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A CABALA

E A NOVA ALQUIMIA

Transformando matéria em sentimento

Fred Alan Wolf

Tradução
Leandro Woyakoski
Copyright © Fred Alan Wolf, 2002
Copyright © Aleph, 2009
(edição em língua portuguesa para o Brasil)

TÍTULO ORIGINAL: Matter into feeling


CAPA: Broner d/a
REVISÃO TÉCNICA: Adilson Silva Ramachandra
PREPARAÇÃO DE TEXTO: Ana Cristina Teixeira
REVISÃO: Mônica Reis
PROJETO GRÁFICO: Neide Siqueira
EDITORAÇÃO: Join Bureau
COORDENAÇÃO EDITORIAL: Débora Dutra Vieira
DIRETOR EDITORIAL Adriano Fromer Piazzi

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


(CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Wolf, Fred Alan


A cabala e a nova alquimia : transformando matéria em sentimento / Fred
Alan Wolf ; tradução Leandro Woyakoski. – São Paulo : Aleph, 2009. – (Série
novo pen- samento)

Título original: Matter into feeling : a new alchemy of science and


spirit Bibliografia
ISBN 978-85-7657-073-8

1. Cabala 2. Corpo e mente 3. Emoções 4. Filosofia da mente 5. Matéria


I. Título.

09-01640 CDD-110

Índice para catálogo sistemático:


1. Corpo e mente : Cabala : Metafísica : Filosofia 110
2. Matéria espírito : Cabala : Metafísica : Filosofia 110
SUMÁ RIO

INTRODUÇÃ O Transformando matéria em sentimento 9


CAPÍTULO 1 A ilha de sentimentos chamada corpo 17
CAPÍTULO 2 Do sonho à realidade 43
CAPÍTULO 3 A onda do sentimento 59
CAPÍTULO 4 Um pregador de peças em nossa memó ria 87
CAPÍTULO 5 A curva da vida 111
CAPÍTULO 6 Sexo: a informaçã o que vem do futuro 127
CAPÍTULO 7 O olho do universo 141
CAPÍTULO 8 Da possibilidade à personalidade e alma 153
CAPÍTULO 9 A estrutura do amor no universo 163

NOTAS 179
BIBLIOGRAFIA 193
ÍNDICE REMISSIVO 201
INTRODUÇÃ O

Transformando matéria em sentimento

Será que iremos conseguir realizar, em um plano mais


elevado, o velho sonho alquímico da unidade psicofísica,
pela criação de um conceito fundamental unificado para a
compreensão científica do físico e do psíquico?

Wolfang Pauli, físico

O objetivo do meu livro anterior, A conexão entre mente e matéria,


era mostrar que no interior do corpo e da mente existe uma histó ria
majestosa recheada de drama, phátos, humor, inteligê ncia, fantasia e
realidade. Se, por um lado, trata-se da nossa pró pria histó ria, por
outro, també m é a histó ria do universo inteiro, sua criaçã o,
transformaçã o e propó sito final. Mostrei como essa histó ria chamada
“você” se desdo- bra, criando um panorama da vida, literalmente um
“universo-você ”. Explorei como as operaçõ es bá sicas do que chamo
nova alquimia – pensar, perceber, sentir e intuir – criam e dã o forma à
maté ria-prima da vida consciente e inconsciente. E vimos que
trabalhar essa maté ria-pri- ma dá origem à s forças que transformam o
mundo e a nó s, sendo elas: criaçã o, animaçã o, resistê ncia, vitalidade,
repetiçã o, oportunidade, unificaçã o, estrutura e transformaçã o. O
intuito final desse processo é a transmutaçã o da informaçã o em
maté ria; maté ria que vem da mente (um vasto campo de influência
comumente concebido como a Mente de Deus).
10 A Cabala e a nova alquimia

Dessa maneira, pode-se considerar A conexão entre mente e maté-


ria como uma introduçã o ao que os antigos chamavam “grande obra”
da nova alquimia. E, agora, já tendo apresentado a nova alquimia, mui-
to ainda falta a ser explorado. Por exemplo, podemos nos perguntar:
“como usar as ferramentas apresentadas em A conexão entre mente e
matéria para mudar a nó s mesmos? Como perceber essas forças
trans- formadoras? Como levar uma vida espiritual mais frutífera e
criativa?” A compreensã o da nova alquimia confere novas formas
para as forças transformadoras criativas entrarem no jogo. Enquanto
a trans- formaçã o da mente em matéria trabalha com imagens
primá rias ou ar- quetípicas e os meios pelos quais essas imagens
ganham materialidade, a pró xima fase da grande obra é a
transformaçã o da maté ria recé m-for- mada em sentimento. É aqui
que iremos começar a sentir a vida em nossos corpos, como todos
os seres vivos sentem. O sentimento vai além dos sentidos e pode
ser imaginado como a consciê ncia fundamen- tal, por meio da qual
todos os outros sentidos se desenvolvem. O sen-
timento é resultado do incessante “zumbido” da vida.
Em A conexão entre mente e matéria, apresentei a noçã o de Adam
Kadmon: o homem arquetípico e universal. Esse Adam, ao contrá rio
do Adã o original da Bíblia, é capaz de compreender de uma ú nica vez
o espírito, a matéria e os plenos poderes da transformaçã o. O que
torna Adam Kadmon diferente do Adã o bíblico pode ser resumido em
apenas uma palavra: sentimento. O Adã o do Livro do Gênesis parece
quase um autô mato, incapaz de qualquer sentimento real, exceto,
talvez, o senti- mento de vergonha que ele e Eva experimentaram ao
serem expulsos do Jardim do É den. Adam Kadmon, o Homem
Universal, por sua vez, con- segue sentir por inteiro todas as
possibilidades transformadoras que guarda dentro de si. Dessa
maneira, podemos dizer que Adã o represen- ta a primeira fase da
transformaçã o – da mente em maté ria –, enquanto Adam Kadmon
representa a segunda fase – da maté ria em sentimento.
***
Introdução 11

Como na obra A conexão entre mente e matéria, A Cabala e a nova


alquimia está dividida em nove capítulos, representados pelas nove le-
tras-símbolos do alfabeto hebraico, ou “aleph-bayt”. Em A conexão
entre mente e matéria, abordamos os arquétipos do espírito,
representado pelo aleph (1 ,‫)א‬, por meio da estrutura, representada
pelo tayt (9 ,‫)ט‬. Agora, aqui, iremos nos ocupar de seu
desenvolvimento; sua transfor- maçã o de sementes em jovens brotos.
Isso é realizado na Cabala* pela multiplicaçã o de cada letra-símbolo
pelo nú mero dez. Como a letra-sím- bolo para o dez em hebraico é o
yod, que significa existê ncia, vemos que a multiplicaçã o por dez das
nove letras-símbolos arquetípicas as trans- porta à existê ncia, ou,
como digo, transforma a maté ria em sentimento.
Assim o aleph (‫)א‬, representando o nú mero um, transforma-se em
yod (‫)י‬, o nú mero dez; bayt (2 ,‫ )ב‬transforma-se em khaf (20 ,‫;)כ‬
ghimel (3 ,‫ )ג‬transforma-se em lammed (30 ,‫ ;)ל‬dallet (4 ,‫)ד‬
transforma-se em mem (40 ,‫ ;)מ‬hay (5 ,‫ )ה‬transforma-se em noon ( ,‫נ‬
50); vav (6 ,‫ )ך‬trans- forma-se em sammekh (60 ,‫ ;)ם‬zayn (7 ,‫)ז‬
transforma-se em ayn (70 ,‫ ;)ע‬hhayt (8 ,‫ )ה‬transforma-se em phay ( ,‫מ‬
80); e o tayt (9 ,‫ )ט‬transforma-se em tsadde (90 ,‫)צ‬. Revisarei essas
transformaçõ es na abertura de cada capítulo e explicarei, de forma
mais detalhada, o que significam.
O redimensionamento das letras-símbolos leva à experiê ncia, à
vida, à realidade e assim por diante, com os símbolos ganhando vida.
A Cabala e a nova alquimia, entã o, examina o movimento contínuo dos
nove arqué tipos – sementes do mental em material – em direçã o aos
símbolos vivos, literalmente uma transformaçã o da maté ria – englo-
bando a mente – em vida, em sentimento e na consciê ncia da maté ria.
Perceba que, quando juntamos duas letras-símbolos para indicar a
transformaçã o de uma na outra, elas costumam formar uma palavra
he- braica que simboliza essa transformaçã o. No hebraico antigo
devem ter existido mais exemplos de combinaçõ es entre palavras e o

significado
* Ainda que a origem etimoló gica da palavra – do hebraico Qabbalah – permitisse
grafá -la com a letra “Q” (Qabala), optou-se aqui por seguir a grafia mais aceita na língua
portuguesa, com “C”, tal como está dicionarizada. [N. do E.]
12 A Cabala e a nova alquimia

sagrado das letras. Procurando exemplos, recorri a um moderno dicio-


ná rio hebraico/inglê s para encontrar estas palavras, relacionadas a se-
guir, que exemplificam a transformaçã o. Quando nã o foi possível
encon- trar uma palavra, utilizei a definiçã o da Cabala para os
símbolos:

aleph em yod (‫ א‬em 1 ;‫ י‬em 10)


ilha – o movimento rumo à identidade pessoal;

bayt em khaf (‫ ב‬em 2 ;‫ כ‬em 20)


nascimento – o movimento do sonho à realidade;

ghimel em lammed (‫ ג‬em 3 ;‫ ל‬em 30)


onda – o movimento da onda ao sentimento;

dallet em mem (‫ ד‬em 4 ;‫ מ‬em 40)


sangue – o movimento do pregador de peças;

hay em noon (‫ ה‬em 5 ;‫ נ‬em 50)


curva da vida – o movimento em busca do equilíbrio;

vav em sammekh (‫ ך‬em 6 ;‫ ם‬em 60)


menstruação – o movimento da energia sexual;

zayn em ayn (‫ ז‬em 7 ;‫ ע‬em 70)


observação – o movimento do universo

hhayt em phay (‫ ה‬em 8 ;‫ מ‬em 80)


pureza – o movimento do ser para a alma;

tayt em tsadde (‫ ט‬em 9 ;‫ צ‬em 90)


a estrutura do amor – o movimento da vida.
Introdução 13

Ao trazer a mente à maté ria, tivemos de lidar com a resistê ncia e


o elemento enganador Agora, do mesmo modo, devemos lidar com os
conflitos e a resistência que enfrentamos em nossas vidas conforme
tentamos entender o mundo e aprender a suportar nossas necessida-
des materiais, vícios, altos e baixos, sucessos e fracassos. Para muitos
de nó s, que trilham o caminho da espiritualidade, a grande obra fica
estagnada aqui: vivemos e morremos sem perceber que as outras
fases da transformaçã o sã o possíveis. Em outras palavras, somos
enganados por nossos apetites.
Para dar o salto, para perceber as fases remanescentes, é preciso
compreender que a vida “estagnada” é apenas uma fase, na mesma
me- dida em que um acesso de raiva de uma criança nã o passa de um
“ins- tante”. O movimento que leva da matéria ao sentimento é a
segunda fase. E meu objetivo com A Cabala e a nova alquimia é guiá -lo
nesse caminho.
‫( א‬aleph, 1)
em
‫( י‬yod, 10)

O Livro do Gênesis apresenta a atemporal e


metafórica batalha da matéria com o espírito
– a contínua história do homem agindo contra
Deus. Essa história ecoa em vários cenários
bíblicos, inclusive em Adão e Eva, que
deliberadamente ignoram Deus no Jardim do
Éden; no sacrifício de Isaac por Abraão; e na
proibição imposta por Deus a Moisés,
impedindo-o de entrar no novo mundo.

O alfabeto hebraico oferece letras-símbolos


dessa guerra entre matéria e espírito: aleph,
representando o espírito desencarnado, e yod,
representando o espírito contido e limitado na
matéria que, devido ao seu orgulho, luta
contra a própria coisa que o trouxe à
realidade. E, assim, a transformação de aleph
em yod é simbolizada pela palavra ilha – o
movimento rumo à identidade pessoal.
CAPÍTULO 1

A ilha de sentimentos chamada corpo

Nenhum homem é uma ilha, completo em si


mesmo; todos são parte do continente.

John Donne

A exemplo de Narciso, punido pela deusa Nê mesis por resistir aos


apelos de Eco1, o espírito incrustado na matéria como self – significan-
do a consciê ncia do corpo – resiste ao chamado do espírito. Agindo
dessa maneira, o espírito encarnado faz uma distinçã o bá sica: ao reco-
nhecer a si mesmo como maté ria, fica extasiado, perdido na imagem
de si mesmo separado do espírito. É uma ilusã o poderosa. Assim,
todos nó s, enquanto self, começamos o processo que durará toda uma
vida; um processo de distinçã o entre uma coisa e outra, por meio do
qual obtemos alegria e sofrimento.
A capacidade de realizar essa açã o, de fazer discriminaçõ es obje-
tivas, constitui a inteligência científica e ela é necessá ria à sobrevivên-
cia material. A diferença entre inteligê ncia científica e inteligê ncia
espi- ritual reside nessa capacidade de discernimento, e esses dois
modos de experiência parecem produzir uma complementaridade.
Explicando melhor: na física quâ ntica, o princípio da complemen-
taridade menciona que o universo físico nã o pode ser conhecido de
modo separado do que o observador deseja observar. Além disso, es-
sas escolhas recaem sobre dois grupos distintos ou complementares
18 A Cabala e a nova alquimia

de pontos de observaçã o, ditos observáveis. Ao observar um desses


pontos se exclui necessariamente a possibilidade da observaçã o
simul- tâ nea do seu complemento. Assim, por exemplo, a observaçã o
da loca- lizaçã o e a observaçã o do movimento de uma partícula
subatô mica criam observá veis complementares, de onde a
observaçã o de um cria a indeterminaçã o ou a incerteza do outro.
Dessa maneira, quanto mais objetivos formos em nossas observaçõ es,
mais dificuldade teremos em lidar com o espírito e mais atraídos
seremos pelo mundo material.2 De modo oposto, quanto mais
despertarmos para a espiritualidade, me- nos iremos nos preocupar
com a existê ncia material.
É verdade que os cientistas dominaram a habilidade de encontrar
partículas de maté ria autô nomas com propriedades diferentes; no en-
tanto, também observaram que todo elétron se comporta exatamente
do mesmo modo, e que um á tomo nã o apresenta qualquer diferença
química de outro á tomo de mesmo nú mero atô mico. Hidrogê nio é hi-
drogênio, cobre é cobre, nã o importa por onde andem. 3 Esse princípio
de identidade científica parece ser invariá vel no universo e indica que
a maté ria apenas existe segundo leis estruturais bá sicas. Sob este pris-
ma, embora a maté ria seja vista como partículas separadas, o fato de
serem partículas idênticas demonstra que esta separaçã o é ilusó ria.
Os cientistas poderiam ter imaginado todo tipo de maté ria4, mas
algo os levou a encontrar uma base racional elementar para tudo que
vivenciamos como matéria, que acabou fazendo com que ela fosse
per- cebida somente de forma objetiva. Mas, com o surgimento da
física quâ ntica, a ciência desnudou a natureza subjetiva da realidade,
desco- brindo que tudo estava ligado e que tudo tinha a mesma
identidade, como se fosse espelhada, e, isso, no sentido da construçã o
de partícu- las idênticas, indicava a unidade de toda a maté ria. A
ciê ncia també m mostrou que uma realidade mais profunda e nã o
material desempenha- va um papel importante em determinar com
qual objetividade a maté - ria se comportava.
A ilha de sentimentos chamada corpo 19

Entretanto, apesar da irrefutá vel prova da unidade material e do


reconhecimento dessa base mais profunda e nã o material, os cientis-
tas, com algumas notá veis exceçõ es5, ainda entendem como inquietan-
te a temá tica espiritual. Desse modo, a batalha do espírito, com seu
reflexo na matéria, prossegue. E, juntos, maté ria e espírito, fazem do
mundo uma sé rie de “ilhas” separadas. Toda ilha vê a si mesma e as
outras ilhas como diferentes. Assim, desde que nascemos, começamos
a nos ver como seres isolados, ilhas separadas, aparentemente à deri-
va, no vasto oceano da vida.
Neste capítulo, iremos explorar a natureza da “formaçã o das
ilhas” e a maneira como surgem as ilhas individuais a que chamamos
vidas separadas. Veremos como ter sentimentos – a instalaçã o da
mente no corpo – nos oferece, por um lado, a experiência que
chamamos vida e, por outro, cria em todos nó s um sentido de solidã o
e separaçã o dos outros. Iremos també m aprender a ver, mesmo que
vagamente, que todos continuamos sendo um. Podemos nos ver como
ilhas, mas, na realidade, formamos um continente de vida.

O EGO, O ESTRESSE E SEU ALÍVIO

Narciso morre à beira do rio contemplando seu reflexo. Todos so-


fremos uma enfermidade similar quando contemplamos a imagem do
que chamamos corpo. Ao contrá rio de Narciso, contudo, nã o ficamos
imobilizados em um ú nico lugar, encantados com nosso reflexo. Nó s
seguimos em frente, sempre lamentando a perda, enquanto sentimos
falta do eco de nossa alma – o chamado que nosso espírito dirige a nó s
mesmos. Vivemos um estresse permanente, proveniente da ansiedade
do conflito contínuo entre matéria e espírito (corpo e alma). Alguns
podem criticar essa ideia, afirmando que, por meio de técnicas espe-
ciais, da meditaçã o, da prá tica espiritual ou apenas sendo boas pes-
soas podemos experimentar algum alívio desse estresse. Mas, tal
como
20 A Cabala e a nova alquimia

o sofrimento de Narciso, o estresse a que me refiro precisa originar-se


de forma continuada da oposiçã o entre espírito e corpo. A batalha re-
sulta num eterno conflito que todos percebemos como sendo parte do
sofrimento humano, sofrimento este que temos em comum. No entan-
to, e de modo irô nico, é essa situaçã o que faz a vida valer a pena e
conduz ao maravilhoso drama de nossa realidade cotidiana.
A condiçã o humana depende do crescimento do estresse espiri–
tual. E é aqui que a mente entra no jogo: mais do que qualquer outra
causa, os pensamentos amplificam esse estresse e, mais importante
do que todos os outros cuidados mé dicos, um bom há bito mental pro-
move o alívio dessa amplificaçã o. E como bom há bito mental estou me
referindo simplesmente a pensar de maneira positiva em relaçã o a
toda situaçã o que surgir à nossa frente, mesmo quando for necessá rio
ter uma visã o crítica.
Enquanto a existê ncia humana depende do pensamento humano,
o pensamento depende do autoconceito – dos nossos egos. Sigmund
Freud nos deu a concepçã o bá sica de ego, mas ele estava tã o
envolvido pelo materialismo, ao tentar provar cientificamente a
existê ncia do ego como algo real, que se prendeu na armadilha da
objetividade científica. Desde entã o, o conceito de ego vem passando
por muitas revisõ es. As ideias de Freud, ao lado de conceitos mais
recentes de professores es- pirituais como Da Free John6, J.
Krishnamurti, Paramahansa Yogananda e pela entidade desencarnada
Seth, deram-me uma compreensã o clara da física quâ ntica na
construçã o do ego.

O ego freudiano

Freud entendia o ego como uma construçã o dentro da psique (ou


alma)7 que provinha de um constructo psíquico anterior a que cha-
mou id. Ele imaginava o id como o aparelho psíquico mais antigo, uma
ideia nascida de sua hipó tese bá sica segundo a qual todo ser humano
A ilha de sentimentos chamada corpo 21

tem uma vida mental interior que se expressa por meio de um apare-
lho psíquico. Para Freud, esse aparelho tinha existência material, pos-
suindo tanto extensã o espacial quanto temporal. Freud nunca aludiu
de onde o id provinha ou do que ele era feito. Segundo ele, o id “con-
té m tudo que é herdado, tudo que está presente no nascimento e é
formulado na constituiçã o – mais importante, portanto, do que os
instintos, originá rios de uma organizaçã o somá tica e que encontram
aqui [no id] sua primeira expressã o psíquica num formato desconhe-
cido para nó s”.8
Em termos materialistas, Freud via o id e o ego desse modo: o ego
é proveniente do id porque este precisa fazer a interface com o mundo
“real” de estímulos e sensaçõ es. A parte do id, chamada ego, passa por
uma transformaçã o especial. A partir da superfície do có rtex cerebral
– ou seja, de uma camada cortical –, origina-se uma organizaçã o espe-
cial que atua como zona intermediá ria entre o id e os estímulos do
mundo exterior. O ego, em resultado da conexã o preestabelecida entre
a percepçã o dos sentidos e a açã o muscular, possui movimento volun-
tá rio ao seu comando. O ego possui a tarefa da autopreservaçã o, uma
funçã o que pode ser realizada pela aceitaçã o ou rejeiçã o aos estímu-
los, pela memó ria, pela adaptaçã o e pelo aprendizado. O ego opera
dentro do id exercendo o controle sobre as demandas do id (os instin-
tos), escolhendo quais satisfazer, adiando a satisfaçã o do id e avalian-
do as tensõ es produzidas pelos estímulos. Alé m disso, consegue dife-
renciar as tensõ es em termos do que é sentido como dor (nã o-prazer)
e prazer. O sentimento de prazer existe como um padrã o vibracional
entre dois polos de tensã o, pontos de dor e prazer. Um aumento do
estresse é sentido como dor, e uma reduçã o, como prazer. Em sua teo-
ria dos instintos, Freud defendeu que as tensõ es principais sã o prove-
nientes nã o dos pontos de dor e prazer, mas sim de dois instintos bá -
sicos: amor e morte.
Devemos muito ao gê nio de Freud. Desde sua é poca, ego se
tornou palavra importante no vocabulá rio ocidental e assunto de
muita refle-
22 A Cabala e a nova alquimia

xã o para o homem racional. Mas, hoje, entendemos que o ego se apre-


senta como uma interface entre espírito e matéria.
A seguir, abordarei algumas das ideias mais recentes sobre o ego.

O Ego espiritual

Da Free John considera o ego freudiano um constructo


devastador que impede os seres humanos de realizar seu deus
interior.9 Ele afirma que todos nó s vivemos em estresse egoico. O ego,
argumenta, é um pro- cesso de reaçã o controlada à s circunstâ ncias da
vida nos â mbitos físi- co, emocional e mental – a açã o do ego é
produzir estresse. E o estres- se, explica, é fá cil de ser criado, seja
pela frustraçã o da açã o do self, seja pelo medo de realizar a açã o. O
estresse, portanto, é liberado quan- do a açã o é concretizada ou
quando relaxa, dando vazã o à frustraçã o. Para obter essa liberaçã o, é
preciso aprender a reconhecer quan-
do a tensã o está num crescente, uma compreensã o conquistada pelo
autoconhecimento. Parece fá cil, mas poucos sabem quando estã o fi-
cando estressados. Na verdade, notar que estamos tensos e,
simultanea- mente, sentir esse estresse é como o velho truque de
coçar a barriga e afagar a cabeça ao mesmo tempo. Um exemplo típico
é quando uma pessoa lhe diz algo muito desagradá vel. Você pode
reagir ficando zan- gado ou se sentindo deprimido; e, embora saiba o
que está sentindo, em geral nã o tem conhecimento de que uma tensã o
foi criada por essas sensaçõ es. Em outras palavras, você sente, mas
nã o sabe que sente.
Por exemplo, todos já vimos uma pessoa zangada negar o que
está sentindo. Num primeiro momento, podemos pensar que a pessoa
está mentindo. “Ela deve saber que está zangada”, dizemos, “entã o por
que nã o conta a verdade”? Mas, do seu ponto de vista, você tem
objetivida- de, algo que a pessoa zangada nã o tem. Nã o se esqueça:
reconhecer um sentimento e o sentimento em si sã o coisas
complementares.10 Saber que se tem um sentimento irá alterar esse
sentimento.
A ilha de sentimentos chamada corpo 23

Paramahansa Yogananda descreve o ego como sendo a causa bá -


sica do dualismo – a aparente separaçã o entre o homem e seu
criador.11 Segundo Yogananda, o ahankara (desejo) deixa os seres
humanos sob o governo de maia (ilusã o có smica), por meio da qual o
sujeito (ego) aparenta falsamente ser um objeto.
J. Krishnamurti sugere que nossos cé rebros, quando examinados
em conjunto, sã o muito antigos. Um cé rebro humano nã o é um cé re-
bro em particular; nã o pertence a ningué m. Ao contrá rio, o cé rebro
evoluiu no decorrer de milhõ es de anos. Em consequência, existe
padrã o embutido para o sucesso e a sobrevivê ncia que permanecem
até hoje, mas que podem ser obsoletos. Um desses padrõ es é o ego e
suas tendê ncias.12
A entidade espiritual desencarnada Seth, canalizada por Jane
Roberts, descreve o ego como especializado em expansõ es de espaço e
manipulaçõ es.13 O ego se desenvolveu em ambientes tribais como uma
especializaçã o necessá ria, permitindo que as informaçõ es dos
sentidos fossem diferenciadas emocionalmente ou nã o. As tribos se
formavam e seus membros eram considerados como pertencentes ou
nã o a ela. A consciê ncia tribal foi o primeiro ego grupal. Mais tarde,
conforme a consciência grupal se restringia devido ao aumento da
consciê ncia indi- vidual movida pela adaptaçã o evolucioná ria, a
consciê ncia nã o foi ca- paz de lidar com o ego tribal e começou a
ocorrer a individuaçã o.

UM MODELO FÍSICO-QUÂNTICO DO EGO

E o que todas essas definiçõ es de ego querem nos dizer? Que


preci- samos reconhecer que o ego é dinâ mico, mudando segundo os
senti- mentos da pessoa. Todos conhecemos os termos “ego destruído”
e “grande ego”. Baseado nessas expressõ es do senso comum, podemos
afirmar que, se uma pessoa se sente expansiva, o ego realmente se ex-
pande e ela experimenta um sentimento de exaltaçã o. Vou explicar
isso
24 A Cabala e a nova alquimia

mais adiante, mas percebam que com ego inflado nã o me refiro à


noçã o junguiana de inflação, no sentido de encher-se de orgulho. De
fato, é mais provável que a inflaçã o junguiana resulte de uma lufada no
ego, redundando, paradoxalmente, em sua contraçã o. Se uma pessoa
se sen- te contida, o ego passa por uma contraçã o, possivelmente uma
depres- sã o ou sentimento de humildade ou compaixã o.
Quero expandir (notem o trocadilho) essa imagem metafó rica do
ego apresentando um modelo baseado na física quâ ntica. A física
quâ n- tica trabalha com formas matemá ticas imaginá rias, que
representam possibilidades físicas no mundo real. Nosso modelo da
física quâ ntica representa possibilidades psicoló gicas que podemos
sentir quando nossos egos estã o envolvidos nas transaçõ es da vida.
Tal como os modelos da física quâ ntica determinam e
representam a estabilidade e o comportamento energético da maté ria,
este modelo vai determinar e representar o comportamento da
estabilidade e do sentimento da mente. Creio que isso sugere que o
ego parece real, nã o físico – ele nã o é um objeto material, e sim apenas
um constructo da mente. Dessa maneira, o local ideal para encontrar o
ego seria o domí- nio do imaginá rio, o mundo matemá tico da física
quâ ntica. Aqui, o ego aparece como uma superfície fechada, como a
face de uma esfera ou os seis lados de um cubo. Em geral, qualquer
objeto encerrado no interior de um espaço delimitado terá um ego.14

As partículas têm egos

Muitos físicos acreditam que toda matéria é composta de luz apri-


sionada15, uma crença representada pela famosa fó rmula de Einstein
E = mc2. Segundo essa equaçã o, quando a maté ria emite energia na
for- ma de luz, perde algo de si – sua massa diminui. Assim, a matéria
é imaginada como sendo luz aprisionada.
A ilha de sentimentos chamada corpo 25

Em um de meus livros anteriores, Star wave, especulo porque


sentimentos humanos, como amor e ó dio, podem ser descritos por
meio de sentimentos bá sicos mais simples e primitivos encontrados
nas transformaçõ es matéria-luz dos elétrons.16 Por exemplo, o ó dio
(que uso como sinô nimo do desejo de isolamento) está relacionado
ao fato de que dois elé trons nunca poderã o existir no mesmo estado
quâ ntico. O amor é explicado pelo comportamento das partículas
luminosas, os fó tons. Todos os fó tons tendem a entrar no mesmo
estado se tiverem esta chance; dessa maneira, no sentido físico, a
frase “a luz é amor” nã o é exagero. Assim, o amor representa as pes-
soas que tendem a ficar num estado unificado de consciência, como,
por exemplo, os apaixonados que pensam da mesma forma, ou os
indivíduos que buscam a unidade com Deus.
De modo semelhante, todos sofremos de solidã o e de outras
dores ligadas aos nossos corpos materiais devido à propriedade de
isolamen- to – ou ó dio – dos elé trons. Os elé trons, compostos de luz
aprisionada, desejam a liberdade e “sentem” algum tipo de sofrimento
por causa desse confinamento.17 O sofrimento humano prové m do
sofrimento dos elé trons e surge do seu desejo de se tornarem luz
novamente. Todos os sentimentos e emoçõ es humanos estã o firmados
nessas propriedades simples da matéria; ou, talvez, melhor dizendo, à
luz do espírito da nova alquimia, as propriedades físicas da maté ria e
as propriedades do sentimento que vivenciamos sã o provenientes de
um lugar mais pro- fundo onde mente e maté ria nã o estã o separadas.

O id quântico e seus sentimentos

Como vimos, o id é o ú tero do ego, uma vez que, segundo Freud, o


id é composto de estados atemporais que acompanham os níveis de
energia do complexo sistema energético humano.18 Do id nascem emo-
çõ es que fazem o corpo se movimentar e dã o à luz sensaçõ es, o que
26 A Cabala e a nova alquimia

significa que os estados de energia e os estados emocionais sã o a mes-


ma coisa no corpo. Nesse sentido, quando o sentimento se expressa, a
energia se transforma – ela muda de um formato para outro, como
quando você se levanta de uma cadeira e transforma a energia
química potencial do corpo em energia ciné tica ou de movimento.
No entanto, nem tudo que é expresso de forma energética é senti-
do: o que chamamos sensaçã o do sentimento provém da
transformaçã o da energia, e essa transformaçã o requer uma rede
neural complexa.
Talvez seja ú til enfatizar que sentimentos e sensações nã o sã o a
mesma coisa. Estou usando esses termos da forma utilizada por Carl
Jung. As sensaçõ es envolvem o movimento de elé trons ou de outras
partículas eletricamente carregadas de um lugar para outro – como,
por exemplo, no sistema nervoso, no cé rebro ou nos mú sculos. Uma
sensaçã o implica a existê ncia de um evento perturbador, como uma
picada de alfinete na pele ou um grã o de açú car derretendo numa
papi- la gustativa. Entre as sensaçõ es, encontramos a vibraçã o, o calor,
o frio, o sabor, o cheiro, a visã o e o som.19 Para que uma sensaçã o
aconteça, alguma parte do corpo precisa registrá -la. As sensaçõ es
ocorrem quan- do uma partícula interage com um mecanismo de
registro do corpo, quase sempre uma terminaçã o nervosa na pele ou,
em se tratando da visã o, na retina. Assim, a pele acusa a picada do
alfinete, enquanto a língua faz o mesmo com o sabor.
Os sentimentos, entretanto, correspondem à avaliaçã o impensada
de uma sensaçã o (impensada nã o no sentido pejorativo, mas literal-
mente como ausência de pensamento). Podemos considerar, por exem-
plo, como “boa” uma vibraçã o emanada de um amigo, ou como “má ”
quando proveniente de algué m hostil. Podemos sentir euforia antes
de provarmos uma comida saborosa ou conforto ao sentir o calor na
pele fria. E, se sentimentos envolvem sensaçõ es, uns nã o dependem
dos outros. Também em sonhos ou recordaçõ es, podemos ter
sentimentos sem sensaçõ es que as causem. Na nova alquimia, os
sentimentos criam ondas, enquanto as sensaçõ es correspondem à s
partículas.
A ilha de sentimentos chamada corpo 27

Além disso, os sentimentos nã o seriam percebidos se as células


nervosas fossem desprovidas de membranas divisó rias. Os sentimen-
tos produzem mudanças elé tricas nas bordas das cé lulas nervosas
que, por sua vez, se transformam em sensaçõ es. Assim, sentimentos
“senti- dos” sã o aqueles transformados em sensaçõ es; em outras
palavras, quando os sentimentos sã o sentidos ou expressos, o corpo
experimen- ta sensaçõ es.
Sentimentos fortes produzem sensaçõ es indeterminadas, como,
por exemplo, quando as pessoas nã o conseguem conter o riso em
fune- rais por seu sentido de perda ser grande demais. De modo
semelhante, as sensaçõ es fortes levam a sentimentos indeterminados
sobre elas – pense, digamos, na primeira vez em que experimentou
pimenta jala- peñ a. No entanto, podemos vivenciar determinados
sentimentos e sen- saçõ es simultaneamente, sem dificuldade.
Podemos sentir alegria, por exemplo, quando seguramos um recé m-
nascido nos braços. Na maioria das vezes, essa capacidade ou
incapacidade aparece por meio do prin- cípio da complementaridade,
pois diz respeito à onda de sentimento e à localizaçã o da partícula nas
terminaçõ es nervosas onde brota uma sensaçã o. Assim, determinadas
combinaçõ es de sentimentos e sensa- çõ es podem ser experimentadas
ao mesmo tempo, e outras nã o. O que funciona e o que nã o funciona
depende, em grande parte, de você e do formato do seu ego.
O ego emerge de transformaçõ es energé ticas expressas como
sen- saçõ es corporais. Por conseguinte, o ego nã o existe apenas no
cé rebro, mas atua como uma memó ria que indica onde as cé lulas tê m
fronteiras e quando sofrem mudanças espaciais. De algum modo, toda
cé lula tem ego e, assim, toda entidade viva com uma superfície terá
ego. Animais tê m egos, bem como plantas, amebas e outras formas de
vida unicelu- lares. Para compreender como o ego se origina e passa
por mudanças ou transformaçõ es, precisamos examinar em detalhes
um conceito que mencionei no começo deste capítulo, que é o efeito
do observador – o mais importante fator da física quâ ntica.
28 A Cabala e a nova alquimia

O efeito do observador

De acordo com o efeito do observador, o ato da observaçã o é


sem- pre acompanhado por um salto repentino e irreversível na coisa
obser- vada. Quando a luz de um á tomo chega ao olho e sua energia é
medida, o á tomo, tendo anteriormente existido num estado atemporal
de “sem energia” – ou, simplificando, como uma superposiçã o de
todos os possí- veis estados energé ticos com igual probabilidade –, de
repente expele um estado energé tico específico por meio da emissã o
do fó ton lumino- so. Essa expulsã o repentina origina-se de um salto
quâ ntico descontí- nuo entre esses dois estados. Nenhuma lei física
determina qual ener- gia específica será emitida; mas permanece o
fato de que nó s, como observadores, de alguma forma, determinamos
isso. Por exemplo, es- ses saltos quâ nticos podem ocorrer em formas
diferentes e comple- mentares, dependendo dos meios como se
pretende observá -los. Cons- tatamos, assim, como a lei da
complementaridade da física quâ ntica opera para dar forma à nossa
vida cotidiana, moldando os á tomos com os quais interagimos.
Na complementaridade da nova alquimia, todo pensamento com-
preende uma ampla gama de sentimentos em potencial e todo senti-
mento compreende uma ampla gama de pensamentos em potencial. O
estado energético de “sentindo-se bem”, por exemplo, é composto por
estados de pensamento complementares como “eu me sinto bem” e
“eu me sinto pé ssimo”. Assim, quando começamos a questionar os
senti- mentos, ou seja, quando passamos a examiná -los por meio do
mecanis- mo do pensamento e nã o pelo mecanismo complementar do
sentimen- to, nã o sabemos com certeza se nos sentimos bem ou nã o.
Exemplificando, quando se está fazendo amor e as sensaçõ es cor-
porais se transformam em sentimentos, quase nunca pensamos nisso
e, nesse nã o pensar, vivenciamos sentimentos sublimes; na verdade,
essa é a essência de fazer amor. Poré m, no instante em que se começa
a pensar “queria que meu parceiro fizesse isso” ou “queria ter sentido
A ilha de sentimentos chamada corpo 29

aquilo”, as sensaçõ es continuam, mas os sentimentos mudam por


com- pleto. Considere este outro exemplo: imagine que você está
ouvindo um orador carismá tico. Se a postura dele é “sensual” ou
“entusiasmada”, você pode ser “levado” pelo discurso, mesmo que o
tenha lido sem paixã o, podendo até tê-lo achado enfadonho. Os
sentimentos sã o esti- mulados pelo orador, o que diminui a
capacidade ló gica de acompanhar o conteú do do discurso. Como diz o
velho prové rbio iídiche: “Quando
o pê nis acorda, o cé rebro adormece”. Foi por meio desses mecanismos
complementares que ditadores chegaram ao poder.
Pensar e sentir sã o complementares, como sã o sentir e intuir. A
intuiçã o depende de sensaçõ es corporais e as complementa do mesmo
modo que os sentimentos dependem dos pensamentos. O arrepio na
nuca é a sensaçã o provocada pela intuiçã o de que alguém está à s suas
costas ou de que algo pode ocorrer em breve. Quando o “aparelho psí-
quico” escolhido é “pensante”, os sentimentos sã o alterados e, em ge-
ral, sã o indefiníveis. Do mesmo modo, quando esse mecanismo é um
“sentimento”, os pensamentos també m mudam e, em geral, sã o indefi-
níveis. Toda observaçã o vem de escolhas tomadas em associaçã o com
sentimentos indeterminados quando os pensamentos aparecem e, de
modo inverso, associados a pensamentos indeterminados quando os
sentimentos aparecem.
Desse modo, associada a toda observaçã o, haverá uma observa-
çã o complementar. O aparelho que faz a escolha ser implementada se
encontra no interior do id e é construído a partir dele. Este é o ego, e é
assim que ele é criado.

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