Você está na página 1de 12

Recebido em 27/09/2017; Aceito em 20/12/2017; Publicado na web em 14/03/2018

Percepção ambiental e proposta


didática sobre a desmistificação de
animais peçonhentos e venenosos para
os alunos do ensino médio
97
Azevedo, B.R.M.1;
Almeida, Z.S.2;

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. E-mail: brunarafaela_bio@hotmail.com;

2 Laboratório de Pesca e Ecologia Aquática, Departamento de Química e Biologia, Universidade Estadual do Maranhão, Cidade Universitária
Paulo VI, Caixa Postal 9, São Luís/MA, Brazil, zafiraalmeida@hotmail.com

RESUMO
Animais peçonhentos e venenosos frequentemente despertam o interesse geral dos es-
tudantes, já que geralmente estão cercados de histórias populares, lendas e crendices. As
concepções errôneas que cercam esses animais são acompanhadas de um desconhecimen-
to geral sobre a biologia e formas de identificação das espécies, medidas de prevenção de
acidentes e práticas corretas de primeiros socorros. A educação ambiental, neste contexto,
tenta desconstruir visões equivocadas da natureza e construir o conhecimento científico
a partir do conhecimento popular, além de contribuir na conservação de espécies e ecos-
sistemas. O presente trabalho teve como objetivo investigar o conhecimento prévio dos
estudantes do ensino médio acerca dos mitos e verdades existentes sobre animais peço-
nhentos e venenosos e, ainda, elaborar um material didático complementar que auxilie
as práticas pedagógicas dentro e fora de sala de aula. Foram entrevistadas 258 estudantes,
que responderam a um questionário semi-estruturado, que trazia perguntas referentes
às experiências prévias dos alunos com o tema, procedimentos de manejo de animais
peçonhentos e primeiros socorros, além da definição correta de conceitos e espécies. Foi
elaborada uma proposta de material didático complementar, do tipo cartilha, para auxi-
liar o professor na transmissão de conhecimentos específicos aos alunos. As respostas às
perguntas dos questionários indicam uma carência na abordagem em sala de aula e na
propagação de conceitos e ideias erradas sobre o tema o que contribui na disseminação de
mitos e dificultam as estratégias de conservação.

Palavras-chave: Educação ambiental. Cartilha. Serpentes. Artrópodes.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


Environmental perception and didactic
proposal about the dismissal of vermin
and poisonous animals for middle
school students
98

ABSTRACT
Vermin and poisonous animals frequently arouse the general interest of students, since
they are generally surrounded by popular stories, legends and superstitons. The wrong
conceptions that surround these animals are accompanied by a general not know about
the biology and the ways of identifying the species, accident prevention measures and
right practices of first aid. The environmental education, in this context, tries to decons-
truct wrong views of nature and build scientific knowledge from the popular one, beyond
to contribute with ecosystems and species conservations. The present work had as objec-
tive to investigate the previous knowledge of high school students about the myths and
truths existing about vermin and poisonous animals, and still to produce a complement
educational material which helps the pedagogical practices in and out of the classroom.
We interviewed 258 students who answered a half structured questionnaire that brought
questions reported to previous experience of the students with the theme, handling pro-
cedures of vermin and poisonous animals and first aid, beyond the correct definition of
concepts and species. It was produced a proposal of a complement didactic material like
a primer to try to provide the teachers’ needs in the transmission of specific knowledge
to the students. The answers pointo to lack of this approach in the classroom and in the
spread of wrong conceptions and ideias about the theme that contribute to dissemination
of myths and difficult conservation strategies.

Keywords: Environmental education. Primer. Snakes. Arthropods.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


1. INTRODUÇÃO de exposição do conhecimento científico
contribuem para melhor assimilação dos
A clássica definição de educação ambiental
conteúdos. As atrativas e múltiplas possibi-
é dada por Dias (1994) como sendo uma
lidades de tecnologias, como o videogame
orientação ao conteúdo e à prática da educa-
e jogos eletrônicos, que não estão disponí-
ção, na busca da solução para os problemas
veis na escola, estão associadas a falta de
concretos do meio ambiente, através de en-
motivação dos alunos com os estudos, ca-
foques interdisciplinares e da participação 99
bendo à escola encontrar alternativas e no-
ativa e responsável de cada indivíduo e da
vas abordagens para estimular o processo
coletividade. No Brasil, a Educação Ambien-
de ensino-aprendizagem (KNÜPPE, 2006).
tal, definida nos Parâmetros Curriculares
A proposta de elaboração de cartilhas edu-
Nacionais, sugere a discussão de questões
cativas complementares aos materiais didá-
éticas, ecológicas, políticas, econômicas, so-
ticos tradicionais vem na tentativa de auxi-
ciais, legislativas e culturais de forma trans-
liar o professor na preparação de aulas mais
versal e abrangente (BRASIL, 1997).
atrativas aos alunos. Segundo Souza e cola-
De acordo com Baptista (2006), a prática de boradores (2009), a cartilha é utilizada des-
ensino em ciências no Brasil vem assumin- de o início da metade do século XIX como
do uma postura cientificista, que distancia material didático de grande aceitação entre
a cultura do estudante da ciência. Traba- professores, devido a sua formatação que
lhos como de Maldaner (2000) e Mortimer facilita a compreensão do tema abordado,
(2005) mostram que persiste, nas salas de por meio de uma linguagem simples, didá-
aulas, um distanciamento entre a aborda- tica e ilustrada. Assim, através das cartilhas,
gem dos conteúdos científicos escolares e é possível que temas cientificamente con-
as concepções prévias dos estudantes. Por- ceituados sejam trabalhados e apresentados
tanto, hoje, um dos desafios da Educação como conteúdos de fácil compreensão.
Ambiental é o de pôr o saber científico ao
Ao se tratar a temática de animais peço-
alcance do público escolar. Contudo, é mais
nhentos e venenosos, quase sempre os es-
do que claro que esse desafio não pode ser
tudantes apresentam visões preconcebidas
enfrentado com práticas docentes antigas,
errôneas sobre o risco e manejo correto des-
visto que o contexto escolar mudou, pois o
ses animais. Serpentes, anfíbios, aranhas,
contingente estudantil aumentou e a socia-
lacraias, abelhas e escorpiões são alguns
lização, as formas de expressão, as crenças,
dos muitos animais que vivem envoltos a
os valores, as expectativas e a contextuali-
histórias e lendas a respeito da sua pericu-
zação sócio-familiar dos alunos são outros
losidade e ameaça à vida de homens e ani-
(DELIZOICOV et al., 2002).
mais domésticos. A falta de conhecimento
Materiais didáticos que despertem o in- sobre a ecologia e os hábitos desses animais
teresse dos alunos e formas diferenciadas provoca sensação de repúdio e não permi-

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


te ao indivíduo a correta identificação do Nesse contexto, o objetivo desse trabalho
animal, nem tampouco proceder conforme foi avaliar o conhecimento dos alunos de
medidas corretas de manejo e segurança. ensino médio do IFMA - Campus Codó so-
bre os animais venenosos e peçonhentos,
Conceitos como os de animal peçonhen-
tais como: identificação correta, importân-
to, venenoso e não venenoso nem sempre
cia ecológica e procedimentos de manejo e
são claros para a maioria da população.
segurança, além da elaboração de um ma-
100 Segundo Ferreira e Soares (2008), um dos
terial didático complementar a ser utiliza-
principais fatores responsáveis pelo alto ín-
do nas aulas de biologia e em palestras de
dice acidentes com animais peçonhentos
educação ambiental que contribua para a
é o desconhecimento da população sobre
desmistificação de conceitos sobre o tema.
aspectos biológicos e ecológicos básicos de
cada animal, assim como sobre a prevenção
de acidentes. Sendo assim, cabe à Educação 2 MATERIAIS E MÉTODOS
Ambiental a desconstrução dessas visões A pesquisa foi desenvolvida no campus do
distorcidas da realidade e a formação de Instituto Federal de Educação, Ciência e
uma consciência ambiental, pois, segundo Tecnologia do Maranhão (IFMA) localizado
Chassot (2010), somente um indivíduo al- em Codó, município situado na chamada
fabetizado cientificamente entende o meio e na Zona dos Cocais no estado do Mara-
onde vive e age de forma a melhorá-lo. nhão. O campus Codó está localizado na
zona rural do município e possui como
Entende-se por animal venenoso aquele
característica o ensino, pesquisa e exten-
que secreta alguma substância tóxica para
são fortemente voltadas para as questões
outros animais, inclusive para o ser huma-
agrícolas e ambientais, possuindo grande
no. Essas substâncias podem estar presentes
parte do corpo docente composto por pro-
na pele ou em outros órgãos e têm a função
fessores que integram o campo de ensino
de proteger o animal contra predadores. das Ciências Agrárias. A presença de cam-
Alguns peixes, diversos anfíbios e alguns pos agropecuários experimentais e de uma
invertebrados são exemplos de animais considerável vegetação no entorno da in-
venenosos (COTTA, 2014). Animais peço- fraestrutura do campus facilita o encontro
nhentos são aqueles capazes de produzir e ocasional dos alunos com vários animais
inocular substância tóxica, sendo responsá- peçonhentos e venenosos. Sendo assim, a
veis por causar acidentes que podem pro- instituição foi escolhida como um ótimo
vocar complicações locais, gerando seque- local para fomentar discussões sobre a te-
las e em casos mais graves, evoluir ao óbito mática animais peçonhentos e venenosos
(BRASIL, 2009). Essa definição é a mesma com a comunidade escolar, já que a educa-
utilizada por diversos autores, como Puorto ção ambiental nas comunidades inseridas
e França (2003) e Bernarde (2012), e será nesse contexto é de extrema importância
adotada nas discussões desse trabalho. para a conservação das espécies e manuten-

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


ção do equilíbrio dos ecossistemas, além de Codó. Dentre os entrevistados, 71% afir-
contribuir na formação acadêmica de téc- mou já ter tido algum tipo de contato com
nicos agrícolas e ambientais. um animal peçonhento, enquanto 29%
nunca teve nenhuma experiência com esse
Foram elaborados questionários semiestru-
tipo de animal. Caso a aluno desse uma res-
turados para investigar os conhecimentos
posta afirmativa a esse questionamento, era
prévios dos alunos a respeito da impor-
solicitado então que o estudante especificas-
tância e dos cuidados que se devem ter ao
se qual animal já havia avistado ou tocado. 101
encontrar ocasionalmente um animal pe-
Vários animais foram citados neste campo,
çonhento/venenoso. Foram investigados
sendo que serpentes foram responsáveis por
também os conceitos prévios dos alunos so-
uma alta porcentagem (60%) das respostas
bre a temática e se estes conseguiam proce-
(ver Figura 1). Essa alta porcentagem pode
der à correta classificação de alguns animais
ser explicada pelo fato das serpentes serem
quanto ao grau de perigo ao homem. Para
notadamente os animais que mais frequen-
elaboração das questões, considerou-se as
temente são associados como perigosos e
concepções alternativas ou o senso comum
nocivos aos seres humanos. Esses animais
existente sobre o tema, buscando a compa-
fazem parte da mitologia de muitos povos,
ração entre o conhecimento científico e os
representando tanto o bem quanto o mal
mitos e crenças populares. Adotou-se uma
(PIZZATO, 2003). Por conta disso, são mais
visão antropocêntrica em algumas pergun-
popularmente relacionados a acidentes com
tas, pois é a visão mais difundida pelo saber
envenenamento e são associados no imagi-
popular e por alguns livros didáticos.
nário popular e nas crenças e mitos a senti-
Os questionários foram aplicados em maio mentos e atitudes ruins.
de 2014 para estudantes do ensino médio,
A grande incidência de alunos que tiveram
na faixa etária de 14 a 19 anos. Após a apli-
algum tipo de contato com animais peço-
cação, os dados foram tabelados e analisa-
nhentos se justifica pela a localização geo-
dos por meio de estatística descritiva e os
gráfica e aptidão econômica do município
resultados apresentados por meio de grá-
de Codó. O campus está localizado na sede
ficos. Os dados também foram utilizados
da antiga Escola Agrotécnica Federal de
para elaboração de material didático do
Codó, possui vocação totalmente voltada
tipo cartilha e subsidiaram os conceitos e as
para o ensino das Ciências Agrárias e muitos
práticas que foram abordadas em um mini-
dos alunos são oriundos de famílias que pos-
curso ministrado para os alunos, intitulado
suem ampla ligação com a terra e atividades
“Animais Peçonhentos: mitos e verdades”.
agrícolas. Muitos contatos com animais pe-
çonhentos são relatados em comunidades
3.RESULTADOS E DISCUSSÃO rurais ou com trabalhadores que exercem
Foram aplicados 258 questionários com alguma função relacionada à agropecuária
alunos do ensino médio do IFMA - Campus (BOCHNER e STRUCHINER, 2003).

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


102

Figura 1: Porcentagens das respostas dadas pelos estudantes do câmpus Codó quando questionados se: a)
Você já viu ou tocou algum animal peçonhento/venenoso? Qual?; b)Qual a sua reação ao avistar um animal
peçonhento?

A segunda pergunta do questionário trata- estarem inseridos em um contexto rural já


va sobre qual tipo de reação o entrevista- tenham noções mínimas de meio ambiente
do teria ao encontrar ocasionalmente um e conservação das espécies.
animal peçonhento nas dependências da Os alunos também foram questionados se
instituição. As respostas mostram que os conheciam alguém que já havia sido pi-
alunos, em sua maioria, ou chamariam a cado por algum animal peçonhento. Para
ajuda de algum professor (32%), ou corre- essa pergunta, mais da metade dos entre-
riam (27%) ou esperariam o animal ir em- vistados (53%) afirmaram conhecerem al-
bora (25%) (ver figura 1). Esses resultados gum amigo ou parente que já tenha sofrido
permitem perceber ainda uma forte hie- um acidente com animal peçonhento. Ao
rarquia presente no ambiente escolar. O serem questionados sobre qual animal se-
professor é visto com detentor do conhe- ria o causador do acidente, a maioria res-
cimento e, portanto, tomador de decisões. pondeu que o responsável pelo ataque se
Outro aspecto importante nas respostas a tratava de uma serpente (57%) ou um es-
esse questionamento foi a baixa incidência corpião (27%) (ver Figura 2). Inclusive foi
de alunos (7%) que afirmaram que mata- registrado um relato de um aluno que foi
riam o animal ao avistá-lo. Apesar da for- picado por escorpião nas dependências da
ma como esta pergunta foi elaborada ter própria escola. Segundo dados do Sinan –
potencial para indução de uma resposta Sistema de Informação de Agravos de Noti-
esperada, em um estudo onde foi feito per- ficação, órgão vinculado aos Ministério da
gunta similar, 84% dos entrevistados afir- Saúde, foram registrados, apenas em 2014,
maram que costumavam matar as aranhas um total de 2290 notificações de acidentes
que encontravam (SOUZA e SOUZA, 2005), envolvendo serpentes e aranhas no estado
o que pode demonstrar que os alunos por do Maranhão.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


Sobre os conceitos referentes ao uso correto dos termos peçonhento e venenoso, 50% dos
alunos responderam corretamente afirmando que existem animais venenosos que não
são peçonhentos. A outra metade dos alunos deram respostas que variavam numa série de
conceitos equivocados (ver Figura 2). Esses altos números de conceitos errôneos difundi-
dos entre os estudantes podem estar associados a fato de muitos livros didáticos do ensino
médio e fundamental ainda apresentarem erros conceituais graves ao tratarem sobre a di-
ferenciação de animais peçonhentos e venenosos (SANDRIN et al., 2005). Em decorrência
103
da avaliação pedagógica realizada nos livros didáticos a partir de 1998, pelo Ministério
da Educação, e que resultou na publicação dos Guias de Livros Didáticos (BRASIL, 1999),
a maioria dos livros que apresentavam graves erros conceituais e metodológicos foram
excluídos do processo de aquisição e distribuição pelas escolas. Contudo, esses livros de
edições anteriores e obras recentes não analisadas estão disponíveis aos alunos e professo-
res, fazendo parte do acervo bibliográfico das escolas, o que contribui para disseminação
de um falso conhecimento científico (NUNEZ et al., 2001).

Figura 2: Porcentagens das respostas dadas pelos estudantes do câmpus Codó quando questionados se a) Você
conhece alguém que já tenha sido picado por animal peçonhento? Que animal era esse?; b) Qual o conceito
de animal peçonhento e venenoso?

A quinta pergunta do questionário tratava sobre as medidas a serem tomadas em caso de


picada de animal peçonhento. Nessa pergunta, os alunos poderiam escolher múltiplas res-
postas, visto que não existe um único procedimento correto a ser adotado. A maioria dos
alunos (44%) respondeu corretamente, que a pessoa acidentada deverá ser encaminhada ime-
diatamente a um posto de saúde, contudo apenas 13% dos entrevistados detectou que não
permitir que o acidentado realize grandes esforços físicos como andar ou correr seja uma me-
dida eficaz a ser adotada em caso de acidente. Os procedimentos incorretos e que são, muitas
vezes, adotados pelo senso comum representaram, no total, 43% das respostas (ver Figura 3).
Segundo Sandrin e colaboradores (2005), a execução de programas de educação ambiental e
em saúde que tratem sobre acidentes com animais peçonhentos tem o objetivo de reduzir o
número de casos, a letalidade e o não uso de práticas caseiras como primeiros socorros.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


104

Figura 3: Porcentagens das respostas dadas pelos estudantes do câmpus Codó quando questionados se: a)
Quais procedimentos devem ser adotados em caso de picada por animal peçonhento?; b) Qual a importância
da preservação dos animais peçonhentos?

Muitos dos procedimentos de primeiros socorros tidos como corretos por grande parte da
população advém de crenças populares, do erro de identificação das espécies de animais
e da divulgação errada de procedimentos em programas de televisão, internet e livros
didáticos antigos. O incentivo à adoção de medidas preventivas e a divulgação de proce-
dimentos adequados a serem tomados em caso de acidente, reduz o número de casos com
sequelas e representa uma economia para o serviço público (FERREIRA e SOARES, 2008).

Quando questionados se os animais peçonhentos deveriam ser preservados, a maioria


dos alunos (96%) respondeu que sim. A justificativa escolhida, predominantemente nes-
se caso, é que os animais peçonhentos também contribuem para o equilíbrio ecológico
(ver Figura 3). Esse resultado demonstra que os alunos do IFMA – Campus Codó, em sua
maioria, já percebem o papel das diferentes espécies nos ecossistemas e rejeitam a visão
antropocêntrica que toma como referência as vantagens ou desvantagens que as outras
espécies venham a conferir ao homem. Esse tipo de reposta positiva pode já ser reflexo
do conhecimento técnico adquirido pelos estudantes nas dependências próprio instituto.

O uso de classificações não científicas tais como “feios”, “nojentos”, “nocivos” também são
encontradas em alguns livros didáticos (SANDRIN et al., 2005) que podem, inclusive, contri-
buir para a matança indiscriminada dos animais que, aparentemente, não oferecem nenhum
tipo de utilidade ao homem.

A pergunta final do questionário pedia aos alunos que classificassem as fotos de 15 animais
nas categorias: animal não venenoso, animal venenoso e animal peçonhento. As imagens
utilizadas foram selecionadas entre espécies locais que frequentemente esses alunos pos-
suíam contato, tanto no ambiente escolar como nas suas residências. Muitas espécies não
venenosas como rato, barata e piolho de cobra foram classificadas, na maioria dos ques-
tionários, como animais peçonhentos ou venenosos (ver Figura 4). Isso se justifica, pois a

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


maioria da população possui algum tipo de aversão a esses animais que são frequentemen-
te associados a doenças e falta de higiene. Tanto essas espécies como as serpentes, aranhas,
vespas e escorpiões são classificadas no grupo de animais indesejáveis ao homem. Com
as respostas dadas a essa pergunta também é possível perceber que a maioria dos alunos
não consegue fazer a correta distinção entre um animal venenoso e peçonhento, demons-
trando a carência na abordagem, em sala de aula, dessa caraterística tão importante para
compreensão do tema e a para identificação dos potenciais riscos à saúde.
105

Figura 4: Frequência absoluta da classificação dos animais feita pelos estudantes do campus Codó nas catego-
rias animal não venenoso, animal venenoso e animal peçonhento.

As respostas fornecidas pelos alunos nos questionários foram utilizadas na formulação do


material didático do tipo cartilha. A necessidade de produção da cartilha vem do fato da
carência da abordagem realizada nos livros didáticos de ensino médio sobre uma temática
tão relevante para estudantes inseridos em uma realidade rural. A cartilha continha infor-
mações acerca das principais espécies peçonhentas de répteis e artrópodes encontradas no
Brasil, conceitos básicos e mitos relacionados à identificação dos animais peçonhentos,
métodos para identificação de espécies de interesse médico, consequências e sintomas dos
principais acidentes ocasionados por animais peçonhentos, além de cuidados no campo e
procedimentos de segurança caso ocorra o encontro ocasional com esses animais.

Como detectado por vários autores (SANDRIN et al., 2005; FERREIRA e SOARES, 2008), os
livros didáticos apresentam inúmeros erros conceituais e muitos professores têm dificuldade
de acesso à literatura especializada. Portanto, a cartilha tem a proposta de auxiliar o profes-
sor na sua prática pedagógica, ajudando-o a enfrentar as dificuldades relacionadas ao tema.
O material produzido também pode ser utilizado como material para educação ambiental
em ambientes fora da escola em palestras, oficinas e discussões, já que a linguagem empre-
gada é bem acessível para os diferentes públicos.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


Além da cartilha educativa, um total de 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
sessenta alunos participaram do minicurso
Este trabalho mostrou que há uma carência
“Animais peçonhentos: mitos e verdades”,
grande na compreensão dos principais aspec-
que foi ministrado durante dois dias e pos-
suiu carga horária total de 10h. O objetivo tos que cercam a temática animais peçonhen-
central dessa ação educativa foi repassar o tos, principalmente no que se refere à identi-
conhecimento científico e desmistificar uma ficação das espécies de interesse médico e ao
106 série de crenças que cercam o imaginário po- procedimento em caso de acidente.
pular. A aceitação do minicurso pelo público Serpentes, escorpiões e aranhas despertam
foi considerada muito boa e houve grande o interesse de crianças e adolescentes e en-
participação dos alunos. Pode-se considerar tende-se que esse tipo de tema deve ser abor-
essa estratégia um bom recurso pedagógico
dado de uma forma mais cuidadosa pela es-
como complemento aos conteúdos regulares
cola. Noções de saúde e ambiente buscam
ministrados em sala de aula, sendo uma im-
fazer um paralelo entre o conhecimento
portante ferramenta de educação ambiental.
científico e a vida prática dos estudantes,
Os resultados dos questionários, o processo contribuindo, portanto, para aproximar os
de elaboração da cartilha didática e o diálo- jovens do saber científico, despertar o in-
go desenvolvido com os estudantes durante teresse pelos estudos, além de desmistificar
o minicurso mostram que existem muitas visões de mundo errôneas e preconcebidas.
dúvidas e mitos sobre a temática animais
peçonhentos. O professor, ao abordar esse Acredita-se que ações de educação ambiental
tema em sala de aula, deve partir, primei- nas escolas e o estímulo à produção de mate-
ramente, dos conceitos prévios dos alunos, riais didáticos auxiliares, como os produzidos
procurar desmistificar visões incorretas, a partir desse trabalho, contribuam na forma-
mitos e crenças populares, numa aborda- ção de cidadãos mais conscientes e de profis-
gem que permita ao aluno reconhecer a si sionais com maior qualidade, com visão de
mesmo como parte integrante do meio am- mundo aprofundada e que saibam reconhe-
biente e como construtor e propagador do cer a importância das questões ambientais
conhecimento científico. para o pleno desenvolvimento da sociedade.
Esse estudo aponta que as grandes deficiên-
cias conceituais apresentadas pelos estudan- AGRADECIMENTOS
tes estão concentradas na diferenciação de
Agradecemos ao Programa de Especializa-
animais peçonhentos, medidas de preven-
ção em Educação Ambiental e Gestão Par-
ção e primeiros socorros. Portanto, cabe,
ticipativa de Recursos Hídricos do Instituto
ao docente, buscar informações atualizadas
sobre esses temas e utilizar métodos didáti- Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
cos para transmissão do conteúdo, visto que do Maranhão - IFMA, ao IFMA - Campus
esse é um tema de importância não apenas Codó e aos inúmeros estudantes que gentil-
ambiental, mas também de saúde pública. mente aceitaram participar dessa pesquisa.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


REFERÊNCIAS
BAPTISTA, G. C. S., Conhecimentos prévios sobre a natureza, prática de ensino e forma-
ção docente em ciências, Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salva-
dor, v.15, n. 26, p. 199-210. 2006.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros cur-


riculares nacionais para o ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, 1997.
107
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto - MEC/Fundação Nacional de Desenvolvi-
mento da Educação - FNDE. Programa Nacional do Livro Didático - PNDL 1999. Guia de
livros didáticos 5ª a 8ª séries, 1998. 599p.

BRASIL. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Secre-


taria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. 7.ed. Brasília,
DF, 2009. 813 p.

BERNARDE, P. S. Anfíbios e Répteis. Introdução ao Estudo da Herpetofauna Brasileira.


1ed. Curitiba: Anolis Book, 2012. 230p.

BOCHENER, R.; STRUCHEINER, C. J. Epidemiologia dos acidentes ofídicos nos últimos


100 anos no Brasil: uma revisão. Cadernos de Saúde Pública, v.19, n.1, p. 7-16, 2003.

CHASSOT, A. I. Alfabetização Científica: Questões e Desafios para a educação. Ijuí:


Editora Unijuí, 2010. 368 p.

COTTA, G. A. Animais Peçonhentos. 5ed. Belo Horizonte: Fundação Ezequiel Dias, 2014. 36p.

DELIZOICOV, D., ANGOTTI, J. A., PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: Funda-


mentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2002.

DIAS, G. F. Atividades interdisciplinares de Educação Ambiental: manual do professor.


São Paulo: Co-ed. Global/Gaia, 1994. 112p.

FERREIRA, A. M.; SOARES, C. A. A. Aracnídeos peçonhentos: Análise das informações nos


livros didáticos de ciências. Ciência e Educação. v.14, n.2, p.307-314, 2008.

KNÜPPE, L. Motivação e desmotivação: desafio para as professoras. Educar, n. 27, p. 277-


290, 2006.

MALDANER, Otavio Aluísio, Concepções epistemológicas no ensino de ciências. In: SCH-


NETZLER, R. P.; ARAGÃO, R. M. R. Ensino de ciências: fundamentos e abordagens. 1ed.
Piracicaba: UNIMEP, 2000.

MAYER, D. D.; SILVA, K. V. C. L. Brincar de filosofar, despertando o interesse pelo saber:


oficinas sobre animais peçonhentos. Cadernos de Aplicação, v. 21, n.2, p. 179-191. 2008.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017


MORTIMER, E. F., Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: para onde
vamos? Investigações em Ensino de Ciências, v. 1, n.1. p. 20-39. 1996.

NUNEZ, I. B.; RAMALHO, B. L, SILVA, I. K. P. O livro didático para o ensino de ciências. Se-
lecioná-los: um desafio para os professors do ensino fundamental. In: ENCONTRO NACIO-
NAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIA, 2001, Anais… São Paulo: Atibaia, 2001.

PIZZATTO, L. O. O fascinante mundo das serpentes. Ciência Hoje, v.179, p. 71-73. 2003.
108
PUORTO, Giuseppe; FRANÇA, Francisco Oscar de Siqueira. Serpentes não peçonhentas e
aspectos clínicos dos acidentes. In: CARDOSO, João Luiz Costa; FRANÇA, Francisco Oscar
de Siqueira, WEN, Fan Hui; MÁLAQUE, Ceila Maria S. Animais Peçonhentos no Brasil:
biologia, clínica e terapêutica dos acidentes. 1ªed. São Paulo: Sarvier, 2003.

SANDRIN, M. F. N.; PUORTO, G.; NARDI, R. Serpentes e acidentes ofídicos: um estudo


sobre erros conceituais em livros didáticos. Investigações em Ensino em Ciências. v. 10,
p. 281-298, 2005.

SOUZA, C. E. P.; SOUZA, J. G. (Re)conhecendo os animais peçonhentos: diferentes abor-


dagens para a compreensão da dimensão histórica, sócio-ambiental e cultural das ciências
da natureza. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIA,
5., 2005, Bauru. Atas do V ENPEC. Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em
Ciências, 2005.

SOUZA, H. V. L; FERREIRA, E. C.; GOYA, E. J. A cartilha como material didático: conserva-


ção do patrimônio artístico cultural, 2009. In: VII SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA
EM ARTE E CULTURA VISUAL. Samambaia, 2009. Anais… Samambaia: Universidade Fe-
deral de Goiás, 2009.

ACTA TECNOLÓGICA v.12, nº 1, 2017

Você também pode gostar