Segundo ele, em alguns momentos
históricos, irá acontecer um conflito social onde a imaginação poderá sofrer um ímpeto
particular, ocorrendo uma produção acelerada de significações para os acontecimentos. Tais
elementos de pesquisa, se evidenciam na interação de poderes frente a permanência e
demolição da igreja, na possível interação da comunidade com o fenômeno e nas
consequentes alterações de sentido para com o espaço e os edifícios.
31
Essa compreensão poderá nos ajudar a entender o processo da demolição e a sua significação para Erechim,
que também demonstra abranger uma série de questões dentro do imaginário social, indicada pela imprensa, por
exemplo, em notas que transparecem o pesar de algumas pessoas sobre o acontecimento.
23
32
O que nos interessa especificamente nesta reflexão refere-se às relações entre verdade versus ficção, pois os
historiadores das representações desconstroem a ideia de verdade em história.
33
Essas reflexões de Chartier nos auxiliarão a entender para quem e por quais razões nosso objeto de estudo
possui significado.
24
Ao pensarmos sobre a história como uma prática, a argumentação de Certeau começa calcada
na necessidade de uma técnica para a realização da produção historiográfica. Ele ressalta que
as maneiras de se fazer história e as técnicas por ela empregadas vão variar devido a distintos
contextos culturais, que cada sociedade pode vir a possuir. Certeau salienta que a prática do
historiador se centra em transformar um objeto histórico, em historicizar um elemento, que
não sendo analisado dentro de um contexto, poderia ficar no espaço do “não dito”. Para
Certeau, o gesto que liga as „ideias‟ aos lugares é, precisamente, um gesto de historiador, e
compreendê-lo é analisar em termos de produções localizáveis o material que cada método
instaurou inicialmente segundo seus métodos de pertinência.
Dentro do conceito de espaço e lugar, Certeau considera que o espaço é o lugar-
comum. Como cada um o entende ou o utiliza depende de situações variadas, incertas, porém
o problema surge quando algum uso da cidade é ignorado, ao impor determinada percepção
por exemplo. Utilizando a linguagem como metáfora, o autor privilegia em sua análise a ação
dos transeuntes. Assim, se, por um lado, a língua “vigiada por uma gramática” é um fator
limitante no uso que fazemos dela, por outro, ela nos garante a fundação para as figuras de
linguagem. Da mesma forma, as diversas narrativas produzidas por estruturas disciplinadoras
ou práticas quotidianas garantem a base para diferentes táticas e estratégias – aprendemos a
falar utilizando a linguagem criada por outros.
No que tange ao conceito de identidade, de acordo com Zygmunt Bauman (2005), tal
definição aproximar-se-ia da ideia de pertencencimento. Assinalando que, dentre as várias
conotações do conceito de identidade, aquela referente à nacionalidade representa a conexão
que se sobrepõe ao agregado de indivíduos do Estado. A identidade que conhecemos foi
conduzida a uma compreensão humana, pois seu surgimento se deu através de uma ficção, e
não de uma experiência propriamente dita. Essas ideias, como refere Bauman, são fruto da
crise do pertencimento e do esforço que se desencadeou para a recriação da realidade à
semelhança da ideia. Esse esforço foi erguido pelo nascente Estado moderno na condição de
dever obrigatório para todas às pessoas que se encontravam sob a égide de sua soberania
territorial. O “pertencer por nascimento” de Bauman é a consequência lógica de pertencer a
uma nação cuja convenção foi intensamente construída pela humanidade. O pertencimento e a
identidade não possuem a solidez perpétua, mas sim a finitude de um mecanismo que exerce
um poder de transformação contínua. As identidades estão em constante trânsito, provenientes
de diversas fontes, quais sejam aquelas disponibilizadas por terceiros ou acessíveis através de
nossa própria escolha. Esse fenômeno humano se fortalece pela centralidade que o homem
25
34
A etimologia da palavra liga-se à ideia de herança. Designa-se, usualmente, patrimônio como o conjunto de
bens de propriedade de uma família, de uma empresa, de uma instituição ou de uma sociedade. Pressupõe
cuidado com sua manutenção, guarda, aumento e aprimoramento com a finalidade de transmissão às futuras
gerações.
27
35
Ver: Lei Orgânica de Erechim, 1990.
36
Diário da Manhã, 23/12/2015.
28
implantação das mudanças foi de 12 meses na região central e de 18 meses nos demais bairros
da cidade.37
Diversos trabalhos abordaram questões arquitetônicas e urbanísticas referentes a
história de Erechim, no entanto a demolição da igreja não foi foco das pesquisas apesar do
grande envolvimento da sociedade com o fenômeno, o que tornou oportuna a realização dessa
exploração, a fim de preencher uma lacuna na história dessa região. Alguns desses trabalhos
valem ser mencionados aqui, pela contribuição em diversas questões, como a compreensão da
formação da cidade, assim como do resultado que se tem hoje, a paisagem urbana existente e
os aspectos sociais e culturais que compõe atualmente o município.
Sônia Mári Cima (2001), em sua pesquisa Padre Busato: um protagonista na cidade
de Erechim (1926 – 1950) pesquisou a vida do padre Benjamin Busato, sendo para a autora o
principal articulador social e político entre 1926 e 1950 na cidade de Erechim, teve por base o
estudo das crônicas do próprio padre publicadas no jornal A Voz da Serra. Esse personagem,
que disputava espaço político, social e religioso, e que teve relevante participação nas
primeiras décadas de formação da cidade, assim como participação direta na construção da
igreja matriz, não poderia ser excluído de atenção em nossa pesquisa. A autora afirma que “o
imaginário social constrói líderes, apaga outros, dependendo da posição de grupos de
dominação e da ordem vigente. Há os que culminam, no processo histórico, com
características bem distantes das que possuíam originariamente, porém, mesmo sendo uma
produção, a aceitação é real” (2001, p. 112). Apesar disso, não se tem como afirmar que isso
tenha relação no processo de demolição, mas foi necessário averiguar. O trabalho de Sônia
Cima reúne também várias entrevistas orais realizadas por ela em 2001, que serviram de
auxílio nessa pesquisa, tanto em relação à demolição como ao imaginário social.
Remís Schmidt (2010), em seu trabalho Erechim: Cidade construída para imigrantes -
Poder simbólico na conquista do espaço urbano, revela a cooperação dos imigrantes
europeus no processo de ocupação da cidade. Segundo a autora, na época, a República recém
havia sido instaurada e, com a implantação do Federalismo, a velha Província de São Pedro
dava lugar a um novo Estado. A autora se detém mais especificamente na ação do Estado
quanto à apropriação do espaço urbano no início do século XX e na influência da ideologia
positivista para a concepção de um detalhado plano de ocupação daquela área setentrional. A
pesquisa aborda a questão indígena e o processo de regularização das terras devolutas no
37
Esse projeto de lei de Erechim tem como base experiências bem sucedidas em diversas cidades, como São
Paulo, Barcelona e Caxias do Sul/RS.
29
Estado, avalia a influência da opção pelos imigrantes, seus propósitos e sua força de trabalho
e as várias etnias envolvidas. O trabalho de Remís Schmidt permite que se compreenda o
processo de formação da cidade, imprescindível em nossa pesquisa no âmbito de assimilar
aspectos culturais e sociais que se estabeleceram até o acontecimento em 1969.
O estilo art déco, expressivo na principal avenida de Erechim, Avenida Maurício
Cardoso, foi pesquisado por Sandra Petry (2009) em sua dissertação de mestrado As
manifestações do Art Déco na Arquitetura de Erechim/RS. Ambos auxiliaram as
interpretações sobre a composição arquitetônica de Erechim, também evidenciando dentro dos
aspectos da nossa pesquisa, apontamentos na formação e na paisagem urbana da cidade.
Nesses trabalhos, além do estilo colonial e Art Déco, o estilo neobarroco e o neoclássico
também incluem-se representados na arquitetura mais antiga de Erechim, complementada pela
arquitetura modernista e eclética e recentemente, contemporânea.
Simone Litwin Prestes (2012) descreve em seu estudo Sentidos e imagens do
patrimônio cultural em Erechim/RS na iminência de sua preservação institucional o resultado
de uma pesquisa de campo que inclui um conjunto amplo de informações sobre a formação da
cidade e as edificações mais antigas. A política de preservação é abordada através das etapas:
produção, proteção e recepção do conjunto de bens, num processo que tem gerado diferentes
opiniões, anseios e ações entre os cidadãos. O trabalho dá ênfase a Arquitetura de Madeira e
aos agentes do campo do patrimônio. As edificações de madeira são analisadas como síntese
entre os conceitos de patrimônio material e imaterial, visto que além de preservarem uma
imagem que remete ao passado da cidade, são representativas do modo de construir dos
imigrantes italianos e são envolvidas por relações sociais – práticas, laços familiares e
memórias – que as humanizam e garantem sua conservação e permanência, apesar das
transformações no espaço urbano. Os sentidos de preservação e tombamento são
problematizados a partir de uma edificação de madeira pesquisada em profundidade, a casa da
família Rigoni. Nesse trabalho, além das diversas informações sobre a arquitetura, se
evidencia a relação entre a mesma com a representação da imigração, o vínculo entre o
patrimônio e a sua significação.
As contribuições de Prestes coincidem com as discussões sobre o patrimônio dentro
das condições de modernização das cidades. As ações de diferentes agentes do campo
patrimonial são abordadas através da problematização do patrimônio como marca da cidade e
como experiência cotidiana, além de ser ressaltada a relevância da atividade turística agregada
à política de preservação do patrimônio cultural municipal.
30
Aline Skowronski (2008) apresenta em sua dissertação Erechim das cinzas ao sonho –
Erechim destruída por incêndio e renovada pela modernidade, um acontecimento de extrema
importância na compreensão da evolução urbana de Erechim, que foram os incêndios
ocorridos nas primeiras décadas da sua formação, atingindo a maioria das casas em madeira
construídas pelos imigrantes colonizadores. De acordo com a autora, os incêndios foram
caracterizados como uma ruptura na linha histórica da cidade e suas influências na
transformação urbana de Erechim foram reveladas a partir do estudo da forma urbana. As
intervenções causadas pelos incêndios, são importantes na compreensão da modificação do
espaço e da paisagem urbana de Erechim, além de fazerem parte do processo de formação da
cidade, podendo também ter algum tipo de relação com a aspiração de modernização que
existiu na época do acontecido, pois em seguida aos incêndios, uma lei estabeleceu que só se
poderiam construir edificações em alvenaria na avenida principal.
Karla Fünfgelt (2004), com o objetivo de refletir a respeito da evolução urbana de
Erechim, resgata a história urbana por meio da compreensão das transformações ocorridas na
paisagem da área central, argumentados na dissertação de mestrado História da paisagem e
evolução urbana de Erechim.
A relevância de temáticas que abordam cultura e patrimônio e que se relacionam
diretamente com a preocupação social da preservação do patrimônio cultural, que buscam
compreender processos de modernização e de urbanização são de extrema valia para o estudo
da demolição da igreja. Nesse sentido, os trabalhos que já abordaram a formação da história
da cidade de Erechim, assim como o levantamento do seu patrimônio, nos ajudam a
configurar a pesquisa, porém buscando aprofundar o tema da demolição da igreja que mesmo
já mencionado por alguns autores, não trouxe a reflexão que aqui se pretende, e nem a relação
do acontecimento com o desenvolvimento de Erechim nos últimos anos. Mais precisamente,
não existe nenhum trabalho de pesquisa que buscou responder à questão até hoje levantada
por um grupo de pessoas: afinal, por que resolveram demolir a igreja matriz?
O trabalho a seguir, apresenta em seu primeiro capítulo, um breve histórico da cidade
de Erechim, onde o leitor se situa dentro do espaço (região) e dos acontecimentos. Nele consta
também a história da igreja matriz neobarroca e sua construção, dados sobre o catolicismo em
Erechim e outras religiões, assim como uma noção da configuração de um espaço simbólico
onde a edificação estava inserida, para desta forma entender possíveis influências políticas,
econômicas e sociais que acabaram por intervir no contexto da demolição. De forma sucinta,
o primeiro capítulo finaliza abordando a questão da criação da Diocese de Erechim, que
introduz o problema. O segundo capítulo, inicialmente aborda sobre a fonte principal, o jornal
31
A Voz da Serra, explanando desde a fundação do periódico até os seus editores, aspectos que
auxiliam na compreensão da trajetória da demolição. Em seguida, o texto discorre sobre o
contexto da demolição da igreja, que ocorreu juntamente ao processo de elevação ao bispado,
os esforços de Erechim em unificar sua região católica, até a inauguração da nova catedral.
No terceiro capítulo, serão discutidas todas as questões subjetivas que envolveram a trajetória
da demolição, incluindo referências de memória, representação, identificação das pessoas em
relação ao espaço, assim como patrimônio e modernização.
1. Erechim: da efetiva colonização à aspiração pela modernização
O Rio Grande do Sul, conhecido por Terra dos Tapes 38 por um certo período,
permaneceu relativamente isolado do restante do Brasil por aproximadamente 130 anos,
quando era ocupado por minuanos, charruas e tapes, entre outras etnias de menor dimensão
demográfica, até os jesuítas chegarem a região do Alto Uruguai. Tratando-se da pré-história
do Rio Grande do Sul, devemos retroceder no tempo cerca de 13.000 anos. Segundo Arno
Kern (1994, p. 32) até o momento "a datação mais antiga que possuímos para a chegada dos
primeiros caçadores-coletores é de 12.770 anos", com margem de erro de 220 anos para mais
ou para menos. 39
38
O Rio Grande do Sul teve outras denominações: Rio Grande de São Pedro (sob o domínio espanhol), Terra
dos Tapes, Capitania Del Rei, Continente de São Pedro, Estado Riograndense (República de Piratini), Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, uma das províncias do Império do Brasil, tendo sido criada em 28 de
fevereiro de 1821 a partir da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul. Com a proclamação da República
brasileira em 15 de novembro de 1889, tornou-se Estado do Rio Grande do Sul.
39
O livro “O índio Kaingãng no Rio Grande do Sul” da professora Ítala Irene Basile Becker representa uma das
bibliografias para a compreensão do tema eu envolve a presença do índio neste território, por centralizar as
fontes principais descritivas até hoje, em bases antropológicas, sobre a região. Para uma análise mais detalhada,
ver BECKER, Ítala Irene Basile. O índio Kaingáng no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1995.
33
era habitada por índios caingangues há centenas de anos antes da chegada dos primeiros
colonizadores40. Outro grupo social que compunha a região eram os birivas:
De acordo com Cassol (1979, p. 127), esses habitantes chegaram através do Passo de
Goyo-En, conhecido há muito pelos caingangues. Posteriormente, instalaram-se nas paragens
de Erechim posseiros de terras vindos, principalmente, de São Paulo (séc. XIX). Devido a um
fluxo migratório, essa zona acolheu fugitivos da Guerra dos Farrapos (1835-1845) e da
Revolução Federalista (1893-1895). O território também foi alvo de expedições exploratórias
em busca de ouro até o início do século XX, quando começou a ser povoado por imigrantes
europeus, sendo principalmente italianos, alemães e poloneses que se instalaram em pequenas
propriedades familiares e iniciaram a produção agrícola e a extração de erva-mate.
A sua emancipação data de 30 de abril de 1918. Antes desta data a nossa cidade
fazia parte integrante do município de Passo Fundo, então um dos mais extensos do
Estado do Rio Grande do Sul. Erechim figurou até 1910 como sétimo distrito, que
tinha sua sede no povoado de Capo-Erê, e, desta data em diante, passou a fazer parte
do oitavo distrito e a sua sede era na Colônia Erechim, hoje cidade de Getúlio
Vargas. Erechim chamava-se, então, Paiol Grande.42
40
Para compreender a política de imigração e colonização, conferir: CASSOL, Ernesto. Histórico de Erechim.
Passo Fundo: SEP/CESE- Instituto Social Padre Berthier. 1979, p. 13-16).
41
De acordo com Ducatti Neto (1981), foi um advogado de renome, esportista e historiador. Wilson Watson
Weber escreveu um trabalho sob o título de “O Velho Erechim”, que foi publicado pela “Revista Erechim”.
42
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
34
povoado Erechim, Paiol Grande e Barro, onde eram alojados inicialmente em barracões, e
posteriormente encaminhados para as áreas em que os lotes rurais já estavam demarcados.43
A colônia Erechim, dentre as colônias fundadas no Rio Grande do Sul, foi a mais
nova e a que mais progrediu. Isso deveu-se à forma organizada como foi conduzida
desde o início, à fertilidade das terras, ao potencial madeireiro e ervateiro, à ferrovia
que garantia o transporte da produção agrícola e, principalmente, à disposição para o
trabalho dos imigrantes de várias etnias que a colonizaram (CHIAPARINI et al,
2012, p. 49).
Atraídos pela fertilidade das terras de Erechim, servidas já então pela ferrovia
iniciada em 1904 e pelos imensos pinheirais, começaram a chegar os primeiros
colonos, em grande número vindos das colônias velhas, como a preparar ambiente
para o imigrante que na velha Europa estava pronto a vir para a América (CASSOL,
1979, p. 127).
Muito contribuiu para êste [sic] rápido desenvolvimento a estrada de ferro São
Paulo-Rio Grande em construção, e com o surgimento das estações de Erechim,
Erebango, Capo-Erê, Bôa Vista, Balisa, Barro, Viadutos, Canavial e Alto Uruguai
(hoje Marcelino Ramos), e ainda o trabalho da “Jewish Colonisation Association”,
que em 1910 iniciou a colonização da Fazenda Quatro Irmãos, fazendo o mesmo a
“Emprêsa Colonizadora Luce, Rose & Cia. Ltda, de Pôrto Alegre, que instalou seu
escritório no povoado de Barro, hoje Gaurama.44
44
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
35
A distribuição dos lotes entre os colonos era feita através da Comissão de Terras e
Colonização, subordinada à ex-diretoria de Terras e Colonização com sede na capital
estadual, instalada em 1916, no prédio conhecido atualmente como “Castelinho” (primeiro
prédio público do município).45 Juntamente com o povoamento da Colônia, a ex-diretoria de
Terras e Colonização procurava abrir estradas internas e também para fora da colônia, já
visando o seu uso para os automóveis, que na época estavam começando a entrar em uso na
região (DUCATTI NETO, 1981, p. 78).
Em 6 de outubro de 1908 foi criado o núcleo colonial de Erechim, que foi instalado
em 1910, composto por 36 colonos, sendo eles quatro famílias com 28 pessoas e 8 solteiros.
Essa comissão atuou inicialmente no local onde hoje se encontra a cidade de Getúlio Vargas,
por volta de 1909.
45
A comissão era responsável por dividir de maneira controlada pelo estado, e através de normas, as terras
pertencentes à região que compreendia a área do município de Erechim. De acordo com Ducatti Neto, as
principais finalidades da comissão eram demarcar e vender os lotes rurais e urbanos, instalar núcleos, dar
assistência social aos agricultores da região e a construção das estradas de rodagem (1981, p. 181).
36
Para proceder a demarcação dos lotes da extensa gléba [sic] devoluta que formava o
oitavo distrito de Passo Fundo, o Govêrno [sic] do Estado, por proposta da diretoria
de Terras e Colonização, nomeou uma comissão de engenheiros, tendo como chefe o
dr. Severiano de Souza Almeida, e auxiliares técnicos os srs. Henrique von Scwerin
e Julio Wermingnhott, sendo escriturário o sr. José Garcia Cony.46
46
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
47
A medição dos lotes foi procedida por diversas turmas a cargo do agrimensor Júlio Wermignhof e pelo
auxiliar Henrique von Schwerin e, também pelos agrimensores contratados Cândido Nei Passos Hyalma
Tufvesson e João Alberto Wittée-Neetzow. No ano de 1917 foram investidos os primeiros trabalhos de
escavação e remoção de terras nas avenidas José Bonifácio, hoje Maurício Cardoso, e praça Júlio de Castilhos.
48
Nos relatórios da Diretoria de Terras e Colonização consta que foi a partir do ano 1909 que foi escolhido o
local da sede, porém desde aquela época se tinha o entendimento de que a sede definitiva deveria ser no local da
atual cidade de Erechim, por ser o centro de todas as glebas a serem colonizadas, até o vale do Rio Uruguai, e o
ponto mais alto de toda a região. Entretanto, naquele momento seriam loteadas apenas as terras de Sertão até as
proximidades da atual cidade de Erechim, achou-se que o ponto melhor e mais central seria a atual Getúlio
Vargas, onde se iniciou a demarcação dos lotes urbanos, sendo que foi também este o local escolhido para ser a
sede provisória, com o nome de Erechim (DUCATTI NETO, 1981, p. 79).
49
A nacionalidade desses imigrantes era a seguinte: 83 alemães, 13 russos, 15 franceses e 3 portugueses, do sexo
masculino. As mulheres eram em menor número: 39 alemãs, 8 russas, 1 austríaca, 8 italianas, 10 francesas. Junto
com eles, estavam 53 crianças. Ver: A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial Cinquentenário, s/n, 1968.
37
Tenho também observado que os imigrantes recém chegados já fazem uso da herva-
mate [sic], cuidando com desvêlo não só as plantas que se encontram nos lotes que
lhes são destinados, como procurando fazer maior número de mudas possíveis de
aumentar o resultado que essa útil planta lhes trará cada ano em sua colheita,
fazendo assim, uma fonte especial e fácil de maior tornar os seus rendimentos.50
50
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
51
Eram 21 casas comerciais, 4 hotéis, 1 funilaria, 2 ferrarias, 2 sapatarias, 2 padarias, 1 farmácia, 1 alfaiataria, 3
engenhos a vapor, 2 curtumes, 2 barbearias e 2 açougues (WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A
Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1).
52
Os conselheiros Dr. Nicolau de Araujo Vergueiro, Gabriel Bastos, Anibal da Silva Lemos e Ângelo Pretto
votaram pela emancipação, contra os votos dos conselheiros Eugênio de Primo e João Brandísio de Almeida, que
apoiavam o cel. Pedro Lopes de Oliveira, então intendente de Passo Fundo. Id.
53
O povo de Erechim (Getúlio Vargas) porém não estava satisfeito, pois esperava que a sede da nova comuna
fosse em sua vila e não em Paiol Grande. Em Paiol Grande, entretanto, o contentamento era geral. O primeiro
intendente de Erechim foi o Dr. Ayres Pires de Oliveira, nomeado em 29 de maio de 1918. Id.
54
A denominação Positivismo vem da obra de Augusto Comte (1798-1857), Filosofia Positivista (aquilo que
pode ser provado cientificamente), onde o autor faz uma análise sobre o desenvolvimento de seu país ao longo
do século, atribuindo à indústria e à elite industrial (grupo considerado esclarecido e capacitado) e
responsabilidade pelo progresso econômico. Para Comte, à elite cabia governar, enquanto ao povo caberia
trabalhar, pois só o trabalho e a ordem é que pode determinar o progresso.
38
55
A belle époque foi um movimento que perpassou o Realismo, o Impressionismo, o Simbolismo, o Pontilhismo
e a art nouveau. O movimento da belle époque foi iniciado na Europa (França) nos anos de 1880, século XIX,
tendo declínio em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial. Muitos estudiosos desse movimento
ressaltam a dificuldade de delimitá-lo temporalmente e espacialmente, sobretudo por suas influências em vários
países do mundo em que períodos que ultrapassaram a delimitação usual: 1914. No Brasil, a belle époque teve
seu auge entre os anos de 1889 a 1922, perdurando até 1925. A belle époque brasileira foi uma verdadeira
europeização dos hábitos e costumes de uma sociedade. Vale ressaltar que as maiores influências desse
movimento se deram em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Sobre o assunto, ver:
NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura no Rio de Janeiro na virada do século. Trad.:
Celso Nogueira. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
56
O primeiro cinema a funcionar em Boa Vista do Erechim foi o Cinema Central de propriedade da família
Kreische. O cinema era mudo, e havia sempre uma orquestra a tocar durante as apresentações. O segundo
cinema instalado foi o Avenida, de propriedade da família Noal que foi destruído por um incêndio, e o terceiro
era da propriedade de Triches e Cantergiani. Posteriormente surgiu o cinema Ideal (continuação do Apolo) e o
Cine Luz, que funcionou até os anos 1990. Ver: DUCATTI NETO, 1981.
57
WEBER, Wilson. Breve Histórico sôbre Erechim. A Voz da Serra, Erechim, Ed. Especial 1968, p. 1.
39
O novo perfil urbano do Município estabeleceu um novo rumo nas relações com o
Estado a partir do final de 1939. O divisor de águas na administração pública de
Erechim foi o Decreto Estadual nº 8.053, de 23 de dezembro de 1939. O Rio Grande
do Sul estava sob a intervenção do Coronel Cordeiro de Farias. Esse Decreto
transferiu ao município de José Bonifácio os lotes urbanos devolutos, reservados
para sede do Município. Transferiu também o serviço de urbanismo (CHIAPARINI
et al, 2012, p. 86).
Esse sistema foi o responsável pelas características econômicas existentes até hoje na
região, sendo essa a condição que impulsionou progressivamente a trajetória de
desenvolvimento de Erechim. Pode-se notar uma distinção no decorrer das décadas de 50, 60
e 70 do século XX na sua industrialização: até meados dos anos 60, de forma autônoma, os
grupos industriais tiveram um período de crescimento contínuo, marcado pelo
conservadorismo, baseado no crescimento da oferta, mão de obra em grande quantidade e a
58
O setor da indústria começou a despontar a partir da década de 50, as empresas Cercena e Moccelin, do bairro
Três vendas de Erechim, viram seu potencial demonstrado durante a primeira Frinape em 1966 (Feira Regional,
Industrial e Agropecuária de Erechim).
40
existência de matéria-prima, não considerando o avanço tecnológico. A partir dos anos 1960,
houve uma evolução tecnológica que transformou o enfoque empresarial, onde a
modernidade, a comunicação, os transportes e a tecnologia causaram rupturas em estruturas
regionais já consolidadas, que reagiram com lentidão ao processo de renovação (Cf.
CHIAPARINI et al, 2012, p. 162).
Ilustrativo desse processo foi a construção do Condomínio Erechim, um dos marcos da
modernização da cidade e que persiste até hoje, com 12 andares e 16 pisos de concreto
armado, construído em um terreno central da Avenida Maurício Cardoso, em meio à
incentivos, mas também contrariedades. A Voz da Serra, em 10 de janeiro de 1960, publicou a
reportagem intitulada “Ingentes sacrifícios fizeram uma vitória”, escrita por Ricieri Zanin,
onde lê-se:
59
ZANIN, Ricieri. Ingentes sacrifícios fizeram uma vitória. A Voz da Serra, Erechim, 10 de janeiro de 1960, p.
1.
60
Idem.
61
CARRARO, Estevam. Em junho: início da construção do viaduto da Av. Maurício Cardoso. A Voz da Serra,
Erechim, 30 de abril de 1966, p. 1.
41
A década de 1970 iniciou de maneira discreta, mas foi uma linha divisória na história
de Erechim. Os acontecimentos mais relevantes foram a chegada do Centro de Ensino
Superior de Erechim, em 1969 (extensão de Passo Fundo), o processo de mecanização do
campo, que liberou um enorme contingente de mão de obra para o meio urbano, a chegada da
BR 153, que proporcionou o surgimento de estabelecimentos comerciais que trouxeram o
crédito facilitado, e a criação do Distrito Industrial, fatos que conjugados, implicaram uma
nova configuração urbana em Erechim (Cf. CHIAPARINI et al, 2012, p. 162).
Percebe-se a interlocução do modelo de colonização e planificação concebido com o
processo de urbanização proposto e executado, através da análise do traçado da cidade e das
imagens que retratam as praças, as avenidas centrais e as suas edificações. Refletindo-se,
então, acerca do conceito de poder simbólico e de representação, que está implícito na
intervenção do Estado, conjugada à influência dos primeiros ocupantes na construção do
espaço urbano (Ibid., p. 26).
Os períodos seguintes são marcados por uma espécie de “euforia da modernidade”, um
clima de inquietação e de ampliação das possibilidades de experiência e de eliminação de
barreiras, atmosfera que justifica a rapidez com a qual a cidade passou a absorver
peculiaridades e costumes na virada do século XX. Uma nova consciência industrial surgiu a
partir dos anos 1970, diversificada e moderna, atuando em vários segmentos e mercados. No
setor comercial e de prestação de serviços também se conferiu essa renovação 62 (Cf.
CHIAPARINI et al, 2012, p. 163).
Além do progresso econômico, seus moradores construíram centros culturais, escolas,
hotéis, cinemas, clubes, espaços esportivos63, orquestras, bandas marciais, conjuntos
acústicos, grupos de música tradicionalista, literatura, teatro e outras expressões artísticas,
uma universidade e centros de saúde. E, como a maioria das sociedades, que desde a
antiguidade64 tem parte de sua formação baseada nas crenças, a sociedade colonizadora de
Erechim não foi diferente. No livro de fotografias e narrativas que apresenta a história da
62
Impulsionados pelo Poder público municipal, no início da década de 80, industriais erechinenses aceitaram a
proposta de migrar para a área industrial criada pelo município. Atualmente Erechim possui uma indústria
diversificada que inclui alimentação, informática, metal-mecânica, eletroeletrônica, calçadista, confecções,
fundições, construção civil, madeireira, moveleira, equipamentos, rodoviários, entre outros (Cf. CHIAPARINI et
al, 2012, p. 230).
63
Um acontecimento marcante nesse momento de modernização de Erechim foi a inauguração do Estádio do
Clube Ipiranga, o Colosso da Lagoa, em 1970, que continua sendo até hoje o maior do interior do estado.
64
Desde as primeiras civilizações, quando surge a vida cívica, dando início às cidades e assim, os espaços
públicos, onde também é expressiva a presença de obras de acordo com o sistema de crenças da sociedade.
Deuses, demônios, heróis míticos, tiveram forte presença na cultura dessas civilizações, que consequentemente
exprimem nas suas obras esse poder, divino e sobrenatural. Exemplo disso são os templos, palácios, onde se dão
os rituais e práticas desses indivíduos. Muitos templo foram destinados a “morada” de divindades.
42
De acordo com o padre Antônio Valentini Neto (2007, p. 29), uma das primeiras
providências dos colonizadores ao se estabelecerem na região, era definir um local de
encontro dominical para o terço, identificando-o, inicialmente, por uma cruz. Em seguida,
construíam um oratório (capitel). O livro produzido em comemoração ao cinquentenário de
Erechim66, reforça a teoria de que os colonizadores da cidade tinham uma base religiosa
católica significativa:
Povo por excelência religioso e cônscio de suas obrigações com o Supremo Criador
é o erexinense, cumpridor de suas tradições religiosas, sendo a mais difundida e
praticada a religião católica. Está a cidade distribuída em três Paróquias, possuindo
ainda dois Seminários, aonde são ministrados os ensinamentos a centenas de jovens
que se dedicam ao clericado (1968, p. 37).
65
A igreja católica teve seu estatuto jurídico reconhecido pelo governo federal em outubro de 2009, ainda que o
Brasil seja atualmente um estado oficialmente laico. Erechim, por sua vez, possui os mais diversos credos
protestantes ou reformados, como por exemplo a Assembleia de Deus. De acordo com dados do censo de 2000,
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população de Erechim é composta por: católicos
(85,76%), evangélicos (11,32%), pessoas sem religião (0,90%), espíritas (0,71%) e 1,31% estão divididas entre
outras religiões. Dados da Câmara Municipal de Erechim.
66
Essa obra trata-se de uma edição de comemoração ao cinquentenário de Erechim. Seu conteúdo transparece
discursos de incitação, estímulo, encorajamento e certo sentimento de orgulho da cidade que supostamente
prosperava.
43
De acordo com a citação acima, o Espiritismo foi uma das religiões que demonstrou
estar presente desde as primeiras décadas de Erechim. Seguida pela maioria católica, estão as
religiões luterana, presbiteriana, e demais enquadradas como protestantes68. Erechim abrange
67
Não se tem registro em que ano ocorreram esses movimentos espíritas, porém o espiritismo esteve presente
desde as primeiras décadas da colonização.
68
O protestantismo caracteriza todas as Igrejas oriundas da reforma de Martin Luther (Lutero), ocorrida no
século XVI e outros reformadores que o sucederam. Em Erechim existem nove igrejas protestantes.
44
diversas religiões, das quais, a maioria esteve presente desde o início da sua colonização. São
elas: protestantismo, que incluía a Igreja Episcopal do Brasil, a Igreja Evangélica de Profissão
Luterana do Brasil, a Igreja Metodista, a Igreja Batista, a Igreja Adventista do Sétimo dia, a
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os Testemunhas de Jeová, a Igreja do
Evangelho Quadrangular e a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, assim como o
espiritismo, religiões afro-brasileiras, judaísmo e maçonaria.
A proeminência do catolicismo marcou o desenvolvimento da cidade. Até 1910, a
região pertencia a única diocese do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Em 26 de outubro de
1911, foi criado o Curato, considerada a primeira paróquia da região, com sede na atual
cidade de Getúlio Vargas. Foi desmembrado da paróquia de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida, de Passo Fundo.
69
Nesse mesmo ano os católicos comemoraram a primeira visita do bispo Dom Miguel de Lima Valverde, da
Diocese de Santa Maria. Na época, o nome de Erechim era Paiol Grande, contava com 245 habitantes, e nem
todos eram católicos (DUCATTI NETO, 1981, p. 236).
70
TASSO, Chico. Meu Erechim Cinquentão, 1967. Crônica 14.
45
71
Chico Tasso foi o pseudônimo adotado pelo padre Benjamin Busato em suas crônicas publicadas no jornal A
Voz da Serra, na década de 1960. Tratam-se de crônicas polêmicas, que abordavam assuntos políticos, sociais e
muitas vezes contavam detalhes da história das primeiras décadas de Erechim, informações que foram buscadas
pelo próprio padre, que entrevistou pessoalmente diversos erechinenses e personagens da colonização de
Erechim. Também foram publicados no Correio Riograndense (na época, Staffetta), em uma coluna sobre
política e religião durante 2 ou 3 anos. Valia-se desse pseudônimo em suas crônicas, que o identificavam
sugestivamente como um articulista (Cf. VALENTINI NETO, 2007, p. 34).
72
Chico Tasso manifesta em sua crônica 14 o seu desgosto pela falta de reconhecimento a esta pioneira, que para
ele, mereceria uma rua em seu nome, assim como fizeram com outros homens pioneiros. Ela era doceira e
montou sua tenda no centro da quadra em frente à estação da Viação Férrea, onde residiu até passar a morar onde
hoje está a empresa Sponchiado. Vendia doces no balcão e aos passageiros da estação à chegada dos trens. D.
Elisa Vacchi foi a primeira e única parteira da terra por muito tempo. Prestativa em extremo, carinhosa, cuidava
de todos os doentes, ajudava em todas as obras, fosse igreja, hospital, ou outros, era sempre a primeira no
trabalho de juntar donativos, a organizar festas. Nas festas de construção do atual Hospital de Caridade D. Elisa
Vacchi se destacou com o apoio de D. Apolônia Chiesa e outras senhoras.
73
Dom Cláudio Colling, bispo da Diocese de Passo Fundo, tomou a iniciativa de construir o seminário para a
formação dos futuros padres, com sede em Tapera e outro em Erechim, que foi inaugurado em 3 de março de
1953.
74
Juntamente com todas as paróquias que compuseram mais tarde a Diocese de Erechim, em 1971.
75
A Diocese de Erechim foi criada por decreto de 2 de julho de 1967 e foi instalada em 1º de agosto de 1971,
tendo como seu primeiro bispo Dom João A. Hoffmann. O Seminário Diocesano entrou em funcionamento em
1973, com 78 seminaristas e seu número foi crescendo até o ano de 1976, quando recebeu 224 candidatos aos
sacerdócio. Até esse ano eram recebidos seminaristas das Dioceses de Passo Fundo e Frederico Westphalen. Em
1977, este número diminuiu para 126 e em 1978 ficou reduzido a 92 (Cf. DUCATTI NETO, 1981, p. 238).
76
O padre Benjamin foi o 4º vigário nomeado da paróquia de São José, dirigindo-a de janeiro de 1926 até junho
de 1950. Teve como sucessores o Cônego Gregorio Comassetto, de 1950 a 1959, Monsenhor Fioravante Magnin,
de 1959 à 11 de maio de 1962, o padre Tarcísio Utzig de 1962 à 1967, substituído pelo padre Atalibo Lise, que
foi o vigário nos anos em que a matriz foi demolida e em seguida se iniciou a construção da atual catedral.
46
No período 1968/69 a igreja foi demolida, para desgosto e sob protesto de muitos
fiéis que não aprovavam a ideia, para poder ser construída a Catedral “São José”.
Existem muitas fotografias, tanto na Biblioteca Pública como na mão de
particulares, da Igreja Matriz “São José”, guardadas com carinho (ZAMBONATTO,
1977, p. 184).
O templo moderno que substituiu a igreja neobarroca foi construído entre 1969 e 1977.
De acordo com o mesmo autor, “seu interior revela uma beleza ímpar da obra realizada em
esgrafito afresco, pelo escultor polonês Arystarch Kaszkurewicz78, imigrado após a Segunda
Guerra Mundial. Seu discípulo, o artista plástico erechinense, Harrysson De Carli Testa,
herdou a técnica, tendo trabalhado com o autor no decorrer da execução.” Nos painéis laterais
do altar central estão retratados o Batismo e a Ressurreição de Cristo e, nos espaços entre os
vitrais laterais, a Via Sacra, arte considerada o destaque da catedral para os moradores.
77
CARRARO, Estevam. Sua vida foi inteiramente dedicada à Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 19 de maio de
1970, p. 1.
78
Arystarch Kaszkurewicz (1912-1989) nasceu na Polônia, era pós-graduado em Direito em Varsóvia e cursou
Belas Artes na Alemanha Fluente em 9 idiomas, veio para o Brasil fugindo da Segunda Guerra Mundial na
Europa, tendo perdido, durante a ocupação alemã, as duas mãos e o olho esquerdo. Morou no Brasil desde 1952,
acompanhado de sua esposa Ludmila e seu filho Eugenius. Realizou trabalhos em 28 cidades brasileiras em
completo anonimato (algumas delas foram: Americana, Jundiaí, Santo André, Itatiba, São Paulo, Itatiaia, Rio de
Janeiro, Cuiabá, Passo Fundo, Erechim, Fortaleza), até sua morte, em 1989 por ataque cardíaco. Por sua
deficiência, o artista chegou a ser chamado de “segundo Aleijadinho”. Na maior parte anônimo, o acervo de
Kaszkurevicz ainda está sendo mapeado. A surpreendente forma como usava os pulsos para fazer as obras de
arte acabaram por criar um estilo inconfundível, com a predominância de formas retas. Mais informações e
imagens estão no trabalho de Fabrício Vicroski, disponível no endereço eletrônico
http://www.academia.edu/3793465/O_Arquiteto_dos_Deuses.
47
Figura 3. Painel Santa Ceia do artista Arystarch, interior da catedral São José, 1976.
Durante o período que permaneceu como pároco da igreja São José, o padre Busato
organizou inúmeras comissões, como religioso e como cidadão, ou fez parte delas,
juntamente com representantes da sociedade, as quais visavam à formação de
importantes entidades que até hoje detêm grande representação social no município,
atuando num contexto histórico em que a todo momento disputavam espaços
políticos ou religiosos (2001, p. 28).
Nota-se que o padre Benjamin representava um papel de articulador social, coeso com
as necessidades que a cidade demandava em suas primeiras décadas de existência. Segundo
Cima, nos 24 anos que o religioso atuou na comunidade católica, influenciou as decisões
políticas da população e arredores, a exemplo disso, figurava como cabo eleitoral de prefeitos
e deputados, até assumir a função de vereador, em 1940, e presidente do Conselho
48
79
A paróquia São Pedro pertence hoje à Diocese de Erechim. Na época da criação da Diocese, o padre Adriano
Franzon atuava juntamente com os padres Augusto Menegat e Nicolau Martinowski.
80
CARRARO, Geder. Construção da paróquia São Pedro será igreja provisoriamente. A Voz da Serra, Erechim,
11 de junho de 1961, p. 1.
81
Monumento de Nossa Senhora de Fátima: No dia 13 de maio de 1952, ocorreu a primeira Romaria ao
Monumento de Nossa Senhora de Fátima, preparada pelo Cônego Dionísio Basso e o Cônego Gregório
Comasseto, vigário da paróquia. Desde então a Romaria de Fátima se realiza anualmente com a participação dos
devotos de Virgem Maria.
49
Conforme dados do livro Meu Erechim Cinquentão de Chico Tasso, que reúne suas
principais crônicas, a paróquia São José funcionava em um prédio de madeira desde 1915,
obra de João Cervelin, até 1927, quando então formou-se uma comissão liderada pelo padre
Benjamin Busato, dando início à construção em alvenaria, composta por Giocondo
Pagnoncelli, João Massignan, Carlos Mantovani, Bortolo Balvedi, Eugênio Isoton e Luiz
Longo. Os alicerces foram iniciados em outubro do mesmo ano e, em março de 1928, o bispo
de Santa Maria, Dom Áttico Eusébio da Rocha abençoou a pedra angular do prédio localizado
na Avenida Maurício Cardoso, em frente à praça da Bandeira.
Concluída apenas em 1935, a matriz possuía duas torres, correspondente ao estilo
arquitetônico neobarroco, dispondo de 45 metros de comprimento e 21 metros de largura,
totalizando 945 m². O projeto da igreja foi elaborado pelo arquiteto de Porto Alegre, Vitorino
Zani, enquanto a estrutura ficou a cargo do construtor Carlos Fermento, também de Porto
Alegre.
50
Na crônica 49 de Chico Tasso, intitulada “Como e quem fez a igreja São José”, lê-se
sobre a construção da matriz:
Como busca descrever Chico Tasso, as bases da matriz eram sólidas e bem
executadas, informação que levanta a possibilidade de haver equívocos ao se afirmar que a
matriz estaria condenada, como veremos mais adiante, no segundo capítulo. Quanto ao estilo
arquitetônico da matriz, houveram dificuldades quanto à sua definição: durante o processo, foi
82
TASSO, Chico. Meu Erechim Cinquentão, Crônica 49, Erechim, 1967.
51
consultada a Secretaria das Obras Públicas de Porto Alegre, que desaconselhou o estilo
gótico, devido ao fato da região estar sujeita à furacões, recaindo sobre a escolha o estilo
românico.83 Como supracitado, o projeto da igreja ficou a cargo do “arquiteto desenhista”
Vitorino Zani de Porto Alegre e também estudado posteriormente pelos engenheiros da
Comissão de Terras. Parte dos alicerces entregues foram do construtor Carlos Fermento,
também da capital. As pedras utilizadas foram trazidas de Dourado, localidade há 4 km do
centro de Erechim, cujo material apresentava “melhor consistência”.84
Obras de arte tais como colunas, florões, capitéis vinham de P. Alegre. A areia veio
toda de M. Ramos, do Uruguai pelos trens. O cal, de Caçapava, parte também de
Curitiba. Quanto aos tijolos houve também dificuldades. Em Erechim ainda não se
fazia. Comprou-se do Zortea lá de Capinzal. Mais tarde Casemiro Lazzari pôs
fábrica aí onde era a Usina. No fim havia diversas olarias. O custo total da obra
andou em 690 contos.85
83
Embora não haja registros de furacões em Erechim, os desastres naturais mais comuns na região são granizo,
estiagem, enxurradas, enchentes, deslizamentos e vendavais, porém são casos isolados e sem regularidade.
84
Idem.
85
Idem.
86
Na base da parte onde se colocava o coro da igreja São José guardava-se uma caixa de ferro contendo um
álbum de fotos da edificação e os nomes dos colaboradores na obra da igreja Matriz, entre os quais estavam:
Tosetto, de Grandi, Marcelino Ramos, que foram os responsáveis pelos alicerces, Busnello, que foi o amassador,
Tomaso Fávero e João Paloschi, que levantaram as paredes, reboco, os estuques do forro, a cumeeira da igreja,
entre outros (Idem).
87
Idem.
52
Massignan, Luiz Longo, Bortolo Balvedi, Eugênio Isoton, Amália Isoton, Olinto Zambonatto,
Adélia Zambonatto, Cesarim Galli, Itália Galli, Elisa Vacchi, Julia Argenta, Catina Basso,
Noemia Berto, Bella Dal Bianco, Gelsomina Carraro, Apolônia Chiesa, Maria Biollo, Judith
Pagliosa, Jardino, Hermes e Berto, os quais não foram localizados os nomes completos.
Muitas foram as promoções realizadas pela população para ajudar na construção da igreja
matriz, como almoços, rifas e outros, porém alguns desses eventos causaram confusões e até
morte (Idem).
No Livro Tombo da paróquia São José, mais precisamente no termo de “Visita
Pastoral” do dia 3 de março de 1929, feito por Dom Áttico Eusébio da Rocha, de Santa Maria,
encontra-se:
88
LIVRO TOMBO Nº1, Paróquia São José, Erechim, ano 1929, p. 27.
53
De acordo com Carlos Francisco Berto89, “a igreja era muito bonita”. Segundo ele, o
padre Benjamin Busato foi o idealizador da matriz, sendo quem “se dedicou à construção da
igreja sob todos os recursos.” Ele ainda acrescenta, em sua declaração: “Por que a igreja foi
demolida? Até hoje não se sabe, todos condenavam a demolição”.90 Mais adiante, no segundo
e terceiro capítulos, aprofundaremos a questão da comunidade perante a essas divergências.
Em maio de 1969, deu-se início à demolição da antiga igreja matriz São José, tendo
como motivo anunciado, o fato de a igreja estar em precárias condições de uso. Porém essa
justificativa é contestada, pois sabia-se que sua construção era estável e a igreja tinha em
torno de 34 anos de uso. Há relatos que descrevem interesses econômicos por parte de
empresários locais, do ramo da construção civil, e também há referências de que ocorreu um
plebiscito na cidade, tendo os moradores optado pela demolição (CHIAPARINI et al, 2012, p.
242). Entretanto, não existe comprovação dessas versões. A estrutura da igreja demandou que
suas bases fossem implodidas com dinamite, o que fortalece argumentos como os de
Chiaparini e Berto. Ema Maria Sgarabotto Massignan, neta de um imigrante da Itália que se
89
Cidadão erechinense, fotógrafo, vivenciou a época em que a Matriz existiu, tendo-a fotografado diversas
vezes.
90
BERTO, Carlos Francisco Berto. Entrevistado por Sônia Mári Cima em 26 de maio de 2001. (Anexo 7). Ver:
CIMA, 2001, p. 143.
54
instalou em Erechim por volta de 1918, também afirma em seu depoimento de 5 de dezembro
de 1985, que encontra-se no Arquivo Histórico Municipal:
A Igreja Matriz São José não deveria ter sido demolida; todos nós sentimos bastante;
deveriam ter construído a Catedral noutro lugar e restaurado aquela Igreja. Eu acho
que os prédios históricos antigos não deveriam ser demolidos, mas sim tombados
como Patrimônio Histórico, conservar como por ex. o prédio da Comissão de
Terras.91
91
Entrevista Oral Ema Maria Sgabarotto Massignan. Museu do Som, Depoimento 32, Arquivo Histórico
Municipal.
92
Fonte: http://www.catedralsaojose.org.br.
55
Fonte: http://www.pmerechim.rs.gov.br
93
Mais uma vez se denota essa influência na formação de Erechim. O traçado urbano, assim como os estilos
arquitetônicos já mencionados anteriormente, também experienciaram o conceito de Augusto Comte.
56
O terreno de Erechim não era plano, o que necessitou adequações ao longo do tempo.
Foi nivelada a desconformidade existente na avenida Maurício Cardoso, canalizadas as sangas
existentes nas primeiras quadras das ruas Itália e Nelson Ehlers, e muitos outros buracos
foram nivelados com madeira e terra, na medida do possível.94 Foram diversas as
administrações municipais que tentaram em vão nivelar a cidade, até ser criado o Plano
Diretor, na década de 1930, que dispunha sobre a construção urbana. A partir disso,
concedeu-se o nivelamento de muitas construções antes de fazer o nivelamento das ruas, que
também foram atenuadas, melhorando as íngremes subidas.
94
O último trabalho executado pela antiga Comissão de Terras foi um levantamento que durou muitos meses,
capitaneado por Diumer Schneider, os Irmão Malinowski, os Irmãos Losina, Antônio Bergmann e Henrique
Schwerin, que fizeram um levantamento topográfico de dois em dois metros quadrados, tal a situação. Antes
mesmo do término desse serviço, um prefeito da época mandou o agrimensor da Prefeitura nivelar o calçamento
e foram estendidos os cordões, com todos os defeitos da superfície (FÜNFGELT, 2012, p. 22).
57
[...] A praça Cristóvão Colombo, hoje praça da Bandeira, com dimensões maiores,
de onde irradiam avenidas diagonais, foi destinada a se tornar um centro político,
administrativo e religioso, com a previsão de uma de suas faces, da instalação do
edifício da “Comissão de Terras”, hoje chamado carinhosamente de “Castelinho”,
prédio em madeira, tombado pelo Município e Instituto de Patrimônio Histórico e
Arquitetônico do Estado. Nas décadas seguintes, foram instaladas no entorno da
praça, a Prefeitura, a Catedral e o Fórum, ratificando a sua função de centro político,
administrativo e religioso (CHIAPARINI et al, 2012, p. 245).
95
Teve início em Erechim em 2 de dezembro do 1916, um ramo da Igreja Anglicana, fundada por Henrique III,
rei da Inglaterra, em 1534, pois nesta data chegava a então vila de Boa Vista do Erechim o Sr. Múcio Mendes de
Castro, cirurgião dentista e funcionário da Comissão de Terras, o primeiro cidadão episcopaliano a residir em
Erechim.
58
Fonte: http://www.pmerechim.rs.gov.br
Além disso, o Marco Zero de Erechim está localizado no segundo degrau da catedral
São José, há mais de 60 anos. Ou seja, o centro de controle geodésico nacional oficializou o
Marco Zero ainda quando a igreja matriz estava ali. Muitas vezes este é confundido com a
Placa de Altitude que fica na Estação Férrea de Erechim. No aeroporto está localizado o
Marco das Coordenadas Aéreas e no Parque Longines Malinowski está localizado o Obelisco
da Colonização.96
Figura 12. Marco Zero de Erechim, segundo degrau da catedral São José.
96
Informações sobre o marco zero estão no endereço eletrônico:
http://erechim.rs.leg.br/institucional/historia/historia-da-cidade e no site da Câmara Municipal de Erechim.
60
Pelo que nos foi informado, realmente esteve por estes poucos dias na cidade,
Monsenhor Clemente Muller, tratando das possibilidades da diocese a ser
creada,[sic] nada transpirando contudo sobre a escolha desta ou daquela cidade para
sede do novo bispado.97
De acordo com a mesma matéria, entende-se que Passo Fundo, naquele momento
também se movimentava para o caminho do bispado, “justificando o movimento e os esforços
já dispensados na construção da catedral.” Passo Fundo realmente seguiu nessa linha e
conquistou seu bispado em 1951, como já foi informado neste capítulo.
Pouco antes de se iniciarem movimentos de organização a favor da diocese, um
acontecimento inesperado teve destaque no periódico A Voz da Serra: a transferência do
vigário responsável pela paróquia São José, Tarcísio Utzig. No jornal do dia 31 de dezembro
de 1966, se noticiou: “A população desta cidade foi surpreendida com a notícia da repentina
transferência do vigário da paróquia São José, padre Tarcísio Utzig, para a cidade de
Carazinho.” De acordo com a matéria, uma comissão viajou a Passo Fundo para solicitar ao
bispo Cláudio Colling que reconsiderasse a sua transferência, logo agora que o vigário levaria
adiante o projeto de construção da nova igreja matriz98. Porém, Cláudio Colling respondeu
que o ato de transferência era irreversível, e em face da recusa do bispo, a população de
Erechim iniciou um movimento com grande apoio ao padre, visando sua permanência na
comunidade. Foram colhidas mais de 20 mil assinaturas em um abaixo assinado, e também foi
enviada uma carta de apelo ao bispo Dom Sebastião Baggio, no Rio de Janeiro, para tentar
reverter a transferência do religioso, porém, nenhuma dessas medidas foi suficiente para
evitar sua transferência.99
No jornal do dia 19 de fevereiro do ano seguinte, noticiou-se que o padre Tarcísio
Utzig, que esteve por quatro anos e meio como pároco da paróquia São José, receberia o título
de cidadão erexinense, caso fosse realmente transferido de paróquia, de acordo com
pronunciamento feito na Câmara Municipal do vereador Antonio Burin.100
Confirmando as notícias anteriores, no dia 8 de março de 1967, na primeira página, A
Voz da Serra informa a despedida do padre Tarcísio Utzig, e anuncia a chegada do novo
vigário à paróquia São José:
97
CARRARO, Estevam. Será José Bonifácio a sede de um novo bispado. A Voz da Serra, Erechim, 13 de março
de 1944, p. 1.
98
No Jornal A Voz da Serra analisado desde os anos 1944, foi a primeira situação onde o periódico mencionou a
intenção da Igreja Católica de Erechim de construir uma nova Matriz.
99
CARRARO, Estevam. Tranferência de Vigário provoca movimento da população. A Voz da Serra, Erechim,
31 de dezembro de 1966, p. 1.
100
CARRARO, Estevam. Título de cidadão erechinense. A Voz da Serra, Erechim, 19 de fevereiro de 1967, p. 1.
63
Assumiu na semana finda a Paroquia São José de nossa cidade, o Revdo. Padre
Atalibo Lise, em substituição ao Revdo. Padre Tarcísio Utzig que vem de ser
transferido. O revdo. Padre Atalibo Lise por muitos anos exerceu sacerdócio nesta
Região, conquistando a simpatia e admiração da população católica, motivo porque
sua indicação para a Paróquia São José foi muito bem recebida.101
101
CARRARO, Estevam. Despedida do padre Tarcísio. A Voz da Serra, Erechim, 8 de março de 1967, p. 1.
102
Estevam Carraro foi o primeiro agente do Correio de Erechim. Teve atuação de destaque na política e na
sociedade erechinense. Em 1929 instalou uma tipografia, sendo o fundador do jornal O Boavistense, que depois
passou a se chamar A Voz da Serra e atualmente é a Voz (Cf. DUCATTI NETO, p. 281). No segundo capítulo
iremos aprofundar as informações sobre Carraro e o jornal A Voz da Serra.
64
me oferece nesta oportunidade para externar a V. S. bem como a toda equipe que
diuturnamente se empenha para dotar essa comunidade de um jornal cada vez mais
eficiente e sempre mais condizente com os anseios de desenvolvimento, os meus
sinceros agradecimentos pela colaboração que sempre recebi todos nos quatro anos
de minha permanência nesta cidade.103
Dessa forma o padre Utzig se despede do jornal e da população, não poupando elogios
ao redator Estevam Carraro, ficando evidente o complacente relacionamento entre o
responsável pela paróquia São José e a imprensa, especificamente o jornal A Voz da Serra. A
partir dessa data, assume a paróquia São José, o padre Atalibo Lise.
103
CARRARO, Estevam. Despedida do padre Tarcísio. A Voz da Serra, Erechim, 8 de março de 1967, p. 1.
65
Bispo Diocesano.” A comissão pró diocese era uma das exigências da Santa Sé104, com a
finalidade de providenciar o que fosse necessário para a instalação do bispado.
Na crônica 28 do livro Meu Erechim Cinquentão, de Chico Tasso, publicada em A Voz
da Serra no dia 28 de setembro de 1967, com o título de “Bispado em Erechim”, o autor
descreve sobre seu conhecimento sobre o processo que Erechim vinha considerando: “Peça
Fundamental do Concílio Vaticano II, no entender dos peritos é a Constituição dogmática
sôbre a Igreja, denominada Lumen Gentium” (TASSO, 1967).105
Em 1º de outubro de 1967, o periódico traz a notícia: “Catedral deverá ser construída”,
onde intenta obter o apoio dos leitores paroquianos através de uma carta escrita pelo padre
Atalibo Lise, vigário da paróquia São José:
Na carta, o pároco enfatiza que a atual igreja matriz já não comporta o número de fiéis
correspondentes à paróquia e segue explicando que “após longos estudos realizados por
peritos”, chegaram à conclusão de que a melhor das reformas, além de custar muito, jamais
deixaria o templo da forma que a cidade de Erechim, ou melhor, a população de Erechim
exige. Segundo ele ainda:
[...] foi eleita uma diretoria e um conselho paroquiais, dando assim aos leigos as
responsabilidades que lhes são próprias dentro da comunidade. Já muitas reuniões
foram feitas pela diretoria e várias com o conselho a fim de deliberarem sobre o
assunto. A diretoria, após o animador resultado do inquérito, reuniu o conselho que a
autorizou tomar as primeiras providências (Idem).
pelas cobranças a cada quarteirão. Ao finalizar, o padre que escreve através do periódico,
informa que em breve todos os paroquianos receberão uma visita, e solicita:
Dá a tua contribuição com espírito e fé, lembrando-te que sem sacrifício nada de
(ilegível). A tua oferta se destina à construção da tua igreja, da tua casa de oração, o
templo de teu Deus. Contando com as bênçãos de Deus e a colaboração de todos é
que a diretoria, da qual fazemos parte, se vai lançar neste empreendimento. A São
José, nosso grande padroeiro, desde já confiamos esta obra que é o obra de Deus,
contando com seu valioso auxílio. Deus, que ama a quem dá com alegria vos
abençoe! Pe. Atalibo Mauricio Lise – Pároco.107
[...] Muito bonita a Igreja antiga, não dá pra negar, etc, né, mas em primeiro lugar se
fosse de ter que comprar um terreno no centro da cidade, ou transferir porque pra
celebrar realmente era muito inconveniente, né, ihhh então se fosse pra reformar não
daria muitos anos, pra se construir uma Igreja no centro seria muito mais difícil, né,
ou então construí-la fora do centro que cairia fora, assim, do próprio, da história ali,
da cidade que começou ali onde está a prefeitura, com a Igreja antiga, etc.108
O jornal A Voz da Serra do dia 12 de outubro de 1967, informa que o bispo diocesano
Dom Cláudio Colling era aguardado em Erechim para receber homenagens da população e
autoridades da comuna e região, assim como também para manter contatos com a diretoria
107
Idem.
108
Entrevista oral realizada com o padre Atalibo Lise (ALBERTONI, Leila Cristina. História Oral. URI, 2003,
p.3).
67
S. Exa. Dom Cláudio Colling Bispo Diocesano, que esteve em nossa cidade por
ocasião das festividades da Romaria de Nossa Senhora de Fátima, prestou
declarações a nossa reportagem sôbre a criação do Bispado em Erechim. Salientou-
nos S. Exa. o Bispo Diocesano, como algo possível e provável no futuro,
esclarecendo que é a favor da criação do Bispado, porém observando as normas
vigentes para o caso.109
Concito, disse-nos S. Exa., o povo católico a unir-se para a construção desse Templo
de Deus que futuramente será a catedral da Região. Vejo em Erechim e no povo da
Região Alto Uruguai, como um povo trabalhador e bom, contando o mesmo com
tôda a minha estima.110
Ainda nessa matéria, o redator informa que o bispo diocesano Dom Cláudio Colling
prevê que Erechim e a região do Alto Uruguai têm possibilidade de se unirem pelo futuro
bispado, e argumenta que “sem dúvida trará uma infinidade de benefícios para a região.”
Nota-se que os membros da igreja em geral, afirmavam que a matriz se encontrava em estado
precário. Porém, devemos levar em conta que essa informação poderia estar equivocada,
avaliando todas as questões que envolveram o acontecimento.
Mais uma vez, no dia 7 de novembro de 1967, o bispo diocesano visita Erechim, na
oportunidade recebe novamente homenagens dos católicos da região. Na ocasião, ele volta a
reafirmar a possibilidade de Erechim ser elevado à categoria de bispado, dando ainda seu
integral apoio na construção da nova catedral e as condutas do “Reverendo Padre Atalibo Lise
e a Diretoria” formada para dirigir as obras de construção.111
109
CARRARO, Estevam. Criação do bispado. A Voz da Serra, Erechim, 17 de outubro de 1967, p. 1.
110
CARRARO, Estevam. Criação do bispado. A Voz da Serra, Erechim, 17 de outubro de 1967, p. 1.
111
CARRARO, Estevam. Bispo diocesano esteve em Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 7 de novembro de
1967, p. 1.
68
No dia 10 de dezembro de 1967, a edição do jornal A Voz da Serra traz mais uma vez
informações sobre o bispado de Erechim. Na matéria intitulada “Erechim com possibilidades
de ser elevado a Bispado”, é relembrada a última visita de Dom Cláudio Colling e o apoio que
o bispo demonstra em relação à questão da construção da nova catedral e juntamente com
isso, a criação da Diocese de Erechim. 112
Atualmente, o bispo de Erechim é o Dom Frei José Gislon. O início de seu ministério
episcopal na Diocese de Erechim foi no dia 19 de agosto de 2012, na Catedral São José.
Fazem parte da Diocese Erechim atualmente: paróquia Catedral São José, paróquia Nossa
Senhora da Salete, paróquia São Cristóvão, paróquia São Pedro, paróquia Nossa Senhora
Aparecida, paróquia Santa Luzia, paróquia São Francisco de Assis, todas de Erechim,
paróquia Imaculada Conceição de Getúlio Vargas, paróquia Nossa Senhora do Monte Claro
de Áurea, paróquia Santa Isabel da Hungria de Três Arroios, paróquia São Tiago de Aratiba,
paróquia Nossa Senhora das Dores de Capoerê, paróquia São Valentim de São Valentim,
112
Na mesma edição de 10 de dezembro de 1967 do jornal A Voz da Serra, foi publicada a crônica 49 – Meu
Erechim Cinquentão de Chico Tasso: “Como e quem fez a igreja São José”. O editor do jornal escreveu que,
“com tanta conversa na rua em tôrno do projeto de construção de outro templo em lugar do velho não podíamos
deixar de procurar nosso antigo vigário e saber dêle alguma coisa para registrar antes de demolir a histórica Casa
de Deus.”
113
CARRARO, Estevam. Erechim com possibilidades de ser elevado a Bispado. A Voz da Serra, Erechim, 10 de
dezembro de 1967, p. 1.
69
paróquia Nossa Senhora da Glória de Erval Grande, paróquia Nossa Senhora Medianeira de
Barra do Rio Azul, paróquia São Roque de Itatiba do Sul, paróquia São Francisco de Assis de
Mariano Moro, paróquia Nossa Senhora dos Navegantes de Campinas do Sul, paróquia São
Caetano de Severiano de Almeida, paróquia São Luiz Gonzaga de Gaurama, paróquia Santa
Ana de Carlos Gomes, paróquia Santo Antônio de Jacutinga, paróquia Santa Teresinha de
Estação, paróquia Sagrado Coração de Jesus de Paulo Bento.114
Esse processo de criação da Diocese de Erechim, que foi abordado neste capítulo de
forma introdutória, de acordo com a pesquisa realizada nos periódicos até o final de 1967,
possui uma relação com a construção da nova catedral para possibilitar que Erechim recebesse
seu bispado. No próximo capítulo, essa questão será aprofundada, juntamente com a narrativa
da demolição da igreja matriz São José, processo que culminou na criação da Diocese de
Erechim, através do decreto de 2 de julho de 1967, sendo instalada em 1º de agosto de 1971.
114
Dados do site da Diocese de Erechim: www.catedralsaojose.org.br
2. O contexto da Demolição
Atualmente, os jornais impressos em circulação em Erechim são: Bom dia, Boa Vista,
Voz e Atmosfera. De acordo com a primeira edição do mais recente periódico da cidade, o
Atmosfera, que foi lançado no dia 24 de novembro de 2016, e que abordou o histórico dos
periódicos da região nessa estreia, “o jornalismo impresso em Erechim iniciou na década de
71
1920, e foi marcado pela grande quantidade de periódicos que permaneciam por pouco tempo
em atividade.”
O primeiro impresso que se tem notícia é o jornal O Erechim, editado pelo Partido
Republicano Rio-grandense, que surgiu em 1º de janeiro de 1919, na Vila de
Erechim, 2º Distrito do Município, onde atualmente fica a cidade de Getúlio Vargas.
A partir daí, segundo a obra Histórico de Erechim, editado e coordenado por Ernesto
Cassol, foram muitos outros impressos circulando, principalmente em Erechim, mas
também em distritos que hoje são as cidades de Marcelino Ramos e Gaurama. 115
Já está em torno de uma centena o número de jornais que Erechim teve, contando-se
nesta cifra, jornaizinhos que eram improvisados e não tinham estruturas para poder
persistir e mostrar sua presença na comunidade. Já nasciam débeis e assim não
“aguentavam o inverno”, tinham vida efêmera. Alguns eram de caráter político, e
visavam determinado objetivo e adversários políticos, outros não tinham nenhuma
penetração nos vários setores da sociedade e tudo isso levava a definhar rapidamente
e desaparecer (ZAMBONATTO, 1977, p. 137).
115
CASTRO, Edson. Atmosfera, Erechim, 24 de novembro de 2016, p. 3.
72
Em 1977, ano que coincide com a conclusão da construção da catedral São José, o
principal jornal continuava sendo A Voz da Serra, o que se prolongou durante pelo menos
mais duas décadas. O Diário da Manhã chegou na década de 1980 e logo adquiriu
importância, juntamente com A Voz da Serra. Sua primeira edição foi lançada no dia 22 de
fevereiro de 1986, pertencendo ao grupo empresarial da área das comunicações de Túlio
Fontoura, de Passo Fundo, onde se encontra a sede da empresa.116
Zambonatto (1977), considerava A Voz da Serra o jornal contemporâneo de Erechim,
por ter tido sua primeira edição em 26 de outubro de 1929, quando o município tinha apenas
11 anos. Na época, Erechim chamava-se Boa Vista do Erechim, e por isso o jornal recebeu o
nome de O Boavistense.117
Estevam Carraro, o fundador, proprietário e editor do jornal, desde a década de 1930,
foi o pioneiro do jornalismo na região. Na época não havia energia elétrica abundante, e as
primeiras impressões do jornal dependiam de um motor a gasolina. Segundo Zambonatto,
Carraro acionava a impressora com uma manivela, enquanto sua esposa Gelsomina colocava
o papel na máquina e removia a folha impressa (Cf. ZAMBONATTO, 1977, p. 137).
Por volta dos anos de 1940, em uma das ocasiões em que Erechim mudou de nome, O
Boavistense passou a denominar-se A Voz da Serra. A partir de 1969, Estevam Carraro ainda
como diretor, passa a ter em sua equipe seus filhos Gilson Carraro e Geder Carraro. O jornal
seguiu sendo administrado e dirigido pela sua família nas décadas seguintes, incluindo seus
netos e bisnetos.
Levando em conta que no âmbito das fontes da imprensa a política e a sociedade
tinham influência, cabe ao pesquisador tentar detectar e intuir possíveis motivações, poderes,
interesses, inclusive de caráter publicitário que, geralmente, ficam por trás das linhas escritas.
Conforme Luca, o historiador deve dispor de “ferramentas provenientes da análise do discurso
que problematizam a identificação imediata e linear entre a narração do acontecimento e o
próprio acontecimento” (2005, p. 139).
Neste sentido, a seguir abordaremos aspectos mais pormenorizados da fonte e dos
discursos por ela sustentados, a partir de seus editores.
116
O Diário da Manhã encerrou suas atividades em Erechim em 2016. Circulou na cidade desde 1986, mas a
partir dos anos de 1970 até hoje, ele era editado também nas cidades de Passo Fundo, Carazinho e Marau, no Rio
Grande do Sul, e em Chapecó, Santa Catarina. Em Passo Fundo, além do jornal havia também a Rádio Diário da
Manhã. Em 1977, o jornal era dirigido por Dyógenes Auildo Martins Pinto, genro de Túlio Fontoura.
Atualmente o Grupo Diário da Manhã tem suas familiares Janesca Martins Pinto como presidente e Ilânia Pretto
Martins Pinto como vice.
117
Nas primeiras décadas de formação de Erechim, foram diversas as empresas que se lançaram com o nome que
remetia à cidade, como a fábrica de balas Boavistense, o frigorífico, entre outros.
73
118
SMANIOTTO, Maria Lucia Carraro. A Voz da Serra, Erechim, EDIÇÃO ESPECIAL, 1997, p. 1.
119
Idem.
74
18 anos -, Carraro veio para a Vila de Paiol Grande, diretamente de São Paulo, após ter
trabalhado em lavouras de café.120
Ao iniciar sua vida na nova cidade, Estevam Carraro trabalhou como barbeiro, onde as
conversas e trocas de notícias aconteciam constantemente. A fim de aumentar seu rendimento,
passou a trabalhar também com o agente dos correios da cidade Alberto Fehlauer, até 1933,
quando se tornou agente dos correios. Ainda antes disso acontecer, Carraro deixou a barbearia
e abriu uma tipografia chamada Tipografia Modelo em parceria com Manoel Pinheiro Mena,
conhecido por todos como Chaminé, o qual tornou-se seu sócio quando decidiram ousar ainda
mais e iniciar o jornal O Boavistense, raiz do A Voz da Serra, no dia 26 de outubro de 1929.
As ideias de Carraro e Mena foram apoiadas por um grupo de intelectuais que se
ressentiam da falta de um veículo de comunicação na, então, Boa Vista do Erechim. Deixando
explícitas suas intenções de representar um mensageiro da população, na primeira edição do
O Boavistense, Estevam ressalta: “Creio portanto que esta simpática terra está de parabéns,
pois embora humilde e despretensioso, aqui está agora seu porta-voz, o qual estará sempre a
postos para encampar a defesa de seus interesses gerais”.122
Nos primeiros anos do jornal, os dois fundadores costumavam apoiar o presidente
Getúlio Vargas, no contexto da Revolução de 30, o que mudou no decorrer da década.
Naquele período de manifestações, seu sócio resolve vender sua parte na sociedade do jornal e
ir “engrossar as fileiras revolucionárias” e Estevam seguiu no trabalho jornalístico. “O
autoritarismo do Governo Provisório de Getúlio Vargas se faz presente. É neste período que a
censura prévia da Imprensa é instalada em Boa Vista do Erechim.”123 Cada edição do mês de
120
Idem.
121
Ibidem, p. 2.
122
Idem.
123
Ibidem, p. 3.
75
maio de 1937, Carraro teve que submeter à censura, saindo assim com tarjas brancas, as quais
evidenciam a supressão da liberdade de imprensa sofrida na época.
De acordo com a edição especial, a partir de 1945 o jornal A Voz da Serra começou a
circular diariamente, o que permitiu um acesso mais frequente da população a notícias
atualizadas, nacionais e internacionais, como a Segunda Guerra Mundial, Política Estadual e
Nacional, entre outros. Outro fator sobre o meio de comunicação, foi que o periódico
publicava as reivindicações da população, “liderando campanhas de cunho social”, sendo
muitas vezes uma espécie de emissário da população. Segundo a edição, Carraro
frequentemente deslocava-se à capital em busca de soluções junto aos governadores,
secretários e deputados e muitas vezes retornando com respostas positivas. Frequentemente
ele era convidado para os atos políticos mais importantes da cidade, acompanhando prefeitos,
líderes políticos, autoridades que chegavam ao município e a maioria das inaugurações dos
estabelecimentos. Apesar de ser evidente o relacionamento promissor de Carraro com
diversos nomes políticos e autoridades, de acordo com a edição, na política regional ele
preferiu atuar nos bastidores.124
Como fica evidenciado, a posição de Carraro ultrapassava a função jornalística e
espraiava-se para vida social e política do município. A frente de um jornal – considerando a
força simbólica de seu discurso -, o personagem manejava estratégias para defender seus
posicionamentos através de uma rede de contatos e influências.
A Tipografia e, posteriormente, a Livraria Modelo, ambas de propriedade da família
de Carraro, se mantiveram, sob a direção de Gelsomina, esposa de Estevam. A tipografia foi a
essência do jornal desde 1929, e a livraria surgiu algum tempo depois para suprir a demanda
local, comercializando obras literárias nacionais e regionais, assim como impressos em geral,
papelaria, material de escritório, entre outros. Comercializavam as principais revistas do
centro do país e da capital do estado, livros de autores brasileiros e locais. O êxito da livraria
fez com que Estevam Carraro também lançasse revistas, como a Almanaque da Serra e
magazines sobre a sociedade local.
Na edição especial, Fernando Sefrin afirma que “não dá para falar de Erechim, sem
falar de Estevam Carraro”. Na sua opinião, ele representava para o município uma alta
personalidade jornalística que impulsionou dentro do seu jornal a verdadeira democracia, o
verdadeiro ideal de jornalista e foi um grande pensador para o futuro.125
124
Ibidem, p. 4.
125
Ibidem, p. 9.
76
126
Linotipia: sistema de composição e impressão por meio de linotipo ou máquina similar. Trata-se de um tipo
de máquina de composição de tipos de chumbo, inventada em 1884 em Baltimore, nos Estados Unidos, pelo
alemão Ottmar Mergenthaler. O invento foi de grande importância por ter significado um novo e fundamental
avanço na história das artes gráficas. A linotipia provocou, na verdade, uma revolução porque venceu a lentidão
da composição dos textos executada na tipografia tradicional, onde o texto era composto a mão, juntando tipos
móveis um por um. Constituía-se, assim, no principal meio de composição tipográfica até 1950.
77
127
CARRARO, Estevam. Título de cidadão erechinense. A Voz da Serra, Erechim, 19 de fevereiro de 1967, p. 1.
128
CARRARO, Estevam. Despedida do padre Tarcísio. A Voz da Serra, Erechim, 3 de março de 1967, p. 1.
78
uma comissão formada para estudar o caso. O texto inicia relatando uma breve história de
Erechim, e na sequência descreve trechos da formação da igreja católica na cidade:
Como é fácil de notar-se a Igreja Matriz São José, em nossa principal artéria,
praticamente sem nunca ter sido reformada, abrigava os fiéis católicos há longos
anos. Agora a população católica de nossa cidade é chocada com a notícia da
interditação [interdição] daquele templo, devido que o mesmo oferecia até certo
perigo de vida aos que lá faziam suas preces. A medida da interditação [interdição]
entretanto fazia-se necessária, uma vez que a Igreja Matriz São José, pelo passar de
seus anos, carecia de uma reforma. A verdade entretanto é que a Igreja Matriz São
José está interditada, num fato inédito na Região e mesmo no Estado.131
129
CARRARO, Estevam. Interditada a igreja matriz São José. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1967,
p.1.
130
A Igreja Episcopal Brasileira localiza-se até hoje na praça da Bandeira, no lado oposto ao da catedral São
José.
131
CARRARO, Estevam. Interditada a igreja matriz São José. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1967,
p.1.
79
No mesmo, ainda lê-se que “resta-se entretanto saber-se se essa comissão optará pela
reforma daquele templo ou então, pela construção de uma nova igreja matriz, cujo projeto já
está concluído”. O editor então comenta a necessidade da união de todos os católicos,
“notadamente dos antigos moradores de nossa comuna, para a reforma ou construção de uma
nova Igreja Matriz São José”, solicitando também o apoio dos erechinenses ao padre Atalibo
Lise para o reerguimento da matriz São José e comunica que por determinação do padre
Atalibo Lise, Vigário da igreja matriz São José, todas as cerimônias litúrgicas se realizariam
na Capela do Colégio São José. O conteúdo finaliza com a transcrição de um pequeno trecho
80
O editor do jornal continua referindo-se ao padre Atalibo como “um humilde mas
gigante batalhador de nossa causa”. Segundo ele, o padre procurou dar o seu máximo
empenho para que “a Paróquia São José não ficasse acéfala” e não poupa elogios ao vigário.
Conforme Carraro, um dos primeiros passos do padre Atalibo, “demonstrando o zêlo que
caracteriza seu trabalho, foi além de procurar dar tôda a assistência espiritual, garantir,
também a segurança pessoal dos fiéis que frequentam sua igreja. Já que o revestimento do
teto, pesando várias toneladas constituía uma grave ameaça”. Ele se refere a interdição da
igreja matriz, devido ao estuco134 do teto estar comprometido e haver a possibilidade de cair
132
CARRARO, Estevam. Interditada a igreja matriz São José. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1967,
p.1.
133
CARRARO, Estevam. Reformar a igreja matriz ou construir a catedral? A Voz da Serra, Erechim, 30 de julho
de 1967, p. 1.
134
Estuque é uma argamassa resultante da adição de gesso, água e cal, usada como um aditivo retardador de uma
secagem demasiadamente rápida (por essa característica é possível utilizado como forro). O uso do estuque
81
sobre os frequentadores da igreja. Naquela circunstância então, o padre Atalibo se uniu aos
representantes das mais diversas classes sociais que compõe a paróquia, pedindo que
nomeassem uma comissão para resolver o caso.
Esse Conselho elegeu uma diretoria executiva, já em sua primeira reunião. A diretoria,
dividia com o vigário os encargos e as responsabilidades da paróquia em nome da
comunidade. Os trabalhos dessa equipe porém, não se resumiam apenas à segurança da
população, mas também almejavam dar continuidade aos antigos planos do padre Tarcísio
Utzig, ou seja, a construção de uma nova catedral. Sem consultar a população, com a
justificativa da falta de tempo, devido “às advertências de perigo feitas pelos engenheiros”, a
diretoria assumiu a responsabilidade de remover o “estuco” que integrava os ornamentos do
teto, mas garantiu que depois dessa iniciativa, essa mesma diretoria, auxiliada pelo conselho,
iria “de casa em casa, à todos os lares erechinenses, para com êles debater o problema
„reformar a matriz ou construir a catedral‟”, e somente depois de conhecer a opinião de todos
os paroquianos iria executar a decisão manifestada pela população.
como revestimento decorativo ou material de modelação de origem milenar, na civilização mediterrânea. Nas
fontes, ele é descrito como estuco, porém esse termo é o mesmo, porém no idioma espanhol.
135
Idem.
82
136
Idem.
83
O inquérito feito com os paroquianos constatou que quase a totalidade deles isto é,
98,5%, está disposta a dar sua contribuição para erguer-se no local da atual Matriz
um templo amplo e moderno, moldado dentro das novas prescrições do Concílio,
com uma belíssima torre moderna que estará a apontar para infinito, lembrando ao
homem seu destino eterno.137
137
LISE, Atalibo. Catedral deverá ser construída. A Voz da Serra, Erechim, 1º de outubro de 1967, p. 1.
84
O padre Lise conclui explicando que a comissão eleita irá cuidar dos detalhes do
assunto, e que sua primeira iniciativa foi remover uma parte do teto da matriz que estava
ruindo. Na sequência de sua declaração, estavam listados os planos da diretoria:
De acordo com o texto, somente após este levantamento é que a diretoria poderia
tomar decisões mais concretas a respeito da construção. O padre Lise, como supracitado,
apela à população: “dá a tua contribuição com espírito de fé (...). A tua oferta se destina à
construção da tua igreja, da tua casa de oração, o templo de teu Deus” (Idem).
Em diversas edições seguintes do periódico A Voz da Serra, noticiou-se sobre visitas
do bispo diocesano Cláudio Colling à Erechim, movimentando os trâmites para a elevação da
paróquia de Erechim à bispado e divulgações de reuniões da comissão pró diocese. No dia 12
de outubro de 1967, em uma matéria intitulada “Bispo Diocesano aguardado em Erechim”
informou:
Deverá aportar hoje a noite em nossa cidade, s. exa. Dom Cláudio Colling, Bispo
Diocesano e que será alvo das mais carinhosas homenagens por parte da população e
autoridades de nossa Comuna e Região. S. Exa. Dom Cláudio Colling, aproveitando
sua estada em nossa cidade deverá manter contatos com a Diretoria que visa a
construção da futura Catedral Diocesana. 139
Por diversas vezes foram feitas homenagens por parte da comunidade católica
erechinense ao bispo. No artigo de 17 de outubro de 1967, Dom Cláudio Colling, que esteve
em Erechim por ocasião das festividades da Romaria de Nossa Senhora de Fátima, prestou
declarações a equipe de reportagem do jornal A Voz da Serra, referente à criação do Bispado
em Erechim. Na ocasião, salientou como algo “possível e provável no futuro”, esclarecendo
que é a favor da criação do bispado, porém observando as normas vigentes para o caso. Ainda
de acordo com o artigo, Dom Claudio Colling incentiva a população católica de Erechim a se
unir para a construção desse “Templo de Deus que futuramente será a catedral da Região”,
138
Idem.
139
CARRARO, Estevam. Bispo Diocesano aguardado em Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 12 de outubro de
1967, p. 1.
85
140
Idem.
141
CARRARO, Estevam. Criação do Bispado. A Voz da Serra, Erechim, 17 de outubro de 1967, p. 1.
142
CARRARO, Estevam. Erechim com possibilidades de ser elevado a bispado. A Voz da Serra, Erechim, 10 de
dezembro de 1967, p. 1.
143
CARRARO, Estevam. Catedral de Erechim – Iniciados os trabalhos. A Voz da Serra, Erechim, 19 de julho de
1968, p.1.
144
Idem.
86
145
CARRARO, Estevam. Festa no balneário São Floriano. A Voz da Serra, Erechim, 23 de novembro de 1968,
p.1.
87
José R. Meneguzzo.146 A comissão pró diocese era uma das exigências da Santa Sé, com a
finalidade de providenciar tudo o que fosse necessário para a instalação de Bispado.147
A edição ainda anuncia o prosseguimento das obras da nova catedral, que estavam em
“ritmo bastante acelerado, estando a população erechinense, independentemente de credos
religiosos, colaborando para a pronta conclusão das obras”.148 Como de praxe, Colling seria
alvo de agraciamentos por parte das autoridades e da população católica. Nesta ambiência, a
ocasião foi propícia para pedir a colaboração da população nas obras.
O diretor jornalista Estevam Carraro recebeu um convite para participar da referida
reunião, diretamente do padre Atalibo Lise. Conforme o ofício,
Temos a grata satisfação de levar ao seu conhecimento que V. S. foi apontado para
compor o conselho da Comissão Pró Diocese a ser instalada no dia 19 do corrente às
20:30 horas, na sala de sessões da Câmara Municipal de Vereadores, ocasião em que
sua Excia. Revma. Dom Claudio Colling irá empossar a comissão e promulgar os
nomes que irão compor o conselho. Contando com sua honrosa presença
antecipamos agradecimentos e subscreve-nos com alta estima e distinta
consideração.149
Usando da palavra S. Exa. Dom Claudio Colling exemplificou aos presentes o que
seria a instalação de uma Diocese e a vinda de um Bispado a Erechim, sendo que um
dos primeiros passos a ser tomado pelas comissões será a aquisição ou a construção
de uma residência para o futuro Bispo de Erechim. Salientou s. exa. o Bispo
Diocesano que já havia sido efetuado o levantamento em doze municípios, faltando
somente as comunas de Getúlio Vargas e Itatiba do Sul, sendo que a Diocese a ser
instalada em Erechim, abrangerá 14 município e 25 Paróquias150
De acordo com o editor do jornal, ao final da exposição do bispo, que foi intensamente
aplaudido, o padre Atalibo Lise foi nomeado representante do mesmo. Na semana seguinte, A
Voz da Serra comunica que a comissão Pró Construção da catedral, a partir do dia 1º do
146
Conselheiros: Os três padres vigários da cidade; reitor do Seminário N. S. de Fátima; Padre Benjamin Busato;
Irmão Alfredo Baumgrotz, Diretor do Ginásio Medianeira; Irmã Miriam Lorenzetti, Diretora do Centro
Educacional São José; Irmã Nazaré, Diretora da Escola Santo Agostinho; Irmã Gertrudes Chotieski, Superiora da
Congregação das Irmãs da Sagrada Família e os srs Hilário Munaretto, Hugo José Caldart, dr. Clovis
Pagnoncelli, Eddie Valentim Mattevi, Arno Nicolini, Gomercindo Zaffari, Giocondo Pagnoncelli, Pedro Zaffari,
Domingos Menegatti, Fausto Demoliner, Francisco Pinto de Souza, Heitor Pereira de Almeida Arcangelo Lo
Bosco, Eloi Mocellin, Jacques Massignan, José Bordignon e Estevam Carraro.
147
CARRARO, Estevam. Comissão pró diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 18 de maio de 1969, p. 1.
148
Idem.
149
Idem.
150
Idem.
89
próximo mês, estaria visitando todas as famílias erechinenses, a fim de solicitar a colaboração
para o rápido andamento das obras, solicitando ainda a “coletividade erechinense”, que
colaborasse integralmente com a campanha.151
No dia 29 de junho de 1969, então, eis que estampada na primeira página do periódico
A Voz da Serra lê-se a notícia: “Igreja Matriz desaparecerá”. O texto comunica que na semana
que se encerrava, foram iniciados os “trabalhos de demolição da Igreja Matriz São José, que
cederá lugar para as obras de construção da Catedral de Erechim, futura sede do Bispado”. Os
serviços foram iniciados pela torre da nave esquerda, pois dessa forma pretendiam reduzir o
peso sobre os “fracos alicerces, uma vez que é o lado onde o terreno foi rebaixado vários
metros, podendo haver perigo de um desmoronamento”. A edição ainda deixa claro que essa
medida adotada pela comissão encarregada é para a maior segurança da população.152
151
CARRARO, Estevam. Construção da catedral. A Voz da Serra, Erechim, 27 de maio de 1969, p. 1.
152
CARRARO, Estevam. Igreja matriz desaparecerá. A Voz da Serra, Erechim, 29 de junho de 1969, p. 1.
90
Com o título impactante, no dia 6 de julho de 1969, A Voz da Serra reitera na primeira
página: “Igreja Matriz desaparece”.154 No corpo do texto, o editorial explica que a matriz São
José está sendo demolida para dar lugar às obras da futura Catedral de Erechim,
desaparecendo assim uma edificação neobarroca, para ceder espaço às linhas modernas da
futura catedral. No interior do mesmo jornal, aparece então a primeira argumentação contrária
publicada no periódico, um texto do cidadão erechinense Leão Magno, com o título “Os
capitalistas compram uma igreja”.
153
Idem.
154
CARRARO, Estevam. Igreja matriz desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 6 de julho de 1969, p. 1.
91
sem prejuízo do seu caráter sacral bem à porta. Mais satisfeitos ficaram os padres
que viram triplicada a frequência às missas.
Aqui não seria o caso, não há crise de espaço, mas nada impediria que a Matriz,
relativamente nova, ficasse onde está para atender os fiéis do centro. Com menos
despesa teríamos duas igrejas. Para facilidade dos fiéis seria de desejar que cada
bairro ou grupos de bairros tivessem a sua própria igreja. Num bairro pobre não
haveria mais a desculpa, principalmente da parte do elemento feminino: “Não tenho
roupa, não posso ir à missa”. O fiel frequenta com mais gosto a igreja do próprio
bairro.
Foi a idéia que propuz em tempo. Talvez o argumento teria pesado na votação, pois
agora estou sabendo que a demolição da Matriz não foi pacífica: teve gente que
brigou três dias sem beber água. Estou com eles, nada mais posso fazer senão
manifestar-lhes a minha solidariedade (grifo nosso).155
Fica claro no texto de Magno, que logo no início das discussões sobre a decisão de
demolir a matriz, houve outra tentativa da parte dele para possivelmente alertar a população
em impedir sua consumação, a qual não foi publicada. Talvez, no momento em que essa
reinvindicação foi publicada, já não houvesse mais o que fazer, como o próprio autor lamenta.
Mesmo reconhecendo que o espaço que a matriz oferece já se tornou pequeno, ele afirma que
é a favor de sua preservação, assim como mais pessoas, que segundo ele não reagiram
pacificamente à iniciativa, se posicionando contra a demolição. O autor ainda argumenta que
não há crise de espaço urbano, e que tranquilamente a catedral poderia ser construída em
outro terreno, alegando o interesse dos capitalistas de que ela se mantivesse no centro.
Na sequência, como possível resposta e convite de reflexão às questões levantadas por
Leão Magno, no dia 13 de julho de 1969, é publicado no referido jornal o texto: “É melhor
chorar agora do que chorar depois”. Oluzan, autor do artigo, escreve que também lamenta as
memórias da comunidade perante à igreja, mas defende que a demolição é uma necessidade,
principalmente pela segurança. Na primeira página do periódico, a direção do jornal publica
com o título “Demolição da Matriz mostrará documentos”, um artigo que anuncia a
demolição da matriz e a construção da catedral, e traz a transcrição de um trecho do livro
“Meu Erechim Cinquentão”, de Chico Tasso, que versa sobre a construção da matriz. Na
segunda página, o texto de Oluzan:
Felizes de nós que temos de ver que agora são apenas alguns que choram, mas
muitos mais infelizes e desgraçados seríamos se futuramente teríamos que chorar
talvez com lágrimas de sangue a nossa imprudência e desleixo.
Estão demolindo a nossa querida Matriz São José, estão demolindo um monumento
histórico, estão desfazendo aquilo que nossos avós, nossos pais edificaram com
tanto sacrifício. Quão gratas (ou talvez tristes) recordações calem no fundo dos
nossos corações. Comenta-se: Quantos batizados, quantos casamentos, quantas
recordações, quantas encomendações, quantas missas solenes lá se realizaram!
155
MAGNO, Leão. Os capitalistas compram uma igreja. A Voz da Serra, Erechim, 6 de julho de 1969, p. 3.
92
Eu, fui batizado, crismado, fiz minha primeira comunhão. Eu, me uni à minha
espôsa na Matriz São José, batizei meus filhos... as lamentações vão por aí a fora e
se tornam tão prolongadas como a Ladainha de todos os Santos é claro, com exceção
dos que foram cassados.
Não pretendo e tampouco desejo imiscuir-me nos sentimentos alheios, muito pelo
contrário, cada qual que guarde e bem guardado suas gratas recordações e
sentimentalismo e também uma foto de nossa querida Matriz São José.
Gente! O que nós precisamos é um bocado de sensatez. A velha Matriz não está
sendo demolida pelo belo prazer de vermos edificado um novo templo, para vermos
uma Erechim com seus prédios com as mais belas linhas arquitetônicas. Ela está
sendo demolida por uma necessidade premente. Não um plano de meia dúzia, não é
compra de um capitalista.
Foi procedido um inquérito à tôda comunidade, apenas 1,9% se manifestaram
contra. Os que não se manifestaram pouca ou nenhuma preocupação tiveram. Foi
efetuado um levantamento técnico especializado que condenaram unânimemente
aquela edificação por não oferecer a mínima condição de segurança.
Está sendo feito o que deve ser feito. Que nos perdoem os ofendidos, mas sejamos
reais, sejamos (repito) sensatos, porque é melhor que alguns chorem agora, do que
centenas ou milhares chorarem depois, vendo seus parentes e amigos subterrados
nos escombros da velha e querida matriz São José (grifo nosso).156
Oluzan deixa transparecer em seu texto que haviam mais inconformados com a
decisão da demolição do que o próprio dado emitido por ele, de 1,9 % que se manifestaram
contra. Ele também justifica que o empreendimento é uma medida de segurança para a
população, remetendo mais uma vez à tese de que a matriz estava em estado precário,
afirmando que o interesse em construir a catedral não é de apenas alguns homens, mas sim a
decisão acertada, que prioriza a segurança de todos. Na terceira página do mesmo jornal,
complementando essa atmosfera de pesar e conformidade, é publicada a poesia de Iná Maciel
com o título “Matriz”:
Cidade Jovem
Com uma igreja no coração
Na avenida
Uma silhueta antiga
Nave mourisca
Par de torres
O altar-mór de São José.
A procissão
As luzes da oração
156
OLUZAN. É melhor chorar agora do que chorar depois. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
93
Nuvens de santidade
Sobem do chão ao céu
Estrondo de pedra
da Matriz morrendo
Por quê?
Por quê?
Amor
Saudade
De uma igreja no coração
(grifo nosso).157
Comentário e mais comentários estão surgindo de todos os lados, uns contra, outros
a favor da demolição da matriz São José, e a construção da Catedral, mas eu me
ponho a favor da demolição, não por ela oferecer perigo para soterrar cristãos por ser
vendida a capitalistas, por ser uma obra arquitetônica da época em que foi
construída, ou por guardar recordações, não; me ponho a favor porque Erechim
cresceu, prosperou, a população aumentou, e a região comporta muito bem uma
Catedral e Erechim tem necessidade de um templo maior (grifo nosso).158
157
MACIEL, Iná. Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
158
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
94
Dias depois desse depoimento, A Voz da Serra divulga no dia 20 de julho, na sua
primeira página, o anúncio “Uma surge – Outra Desaparece”, com uma foto da matriz sendo
demolida e o surgimento dos alicerces da futura catedral.160 O termo “desaparece”, utilizado
mais uma vez, representa a força do acontecimento, que apagaria para sempre a matriz,
levando com ela suas afetividades e principalmente, cessando as discussões sobre a
construção da catedral, como se fosse um desfecho, afinal, “o que está feito está feito”.
Na terceira página do mesmo periódico, é publicada uma matéria com o título
“Dialogando com você amigo”, que inicia uma coluna que perdurou por meses, abordando
assuntos do Concílio da Igreja no mundo de hoje, trazendo sempre junto ao corpo do texto a
imagem da perspectiva da futura catedral.
159
Idem.
160
CARRARO, Estevam. Uma surge – outra desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 20 de julho de 1969, p. 1.
95
Figura 23. Recorte do jornal A Voz da Serra da coluna Dialogando com você amigo.
161
A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1969.
96
162
CARRARO, Estevam. As Romarias e a Nova Diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 7 de outubro de
1969, p. 3.
163
CARRARO, Estevam. Cinquentenário da Paróquia São José. A Voz da Serra, Erechim, 4 de novembro de
1969, p. 1.
164
CARRARO, Estevam. Criação da diocese. A Voz da Serra, Erechim, 25 de novembro de 1969, p. 1.
165
CARRARO, Estevam. Em 70 Erechim será Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 30 de novembro de 1969, p. 1.
98
Não existe uma moldura oficial para diocese, dentro da qual tôdas precisam se
enquadrar. De novo precisamos nos recordar que a Igreja não é uma organização,
uma administração, que enquadra (...) Não precisamos nos tornar todos iguais para
sermos cristãos. E consequentemente as comunidades cristãs podem ser tão diversas
quanta é a diversidade que existe no mundo. Por isto que a diocese de Erechim será
a diocese nossa, daqui, com os nossos problemas e com a maneira nossa de enfrentá-
los com as nossas características, com a nossa história, nossas realizações e nossos
tropeços.167
Essa maneira de considerar a diocese foi aprovada pela população e seus padres, pois
apresentava o conceito de que a paróquia de Erechim não precisava deixar de ser o que era
para se tornar diocese, podendo conservar seus valores de acordo com os princípios da região,
a qual possuía um espírito “comunitário e jovial que sempre acolhia quem chegava”. Tal
flexibilidade oferecida pela Igreja na questão dos princípios e valores, pode ser interpretada
como uma forma de evitar que a comunidade se intimidasse, incutindo o plano de diocese e
modernização pretendido pela paróquia São José, mas ao mesmo tempo, tranquilizando-a que
a mudança seria apenas na edificação, e não na sua fé ou religião, já que esse grupo social
demonstrava ter fundamentos religiosos firmados.
166
VALENTINI, Padre. A diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 23 de janeiro de 1970, p. 3.
167
Idem.
168
Idem.
99
geral iria participar, tomando para todos a iniciativa e, evidenciando mais uma maneira de
buscar incentivo e apoiar a causa.
No mês seguinte, é publicada em uma nota na primeira página do A Voz da Serra
informando sobre as obras de demolição da matriz São José que serão reiniciadas nos
primeiros dias de março, segundo determinação da comissão pró catedral. Juntamente, as
obras na nova catedral foram reiniciadas, com os trabalhos desenvolvendo-se na parte térrea,
local onde provisoriamente seriam realizadas as missas, até que fosse concluída a catedral.169
Em abril, fala-se novamente da espera pela criação da diocese e, na mesma ocasião, se
informa que a construção da casa do bispo foi adiada para quando ele estivesse presente,
podendo assim opinar onde seria o local mais conveniente.170 No dia 30 do mês em questão,
mais uma vez o jornal noticia: “Erechim, em breve Diocese”. No artigo, uma informação nova
até o momento: “Em 1965, através da Associação Comercial, foi endereçado em pedido ao
então Núncio Apostólico, D. Sebastião Bágio. Foi o primeiro despertar.” Sobre a comissão
que possibilitou esse pedido de 1965:
169
CARRARO, Estevam. Demolição da matriz. A Voz da Serra, Erechim, 1º de fevereiro de 1970, p. 3.
170
VALENTINI, Padre. As metas da diocese. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1970, p. 3.
171
CARRARO, Estevam. Erechim, em breve diocese. A Voz da Serra, Erechim, 30 de abril de 1970, p. 1.
100
espiritual, cultural e material de toda a Região.172 Essa conduta do editor, verificada com
frequência, demonstra o apoio da imprensa na realização do empreendimento, pautando
sempre expressões como “desenvolvimento”, auxiliando na tarefa de persuasão de que seria a
melhor alternativa para o município.
Enfim, no dia 30 de junho de 1970, numa nota na primeira página, com uma foto da
matriz e a chamada “Matriz desaparecerá definitivamente”, informa-se que haviam sido
iniciados os trabalhos de demolição definitiva da igreja matriz São José, com a retirada do
telhado de zinco.173
No mesmo ano, ainda se noticiou que a nova catedral seguiria o exemplo de igrejas
modernas, reservando um lugar para um ossário174. “Esta medida além de dar lugar digno aos
restos mortais de nossos entes queridos ajudará a solucionar o problema de espaço do nosso
cemitério e também conseguir base financeira para num espaço de tempo mais breve possível
concluir as obras da nossa moderna Catedral”.175 Nesta conjuntura, ao final do ano de 1970, o
título de Cidadão Erechinense foi entregue ao padre Benjamin Busato.176
Em 1971, diversas foram as notícias sobre a nova diocese. A maioria anunciava a sua
criação, comunicava tramitações que aconteciam para sua concretização ou traziam
informações sobre como funcionaria. No dia 3 de junho, na primeira página, A Voz da Serra
anuncia oficialmente a criação de três dioceses no Rio Grande do Sul: a de Cruz Alta,
Erechim e Rio Grande, desmembradas respectivamente de Santa Maria, Passo Fundo e
Pelotas. Também anuncia que Dom João Aloysio Hofmann, bispo de Frederico Wetsphalen,
foi designado para ser primeiro bispo de Erechim, devendo estar em Erechim no dia 4 de
julho.
De acordo com a edição do jornal, a notícia foi recebida com alegria pela comunidade,
que esperava há anos pelo acontecimento. A nova diocese de Erechim desmembrada da de
Passo Fundo, compreendia na época, 14 municípios: Erechim, Getúlio Vargas, Campinas do
Sul, Jacutinga, Barão de Cotegipe, São Valentim, Erval Grande, Itatiba, Aratiba, Gaurama,
172
Idem.
173
CARRARO, Estevam. Matriz Desaparecerá definitivamente. A Voz da Serra, Erechim, 30 de junho de 1970,
p. 1.
174
Compartimentos onde se guardam os ossos humanos.
175
CARRARO, Estevam. Na Catedral os Restos de Nossos Mortos. A Voz da Serra, Erechim, 27 de outubro de
1970, p. 1.
176
O padre Benjamin Busato, foi quem construiu a Igreja Matriz São José, agora demolida, as bases do Hospital
de Caridade, da Associação Comercial, da Associação Rural. Sua atuação foi uma das mais destacadas no
povoado que recém estava formando-se e que hoje constitui-se Erechim. Quando dos festejos do cinquentenário
de nosso Município, publicou o padre Benjamin Busato, livro “Meu Erechim Cinquentão”, onde em crônicas,
relata aspectos da formação deste Município, no correr da máquina deixando as gerações futuras, o que foi a
formação do nosso Erechim. Ver: A Voz da Serra, Erechim, 8 de dezembro de 1970, p.1.
101
177
CARRARO, Geder. Criada a Diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 3 de junho de 1971, p. 1.
178
CARRARO, Geder. Reunião da Comissão pró-Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 8 de junho de 1971, p. 1.
179
CARRARO, Geder. A criação da diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 20 de junho de 1971, p. 1.
180
CARRARO, Geder. O que é uma diocese. A Voz da Serra, Erechim, 22 de junho de 1971, p. 1.
102
unida ao seu pastor e por êle congregada no Espírito Santo mediante o Evangelho e a
Eucaristia, constitua uma Igreja particular, na qual verdadeiramente está e opera a Uma Santa
Católica e Apostólica Igreja de Cristo.”181 No dia 27 do mesmo mês, outro artigo aborda a
função do bispo em uma Diocese.182
Na segunda página do dia 1º de julho de 1971, com o título de “Uma Diocese nossa”, é
exposta a missão de Erechim como diocese, enfatizando que “cada diocese deve ter sua
marca, seus valores e fundamentos”, como já introduzido em outras publicações de 1970. De
acordo com o texto, para a comunidade erechinense, a diocese significava novas iniciativas
em diversos campos, assim como uma contínua “busca dentro do cristianismo”, inserido na
própria realidade da região do Alto Uruguai. “A presença da Igreja não é para competir com
ninguém mas para trazer a tôdas as coisas a complementação cristã, de que tôdas necessitam e
que lhes dá um sentido mais completo e verdadeiro”.183
Complementando a matéria que veio esclarecer as funções e a importância do bispo,
na sequência é publicada outra discutindo a responsabilidade da comunidade na diocese,
assim como a organização diocesana, os religiosos, os presbíteros (padres) e transmissão da
fé.184 No dia 13 de julho, A Voz da Serra traz uma reflexão mais abrangente:
Muitos esperam que a nova diocese vai se constituir num impulso muito grande para
o progresso da nossa cidade. A presença do bispo seria uma forte mão na roda para
tocar adiante as aspirações da região. A partir da diocese iriam deslanchar muitas
realizações, e o ritmo do nosso crescimento seria bem mais rápido. Esta esperança
tem aliás bom fundamento. Baseia-se no fato de que a presença da Igreja promove
não só o progresso espiritual, mas impele também para o desenvolvimento
econômico e social.185
181
Idem.
182
CARRARO, Geder. O Bispo na Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 27 de junho de 1971, p. 1.
183
CARRARO, Geder. Uma diocese nossa. A Voz da Serra, Erechim, 1º de julho de 1971, p. 2.
184
CARRARO, Geder. As fôrças vivas da Diocese. A Voz da Serra, Erechim, 4 de julho de 1971, p. 4.
185
CARRARO, Geder. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1971, p. 1.
103
homenagem solene na Câmara. De acordo com a imprensa, 200 mil pessoas aguardavam esse
momento histórico.186
A edição que noticiou a posse do bispo, iniciou com o trecho de “Uma Profecia”,
crônica de Chico Tasso que escreve de maneira literária sobre uma visita de Dom Áttico
Eusébio da Rocha, bispo de Santa Maria à Erechim por volta de 1926, quando Erechim ainda
possuía a maioria de suas casas em madeira e não havia luz elétrica nem pavimentação, assim
como a igreja São José ainda era apenas um casarão de madeira. Nesse dia, segundo ele, o
bispo diz: “Boa Vista terra de venturas! Estou vendo o teu futuro, grande cidade, importante
bispado.” Logo abaixo, outra nota intitulada “A Criação da Diocese”:
Dessa forma, o texto induz a reflexão de que Igreja e desenvolvimento andam sempre
juntos. Na mesma página também são especificadas as congregações religiosas existentes na
Diocese de Erechim com seus respectivos campos de atividade. São elas:
Congregação das irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora;
I. União das Cônegas regulares de Santo Agostinho – Congregação de Nossa
Senhora;
II. Instituto das Irmãs da Consolata para missões estrangeiras;
III. Congregação das irmãs Franciscanas da Sagrada Família de Maria;
IV. Sociedade das filhas da caridade de São Vicente de Paula;
V. Congregação das irmãs de São José;
VI. Congratulação das irmãs dos Santos Anjos;
VII. Congregação das Irmãs Pastorinhas – Catequistas;
VIII. Irmãos Marista;
IX. Padres dos Instituto Missões de Consolata;
X. Padres de Nossa Senhora de Salete;
Em anexo, segue uma tabela especificando as paróquias da nova diocese na época da
sua criação188. Ainda na edição especial de 1º de agosto do A Voz da Serra, foram relatadas as
186
CARRARO, Geder. Região terá Bispado Domingo. A Voz da Serra, Erechim, 27 de julho de 1971, p. 1.
187
CARRARO, Geder. Edição especial – Posse do Bispo. A Voz da Serra, Erechim, 1º de agosto de 1971, p. 1.
188
As cidades também estão com seus nomes da época, algumas delas mudaram de nome, como Estação Getúlio
Vargas que hoje é apenas Estação.
104
189
Ibidem, p. 3.
190
O Conselho Aministrativo era composto por Dr. Gladstone Osório Mársico, Eolo Arioli, Dr. Almiro
Badalotti, Dr. Clóvis Pagnoncelli, Oscar Abal, Narciso Passuello, Renato Caron, Dr. Paulo Dias Fernandes,
Heitor Carlon, Arnaldo Zordan, Natalin Desordi, Pedro Fávero, Roberto Zaffari, Jaime Lago, Rovilo José
Meneguzzo, e Hilario Munaretto (A Voz da Serra, Erechim, 5 de setembro de 1971, p.1).
191
Ibidem, p. 1.
105
192
CARRARO, Geder. A Romaria de Fátima e a Diocese de Erechim. A Voz da Serra, Erechim, 3 de outubro de
1971, p. 2.
193
CARRARO, Geder. 20ª Romaria de Fátima. A Voz da Serra, Erechim, 10 de outubro de 1971, p. 2.
194
A Lei Municipal nº 3.409 de 31 de outubro de 2001 declara a Romaria de Nossa Senhora de Fátima como
bem imaterial integrante do patrimônio cultural de Erechim.
106
195
CARRARO, Geder. Campanha do Telhado. A Voz da Serra, Erechim, 28 de dezembro de 1971, p. 1.
107
As obras da Catedral continuam em ritmo acelerado neste fim de ano. Espera-se para
esta semana a vinda do técnico da Sul Metal – Estruturas Metálicas para orientar os
trabalhos de colocação dos ferros de esfera do telhado para após ser concretada a
viga de acabamento da cobertura. Dois motivos provocaram um pequeno atraso nos
trabalhos: as chuvas constantes que se fizeram sentir nos últimos meses, e o atraso
da própria firma Sul Metal em fornecer o material comprado.197
196
CARRARO, Geder. Perigo na construção da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 23 de março de 1972, p. 1.
197
CARRARO, Geder. Obras da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 30 de novembro de 1972, p. 1.
108
198
CARRARO, Geder. Obras da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 5 de dezembro de 1972, p. 2.
199
CARRARO, Geder; HOFFMANN, João Aloysio. Entrevista da Semana – Dom João Aloysio Hoffmann. A
Voz da Serra, Erechim, 20 de maio de 1973, p. 3.
109
200
CARRARO, Geder. Catedral São José - Entrega de Carteiras de Identificação. A Voz da Serra, Erechim, 29
de julho de 1973, p. 1.
110
daria em 1974.201 Em maio do mesmo ano, é noticiado pelo mesmo jornal que os erechinenses
podem concluir em breve sua catedral. Porém, como será abordado a seguir, isso só acontece
oficialmente no ano de 1977.
Como referido anteriormente, em janeiro de 1969, foi iniciada a demolição da antiga
igreja São José e iniciada a construção da nova catedral diocesana, projetada pelo engenheiro
Plínio Totta e tendo como responsável pela sua execução o engenheiro Almiro Badalotti. Em
1974, a obra atingia a fase de acabamentos, conforme foi noticiado:
De acordo com o artigo, a diretoria da catedral seguia estudando um novo plano para
angariar fundos, colocado em prática assim que a campanha “de Todos Nós” terminasse.
Meses depois, é publicada na capa do A Voz da Serra a imagem da torre frontal sendo
executada, como pode ser visto na figura 28.
201
CARRARO, Geder. Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 3 de fevereiro de 1974, p. 1.
202
CARRARO, Geder. Erechinenses podem concluir em breve sua Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 26 de
maio de 1974, p. 5.
112
203
CARRARO, Geder. A Catedral que cresce. A Voz da Serra, Erechim, 12 de novembro de 1974, p. 7.
113
Após um período sem notícias da catedral, ela volta a ser assunto de pauta no ano
seguinte, com foco na decoração da construção. No artigo, se descreve que a catedral, “uma
das mais belas obras arquitetônicas da cidade”, é “imponente na simplicidade dos lineamentos
que lhe esboçam o talhe”, e estava na etapa dos acabamentos e decorações internas.
204
CARRARO, Geder. Decoração da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 18 de março de 1976, p. 1.
114
A matéria visa relatar com o máximo de detalhes a decoração interna, que anunciava
ser “encantadora”. Os três painéis primeiramente descritos teriam “grandes dimensões”, e os
demais “um pouco menores, aproximadamente 4 x 2 metros”. Essa descrição demonstra a
intenção de exaltar as qualidades que a catedral iria dispor à população. Seguindo a ordem
cronológica, no mês seguinte, há a ocorrência de notícias sobre a restauração do prédio
histórico do Castelinho205 e sobre a ampliação do Barão do Rio Branco, em anexo à Igreja
Episcopal.206
Finalmente, no ano de 1977 deu-se a conclusão da catedral São José. Porém, no mês
de abril, A Voz da Serra abre espaço para a divulgação de uma carta recebida com destino à
seção Correio do Leitor do Correio do Povo, da capital do Estado. Constando o seguinte:
A redação finaliza o artigo com uma nota, expressando que “naturalmente esse leitor
não teve oportunidade de visitar nossa Catedral, por dentro. Se o tivesse feito, poderia
acrescentar que é uma das mais belas que provavelmente, já terá tido ocasião de admirar”.208
Na edição especial do aniversário de Erechim, o clima da reportagem de A Voz da Serra é de
boas-vindas a nova catedral: “A bênção, Erexim.”
Ah, como era bom o tempo dos namoros na praça, das missas das dez, das cadeiras
na calçada, dos encontros políticos no bar da esquina, dos bailes de gala, das
serenatas para as moças bonitas, das roupas novas de domingo.
205
CARRARO, Geder. Restauração de prédio Histórico. A Voz da Serra, Erechim, 6 de abril de 1976, p. 1.
206
CARRARO, Geder. Ampliação do Barão do Rio Branco. A Voz da Serra, Erechim, 10 de abril de 1976, p. 1.
207
CARRARO, Geder; Nossa Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1977, p. 3.
208
Idem.
115
Hoje, olho pra ti e continuas linda, a mesma branca e pura cidadezinha da minha
infância.
Um pouco cansada, talvez, pelo progresso que já começa a correr em tuas ruas,
como sangue quente nas veias.
Hoje, paro em frente ao espelho e vejo que daquele piá levado, daquele jovem
intelectual e namorador, ficou a imagem de um marido mimado, um pai camarada,
um avô bonachão e muito sonhador.
Passeio pelas tuas ruas e é como se abrissem seus braços pra me abençoar.
Obrigado, minha pequena musa encantada, por teres me guiado pela vida afora.
A bênção, minha cidade (grifo nosso).209
209
CARRARO, Geder; A bênção Erexim. A Voz da Serra, Erechim, Edição especial 1977, p. 1.
210
CARRARO, Geder; Inauguração da Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 10 de maio de 1977, p. 1.
211
CARRARO, Geder; Festa na Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 12 de maio de 1977, p. 1.
212
CARRARO, Geder; Deus é sempre o mesmo ainda que em casa nova. A Voz da Serra, Erechim, 14 de maio
de 1977, p. 1.
116
Quando nos foi confiada a diocese no dia 1º de agosto de 1971, apenas a cripta
estava pronta e serviu até agora de catedral provisória. Reconhecemos todos que a
humilde cripta oferecia um ambiente aconchegante e sua penumbra convidava a
todos para o recolhimento, o encontro pessoal com Deus e uma participação
efetivamente comunitária no culto.213
Que a Catedral, agora acabada, nos lembre a tarefa diária de construirmos o nosso
templo espiritual, a nossa vida cristã de acordo com as palavras do Senhor: “Sede
perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.
Muitos sacrifícios exigiu a construção do templo material muitos exige também a
edificação do templo espiritual.
Sirva-nos de exemplo e de estímulo o famoso artista Aristarch, que mesmo sem
mãos e com uma só vista, soube por assim dizer, espiritualizar internamente as
paredes de material de nossa Catedral. Louvemos o Senhor por mais este benefício
com que nos agraciou.215
o apoio de todos, a qual iria engrandecer “louvando a Deus, ao mesmo tempo notabiliza ainda
mais, nossa cidade”.216
A análise detalhada do contexto da demolição nos permite agrupar uma série de
detalhes que configuram o desfecho do acontecimento. A questão do tamanho da matriz,
considerado pequeno pela paróquia São José, que já se ressentia de um santuário maior, e que
passou a julgar ainda mais necessária a construção de uma catedral mais ampla e moderna
quando moveu-se a empenhar-se na tentativa de elevação ao bispado. Outra questão alegada
pela igreja São José era a segurança dos frequentadores das missas. Certamente a matriz
necessitava uma reforma, algo natural para o tempo de uso, porém as fontes informam que o
problema maior era o forro interno que ameaçava cair, que após trocado não ofereceria mais
perigos, e o reboco externo, que precisava de reparos.
O apoio da imprensa foi decisivo na conclusão da intervenção, que requeria o apoio da
população para a realização do empreendimento. Além disso, nas entrelinhas das narrativas é
possível perceber que o acontecimento foi muito mais tenso do que a imprensa quis deixar
transparecer. A denúncia de que a iniciativa seria interesse de capitalistas, levanta a
possibilidade de que a mesma não fosse o desejo geral da população, entretanto em fontes,
nada foi comprovado.
O jornal emprega diversas vezes o termo “modernização” e “moderno”, utilizando da
onda de modernidade representada pelo modernismo para incitar e persuadir a população,
criando uma atmosfera positiva em relação ao novo, ao moderno, idealizando uma situação
onde Erechim conquistaria reconhecimento e destaque através do sucedido. Fica subentendido
também que a população, inclusive a comunidade católica, não tinha real conhecimento das
temáticas da Igreja, tampouco sobre o que viria a ser uma diocese. Nesse sentido, o jornal fez
o papel informativo, através de uma coluna publicada semanalmente, escrita por membros da
Igreja. O periódico deu argumentação à demolição e lidou de maneira imparcial somente
quando permitiu as publicações dos insatisfeitos, porém, reiteradamente tentou mostrar o lado
positivo do evento aos descontentes, sempre apoiando a demolição. Devemos levar em
consideração que essas posturas também podem ter sido uma estratégia, aparentando uma
falsa imparcialidade da imprensa.
216
CARRARO, Geder; Inaugurada a Catedral. A Voz da Serra, Erechim, 19 de maio de 1977, p. 1.
3. Ecos da demolição
217
CARRARO, Estevam. Igreja matriz desaparecerá. A Voz da Serra, Erechim, 29 de junho de 1969, p. 1.
218
CARRARO, Estevam. Uma surge – outra desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 20 de julho de 1969, p. 1.
119
O verbo desaparecer tem por definição sair da vista ou da presença. Ocultar-se; Fugir,
abalar; Sumir-se; Levar descaminho; Morrer; Apagar-se, ofuscar-se. Esses termos, carregados
de sentidos em confronto e diálogo com a memória, evidenciam a ânsia de extinguir para
sempre qualquer indício da matriz. Na tentativa de compreender a questão da
representatividade da matriz na memória de Erechim, é necessário que busquemos discutir
alguns conceitos:
[...] Nesse sentido primeiro, chamar-se-á monumento tudo o que for edificado por
uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de
pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. A especificidade
do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória. Não
apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que
lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse o presente. Mas esse passado
invocado, convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é
localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que se pode, de forma direta,
contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica ou
religiosa, nacional, tribal ou familiar (CHOAY, 2001, p. 18, grifo nosso).
[...] ela [a memória] não é inteiramente isolada e fechada. [...]. Ela se reporta a
pontos de referência que existem fora dela e que são fixados pela sociedade. Mais
ainda, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses
instrumentos que são as palavras e as ideias que o indivíduo não inventou e que
emprestou de seu meio (HALBWACHS, 1990, p. 54).
A memória de uma sociedade estende-se até onde acerca a memória dos grupos dos
quais ela é composta. Existem muitas memórias coletivas, mas não podem existir muitas
histórias.
A história não é todo o passado, mas também não é tudo aquilo que resta do
passado. Ou, se quisermos, ao lado de uma história escrita, há uma história viva que
se perpetua ou se renova através do tempo e onde é possível encontrar um grande
121
número dessas correntes antigas que haviam desaparecido somente na aparência. [...]
(HALBWACHS, 1990, p. 67).
A memória tem dupla essência: além de ser um conjunto de lembranças e de imagens,
ela pode ser também considerada um conjunto de representações associadas a valores e
normas de comportamento. Porém essa passagem do primeiro ao segundo nível não é
automática, sendo que o aspecto dos valores e das representações ganha significados
profundos na esfera da família, da religião e das classes sociais (TEDESCO, 2001, p. 26). As
memórias individuais, e posteriormente coletivas, partirão desses aspectos selecionados
dentro do âmbito familiar, e sucessivamente sociais. A história da demolição da matriz,
possivelmente foi recontada no ambiente familiar dos envolvidos no acontecimento na década
de 1970, por exemplo, assim como nunca se ouviu falar a respeito em outros lares. Posterior a
esse primeiro contato, é no contexto social que essas memórias poderão ou não se amparar e
fixar. Reiterando, o trabalho da memória é, portanto, ao mesmo tempo de reconstrução e de
esquecimento, dependendo dos grupos que estiverem envolvidos, assim como outros fatores,
como a temporalidade.
Nesse horizonte do esquecimento e da reconstrução grupal da memória apresentam-se
conflitos na hierarquização e legitimação das memórias. Aí entra a importância do simbólico
(religioso, histórico, social), na determinação de memórias dominantes/dominadas, de
memórias inseridas e expulsas, da valorização e desvalorização de memória (TEDESCO,
2001, p. 30). É a memória de um grupo que conserva sua unidade, pois representa o tempo
que passa com um presente que dura. O grupo reconstrói a diversidade de suas experiências
em uma identidade de si.
219
A concepção ruskiniana da arte foi marcada simultaneamente por uma educação estética exemplar, que
abrangia o conhecimento direto das obras-primas europeias da pintura e da arquitetura. A crítica da arquitetura
contemporânea leva Ruskin inevitavelmente à crítica da sociedade vitoriana, inorgânica, desintegrada,
incoerente. Ruskin analisa impiedosamente as consequências do sistema industrial e a decadência do trabalho
humano que, baseado em noções de lucro e de produção, deixou de ser a realização de uma função vital (Cf.
CHOAY, 2005).
123
sua vasta gama estilística de suas arquiteturas e seus espaços. Para Choay, “arquiteturas e
espaços não devem ser fixados por uma ideia de conservação intransigente, mas sim manter
sua dinâmica” (2001, p. 16).
220
MACIEL, Iná. Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
221
OLUZAN. É melhor chorar agora do que chorar depois. A Voz da Serra, Erechim, 13 de julho de 1969, p. 3.
124
tipos de vida social que poderiam ser abrigados nas diversas modalidades de formações
urbanas (BARROS, 2007, p. 9). No campo mais específico do urbanismo, as primeiras obras
preocupadas simultaneamente com a forma, a funcionalidade e seus desdobramentos sociais
começam a surgir no século XIX.
Havia, é claro, os tratados renascentistas que, desde o século XV, propunham agir
sobre a vida citadina através de uma ação sobre o espaço urbano que considerasse as
suas necessidades econômicas e sociais, e aqui, nas teorizações destes arquitetos
renascentistas, já encontraremos os primeiros esforços de concretizar uma
verdadeira arte urbana. Mas um campo de estudos que começa a analisar a cidade
como um espaço que corresponde a um viver próprio que é passível de ser estudado
mais sistematicamente sob o ponto de vista das ciências sociais, aliás em formação
eis aqui uma contribuição mais específica que só poderia ser trazida pelo século
XIX, simultaneamente contra o pano de fundo dos novos sabedores especializados
que então surgiam e da própria centralidade que um mundo urbano em vias de se
superpovoar passava a ocupar nos destinos humanos com a emergência das
sociedades industriais (BARROS, 2007, p. 10).
Jan Gehl222, em seu livro Cidade para pessoas, discorre sobre o crescimento repentino
e massificado das cidades com o auxílio da industrialização, o qual gerou uma mudança de
paradigma, principalmente em torno de 1960: de forma repentina, as cidades deixaram de ser
construídas a partir das pessoas e a preocupação passou a ser em direção às construções. A
escala dos projetos se transformou, e tudo passou a ser visto de cima, ao sobrevoar a cidade,
enquanto que o que acontecia no andar terrestre deixou de ser prioridade, quando essa
importância não foi notada. O autor chama esse fenômeno de A síndrome de Brasília, quando
uma cidade parece adequada vista do avião ou do helicóptero, mas que lá em baixo, entre os
prédios e ruas movimentadas, não é saudável. Sobre um estilo de arquitetura que privilegia a
forma, Gehl destaca que a boa arquitetura não é sobre a forma, mas sim sobre a interação
entre a vida e a forma, mas como essas interações tem inúmeros desdobramentos e o seu
estudo é mais complexo, acaba que a forma prevalece como fundamento nas faculdades de
arquitetura, deixando a vida e o cotidiano de lado.
222
Jan Gehl é um arquiteto e urbanista dinamarquês que nasceu em Copenhague em 17 de setembro de 1936,
professor universitário aposentado e consultor, cuja carreira foi construída com base no princípio de melhorar a
qualidade de vida urbana através da reorientação do planejamento urbano em favor de pedestres e ciclistas.
Crítico do modernismo, estudou por mais de 40 anos sobre a escala humana e a interação urbana. Fonte da
entrevista com Jan Gehl: http://www.fronteiras.com/entrevistas/jan-gehl
126
Inicialmente, entre espaço e lugar, coloco uma distinção que delimitará um campo.
Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas
relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade, para duas
coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do „próprio‟: os elementos
considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio”
e distinto que define. Um lugar é, portanto, uma configuração instantânea de
posições (CERTEAU, 1994, p. 201).
127
sociais. Os gestos do caminhar urbano muitas vezes passam despercebidos pelo olhar das
pessoas, pois “cada movimento é único” e traduz algo a ser observado somente pela ótica
daqueles que subvertem a ordem do caminhar frenético da vida agitada. Esses aspectos nos
revelam que os significados sobre a demolição da matriz também podem variar para os
sujeitos.
A rua onde se mora é parte da experiência íntima de cada um. A unidade maior, o
bairro, é um conceito. O sentimento que se tem pela esquina da rua local não se
expande automaticamente com o passar do tempo até atingir todo o bairro. O
conceito depende da experiência, porém não é uma consequência inevitável da
experiência. O conceito pode ser deduzido e esclarecido por meio de perguntas,
dirigidas primeiro para o concreto e depois para o mais abstrato (TUAN, 2013, p.
208).
moças bonitas, das roupas novas de domingo”.223 Esses costumes criaram o imaginário e a
identidade do lugar, espaço ocupado pela matriz.
De acordo com Baczko, o imaginário social é uma das forças reguladoras da vida
coletiva, porque de acordo com ele, uma coletividade designa sua identidade, elabora uma
determinada representação de si, estabelece a distribuição de papéis e das posições sociais,
exprime e impõe crenças comuns e compõe uma espécie de código de comportamento,
construindo o código do modo de vida urbano (BACZKO, 1985, p. 309). Além disso,
O homem, na sua qualidade de ser sensível, é muito menos guiado por princípios
generosos do que por “objetos imponentes, imagens chamativas, grandes
espectáculos, emoções fortes”. Sendo esta “nova consideração” rigorosamente
aplicável aos indivíduos, é – o ainda mais “as nações encaradas no seu conjunto”.
Assim o poder deve apoderar-se do controle dos meios que formam e guiam a
imaginação colectiva. (BACZKO, 1985, p. 302)
223
CARRARO, Geder; A Voz da Serra, Erechim, Edição Especial, 1977, p. 1.
130
2005, p. 17). A perda referencial da matriz, no âmbito dos usos e sentidos, mas também, no
histórico e identitário, confrontou-se com o imaginário de uma Erechim “moderna”,
constituinte dos ideais dos imigrantes, identificáveis nos discursos de projeção e expectativa
da cidade, desde o início do século XX, como exposto no primeiro capítulo desse estudo.
224
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
131
reconhece como patrimônio, enquanto outra parte não tem conhecimento da sua existência.
Isso evidencia como as informações repassadas sofrem seleções que alteram os usos da
memória.
Por várias razões a dimensão política emerge como um dos principais definidores da
cidade. Por um lado, sem demérito das lutas camponesas, a cidade é a principal sede
das lutas sociais. Por outro lado, ela é obrigatoriamente sede de poderes políticos:
necessariamente irá abrigar poderes municipais, e eventualmente será também a sede
de poderes estatais mais amplos. O papel de centralidade que ela assume em relação
a toda uma região limítrofe, ao campo circundante, a uma rede de cidades menores
ou dependentes – daí emerge uma terceira série de relações políticas e de poderes
que se instalam no recinto urbano, sob a forma de “dominâncias metropolitanas”.
Por fim, a cidade é lugar de uma multiplicidade de poderes e micropoderes que não
necessariamente se expressam por meio de instituições governamentais, mas que em
todo o caso se refletem nas formas complexas mediante as quais se organiza a
sociabilidade urbana (BARROS, 2007, p. 63).
Como já visto nos capítulos anteriores, no caso da cidade de Erechim se verifica que
essa influência política colaborou na formação e na transformação da paisagem, além do
interesse individual e coletivo. Ademais, entende-se que a arquitetura é por natureza coletiva,
“como uma criação inseparável da vida civil e da sociedade em que se manifesta” (ROSSI,
2001, p. 1).
225
Idem.
133
Mas, com o tempo, a cidade cresce sobre si mesma, adquire consciência e memória
de si mesma. Na sua construção, permanecem os motivos originais, mas
simultaneamente, a cidade torna mais precisos e modifica os motivos de seu
desenvolvimento (ROSSI, 2001, p. 2).
Retomando o texto de Dico, identifica-se que havia outra polêmica referente a decisão
de demolir, o que seria “um acordo entre capitalistas”.227 No jornal do dia 13 de julho, se
pronuncia que “muitos esperam que a nova diocese vai se constituir num impulso muito
grande para o progresso da nossa cidade”, onde argumenta que o desenvolvimento justifica o
feito, alegando que a partir da criação da diocese, sucederiam muitas realizações, em ritmo
acelerado e crescente.
A informação de que “baseia-se no fato de que a presença da Igreja promove não só o
progresso espiritual, mas impele também para o desenvolvimento econômico e social”228
aparenta tratar-se de uma decisão vertical, compartilhada entre membros da Igreja com os
“capitalistas da cidade” (nesse sentido seriam os cidadãos a favor do desenvolvimento,
possivelmente empresários, empreendedores etc.). Segundo as fontes, inclusive descritas no
segundo capítulo, integrantes da Igreja já haviam contratado o arquiteto para o projeto da
226
CARRARO, Geder; A bênção Erexim. A Voz da Serra, Erechim, Edição especial 1977, p. 1.
227
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
228
Idem.
134
catedral tempos antes de consultar a população, o que demarca ainda mais essa verticalização.
Dico ainda tenta persuadir a população sobre as possíveis especulações sobre os interesses
capitalistas:
Gente! O que nós precisamos é um bocado de sensatez. A velha Matriz não está
sendo demolida pelo belo prazer de vermos edificado um novo templo, para vermos
uma Erechim com seus prédios com as mais belas linhas arquitetônicas. Ela está
sendo demolida por uma necessidade premente. Não um plano de meia dúzia, não é
compra de um capitalista.229
O espaço simbólico ocupado pela igreja foi peça fundamental na questão da catedral.
Tem-se conhecimento de que o espaço em frente à matriz era constantemente utilizado pela
população. A prática do footing, denominação dada ao hábito de passear após a missa matinal
de domingo, oportunidade de encontro social, atividade normalmente realizada por famílias e
jovens solteiros, abandonada após a construção da catedral, demonstra que houve uma
alteração no uso do espaço. Do ponto de vista social, é comum as comunidades
transformarem seus espaços de prática religiosa em patrimônio, como sinal de pertença a um
lugar. Patrimônio este, responsável muitas vezes pela afeição de pessoas e também pelo
desenvolvimento econômico dessa(s) localidade(s) referente(s) a esse patrimônio. Além da
motivação religiosa, relações sociais como o footing ocorriam no entorno do edifício da igreja
matriz, o que sugere um envolvimento coletivo ainda mais significativo com o espaço
inserido (Cf. PRESTES, 2012, p. 127).
A apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das
interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que as produzem. Assim, voltar a atenção para as
condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações
de produção do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também)
é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências
nem as idéias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que
as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou
fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias
históricas (CHARTIER, 1991, p. 179).
229
Ibidem, p. 3.
135
processos com os quais se constrói um sentido. Para isso, tem-se que ter em conta as
especificidades do espaço próprio das práticas culturais. Somente assim é possível
compreender as práticas, “complexas, múltiplas, diferenciadas, que constroem o mundo como
representação”.
(...) as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir
uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um
estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas em
virtude das quais "representantes" (instâncias coletivas ou indivíduos
singulares) marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da
comunidade ou da classe (CHARTIER, 1991, p. 183).
A memória coletiva foi relevantemente ameaçada nas lutas pelo poder entre as
forças sociais, e ter o controle do esquecimento e da memória é uma das principais
apreensões dos grupos ou indivíduos que tiveram e tem o domínio das “sociedades
históricas” (LE GOFF, 1990, p. 427)
Por seu caráter social, esta memória pode ser obtida, também, nas coisas materiais que
compõe o espólio de sua comunidade, em objetos, hinos, expressões de linguagem,
expressões artísticas e culturais, monumentos e, talvez, o que mais se sobressaia devido ao seu
volume, perenidade e fácil identificação por um maior número de indivíduos na arquitetura e
na paisagem.
Essas disputas simbólicas constituem uma “teia de relações de poder invisíveis” e de
disputas pelo poder simbólico. Pierre Bordieu (1989, p. 7) definiu o “poder simbólico como o
poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Ainda segundo o autor,
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação
sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito
específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário (Idem, p. 14).
136
Desse modo, foi desvalidado o contra-argumento de que a catedral poderia ter sido
construída em outro local da cidade. A manutenção da presença, poder e referência da igreja
católica deveria manter-se no ponto nodal de Erechim.
138
Por diversas vezes, no decorrer do processo da demolição e com ênfase na edição que
antecedeu a sua primeira celebração religiosa oficial, o jornal A Voz da Serra ressalta a
importância do bispado, além do “trabalho de instrução ao povo”.230 No caso da demolição da
matriz, o processo notabiliza a força do poder religioso, mesmo que sua comissão fosse
composta por diversos integrantes da comunidade, e que o feito acabou almejado pela grande
maioria.
230
CARRARO, Geder. Edição especial – Posse do Bispo. A Voz da Serra, Erechim, 1º de agosto de 1971, p. 1.
139
231
CARRARO, Geder; Deus é sempre o mesmo ainda que em casa nova. A Voz da Serra, Erechim, 14 de maio
de 1977, p. 1.
232
CARRARO, Estevam. Uma surge – outra desaparece. A Voz da Serra, Erechim, 20 de julho de 1969, p. 1.
140
de substituição. Fica evidente, através das narrativas do jornal, uma busca pelo
desenvolvimento, que sempre envolvia e instigava a população.
233
CARRARO, Estevam. Campanha do otimismo: capital do Alto Uruguai. A Voz da Serra, Erechim, 27 de
julho de 1969, p. 1.
234
TRENTIN apud CARRARO, Estevam. Campanha do otimismo: capital do Alto Uruguai. A Voz da Serra,
Erechim, 27 de julho de 1969, p. 1.
141
Hoje que a arquitetura moderna está sendo interpretada novamente como um estilo
entre os outros, é preciso, ao contrário, reconhecer no “funcionalismo” de cinquenta
anos atrás a tentativa (parcial e questionável) de reivindicar a integridade da
experiência ambiental, onde valores de uso e valores de contemplação devem voltar
a coincidir como no passado.
Mies van der Rohe chegou a citar uma frase atribuída a Santo Agostinho: “O belo é
o esplendor do verdadeiro”. A gente comum pensa do mesmo modo e não está
absolutamente interessada na distinção entre o belo e o útil: procura um bom sapato,
uma boa casa, um bom bairro, onde “bom” significa simultaneamente cômodo, bem
construído, agradável de se ver e a um preço razoável. (Mies dizia: “Não quero ser
interessante, quero ser bom”.) Nos países de tradição não europeia, como o Japão,
não existem palavras diferentes para indicar a beleza e a utilidade como exigências
separadas (BENEVOLO, 1991, p. 56, grifo do autor).
Essa oposição entre os estilos barroco e moderno, assim como a matriz e a catedral,
revela os sentimentos afetivos muitas vezes evidenciados nos textos do jornal, confirmando
que o estilo barroco, no caso da matriz, neobarroco, traz sutilezas e o acolhimento desejado
por um templo, que ao contrário da catedral, por suas formas retas e funcionais, pode vir a
repelir e afastar.
142
Ainda que o estilo barroco assumisse características distintas de um país para o outro –
bem como nas suas expressões neobarrocas -, seus princípios estéticos de ornamentação,
dramaticidade e emoção, perpetuaram. A aspiração religiosa foi representada num diálogo
entre a edificação, as figura sagrada e o espectador. Esta corrente, ascendente e descendente,
teve o edifício como mediador através de formas envolventes e “acolhedoras” (MARAVALL,
1997). Conceitos antagônicos são expressos pela arquitetura modernista, de linhas e ângulos
retos, espaços balizados e certa impassibilidade.
A arte e a arquitetura buscam visibilidade. São tentativas de dar forma sensível aos
estados de espírito, sentimentos e ritmos da vida diária. A maioria dos lugares não
são criações deliberadas, eles são construídos para satisfazer necessidades práticas.
(TUAN, 2013, p. 204).
O Jornal A Voz da Serra publicou a nota sobre a substituição dos templos de Erechim
que foi veiculada no Correio do Povo, periódico da capital, o qual lamentou o feito, surpreso
pela população ter assistido a consumação da demolição: “Num país onde as cidades fazem
por esquecer o seu passado, perdem a sua perspectiva histórica, tenha o povo da velha Colônia
de Paiol Grande assistido passivamente a sua destruição, trocando a velha Matriz de linhas
clássicas, carregada das lembranças dos seus velhos colonizadores, por uma construção
comum, sem beleza”.235 De acordo com esse artigo, do autor identificado como Fernando
Freire, a catedral se parece “um misto de garagem e de supermercado, na qual, se não
existisse uma cruz vazada no frontispício, não se saberia que era uma casa estimada ao culto
de Deus”.236
Essas características expõem a impessoalidade de obra, que dentro dos princípios do
modernismo, desfavorecem a sensibilidade, priorizando apenas a funcionalidade e os
materiais. O autor ainda prossegue: “É claro que presentemente, não iríamos nos bater pela
construção de uma catedral em estilo gótico ou renascentista, porém, pôr abaixo o que é belo,
o que lá existia, é o cúmulo da insensibilidade”237, consciente de que o modernismo era o
estilo adotado nas principais obras de destaque do contemporâneo, porém inconformado de
que a obra não atingiu a beleza própria do caráter modernista.
Mesmo assim, nota-se que o jornal insiste enaltecendo o feito, onde na edição de
inauguração da catedral publicou: “Para os modernistas, aí está o monumento atual, que fala
235
CARRARO, Geder. Nossa Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1977, p. 3.
236
FREIRE, Fernando apud CARRARO, Geder. Nossa Matriz. A Voz da Serra, Erechim, 16 de abril de 1977, p.
3.
237
Idem.
143
bem alto, de nossa capacidade criadora, do que podemos legar aos nossos pósteros.”238 No
mesmo sentido e espírito modernizador, se dava o diálogo de Dico, em 1969, que diz:
Portanto amigos, unamo-nos aos idealizadores, não com comentários e críticas mas
sim com a nossa colaboração e incentivo para que em pouco tempo possamos ver de
pé aquilo que chamaremos de CATEDRAL, é uma obra prima arquitetônica de
nossa época, e assim possamos no futuro dizer aos nossos filhos e netos que aquilos
que êles estão vendo foi construído pelos seus pais (grifo do autor).239
(...) a substituição de diversas igrejas antigas no Brasil por novos templos durante
esse período teria sido impulsionada pela crença na eficácia da técnica como
elemento instaurador de modernidade. E também seria promovida pela marca
“cristocentrista” sustentada pelo Movimento Litúrgico, possibilitando o diálogo
entre a Igreja católica e os arquitetos modernistas e expressando, entre outras
particularidades, uma Igreja mais afinada aos novos tempos (ANDRADE, 2011, p.
11).
238
CARRARO, Geder; A bênção Erexim. A Voz da Serra, Erechim, Edição especial 1977, p. 1.
239
DICO. A catedral é uma necessidade. A Voz da Serra, Erechim, 15 de julho de 1969, p. 2.
144
(...) ali mesmo, naquela praça onde hoje vemos uma contrastante paisagem, havia
outrora uma Igreja Matriz perfeitamente assentada com a arquitetura do antigo
prédio do Fórum. Formavam, juntamente com uma pracinha que se prolongava ao
redor de um tradicional coreto, um conjunto harmônico, incapaz de nos remeter à
sensação de estranhamento hoje proporcionada naquele local (ANDRADE, 2011, p.
15).
240
Cf. ANSON. A construção de igrejas, 1969.
241
Cf. MARTINS. Revista Pós (Anais do Seminário Nacional “O estudo na formação do arquiteto”), 1994, p.
91.
145
Crítica da estética urbana), trata de dois processos distintos que podem ser chamados de
patrimonialização e estetização urbanas, os quais fazem parte de um mesmo processo atual e
mais vasto, o qual ele denomina espetacularização das cidades. Para Jeudy, esse processo se
liga diretamente às estratégias de marketing e branding urbano, as quais muitas vezes se
denomina como estratégia de revitalização, buscando construir novas imagens para as cidades
contemporâneas, garantindo assim destaque e representatividade internacional.
Na dialética de Jeudy, a cultura também passou a ser compreendida como uma marca
ou grife de entretenimento, um objeto de consumo imediato. Com relação às cidades, isso
ocorre de maneira similar, onde a competição entre investidores e turistas estrangeiros é
acirrada, enquanto os políticos se empenham em vender uma imagem de marca de suas
cidades (JEUDY, 2005, p. 9).
A regra é clara: para que o passado não seja abolido é preciso que tudo o que se vive
seja atualizado. As diferenças temporais entre o passado, o presente e o futuro são
aniquiladas graças aos simulacros dessa atualização. O passado e o futuro parecem
se conjugar no presente, ao passo que o próprio presente se torna o tempo da
reprodução antecipada do passado (JEUDY, 2005, p. 16).
Dessa maneira, esse padrão acaba tornando todas essas áreas semelhantes entre si,
embora estejam em diferentes países e culturas, o que resulta em um processo de
“museificação urbana em escala global”. Para este fim, a cidade passa a sofrer cirurgias
plásticas ou liftings, onde sua restauração permanente é o espelho atual do porvir das
sociedades contemporâneas, tornando-se muitas vezes uma conservação patrimonial
obsessiva, correndo o risco de petrificar a própria cidade, que se transforma assim, em museu
de si mesma.
Não temos mais a liberdade de esquecer, pois isto seria um crime. “Esquecer é
ocultar”, tal seria a nova regra de uma boa gestão de memórias. Censuramos as
gerações que nos precederam por terem tão facilmente esquecido. É provável que
elas tenham achado possível viver o tempo presente tal como ele era (JEUDY, 2005,
p. 15).
146
No Brasil, houve, sempre, uma falta de interesse, por parte dos arqueólogos, em
interagir com a sociedade em geral – como é o caso, na verdade, alhures na América
Latina, como nota Gnecco242 (1995, p.19) – e o patrimônio foi deixado para
“escritores, arquitectos e artistas, os verdadeiros descobridores do patrimônio
cultural no Brasil, não historiadores ou arqueólogos” (Munari 243 1995). A
preservação dos edifícios de igrejas coloniais poderia ser considerado, no Brasil e no
resto da América Latina (García244 1995, p.42), como o mais antigo manejo
patrimonial (FUNARI, 2001, p. 2).
Contudo, ainda de acordo com Funari, nem mesmo as igrejas foram bem preservadas
no Brasil, salvo algumas exceções. Tal fato pode ser explicado pelo anseio das elites, nos
últimos cem anos, pelo progresso. Não por acaso, a bandeira nacional criada na época da
Proclamação da República, em 1889, leva o emblema “ordem e progresso”. Desde então, o
país tem buscado a modernidade e qualquer edifício moderno é considerado melhor do que
um antigo. Entretanto, o século XXI veio acompanhado de uma preocupação maior com a
questão patrimonial, que ainda necessita aperfeiçoamento. A criação de Brasília, inclusive, em
1961, teve além de motivos econômicos, sociais ou geopolíticos, essa simpatia pela
modernidade (FUNARI, 2001, p. 2).
242
Gnecco, C. 1995. Práxis científica en la periferia: notas para una historia social de la Arqueologia
colombiana. Revista Española de Antropología Americana 25, 9-22.
243
Munari, L.A.S. 1995. Surpresas de ´Óculum´. Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas, September 4th, p.2
244
García, J. 1995. Arqueología colonial en el área maya. Aspectos generales y modelos de estudio. Revista
Espanõla de Antropología Americana 25, 41-69.
147
que o acerto entre a igreja e o engenheiro responsável pela obra teria ocorrido antes de 1967,
sem o conhecimento prévio da população. Denúncias de que capitalistas estariam envolvidos
na iniciativa foram abordadas de maneira superficial, sendo que nada do gênero foi realmente
confirmado. Mesmo através dos anos, essas hipóteses resistem nas conversas informais,
quando o assunto é a demolição da matriz, entretanto, além de nunca terem sido comprovadas,
seria injusto concluir que apenas um estabelecimento comercial fosse o beneficiário do
empreendimento, que trouxe outras vantagens, como o bispado e um templo maior. No
entanto, em diferentes momentos históricos, inclusive na atualidade, evidencia-se que grandes
empresas lucram com esses “progressos”.
Os termos utilizados nas redações das matérias jornalísticas, como “modernização” e
“moderno”, representam o apelo ao público em prol da modernização, encorajando a
população, e gerando uma atmosfera otimista em relação ao novo, ao moderno, idealizando
uma situação onde Erechim conquistaria reconhecimento e destaque através do feito. Os
boatos que envolveram a matriz de que a mesma estaria condenada, perderam sustentação à
medida que se deu a demolição, deixando óbvias outras motivações inicialmente encobertas,
como o espaço que a catedral almejava ocupar, na Praça da Bandeira, central e simbólico.
Posicionando-se sempre a favor da modernização e da demolição da matriz, A Voz da Serra
também fez papel informativo, considerando que a população não tinha real conhecimento da
importância de uma diocese, continuamente argumentando os benefícios que a mesma traria à
região.
Através da percepção de um diálogo inexplícito nas matérias jornalísticas, analisado
delicadamente no terceiro capítulo, pôde-se identificar que o conflito vivido pela comunidade
de Erechim, a demolição de um templo pelo qual as pessoas tinham relação afetiva, por outro
templo que anunciava a modernização, resultou em um vazio que não correspondeu às
questões mais subjetivas da população.
O patrimônio cultural pode ser entendido como o passado ressignificado pelo presente,
sendo importante ressaltar que os significados do passado e do presente se interceptam
construindo redes de significados, cuja decifração é complexa. Dado que o aspecto da
materialidade é menos relevante do que os usos da comunidade para com o objeto, a
consequência desse debate é o conflito entre preservar uma obra de arte sem uso, a
acompanhar o progresso e desenvolvimento das cidades. Entretanto, no caso da matriz, além
dela estar em pleno uso, mesmo necessitando reformas, não havia crise de espaço urbano, o
que permitia encontrar outras alternativas menos radicais para todas as questões envolvidas.
149
Para Pesavento, “tal como um ser humano, a cidade possui uma identidade que faz
com que os indivíduos a reconheçam e se reconheçam nela como individualidade” (1997, p.
25). A história de um lugar, enquanto espaço citadino, é compreendida a partir do
reconhecimento de sua formação em conjunto com a sua arquitetura. Uma edificação, para ser
entendida como patrimônio histórico arquitetônico, deve possuir uma identificação pelos
moradores e gestores da cidade, onde a mesma se encontra e se reconhece, fazendo com que
ela deixe de ser apenas um material ou um bem, e seja instrumento fundamental da história da
cidade, tornando-se um objeto simbólico.
Estabelecer uma conexão entre espaços públicos e privados parece ser o caminho para
a transformação das cidades em ambientes urbanos mais seguros. Na prática, isso significa
fazer com que as construções em geral tenham uma função ativa na cidade, convidem as
pessoas a entrar, tendo aberturas e materiais transparentes, por exemplo, de tal forma que seja
possível enxergar o espaço como uma extensão da rua, e vice-versa. Notando-se a robustez da
fachada da catedral, assim como suas características arquitetônicas derivadas do modernismo,
que pela sua forma, não atrai os transeuntes a adentrá-la, verifica-se que a matriz e seu estilo
proveniente do barroco, tinham um efeito exatamente ao contrário, acolhedor e convidativo,
podendo assim pontuar essa desvantagem da catedral na colaboração com o espaço urbano.
O patrimônio, que designa um conjunto de bens de valor histórico, artístico, material,
cultural, natural, etc., tidos como significativos para a comunidade local, regional ou mesmo
mundial por seus atributos de constituição de identidade e cultura, atesta a história de uma
determinada sociedade. O conceito de patrimônio histórico está intimamente ligado ao
patrimônio cultural que é constituído pelos chamados bens culturais que pode ser definido
como toda produção humana emocional, intelectual ou material, independente da sua origem
ou época. Ao selecionar alguns bens como patrimônio de determinada sociedade, também se
está excluindo inúmeros outros, portanto essa seleção que muitas vezes é arbitrária e
verticalizada pode revelar um campo de conflitos e disputas simbólicas no seio de
determinada sociedade.
Além disso, a memória individual não pode ser distanciada das memórias coletivas,
pois o indivíduo não possui sozinho o controle do “resgate” sobre o passado, ela é constituída
por indivíduos em interação, por grupos sociais, sendo as lembranças individuais resultado
desse processo. Assim, a memória do indivíduo está vinculada à memória do grupo e a do
grupo, a esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de cada sociedade, tendo como
instrumento socializador a linguagem, assim ela torna-se importante para a transmissão da
cultura local herdada, sendo constituída por acontecimentos vividos socialmente.
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Anexo 12. Imagem superior da Praça da Bandeira, que mostra a catedral São José e a Avenida Maurício
Cardoso.
Fonte: http://www.pmerechim.rs.gov.br