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O Governo Onipotente

Por
Marco Batalha
-
15/11/2022

O enfraquecimento do dinheiro torna o poder estatal praticamente


ilimitado.

Em seu livro Da Aurora À Decadência, o historiador Jacques Barzun


identifica a Primeira Guerra Mundial como o ponto crucial para o início da
decadência ocidental. Antes, as pessoas podiam viver suas vidas
livremente, colhendo os frutos ou sofrendo as conseqüências das suas
ações. Depois, as pessoas passaram a ver o estado como um ente que
satisfaria os seus desejos e as protegeria de más conseqüências. Social,
econômica e politicamente, o papel do estado foi redefinido como o de
um gênio da lâmpada. Bastava as pessoas votarem para terem todos os
seus desejos atendidos. Um outro historiador, Élie Halévy, também diz
que a era das tiranias se iniciou em 1914, com a Primeira Guerra,
quando houve uma nacionalização econômica e uma reorganização da
sociedade para um modelo coletivista.

Até então, a solidez do dinheiro restringia o tamanho do estado, já que


este precisava taxar diretamente as pessoas para se financiar. Depois,
com a adoção de um dinheiro fraco, o estado podia comprar alianças e
popularidade sem ter de mostrar a conta para a população. Bastava
inflacionar a moeda para financiar qualquer esquema que lhe fosse
conveniente. Os efeitos só seriam sentidos depois, quando houvesse um
aumento generalizado nos preços. Quando isso acontecia, os políticos
podiam colocar a culpa em outros entes, como banqueiros, empresários,
estrangeiros ou facções políticas rivais. Aliás, o dinheiro fraco é
particularmente deletério em uma democracia, onde os políticos
encaram pressões para se reelegerem. Os eleitores tendem a preferir
justamente os que prometem almoços grátis impossíveis.

O dinheiro fraco está na raiz das ilusões modernas dos eleitores e dos
coitados que tiveram a infelicidade de estudar economia em
universidades. Eles acreditam que as ações estatais não têm custos de
oportunidade e que o Leviatã pode usar uma varinha-de-condão para
moldar a realidade a seu bel-prazer. Seja a redução da pobreza, a oferta
de educação “pública, gratuita e de qualidade”, um sistema universal de
saúde ou coisas afins, eles acreditam que a lei da oferta e procura pode
ser ignorada. Eles vivem em uma terra de sonhos, em que essas
demandas não têm custos reais. Eles crêem que tudo que é necessário
para atingir esses objetivos é “vontade política” ou “escolher o líder
certo” ou “acabar com a corrupção”. Eles ficariam chocados caso
descobrissem que políticos não podem conjurar isso do nada.

Agora, imagine se descobrissem que tudo isso precisa ser proporcionado


por pessoas reais – que têm de acordar cedo para produzir os almoços
supostamente grátis. Ainda que nenhum político tenha sido eleito por
reconhecer essa realidade, a urna de votação não pode eliminar a
escassez dos recursos. Quando o estado oferece algo, não está
melhorando a economia – está apenas a planejando centralmente, com
as terríveis conseqüências que conhecemos tão bem. O dinheiro fraco foi
uma bênção para os déspotas, pois lhes permitiu camuflar os custos do
aumento da base monetária. Eles passaram a se financiar via inflação,
deixando a conta para a população, que via seu poder de compra
evaporar e não associava isso à expansão monetária. E é isso que
experimentamos neste mundo fiduciário em que vivemos.

Não é por acaso que, olhando para os eventos mais tirânicos da história,
encontramos que todos eles ocorreram sob um sistema monetário
controlado pelo estado com mãos-de-ferro e constantemente
inflacionado para financiar as operações governamentais. Há uma boa
razão pela qual tiranos do porte de Stalin tenham governado em
períodos de dinheiro fraco, que era impresso à vontade para viabilizar
seus mandos e desmandos. É a mesmíssima razão pela qual as
sociedades que os pariram não produziram ninguém do mesmo nível
quando estavam sob um sistema monetário forte. Note que nenhum
desses déspotas enfraqueceu o dinheiro depois de ter assumido o poder.
O dinheiro teve de ser enfraquecido antes para que eles pudessem o
assumir. Com o dinheiro fraco, ficou muito fácil a tomada do poder.
Essa enfraquecimento do dinheiro sempre acontece com promessas de
almoços grátis: de educação, saúde, segurança e todos os tipos de
“direitos” possíveis e imagináveis. Um canto de sereia… O dinheiro fraco
torna o poder do Leviatã praticamente ilimitado, com conseqüências
terríveis para os indivíduos. A política torna-se o centro de suas vidas,
drenando boa parte dos recursos e da energia da sociedade para um
jogo de soma-zero, em que os vassalos precisam perder para que os
suseranos ganhem. Já um dinheiro sólido por si só limita o poder estatal,
permitindo à grande maioria dos indivíduos um alto grau de liberdade
em suas vidas pessoais, qualquer que seja o regime sob o qual vivam.
Se o dinheiro é fraco, temos o exato oposto. Com o crescimento do
poder estatal, mais e mais liberdades individuais são tolhidas.

Neste momento, vale a pena retornarmos às idéias de John Maynard


Keynes para entender as motivações do sistema econômico que ele
propõe – o sistema sob o qual temos vivido nas últimas décadas. Em um
artigo intitulado “O Fim Do Laissez-Faire”, ele descreve como deveria ser
o papel do estado. Keynes defende que o estado não deve se preocupar
com “coisas triviais como liberdades individuais”, mas sim com o
completo controle sócio-econômico. Para isso, o estado deve: (1)
controlar a moeda e o crédito por meio de uma instituição central; (2)
decidir o nível de poupança da sociedade; e (3) determinar o tamanho
populacional ideal. Escreve ele:

“Uma política nacional sobre o tamanho populacional, se maior ou


menor do que o atual, é de suma importância. Tendo-a definido,
podemos discutir como colocá-la em prática.”

Em outras palavras, a concepção keynesiana de estado, da qual vem a


doutrina moderna de bancos centrais e que molda a grande maioria dos
livros acadêmicos econômicos, origina-se de uma pessoa que queria o
estado controlando dois aspectos fundamentais das nossas vidas:
primeiro, das decisões econômicas envolvendo dinheiro, crédito,
poupança e investimentos, o que implica centralização totalitária da
alocação de capital, destruição dos empreendimentos individuais e
dependência do governo para a subsistência e, segundo, controle da
qualidade e quantidade populacional. Só a ponerologia mesmo para
explicar isso. Em um sistema assim, o dinheiro deixa de funcionar como
um sistema de informação para otimizar a produção e passa a ser um
programa de fidelidade ao estado. É nesse sistema em que hoje
vivemos.

[Este texto baseia-se em um trecho do sétimo capítulo do livro “The


Bitcoin Standard”, de Saifedean Ammous.]
https://rothbardbrasil.com/o-governo-onipotente/

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