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Resenha do texto

Neoliberalismo – de onde vem, para onde vai?


Autor: Reginaldo Moraes
O liberalismo clássico, nascido com A. Smith, já passou por transformações
conservadoras durante o século XIX. Nesse curto volume, Reginaldo Moraes repassa os
principais elementos da história do neoliberalismo, suas correntes, autores, ideias e
nítidos problemas.
A regulação “natural” do mercado é estendida, por D. Ricardo (1987), para as “vocações
naturais” das nações para produzir esse ou aquele bem (adivinha quem teria vocação
para produzir mão de obra?). A crítica ao mercantilismo, às corporações e ao Estado
foram radicalizadas por autores como E. Burke, B. Constant, T. Macaulay e H. Maine.
O alvo passou a ser a democracia liberal. Para sujeitos como W. Lecky, o voto universal
daria muito poder político aos trabalhadores, que poderiam guiar os rumos das nações
acima das decisões do "mercado". Ao final do século XIX, H. Spencer, em "Indivíduo
contra o Estado", já defendia uma espécie de darwinismo social.
Essa radicalização foi interrompida pelas duas grandes guerras e pela crise de 1929.
Naquele momento, o pensamento keynesiano tomou força e a regulação estatal do
mercado rumou para um estado de bem- estar social, que garantiu crescimento
econômico e pleno emprego para as nações até o final da década de 1960.
A crise do petróleo, seguida da estagflação, impulsionou políticas protecionistas e
deixou os Estados fragilizados diante de investidas de organizações formadas para
disseminar os pensamentos de L. van Mises e F. von Hayek. Essas organizações, bancos
de ideias e influências (think thanks), foram formados desde a fundação da Sociedade
de Mont Pèlerin (1947) e influenciam nas eleições de Reagan e de Thatcher, que
apoiaram o golpe neoliberal no Chile.
Com a nova uma radicalização do liberalismo, já radicalizado no século XIX, o
neoliberalismo ataca todo o empreendimento estatal voltado para o bem-estar social
(redistribuição de renda, ensino público, saúde pública, segurança pública, etc.), toda a
regulamentação estatal (alfândega, leis trabalhistas, controle de preços), a previdência
social e a própria democracia liberal.
Um das estratégias para suprimir a democracia é tornar as escolhas da população em
aparências ineficazes. Ao passar todo o poder regulatório para as agências internacionais
(G-20, FMI, OCDE, etc.), as políticas neoliberais tornam o estado ineficiente e o voto
popular sem poder prático.
Após sintetizar o contexto histórico da passagem do liberalismo para o neoliberalismo,
Moraes, passa a apresentar as características das principais correntes neoliberais e seus
fundadores.
Três escolas neoliberais:
- Escola austríaca (von Hayek, baseado em Mises e em Carl Menger), forma a base da
economia de mercado;
- Escola de Chicago (com T. W. Schultz, Gari Becker e Milton
Friedman), trabalha a ideia de capital humano e forma a experiência chilena de
Pinochet;
- Escola da Virgínia (de James M. Buchanan), que defende a ideia de “escolha pública”,
baseada no pressuposto de que haveria decisões inatas do ser humano e essas deveria
guiar a norma pública. Sua teoria mais aplicada é a do rente-seeking
Com relação às políticas públicas, os neoliberais e neoconservadores (que, hoje, são
praticamente o mesmo), fortemente baseados nas ideias de Buchanan, criam uma
analogia entre o voto e a cédula de dinheiro. Eles defendem que o poder individual de
compra seria o sistema de “voto perfeito”. Nesse sistema, pessoas com dinheiro são
consideradas cidadãs e pessoas sem dinheiro se tornam sem direitos. O pressuposto
dessa analogia é o de que quem não tem dinheiro para comprar/votar é porque foi
incompetente ou vagabundo e, por isso, não deveria ter direitos civis. Apesar das
palavras bonitas e do verniz de racionalidade, o pensamento neoliberal, em seu extremo,
é o mesmo que a defesa da legalização da escravidão.
Rumo à uma utopia/distopia, os neoliberais/neoconservadores implementaram reformas
nos países do Sul geopolítico, durante os anos 1980, no sentido de tornar o voto menos
efetivo, retirar poder de decisão da população pobre e submeter os estados à normas
externas, através de dívidas contraídas com instituições supranacionais (FMI, Banco
Mundial). Para compreender como esse movimento funcionou em larga escala e de
modo deliberado, conferir “Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas
latino-americanos” (1994), de Paulo Nogueira Batista.
O livro segue com um capítulo em que apresenta citações diretas desses principais
teóricos neoliberais, organizadas como entrevistas simuladas. Hayek defende que os
caminhos que levaram a humanidade à economia de mercado foram uma evolução
espontânea e que, após chegarmos à uma população de bilhões, não haveria alternativa
ao capitalismo e ao mercado. Ele defende, também, que, para que essas normas de livre
mercado sejam mantidas, seria válida a existência de governos autoritários e que “certas
vidas” sejam sacrificadas.
É inevitável concluir que o neoliberalismo não apenas defende um sistema de
dominação dos mais ricos sobre os mais pobres, pensado de modo a impedir que os
pobres abandonem sua condição através do trabalho, como mantém tal sistema através
da violência do Estado. O pobres, pensado de modo a impedir que os pobres abandonem
sua condição através do trabalho, como mantém tal sistema através da violência do
Estado. O neoliberalismo é incompatível com os princípios mais básicos de democracia,
vida coletiva e da própria liberdade, cujos sentidos ele deturpa para servir aos seus fins
hediondos.

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