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Geografia Bíblica

Aluno: Gabriel Araujo Zambon


A importância das bacias hidrográficas do Crescente Fértil para nossa compreensão
das atividades migratórias no período patriarcal.
Bacias hidrográficas e divisão política

O Crescente Fértil, uma faixa estreita e semicircular de terra, partindo perto de Gaza,
no canto sudeste do Mar Mediterrâneo, formando um arco que chega até a foz dos rios Tigre
e Eufrates, no golfo Pérsico, apresenta três importantes bacias hidrográficas para o estudo da
migração dos patriarcas. Elas seriam as bacias do Tigre e do Eufrates na Mesopotâmia e a
bacia do rio Jordão na Palestina. Um destaque especial é a região entre os rios Eufrates e
Balih, conhecida como Padã-Arã, muito associada aos patriarcas bíblicos.

Na atualidade essa região engloba os países da atual Palestina, Jordânia, Israel,


Líbano, Iraque, Kuwait, além de algumas partes da Síria, do Irã e da Turquia. Na época
patriarcal pode-se dizer que existia a influência de três impérios, a saber, o Egípcio, o
Babilônio e o dos Hititas, além de povos da região como os Amorreus, os Hurrianos
(Horeus), Refains, Zuzins, Emins, Amalequitas e Elamitas. Em relação às cidades-estado,
citam-se algumas de destaque: Ur (Sumérios) e possivelmente “Ur dos caldeus”
(considerando a posição que a Ur bíblica seria uma outra cidade ao norte da Mesopotâmia),
Babilônia, Nipur, Ereque, Assur, Nínive (Assíria), Damasco, Harã, Siquém, Dotã, Gerar,
Hebrom e as cidades da planície como Sodoma, Gomorra, Zoar, Admá e Zeboim.
A rota migratória de Abraão e sua família

A jornada de Abraão começa em Gênesis quando este migra, como parte do clã de
seu pai, de Ur dos Caldeus para a cidade de Harrã, na região de Padã-Arã, situada perto do
rio Balih, que tributário do Eufrates. Enquanto Harrã permite mais segurança quanto à
localização moderna, existe um debate sobre a localização de Ur.

A visão tradicional, baseada no trabalho de L. Woolley, aponta a Ur bíblica como


sendo a Ur famosa como capital suméria, localizada ao sul da Mesopotâmia, próxima ao
Eufrates e à confluência deste com o rio Tigre. O Novo Dicionário da Bíblia traz essa
posição, enquanto que o Novo Atlas da Bíblia, de Beitzel, defende que a Ur dos Caldeus se
encontraria no Norte da Mesopotâmia.

Beitzel levante três argumentos para essa posição: 1) o qualificativo constante na


Bíblia (“dos caldeus”) como forma de diferenciá-la da Ur mais famosa; 2) “caldeus” se
referirem à localização ao norte da Mesopotâmia, por não se ter vestígios deles no sul
anteriores ao séc. 9 a.C., quando já havia terminado a era patriarcal; e 3) as influências
culturais mesopotâmicas refletidas na vida dos patriarcas serem encontradas em geral em
textos mesopotâmicos do norte como paralelos.

Rota tradicional de Abraão a partir da Ur suméria:


Rota considerando Ur ao norte, marcado pela seta laranja no mapa abaixo:

Abandonando sua terra, clã e família em Harrã, Abraão parte em direção a Canaã,
passando possivelmente por Alepo, Ebla, Damasco, Hazor, Bete-Seã, até chegar ao planalto
central de Canaã, em Siquém, onde ele construiu um altar. Dali, mudou-se para o sul,
acampando perto de Betel e Ai, onde experimentou um período de fome, que o levou a
viajar para o Egito, possivelmente pela estrada que passava por Hebrom e Berseba.
Acabando a fome, retornam pelo Neguebe e voltam a residir em Betel/Ai.
Após a questão com Ló sobre as pastagens, ele muda para o sul, junto aos carvalhos
de Manre, em Hebrom. Na sequência, a guerra entre os reis das cidades da planície e os
mesopotâmios que resultou no cativeiro de Ló, leva Abraão a perseguir os captores,
alcançando-os perto de Dã, e indo até Damasco e mesmo além na perseguição. Depois disso,
Abraão viajou para o sul, direção do Neguebe, chegando até Gerar, onde ganha o filho da
promessa.
Permanece em Gerar até o conflito com o rei dessa cidade acerca de um poço de
água, parecendo implícito em Gn 21.31 que ele muda-se para Berseba, provavelmente onde
vive até a morte, sendo levado e enterrado com Sara na caverna perto de Hebrom.

Principais modelos econômicos e a habitação ao longo das bacias hidrográficas


A era patriarcal relatada na Bíblia descreve a vida urbana existindo ao mesmo tempo
que a vida nômade ou seminômade. Os habitantes sedentários se dedicavam mais a
agricultura que os nômades, ao longo do Crescente Fértil, próximos às bacias hidrográficas.
A economia suméria, por exemplo, é apresentada como tendo forte dependência das
colheitas de cereal produzido localmente segundo o Novo Atlas. A produção agrícola
poderia ser de cereais (trigo, cevada, milho) e nas planícies costeiras uma gama maior de
vegetais. A estratificação é pouco presente, restrita a depósitos de betume e fontes minerais.
O estilo de vida e modelo econômico era essencialmente agrário, partindo do
contexto da Idade do Bronze Médio. Apesar do contexto agrícola, os patriarcas tendiam a
não cultivar a terra, vivendo em tendas e para subsistência, como pastores seminômades à
procura de pastagens sazonais e fontes, surgindo às vezes conflitos com habitantes fixos por
causa de água e terras de pastagem. Os seminômades se locomoviam com liberdade com
seus rebanhos de ovinos, jumentos, bois, cabras, e até camelos.
Havia bastante comércio e viagens na região, e segundo o Novo Dicionário,
descobertas arqueológicas mostram comércio de cobre e madeiras entre Ásia Menor e
Assíria, além de movimentos de exércitos e despojos pelo Oriente Próximo. Grandes rotas
atravessavam a Mesopotâmia até a Ásia Menor e Palestina, com outras descendo até o Egito.
Uma grande estrada atravessava a Transjordânia (Caminho Real), considerando cidades
antigas enfileiradas ao longo da rota moderna.
O relato da venda de José revela que existiam povos envolvidos com comércio
(Amalequitas/ismaelitas) e possivelmente rotas palmilhadas, e que o valor negociado com
esses comerciantes, de 20 siclos de prata, representava o preço médio pago por um escravo
durante a Idade do Bronze Médio. A prata não cunhada aparece como o dinheiro da época,
sendo esse metal comum na Palestina e por isso frequentemente usado nas transações. A
riqueza de Abraão é descrito pela quantidade de gado e metais como o ouro e prata,
revelando a noção de valores da época.
A caravana dos ismaelitas também revela os produtos que eles traziam para o Egito,
como arômatas, bálsamo e mirra, e alguns produtos dos filhos de Jacó são citados em Gn
43.11, como bálsamo, mel, arômatas e mirra, nozes de pistácia e amêndoas, provavelmente
sendo comum o escambo e trocas deles e o comércio por prata não cunhada.
Os assentamentos humanos foram seguindo as bacias hidrográficas da Mesopotâmia
e Levante e as planícies litorâneas do Mediterrâneo, pela dependência agrícola dos povos.
Um exemplo disso poderia ser a hipótese da decadência suméria e mudança dos centros
culturais para o norte, devido a uma lenta salinização dos solos.

Referências

Arqueologia do Velho Testamento, Merril F. Unger


Novo Atlas da Bíblia, Barry J. Beitzel, Editora Vida Nova, 2017;
O Novo Dicionário da Bíblia, J. D. Douglas, Editora Vida Nova, 2006;
Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, Editora Vida.

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