Você está na página 1de 158

UMA HISTÓRIA CRÍTICA DA TEORIA ECONÔMICA

1ª Edição

Editora Konkin
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Jéssica de Oliveira Molinari CRB-8/9852

Böhm-Bawerk, Eugen von, 1851-1914


Capital e juros : volume 2 : / Eugen von Böhm-Bawerk ;
coordenação editorial Cláudio Henrique Tancredo; tradução e
revisão José Aldemar...[et al]. -- 1. ed. -- São Paulo, SP :
Universidade Libertária : Editora Konkin, 2023.
158 p.

Título original: Kapital und kapitalzins.


Outros tradutores: Gabriel Garcia de Oliveira, José Aldemar,
Junior Gustavo Felipe Percebon, Pedro Teressan e Matheus
Ragash.

ISBN 978-85-68488-49-2

1. Capital (Economia) 2. Economia 3. Escola Austríaca de


Economia 4. Finanças – Administração 5. Juros 6. Liberalismo
I. Aldemar, José II. Título

23-4912 CDD 330.157

Índices para catálogo sistemático:


1. Escola Austríaca : Economia

Obra de domínio público


EUGEN VON BOHM-BAWERK
PROFESSOR DE ECONOMIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE DE INNSBRUCK

TRADUZIDO COM PREFÁCIO E ANÁLISE DE


WILLIAM SMART, M.A.
^^p PALESTRANTE SOBRE ECONOMIA POLÍTICA NO QUEEN MARGARET COLLEGE GLASGOW

ISBN 978-85-68488-49-2 (versão impressa) | 978-85-68488-50-8 (versão digital)

Coord. Editorial Revisores


Cláudio Henrique “Henrido” Tancredo José Aldemar, Lua Reis,
José Aldemar Cláudio Henrique Tancredo

Tradutores Capa
Matheus Ragash, Júnior Gustavo Percebon, Gabriel Teixeira Pereira
Gabriel Camargo, Marcelo Parini,
José Aldemar, Fernando Lopez, Diagramação
Garcia de Oliveira, Pedro Teressan Elo3 Design Editorial

Todos os direitos de publicação deste livro, em língua portuguesa, que pertencem à Editora
Konkin, na forma da lei estão sendo, por intermédio deste, cedidos publicamente, inclusive para
venda, impressão e eventuais alterações.
Agradecimento ao economista Pedro Micheletto Palhares,
grande estudioso da teoria do capital e microeconomia/
processo de mercado, que dedicou seu tempo na aná-
lise dos termos para que o livro passe a ideia correta.

Estendemos os agradecimentos aos compradores antigos e


novos que confiaram em nossa empreitada e adquiriram a
presente obra ainda no inicio da pré-venda e auxiliaram a
presente obra vir a existir: Alfredo Louzada, Chris Ramos,
Cristiano Macedo Pereira, Edmundo Vasconcelos Souza
de Almeida, Gustavo Bessa Manzan, João Vitor Macedo
Vieira, Kauã Santos, Lucas Jorski, Mauricio Leite, Paulo
Roberto Cavalcante Junior, Pedro Arthur Carneiro Muratori
Portugal, Pedro Augusto Brito Maltez, Samuel Barros e
Victor Proença Santos.
SUMÁRIO

PREFÁCIO..................................................................09

LIVRO V
AS TEORIAS DO TRABALHO.......................................13
Capítulo I
O GRUPO INGLÊS.........................................................................15
Capítulo II
O GRUPO FRANCÊS......................................................................19
Capítulo III
O GRUPO ALEMÃO......................................................................25

LIVRO VI
A TEORIA DA EXPLORAÇÃO.......................................33
Capítulo I
PESQUISA HISTÓRICA..................................................................35
Capítulo II
RODBERTUS.................................................................................49
Capítulo III
MARX............................................................................................91

Su m ário 7
LIVRO VII
SISTEMAS MENORES...............................................119
Capítulo I
OS ECLÉTICOS............................................................................121
Capítulo II
A TEORIA DA FRUTIFICAÇÃO POSTERIOR..................................141

CONCLUSÃO................................................ 149

8 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I
PREFÁCIO

E
ugen Von Böhm-Bawerk é o principal responsável pela popu-
larização da Escola Austríaca de Economia. Embora ofusca-
do por Mises e Hayek, sua revisão bibliográfica das teorias do
capital e dos juros então vigentes foi de fundamental importância no
reconhecimento das deficiências tanto das teorias clássicas de valor
quanto da marxista.
Por outro lado, após a revisão crítica, sua Teoria Positiva do
Capital foi de igual importância e, embora tenha sofrido múltiplas mo-
dificações conforme o programa de pesquisa Austríaco evoluiu, com
a substituição do tempo médio de produção pelo tempo agregado de
produção de Hayek e, posteriormente, pelo mercado caleidoscópico
de Lachmann, em que a estrutura de capital se ramifica em múltiplos
planos de produção para produzir múltiplos bens de consumo, combi-
nando múltiplos bens de capital, a essência da teoria bawerkiana - de
que a produção é um processo sequencial que combina fatores de pro-
dução heterogêneos e complementares entre si - continua servindo de
base para esses desenvolvimentos modernos.
Indo na contramão da teoria matemática da microeconomia mo-
derna, os Austríacos identificam, na produção, um processo muito
mais complexo de combinação de ferramentas, trabalho humano e re-
cursos naturais que, ao invés de se preocupar com uma modelagem
precisa, investiga a essência do processo produtivo, que é essencial
para um crescimento econômico sustentável.
As conclusões da teoria de Bawerk, bem como a Teoria Austríaca
dos Ciclos Econômicos que dela deriva, confirmam a sabedoria po-
pular, de que o crescimento é possível apenas com um excedente de
produção sobre consumo, isto é, poupança real.
Dos círculos concêntricos, presentes nesse livro, aos complexos
modelos de Hayek, a teoria do capital possui considerações importan-
tes sobre o sistema de produção e sobre os efeitos da política monetá-
ria na Economia, enquanto Mises e Hayek afirmavam que a recessão,
causada por uma expansão monetária, seria proporcional à expansão
anterior, Lachmann demonstra que existem bens de capital reaprovei-
táveis como, por exemplo, prédios que abrigavam investimentos que
fracassaram. Por outro lado, os processos de expansão artificial da
oferta de crédito causam um desperdício de bens de capital, tal como
sua desvalorização, implicando em perdas de capacidade produtiva
que se acumulam a longo prazo.
Outros autores neoclássicos identificam um problema fundamen-
tal na teoria de Bawerk: a reversão técnica (reswitching). Porém, esta
crítica, originalmente direcionada à demanda por capital dos neoclás-
sicos, ataca pressupostos que são negados pela Teoria Austríaca do
Capital, tal como a homogeneidade do capital e os juros como preço
referente ao produto marginal do capital. Ora, no caso de Bawerk,
Hayek, Kirzner e Lachmann, os juros são a diferença intertemporal
dos valores dos bens de capital em diferentes etapas do processo pro-
dutivo, enquanto, por outro lado, seus preços são preços comuns de
fatores de produção.
Além disso, Guido Hülsmann, um economista misesiano crítico
da teoria de Juros tradicional da Escola Austríaca (teoria de juros da
preferência temporal pura) chegou às mesmas conclusões acerca do
ciclo econômico causado por emissão monetária, ao mesmo tempo em
que adota uma abordagem em que a diferença dos valores dos bens de
capital se dê pela diferença entre o valor dos fins (representados pelos
bens de consumo) em relação aos meios (representados pelos fatores
de produção). Todavia, sua própria teoria de juros acaba incorporando,

10 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
neste raciocínio, a mesma estrutura sequencial de produção, ou seja, a
estrutura temporal de capital.
O capital, o conceito mais controverso na História do Pensamento
Econômico, devido à multivocidade que as múltiplas escolas de pen-
samento o empregam, é tratado aqui com 3 dimensões: (1) o valor,
expresso em preços de mercado (proxy), dos bens de capital; (2) a
estrutura temporal que combina estes bens de capital em etapas se-
quenciais, determinadas pela tecnologia e o bem de consumo final que
visa produzir e (3) o valor desses bens de capital ao longo do tempo,
isto é, a relação intertemporal entre empregos concorrentes dessas fer-
ramentas e a duração desses processos produtivos.
Essas polêmicas internas são desenvolvimentos de uma teoria cuja
origem não foi menos polêmica, a longa parte dedicada a uma cuidado-
sa revisão bibliográfica mostra que, ao contrário do que os historiado-
res marxistas do pensamento econômico afirmam, a teoria da Utilidade
Marginal decrescente não surgiu para justificar o capitalismo ao substi-
tuir a teoria do valor que sustenta a teoria da exploração, mas, ao con-
trário, faltara-lhe uma devida análise crítica, do mesmo modo em que
Bawerk analisa Marx e anticapitalistas, o austríaco analisa teorias de
juros de outros autores em voga e estabelece um programa de pesquisa
completamente divergente do que seria a ortodoxia econômica atual, até
mesmo no que tange à sua antiga teoria ortodoxa do capital.
Antes do surgimento do debate sobre o problema do cálculo eco-
nômico sob o Socialismo, que delineou as divergências entre a Escola
Austríaca e sua irmã, a Escola Neoclássica, Menger já abordara a eco-
nomia sob uma ótica causal-realista, herdeira da pós-escolástica e, na
obra de Bawerk, pela investigação da essência da produção humana.
Bawerk não diz nada novo quando afirma que produzir não significa
criar matérias novas, mas transformá-la de forma a superar as limita-
ções humanas ao usar as leis da natureza contra ela própria. Ora, o que
é a produção, senão a manipulação mecânica, química e termodinâmi-
ca de átomos e moléculas preexistentes? A escassez da economia é o
conflito existente entre a matéria irreplicável e os objetivos replicáveis

P re fácio 11
e potencialmente ilimitados que as pessoas possuem para os recursos
materiais. Negar a escassez é negar a estrutura da própria natureza.
Dito isto, deixe seus pressupostos na porta e, ao entrar, você des-
cobrirá uma abordagem muito mais complexa, porém mais completa,
do que é a atividade da firma no sistema econômico. Recomendo a
todo economista e historiador do pensamento econômico a leitura das
fontes primárias, pois elas podem te surpreender e eliminar seus pre-
conceitos de manuais e livros-texto.

Pedro Micheletto Palhares1


São Paulo, 16 de agosto de 2023.

1
Economista paulistano de forte influência Austríaca e da Microeconomia ortodoxa, estudioso da teoria da ca-
pital e da microeconomia/processo de mercado, que dedicou seu tempo na análise dos termos para que o livro
passe a ideia correta. Sua monografia foi uma aplicação da Teoria do Capital no processo de desindustrialização
brasileiro, denominada “Desindustrialização no Brasil, uma análise de suas causas e consequências”.

12 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
LIVRO V

AS TEORIAS DO
TRABALHO
Capítulo I

O GRUPO INGLÊS

S OB o título de Teorias do Trabalho, agrupo várias teorias que


concordam em explicar os juros como um salário pelo trabalho
prestado pelo capitalista.
Quanto à natureza do “trabalho” que fornece a base para a reivin-
dicação capitalista de salário, há uma divergência significativa entre
as diferentes visões. Assim, sou obrigado a distinguir três grupos inde-
pendentes de teorias do Trabalho, e pelo fato de que seus respectivos
círculos de adeptos são muito marcados pela nacionalidade, vou cha-
má-los de grupo Inglês, Francês e Alemão.
Os escritores ingleses, representados principalmente por James
Mill e M’Culloch, explicam os juros associando-os ao trabalho por
meio do qual o próprio capital real passa a existir.
James Mill2 aborda o problema dos juros em sua doutrina de pre-
ços. Ele apresentou a proposição de que os custos de produção re-
gulam o valor de troca dos bens (p. 93). À primeira vista, o capital e
o trabalho são vistos como constituintes do custo de produção. Mas,

2
Elements of Political Economy, terceira edição, Londres, 1826. Infelizmente, não consegui ver a pri-
meira edição de 1821.
olhando mais de perto, Mill vê que o próprio capital passa a existir por
meio do trabalho e que todos os custos de produção podem, portanto,
ser atribuídos apenas a ele. O trabalho é, então, o único regulador do
valor dos bens (p. 97).
Com essa proposição, no entanto, o fato bem conhecido, já dis-
cutido por Ricardo, de que o adiamento também possui influência no
preço das mercadorias, parece não concordar. Se, por exemplo, em
uma mesma estação, um barril de vinho e vinte sacos de farinha tive-
rem sido produzidos pela mesma quantidade de trabalho, eles terão, é
claro, no final da estação, um valor de troca igual. Mas, se o dono do
vinho o colocar em uma adega e o mantiver por alguns anos, o barril
de vinho terá mais valor do que os vinte sacos de farinha — na verda-
de, mais valor pelo montante do lucro de dois anos.
Agora, James Mill se livra dessa perturbação de sua lei explican-
do o próprio lucro como um salário do trabalho; como uma remunera-
ção pelo trabalho indireto. “Não é solução dizer que os lucros devem
ser pagos, porque isso só nos leva à pergunta: Por que os lucros devem
ser pagos? Para isso, não há outra resposta senão: que eles são a remu-
neração do trabalho, do trabalho não aplicado imediatamente à merca-
doria em questão, mas aplicado a ela por meio de outras mercadorias,
o produto do trabalho.”
Essa ideia é mais exatamente elucidada pela seguinte análise.
“Um homem possui uma máquina, o produto de cem dias de trabalho.
Ao utilizá-la, o proprietário, sem dúvida, aplica o trabalho, embora em
um sentido secundário, aplicando o que não poderia ter sido obtido
senão por meio do trabalho.
Esta máquina, vamos supor, é calculada para durar exatamente dez
anos. Assim, um décimo do fruto de cem dias de trabalho é gasto todo
ano, o que, do ponto de vista de custo e valor, é o mesmo que dizer que
dez dias de trabalho foram gastos. O proprietário deve ser pago pelos
cem dias de trabalho que a máquina lhe custou à taxa de determinado
valor por ano, ou seja, por uma renda de dez anos equivalente ao valor

16 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
original da máquina.3 Assim, parece (!) que os lucros são simplesmente
remuneração do trabalho. Eles podem, de fato, sem fazer qualquer vio-
lência à linguagem (!), e dificilmente mesmo por meio de uma metáfora,
ser denominados salários; os salários daquele trabalho que é aplicado,
não imediatamente pela mão, mas mediatamente4, pelos instrumentos
que a mão produziu. E se você pode medir a quantidade de trabalho
imediato pela quantidade de salários, você pode medir a quantidade de
trabalho secundário pela quantidade de retorno do capitalista.”
Dessa forma, James Mill acredita ter explicado satisfatoriamente
os juros e, ao mesmo tempo, mantido em sua integridade a lei de que
somente o trabalho determina o valor dos bens. É bastante óbvio, no
entanto, que ele não conseguiu fazer nenhuma das duas coisas.
Pode-se deixar passar o fato de que ele chama o capital de traba-
lho “acumulado”; que ele chama o emprego do capital de emprego de
um trabalho secundário intermediário; e que considera o desgaste da
máquina como uma distribuição do trabalho acumulado em parcelas.
Mas, por que então cada parcela de trabalho acumulado é paga por
uma renda que contém mais do que o valor original desse trabalho, a
saber, o valor original mais a taxa de juros habitual? Considerando que
a remuneração do capital é a remuneração do trabalho mediato, por
que o trabalho mediato é pago a uma taxa mais alta do que o imediato;
por que o último recebe a taxa de salário básica, enquanto o primeiro
recebe uma renda mais alta pelo valor dos juros?
Mill não resolve essa questão. Ele toma o fato de que um capital,
de acordo com o estado de concorrência no mercado, tem igual valor
com um certo número de pagamentos anuais que já incluem os juros,
e usa esse fato como um centro fixo, como se ele não tivesse se encar-
regado de explicar o lucro e, portanto, também o lucro extra, que está
contido na uma renda.

3
O autor (como é evidente a partir de uma passagem paralela na p. 100) refere-se às rendas que subs-
tituem o valor original da máquina em dez anos e, ao mesmo tempo, pagam juros à taxa fixada pela
condição do mercado.
4
N.T.: Há identidade semântica entre as palavras mediata e indireta.

A s Teo r ia s d o Trabalho – L ivro V 17


Ele diz, admito, em um tom explicativo, que Lucro é salário do
trabalho. Mas ele possui uma ideia muito falsa do poder explicativo
dessa frase. Talvez fosse satisfatório se Mill pudesse mostrar que há
aqui um trabalho que ainda não recebeu seu salário normal e só o rece-
berá no lucro; mas não é de forma alguma satisfatório explicar o lucro
como um salário extra para um trabalho que já foi pago à taxa normal
por meio da quantia para amortização contida nas rendas. Está sempre
aberto a perguntar: Por que o trabalho mediato deve ser mais bem re-
munerado do que o trabalho imediato? E essa é uma questão para cuja
solução Mill não deu a menor pista.
Além disso, por essa construção artificial, ele até perde a van-
tagem de permanecer consistente com sua teoria do Trabalho; pois,
evidentemente, a lei de que a quantidade de trabalho determina o pre-
ço de todos os bens é rudemente perturbada se uma parte do preço é
atribuível, não à quantidade de trabalho gasto, mas à maior quantia
de salário que recebe! A este respeito, portanto, a teoria de Mill fica
consideravelmente aquém de seu objeto professado.
Uma teoria muito semelhante foi apresentada por M‘Culloch, na
primeira edição de seu Principles of Political Economy (1825), mas
omitida em edições posteriores. Já a apresentei em uma ocasião an-
terior e não preciso acrescentar nada a essa declaração.5 Finalmente,
a mesma ideia foi dada superficialmente por Read na Inglaterra e
Gerstner na Alemanha, mas esses escritores teremos que considerar
mais tarde entre os ecléticos.

5
Veja anteriormente no vol.1 desta obra, p. 137. A duvidosa honra da precedência nessa teoria pertence
a James Mill.

18 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Capítulo II

O GRUPO FRANCÊS

U
m segundo grupo de teóricos do trabalho declara que os juros
são o salário do trabalho que consiste na poupança de capital
(Travail d’Epargne). Esta teoria é realizada mais completa-
mente por Courcelle-Seneuil.6
De acordo com Courcelle-Seneuil, existem dois tipos de traba-
lho — o trabalho muscular e o trabalho de Poupar (p. 85). A última
concepção ele expõe da seguinte forma. Para que um capital uma vez
feito seja conservado, há necessidade de um esforço contínuo de pre-
visão e poupança, na medida em que, por um lado, observa-se as ne-
cessidades futuras e, por outro, abstém-se do desfrute atual do capital
com o objetivo de ser capaz de satisfazer as necessidades futuras por
meio do capital, assim, economizado. Neste “trabalho” reside um ato
de inteligência — a previsão e um ato de vontade — a poupança que
“abstém-se de desfrutar por um determinado período.”
É claro que, à primeira vista, parece singular dar o nome de
Trabalho à poupança. Mas essa impressão, na opinião do autor, só sur-
ge do fato de geralmente olharmos demais para o lado material das coi-
sas. Se refletirmos imparcialmente por um momento, reconheceremos

6
Traité théorique et pratique d’Economie Politique, i. Paris, 1858.
que é tão doloroso para um homem abster-se do consumo de um artigo
quando feito, quanto trabalhar com seus músculos e seu intelecto para
obter um artigo que ele deseja; e que realmente requer um esforço
especial não natural de intelecto e vontade para manter o capital em
existência — um ato de vontade que é contrário ao viés natural em
direção ao prazer e à ociosidade.
Depois de tentar fortalecer essa linha de argumentação apontan-
do para os hábitos dos selvagens, o autor conclui com esta declara-
ção formal: “Consideramos então que a poupança é realmente, e não
simplesmente de maneira metafórica, uma forma de trabalho indus-
trial e, consequentemente, uma força produtiva. Exige um esforço
que, é verdade, é puramente de tipo moral, mas é ao mesmo tempo
doloroso. Ela tem, portanto, tanto direito ao caráter do trabalho como
um esforço dos músculos.”
Ora, o trabalho de poupar exige remuneração da mesma maneira
que o trabalho muscular. Enquanto o último é pago pelo salaire, o pri-
meiro obtém seu pagamento na forma de juros. A seguinte passagem
explica a necessidade disso, e mostra, em particular, por que o salá-
rio do trabalho de poupar deve ser permanente: “O desejo, a tentação
de consumir, é uma força permanente; sua ação só pode ser suspensa
combatendo-a com outra que, como ela, é permanente. É claro que
cada um consumiria o máximo possível caso não houvesse interesse
(si’l n’avait pas intérêt) de se abster do consumo.
Deixaria-se de se abster a partir do momento em que se deixasse
de ter esses juros. Então, eles devem continuar sem interrupção, a fim
de que os capitais possam sempre ser conservados. É por esse motivo
que dizemos serem os juros” (l’intérêt: note o jogo de palavras) “a
remuneração desse trabalho de poupar e conservar; sem ele, os capi-
tais, quaisquer que sejam suas formas, não poderiam continuar; é uma
condição necessária da vida industrial” (p. 322).
A magnitude desse salário é regulada “de acordo com a grande lei
da oferta e da demanda”; depende, por um lado, do desejo e da capaci-
dade de gastar uma soma de capital reprodutivamente; e, por outro, do
desejo e da capacidade de economizar essa soma.

20 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Para mim, todos os esforços que seu autor tenha feito para repre-
sentar o Trabalho de Poupar como um trabalho real não pode apagar a
marca de artificialidade que essa teoria carrega em sua própria face. O
não consumo de riquezas é um trabalho; o embolso de juros por aque-
les que não trabalham nem se esforçam, um salário adequado para o
trabalho; — que oportunidade para qualquer Lassalle que se preocupe
em brincar com as impressões e emoções do leitor! Mas, em vez de
afirmar retoricamente que Courcelle está errado, prefiro mostrar em
bases racionais por que ele o está.
Em primeiro lugar, está claro que a teoria de Courcelle é apenas a
teoria da Abstinência de Senior com uma roupagem ligeiramente dife-
rente. Como regra geral, onde Senior diz “abstinência” ou “sacrifício
da abstinência”, Courcelle diz “trabalho de abstinência”, mas na ver-
dade ambos os escritores fazem uso da ideia fundamental da mesma
maneira. Assim, logo de início, a teoria do Trabalho de Courcelle está
aberta a muitas das objeções levantadas contra a teoria da Abstinência
de Senior, com base nas quais já declaramos ser insatisfatória.
Mas, além disso, a nova forma que Courcelle lhe dá está aberta a
objeções especiais próprias.
É completamente correto dizer que a previsão e a poupança cus-
tam um certo esforço moral. Mas a presença do trabalho em qualquer
coisa pela qual uma renda é obtida está longe de nos justificar a expli-
cação dessa renda como um salário do trabalho. Para fazer isso, deve-
mos ser capazes de mostrar que a renda é realmente obtida pelo traba-
lho, e apenas em virtude dele. Agora, isso será melhor demonstrado se
descobrirmos que a renda emerge onde o trabalho foi despendido; que
está faltando onde não houve trabalho; que é alta onde grande parte do
trabalho foi despendido e baixa onde foi pouco.
No entanto, seria difícil descobrir qualquer indício dessa harmo-
nia entre a suposta causa dos juros e seu surgimento real. O homem
que despreocupadamente recebe os juros de £100.000 tira uma “Média
de trabalho” de £4.000 ou £5000. O homem que, com o esforço real de
prever e economizar, juntou £50 e as colocou na poupança, dificilmen-
te recebe duas libras por seu “trabalho”; enquanto o homem que, com

A s Teo r ia s d o Trabalho – L ivro V 21


o mesmo esforço, economizou £50, mas não pode arriscá-las por conta
de alguma reivindicação que possa ser feita a ele a qualquer momento,
não recebe absolutamente nenhum salário.
Por quê? Por que os salários são distribuídos de forma tão dife-
rente — diferentemente entre as classes individuais de trabalhadores
que poupam; diferentemente em comparação com o pagamento do sa-
lário do trabalho muscular? Qual é a razão pela qual o proprietário de
£100.000 recebe £5.000 por seu “trabalho de um ano”; que o trabalha-
dor manual, que se esforça e não economiza nada, recebe £50; que o
artesão, que se esforça e economiza £50, recebe a soma de £52 pelo
“trabalho muscular” e o “trabalho de poupar” em conjunto? Uma teo-
ria que declara que os juros são salários do trabalho deve se compro-
meter a tornar sua explicação mais exata. Em vez disso, a bela questão
da taxa de juros é simplesmente descartada por Courcelle com uma
referência geral à grande lei da oferta e da demanda.
Sem querer ser irônico, pode-se dizer que Courcelle teria tido quase
a mesma justificativa, teoricamente falando, se tivesse declarado que o
trabalho corporal de embolsar os juros constitui seu fundamento e base.
Esses também são “trabalhos” que o capitalista executa, e se for estra-
nho que, de acordo com a lei da oferta e da procura, esse tipo de trabalho
seja pago a uma taxa tão extraordinariamente alta, não é mais estranho
do que o fato que acabamos de considerar — que o trabalho intelectual
de herdar um milhão é pago anualmente por tantos milhares de libras.
Pode-se dizer sobre esse último tipo de trabalho que tão poucas
pessoas têm o “desejo e a capacidade” de acumular milhões em capital
que, na demanda existente por capital, os salários dessas pessoas de-
vem ser muito elevados; e da mesma forma pode-se dizer do primeiro
que tão poucas pessoas têm o “desejo e a capacidade” de embolsar
milhares de libras em juros. De “desejo” não haverá falta em nenhum
dos casos; mas de habilidade — bem, isso se baseia em ambos os ca-
sos principalmente no fato de uma pessoa ser tão afortunada a ponto
de possuir um milhão em capital!
Se, depois do que foi dito, uma refutação direta da teoria do Trabalho
de Courcelle ainda parece necessária, deixe-me colocar o seguinte caso.

22 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Um capitalista empresta a um fabricante £100.000 a 5% ao ano. O fa-
bricante emprega o montante de £100.000 produtivamente e, ao fazê-lo,
recebe um lucro de £6000. Deste valor, ele deduz £5000 como juros de-
vidos ao capitalista, e mantém £1000 como lucro do empreendedor para
si mesmo. De acordo com Courcelle, as £5.000 que o capitalista recebe
constituem o salário para prover às necessidades futuras e para o ato de
vontade que resiste à tentação de consumir as £100.000 imediatamente
— um ato de vontade direcionado para a abstenção do prazer.
Mas o fabricante não realizou um trabalho exatamente igual, ou
mesmo um trabalho maior? Não foi o fabricante, quando ele tinha as
£100.000 em suas mãos, tentado a gastá-las imediatamente? Ele não po-
deria, por exemplo, ter desperdiçado o capital e passado pelo tribunal
de falências? Não resistiu ele também à tentação e afirmou sua vontade
em abster-se? Não terá ele, por prudência e intuição, feito mais do que o
capitalista para prover às necessidades futuras, na medida em que não só
pensou nas necessidades futuras em geral, mas deu ao seu estoque de ma-
teriais aquele tratamento positivo que os transformou em produtos e, por-
tanto, realmente os capacitou para satisfazer as necessidades humanas?
E, no entanto, o capitalista, para o trabalho de ter conservado suas
£100.000, recebe £5.000, e o fabricante, que realizou o mesmo traba-
lho intelectual e moral no mesmo montante de £100.000 em grau ain-
da maior, não recebe nada; pois as £1.000 que constituem seu o lucro
de empreendedor são pagamentos por outro tipo de atividade.
Pode-se objetar que o fabricante não teria ousado usar as £100.000,
visto que não era sua propriedade; em sua poupança, portanto, não há
mérito para merecer pagamento. Mas, nesta teoria o mérito não tem
nada a ver com o caso. O ganho com a poupança é grande apenas se a
soma economizada e conservada for grande, sem a menor considera-
ção se a economia exigiu muito ou pouco esforço moral. Mas o fato de
o devedor ter realmente conservado as £100.000 e superado a tentação
de consumi-las não pode ser negado. Por que então ele não recebe
nenhum “salário de poupança”? Na minha opinião, não pode haver
dúvida sobre a explicação dessas situações. O fato é que as pesso-
as recebem juros, não porque trabalham para isso, mas simplesmente

A s Teo r ia s d o Trabalho – L ivro V 23


porque são proprietárias. Os juros não são uma renda do trabalho, mas
uma renda da propriedade.
Recentemente, a teoria de Courcelle-Seneuil foi, um pouco timi-
damente, seguida por Cauwes.7
Este escritor afirma isso, mas não como sua única teoria dos ju-
ros, e não sem certas cláusulas e mudanças de expressão que mostram
que ele considera essa concepção do “trabalho de poupar” não total-
mente inquestionável. “Como a conservação de um capital pressupõe
um esforço da vontade e, em muitos casos, até mesmo combinações
industriais ou financeiras de alguma dificuldade, pode-se dizer que ela
representa um verdadeiro trabalho, como às vezes, e não sem justifica-
tiva, foi chamada de Travail d’Epargne” (i. p. 183).
E, em outro lugar, Cauwes responde à dúvida de se os juros são
devidos ao capitalista, uma vez que o empréstimo não custa trabalho
para justificar a reivindicação de juros, com as palavras: “No emprés-
timo não há trabalho; mas o trabalho consiste na vontade firme de
preservar o capital e na abstinência prolongada de todo ato de gratifi-
cação ou consumo do valor representado por ele. É, se a expressão não
parecer muito bizarra, um trabalho de poupar que é pago com juros.”8
Mas, além disso, Cauwes apresenta outros fundamentos aos juros, par-
ticularmente uma declaração da produtividade do capital, e assim nos
encontraremos novamente com ele entre os ecléticos.
Uma breve abordagem da teoria do Trabalho de Courcelle
pode ser encontrada em alguns outros escritores Franceses; como
em Cherbuliez,9 que declara serem os juros a recompensa pelos “es-
forços de abstinência”; e em Josef Garnier, que dá uma explicação
muito parcial, no curso da qual ele usa a palavra de ordem “trabalho
de poupar.”10 No entanto, estes últimos nomeados não levam a con-
cepção adiante.

7
Précis du Cours d’Economie Politique, segunda edição, Paris, 1881, 1882.
8
ii. p. 189; também i. p. 236.
9
Veja no vol. 1 desta obra, p. 334.
10
Trailé d’Economie Politique, oitava edição, Paris, 1880. P. 522: “Le loyer remunero et provoque les
efforts ou le travail d’épargne et de conservation.” [“O pagamento dos juros remunera e estimula os

24 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Capítulo III

O GRUPO ALEMÃO

A
ideia de que, na França, havia material para uma teoria muito
artificial e elaborada dos juros foi usada — é claro, em linhas
mais livres — por uma proeminente escola de economistas
alemães, os Socialistas Catedráticos, para usar um termo que foi ha-
bituado.11 A teoria do Trabalho dos Socialistas Catedráticos Alemães
está, no entanto, apenas vagamente ligada à teoria Francesa por ter a
mesma ideia fundamental. Tanto na origem quanto no modo de desen-
volvimento, é totalmente independente.
A origem da teoria do Trabalho Alemã pode ser encontrada em
uma observação um tanto incidental que ocorre em um dos escritos de
Rodbertus-Jagetzow. Nela, ele fala de um estado concebível da socie-
dade onde deveria haver propriedade privada, mas nenhuma proprie-
dade privada rentável; em que, portanto, toda a renda existente seria
renda do trabalho na forma de salário ou soldos. Tal seria o estado das
coisas se os meios de produção, a terra e o capital fossem propriedade
comum de toda a sociedade, sendo ainda reconhecidos os direitos pri-
vados de propriedade sobre a renda que cada um receberia — em bens
apenas — em proporção ao seu trabalho.

esforços de poupança e preservação.”]


11
O nome que eles mesmos usam é “Escola Sociopolítica de Economia Nacional.”
Sobre isso, Rodbertus observa em uma nota que, em aspectos eco-
nômicos, a propriedade nos meios de produção deve ser encarada sob
uma luz essencialmente diferente da propriedade em uma renda que se
acumula apenas na forma de bens. No que diz respeito aos bens de ren-
da, tudo o que é necessário é que o proprietário os consuma economi-
camente. Mas a propriedade da terra e do capital é, além disso, uma es-
pécie de escritório que carrega consigo funções econômicas nacionais,
— funções que consistem em dirigir o trabalho econômico e os meios
econômicos da nação em consonância com a necessidade nacional e,
portanto, no exercício das funções que, no estado ideal de propriedade
coletiva, seriam exercidas por meio de funcionários nacionais.
O ponto de vista mais favorável, então, que se pode tirar da renda
deste ponto de vista — tanto a renda da terra quanto a renda do capital
— é que ela representa os salários de tais oficiais; que representa uma
forma de salário em que o oficial está fortemente, até mesmo pecunia-
riamente interessado no uso adequado de suas funções.12
Tudo aponta para a crença de que Rodbertus de forma alguma
pretendia com essas palavras apresentar uma teoria formal dos juros.13
Mas a ideia latente nelas foi apreendida e desenvolvida por alguns dos
proeminentes Socialistas Catedráticos.
Foi inicialmente adotada por Schäffle. Já na terceira edição de
sua obra mais antiga, o Gesellschaftliche System, 1873, ele incorporou
a ideia de que os juros são uma remuneração por serviços prestados
pelo capitalista, em sua definição formal. “O lucro”, diz ele, “deve ser
encarado como a remuneração que o empreendedor pode reivindicar
para uma função econômica nacional, na medida em que, independen-
temente de qualquer organização nacional, ele une economicamente
as forças produtivas por meio do uso especulativo do capital.”14 Essa
concepção aparece repetidamente em diferentes conexões no mesmo

12
Zur Erklärung und Abhülfe der heutigen Kreditnoth des Grundbesitzes, segunda edição, 1876, ii. p. 273, etc.
13
Isso decorre do tom da passagem, que sugere um símile e uma comparação em vez de uma explicação
estrita; de sua posição em uma nota; do fato de Rodbertus ter uma teoria diferente; finalmente, de uma ex-
plicação explícita que ele faz ao afirmar essa outra teoria, que os juros nos dias atuais não possuem o caráter
de salário (indireto), mas o de uma participação imediata no produto nacional (Zur Beleuchtung, p. 75).
14
ii. p. 458.

26 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
livro e, via de regra, ocorre naquelas passagens em que os juros são
vistos de um ponto de vista mais amplo. Schäffle chega a defendê-la
em certa ocasião como a única teoria justificável, e rejeita a seu favor
as outras teorias dos juros.15 Mas, singularmente, quando ele lida com
os detalhes mais agradáveis da doutrina, a magnitude da taxa de juros
e assim por diante, ele não se vale dessa ideia fundamental, mas faz
uso do mecanismo técnico da teoria do Uso, embora deva ser admitido
que ele aproxima muito a teoria do Uso da teoria do Trabalho pela
coloração subjetiva que dá à concepção do Uso.16
Em seu trabalho posterior, o Bau und Leben, a concepção dos juros
como a compensação por um “desempenho funcional” por parte do ca-
pitalista aparece com mais clareza. Essa concepção torna possível para
Schäffle justificar os juros pelo menos nos dias atuais, e na medida em
que não somos capazes de substituir os dispendiosos serviços de capital
privado por uma organização mais adequada.17 Mas mesmo aqui os de-
talhes dos fenômenos dos juros não são explicados por meio dessa con-
cepção, e ainda encontramos reminiscências da teoria da Uso, embora a
concepção de Uso tenha agora se tornado objetiva.18
Então, Schäffle, por assim dizer, atingiu o cerne da questão, mas
apenas o de uma teoria do Trabalho; ele não realizou em detalhes
como Courcelle-Seneuil. Wagner vai um pouco mais longe, mas ainda
assim só um pouco mais longe. Com ele também os capitalistas são
“funcionários de toda a comunidade para a acumulação e emprego
desse fundo nacional que consiste nos instrumentos de produção,”19

15
ii. p. 459, etc.
16
Veja no vol. 1 desta obra, p. 247.
17
“Assim, eu não posso, em nenhum caso, concordar com a condenação absoluta do capital e do lucro
como ‘pura apropriação do valor excedente’; é uma função de importância fundamental que o capital
privado, quaisquer que sejam seus motivos, agora exerce quando auxilia o que Rodbertus chamou de
‘negócios deixados por conta própria’” (segunda edição, iii. p. 386). “Historicamente, então, até mesmo o
capitalismo pode ser plenamente defendido e o lucro justificado. Remover este último sem ter encontrado
uma melhor organização da produção seria sem sentido.” “Podemos, portanto, praticamente condenar o
lucro como apropriação do ‘valor excedente’ somente se formos capazes de substituir o serviço econômi-
co do capital privado por uma organização pública positivamente estabelecida, mais completa e menos
gananciosa por esse valor excedente” (Mehrwerth schluckende), iii. p. 422.
18
Veja no vol. 1 desta obra, p. 248.
19
Allgemeine oder theoretische Volkwirthschaftslehre, part i. Grundlegung, second edition. Leipzig e
Heidelberg, 1879, pp. 40, 594.

A s Teo r ia s d o Trabalho – L ivro V 27


e o lucro é uma renda que eles obtêm dessa função, ou, pelo menos,
nessa função (p. 594). Mas o trabalho do capitalista, como consistindo
na “acumulação e emprego de capitais privados”, em “atividades de
disposição ou de poupança”, ele caracteriza mais distintamente do que
Schäffle como “trabalho” (iii. pp. 592, 630), que forma uma parte dos
custos totais despendidos na produção de mercadorias e, até esse pon-
to, forma um “elemento constitutivo do valor” (p. 630). De que forma
esse elemento contribui para a formação de valor em bens; como, a
partir de sua eficácia, são derivadas a proporção entre juros e somas de
capital, a magnitude dos juros, e assim por diante, Wagner nos diz tão
pouco quanto Schäffle. Ele também apenas tocou no ponto principal
da teoria do Trabalho, embora talvez um pouco mais claramente.
Sendo esse o caso, não me atreveria a dizer positivamente se os
Socialistas Catedráticos por essa linha de pensamento pretendiam dar
uma explicação teórica dos juros, ou apenas uma justificativa do lado
social-político. Em favor da primeira visão, há (1) a incorporação do
motivo do trabalho na definição formal de juros; (2) a circunstância de
que Wagner, pelo menos, declarou-se tão positivamente contra todas
as outras teorias de juros que, se ele não adotou a teoria do trabalho,
deixou os juros, teoricamente, completamente inexplicados; (3) que
Wagner declara expressamente que o “trabalho do capitalista” é um
constituinte dos custos de produção e um “elemento constitutivo do
valor” — uma frase que é difícil interpretar de outra forma que não
seja como significando que a causa teórica do fenômeno do “valor
excedente” é a compensação exigida como retorno pelo trabalho des-
pendido pelo capitalista.
Em favor da segunda visão, de que os Socialistas Catedráticos
apontaram para os “serviços dos capitalistas” apenas como base para
justificar a atual existência de juros sem com isso pretenderem expli-
car sua existência, há (1) a ausência de qualquer detalhe teórico; (2)
a circunstância de que Schäffle, pelo menos na medida em que ele dá
qualquer explicação de detalhes, faz uso de outra teoria dos juros; e (3)
a grande preponderância que, nos escritos dos Socialistas Catedráticos,
é geralmente colocado sobre o elemento político contra o teórico.

28 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Nestas circunstâncias, talvez seja melhor colocar minha crítica
hipoteticamente.
Se é verdade que os Socialistas Catedráticos, ao apontar para os
“trabalhos” dos capitalistas, desejavam justificar a existência de juros
apenas do lado social-político, o que eles disseram é, no mais alto
grau, digno de atenção. No entanto, aprofundar esse aspecto da ques-
tão está além de minha tarefa atual. Se for o caso, no entanto, que os
Socialistas Catedráticos, ao apontarem para os “trabalhos” dos capi-
talistas, pretenderem explicar teoricamente os juros, eu teria de fa-
zer o mesmo julgamento que fiz sobre a versão francesa da teoria do
Trabalho, ou seja, que a explicação é totalmente inadequada.
No desenvolvimento histórico do dogma, tem acontecido com
frequência que a justificativa dos juros do lado político-social é con-
fundida com suas explicações teóricas, que talvez valha a pena des-
tacar claramente e de uma vez por todas a diferença entre as duas.
Para este fim, deixe-me colocar um caso paralelo que pode, ao mesmo
tempo, dar-me a oportunidade de mostrar de relance a inadequação da
teoria do Trabalho.
Com a primeira aquisição de terra geralmente está ligado um cer-
to esforço ou trabalho do adquirente. Ou ele deve primeiro tornar o ter-
reno produtivo, ou deve se esforçar um pouco para tomar posse dele;
e esse último, em certas circunstâncias, pode não ser insignificante,
como por exemplo, quando for precedido de uma busca prolongada
por uma localidade adequada. A terra agora rende ao seu adquirente
uma certa renda. Pode a existência da renda ser explicada pelo traba-
lho originalmente despendido? Com exceção de Carey, e alguns pou-
cos escritores que compartilham suas visões perversas, ninguém se
aventurou a sustentar tal afirmação. Ninguém pode sustentá-la se não
estiver totalmente cego para a conexão das coisas.
É perfeitamente claro que, quando um terreno frutífero gera ren-
da, não é porque sua ocupação já custou trabalho em algum momento.
É perfeitamente claro que, se uma encosta rochosa não gera renda, não
é porque tenha sido ocupada sem atribulações. Mais uma vez, não há
dúvida de que dois terrenos igualmente frutíferos e igualmente bem

A s Teo r ia s d o Trabalho – L ivro V 29


situados geram rendas iguais, mesmo que o frutífero, por natureza,
seja simplesmente ocupado por meio de um dispêndio insignificante
de trabalho, enquanto o outro precisou ser tornado produtivo com um
grande dispêndio de trabalho. Além disso, é claro que, se 200 acres su-
portam o dobro da renda em comparação ao de 100, não é porque sua
primeira ocupação foi duas vezes mais problemática. E, finalmente,
todos podem ver que, se a renda aumenta com o aumento da popula-
ção, a renda crescente não tem nada a ver com o dispêndio original de
trabalho. Em suma, está claro que o surgimento e o valor da renda não
correspondem de forma alguma ao surgimento e ao valor do trabalho
originalmente despendido na ocupação. É impossível, então, que o
princípio que explicará o fenômeno da renda possa ser encontrado no
dispêndio original de trabalho.
Essencialmente diferente, no entanto, é a questão de saber se a
existência de renda não pode ser justificada por essa dispêndio de tra-
balho. Neste caso, pode-se muito bem assumir a posição de que aquele
que torna um pedaço de terra produtivo, ou mesmo não faz mais do
que ocupá-lo como o primeiro pioneiro da civilização, merece um sa-
lário tão duradouro quanto a vantagem que daí advém para a sociedade
humana; que é justo e razoável que aquele que colocou um pedaço de
terra sob cultivo por todos os tempos receba para sempre uma parte
de sua produtividade na forma de renda. Não sustentarei que essa ma-
neira de olhar para a instituição da propriedade privada da terra e das
rendas privadas da terra baseadas nessa instituição deva ser conclusiva
em todas as circunstâncias, mas certamente pode sê-lo em algumas.
É, por exemplo, muito provável, de fato, que um governo co-
lonial ansioso por acelerar o estabelecimento de seu território, atua
sabiamente quando oferece, como prêmio pelo trabalho de cultivo e
primeira ocupação, a propriedade de terras cultivadas e, com isso, o
direito a uma renda permanente. Desta forma, a consideração do tra-
balho apresentado pelo primeiro ocupante pode fornecer uma justifi-
cativa bastante plausível e um motivo sócio-político conclusivo para a
introdução e retenção da renda, embora, no entanto, seja uma explica-
ção totalmente insuficiente disso.

30 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
É exatamente o mesmo com a relação na qual as “atividades de
poupança e disposição” dos capitalistas se contrapõem aos juros. Na
medida em que, nessas atividades, vemos os meios mais eficazes para
a acumulação e o emprego adequado de um capital nacional suficien-
te, e na medida em que não poderíamos esperar que essas atividades
viessem de pessoas privadas em quantidade suficiente, se tais pessoas
não fossem levadas a esperar vantagens permanentes, esses serviços
podem fornecer uma justificativa substancial e uma razão legislativa
conclusiva para a introdução e manutenção dos juros.
Mas é uma questão totalmente diferente se a existência dos juros
também pode ser teoricamente explicada apontando para esse “traba-
lho.” Se podem ser explicados, então deve ser mostrada alguma re-
lação normal entre o resultado alegado, os juros do capital, e a causa
declarada, o dispêndio de trabalho por parte do capitalista. No entanto,
no mundo real, procuraríamos essa relação em vão. Um milhão rende
£50.000 de juros, independentemente de a poupança e o emprego des-
se milhão terem custado ao seu proprietário muito, pouco ou nenhum
problema. Um milhão gera dez mil vezes mais juros que cem, mes-
mo que tenha havido infinitamente mais ansiedade e aborrecimento na
poupança dos cem do que na economia do um milhão.
O mutuário que guarda o capital de outro homem e o emprega,
não obstante esse “dispêndio de trabalho”, não recebe juros; o proprie-
tário o recebe, embora seu trabalho seja nulo. O próprio Schäffle certa
vez confessou: “A distribuição da riqueza de acordo com a quantidade
do trabalho não ocorre nem entre os capitalistas em comparação uns
com os outros, nem entre os trabalhadores em comparação aos capi-
talistas. A distribuição não é nem guiada por tais princípios, nem se
harmoniza com eles acidentalmente.”20
Mas se a experiência mostra que os juros estão fora de qualquer
relação com o trabalho realizado pelo capitalista, como é possível,
então, encontrar alí o princípio da sua explicação de forma razoá-
vel? Creio que a verdade é dita com demasiada clareza nos fatos para

20
Bau und Leben, iii. p. 451.

A s Teo r ia s d o Trabalho – L ivro V 31


necessitar de qualquer demonstração longa. Da mesma forma que os
juros não são proporcionais ao trabalho realizado pelo capitalista, eles
são exatamente proporcionais ao fato da posse e o valor desta. Os juros
sobre o capital, para repetir minhas palavras anteriores, não são uma
renda do trabalho, mas uma renda da propriedade.21
Assim, a teoria do Trabalho dos juros, em todas as suas varie-
dades, é considerada incapaz de fornecer uma explicação teórica que
resista a um escrutínio. De fato, nenhuma pessoa imparcial poderia
esperar outro resultado. Ninguém além de uma pessoa que se deleita
particularmente com explicações absurdas poderia por um momento
duvidar que o poder econômico do capital possui algum outro funda-
mento por trás dele que não seja a “capacidade de trabalho” por parte
do capitalista. É impossível duvidar que os juros, não apenas no nome,
mas na realidade, são algo diferente de um salário do trabalho.
O fato de os economistas adotarem diferentes tipos de teorias
Trabalho só pode ser explicado pelo costume predominante desde
Adam Smith e Ricardo de atribuir todo o valor ao trabalho. Para que
pudessem forçar os juros na unidade dessa teoria e atribuir a ela a
origem que supunham ser a única legítima, eles não hesitaram nas
explicações mais rebuscadas e artificiais.22

21
É muito lamentável que a parte da economia política teórica de Wagner que trata especialmente da teo-
ria dos juros ainda não tenha sido publicada. É possível que esse ilustre pensador tivesse dado explicações
que tornassem supérflua a minha polêmica atual, a qual tive o cuidado de tornar hipotética.
22
Como apêndice a este capítulo, gostaria de fazer uma breve referência a J. G. Hoffmann. Ele também in-
terpreta os juros como um salário para determinados trabalhos. “Mesmo essas rendas”, diz ele, significan-
do rendas do capital, “são apenas um salário para o trabalho e, de fato, para o trabalho de grande benefício
público; pois com a obtenção desse salário está vinculado, essencial e peculiarmente, o dever de atividade
livre no bem-estar público, na ciência e na habilidade que, em tudo o que ilumina, enobrece e adorna a
vida humana” (Ueber die wahre Natur und Bestimmung der Rentenaus Boden—und Kapitaleigenthum,
Sammlung der kleiner Schriften staatswirthschaftlichen Inhalts, Berlim, 1843, p. 566). Com relação a
Hoffmann, ainda mais do que com relação aos Socialistas Catedráticos, temos motivos para duvidar que
as palavras citadas tenham sido usadas como uma explicação teórica dos juros. Se assim for, sua teoria
é inquestionavelmente mais inadequada do que todas as outras teorias Trabalho; caso não, não é minha
tarefa questionar sua justificativa.

32 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
LIVRO VI

A TEORIA DA
EXPLORAÇÃO
Capítulo I

PESQUISA HISTÓRICA

C hegamos agora àquela teoria notável cuja enunciação, se


não a mais agradável entre os eventos científicos de nosso
século, certamente promete ser uma das mais sérias em suas
consequências. Ela estava no berço do Socialismo moderno e cres-
ceu junto com ele; e hoje forma o centro teórico em torno do qual
se movem as forças de ataque e defesa na luta pela organização da
sociedade humana.
Esta teoria ainda não tem um nome curto e distintivo. Se eu lhe
desse um nome a partir das características de seus principais pro-
fessores, eu a chamaria de teoria Socialista dos juros. Se eu tentasse
indicar pelo nome o propósito teórico da própria doutrina — o que, na
minha opinião, seria mais apropriado — nenhum outro nome parece
mais adequado senão a teoria da Exploração. Este é, portanto, o nome
que usarei na sequência. Condensada em algumas sentenças, a essên-
cia da teoria pode ser exposta provisoriamente da seguinte forma.
Todos os bens que têm valor são o produto do trabalho huma-
no, e de fato, considerados economicamente, são exclusivamente o
produto do trabalho humano. Os trabalhadores, no entanto, não re-
têm todo o produto que eles mesmos produziram; pois os capitalistas
aproveitam-se de seu domínio sobre os meios de produção indispensá-
veis, garantidos a eles pela instituição da propriedade privada, para ga-
rantir a si mesmos uma parte do produto dos trabalhadores. Os meios
para isso são fornecidos pelo contrato salarial, no qual os trabalha-
dores são compelidos pela fome a vender sua força de trabalho aos
capitalistas por uma parte do que eles, os trabalhadores, produzem,
enquanto o restante do produto se converte em lucro nas mãos dos
capitalistas, sem qualquer esforço de sua parte. O juro é, portanto, uma
parte do produto do trabalho de outras pessoas, obtido ao explorar a
condição de necessidade do trabalhador.
O caminho tinha sido preparado para essa doutrina muito antes;
na verdade, tinha se tornado quase inevitável, devido à reviravolta
peculiar tomada pela doutrina econômica do valor desde o tempo de
Adam Smith, e particularmente desde o tempo de Ricardo. Foi ensi-
nado e acreditado que o valor de todos os bens econômicos, ou pelo
menos de longe a maior parte dos bens econômicos, é medido pela
quantidade de trabalho neles incorporada, e que esse trabalho é a causa
e a fonte do valor. Sendo esse o caso, era inevitável que, mais cedo ou
mais tarde, as pessoas começassem a perguntar por que o trabalhador
não deveria receber todo o valor do qual seu trabalho era a causa.
E sempre que essa questão era colocada, era impossível que qual-
quer outra resposta pudesse ser dada, nesta leitura da teoria do va-
lor, além de que uma classe da sociedade, a dos capitalistas parasitas,
apropria-se de uma parte do valor do produto que a outra classe, a dos
trabalhadores, produz sozinha.
Como vimos, esta resposta não é dada pelos fundadores da teoria
do valor-trabalho, Adam Smith e Ricardo. Ela foi até mesmo evitada
por alguns de seus primeiros seguidores, como Soden e Lötz, que co-
locaram grande ênfase no poder de criação de valor do trabalho, mas,
em sua concepção total da vida econômica, mantiveram-se perto dos
passos de seu mestre. Mas esta resposta estava, não obstante, envolvi-
da em sua teoria, e bastava uma ocasião adequada e um discípulo ló-
gico para trazê-la mais cedo ou mais tarde à tona. Assim, Adam Smith
e Ricardo podem ser considerados como os padrinhos involuntários

36 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
da teoria da Exploração. Eles são tratados como tal por seus seguido-
res. Eles, e quase apenas eles, são mencionados pelos socialistas mais
pronunciados com aquele respeito que é prestado aos descobridores
da “verdadeira” lei do valor, e a única reprovação feita contra eles é
a de que não seguiram logicamente seus próprios princípios, e assim
se permitiram ser impedidos de desenvolver a teoria da Exploração a
partir de sua teoria do valor.
Qualquer um que se preocupe em desbravar antigas linhagens
de teorias pode descobrir nos escritores dos séculos passados muitas
expressões que se encaixam na linha de pensamento adotada pela
teoria da Exploração.
Para não falar dos canonistas, que chegaram aos mesmos resul-
tados mais por acidente do que qualquer outra coisa, posso mencio-
nar Locke, que em uma ocasião aponta muito distintamente para o
trabalho como a fonte de toda a riqueza,23 e em outro momento fala
dos juros como o fruto do trabalho dos outros;24 James Steuart, que
se expressa de forma menos distinta, mas segue a mesma linha;25
Sonnenfels, que ocasionalmente descreve os capitalistas como uma
classe que não trabalha e prospera com o suor das classes trabalha-
doras;26 ou Büsch, que também — tratando apenas de juros contra-
tuais — considera isso como “um retorno à propriedade obtida pela
indústria de outros.”27

23
Civil Government, livro II. cap. v. § 40: “Tampouco é tão estranho, como talvez possa parecer antes da
ponderação, que a propriedade do trabalho seja capaz de sobrepor-se à comunidade da terra; pois é fato
que o trabalho atribui diferença de valor em tudo; basta que se considere a diferença entre um acre de
terra plantado com tabaco ou açúcar, semeado com trigo ou cevada, e um acre da mesma terra que jaz em
estado comum, sem qualquer criação sobre ele, para que se descubra que a melhoria do trabalho constitua
a maior parte do valor. Eu acho que será uma estimativa muito modesta dizer que dos produtos da terra
úteis para a vida do homem, nove décimos são o efeito do trabalho, ou melhor, se estimarmos corretamen-
te as coisas à medida que elas chegam ao nosso uso, e considerarmos os custos envolvidos, o que nelas é
puramente devido à natureza e o que é devido ao trabalho, descobriremos que na maioria delas noventa e
nove centésimos devem ser totalmente atribuidos por conta do trabalho.”
24
Considerations of the Consequences of the Lowering of Interest, 1691, p. 24. Veja no vol. 1 desta obra, p. 82.
25
Veja no vol. 1 desta obra, p. 83.
26
Handlungswissenschaft, segunda edição, p. 430.
27
Geldumlauf, livro III. p. 26.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 37


Estes são casos que poderiam muito provavelmente ser multi-
plicados através de um exame cuidadoso da literatura mais antiga. O
nascimento da teoria da Exploração, no entanto, como uma doutrina
consciente e coerente, deve ser atribuído a um período posterior.
Dois desenvolvimentos precederam e prepararam o caminho para
isso. Primeiro, como mencionado acima, foi o desenvolvimento e po-
pularização da teoria Ricardiana do valor, que forneceu o solo científi-
co a partir do qual a teoria da exploração poderia naturalmente brotar e
crescer. E, em segundo lugar, houve a expansão triunfante da produção
capitalista em grande escala; pois essa grande produção, ao criar e re-
velar um amplo abismo de oposição entre capital e trabalho, colocou
no primeiro lugar das grandes questões sociais o problema dos juros
como uma renda obtida sem trabalho pessoal.
Sob essas influências, o tempo parece ter se tornado propício para
o desenvolvimento sistemático da teoria da Exploração sobre o vigési-
mo ano deste século. Entre os primeiros a dar uma declaração explícita
— em uma história da teoria, deixo de lado os comunistas “práticos”,
cujos esforços, é claro, foram baseados em ideias semelhantes — esta-
vam Hodgskin na Inglaterra e Sismondi na França.
Os escritos de Hodgskin — o pouco conhecido Popular Political
Economy e uma publicação anônima sob o significativo título “Labour
defended against the Claims of Capital”28 — não parecem ter tido
qualquer influência extensa. Assim Sismondi se torna ainda mais im-
portante no desenvolvimento da teoria.
Ao nomear Sismondi como representante da teoria da Exploração,
devo fazê-lo com uma certa ressalva. É que, embora sua teoria contenha

28
Posso dar algumas passagens características: “Todos os benefícios atribuídos ao capital surgem do
trabalho coexistente e qualificado.” Depois de afirmar que, com a ajuda de ferramentas e máquinas, mais
e melhores produtos podem ser criados do que sem eles, ele acrescenta a seguinte consideração: “Mas a
questão então ocorre: O que produz instrumentos e máquinas, e em que medida eles ajudam a produção
independente do trabalhador, de modo que os proprietários deles têm direito a, de longe, a maior parte
de toda a produção do país? Eles são ou não são produto do trabalho? Eles constituem ou não meios de
produção eficientes, separados do trabalho? Eles são ou não são simplesmente matéria inerte, em dete-
rioração ou morta, sem utilidade alguma, não possuindo nenhum poder produtivo, a menos que sejam
guiados, dirigidos e aplicados por mãos habilidosas?” (p. 14)
Os numerosos escritores com tendências socialistas mencionados por Held no segundo livro de seu Zur
sozialen Geschichte Englands (Leipzig, 1881) têm pouca preocupação direta com a teoria dos juros.

38 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
todas as outras características essenciais desse sistema, ele não expres-
sa nenhuma opinião condenatória sobre os juros. Ele é o autor de um
período de transição. Embora realmente concordando com a nova teo-
ria, ele ainda não rompeu com a antiga tão completamente a ponto de
aceitar todas as conclusões muito extremas da nova posição.
Para o nosso propósito, o livro que temos principalmente a con-
siderar é o seu grande e influente Nouveaux Principes d’Economie
Politique.29 Nele, Sismondi se conecta com Adam Smith. Ele aceita
com aprovação calorosa (p. 51) a proposição de Adam Smith de que o
trabalho é a única fonte de toda a riqueza;30 reclama que os três tipos
de renda — aluguel, lucro e salários — são frequentemente atribuí-
dos a três fontes diferentes: terra, capital e trabalho. Enquanto que na
realidade toda a renda provém apenas do trabalho, sendo esses três
ramos apenas várias maneiras diferentes de compartilhar os frutos do
trabalho humano (p. 85).
O trabalhador, por cuja atividade todos os bens são produzidos,
não foi capaz, “em nosso estágio de civilização”, de obter a posse dos
meios necessários para a produção. Por um lado, a terra está geralmen-
te na posse de alguma outra pessoa que exige do trabalhador uma parte
do fruto de seu trabalho como compensação pela cooperação dessa
“força produtiva.” Esta parte forma a renda da terra. Por outro lado, o
trabalhador produtivo não possui, em regra, um estoque suficiente dos
meios de subsistência necessários para viver durante o curso de seu
trabalho. Ele também não possui as matérias-primas necessárias para
a produção ou as ferramentas e máquinas muitas vezes caras.
O homem rico que tem todas essas coisas obtém, assim, um
certo controle sobre o trabalho do homem pobre e, sem participar
desse trabalho, tira, como compensação pelas vantagens que colo-
ca à disposição do homem pobre, a melhor parte dos frutos de seu
trabalho (la part la plus important des fruit de son travail). Esta
parte é o lucro sobre o capital (pp. 86, 87). Assim, pelos arranjos da

29
Primeira edição, 1819. Segunda edição, Paris, 1827. Cito deste último.
30
Uma proposição, no entanto, que o próprio Adam Smith nem sempre aderiu muito consistentemente.
Além do trabalho, ele não raramente menciona a terra e o capital como fontes de bens.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 39


sociedade, a riqueza adquire a capacidade de se reproduzir por meio
do trabalho dos outros (p. 82).
Mas, embora o trabalhador produza com seu trabalho diário mui-
to mais do que as necessidades básicas, mesmo assim, após a divisão
com o proprietário de terras e o capitalista, raramente resta para ele
muito mais do que sua subsistência absolutamente necessária, e isso
ele recebe na forma de salário. A razão para isso repousa na posição
dependente em que o trabalhador é colocado em relação ao empreen-
dedor que possui o capital. A necessidade de subsistência do traba-
lhador é muito mais urgente do que a necessidade de mão-de-obra do
empreendedor. O trabalhador necessita de sua subsistência para viver,
enquanto o empreendedor necessita de seu trabalho apenas para obter
lucro. Assim, a transação resulta quase invariavelmente em desvanta-
gem para o trabalhador. Ele é, em quase todos os casos, obrigado a fi-
car satisfeito com a subsistência mais simples, enquanto a maior parte
dos resultados de uma produtividade que é aumentada pela divisão do
trabalho cabe ao empreendedor. (p. 91, etc.)
Qualquer um que tenha seguido Sismondi até agora, e tenha nota-
do, entre outros, a proposição de que “os ricos gastam o que o trabalho
dos outros produziu” (p. 81), deve esperar que Sismondi terminaria
condenando os juros e declarando-os serem um lucro injusto e extorsi-
vo. Esta conclusão, no entanto, Sismondi não estabelece, mas com um
desvio repentino vagueia em algumas observações obscuras e vagas
em favor dos juros, e termina por justificá-lo inteiramente.
Em primeiro lugar, ele diz do proprietário de terras que, pelo tra-
balho original de cultivar, ou mesmo pela ocupação de um lote de terra
sem dono, ele ganhou o direito à sua renda (p. 110). Por analogia, ele
atribui ao proprietário do capital um direito aos seus juros, como fun-
dado no “trabalho original” ao qual o capital deve sua existência (p.
111). Ambos os ramos da renda, que, como renda proveniente da pro-
priedade, formam um contraste com a renda proveniente do trabalho,
ele finalmente consegue apresentar como tendo precisamente a mesma
origem que a renda do trabalho, exceto que sua origem remonta a ou-
tro ponto do tempo. O trabalhador ganha anualmente um novo direito

40 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
à renda pelo novo trabalho, enquanto o proprietário adquiriu, em um
período anterior de tempo, um direito perpétuo em virtude de um tra-
balho original do qual o trabalho anual torna mais lucrativo (p. 112).31
“Cada um”, conclui ele, “recebe sua parte na renda nacional apenas
de acordo com a medida do que ele próprio ou seu representante con-
tribuiu, ou contribui, para sua origem.” Como se pode dizer que esta
afirmação concorda com a primeira, na qual os juros aparecem como
algo retirado dos frutos do trabalho de outras pessoas, deve permane-
cer um mistério.
As conclusões que Sismondi não se aventurou a tirar de sua
própria teoria foram logo muito decididamente tiradas por outros.
Sismondi forma a ponte entre Adam Smith e Ricardo, de um lado, e o
Socialismo e o Comunismo que se sucederam do outro. Os dois pri-
meiros tinham, por sua teoria do valor, dado oportunidade para o apa-
recimento da teoria da Exploração, mas não a desenvolveram de forma
alguma. Sismondi, substancialmente, quase chegou a essa teoria, mas
não lhe deu nenhuma aplicação social ou política. Depois dele vem a
grande massa do Socialismo e do Comunismo, seguindo a velha teoria
do valor em todas as suas consequências teóricas e práticas, e chegan-
do à conclusão de que os juros são roubo e, portanto, devem cessar.
Não seria interessante do ponto de vista da teoria se eu extraísse,
da massa da literatura socialista produzida neste século, todas as expres-
sões nas quais a teoria da Exploração é sugerida ou implícita. Eu apenas
entediaria o leitor com inúmeras passagens paralelas, pouco variando
em palavras, e exibindo em substância uma monotonia maçante; passa-
gens, além disso, que em grande parte apenas repetem as proposições
cardeais da teoria da Exploração sem acrescentar à sua prova mais do
que algumas trivialidades e apelos à autoridade de Ricardo.
De fato, a maioria dos socialistas exerceu seus poderes intelectu-
ais, não tanto lançando as bases de sua própria teoria, mas criticando
amargamente as teorias de seus oponentes.

Nestas palavras, pode-se encontrar uma declaração muito condensada da teoria do trabalho de James
31

Mill (veja acima, p. 16).

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 41


Da massa de escritores com tendências socialistas me contento,
portanto, em nomear alguns que se tornaram especialmente importan-
tes no desenvolvimento e disseminação dessa teoria.
Entre estes, o autor do Contradictions Economiques, P. J.
Proudhon, é preeminente pela honestidade de intenção e dialética bri-
lhante; qualidades que lhe tornaram o apóstolo mais eficiente da teoria
na França. Como estamos mais preocupados com a substância do que
com a forma, não darei nenhum exemplo detalhado de seu estilo, mas
me contentarei em condensar sua doutrina em algumas sentenças. Será
visto de imediato que, com exceção de algumas peculiaridades de ex-
pressão, difere muito pouco do esquema geral da teoria como dada no
início deste capítulo.
No início, Proudhon toma como certo que todo o valor é produzi-
do pelo trabalho. Assim, o trabalhador tem um direito natural à posse
de todo o seu produto. No contrato salarial, entretanto, ele renuncia
a essa reivindicação em favor do proprietário do capital e recebe em
troca um salário que é menor do que o produto que ele cede. Assim,
ele é defraudado, pois ele não conhece seus direitos naturais, nem a
extensão do que ele cede, nem ainda o significado do contrato que
o proprietário acorda com ele. E assim o capitalista se vale do erro e
da surpresa, sem mencionar a astúcia e a fraude (erreur et surprise si
même on ne doit dire dot et fraud).
Assim acontece que, nos dias atuais, o trabalhador não pode com-
prar seu próprio produto. No mercado, seu produto custa mais do que
ele recebeu em salário; custa mais pela quantia de muitos lucros, que
são possíveis pela existência do direito de propriedade; e esses lucros,
sob os mais variados nomes, como lucro, juros, aluguel, arrendamen-
to, dízimo e assim por diante, formam apenas vários tributos (aubai-
nes) impostos sobre o trabalho.
Por exemplo, o que vinte milhões de trabalhadores produziram
por um salário anual de vinte bilhões de francos é vendido pelo preço
(incluindo esses lucros, e por conta deles) de vinte e cinco bilhões.
Mas isso equivale a dizer que os trabalhadores que são compelidos a
comprar de volta esses mesmos produtos são forçados a pagar cinco

42 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
pelo que produziram por quatro; ou que a cada cinco dias eles devem
ficar um dia sem comida. Assim, os juros são um imposto adicional
sobre o trabalho, algo retido (rétenue) dos salários do trabalho.32
Igual a Proudhon na pureza de suas intenções, e superando-o em
profundidade de pensamento e julgamento, embora certamente atrás do
impetuoso francês quanto ao poder retórico, está o alemão Rodbertus.
No que diz respeito à história da teoria Rodbertus é o persona-
gem mais importante que temos que mencionar neste capítulo. Sua
importância científica foi por muito tempo mal compreendida, e isso,
estranhamente, deveu-se ao caráter científico de seus escritos. Não se
dirigindo, como os outros, ao povo, mas restringindo-se em grande
parte à investigação teórica do problema social; moderado e discreto
naquelas propostas práticas que, tal como a grande maioria, são os
principais objetos de preocupação; sua reputação ficou para trás, por
um tempo, da de escritores menos importantes que aceitaram seus pro-
dutos intelectuais em segunda mão e os tornaram aceitáveis ao apelar
para os interesses populares.
Foi somente nos últimos tempos que se fez plena justiça a este
amistoso socialista, e que ele foi reconhecido como o que é — o pai
espiritual do socialismo científico moderno. Em vez de ataques in-
flamados e antíteses retóricas, pelas quais a maioria dos socialistas
gosta de atrair uma multidão, Rodbertus deixou para trás uma teoria
profunda e honestamente pensada da distribuição de bens, que, por
mais errônea que seja em muitos pontos, contém o suficiente do que
é realmente valioso para garantir ao autor uma posição permanente
entre os teóricos da economia política.
Deixando de lado, por enquanto, sua formulação da teoria da
Exploração para retornar a ela mais tarde em detalhes, volto-me para
dois de seus sucessores, que diferem um do outro tão amplamente
quanto diferem de seu antecessor Rodbertus. Um deles é Ferdinand
Lassalle, o mais eloquente, mas, no que diz respeito à substância, o

32
Veja os numerosos escritos de Proudhon passim, particularmente Qu’est ce que la propriété? (1840:
na edição de Paris de 1849, p. 162), Philosophie de la Misére (pp. 62, 287 da tradução alemã), Defence
before the Assizes at Besançon on 3d February 1842 (edição coletada, Paris, 1868, ii.)

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 43


menos original entre os líderes do Socialismo. Eu só o menciono aqui
porque sua eloquência brilhante exerceu uma grande influência na dis-
seminação da teoria da Exploração; para seu desenvolvimento teórico,
ele não contribuiu com quase nada. Sua doutrina é substancialmente
a de seus antecessores, e eu posso, portanto, passar adiante sem re-
produzi-la em citações ou trechos, e apenas me referir a algumas das
passagens mais características em uma nota.33
Enquanto Lassalle é um agitador e nada mais, Karl Marx é um
teórico, e de fato, depois de Rodbertus, o mais importante teórico do
Socialismo. Sua doutrina é certamente fundada em muitos aspectos
sobre o trabalho pioneiro de Rodbertus, mas é construída com alguma
originalidade e um considerável grau de poder lógico agudo em um
todo orgânico. Também vamos considerar esta teoria em detalhes mais
tarde. Se o aperfeiçoamento da teoria da Exploração foi, par excellen-
ce, obra de teóricos socialistas, as ideias peculiares a ela, no entanto,
encontraram admissão em outros círculos, embora de maneiras dife-
rentes e em diferentes graus.
Muitos adotaram a teoria da Exploração em sua totalidade e, no
máximo, apenas se recusaram a reconhecer as últimas consequências
práticas. Guth, por exemplo, assume essa posição.34 Ele aceita todas
as proposições essenciais dos socialistas, e as aceita em toda a sua
extensão. O trabalho é para ele a única fonte de valor. Os juros de-
correm do fato de que, em virtude das circunstâncias desfavoráveis
da concorrência, os salários do trabalho são sempre menores do que o
produto do trabalho. De fato, Guth não tem escrúpulos em introduzir a
dura expressão Ausbeutung [exploração] para esse fato como terminus
technicus [termo técnico]. Finalmente, no entanto, ele se afasta das

33
Dentre seus numerosos escritos, aquele em que ele expressa suas opiniões sobre o problema dos ju-
ros mais plenamente, e que mais brilhantemente exibe seu gênio agitador, é Herr Bastiat-Schulze von
Delitzsch, der ökonomische Julian, oder Kapital und Arbeit (Berlim, 1864). As principais passagens são
estas: O trabalho é “fonte e fator de todos os valores” (pp. 83, 122, 147). O trabalhador não recebe o
valor total, mas apenas o preço de mercado do trabalho considerado como mercadoria, sendo este preço
igual aos seus custos de produção, isto é, à mera subsistência (p. 186, etc.) Todo o excedente recai sobre
o capital (p. 194). Os juros são, portanto, uma dedução do retorno do trabalhador (p. 125, e de maneira
bastante mordaz na p. 97). Contra a doutrina da Produtividade do capital (p. 21, etc.). Contra a teoria da
Abstinência (p. 82, etc., e particularmente p. 110, etc.). Veja também outros escritos de Lassalle.
34
Die Lehre vom Einkommen in dessen Gesammtzweigen, 1869. Cito da segunda edição de 1878.

44 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
consequências práticas da doutrina, introduzindo algumas cláusulas
salvadoras. “Longe de nós declarar que a Ausbeutung do trabalha-
dor, que é a fonte do lucro, é injustificável do ponto de vista jurídico.
Baseia-se antes numa aliança livre entre o empregador e o trabalhador,
que tem lugar em circunstâncias do mercado que são, em regra, desfa-
voráveis a este último.” O sacrifício que o trabalhador explorado sofre
é, antes, um “adiantamento em relação à substituição.” Pois o aumento
do capital está sempre aumentando a produtividade do trabalho; con-
sequentemente, os produtos do trabalho ficam mais baratos, o traba-
lhador é capaz de comprar mais desses produtos com seus salários, e
assim seus salários reais aumentam.
Ao mesmo tempo, a esfera de emprego do trabalhador é ampliada
“por causa de uma demanda maior, e seu salário em dinheiro também
aumenta.” Assim, a Ausbeutung é equivalente a um investimento de
capital, que, em suas consequências indiretas, rende ao trabalhador
uma porcentagem crescente de juros.35
Dühring também em sua teoria dos juros assume uma posição
totalmente socialista. A natureza do lucro é a de uma apropriação da
parte principal do retorno do trabalho. O aumento do retorno e a pou-
pança de trabalho são resultados dos meios de produção melhorados e
ampliados. No entanto, o fato de que os obstáculos e dificuldades da
produção são diminuídos, e que o trabalho direto36, ao se equipar com
ferramentas, torna-se mais produtivo, não dá à ferramenta inanimada
qualquer pretensão de absorver uma fração a mais do que o necessá-
rio para sua reprodução. A ideia de lucro, portanto, não é aquela que
poderia ser desenvolvida a partir da produtividade do trabalho, ou em
qualquer sistema em que o sujeito econômico fosse visto como um
indivíduo economicamente autossuficiente. É uma forma de apropria-
ção, e é uma criação das circunstâncias peculiares de distribuição.”37

35
Ibid. pp. 109, etc., 122, etc. Veja também p. 271, etc.
36
N.T.: Naked labour (trabalho direto), termo presente na obra traduzida para o inglês que se refere ao
trabalho realizado sem auxílio de ferramentas.
37
Kursus der National-und Sozialökonomie, Berlim, 1873, p. 183. Um pouco mais adiante (p. 185), evidente-
mente tomando emprestado o Droit d’Aubaine de Proudhon, ele explica os juros como um “tributo” imposto
em troca da entrega do poder econômico, a taxa de juros representando a taxa à qual o tributo é cobrado.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 45


Um segundo grupo de escritores ecléticos adiciona as ideias da
teoria da Exploração às suas outras visões sobre o problema dos juros;
como, por exemplo, John Stuart Mill e Schäffle.38
Finalmente, há outros que se deixaram influenciar pela impressão
que lhes causaram os escritores socialistas e, embora não reconhecen-
do todo o sistema desses escritores, ainda aceitaram importantes pon-
tos individuais. A característica mais notável nessa direção me parece
a aceitação, por um considerável número dos Socialistas Alemães de
Cátedra, da velha proposição de que o trabalho é a única fonte de todo
valor, a única força produtora de valor.
Essa proposição, cuja aceitação ou rejeição tem um peso tão enor-
me na determinação de nosso julgamento dos fenômenos econômicos
mais importantes, teve um destino peculiar. Ela foi originalmente ini-
ciada pela economia política da Inglaterra, e nos primeiros vinte anos
ou mais após o aparecimento da Riqueza das Nações, ganhou uma
ampla circulação junto com o sistema de Adam Smith. Mais tarde, sob
a influência de Say, que desenvolveu a teoria dos três fatores produti-
vos, natureza, trabalho e capital, e então sob a influência de Hermann
e Senior, ela entrou em descrédito com a maioria dos economistas po-
líticos, mesmo da escola inglesa.
Por um tempo, a tradição foi mantida apenas por alguns escritores
socialistas. Em seguida, os socialistas de cátedra aceitaram-na pelos es-
critos de homens como Proudhon, Rodbertus e Marx, e mais uma vez
ganhou uma posição firme na economia política científica. Atualmente,
parece quase como se a autoridade desfrutada pelos ilustres líderes da-
quela escola estivesse às vésperas de iniciá-la pela segunda vez em uma
marcha triunfante em torno da literatura de todas as nações.
Se isso deve ser desejado ou não, será demonstrado pelo exame
crítico da teoria da Exploração a que agora me dirijo.
Ao criticar essa teoria, vários cursos foram abertos para mim. Eu
poderia ter criticado todos os seus representantes individualmente.

38
Veja abaixo, livro vii.

46 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Essa certamente teria sido a maneira mais precisa, mas a forte seme-
lhança entre declarações individuais acarretaria em repetições supér-
fluas e extremamente cansativas. Ou, sem entrar em declarações indi-
viduais, eu poderia ter dirigido minha crítica contra o esquema geral
que essas declarações individuais realmente têm em comum.
Ao fazê-lo, no entanto, teria havido uma dupla dificuldade. Por
um lado, eu teria encontrado o perigo de dar muito pouca importância
a certas variações individuais na doutrina, e, por outro lado, se isso
tivesse sido evitado, eu certamente não teria escapado da reprovação
de fazer muito pouco do assunto, e de dirigir minha crítica contra uma
caricatura deliberada, em vez de contra a doutrina real. Decidi, portan-
to, tomar um terceiro rumo; selecionar aquelas declarações individuais
que me parecem as melhores e mais completas, e submetê-las a uma
crítica separada.
Para este propósito, escolhi as declarações da teoria da Exploração
dada por Rodbertus e Marx. Eles são os únicos que oferecem algo
como uma base firme e coerente. Enquanto a de Rodbertus é, na minha
opinião, a melhor, a de Marx é a que ganhou a aceitação mais geral, e
aquela que pode até certo ponto ser considerada como o sistema oficial
do socialismo de hoje. Ao submeter esses dois a um exame minucioso,
acho que estou tomando a teoria da Exploração em seu lado mais forte,
lembrando aquele belo ditado de Knies: “Aquele que seria vitorioso
no campo da pesquisa científica deve deixar seu adversário avançar
totalmente armado e com toda a sua força.”39
Para evitar equívocos, mais uma observação antes de começar. O
objetivo das páginas seguintes é criticar a teoria da Exploração exclu-
sivamente como uma teoria; isto é, investigar se as causas do fenôme-
no econômico dos juros realmente consistem naquelas circunstâncias
que a teoria da Exploração afirma serem suas causas originárias. Não
é minha intenção oferecer uma opinião neste lugar sobre o lado prá-
tico e social do problema dos juros, se é questionável ou inquestio-
nável, se deve ser mantido ou abolido. É claro que ninguém pensaria

39
Der Kredit, parte ii. Berlim, 1879, p. 7.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 47


em escrever um livro sobre juros e permanecer em silêncio sobre a
questão mais importante relacionada a ele. Mas eu só posso falar de
qualquer propósito do lado prático da questão quando o lado teórico
foi, primeiro, perfeitamente esclarecido e eu devo, portanto, reservar o
exame dessas questões para a minha obra Teoria Positiva do Capital.
Repito, então, que, no presente caso, apenas examinarei se os juros,
sejam bons ou ruins, passam a existir a partir das causas afirmadas pela
teoria da Exploração.

48 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Capítulo II

RODBERTUS

O
ponto de partida da teoria do juros de Rodbertus40 é a propo-
sição, introduzida na ciência por Adam Smith e mais firme-
mente estabelecida pela escola Ricardiana, de que os bens,
economicamente concebidos, devem ser considerados apenas como
produtos do trabalho e não custam nada além de trabalho. Esta propo-
sição, que geralmente é expressa nas palavras “Somente o trabalho é
produtivo”, é amplificada por Rodbertus da seguinte forma:—

1. Somente são bens econômicos os que custam trabalho; todos os


outros bens, sejam eles tão úteis ou necessários para a humanida-
de, são bens naturais e não têm lugar na consideração econômica.
2. Todos os bens econômicos são produto apenas do trabalho e
somente dele; para a concepção econômica, eles não contam

40
Uma lista razoavelmente completa dos escritos do Dr. Karl Rodbertus-Jagetzow pode ser encontrada em
Sozialökonomische Ansichten, Jena, 1882, p. 7, etc. Fiz uso, de preferência, da segunda e da terceira Cartas
Sociais a Von Kirchmann na cópia (um pouco alterada) publicada por Rodbertus em 1875, sob o nome de
Zur Beleuchtung der sozialen Frage; também do tratado Zur Erklärung und Abhilfe der heutigen Kreditnoth
des Grundbesitzes; e da quarta Carta Social a Von Kirchmann (Berlim, 1884), publicada sob o legado de
Rodbertus por Adolf Wagner e Kozak sob o nome Das Kapital. Alguns anos atrás, a teoria do juros de
Rodbertus foi submetida a uma crítica extremamente detalhada e consciente por Knies (Der Kredit, parte II.
Berlim, 1879, p. 47, etc. ), com a qual, em seus pontos mais importantes, concordo plenamente. Sinto-me, no
entanto, obrigado a assumir a tarefa da crítica de forma independente, sendo meu ponto de vista teórico tão
diferente do de Knies que não posso deixar de olhar para muitas coisas sob uma luz essencialmente diferente.
como produtos da natureza ou de qualquer outra força, mas
apenas como produtos do trabalho; qualquer outra concepção
deles pode ser física, mas não é econômica.
3. Os bens, considerados economicamente, são o produto apenas
do trabalho que realizou as operações materiais necessárias
à sua produção. Mas a esta categoria pertence não apenas o
trabalho que produz imediatamente os bens, como também o
trabalho que primeiro cria o instrumento pelo qual os bens
são feitos. Assim, o grão não é apenas o produto do homem
que segurava o arado, mas também daquele que faz este ara-
do, e assim por diante.41

A proposição fundamental de que todos os bens, economicamente


considerados são produto apenas do trabalho tem, com Rodbertus, a
pretensão de um axioma.
Ele a considera uma proposição sobre a qual, “no estado avançado
da economia política, não há mais disputa”; ela é naturalizada entre os
economistas ingleses, tem seus representantes entre os da França e, “o
que é mais importante, apesar de todos os sofismas de uma doutrina
retrógrada e conservadora, é indelevelmente impresso na consciência
do povo.”42 Apenas uma vez encontro qualquer tentativa em Rodbertus
de colocar essa proposição em um fundamento racional. Ele diz que
“todo produto que chega até nós através do trabalho na forma de um
bem, deve ser imputado exclusivamente ao trabalho humano, porque o
trabalho é a única força original e também o único custo original com o
qual a economia humana está preocupada.”43 Esta proposição também é
colocada como um axioma, e Rodbertus não vai mais longe no assunto.
Os verdadeiros laboreiros que produzem todo o produto na forma
de bens têm, pelo menos “de acordo com a pura ideia de justiça”, uma
pretensão natural e justa de obter a posse de todo esse produto.44 Mas

41
Zur Beleuchtung der sozialen Frage, pp.68-69.
42
Soziale Frage, p. 71.
43
Erklärung und Abhilfe, ii. p. 160, numa nota.
44
Soziale Frage, p. 56; Erklärung, p. 112.

50 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
isso com duas limitações bem importantes. Primeiro, o sistema de divi-
são do trabalho, sob o qual muitos cooperam na produção de um pro-
duto, torna tecnicamente impossível que cada laboreiro receba seu pro-
duto in natura. Por conseguinte, precisa substituir-se a reivindicação do
produto na sua totalidade pela reivindicação do valor total do produto.45
Além disso, todos aqueles que prestam serviços úteis para a so-
ciedade sem cooperar imediatamente na produção material dos bens
precisa ter uma participação no produto nacional; tais como, por
exemplo, o clérigo, o médico, o juiz, o investigador científico e, na
opinião de Rodbertus, até mesmo o empreendedor, que “entendem
como empregar um número de laboreiros produtivamente por meio de
um capital”46. Todavia, tal trabalho, sendo apenas “trabalho econômi-
co indireto”, não pode reivindicar seu pagamento baseando-se na “dis-
tribuição original de bens”, na qual os produtores sozinhos participam,
mas apenas em uma “distribuição secundária de bens”.
Qual é, então, a reivindicação que os verdadeiros laboreiros têm
a apresentar, de acordo com a pura ideia de justiça? É uma exigência
de receber o valor total do produto de seu trabalho na distribuição ori-
ginal, sem prejuízo das reivindicações secundárias sobre o salário de
outros membros úteis da sociedade.
Esta reivindicação natural, Rodbertus não encontra reconhecida em
arranjos sociais atuais. Os laboreiros de hoje recebem como salário, na
distribuição original, apenas uma parte do valor de seu produto, enquan-
to o restante se destina como renda para os donos de terra e capital.
A renda é definida por Rodbertus como “toda renda obtida sem
esforço pessoal apenas em virtude da posse”47. Inclui dois tipos de
renda — renda da terra e lucro sobre o capital.
Rodbertus então pergunta: Como toda renda é apenas o produto
do trabalho, qual é a razão pela qual certas pessoas na sociedade obtêm
renda (e, além disso, renda original) sem mexer um dedo no trabalho

45
Soziale Frage, pp. 87, 90; Erklarung, p. 111; Kapital, p. 116.
46
Soziale Frage, p. 146; erklarung, ii. P. 109, etc.
47
Soziale Frage, p. 32.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 51


da produção? Nesta questão Rodbertus expôs o problema teórico geral
da teoria da renda.48 A resposta que ele dá é a seguinte:—
A renda deve sua existência à coincidência de dois fatos, um eco-
nômico e outro legal. A base econômica da renda reside no fato de
que, desde a introdução da divisão do trabalho, os laboreiros produ-
zem mais do que necessitam para sustentar-se na vida e permitir-lhes
continuar seu trabalho, e assim outros, também, são capazes de viver
do produto. O fundamento jurídico reside na existência da propriedade
privada na terra e no capital. Como, portanto, através da existência da
propriedade privada, os laboreiros perderam todo o controle sobre as
condições que são indispensáveis para a produção, eles não podem,
em regra, fazer outra coisa senão produzir a serviço dos proprietários,
e isso de acordo com um contrato anteriormente feito.
Esses proprietários impõem aos laboreiros a obrigação de entre-
gar uma parte do produto de seu trabalho como aluguel, em troca da
oportunidade de usar as condições de produção mencionadas acima.
Na verdade, essa entrega assume até uma forma agravada, pois os la-
boreiros têm que entregar aos donos a posse de todo o seu produto,
recebendo destes apenas uma parte de seu valor como salário, e uma
parte que não é mais do que os laboreiros absolutamente exigem para
mantê-los com vida e permitir que eles continuem seu labor. A for-
ça que obriga os laboreiros a concordar com este contrato é a fome.
Deixemos Rodbertus falar por si mesmo:

“Como não pode haver proventos a menos que sejam pro-


duzida pelo trabalho, a renda repousa sobre duas condições
indispensáveis. Em primeiro lugar, não pode haver renda se
o labor não produzir mais do que a quantidade que é apenas
necessária aos laboreiros para garantir a continuidade de
seu labor, pois é impossível que sem tal excedente qualquer
um, sem ele mesmo labutar, possa receber regularmente ul-
gum provento. Em segundo lugar, não poderia haver ren-
da se não existissem arranjos que privassem os laboreiros

48
Ibid. p. 74, etc.

52 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
desse excedente, total ou parcialmente, e o dessem a outros
que não trabalham, pois na natureza das coisas, os próprios
laboreiros são sempre os primeiros a tomar posse de seu
produto. Que o labor produz tal excedente repousa sobre
bases econômicas que aumentam a produtividade do labor.
Que esse excedente é total ou parcialmente retirado dos la-
boreiros e dado a outros baseia-se na lei positiva; e como
a lei sempre se uniu à força, ela só efetua essa retirada por
compulsão contínua.”
“A forma que essa compulsão originalmente tomou foi a
escravidão, cuja origem é contemporânea da agricultura
e propriedade fundiária. Os laboreiros que produziram tal
excedente em seu produto de trabalho eram escravos, e o
mestre a quem pertenciam, e a quem consequentemente o
próprio produto também pertencia, deu aos escravos apenas
o quanto era necessário para a continuação de seu labor, e
manteve o restante ou excedente para si mesmo.
Se toda a terra e, ao mesmo tempo, todo o capital de um país
passaram para a propriedade privada, então a propriedade
fundiária e a propriedade do capital exercem uma compul-
são semelhante mesmo sobre laboreiros libertos ou livres.
Pois, primeiro, o resultado será o mesmo que na escravidão:
o produto não pertencerá aos laboreiros, mas aos senhores
da terra e do capital; e em segundo, os laboreiros que nada
possuem, em face dos senhores que possuem terra e capi-
tal, ficarão felizes em receber apenas uma parte do produto
de seu próprio trabalho com o qual se sustentarão na vida;
isto é, novamente, para permitir que continuem seu labor.
Assim, embora o contrato do laboreiro e empregador tenha
tomado o lugar da escravidão, o contrato é apenas formal-
mente e não realmente livre, e a fome é um bom substituto
para o chicote. O que antigamente era chamado de comida
agora é chamado de salário.”49
49
Soziale Frage, p. 33; similarmente e com mais detalhes nas pp. 77-94.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 53


Assim, então, toda renda é uma exploração,50 ou, como Rodbertus
às vezes chama ainda mais forçosamente, um roubo do produto do
labor de outras pessoas.51 Esse caráter se aplica a todos os tipos de
renda igualmente; a renda da terra, bem como ao lucro sobre o capital,
e aos emolumentos do juros de contrato e empréstimo derivados deles.
O aluguel e o juros são tão legítimos em relação aos empreendedor
quanto ilegítimos em relação aos laboreiros, a cujo custo, em última
instância, são pagos.52
A quantidade de renda aumenta com a produtividade do labor;
pois sob o sistema de livre concorrência, o laboreiro recebe, universal
e constantemente, apenas a quantidade necessária para sua manuten-
ção — isto é, um quantum definido do produto. Assim, quanto maior
a produtividade do labor, menor será a proporção do valor total do
produto reivindicado por esse quantum, e maior será a proporção do
produto e do valor remanescente para o proprietário como sua parte,
como renda.53
Embora, de acordo com o que já foi dito, toda renda forma uma
massa homogênea tendo uma origem comum na vida econômica prá-
tica, ela é dividida em dois ramos, renda da terra e lucro sobre o ca-
pital. Rodbertus, então, explica a razão e as leis dessa divisão de uma
maneira muito peculiar. Ele parte do pressuposto teórico, que leva a
cabo durante toda a sua investigação, de que o valor de troca de todos
os produtos é igual aos seus custos de labor; em outras palavras, que
todos os produtos são trocados entre si na proporção do labor que eles
custaram.54 Rodbertus realmente está ciente de que essa suposição não
corresponde exatamente à realidade. Ainda assim, ele acredita que os
desvios equivalem a nada mais do que “o valor de troca real oscila às
vezes de um lado, às vezes do outro”, casos em que há pelo menos
sempre um ponto em torno do qual eles gravitam, “sendo esse ponto
50
Ibid. p.115, e em outros lugares.
51
Ibid. p.150; Kapital, p. 202.
52
Soziale Frage, pp. 115, 148, etc. Veja também a crítica de Bastiat, pp. 115-119.
53
Ibid. p. 123, etc.
54
Soziale Frage, p. 106.

54 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
o valor de troca justo e natural”55. Ele rejeita inteiramente a ideia de
que os bens normalmente são trocados entre si de acordo com qual-
quer outra proporção que não seja a do labor incorporado nos mesmos;
que desvios dessa proporção podem ser o resultado, não apenas de
flutuações do mercado, mas de uma lei fixa atraindo o valor em outra
direção.56 Nesta fase, apenas chamo a atenção para a circunstância e
mostrarei sua importância mais tarde.
A produção total de bens pode, de acordo com Rodbertus, ser di-
vidida em dois ramos — produção bruta, que com a ajuda da terra ob-
tém produtos brutos, e da manufatura que processa os produtos brutos.
Antes da divisão do trabalho ser introduzida, a obtenção e a manufa-
tura de produtos brutos eram realizados em sucessão imediata por um
empreendedor, que então recebeu sem divisão toda a renda resultante.
Nesta fase do desenvolvimento econômico não houve separação da
renda em renda da terra e lucro sobre o capital.
Mas, desde a introdução da divisão do trabalho, o empreendedor
da produção bruta e o empreendedor da manufatura que a segue são
pessoas distintas. A questão preliminar é: em que proporção a renda
que resulta da produção total será agora dividida entre os produtores
da matéria bruta, por um lado, e os manufatureiros, por outro lado?
A resposta a essa pergunta decorre do caráter da renda. A renda é
uma proporção e dedução do valor do produto. A quantidade de renda
que pode ser obtida em qualquer ramo de produção é regulada pelo
valor do produto criado neste ramo de produção. Como, no entanto,
a quantidade do valor do produto é regulada aqui também pela quan-
tidade de labor gasto nele, a renda total será dividida entre produção
bruta e manufatura, de acordo com o dispêndio de labor em cada um
desses ramos. Para ilustrar isso, um exemplo concreto57: Digamos que
são necessários 1000 dias de labor para obter uma certa quantidade de
produto bruto e que sua fabricação requer 2000 dias a mais; então, se a
55
Ibid. p. 107; similarmente nas pp. 113, 147. Erklarung, i. p. 123.
56
Soziale Frage, p. 148.
57
Essa ilustração não é dada por Rodbertus; Eu apenas a adicionei para expôr a intrincada linha argumen-
tativa mais claramente.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 55


renda tomar 40% do valor do produto como parte dos donos, o produto
de 400 dias de labor será destinado como renda para os produtores de
matéria-prima e o produto de 800 dias de labor como renda para os
empreendedores manufatureiros. Por outro lado, o montante de capital
empregado em cada ramo de produção não é uma questão de impor-
tância em relação a esta divisão, pois embora a renda seja estimada em
relação a este capital, não é determinada por ele, mas pela quantidade
de labor fornecido.
Agora, o próprio fato de que o montante de capital empregado não
tem influência causal sobre a quantidade de renda adquirível em qual-
quer ramo de produção se torna a causa da renda da terra. Rodbertus
prova isso da seguinte maneira.
A renda é produto do labor. Mas é condicionada pela posse de
riqueza. Portanto, a renda é vista como um retorno dessa riqueza. Na
manufatura, essa riqueza toma a forma de capital apenas, e não de
terra. Assim, a renda total obtida na manufatura é considerada como
retorno sobre o capital ou lucro sobre o capital. E assim, calculando,
da maneira habitual, a proporção entre a quantidade de retorno e a
quantidade de capital sobre a qual o retorno é obtido, podemos dizer
que uma porcentagem definida do lucro pode ser adquirível do capital
envolvido na manufatura.
Em virtude das tendências bem conhecidas da competição, essa
taxa de lucro se aproximará da igualdade em todos os ramos e também
se tornará o padrão para calcular o lucro do capital envolvido na pro-
dução bruta; pois uma parcela muito maior do capital nacional está en-
volvida em manufatura do que na agricultura, e, obviamente, o retorno
da maior parte do capital precisa ditar à menor parte da taxa à qual seu
lucro deve ser calculado. Portanto, os produtores de matérias-primas
devem calcular, como lucro sobre o seu capital, a parte da renda total
obtida na produção bruta quanto corresponde à quantidade de capital
que foi empregado, e a taxa habitual de lucro.
O restante da renda, por outro lado, precisa ser considerada como
retorno da terra e compõe a renda da terra.

56 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Agora, de acordo com Rodbertus, precisa haver sempre um certo
remanescente na produção bruta, em virtude do pressuposto de que
os produtos são trocados proporcionalmente à quantidade de trabalho
neles incorporada. Ele prova isso da seguinte forma: A quantidade de
renda obtida na manufatura depende, como vimos, não da quantidade
de capital apresentada, mas da quantidade de labor realizado na ma-
nufatura. Esse labor é composto de duas partes constituintes; por um
lado, o trabalho imediato de manufatura, por outro lado, o trabalho
indireto “que também precisa ser levado em conta no cálculo como
representando as ferramentas e máquinas usadas.”
Portanto, das diferentes porções constituintes do capital dispos-
tas, apenas aquelas porções afetarão a quantidade de renda que con-
siste em salários e despesas com máquinas e ferramentas. Por outro
lado, tal influência não afeta o capital investido em matérias-primas,
porque esse dispêndio não expressa nenhum labor realizado no está-
gio de manufatura. No entanto, essa parte do gasto aumenta o capital
sobre o qual a renda adquirível como retorno é calculada. A existência
de uma parcela do capital que aumenta o capital de produção sobre o
qual é calculada a parte da renda que lhe cabe como lucro, embora não
aumente esse lucro em si, deve evidentemente diminuir a proporção
do lucro em relação ao capital; em outras palavras, deve diminuir a
taxa de lucro sobre o capital empregado na manufatura.
Agora, o lucro sobre o capital empregado na produção bruta tam-
bém será calculado a essa taxa reduzida. Mas aqui (na produção bruta)
as circunstâncias são geralmente mais favoráveis. Pois, como a agri-
cultura começa a produção ab ovo [desde o princípio], e não produz
material derivado de uma produção anterior, seu dispêndio de capital
não tem “valor de material.” O análogo do material é simplesmente a
terra, e a terra em todas as teorias não custa nada. Portanto, nenhuma
parte do capital tem qualquer participação na divisão do lucro que
não tenha também uma influência sobre o seu montante, e, portanto,
também a proporção entre a renda obtida e o capital empregado deve
ser mais favorável na agricultura do que na manufatura. Como, no
entanto, também na agricultura, o lucro sobre o capital é calculado à

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 57


taxa reduzida determinada pela manufatura, deve sempre permanecer
um excedente de renda, que cabe ao dono da terra como renda da terra.
Esta, segundo Rodbertus, é a origem da renda da terra, e sua distinção
do lucro do capital.58
Posso brevemente complementar isso observando que, apesar do
julgamento teórico muito severo que ele pronuncia sobre o lucro ao
descrevê-lo como pilhagem, Rodbertus não ouvirá falar da abolição
da propriedade privada no capital ou do lucro sobre o capital. Não, ele
atribui à propriedade da terra e do capital “um poder educativo” que
não podemos dispensar; um “tipo de poder patriarcal que só poderia
ser substituído após um sistema completamente alterado de instrução
nacional, para o qual no momento não temos sequer as condições.”59
A propriedade da terra e do capital parece-lhe, entretanto, ter “um
tipo de posição oficial envolvendo as funções nacionais de administrar
o labor econômico e os recursos econômicos da nação em correspon-
dência com a necessidade nacional.”

58
Soziale Frage, p. 94, etc.; particularmente pp. 109-111; Erklärung, i. p. 123.
Pode ser aconselhável, no interesse do leitor inglês, expor essa teoria da renda da terra de uma maneira diferente.
De acordo com Rodbertus, toda renda é uma dedução do produto e uma exploração do labor que produz
o produto. Tanto a renda de terra quanto a renda do capital (lucro) devem ser contabilizadas por essa
dedução, e apenas por essa dedução. Agora, a renda não pode emergir a menos que os recursos necessá-
rios sejam fornecidos. Os donos dão esses recursos; o laboreiro trabalha com eles; o dono tira sua renda
do produto e, naturalmente, calcula-a como uma porcentagem sobre a quantidade de recursos que ele
fornece. Na realidade, no entanto, a renda não depende da quantidade e duração desses recursos, mas da
quantidade de labor empregada e explorada.
Mas os recursos são de dois tipos, terra e capital. Na manufaturação, os recursos consistem apenas em
capital. O lucro explorado dos laboreiros manufatureiros é calculado como uma taxa sobre o capital e
passa a ser atribuído ao capital. Sob o sistema competitivo, os lucros tendem a uma igualdade em todo o
campo e, consequentemente, devemos esperar que o proprietário de terras obtenha simplesmente a mesma
renda pelos recursos que empresta (terra) como o capitalista obtém pelos recursos que empresta (capital).
Mas é um fato que o dono da terra recebe mais; na verdade, o suficiente para pagar outra renda, que é
apropriadamente chamado de renda da terra. Como isso ocorre?
A razão é que na manufatura há duas despesas de capital, uma para salários e outra para matérias-primas.
Mas há apenas um campo de exploração, os salários. Há, então, na manufatuação, uma parte do capital em-
pregado que não gera lucro, e o lucro que é feito na manufatura total, sendo calculado sobre essa parte mais a
parte empregada no pagamento de salários, resulta em uma taxa de lucro menor do que seria de outra forma.
Ora, na agricultura só há uma fonte de renda ou de lucro, o labor, mas não há nenhum dispêndio com
matérias-primas. O lucro, portanto, na agricultura, é calculado sobre um capital menor e, portanto, precisa
deixar, além da taxa normal de lucro da manufaturação, um excedente que é a renda da terra. — W.S.
59
Erklärung, ii. p. 303.

58 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Assim, do ponto de vista mais favorável, a renda pode ser consi-
derada como uma forma de salário que certos “oficiais” recebem pelo
desempenho de suas funções.60 Eu já notei acima como essa observa-
ção, expressada casualmente numa mera nota, formou a base sobre a
qual escritores posteriores, particularmente Schäffle, construíram uma
forma peculiar da teoria do trabalho.
Critiquemos, agora, o sistema de Rodbertus. Sem rodeios, posso
dizer imediatamente que considero que a teoria contida nele seja um
fracasso completo. Estou convencido de que seu sistema é acometido
por uma série de graves defeitos teóricos que me esforçarei para expor
nas páginas seguintes tão clara e imparcialmente quanto possível.
Antes de tudo, sou obrigado a fazer exceção ao primeiro obstácu-
lo que Rodbertus coloca na estrutura do seu sistema — a proposição
de que todos os bens, economicamente concebidos, são produtos do
labor e apenas dele.
Em primeiro lugar, o que significam as palavras “economicamen-
te concebidos”? Rodbertus os explica por um contraste. Ele coloca o
ponto de vista econômico em oposição ao ponto de vista físico. Que os
bens, fisicamente falando, são produtos não apenas do labor, mas das
forças naturais, ele reconhece explicitamente. Se, então, for dito que,
do ponto de vista econômico, os bens são produto apenas do labor, a
declaração pode certamente ter apenas um sentido, isto é, a coopera-
ção das forças naturais na produção é uma questão de total indiferença
no que diz respeito à economia humana.
Em certa ocasião, Rodbertus expressa fortemente essa concepção
quando diz: “Todos os outros bens, exceto aqueles que custaram labor,
por mais úteis ou necessários que sejam para a humanidade, são bens
naturais e não têm lugar na consideração econômica.” O homem pode
ser grato pelo que a natureza fez de antemão no caso dos bens eco-
nômicos, pois poupou-lhe tanto labor extra. Porém, a economia toma
60
Erklärung, p. 273, etc. No tratado póstumo sobre “Capital”, Rodbertus se expressa mais severamente
sobre o assunto da propriedade privada no capital, e defende que seja resgatada, se não abolida (p. 116, etc.)

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 59


conhecimento deles somente na medida em que o labor tenha comple-
tado o trabalho da natureza.”61
Agora isso é simplesmente falso. Mesmo os bens puramente na-
turais têm um lugar na consideração econômica, desde que apenas se-
jam escassos em comparação com a necessidade deles. Se um pedaço
de ouro maciço na forma de uma pedra meteórica cai no campo de
um homem, não deve ser economicamente considerado? Ou se uma
mina de prata é descoberta por acaso em sua propriedade, a prata não
deve ser economicamente considerada? Será que o dono do campo re-
almente não prestará atenção ao ouro e à prata que lhe são dados pela
natureza, ou os entregará, ou os desperdiçará, simplesmente porque
foram concedidas a ele pela natureza sem esforço de sua parte?
Ele não os preservará tão cuidadosamente quanto o ouro e a
prata que conquistou pelo labor de suas mãos; os colocará em se-
gurança contra a ganância dos outros; cautelosamente os converterá
em dinheiro no mercado — em suma, os tratará economicamente?
E, novamente, é verdade que a economia leva em conta aqueles bens
que custaram labor apenas na medida em que o labor completou o
trabalho da natureza?
Se fosse esse o caso, os homens agindo economicamente teriam
que colocar um barril do mais requintado vinho do Reno no mesmo
nível que um barril de vinho bem feito, mas naturalmente inferior, pois
o labor humano fez praticamente o mesmo por ambos. Que, apesar
disso, o vinho do Reno é, amiúde, avaliado economicamente em dez
vezes a quantia do outro, é uma impressionante refutação do teorema
de Rodbertus pelas mãos da experiência cotidiana.
Tudo isso é tão óbvio que poderíamos razoavelmente esperar que
Rodbertus tivesse tomado todas as precauções para proteger sua pri-
meira e mais importante proposição fundamental contra tais objeções.
Nessa expectativa, no entanto, somos desapontados. Com descuido
peculiar, ele se contenta em quase todas as ocasiões em afirmar essa
proposição no tom de um axioma. Às vezes apela em seu nome para a

61
Soziale Frage, p. 69.

60 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
autoridade de Adam Smith e Ricardo, e apenas em uma única ocasião
ele diz qualquer coisa que possa ser interpretada como uma tentativa
de dar-lhe qualquer fundamento real.
O crítico dificilmente ficará satisfeito com um suporte tão pobre
para uma proposição tão importante. No que diz respeito às autoridades
apeladas, em uma discussão científica, as autoridades em si não provam
nada. Sua força é simplesmente a força dos argumentos que estas au-
toridades representam. Mas, em breve teremos a oportunidade de nos
convencer de que Adam Smith e Ricardo apenas afirmam a proposição
como um axioma sem dar qualquer tipo de argumento para isso. Além
disso, como Knies em uma recente ocasião muito corretamente apon-
tou,62 Adam Smith e Ricardo não se mantiveram consistentemente nela.
Na única passagem que Rodbertus argumenta seriamente, diz:
“Todo produto que chega até nós através do labor na forma de um
bem é, economicamente falando, imputável apenas ao labor humano,
porque é a única força original, e também o único custo original com
o qual a economia humana está preocupada.”63 No que diz respeito a
esse argumento, no entanto, pode-se duvidar seriamente, em primeiro
lugar, se a premissa utilizada é correta, e Knies mostrou que há boas
razões para questioná-la.64 E em segundo lugar, mesmo que a premissa
seja correta, a conclusão não se segue necessariamente.
Mesmo que o labor fosse realmente o único poder original com o
qual a economia humana tem alguma coisa a ver, não vejo por que não
seria desejável agir economicamente em relação a algumas coisas além
dos “poderes originais”. Por que não em relação a certos resultados des-
ses poderes originais, ou aos resultados de outros poderes originais? Por

62
Kredit, segunda parte, p. 60, etc.
63
Erklärung und Abhilfe, ii. p. 160; similarmente Soziale Frage, p. 69.
64
Der Kredit, segunda parte, p. 69: “O que Rodbertus apresenta como sua única razão, isto é, que ‘o labor
é a única força original e também o único custo original com o qual a economia humana está preocupa-
da’, é simplesmente, de fato, falso. Que cegueira surpreendente é não ver que, no caso de um senhorio,
o poder efetivo do solo em nossos campos limitados não poderia ser permitido ‘morrer’ por homens não
econômicos, não poderia ser desperdiçado no cultivo de ervas daninhas, etc., etc. Uma opinião tão absur-
da certamente justificaria, a longo prazo, qualquer um em defender a proposição de que a perda para um
proprietário de X acres, e a perda para a economia de um povo de Y milhas quadradas, não representa
nenhuma ‘perda econômica’.”

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 61


que não, por exemplo, com o meteorito rico em ouro de que falamos?
Por que não com a pedra preciosa que encontramos acidentalmente? Por
que não com depósitos naturais de carvão? Rodbertus tem uma concep-
ção muito estreita tanto da natureza quanto do motivo da economia. Nós
lidamos economicamente com o poder original, o labor, porque, como
Rodbertus diz muito corretamente, “O labor é limitado pelo tempo e
pela força, porque, ao ser empregado, é gasto e porque, no final, rouba-
-nos nossa liberdade.” Mas todos esses são apenas motivos secundários,
não o motivo final de nossa conduta econômica.
Em última análise, lidamos economicamente com labor limita-
do e penoso, porque devemos sofrer uma perda de bem-estar devido
a um tratamento não econômico. Mas exatamente o mesmo motivo
nos impele a lidar economicamente com todas as outras coisas úteis
que, existindo em uma quantidade limitada, não poderíamos desejar
ou abrir mão sem perder algo do prazer da vida.
Não importa se é uma força original ou não; se a coisa custou a
força original que chamamos de labor ou não.
Finalmente, a posição assumida por Rodbertus torna-se totalmente
insustentável quando ele acrescenta que os bens devem ser considerados
apenas como produtos do labor manual material. Esse princípio proibi-
ria até mesmo a orientação intelectual direta do labor de ser reconhecida
como tendo qualquer função produtiva, e levaria a uma pletora de con-
tradições internas e falsas conclusões que não deixam dúvidas de sua
incorreção. Isso, no entanto, foi mostrado por Knies de uma forma tão
impressionante que seria supérfluo nos debruçar sobre o ponto.65
Assim, na primeira proposição que estabeleceu, Rodbertus en-
tra em choque com os fatos. Para ser inteiramente justo, no entanto,

65
Veja Knies, Der Kredit, segunda parte, p. 64, etc.: “Um homem que deseja “produzir” carvão não
precisa simplesmente cavar; ele precisa cavar em um lugar particular; em milhares de lugares ele pode
realizar a mesma operação material de escavação sem colher qualquer resultado. Mas se o trabalho difícil
e necessário de encontrar o lugar adequado é realizado por uma pessoa separada, digamos, um geólogo;
se sem algum outro “poder intelectual” nenhum poço for perfurado, e assim por diante, como pode o
trabalho “econômico” ser apenas escavar? Quando a escolha dos materiais, a decisão sobre as proporções
dos ingredientes, e coisas semelhantes, são feitas por outra pessoa que não aquela que fabrica as pílulas,
devemos dizer que o valor econômico deste corpo material, este medicamento, é um produto de nada além
do labor manual empregado nele?”

62 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
preciso aqui fazer uma concessão que Knies, enquanto representan-
do a teoria do Uso, foi incapaz de fazer. Admito que, ao refutar este
princípio fundamental, toda a teoria dos juros de Rodbertus não foi
refutada. A proposição está errada; não, todavia, porque confunde o
papel desempenhado pelo capital na produção de bens, mas porque
confunde o papel desempenhado pela natureza.
Acredito com Rodbertus que, se considerarmos o resultado de to-
das as etapas da produção como um todo, o capital não pode manter um
lugar independente entre os custos de produção. Não é exclusivamente
“labor anterior”, como pensa Rodbertus, mas é em parte, e de fato, em
geral, principalmente “labor anterior”; para o resto, é uma valiosa força
natural armazenada para fins humanos. Onde o poder natural é visível
— como em uma produção que, em todos os seus estágios, só faz uso de
presentes gratuitos da natureza e de labor, ou que faz uso de tais produtos
que se originaram exclusivamente em presentes gratuitos da natureza e
no labor — em tais casos poderíamos, de fato, dizer com Rodbertus que
os bens, economicamente considerados, são produtos somente do labor.
Desde então, o erro fundamental de Rodbertus não se refere ao
papel do capital, mas apenas ao da natureza; as inferências sobre a na-
tureza do lucro sobre o capital que ele deduz não são necessariamente
falsas. É somente se erros essenciais aparecerem também no desen-
volvimento de sua teoria que podemos rejeitar essas inferências como
falsas. Agora, esses erros, sem dúvida, existem.
Para não fazer um uso injusto do primeiro erro de Rodbertus, apre-
sentarei, em todo o exame a seguir, todas as hipóteses de tal forma que
as consequências desse erro possam ser completamente eliminadas.
Assumirei que todos os bens são produzidos apenas pela cooperação
do labor e das forças naturais livres, e pela assistência exclusivamente
de tais objetos de capital que se originaram apenas pela cooperação do
labor e das forças naturais livres, sem a intervenção de dádivas natu-
rais que possuam valor de troca.
Nesta hipótese limitada, é possível admitir a proposição funda-
mental de Rodbertus de que os bens, economicamente considerados,
custam apenas labor. Vamos agora olhar mais longe.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 63


A próxima proposição de Rodbertus é a seguinte: que, de acordo
com a natureza e a “pura ideia de justiça”, todo o produto, ou todo o
valor do produto, deve pertencer sem subtração ao trabalhador que o
produziu. Nesta proposição também concordo plenamente. Na minha
opinião, nenhuma objeção poderia ser tomada à sua correção e justiça
sob o pressuposto que fizemos. Mas acredito que Rodbertus, e com
ele todos os socialistas, têm uma falsa ideia dos resultados reais que
fluem dessa proposição verdadeira e justa, e são levados por esse erro
a desejar estabelecer uma condição que realmente não corresponde ao
princípio, mas o contradiz.
É notável que, nas muitas tentativas de refutação que foram di-
rigidas até agora contra a teoria da Exploração, esse ponto decisivo
tenha sido abordado apenas da maneira mais superficial, e nunca sido
posto sob o prisma mais adequado. E, por este motivo, peço aos meus
leitores que deem alguma atenção ao seguinte argumento; ainda mais
porque não é de forma alguma fácil.
Primeiro vou simplesmente especificar e depois examinar o erro.
A proposição perfeitamente justa de que o laboreiro deve receber todo
o valor de seu produto pode ser entendida como significando que o
laboreiro deve agora receber todo o valor presente de seu produto,
ou deve receber todo o valor futuro de seu produto no futuro. Mas
Rodbertus e os socialistas expõem isso como se significasse que o
laboreiro deveria agora receber todo o valor futuro de seu produto, e
eles falam como se isso fosse completamente autoevidente, e, de fato,
a única explicação possível da proposição.
Vamos ilustrar a questão com um exemplo concreto. Suponha que
a produção de um motor a vapor custe cinco anos de labor e que o
preço que o motor completo alcança seja de £550. Suponhamos ainda,
deixando de lado, entretanto, o fato de que tal trabalho seria realmente
dividido entre várias pessoas, que um operário por seu próprio labor
contínuo durante cinco anos faça o motor. Perguntamos: o que lhe é
devido como salário à luz do princípio de que ao laboreiro deve per-
tencer todo o seu produto, ou todo o valor de seu produto? Não pode
haver sequer um instante de dúvida sobre a resposta. Todo o motor a

64 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
vapor pertence a ele, ou a totalidade do seu preço, £550. Mas em que
momento isso se torna devido a ele? Também não pode haver a menor
dúvida sobre isso. Claramente é devido ao término de cinco anos. Pois
é claro que ele não pode obter o motor a vapor antes que ele exista; ele
não pode tomar posse de um valor de £550 criado por ele mesmo antes
que o motor venha à existência. Ele vai, neste caso, ter que obter sua
compensação de acordo com a fórmula, todo o produto futuro, ou todo
o seu valor futuro, em um período futuro de tempo.
Mas muitas vezes acontece que o laboreiro não pode ou não vai
esperar até que seu produto seja totalmente concluído. Nosso laborei-
ro, por exemplo, ao expirar um ano, deseja receber um pagamento par-
cial correspondente ao tempo que ele operou. A questão é: como isso
deve ser medido de acordo com a proposição acima? Não creio que
possa haver um momento de dúvida sobre a resposta. O laboreiro rece-
be o que lhe é devido se ele agora recebe a totalidade do que construiu
até agora. Assim, por exemplo, se até agora ele produziu uma pilha de
latão, ferro ou aço, no estado bruto, então receberá o que lhe é devido,
se a ele for entregue apenas toda essa pilha de latão, ferro ou aço, ou
todo o valor que essa pilha de materiais tem, e, claro, o valor que tem
agora. Eu não acho que qualquer socialista poderia ter qualquer coisa
a objetar nesta conclusão.
Agora, quão grande será esse valor em proporção ao valor do
motor a vapor concluído? Este é um ponto em que um pensador super-
ficial pode facilmente cometer um erro. O ponto é que o laboreiro até
agora realizou uma quinta parte do trabalho técnico que a produção de
todo o motor requer. Consequentemente, em um olhar superficial, so-
mos tentados a inferir que seu produto atual possuirá uma quinta parte
do valor de todo o produto — isto é, um valor de £110. Neste ponto de
vista, o laboreiro deve receber um salário anual de £110.
Isso, no entanto, está incorreto. £110 são uma quinta parte do
valor de um motor a vapor quando concluído. Mas o que o laborei-
ro produziu até agora não é uma quinta parte de um motor que já
está concluído, mas apenas uma quinta parte de um motor que não
será concluído até que mais quatro anos tenham decorrido. E estas

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 65


são duas coisas diferentes; não diferentes em virtude de uma discus-
são sofística, mas muito diferentes na própria realidade dos fatos. A
quinta parte tem um valor diferente da outra tão certamente quanto,
na avaliação de hoje, um motor inteiro e acabado tem um valor dife-
rente de um que só estará pronto para uso em quatro anos; tão certa-
mente quanto, em geral, os bens presentes têm um valor diferente no
presente em relação a bens futuros.
Que os bens presentes, na estimativa do tempo presente, em que
nossas transações econômicas ocorrem, têm um valor maior do que
os bens futuros do mesmo tipo e qualidade, é um dos fatos econômi-
cos mais amplamente conhecidos e mais importantes. Na minha obra
Teoria Positiva do Capital terei que fazer um exame minucioso das
causas às quais esse fato deve sua origem, das muitas e variadas ma-
neiras pelas quais ele se mostra e das não menos numerosas e variadas
consequências para as quais ele leva na vida econômica; e esse exame
não será tão fácil nem tão simples como a simplicidade do pensamento
fundamental parece prometer.
Mas, nesse meio tempo, acho que posso ser autorizado a apelar
para o fato de que os bens presentes têm um valor mais alto do que
tipos semelhantes de bens no futuro, como um que já está fora de dis-
puta pela experiência mais comum da vida cotidiana. Se alguém desse
a mil pessoas a escolha de se elas prefeririam receber £100 de presente
hoje ou daqui a cinquenta anos, certamente todas as mil pessoas prefe-
ririam receber as £100 agora.
Ou se alguém perguntasse a mil pessoas que desejassem um ca-
valo, e estivessemm dispostas a dar £100 por um bom cavalo, quanto
eles dariam agora por um cavalo que só teriam posse em dez ou em
cinquenta anos, mesmo que um animal igualmente bom fosse garan-
tido naquela época, certamente todas elas mencionariam uma quantia
infinitamente menor, se sequer mencionassem alguma; e assim, elas
certamente provariam que todos consideram os bens presentes mais
valiosos do que os bens futuros do mesmo tipo.
Se assim for, o que foi feito por nosso laboreiro no primeiro ano,
isto é, a quinta parte de um motor a vapor que deve ser concluído

66 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
quatro anos depois, não tem o valor total de uma quinta parte de um
motor já concluído, mas tem um valor menor.
Quão menor? Isso eu não posso explicar no momento sem ante-
cipar meu argumento de maneira confusa. Basta observar aqui que ele
está em uma certa conexão com a taxa de juros habitual no país66 —
uma taxa que é uma questão de experiência — e com o afastamento
do período em que todo o produto será concluído. Se assumirmos que
a taxa de juros habitual é de 5%, então o produto do labor do primeiro
ano valerá, no final do ano, cerca de £100.67 Portanto, de acordo com
a proposição de que o laboreiro deve receber todo o seu produto, ou
todo o seu valor, os salários devidos a ele pelo labor do primeiro ano
equivalerão à soma de £100.
Se, não obstante as deduções acima, alguém tiver a impressão
de que essa soma é muito pequena, deixe-me oferecer o seguinte para
sua consideração. Ninguém duvidará de que o laboreiro obtém todos
os seus direitos se, ao final de cinco anos, receber todo o motor a va-
por, ou o valor total de £550. Deixe-nos calcular então, para fins de
comparação, qual seria o valor do salário parcial antecipado conforme
mencionado acima no final do quinto ano? As £100 que o laboreiro
recebeu no final do primeiro ano podem ser cobradas a juros pelos
próximos quatro anos. — isto é, até o final do quinto ano; à taxa de 5%
(sem calcular juros compostos), as £100 podem, portanto, aumentar
em £20 — esse curso está aberto até mesmo para o laboreiro assalaria-
do. Assim, é claro, as £100 pagas no final do primeiro ano são equiva-
lentes a £120 no final do quinto.
Se o laboreiro, então, pela quinta parte do labor técnico, recebe
£100 no final de um ano, claramente ele é pago de acordo com uma
escala que o coloca em uma posição tão favorável como se ele tivesse
recebido £550 por todo o labor no prazo de cinco anos.

66
É claro que não pretendo apresentar a taxa de juros como a causa da menor valorização de bens futuros.
Eu sei muito bem que juros e taxa de juros só podem ser resultado desse fenômeno primário. Eu não estou
aqui explicando, mas apenas descrevendo fatos.
67
A adequação desses números, que parecem estranhos à primeira vista, será vista imediatamente.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 67


Mas o que Rodbertus e os socialistas supõem ser a aplicação do
princípio de que o laboreiro deve receber todo o valor de seu produto?
Eles teriam todo o valor que o motor concluído terá no final do proces-
so de produção aplicado ao pagamento de salários, mas eles não teriam
esse pagamento feito na conclusão de toda a produção, mas espalhada
proporcionalmente ao longo de todo o curso do labor. Devemos consi-
derar bem o que isso significa. Isso significa que o laboreiro em nosso
exemplo, através desta média dos pagamentos parciais, deve receber
em dois anos e meio a totalidade das £550 que será o valor da máquina
a vapor concluída no final de cinco anos.
Preciso confessar que considero absolutamente impossível basear
essa afirmação nessas premissas. Como deve ser de acordo com a na-
tureza, e fundada sobre a ideia pura de justiça, que qualquer um deve
receber no final de dois anos e meio uma totalidade que ele só terá
produzido em cinco anos? É tão pouco “de acordo com a natureza”,
que, pelo contrário, na própria natureza das coisas, não poderia ser
feito. Isso não poderia ser feito mesmo que o laboreiro fosse libertado
de todos os grilhões do tão abusado contrato salarial e colocado na
posição mais favorável que se possa conceber — a do empreendedor
por direito próprio.
Como laboreiro-empreendedor, ele certamente receberá a totali-
dade das £550, mas não antes de serem produzidas; isto é, não até
que chegue ao fim dos cinco anos. E como pode aquilo que a própria
natureza das coisas nega ao empreendedor ser realizado, em nome da
pura ideia de justiça, através do contrato de salários?
Para dar à questão sua expressão adequada, o que os socialistas
querem é que os laboreiros, por meio do contrato de salário, rcce-
bam mais do que produziram; mais do que poderiam obter se fossem
empreendedores por conta própria; e mais do que produzem para o
empreendedor com quem concluem o contrato de salário. O que eles
criaram, e pelas quais têm uma justa reivindicação, foram as £550 no
final dos cinco anos. Mas as £550 no final de dois anos e meio que os
socialistas reivindicam para eles, é um montante superior; se o juros
é de 5%, isso equivale a cerca de £620 no final de cinco anos. E essa

68 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
diferença de valor não é, como se poderia pensar, resultado de institui-
ções sociais que criaram juros e os fixaram em 5% — instituições que
poderiam ser combatidas. É um resultado direto do fato de que a vida
de todos nós se desenrola no tempo; que o hoje, com suas necessidades
e cuidados, vem antes de amanhã; e que nenhum de nós tem certeza do
depois de amanhã. Não é apenas o capitalista ganancioso pelo lucro,
pois todo laboreiro também o é, ou melhor, todo ser humano que faz
essa distinção de valor entre o presente e o futuro.
Como bradaria o laboreiro defraudado que se, em vez dos 20s.
que lhes são devidos por seu salário semanal hoje, alguém lhe ofe-
recesse 20s. daqui a um ano! E aquilo que não é indiferente para o
laboreiro deve ser uma questão de indiferença para o empreendedor!
Ele deve dar £550 no final de dois anos e meio para as £550 que ele
receberá, sob a forma do produto finalizado, apenas ao final de cinco
anos. Isso não é justo nem natural. O que é justo e natural é — volto a
reconhecê-lo de bom grado — que o laboreiro receba o valor total, as
£550, ao fim de cinco anos. Se ele não pode ou não quer esperar cinco
anos, ainda assim deve, da mesma forma, ter o valor de seu produto;
mas é claro que o valor presente de seu produto atual.
Este valor, no entanto, exigirá ser menor do que a proporção cor-
respondente do valor futuro do produto do labor técnico, porque no
mundo econômico a lei assegura que o valor presente dos bens futuros
é menor do que o dos bens presentes — uma lei que não deve sua
existência a nenhuma instituição social ou política, mas diretamente à
natureza dos homens e à natureza das coisas.
Se a prolixidade pode ser desculpada em algum momento, é neste
caso, onde temos que refutar uma doutrina com questões tão extrema-
mente sérias como a teoria socialista da Exploração. Portanto, correndo
o risco de ser cansativo para muitos de meus leitores, apresentarei um se-
gundo caso concreto por meio do qual espero que me proporcione a opor-
tunidade de apontar ainda mais convincentemente os erros dos socialistas.
Em nossa primeira ilustração, não levamos em conta a divisão do
trabalho. Vamos agora variar a hipótese de tal forma que, neste ponto,
ela se aproxime da realidade da vida econômica.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 69


Suponha então que, na fabricação da máquina, cinco operários
diferentes assumam partes separadas, cada um contribuindo com um
ano de labor. Um laboreiro obtém, digamos, pela mineração, o minério
de ferro necessário; o segundo o funde; o terceiro transforma o ferro
em aço; o quarto pega o aço e fabrica as partes constituintes separadas;
e finalmente o quinto dá às partes sua conexão necessária e, em geral,
coloca os toques finais no trabalho.
Como cada laboreiro em sequência, neste caso, pela própria na-
tureza das coisas, só pode começar seu trabalho quando seus anteces-
sores terminarem o deles, os cinco anos de labor de nossos laboreiros
não podem ser realizados simultaneamente, mas apenas sucessi-
vamente. Assim, a fabricação do motor levará cinco anos, tal como
na primeira ilustração. O valor do motor concluído permanece, como
antes, £550. De acordo com a proposição de que o laboreiro deve re-
ceber todo o valor de seu produto, quanto cada um dos cinco parceiros
podem reivindicar pelo que fez?
Tentemos responder a esta pergunta partindo do pressuposto de
que as reivindicações de salários devem ser ajustadas, sem a interven-
ção de um empreendedor externo, apenas entre os próprios laboreiros;
o produto obtido deve ser dividido simplesmente entre os cinco labo-
reiros. Neste caso, duas coisas são certas.
Primeiro, uma divisão só pode ocorrer após cinco anos, porque
antes dessa data não há nada adequado para divisão. Pois se alguém
desse agora em pagamento de salários a indivíduos, digamos, o latão
e o ferro que foram adquiridos durante os dois primeiros anos, a ma-
téria-prima para a próxima etapa do trabalho estaria faltando. É muito
claro que o produto adquirido nos primeiros anos é necessariamente
retirado de qualquer divisão anterior e precisa permanecer ligado à
produção até o fim.
Em segundo lugar, é certo que um valor total de £550 terá de ser
dividido entre os cinco laboreiros.
Em que proporção será dividido?

70 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Certamente não, como se poderia facilmente pensar à primeira
vista apressada, em partes iguais. Pois isso claramente favoreceria os
laboreiros cujo labor vem em um estágio posterior da produção to-
tal, em comparação com seus colegas que estavam empregados nos
estágios anteriores. O laboreiro que completou a máquina receberia
pelo seu ano de labor £110 imediatamente após a conclusão de seu
trabalho; o laboreiro que produziu as partes constituintes separadas do
motor receberia a mesma soma, mas precisa aguardar seu pagamento
por um ano inteiro após a conclusão de seu ano de labor; enquanto o
laboreiro que adquiriu o minério não receberia a mesma quantia de
salário até quatro anos depois de ter feito sua parte do trabalho.
Como tal atraso não poderia ser indiferente ao empreendedor,
cada um gostaria de realizar o labor final (que não deve sofrer qual-
quer adiamento do salário), e ninguém estaria disposto a executar as
etapas preparatórias. Para encontrar laboreiros para assumir as etapas
preparatórias, então, os laboreiros das etapas finais seriam obrigados a
conceder aos seus colegas que prepararam o trabalho uma parte maior
no valor final do produto, como compensação pelo adiamento.
O montante dessa parcela maior seria regulado, em parte, pelo pe-
ríodo do adiamento, em parte pela quantidade de diferença que subsis-
te entre a valoração dos bens presentes e a valoração dos bens futuros
— uma diferença que dependeria das circunstâncias econômicas da
nossa pequena sociedade e de seu nível de cultura. Se essa diferença,
por exemplo, chegasse a 5% ao ano, as ações dos cinco laboreiros se
formariam da seguinte maneira:

O primeiro laboreiro O segundo, O terceiro, O quarto, O último, que


empregado, que tem que tem que que espera que espera recebe seu salário
que esperar pelo seu esperar três dois anos. um ano. imediatamente
pagamento quatro anos anos. após a conclusão
após a conclusão do seu de seu labor.
ano de trabalho, recebe
no final do quinto ano.

£120 £115 £110 £105 £100

Total: £550

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 71


Que todos os laboreiros recebam a mesma quantia de £110 só é
concebível no pressuposto de que a diferença de tempo não tem ne-
nhuma importância para eles, e que eles se encontram tão bem pagos
com as £110 que recebem três ou quatro anos depois, como se tives-
sem recebido as £110 imediatamente após a conclusão de seu labor.
Mas, eu mal preciso enfatizar que tal suposição nunca corresponde aos
fatos, e nunca poderia corresponder. Que cada um deles deva receber
£110 imediatamente após a realização de seu labor é, se um terceiro
não intervir, totalmente impossível.
Vale a pena, de passagem, chamar a atenção especial para uma
circunstância. Acredito que ninguém achará injusto o esquema de dis-
tribuição acima. Antes de tudo, como os laboreiros dividem seu pró-
prio produto entre si, não pode haver qualquer questão de injustiça por
parte de um empreendedor capitalista. E, no entanto, aquele laboreiro
que realizou a penúltima parte do trabalho não recebe a quinta parte
completa do valor final do produto, mas apenas £105; e o último labo-
reiro de todos recebe apenas £100.
Agora suponha, como geralmente ocorre na prática, que os la-
boreiros não podem ou não querem esperar por seu salário até o final
da produção do motor, e que eles entrem em uma negociação com o
empreendedor, com o objetivo de obter dele um salário imediatamente
após a realização de seu labor, em troca do qual ele se tornará o dono
do produto final. Suponhamos, além disso, que este empreendedor é
um homem perfeitamente justo e indiferente, que está longe de abu-
sar da posição em que os laboreiros são possivelmente forçados a se
submeter e, por consequência disso, não rebaixará usurariamente suas
reivindicações salariais; e perguntemos: Em que condições o contrato
de salário será concluído sob tais circunstâncias?
A pergunta é relativamente fácil de responder. É evidente que os
laboreiros serão perfeitamente tratados com justiça se o empreendedor
lhes oferecer como salário as quantias que teriam recebido como par-
tes da divisão, se tivessem produzido por conta própria. Este princípio
nos dá primeiro um fundamento sólido para um laboreiro, ou seja, para

72 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
o último. Este laboreiro teria, no caso anterior, recebido £100 imedia-
tamente após a realização de seu labor.
Essas £100, portanto, para ser perfeitamente justo, o empreen-
dedor deve agora oferecê-lo. Para os demais laboreiros, o princípio
acima não dá nenhuma indicação imediata. Os salários, neste caso,
não são pagos ao mesmo tempo como teriam sido no caso da divisão,
e as somas pagas no primeiro caso não podem fornecer um padrão
direto. Mas temos outro ponto de apoio. Como todos os cinco labo-
reiros produziram uma quantidade igual para a realização do trabalho,
dentro do que é justo, um salário igual é devido a eles; e onde cada
laboreiro deve ser pago imediatamente sobre a realização de seu labor,
esse salário será expresso por uma quantia igual. Portanto, dentro do
que é justo, todos os cinco laboreiros, no final do seu labor de um ano,
receberão cada um £100.
Se isso parece muito pouco, deixe-me apresentar o seguinte cál-
culo simples que demonstrará que os laboreiros recebem exatamente o
mesmo valor neste caso como eles teriam recebido se tivessem dividi-
do todo o produto entre si apenas; caso em que, como vimos, a justiça
da divisão teria sido inquestionável.
O laboreiro nº 5 recebe, no caso de divisão, £100 libras imediata-
mente após o ano de labor; no caso do contrato de salário, ele recebe a
mesma soma ao mesmo tempo.
O laboreiro nº 4 recebe, no caso de divisão, £105 por ano após o
término do ano de labor; no caso do contrato salarial £100 imediata-
mente após o labor. Se, neste último caso, ele permitir que esta soma
renda juros por um ano, ele estará exatamente na mesma posição que
estaria no caso de divisão; ele estará na posse de £105 um ano após a
conclusão de seu labor.
O trabalhador nº 3 recebe, no caso de divisão, £110 dois anos após
o término de seu labor; no contrato de salário, £100 de uma só vez, a
qual a soma, colocada a juros por dois anos, aumentará para £110.
E da mesma forma, finalmente, as £100 que o primeiro e o se-
gundo laboreiros recebem são, com a adição dos respectivos juros,

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 73


totalmente equivalentes às £120 e às £115 que, no caso da divisão, es-
ses dois laboreiros teriam recebido respectivamente quatro e três anos
após a conclusão de seu labor.
Mas se cada salário individual sob o contrato for igual à cota
correspondente na divisão, é claro que a soma dos salários também
precisa ser igual à soma das quotas de divisão; a soma de £500 que o
empreendedor paga aos laboreiros imediatamente após a conclusão de
seu trabalho é inteiramente igual em valor às £550 que, no outro caso,
teriam sido divididas entre os laboreiros ao final do quinto ano.
Um pagamento de salário mais alto, e.g., para pagar o labor anual
a £110 para cada laboreiro, só é concebível em um dos dois casos; ou
se aquilo que não é indiferente aos laboreiros, isto é, a diferença de
tempo, fosse completamente indiferente ao empreendedor; ou se o em-
preendedor estivesse disposto a dar um presente aos laboreiros da di-
ferença de valor entre £110 no presente e £110 no futuro. Nenhum dos
casos devem ser esperados de empreendedores privados, pelo menos
como regra; tampouco merecem a menor reprovação por esse motivo
e, muito menos, o estigma de injustiça, exploração ou roubo.
Há apenas um ente de quem os laboreiros poderiam esperar tal
tratamento — o estado. Pois, por um lado, o estado, como uma enti-
dade permanentemente existente, não é obrigado a dar tanta atenção à
diferença de tempo na saída e reposição de bens como o indivíduo de
vida curta. E, por outro lado, o estado, cujo fim é o bem-estar do todo,
pode, motivado pelo bem-estar de um grande número de membros,
abandonar o estrito ponto de vista do serviço e contrasserviço e, em
vez de barganhar, pode dar. Portanto, é certamente concebível que o
estado — mas, sem dúvida, apenas o estado — assumindo a função de
um gigantesco empreendedor da produção, possa oferecer aos laborei-
ros como salário o valor futuro completo de seu produto futuro de uma
só vez, isto é, imediatamente após a realização de seu labor.
Se o estado deve fazer isso — pelo qual, na visão do socialis-
mo, a questão social seria praticamente resolvida — é uma questão
de propriedade que não tenho intenção de entrar neste momento. Mas
isso precisa ser repetido com toda ênfase: se o estado socialista paga

74 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
imediatamente, como salário ao laboreiro, todo o valor futuro de seu
produto, não é um cumprimento da lei fundamental de que o laboreiro
deve receber o valor de seu produto como salário, mas um afastamen-
to dela por razões sociais e políticas. E tal procedimento não seria o
restabelecimento de um estado de coisas que fosse em si natural, ou de
acordo com a pura ideia de justiça — um estado de coisas apenas tem-
porariamente perturbado pela ganância exploradora dos capitalistas.
Seria uma interferência artificial, com a intenção de tornar possível
algo que, no curso natural das coisas, não era possível, e de torná-lo
possível por meio de um contínuo presente disfarçado do magnânimo
estado comunitário para seus membros mais pobres.
E agora uma breve aplicação prática. É fácil de reconhecer que o
método de pagamento que acabei de descrever em nossa ilustração é o
que realmente se obtém em nosso mundo econômico. Nele, o valor final
total do produto do labor não é dividido como salário, mas apenas uma
soma menor; essa soma menor, no entanto, é dividida em um período
anterior de tempo. Ora, enquanto a soma total dos salários repartidos ao
longo da produção não for inferior ao valor final do produto acabado
em mais do que o necessário para compensar a diferença na valorização
dos bens presentes em relação aos futuros, isto é, enquanto a soma dos
salários não difere do valor final do produto em mais do que o montante
dos juros habituais no país — nenhuma redução é feita sobre as reivin-
dicações que os trabalhadores têm sobre o valor total de seu produto.
Eles recebem todo o seu produto de acordo com sua valoração no
momento em que recebem seus salários. Somente na medida em que
os salários totais diferem do valor final do produto em mais do que o
montante dos juros habituais no país, pode haver, nas circunstâncias,
qualquer exploração real dos laboreiros.68

68
Críticas mais exatas sobre esse assunto eu adio até minha obra Teoria Positiva do Capital. Para me proteger
contra mal-entendidos, no entanto, e particularmente contra a imputação de considerar o lucro do empreendi-
mento como um “lucro de pilhagem” quando excede a taxa habitual de juros, posso acrescentar uma nota breve.
Na diferença total entre o valor do produto e os salários gastos, que cabe ao empreendedor, pode haver
quatro constituintes, essencialmente diferentes entre si.
1. Um prêmio para o risco, para se precaver contra o perigo de a produção performar mal. Corretamente
mensurado, isso será, em uma média de anos, gasto na cobertura de perdas reais, e isso, é claro, não en-
volve a redução do laboreiro.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 75


Voltando a Rodbertus. O segundo e mais distinto erro do qual eu
o acusei anteriormente é que ele interpreta a proposição que eu conce-
di (o laboreiro deve receber todo o valor de seu produto) de maneira
injustificável e ilógica, como se isso significasse que o laboreiro deve
receber agora todo o valor que seu produto acabado terá em algum
momento futuro.
Se perguntarmos como Rodbertus caiu nesse erro, descobriremos
que a causa disso foi outro erro, sendo este o terceiro erro importante
na Teoria da Exploração. É que ele parte do pressuposto de que o valor
dos bens é regulado unicamente pela quantidade de trabalho que sua
produção custou. Se isso fosse correto, então o primeiro produto, no
qual está incorporado o labor de um ano, precisa agora possuir uma
quinta parte completa do valor que o produto acabado, no qual está
incorporado cinco anos de labor, possuirá. Nesse caso, a reivindicação
do laboreiro de receber como salário uma quinta parte completa desse
valor completo seria justificada. Mas essa suposição, como Rodbertus
coloca, é certamente falsa. Para provar isso, não preciso sequer ques-
tionar a validade teórica da célebre teoria de Ricardo, de que o traba-
lho é a fonte e a medida de todo o valor.
Preciso apenas apontar a existência de uma exceção distinta a
essa lei, notada pelo próprio Ricardo e discutida por ele em detalhes
em um capítulo separado, mas, bem estranhamente, ignorada sem avi-
so prévio por Rodbertus. Essa exceção se encontra no fato de que,
de dois bens que custaram uma quantidade igual de labor para serem
produzidos, obtém-se um valor de troca mais alto aquele cuja conclu-
são exige os maiores adiantamentos do labor anterior, ou o período de
tempo mais longo.

2. Um pagamento pelo próprio labor do empreendedor. Isso, é claro, é igualmente inquestionável e, em


certas circunstâncias, como no uso de uma nova invenção do empreendedor, pode ser muito bem avaliado
sem que qualquer injustiça seja feita ao laboreiro.
3. A compensação referida no texto, isto é, a compensação pela diferença de tempo entre o pagamento do
salário e a realização do produto final, sendo esta proporcionada pelos juros habituais.
4. O empreendedor pode possivelmente obter um lucro adicional aproveitando a condição necessária dos
laboreiros para usurpar seus salários.
Destes quatro componentes, apenas o último envolve qualquer violação do princípio de que o laboreiro
deve receber o valor total de seu produto.

76 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Ricardo percebe esse fato de maneira característica. Ele declara
(§ 4 do primeiro capítulo de seu Principles) que “o princípio de que a
quantidade de labor empregada na produção de bens regula seu valor
relativo sofre uma modificação considerável pelo emprego de máqui-
nas e outros capitais fixos e duráveis” e, além disso, na § 5, “por conta
da durabilidade desigual do capital e da rapidez desigual com que ele
é devolvido ao seu dono.”
Ou seja, numa produção em que se utiliza muito capital fixo, ou
capital fixo de maior durabilidade, ou onde o tempo de retorno em que
o capital flutuante é pago de volta ao empreendedor é mais longo, os
bens produzidos têm um valor de troca maior do que bens que cus-
taram uma quantidade igual de labor, mas na produção dos quais os
elementos mencionados acima não entram, ou entram em menor grau
— na verdade, um valor de troca que é maior pelo montante do lucro
que o empreendedor espera obter.
Que essa exceção à lei do valor-trabalho notada por Ricardo re-
almente exista não pode ser questionada, mesmo pelos mais zelosos
defensores dessa lei. Tampouco pode ser questionado que, sob certas
circunstâncias, a consideração do adiamento possa ter uma influência
ainda maior sobre o valor dos bens do que a consideração do valor dos
custos do trabalho. Devo lembrar ao leitor, por exemplo, do valor de
um vinho antigo que foi armazenado por dezenas de anos, ou de uma
árvore de cem anos na floresta.
Mas sobre essa exceção há algo a mais para ser contado. Não
requer grande aprofundamento para ver que a principal característica
dos juros naturais sobre o capital está realmente envolvida nisso. Pois
quando, na divisão do valor, aqueles bens que exigem para sua produ-
ção um adiantamento do trabalho anterior mostram um excedente do
valor de troca, é exatamente esse excedente que permanece nas mãos
do capitalista-empreendedor como lucro. Se essa diferença de valor
não existisse, os juros naturais sobre o capital também não existiriam.
Esta diferença de valor o torna possível, o contém e é idêntico a ele.
Nada é mais facilmente demonstrado do que isso, se é necessário
alguma prova de um fato tão óbvio. Supondo que cada um dos três

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 77


bens exija, para sua produção, o labor de um ano, mas em um período
de tempo diferente ao longo do qual o labor é realizado. O primeiro
bem requer apenas um ano de adiantamento do labor anual; o segundo,
um adiantamento de dez anos; o terceiro, um adiantamento de vinte
anos. Nestas circunstâncias, o valor de troca do primeiro bem será,
e precisa ser, suficiente para cobrir os salários de um ano de labor, e,
além disso, um ano de juros sobre o labor adiantado.
É perfeitamente claro que o mesmo valor de troca não pode ser
suficiente para cobrir os salários de um ano de labor, e um juros de dez
ou vinte anos sobre o adiantamento de dez ou vinte anos de labor tam-
bém. Esses juros só podem ser cobertos se e porque o valor de troca
do segundo e terceiro bem é correspondentemente maior do que o do
primeiro, embora todos os três tenham custado uma quantidade igual
de labor. A diferença de valor de troca é claramente a fonte da qual o
juros de dez e vinte anos flui, e a única fonte da qual ele pode fluir.
Assim, esta exceção à lei do valor-trabalho não é nada menos
do que a principal característica dos juros naturais sobre o capital.
Qualquer um que queira explicar o juros natural precisa, em primeiro
lugar, explicar isso; sem uma explicação da exceção, não pode haver
aqui uma explicação do problema de juros. Agora, se, não obstante,
nos tratados sobre juros essa exceção é ignorada, para não dizer ne-
gada, é um erro tão grosseiro quanto poderia ser concebido. Quando
Rodbertus ignora a exceção, isso significa nada mais do que ignorar a
parte principal do que ele deveria ter explicado.
Também não se pode desculpar o erro de Rodbertus dizendo que
ele não pretendia estabelecer uma regra que deveria se sustentar na
vida real, mas apenas uma suposição hipotética pela qual ele poderia
realizar suas investigações abstratas mais facilmente e mais correta-
mente. É verdade que Rodbertus, em algumas passagens de seus escri-
tos, reveste a proposição de que o valor de todos os bens é determina-
do por seus custos de labor, na forma de uma hipótese simples.69 Mas,
em primeiro lugar, há muitas passagens em que Rodbertus expressa

69
Por exemplo, Soziale Frage, pp. 44, 107.

78 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
sua convicção de que seu princípio de valor também se aplica à vida
econômica real.70 E, em segundo lugar, uma pessoa não pode assumir
qualquer coisa que lhe agrade, nem mesmo como uma simples hipóte-
se. Ou seja, mesmo em uma suposição puramente hipotética, pode-se
omitir apenas as circunstâncias de fato real que são irrelevantes para a
questão em exame. Mas o que dizer de uma investigação teórica sobre
o juros que, no ponto crítico, deixa de fora a existência da caracterís-
tica mais importante; que se livra da parte principal do que tinha que
explicar com um “vamos supor”?
Em um ponto, pode-se admitir que Rodbertus está certo: se qui-
sermos descobrir um princípio como o da renda da terra ou juros, não
devemos “deixar o valor mover-se para cima e para baixo”;71 precisa-
mos assumir a validade de uma lei fixa de valor. Mas não é também
uma lei fixa do valor que bens que exigem um tempo mais longo entre
as despesas de labor e sua conclusão têm, ceteris paribus, um valor
maior? E não é esta lei do valor de fundamental importância em re-
lação ao fenômeno do juros? E, no entanto, deve ser deixada fora da
conta como um acidente irregular das circunstâncias do mercado!72

70
Soziale Frage, pp. 113, 147. Erklärung und Abhilfe, i. p. 123. No último, Rodbertus diz: “Se o valor
do produto agrícola e industriais é regulado pelo labor incorporado nele, como sempre acontece no todo,
mesmo onde o comércio é livre”, etc.
71
Ibid. p. III. n.
72
O texto acima foi escrito antes da publicação da obra póstuma de Rodbertus, Capital, em 1884. Nela,
Rodbertus assume uma posição extremamente estranha em relação à nossa questão – uma posição que
exige mais um fortalecimento do que uma modificação da crítica acima. Ele enfatiza fortemente o ponto
de que a lei do valor-trabalho não é uma lei exata, mas simplesmente uma lei que determina o ponto
em torno do qual o valor gravitará (p. 6, etc.). Ele mesmo confessa que, por conta da reivindicação do
empreendedor sobre o lucro, ocorre uma divergência constante entre o valor real dos bens e seu valor
mensurado pelo trabalho (p. 11, etc.). Só que ele torna a extensão dessa concessão insignificante demais
quando assume que a divergência ocorre apenas nas relações dos diferentes estágios de produção de um
único e mesmo bem; e que essa divergência não se obtém no caso de todos os estágios de produção como
um todo. Ou seja, se a fabricação de um bem é dividida em várias etapas de produção, das quais cada
uma se desenvolve em um comércio separado, de acordo com Rodbertus, o valor do produto separado
que é feito em cada etapa individual não pode permanecer em correspondência exata com a quantidade de
trabalho gasto nele; porque os empreendedores das fases posteriores de produção têm que fazer um maior
gasto de material e, portanto, um maior gasto de capital e, por esse motivo, têm que calcular um lucro
maior, cujo lucro maior só pode ser fornecido por um valor relativamente maior do produto em questão.
Por mais correto que isso seja, é claro que não vai longe o suficiente. A divergência entre o valor real dos
bens e a quantidade de trabalho despendida não ocorre apenas entre os produtos de um bem em relação
um ao outro, de tal forma que, no decorrer das várias etapas da produção, ele se cancela novamente atra-
vés da compensação recíproca, e assim o resultado final de todas as etapas da produção, os bens prontos
para consumo, obedece à lei do valor-trabalho. Pelo contrário, o montante e a duração do adiantamento do

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 79


Esta omissão singular não fica sem consequências. Já mencionei o pri-
meiro resultado disso. Ao ignorar a influência do tempo sobre o valor
dos produtos, Rodbertus não podia evitar cair no erro de confundir a
reivindicação do laboreiro para todo o valor presente de seu produto
com a reivindicação de seu valor futuro. Algumas outras considera-
ções encontraremos em breve.
Uma quarta crítica que tenho de fazer a Rodbertus é que sua dou-
trina se contradiz em pontos importantes.
Toda a sua teoria da renda da terra se baseia na proposição repetida
e enfaticamente expressa de que a quantidade absoluta de “renda” a ser
obtida em uma produção não depende da quantidade de capital emprega-
da, mas exclusivamente da quantidade de labor relacionado à produção.
Supondo que em uma determinada produção industrial — por
exemplo, em um negócio de calçados — dez laboreiros sejam empre-
gados. Cada laboreiro produz por ano um produto de valor de £100.
A manutenção necessária que ele recebe como salário reivindica £50
dessa soma. Assim, quer o capital empregado seja grande ou pequeno,
a renda anual (como a chamaremos com Rodbertus) sacada pelo em-
preendedor será de £500. Se o capital empregado ascender, digamos, a

capital afastam definitivamente o valor de todos os bens da correspondência exata com os seus custos de
labor. Para ilustrar: Digamos que a produção de uma mercadoria que requer noventa dias para sua manu-
fatura seja dividida em três estágios de trinta dias de labor em cada um. Rodbertus diria que o produto dos
primeiros trinta dias de labor só poderia atingir o valor de vinte e cinco dias de labor, enquanto os trinta
dias seguintes atingiriam o valor de trinta dias de trabalho, e os trinta dias finais de trinta e cinco dias de
labor. Mas, em geral, o valor final do produto seria igual a noventa dias de labor. Porém é uma questão
de experiência comum que, na produção sucessiva normal, o valor de tal mercadoria aumentará durante
os três estágios por uma quantidade definida, digamos 30 + 31 + 32, e que o produto final será igual a,
digamos, noventa e três dias de labor; ou seja, um valor maior do que o valor do labor incorporado nele
pela quantidade do juros habitual.
Além disso, Rodbertus merece a mais severa reprovação porque, apesar de sua própria admissão, ele
sempre persiste em desenvolver a lei da distribuição de todos os bens em salários e renda sob a hipótese
teórica de que todos os bens possuem “valor normal”; isto é, um valor que corresponde aos seus custos de
labor. Ele acha que se justifica fazer isso porque o “valor normal, no que diz respeito à derivação tanto da
renda em geral quanto da renda da terra e da renda do capital em particular, é o menos tendencioso; apenas
isso não hegemoniza silenciosamente a questão e não assume o que precisa ser explicado por ele primeiro,
como todo valor faz em que está incluído de antemão um elemento para a renda”.
Aqui Rodbertus está gravemente enganado. Ele levanta a questão tão indevidamente quanto qualquer um
de seus oponentes já fez; apenas de uma maneira oposta. Seus oponentes, por suas suposições, desvia-
ram-se a questão da existência do juros, enquanto Rodbertus evadiu a questão de sua não existência. Ao
não notar a constante divergência do “valor normal” (cuja divergência dá ao juros natural sua fonte e seu
alimento), ele mesmo abstrai completamente a principal característica do fenômeno do juros.

80 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
£1000, ou seja, £500 para salários do labor e £500 para o material, en-
tão a renda constituirá 50% do capital. Se em outra produção, digamos
um negócio de um joalheiro, dez laboreiros também são empregados,
então, sob a suposição de que o valor dos produtos é regulado pela
quantidade de labor incorporada neles, eles também produzirão outro
produto anual de £100 cada, dos quais a metade se destina para eles
como salários, enquanto a outra metade se destina para o empreende-
dor como renda. Mas como neste caso o material, o ouro, representa
um valor consideravelmente maior do que o couro do negócio de cal-
çados, a renda total de £500 é distribuída por um capital comercial
muito maior. Suponha que o capital do joalheiro seja de £20.000, £500
para salários e £19.500 para o material, então a renda de £500 mostra-
rá apenas um juros de 2,5% sobre o capital empresarial.
Ambos os exemplos são realizados inteiramente nas linhas da te-
oria de Rodbertus.
Como em quase toda “manufatura” a proporção entre o núme-
ro de laboreiros empregados (direta e indiretamente) e a quantidade
de capital empresarial empregado é diferente, segue-se que, em quase
toda manufatura, o capital empresarial precisa render juros nas mais
variadas taxas possíveis. Agora, mesmo Rodbertus não se atreve a sus-
tentar que esse é realmente o caso na vida cotidiana. Pelo contrário,
em uma passagem notável em sua teoria da renda da terra, ele assume
que, em virtude da concorrência dos capitais sobre todo o campo da
manufatura, uma taxa igual de lucro será estabelecida. Vou expor a
passagem em suas próprias palavras. Depois de observar que a renda
derivada da manufatura é considerada inteiramente como lucro sobre
o capital, uma vez que aqui é exclusivamente a riqueza na forma de
capital que é empregada, ele prossegue dizendo;—

“Isso, além do mais, dará uma taxa de lucro que tenderá


à equalização dos lucros e, portanto, de acordo com essa
taxa, deve ser calculado o lucro que, como uma parte da
renda que recai sobre o produto bruto, acumula-se no ca-
pital necessário para a agricultura. Pois se, em consequên-
cia da presença universal do valor na troca, existe agora

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 81


um padrão homônimo para indicar a razão entre retorno
e recursos, esse padrão, no caso da parcela da renda acu-
mulada para o capital empregado na manufatura, também
serve para indicar a razão entre lucro e capital. Em outras
palavras, será correto dizer que o lucro em qualquer comér-
cio equivale a 10% do capital empregado. Esta taxa forne-
cerá então um padrão para a equalização dos lucros. Em
qualquer comércio que essa taxa indique um lucro maior, a
concorrência causará aumento do investimento de capital e,
portanto, causará uma tendência universal para a equaliza-
ção dos lucros. Da mesma forma, ninguém vai investir ca-
pital onde ele não espera lucro correspondente a esta taxa.”

Será proveitoso examinarmos mais de perto esta passagem.


Rodbertus fala da competição como aquele fator que estabelecerá
uma taxa uniforme de lucro sobre o campo da manufatura. De que ma-
neira tal fator fará isso é apenas ligeiramente indicado por Rodbertus.
Ele assume que toda taxa de lucro que é maior do que o nível médio
é reduzida à média por um aumento da oferta de capital; e podemos
complementar isso dizendo que toda taxa de lucro mais baixa é eleva-
da ao nível médio pelo fluxo de capital.
Vamos prosseguir um pouco mais na consideração do processo a
partir do ponto em que Rodbertus se separa. De que forma pode um
aumento da oferta de nível de capital diminuir a taxa de lucro anormal-
mente alta? É evidente que, com o aumento do capital, a produção do
artigo particular aumenta e, com o aumento da oferta, o valor de troca
do produto diminui até que, depois de deduzidos os salários do labor,
ele deixe apenas a taxa de lucro habitual como renda.
Em nosso exemplo acima do negócio de calçados, poderíamos
evidentemente ter imaginado para nós mesmos o nivelamento da taxa
anormal de lucro de 50% para a taxa média de 5% da seguinte maneira:
Atraídos pela alta taxa de lucro de 50%, muitas pessoas entrarão no
negócio de calçados. Ao mesmo tempo, aqueles que se dedicaram à pro-
dução estenderão seus negócios. Assim, a oferta de sapatos é aumentada

82 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
e seu preço e valor de troca reduzidos. Esse processo continuará até que
o valor de troca do produto anual de dez laboreiros no comércio de cal-
çados seja reduzido de £1000 para £550. Em seguida, o empreendedor,
depois de deduzir £500 para os salários necessários, tem apenas £50
mais como renda, que, distribuído por um capital comercial de £1000,
mostra juros em taxa normal de 5%. Ao chegar a este ponto, o valor de
troca dos sapatos precisará permanecer fixo para que o lucro no comér-
cio de calçados não se torne anormal novamente, nesse caso ocorreria
uma repetição do processo de nivelamento para baixo.
Na mesma analogia, se a taxa de lucro no comércio do joalheiro
estiver abaixo da média, digamos 2.5%, ela será aumentada para 5%
dessa maneira. O lucro em joias sendo tão pequeno, sua manufatura
será reduzida, a oferta de joias, assim, reduzida e seu valor de troca
elevado, até o momento em que o produto adicional de dez laboreiros
no comércio de joias atinja um valor de troca de £1500. Resta agora
ao empreendedor, após a dedução de £500 para os salários necessá-
rios, £1000 como renda, sendo este juros sobre o capital comercial de
£20.000 à taxa normal de 5%. Assim, atinge-se o ponto de equilíbrio
em que o valor de troca da joalheria, assim como no exemplo anterior
do valor de troca dos sapatos, pode permanecer estável.
Antes de ir mais longe, vou, olhando por outro ângulo, deixar
inteiramente claro o importante ponto de que o nivelamento de lucros
anormais não pode ocorrer sem uma alteração constante do valor de
troca dos produtos em questão.
Se o valor de troca dos produtos permanecesse inalterado, então
uma taxa de lucro insuficiente só poderia ser elevada ao nível normal
se a diferença fosse compensada às custas dos salários necessários dos
laboreiros. Por exemplo, se o produto de dez laboreiros na manufatura
de joias mantivesse sem alteração o valor de £1000, correspondente à
quantidade de labor empregada, então evidentemente um nivelamento
para cima da taxa de lucro para o nível de 5% — isto é, um aumento
na quantidade de lucro de £500 para £1000 — só é concebível se os
salários que os dez laboreiros receberam até agora forem totalmente
retirados, e todo o produto entregue ao capitalista como lucro. Para

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 83


não falar do fato de que tal suposição contém em si uma simples im-
possibilidade, preciso apenas salientar que ela é igualmente oposta à
experiência e à própria teoria de Rodbertus. É contrário à experiência;
pois a experiência mostra que o efeito habitual de uma restrição da
oferta em qualquer ramo da produção não é uma depressão dos salá-
rios do labor, mas um aumento dos preços do produto.
E, novamente, a experiência não dá testemunho de que os salários
do labor, em negócios que exigem um grande investimento de capital,
são essencialmente mais baixos do que em outros negócios — o que
seria necessariamente o caso se a demanda por um lucro maior tives-
se que ser atendida a partir de salários em vez de preços do produto.
E também é contrário à própria teoria de Rodbertus. Pois essa teoria
pressupõe que os laboreiros, a longo prazo, sempre recebem a quanti-
dade dos custos necessários de sua manutenção como salários — uma
lei que seria sensatamente violada por esse tipo de equalização.
É igualmente fácil mostrar, inversamente que, se o valor dos pro-
dutos permanecesse inalterado, uma limitação dos lucros só poderia
ocorrer elevando os salários dos laboreiros nos ofícios em questão aci-
ma da escala normal, o que, novamente, como dissemos, é contrário à
experiência e à própria teoria de Rodbertus.
Posso me atrever então a alegar que descrevi o processo de equa-
lização de lucros de acordo com fatos, e em conformidade à própria
hipótese de Rodbertus, quando suponho que o retorno dos lucros ao
seu nível normal é provocado por meio de uma alteração constante no
valor de troca dos produtos em questão. Mas se o produto anual de dez
laboreiros no comércio de calçados tem um valor de troca de £550, e
o produto anual de dez laboreiros no comércio de joias tem um valor
de troca de £1500,— e deve ser assim se a equalização dos lucros
assumida por Rodbertus sempre ocorre — o que acontece com sua
suposição de que os produtos são trocados de acordo com o trabalho
incorporado neles?
E se, a partir do emprego da mesma quantidade de trabalho, re-
sultar em um comércio £50 e no outro £1000 como renda, o que se
acontece, além disso, com a doutrina de que a quantidade de renda a

84 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
ser obtida em uma produção não é regulada pela quantidade de capital
empregado, mas apenas pela quantidade de trabalho realizado nela?
A contradição em que Rodbertus se envolveu aqui é tão óbvia
quanto insolúvel. Ou os produtos realmente são trocados, a longo pra-
zo, em proporção ao labor neles incorporado, e a quantidade de renda
em uma produção é, na verdade, regulada pela quantidade de labor
empregada nela — caso em que uma equalização de lucros é impossí-
vel; ou há uma equalização dos lucros do capital — caso em que é im-
possível que os produtos continuem a ser trocados proporcionalmente
ao labor incorporado neles, e que a quantidade de labor gasto deva ser
a única coisa que determina a quantidade de renda adquirível.
Rodbertus deveria ter notado essa contradição muito evidente se ele
tivesse apenas dedicado um pouco de reflexão real à maneira pela qual
os lucros se igualam, em vez de descartar o assunto da maneira mais
superficial com sua frase sobre o efeito equalizador da concorrência.
Mas não acabamos com as críticas. Toda a explicação da renda da
terra, que, com Rodbertus, está tão intimamente ligada à explicação
do juros, baseia-se em uma inconsistência tão impressionante que o
descuido do autor em não observá-la é quase inconcebível.
Há apenas duas possibilidades aqui: ou, como efeito da concor-
rência, ocorre uma equalização dos lucros, ou não ocorre. Suponha
primeiro que isso ocorra. Que justificativa tem Rodbertus para supor
que a equalização certamente abrangerá toda a esfera da manufatura,
mas será interrompida, como se por mágica, na fronteira da produção
bruta? Se a agricultura promete um lucro atrativo, por que mais capital
não deveria fluir para ela?
Por que não se deve cultivar mais terra, ou a terra ser cultivada
mais intensamente, ou cultivada por métodos mais aperfeiçoados, até
que o valor de troca dos produtos brutos entre em correspondência
com o aumento do capital agora dedicado à agricultura, e cede a ela
também não mais do que a taxa comum de lucro? Se a “lei” de que
a quantidade de renda não é regulada pelo dispêndio de capital, mas
apenas pela quantidade de labor gasto, não impediu a equalização na

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 85


manufatura, como poderia impedi-la na produção bruta? Mas o que
aconteceria, nesse caso, com o excedente constante sobre a taxa habi-
tual de lucro, a renda da terra?
Ou suponha que uma equalização não ocorra. Nesse caso, não
havendo taxa universal de lucro, então na agricultura, como em tudo
o mais, não há regra definida quanto à quantidade de “renda” que se
pode calcular como lucro do capital. E, finalmente, não há linha divi-
sória entre capital e renda da terra.
Portanto, em ambos os casos, quer ocorra ou não uma equaliza-
ção dos lucros, a teoria de Rodbertus sobre a renda da terra paira no
ar. Há contradição em cima de contradição, e isto, além disso, não em
coisas insignificantes, mas nas doutrinas fundamentais da teoria.
Minha crítica até agora tem sido dirigida às partes individuais
da teoria de Rodbertus. Posso concluir submetendo a teoria como um
todo para o teste. Se correta, precisa ser competente para dar uma ex-
plicação satisfatória do fenômeno do juros tal como apresentado na
vida econômica real, e, além disso, de todas as formas essenciais em
que se apresenta. Se não puder fazê-lo, é autocondenado; não é correta.
Eu agora sustento, e tentarei provar, que embora a teoria da
Exploração de Rodbertus possa explicar os juros suportados pela parte
do capital que é investida em salários, é absolutamente impossível que
ela explique os juros sobre a parte do capital que é investida nos mate-
riais de manufatura. Deixo o leitor julgar.
Um joalheiro, cujo principal negócio é fazer colares de pérolas,
emprega anualmente cinco laboreiros para fazer colares no valor de
£100.000, e os vende em média no período de um ano. Ele terá, por-
tanto, um capital de £100.000 investidos constantemente em pérolas,
na qual, à taxa de juros habitual, precisa render-lhe um lucro anual
líquido de £5.000. Agora perguntamos: Como se explica que ele re-
ceba esse lucro?
Rodbertus responde: Juros sobre o capital é um lucro de pilhagem,
obtido por redução dos salários naturais e justos do labor. Salários
de qual labor? Dos cinco laboreiros que separaram e amarraram as

86 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
pérolas? Não pode ser este o caso; pois se, ao reduzir os salários justos
dos cinco laboreiros, se pudesse ganhar £5000, então os salários justos
desses laboreiros precisam, em qualquer caso, ter ascendido a mais de
£5000. Ou seja, esses salários precisam ter ascendido, em qualquer
caso, a mais de £1000 por homem, — um ápice de salários justos que
dificilmente podem ser levados a sério, especialmente porque o negó-
cio de separar e amarrar pérolas é pouquíssimo acima do caráter de
labor não qualificado.
Mas vamos olhar um pouco mais longe. Talvez sejam os labo-
reiros de um estágio anterior de produção do produto cujo labor o
joalheiro obtém seu lucro roubado; digamos, os pescadores de ostras.
Entretanto, o joalheiro não entrou em contato com esses pescadores,
pois ele compra suas pérolas diretamente de um empreendedor de pes-
ca de ostras, ou de um intermediário; ele, portanto, não teve qualquer
oportunidade de deduzir dos pescadores de ostras uma parte de seu
produto, ou uma parte do valor de seu produto.
Mas talvez o empreendedor da pesca de ostras tenha o lucro do
joalheiro, que origina-se de uma dedução que o empreendedor da pes-
ca de ostras fez dos salários de seus laboreiros. Isso, no entanto, é
impossível; pois claramente o joalheiro obteria seu lucro mesmo que
o empreendedor da pesca de ostras não tivesse feito dedução alguma
dos salários de seus laboreiros. Mesmo que este último empreendedor
dividisse entre seus laboreiros como salários o total de £100.000 que
as pérolas assim obtidas valem — o valor total de £100.000 que ele
recebe do joalheiro como dinheiro de compra — então só chega a isso,
que ele não faz nenhum lucro.
Não se segue, de modo algum, que o joalheiro perca seu lucro.
Pois para o joalheiro é uma questão de completa indiferença como esse
dinheiro de compra que ele paga é distribuído, desde que o preço não
seja aumentado. Quaisquer que sejam, então, os voos de nossa fantasia,
procuraremos em vão pelos laboreiros a quem poderiam ter sido retidos
os justos salários que possibilitam o lucro de £5000 do joalheiro.
Talvez, no entanto, mesmo após esta ilustração, possa haver al-
guns leitores ainda não convencidos. Há a possibilidade, claro, de que

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 87


eles achem um pouco estranho que o labor dos cinco encordoadores
de pérolas deva ser a fonte a partir da qual o joalheiro pode explorar
um lucro tão considerável como £5000, mas ainda não totalmente in-
concebível. Permitam-me, portanto, apresentar outra ilustração ainda
mais marcante — um bom e velho exemplo pelo qual muitas teorias
do juros já foram testadas e consideradas falsas.
O dono de uma vinha colheu um barril de bom vinho novo.
Imediatamente após a colheita, tem um valor de troca de £10. Ele dei-
xa o vinho repousar imperturbável na adega, e depois de doze anos o
vinho, agora, é claro, um vinho velho, tem um valor de troca de £20.
Este é um fato bem conhecido. A diferença de £10 destina-se ao dono
do vinho como juros sobre o capital contido no vinho. Agora, quem
são os laboreiros que são explorados por esse lucro do capital?
Durante o armazenamento não houve mais labor gasto no vinho.
A única coisa concebível é que a exploração tenha sido à custa dos
laboreiros que produziram o vinho novo. O dono da vinha pagou-lhes
um salário muito pequeno. Mas eu pergunto: quanto ele deveria “no
que é justo” ter pago a eles como salário? Mesmo que ele lhes pa-
gue a totalidade das £10, que era o valor do vinho novo no momento
da colheita, ainda resta para ele o incremento no valor de £10, que
Rodbertus acusa como lucro de pilhagem.
De fato, mesmo que ele lhes pague £12 ou £15 como salário, a
acusação de pilhagem ainda vai pairar sobre ele; ele só estará livre
disso se tiver pago a totalidade de £20. Agora, qualquer um pode se-
riamente pedir que £20 devam ser pagas como “salários justos do tra-
balho” para um produto que não vale mais do que £10? O dono sabe
de antemão se o produto valerá £20?
Não é possível que ele possa ser forçado, contrariamente à sua
intenção original, a usar ou vender o vinho antes do término de doze
anos? E ele não teria pago £20 para um produto que nunca valeu mais
do que £10 ou talvez £12? E então, como é que ele vai pagar os labo-
reiros que produzem esse outro vinho novo que ele vende de uma só
vez por £10? Ele também vai pagar £20? Então ele será arruinado. Ou
somente £10? Então laboreiros diferentes receberão salários diferentes

88 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
por trabalho precisamente semelhante, o que também é injusto; sem
mencionar o fato de que um homem não pode saber muito bem de
antemão qual produto é que será vendido de uma só vez, e qual será
armazenado por uma dúzia de anos.
Mas mesmo assim. Mesmo um salário de £20 por um barril de
vinho novo não seria suficiente para proteger o viticultor da acusação
de roubo; pois ele poderia deixar o vinho repousar na adega vinte e
quatro anos em vez de doze, e então valeria não £20, mas £40. Ele é
então, justamente falando, obrigado a pagar aos laboreiros que, vinte
e quatro anos antes disso, produziram o vinho, £40 em vez de £10? A
ideia é absurda. Mas se ele lhes paga apenas £10 ou £20, então ele faz
um lucro sobre o capital, e Rodbertus declara que reduziu o salário
justo dos laboreiros retendo uma parte do valor de seu produto!
Dificilmente penso que alguém se atreverá a sustentar que os ca-
sos de juros que foram apresentados, e os numerosos casos análogos
a eles, são explicados pela teoria de Rodbertus. Mas uma teoria que
não conseguiu explicar qualquer parte importante dos fenômenos a
serem explicados não pode ser a verdadeira, e assim este exame final
nos leva ao mesmo resultado que a crítica detalhada que a precedeu
poderia nos levar a esperar. A teoria da Exploração de Rodbertus é,
em seu fundamento e em suas conclusões, errada; está em contradição
consigo mesma e com as circunstâncias da vida real.
A natureza de minha tarefa crítica é tal que, nas páginas anterio-
res, não pude escolher senão me limitar a um lado — o de apontar os
erros em que Rodbertus havia caído. Considero ser devido à memória
deste homem distinto reconhecer, em termos igualmente francos, seus
méritos conspícuos no que diz respeito ao desenvolvimento da teoria
da economia política.
Infelizmente, debruçar-me sobre tais méritos está além dos limi-
tes da minha tarefa atual.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 89


Capítulo III

MARX

M
ARX73 parte da proposição de que o valor de troca74 de todos
os bens é regulado inteiramente pela quantidade de trabalho
que exige sua produção. Ele coloca muito mais ênfase nesta
proposição do que Rodbertus. Enquanto Rodbertus apenas menciona
incidentalmente, no curso de seu argumento, por assim dizer, e coloca-
-o muitas vezes na forma de uma suposição hipotética sem desperdiçar
qualquer palavra em sua prova, Marx faz disso seu princípio funda-
mental e se aprofunda completamente em sua exposição e explicação.
Para ser justo ao estilo dialético peculiar do autor, preciso dar as partes
essenciais da teoria em suas próprias palavras.
“A utilidade de uma coisa dá a ela um valor de uso. Mas essa utilida-
de não é algo que paira no ar. É limitado pelas propriedades da mercado-
ria e não tem existência além desta mercadoria. A própria mercadoria, o
ferro, o trigo ou o diamante, é, portanto, um valor de uso ou um bem. [...]

73
Zur Kritik der politischen-Oekonomie, Berlim, 1859. Das Kapital, Kritik der politischen-Oekonomie,
vol. i. primeira edição, Hamburgo, 1867; segunda edição, 1872. Tradução para o inglês por Moore e
Aveling, Sonnenschein, 1887. Cito Das Kapital como o livro em que Marx expôs seus pontos de vista por
último e mais detalhadamente. Sobre Marx também Knies fez algumas críticas muito valiosas, das quais
faço uso frequente na sequência. A maioria das outras tentativas de criticar e refutar a obra de Marx está
tão abaixo da de Knies em valor que não achei útil me referir a elas.
74
Com Marx simplesmente chamado de Valor.
Os valores de uso constituem a matéria da riqueza, qualquer que
seja sua forma social. Na forma social, estamos prestes a considerar que
eles constituem, ao mesmo tempo, o substrato material do valor de tro-
ca. O valor de troca, em primeira instância, apresenta-se como a relação
quantitativa, a proporção em que os valores de uso de um tipo são tro-
cados por aqueles de outro tipo, uma relação que muda constantemente
com o tempo e o lugar. Assim, o valor de troca parece ser algo acidental
e puramente relativo, e um valor intrínseco na troca parece ser uma con-
tradição em termos. Examinemos a questão mais de perto.”
“Uma única mercadoria, e.g., um quartilho de trigo, troca-se com
outros artigos nas mais variadas proporções. Ainda assim, seu valor de
troca permanece inalterado, seja expresso em X de graxa para sapatos,
Y de seda ou Z de dinheiro. É preciso, portanto, ter um conteúdo dis-
tinto dessas várias formas de expressão. Tomemos agora duas merca-
dorias, trigo e ferro. Seja qual for a proporção em que são permutáveis,
elas podem sempre ser representadas por uma equação, na qual uma
determinada quantidade de trigo aparece como igual a uma determina-
da quantidade de ferro. Por exemplo: 1 quartilho de trigo = 1 cempeso
de ferro. O que essa equação nos conta?
Ela nos conta que há um elemento comum de igual quantidade em
duas coisas diferentes — em um quartilho de trigo e em um cempeso
de ferro. As duas coisas são, portanto, iguais a uma terceira, que em si
mesma não é nem uma nem outra. Cada um dos dois, na medida em
que é um valor de troca, precisa, portanto, ser redutível a esse terceiro.
[...] Este elemento comum não pode ser uma propriedade geométri-
ca, física, química ou outra propriedade natural das mercadorias. Suas
propriedades físicas só entram em consideração na medida em que
fazem as mercadorias úteis; isto é, fazem-nas ter valor de uso.
Mas, por outro lado, a relação de troca de bens evidentemente
envolve nossa desconsideração de seu valor de uso. Dentro dessa re-
lação, um valor de uso conta tanto quanto qualquer outro, desde que
apenas esteja presente na devida proporção. Ou, como diz o velho
Barbon, “um tipo de mercadoria é tão bom quanto outra se o valor for
igual.” Não há diferença ou distinção em coisas de igual valor. O valor

92 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
de cem libras de chumbo ou ferro é de um valor tão grande quanto o
valor de cem libras de prata e ouro.” Como valores de uso, mercado-
rias são, antes de mais nada, de qualidades diferentes; como valores
de troca, elas só podem ser de quantidades diferentes e, portanto, não
contêm um átomo sequer de valor de uso.”
“Se, então, desconsiderarmos o valor de uso das mercadorias,
elas têm apenas uma propriedade comum, a de serem produtos do
trabalho. Mas, mesmo como produto do trabalho, elas mudaram em
nossas mãos. Pois, se desconsideramos o valor de uso de uma merca-
doria, desconsideramos também os materiais constituintes especiais e
as formas que lhe conferem um valor de uso. Não é mais uma mesa,
uma casa, um fio ou qualquer outra coisa útil. Todas as suas qualidades
sensíveis desapareceram.
Nem é mais o produto do trabalho do carpinteiro, do pedreiro, do
fiandeiro ou de qualquer outro tipo distinto de trabalho produtivo. Com
o caráter útil dos produtos do trabalho desaparece o caráter útil dos labo-
reiros neles incorporados, e também as diferentes formas concretas des-
ses laboreiros; eles não são mais distinguidos uns dos outros, mas são
todos reduzidos a trabalho humano igual, trabalho humano abstrato.”
“Considere agora o que resta. Não é nada além da mesma objeti-
vidade imaterial, um mero congelamento de trabalho humano homogê-
neo, i.e., da força de trabalho gasta sem levar em conta a forma de seu
dispêndio. Tudo o que essas coisas nos dizem agora é que o trabalho
humano foi gasto em sua produção, que o trabalho humano está arma-
zenado nelas; como cristais dessa substância social comum elas são —
Valores. [..] Um valor de uso ou bem, portanto, só tem um valor porque
o trabalho humano abstrato é objetificado ou materializado nele.”
Como o trabalho é a fonte de todo o valor, assim, Marx continua,
a quantidade do valor de todos os bens é medida pela quantidade de
trabalho contida neles, ou no tempo de trabalho. Mas não por aquele
tempo de trabalho particular que o indivíduo que fez o bem pode achar
necessário, mas pelo “tempo de trabalho socialmente necessário”. E
isso Marx explica como o “tempo de trabalho necessário para produzir
um valor de uso sob as condições de produção que são socialmente

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 93


normais na época, e com o grau socialmente necessário de habilidade
e intensidade do trabalho.” É apenas a quantidade de trabalho social-
mente necessário, ou o tempo de trabalho socialmente necessário para
a criação de um valor de uso, que determina a quantidade do valor.
“Apenas a mercadoria aqui deve ser contada como a amostra média
de sua classe. Mercadorias, portanto, em que quantidades igualmente
grandes de trabalho estão contidas, ou que poderiam ser feitas no mes-
mo tempo de trabalho, têm a mesma quantidade de valor.
O valor de uma mercadoria está para o valor de todas as outras
mercadorias como o tempo de labor necessário para a produção de
uma está para o tempo de labor necessário para a produção da outra.
[..] Como valores, todas as mercadorias são apenas quantidades defi-
nidas de tempo de labor congelado.”75
Mais tarde, tentarei estimar o valor desses princípios fundamen-
tais que Marx apresenta sobre o tema do valor. Nesse meio tempo, vou
para a sua teoria do juros.
Marx se depara com o problema do juros da seguinte maneira.
A circulação habitual de mercadorias realizada pelo meio de troca, o
dinheiro, procede desta forma: um homem vende a mercadoria que
possui por dinheiro, a fim de comprar com o dinheiro outra mercadoria
que ele precisa para seus próprios fins. Este curso de circulação pode
ser expresso pela fórmula, Mercadoria —Dinheiro— Mercadoria. O
ponto de partida e o ponto de chegada da circulação é uma mercado-
ria, embora as duas mercadorias sejam de tipos diferentes.
“Mas, ao lado dessa forma de troca, encontramos outra forma
especificamente diferente, isto é, Dinheiro—Mercadoria— Dinheiro;
a transformação do dinheiro em mercadoria e a transformação de
volta da mercadoria em dinheiro — comprar no intuito de vender. O
dinheiro, que em seu movimento descreve essa circulação, se torna
capital, e já é capital quando se dedica a ser usado nessa maneira. [..]
Na simples circulação de mercadorias, os dois extremos têm a mesma
forma econômica. Ambos são mercadorias. Eles são do mesmo valor

75
Das Kapital, segunda edição, p. 10, etc.

94 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
agora. Mas são valores de uso qualitativamente diferentes, como, por
exemplo, trigo e roupas. A essência do movimento consiste na troca
daqueles produtos nos quais o trabalho da sociedade está incorpora-
do. É diferente com a circulação D—M—D. À primeira vista, parece
como se fosse sem sentido, porque é tautológica. Ambos os extremos
têm a mesma forma econômica. Ambos são dinheiro e, portanto, não
são valores de uso qualitativamente diferentes, pois o dinheiro é ape-
nas a forma convertida de mercadorias em que seus diferentes valo-
res de uso são perdidos. Primeiro trocar £100 por lã, e depois trocar
a mesma lã novamente por £100 — isto é, numa forma de produção
indireta para trocar dinheiro por dinheiro, semelhante por semelhan-
te — parece uma transação tão sem propósito quanto absurda. Uma
soma de dinheiro só pode ser distinguida de outra soma de dinheiro
por sua quantidade.
O processo D—M—D não deve seu caráter, portanto, a qualquer
diferença qualitativa entre seus extremos, uma vez que ambos são di-
nheiro, mas apenas a essa diferença quantitativa. Ao fim do processo,
mais dinheiro é retirado da circulação do que foi jogado no início. A lã
comprada por £100 é vendida novamente, isto é, por £100 + £10, ou
£110. A forma completa deste processo, portanto, é D—M—D′, onde
M′= M+ΔM; isto é, a soma originalmente adiantada mais um incre-
mento. Esse incremento, ou excedente sobre o valor original, eu cha-
mo de Mais-Valor76 (Mehrwerth). O valor originalmente adiantado,
portanto, não apenas permanece durante a circulação, mas muda em
quantidade; acrescenta a si mesmo um valor excedente, ou ele mesmo
faz valor. E esse movimento o transforma em capital” (p. 132).
“Comprar a fim de vender, ou, expressando mais plenamente,
comprar a fim de vender a um preço mais alto, D—M—D’, parece de
fato a forma peculiar característica de um único tipo de capital, o capi-
tal mercantil. Mas o capital industrial também é dinheiro que se trans-
forma em mercadorias, e pela venda dessas mercadorias se transforma

76
N.T.: Mais-valor é a tradução de Mehrwerth. Ao longo desta obra utilizou-se “mais-valor” nas seções
onde ocorrem citações diretas de Marx, e fora destas citações foi adotada a grafia consagrada: mais-valia.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 95


novamente em mais dinheiro. Os atos que ocorrem fora da esfera de
circulação, entre a compra e a venda, não fazem nenhuma alteração
na forma do movimento. Finalmente, no capital portador de juros, a
circulação D—M—D’ se apresenta de forma abreviada, mostra seu
resultado sem qualquer mediação, en style lapidaire, por assim dizer,
como D—D’; ou seja, dinheiro que é igual a mais dinheiro, valor que
é maior do que ele mesmo” (p. 138).
De onde se origina, então, o valor excedente?
Marx resolve o problema dialeticamente. Primeiro, ele declara
que o valor excedente não pode nem se originar no fato do capitalista,
como comprador, que compra mercadorias regularmente sob seu valor,
nem no fato do capitalista, como vendedor, que os vende regularmente
sobre seu valor. Não pode, portanto, ter origem na circulação. Mas
também não pode se originar fora da circulação. Pois “fora da circula-
ção, o dono da mercadoria só se relaciona com sua própria mercadoria.
No que diz respeito ao seu valor, a relação é limitada a isso, que a
mercadoria contém uma quantidade do próprio trabalho do dono me-
dido por leis sociais definidas. Essa quantidade de trabalho é expressa
na quantidade do valor da mercadoria produzida e, uma vez que a
quantidade do valor é expresso em dinheiro, a quantidade de trabalho
é expressa em um preço, digamos £10. No entanto, o trabalho do dono
não se representa no valor da mercadoria e em um excedente sobre seu
próprio valor — em um preço de £10, que é ao mesmo tempo um pre-
ço de £11 — em um valor que é maior do que ele mesmo! O dono de
uma mercadoria pode, por seu trabalho, produzir valor, mas não valor
que evolui por si mesmo.
Ele pode aumentar o valor de uma mercadoria adicionando novo
valor ao que já existe, através de novo trabalho; como, e.g., na fabri-
cação de botas de couro. O mesmo material tem agora mais valor,
porque contém uma quantidade maior de trabalho. A bota, então, tem
mais valor do que o couro, mas o valor do couro permanece como era.
Ela não evoluiu por si mesma; não adicionou um valor excedente a si
mesma durante a confecção da bota” (p. 150).

96 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
E agora o problema é o seguinte: “Nosso dono do dinheiro, que
ainda é apenas um capitalista na fase inicial, precisa comprar as mer-
cadorias pelo seu valor, precisa vendê-las pelo seu valor, e ainda no
final do processo precisa tirar mais dinheiro do que ele colocou. O
eclosão da larva numa borboleta deve ocorrer na esfera da circulação,
e não na esfera da produção. Estas são as condições do problema. Hic
Rhodus, hic salta!” [“Aqui está Rodes, salte aqui!”] (p.150).
A solução que Marx encontra nisso é que há uma determinada
mercadoria cujo valor de uso possui a qualidade peculiar de ser a fonte
do valor de troca. Esta mercadoria é a capacidade de trabalho, ou força
de trabalho. É colocada à venda no mercado sob a dupla condição de
que o laboreiro seja pessoalmente livre, pois, caso contrário, não seria
sua força de trabalho que estaria à venda, mas toda a sua pessoa como
escrava; e que o laboreiro é privado de “todas as coisas necessárias
para a realização de sua força de trabalho”, pois de outra forma ele
preferiria produzir por conta própria e oferecer seus produtos em vez
de pôr sua força de trabalho à venda. É pelo comércio dessa mercado-
ria que o capitalista recebe a mais-valia. Da seguinte forma.
O valor da mercadoria, a força de trabalho, como o de todas as
outras mercadorias, é regulado pelo tempo de trabalho necessário para
a sua reprodução; isto é, neste caso, pelo tempo de trabalho que é ne-
cessário para produzir tantos meios de subsistência para a manutenção
do laboreiro. Digamos, por exemplo, que, para produzir os meios de
subsistência necessários para um dia, é necessário um tempo de traba-
lho social de seis horas, e suponha que esse mesmo tempo de trabalho
esteja incorporado em três xelins de dinheiro, então a força de trabalho
de um dia deve ser comprada por três xelins. Se o capitalista comple-
tou essa compra, o valor de uso da força de trabalho pertence a ele, e
ele percebe isso fazendo com que o laboreiro trabalhe para ele.
Se ele fizesse com que o laboreiro trabalhasse apenas tantas horas
por dia quanto estão incorporadas na própria força de trabalho, e que
já foram pagas na compra da mesma, nenhuma mais-valia surgiria.
Pois, de acordo com o pressuposto, seis horas de trabalho não podem
colocar no produto ao qual estão incorporadas qualquer valor superior

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 97


a três xelins, e é isso que o capitalista pagou como salário. Mas não é
assim que agem os capitalistas. Mesmo que tenham comprado a for-
ça de trabalho por um preço que corresponde apenas a seis horas de
trabalho, eles fazem o trabalhador executar trabalho o dia inteiro para
eles. E agora, no produto feito durante este dia, há mais horas de tra-
balho incorporadas do que o capitalista era obrigado a pagar; ele tem,
consequentemente, um valor maior do que o salário que pagou, e a
diferença é o “mais-valor” que fica com o capitalista.
Para dar um exemplo. Suponha que um trabalhador possa, em
seis horas, transformar 10 libras de lã em fios. Suponha que essa lã,
para sua própria produção, tenha exigido vinte horas de labor e possua,
portanto, um valor de 10s. Suponha, além disso, que durante as seis
horas de fiação, o fiandeiro faça uso de suas ferramentas que corres-
ponda ao labor de quatro horas e represente, consequentemente, um
valor de 2s [xelins]. O valor total dos meios de produção consumidos
na fiação ascenderá a 12s, correspondendo a vinte e quatro horas de
labor. No processo de fiação, a lã “absorve” outras seis horas de labor;
o fio produzido é, portanto, no todo, o produto de trinta horas de labor
e terá em conformidade um valor de 15s.
Partindo do pressuposto de que o capitalista consiga que o traba-
lhador contratado trabalhe apenas seis horas por dia, a fabricação do
fio custou ao capitalista 15s.—10s. para a lã; 2s. para o uso e desgaste
de ferramentas; 3s. para o salário de labor. Não há mais-valia aqui.
Muito pelo contrário é o caso quando o capitalista faz com que o
laboreiro trabalhe doze horas por dia para ele. Em doze horas, o labo-
reiro transforma 20 lbs. de lã, nas quais anteriormente quarenta horas
de labor foram incorporadas, e que, consequentemente, valem 20s.;
além disso, ele usa ferramentas que foram produzidas com oito horas
de labor, no valor de 4s.; mas durante um dia ele acrescenta à matéria-
-prima doze horas de labor,— isto é, um novo valor de 6s.
E agora o balanço é o seguinte: O fio produzido durante um dia
custou, no total, sessenta horas de labor; ele tem, portanto, um valor
de 30s. As despesas do capitalista ascenderam a 20s. para a lã, 4s. para

98 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
o uso e esgaste de ferramentas e 3s. para o salário; ao todo, portanto,
apenas 27s. Resta agora um “mais-valor” de 3s.
A mais-valia, portanto, de acordo com Marx, é uma consequência
do capitalista fazer com que o laboreiro trabalhe uma parte do dia para
ele sem pagar por isso. No dia de trabalho do laboreiro, duas porções
podem ser distinguidas. Na primeira, o “tempo de trabalho necessá-
rio”, o trabalhador produz os meios de sua própria manutenção, ou
o valor dessa manutenção; por essa parte de seu trabalho, ele rece-
be um equivalente em salário. Durante a segunda porção, o “tempo
de trabalho excedente”, ele é “explorado”; ele produz “mais-valor”
sem receber qualquer equivalente por isso.77 O capital não é, portanto,
apenas um controle sobre o trabalho, como Adam Smith o chama. É
essencialmente um controle sobre o trabalho não remunerado.
Toda mais-valia, sob qualquer forma particular que possa poste-
riormente cristalizar-se, seja lucro, juros, renda ou qualquer outra, é,
em substância, apenas a forma material de trabalho não remunerado.
O segredo do poder do capital para desenvolver o valor é encontra-
do em sua disposição sobre uma quantidade definida do trabalho não
pago de outros” (p. 554).
Nesta declaração, o leitor cuidadoso terá reconhecido — embora
parcialmente num um arranjo um pouco alterado — todas as proposi-
ções essenciais juntadas por Rodbertus em sua teoria dos juros: a dou-
trina de que o valor dos bens é medido pela quantidade de trabalho;
que o trabalho sozinho cria todo o valor; que no contrato de emprésti-
mo o trabalhador recebe menos valor do que cria, e que a necessidade
o obriga a concordar com isso, que o capitalista se apropria do exce-
dente para si mesmo; e que, consequentemente, o lucro assim obtido
tem o caráter de pilhagem do produto do labor dos outros.
Por causa da concordância substancial de ambas as teorias, ou,
para falar mais corretamente, de ambas as maneiras de formular a mes-
ma teoria, quase tudo o que eu aduzi contra a doutrina de Rodbertus
tem igual força contra Marx. Posso, portanto, limitar-me agora a

77
Das Kapital, p. 205, etc.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 99


algumas observações suplementares que considero necessárias; em
parte com o propósito de adaptar minha crítica em lugares particulares
à declaração peculiar de Marx da teoria, em parte também por lidar
com alguma matéria nova introduzida por Marx.
De longe, o mais importante é a tentativa de provar a proposição
de que todo o valor repousa sobre o trabalho, em vez de apenas afirmá-
-la. Ao criticar Rodbertus, coloquei tão pouca ênfase nessa proposição
quanto ele havia feito. Contentei-me em apontar algumas exceções in-
dubitáveis, mas não fui à raiz da questão. No caso de Marx, eu não posso
nem vou interromper isso. É verdade que, ao fazer isso, aventuro-me em
um campo já desbravado muitas vezes, e por escritores ilustres.
Dificilmente posso esperar, então, apresentar tantas novidades.
Mas em um livro que tem como tema a exposição crítica de teorias de
juros, não me furtaria à empreitada envolvendo uma crítica completa
de uma proposição que foi colocada à frente de uma das mais impor-
tantes dessas teorias, como seu princípio fundamental mais importan-
te. E, infelizmente, a posição atual de nossa ciência não é tal que possa
ser considerado supérfluo mais uma vez realizar essa tarefa. Embora
essa proposição seja, na verdade, nada mais do que uma falácia uma
vez perpetrada por um grande homem, e repetida desde então por uma
multidão crédula. Em nossos dias, ela está propensa a ser aceita em
círculos cada vez maiores como uma espécie de evangelho.
Para a doutrina de que o valor de todos os bens depende do tra-
balho, os nomes orgulhosos de Adam Smith e Ricardo geralmente
têm sido reivindicados tanto como autores quanto como autoridades
do assunto. Há um fundo de verdade nisso, mas não é uma verdade
plena. A doutrina pode ser encontrada nos escritos de ambos; mas
Adam Smith de vez em quando a contradiz,78 e Ricardo, por sua
vez, restringe a esfera dentro da qual ela é válida, e a circunda com
exceções tão importantes, que dificilmente é justificável afirmar que

78
Por exemplo, quando no quinto capítulo do segundo livro ele diz do agricultor: “Não apenas seus servos
labutantes, mas seu gado labutante são laboreiros produtivos”; e ainda: “Na agricultura a natureza tam-
bém labuta junto com o homem e, embora seu labor não custe despesas, seu produto tem seu valor, assim
como o dos trabalhadores mais caros. Ver também Knies, Der Kredit, parte ii. p. 62.

100 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
ele representou o trabalho como o princípio universal e exclusivo
do valor. Ele começa seus Principles com a afirmação expressa de
que o valor de troca dos bens tem sua origem em duas fontes — em
sua escassez e na quantidade de trabalho que sua produção custou.
Certos bens, como estátuas e pinturas raras, obtêm seu valor exclu-
sivamente da fonte anterior, e é apenas o valor desses bens que pode
ser multiplicado, sem qualquer limite atribuível, pelo labor, que é
determinado pela quantidade de labor que custam.
Estes últimos, de fato, na opinião de Ricardo, constituem “de lon-
ge, a maior parte dos bens que são objetos de desejo”; mas mesmo
em relação a eles Ricardo se vê compelido a uma limitação adicional.
Ele tem que admitir que, mesmo no caso deles, o valor de troca não é
determinado exclusivamente pelo trabalho; que tempo também — o
tempo decorrido entre o avanço do trabalho e a realização do produto
acabado — tem uma influência considerável sobre eles.79
Parece, então, que nem Adam Smith nem Ricardo afirmaram o
princípio que está vinculado aos seus nomes de uma forma tão incon-
dicional tal como eles geralmente recebem crédito. Ainda assim, até
certo ponto, eles os declararam, e temos que perguntar sobre quais
razões eles o fizeram.
Ao tentar responder a essa pergunta, faremos uma descoberta no-
tável: que nem Adam Smith nem Ricardo deram qualquer razão para
este princípio, mas simplesmente afirmaram sua validade como algo
autoexplicativo. A célebre passagem em Adam Smith, que Ricardo de-
pois verbalmente adotou em sua própria doutrina, funciona assim: “O
preço real de tudo, o que tudo realmente custa ao homem que quer ad-
quiri-lo, é a labuta e a dificuldade de adquiri-lo. O que tudo realmente
vale para o homem que o adquiriu, e que quer dispor dele, ou trocá-lo
por outra coisa, é a labuta e a dificuldade que ele pode poupar para si
mesmo, e que ele pode impor sobre outras pessoas.”80

79
Veja acima, p. 76, e Knies, no vol. 1 desta obra, na p. 98, etc.
80
A Riqueza das Nações, livro i. cap. v. (p. 13 da edição de M‘Culloch); Ricardo, Principles, cap. i.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 101


Vamos fazer uma pausa aqui por um momento. O tom em que
Adam Smith fala significa que a verdade dessas palavras precisam ser
imediatamente óbvias. Mas são realmente óbvias?
O valor e a dificuldade estão realmente tão intimamente relacio-
nados ao ponto que a própria concepção deles acarreta na convicção de
que a dificuldade é o fundamento do valor? Eu não acho que qualquer
pessoa sem preconceito sustentaria isso. Que eu tenha me esforçado
por algo é um fato; que esse algo valha o esforço é um fato distinto;
e a confirmação de que esses dois fatos nem sempre andam juntos é
tão bem atestada pela experiência que não é possível qualquer dúvida.
Isso é confirmado por cada um dos inúmeros casos, em que, por
falta de habilidade técnica, ou de sucesso especulativo, ou simples-
mente da má sorte, o trabalho esteja sendo seguido todos os dias por
um resultado sem valor. Todavia, também é atestado por cada um dos
numerosos casos em que poucos esforços são recompensados com al-
tos ganhos; como a ocupação de um lote de terra, a descoberta de uma
pedra preciosa ou a descoberta de uma mina de ouro.
Mas para não mencionar os casos que podem ser considerados
como exceções no curso regular das coisas, é um fato tão indubitá-
vel quanto perfeitamente normal, que a mesma quantidade de trabalho
exercido por pessoas diferentes tem um valor bastante diferente. O re-
sultado de um mês de trabalho de um artista famoso é, habitualmente,
cem vezes mais valioso do que o mesmo período de trabalho de um
carpinteiro comum. Como isso poderia ser possível se a dificuldade
fosse realmente o princípio do valor?
Como seria possível se, em virtude de alguma conexão psicoló-
gica imediata, fôssemos forçados a basear nossa estimativa de valor
apenas na consideração da labuta e da dificuldade?81 Ou talvez seja
porque a natureza é tão aristocrática que suas leis psicológicas forçam

81
Adam Smith se livra da dificuldade mencionada no texto da seguinte forma: “Se uma espécie de traba-
lho requer um grau incomum de destreza e engenhosidade, a estima que os homens têm por tais talentos
naturalmente dará um valor ao seu produto superior ao que seria devido ao tempo empregado sobre ele.
Tais talentos raramente podem ser adquiridos, mas, em consequência da longa aplicação e do valor supe-
rior de seus produtos, podem frequentemente ser mais do que uma compensação razoável pelo tempo e
trabalho que precisam ser gastos na aquisição deles.” (Livro i. cap, vi.)

102 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
nosso espírito a considerar o esforço de um artista habilidoso cem ve-
zes mais valioso do que o esforço mais modesto de um carpinteiro! Eu
acho que qualquer um que reflita um pouco, em vez de confiar cega-
mente nisso, estará convencido de que não há conexão imediatamente
óbvia e essencial entre dificuldade e valor, como a passagem em Adam
Smith parece assumir.
Mas a passagem realmente se refere ao valor de troca, como foi
tacitamente assumido? Eu não acho que qualquer um que a leia com
olhos sem preconceitos possa sustentar isso também. A passagem não
se aplica nem ao valor de troca, nem ao valor de uso, nem a qualquer
outro tipo de valor no sentido estritamente científico. O fato é — como
demonstrado pelo emprego da expressão “valer” em vez de valor —
que, neste caso, Adam Smith usou a palavra no sentido muito amplo e
vago que tem na fala cotidiana. E isso é muito significativo.
Sentindo involuntariamente que, perante a reflexão estritamente
científica, sua proposição não podia ser admitida, ele se volta para as
impressões vagas da vida cotidiana e faz uso das expressões mal de-
finidas do discurso comum — com um resultado, como a experiência
mostrou, muito lamentável para os interesses da ciência.
Por fim, o quão pouco toda a passagem pode reivindicar exatidão
científica é mostrado pelo fato de que, mesmo nas poucas palavras que
a compõem, há uma contradição. Em uma só frase, ele atribui à duas
coisas a propriedade distintiva de ser o princípio do valor “real”: pri-
meiro, ao trabalho que um homem pode poupar a si mesmo por meio
da posse de um bem; segundo; ao trabalho que um homem pode impor
a outras pessoas. Mas estas são duas quantidades que, como todos

A insuficiência dessa explicação é óbvia. Em primeiro lugar, é claro que o valor mais alto dos produtos de
homens excepcionalmente qualificados repousa em um fundamento bem diferente da “estima que os ho-
mens têm por tais talentos.” Quantos poetas e eruditos o público deixa morrer de fome, apesar da alta estima
que dá aos seus talentos, e quantos especuladores inescrupulosos eles recompensaram por sua competência
em centenas de milhares, embora não tenha nenhuma estima por seus “talentos”! Mas suponha que a estima
fosse o fundamento do valor, nesse caso a lei de que o valor depende da dificuldade evidentemente não seria
confirmada, mas violada. Se, novamente, na segunda das frases acima, Adam Smith tenta traçar esse valor
mais alto para a dificuldade gasta na aquisição da destreza, por sua inserção da palavra “frequentemente” ele
confessa que não será válido em todos os casos. A contradição, portanto, permanece.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 103


sabem, não são absolutamente idênticas. Sob o regime da divisão do
trabalho, a dificuldade que eu pessoalmente seria obrigado a passar
para obter a posse de uma coisa que eu desejo é geralmente muito
maior do que aquela que um laboreiro tecnicamente treinado a produz.
Qual dessas duas dificuldades, a “poupada” ou a “ imposta”, devemos
entender como determinante do valor real?
Em suma, a célebre passagem em que nosso velho mestre Adam
Smith introduz o Princípio do Trabalho na teoria do valor está tão
longe quanto possível de ser o grande e bem fundamentado princípio
científico que geralmente tem sido considerado. Não carrega em si
mesma qualquer convicção. Não é corroborada por nenhuma partícula
de evidência. Tem a roupagem e caráter desleixada de uma expressão
popular. E por fim ela se contradiz. Apesar disso, o fato de ela ter en-
contrado aceitação geral é devido, na minha opinião, à coincidência de
duas circunstâncias; primeiro, de ter sido proferida por Adam Smith, e,
segundo, que ele a disse sem aduzir qualquer evidência em seu favor.
Se Adam Smith tivesse dedicado uma única palavra no intuito de
provar sua afirmação à inteligência de seus leitores, em vez de simples-
mente apelar para as suas impressões imediatas, eles teriam insistido na
exigência de demonstrações de evidências, e, então, a ausência de todo
argumento real teria infalivelmente se revelado. É somente por tomar as
pessoas de surpresa que tais proposições podem ganhar aceitação.
Vejamos o que Adam Smith, e depois dele, Ricardo, diz mais
adiante. “O trabalho foi o primeiro preço — o dinheiro da compra
original que foi pago por todas as coisas.” Essa proposição é compa-
rativamente inofensiva, mas não tem relação com o princípio do valor.

“Nesse estado inicial e rústico da sociedade que precede


tanto a acumulação de estoque quanto a apropriação de ter-
ra, a proporção entre as quantidades de trabalho necessárias
para adquirir objetos diferentes parece ser a única circuns-
tância que pode providenciar qualquer regra para trocá-los
entre si. Se, entre uma nação de caçadores, por exemplo,
normalmente custa o dobro do trabalho matar um castor em

104 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
relação ao que custa para matar um cervo, um castor deve-
ria naturalmente ser trocado ou valer dois cervos. É natural
que o que normalmente é o produto de dois dias ou duas ho-
ras de trabalho valha o dobro do que é geralmente o produto
de um dia ou uma hora de trabalho.”

Nestas palavras também procuraremos em vão qualquer traço


de uma base racional para a doutrina. Adam Smith simplesmente diz:
“parece ser a única circunstância”, “deveria naturalmente”, “é natural”
e assim por diante, mas por toda parte ele deixa ao leitor convencer-
-se da “naturalidade” de tais julgamentos — uma “naturalidade”, vale
ressaltar, da qual o leitor crítico não se convencerá tão fácil. Pois, se
é “natural” que a troca de produtos seja regulada exclusivamente pela
proporção do tempo de trabalho que suas realizações custam, também
precisa ser natural que, por exemplo, qualquer espécie incomum de
borboleta, ou qualquer sapo comestível raro devesse valer, “entre uma
nação de caçadores”, dez vezes mais do que um cervo, visto que um
homem pode passar dez dias procurando o primeiro, enquanto poderia
capturar o último geralmente pelo trabalho de um dia. Mas a “naturali-
dade” dessa proporção dificilmente seria óbvia para todos!
O resultado dessas considerações pode, penso eu, ser resumido
da seguinte forma. Adam Smith e Ricardo afirmaram que o trabalho é
o princípio do valor dos bens simplesmente como um axioma, e sem
dar qualquer evidência para isso. Consequentemente, qualquer um que
mantenha este princípio não precisa olhar para Adam Smith e Ricardo
como garantindo sua verdade, mas precisa procurar alguma outra base
de prova independente.
Agora, é um fato muito notável que dos escritores posteriores,
quase ninguém o tenha feito. Os homens que, em outros aspectos, pe-
neiraram a doutrina antiquada por dentro e por fora com sua crítica
destrutiva, com quem nenhuma proposição, por mais venerável que
fosse na época, estava a salvo de novamente questionada e testada,
esses mesmos homens não proferiram sequer uma palavra de crítica
ao princípio de maior peso que eles tomaram emprestado da antiga

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 105


doutrina. De Ricardo a Rodbertus, de Sismondi a Lassalle, o nome de
Adam Smith é a única garantia considerada necessária para essa dou-
trina. Nenhum escritor acrescenta nada de sua autoria, mas repetidas
afirmações de que a proposição é verdadeira, incontestável, indubitá-
vel; não há nenhuma tentativa real de provar a sua verdade, de encarar
objeções, de remover dúvidas.
Os desprezadores de provas baseadas em autoridade contentam-
-se em apelar para a autoridade; os inimigos jurados de suposições e
afirmações não comprovadas se contentam em tomar afirmações de
segunda mão e confirmá-las. Apenas alguns representantes da teoria
do valor-trabalho constituem uma exceção a essa regra; um desses
poucos, contudo, é Marx.
Um economista que procura uma confirmação real do princípio
em questão pode prosseguir em uma das duas direções seguintes: ele
pode tentar desenvolver a prova a partir de fundamentos envolvidos
em sua própria declaração, ou pode deduzi-la da experiência. Marx
tomou o primeiro curso, com um resultado sobre o qual o leitor pode
atualmente formar sua própria opinião.
Já citei nas próprias palavras de Marx as passagens relativas ao
assunto. A linha de argumentação se divide claramente em três etapas.
Primeira etapa: Desde que na troca dois bens sejam tornados
iguais um ao outro, deve haver um elemento comum de quantidade se-
melhante nos dois, e neste elemento comum precisa residir o princípio
do valor de troca.
Segunda etapa. Este elemento comum não pode ser o valor de
uso, pois na troca de bens o valor de uso é desconsiderado.
Terceira etapa. Se o valor de uso das mercadorias for desconsi-
derado, resta nelas apenas uma propriedade comum — a de serem
produtos do trabalho. Consequentemente, assim se conclui, o tra-
balho é o princípio do valor; ou, como diz Marx, o valor de uso, ou
“bem”, só tem um valor porque o trabalho humano é objetificado,
materializado nele.

106 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Eu raramente li qualquer coisa que se igualasse a isso em termos
de mau raciocínio e descuido na formulação de conclusões.
A primeira etapa pode passar, mas a segunda etapa só pode ser
mantida por uma falácia lógica do tipo mais grosseiro. O valor de uso
não pode ser o elemento comum porque é “obviamente desconside-
rado nas relações de troca de mercadorias, pois”— cito literalmente
— “dentro das relações de troca um valor de uso conta tanto quanto
qualquer outro, desde que esteja disponível na proporção apropriada.”
O que Marx teria dito ao seguinte argumento?
Em uma companhia de ópera há três cantores célebres — um te-
nor, um baixo e um barítono — e cada um deles tem um salário de
£1000. A pergunta é feita: Qual é a circunstância comum em razão da
qual seus salários são igualados? E eu respondo: na questão do salário,
uma boa voz conta tanto quanto qualquer outra — um bom tenor para
tanto quanto um bom baixo ou um bom barítono — desde que esteja
disponível em proporção adequada; consequentemente, na questão do
salário, a boa voz é evidentemente desconsiderada, e a boa voz não
pode ser a causa do bom salário.
A falácia deste argumento é clara. Mas é igualmente claro que a
conclusão de Marx, da qual isso é exatamente copiado, não é nem um
pouco mais correta. Ambos cometem a mesma falácia. Confundem
a desconsideração de um gênero com a desconsideração das formas
específicas em que esse gênero se manifesta. Em nossa ilustração, a
circunstância que não é relevante no que diz respeito à questão do sa-
lário é claramente apenas a forma especial que a boa voz assume, seja
tenor, baixo ou barítono. Não é, de modo algum, a boa voz em geral. E
assim acontece com as relações de troca de mercadorias.
As formas específicas sob as quais o valor de uso pode aparecer,
seja para alimentos, roupas, abrigo ou qualquer outra coisa, são, é cla-
ro, desconsideras; mas o valor de uso da mercadoria em geral nunca
é desconsiderado. Marx poderia ter visto que não desconsideramos
absolutamente o valor de uso do fato de que não pode haver valor de

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 107


troca onde não há um valor de uso — um fato que o próprio Marx é
repetidamente forçado a admitir.82
Mas falácias ainda piores estão envolvidas na terceira etapa da
demonstração. Se o valor de uso das mercadorias for desconsiderado,
diz Marx, resta nelas apenas uma propriedade comum — a de serem
produtos do trabalho. É verdade? Existe apenas uma propriedade? Nos
bens que têm valor de troca, por exemplo, não há também a proprieda-
de de serem escassos em proporção à demanda? Ou de serem objetos
de demanda e oferta? Ou de serem apropriados? Ou de serem produtos
naturais? Pois que são produtos da natureza, assim como são produtos
do trabalho, ninguém expõe mais claramente do que o próprio Marx,
quando em determinado lugar ele diz: “Mercadorias são combinações
de dois elementos, material natural e trabalho”; ou quando ele cita
incidentalmente a expressão de Petty sobre a riqueza material, “O tra-
balho é seu pai e a terra é sua mãe”.83
Agora, por que, eu pergunto, não pode o princípio do valor resi-
dir em qualquer uma dessas propriedades comuns, bem como na pro-
priedade de ser o produto do trabalho? Pois, em apoio a esta última
proposição, Marx não apresentou o menor argumento positivo. Seu
único argumento é o negativo, que o valor de uso, assim felizmente
desconsiderado e afastado, não é o princípio do valor de troca. Mas
esse argumento negativo não se aplica com igual força a todas as ou-
tras propriedades comuns negligenciadas por Marx? A insolência na
afirmação e o descuido no raciocínio não podem ir muito mais longe.
Mas isso não é tudo. É verdade que em todos os bens que pos-
suem valor de troca existe essa propriedade comum de ser o produto
do trabalho? O solo virgem é um produto do trabalho? Ou uma mina
de ouro? Ou uma jazida natural de carvão? E, no entanto, como todos
sabem, eles geralmente têm um valor de troca muito alto. Mas como
pode um elemento que não entra em uma classe de bens que possuem

82
Por exemplo, na p. 15 no final: “Finalmente, nada pode ser valioso sem ser um objeto de uso. Se é inútil,
o trabalho nele contido também é inútil; não conta como trabalho e, portanto, não confere valor. Knies já
chamou a atenção para o erro lógico aqui criticado (Das Geld, Berlim, 1873, p. 123, etc.)
83
Das Kapital, p. 17 etc.

108 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
valor de troca ser apresentado como o princípio universal comum do
valor de troca? Como Marx teria atacado qualquer um de seus oponen-
tes que tivesse sido culpado de tal lógica!84
Não sendo injusto com Marx, então, tomaremos aqui a liberdade
de dizer que sua tentativa de provar a verdade de seu princípio deduti-
vamente falhou completamente.
Se a proposição de que o valor de todos os bens repousa sobre o
trabalho não é nem um axioma nem capaz de ser provada por dedu-
ção, ainda resta pelo menos uma possibilidade a seu favor; pode ser o
caso que ela seja demonstrada pela experiência. Para dar a Marx todas
as oportunidades, examinaremos também essa possibilidade. Qual é o
testemunho da experiência?
A experiência mostra que o valor de troca dos bens é proporcio-
nal à quantidade de trabalho que sua produção custa apenas no caso
de uma classe de bens, e, mesmo assim, apenas aproximadamen-
te. Embora isso deva ser bem conhecido, considerando que os fatos
em que se baseia sejam tão familiares, muito raramente é estimado
em seu devido valor. É claro que todos, incluindo os escritores so-
cialistas, concordam que a experiência não confirma inteiramente o
Princípio do Trabalho.
No entanto, geralmente se imagina que os casos em que os fatos
reais confirmam o princípio do trabalho constituem a regra, ao passo
em que e os casos que contradizem o tal princípio constituem uma
exceção relativamente insignificante. Essa visão é muito errônea e,
para corrigi-la de uma vez por todas, reunirei em grupos as exceções
pelas quais a experiência prova que o princípio do trabalho é limitado
na vida econômica. Veremos que as exceções são tão preponderantes
que dificilmente deixam espaço para a regra.
1. Do âmbito do Princípio do Trabalho estão excluídos todos os
bens “escassos” que, devido a obstáculos reais ou legais, não
podem ser reproduzidos de forma alguma, ou podem ser re-
produzido apenas em quantidade limitada. Ricardo menciona,

84
Veja também sobre o assunto em Knies, Das Geld, p. 121.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 109


a título de exemplo, estátuas e quadros raros, livros e moedas
escassos, vinhos de qualidade peculiar, e acrescenta a obser-
vação de que tais bens formam apenas uma proporção muito
pequena dos bens trocados diariamente no mercado. Se, no
entanto, considerarmos que a esta categoria pertence toda a
terra e, além disso, os inúmeros bens na produção dos quais
entram em jogo as patentes, direitos autorais e segredos co-
merciais, verifica-se que a extensão dessas “exceções” não é
de forma alguma desprezível.85
2. Todos os bens que são produzidos não por trabalho comum,
mas por trabalho qualificado, formam uma exceção. Embora
no produto diário de um escultor, um marceneiro qualificado,
um violinista, um engenheiro, e assim por diante, não tenha
mais trabalho incorporado do que no produto diário de um
laboreiro comum ou um operário de fábrica, o primeiro tem
um valor de troca maior, e, em muitos casos, um valor de troca
várias vezes maior. Os adeptos da teoria do valor-trabalho, é
claro, não foram capazes de ignorar essa exceção.
Às vezes eles mencionam isso, todavia de tal forma a sugerir que
essas não formam uma exceção real, mas apenas uma pequena
variação que ainda está sob a regra. Marx, por exemplo, adota
a conveniência de considerar o trabalho qualificado como um
multiplicador do trabalho comum. “O trabalho complicado”,
diz ele (p. 19), “conta apenas como trabalho simples fortaleci-
do, ou melhor, multiplicado, de modo que uma quantidade me-
nor de trabalho complicado é igual a uma quantidade maior de
trabalho simples. A experiência mostra que essa redução está
sendo feita constantemente. Uma mercadoria pode ser o pro-
duto do trabalho mais complicado; seu valor a torna igual ao
produto do trabalho simples, e representa portanto, apenas uma
determinada quantidade de trabalho simples.”

A ingenuidade desse malabarismo teórico é quase estonteante.


Não há dúvida de que um dia de trabalho de um escultor possa ser

85
Veja também Knies, Kredit, parte ii. p. 61.

110 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
considerado igual a cinco dias de trabalho de um mineiro em mui-
tos aspectos — por exemplo, em termos de valor monetário. Mas que
doze horas de trabalho de um escultor realmente são sessenta horas de
trabalho comum ninguém sustentaria. Agora, em questões de teoria —
por exemplo, na questão do princípio do valor — não se trata de quais
ficções os homens possam inventar, mas do que realmente é.
Para a teoria, a produção diária do escultor é, e permanece, o pro-
duto do trabalho de um dia, e se um bem que é o produto do trabalho
de um dia valer tanto quanto outro que é o produto do trabalho de cinco
dias, os homens podem inventar as ficções que quiserem; há aqui uma
exceção à regra estabelecida de que o valor de troca dos bens é regulado
pela quantidade de trabalho humano incorporado neles. Suponha que
uma ferrovia geralmente mensure sua tarifa de acordo com as distâncias
percorridas por pessoas e mercadorias, mas, no que diz respeito a uma
parte da linha em que as despesas da operação são particularmente pesa-
das, termine por decidir que cada milha deva valer o dobro.
Pode-se afirmar que o comprimento das distâncias é realmente o
princípio exclusivo na fixação da tarifa ferroviária? Certamente não; por
uma ficção presume-se que seja assim, mas na verdade a aplicação desse
princípio é limitada por outra consideração, o caráter das distâncias. Da
mesma forma, não podemos preservar a unidade teórica do princípio do
trabalho por meio de qualquer ficção desse tipo. Para não me delongar
neste assunto, posso dizer que esta segunda exceção abrange uma pro-
porção considerável de todos os bens comprados e vendidos.
Em um aspecto, estritamente falando, poderíamos dizer que qua-
se todos os bens pertencem a ela. Pois na produção de quase todos os
bens entra algum trabalho qualificado — o trabalho de um inventor, de
um gerente, de um pioneiro, ou algum trabalho similar — e isso eleva
o valor do bem um pouco acima do nível que teria sido determinado se
a quantidade de trabalho tivesse sido a única consideração.
3. O número de exceções é aumentado por aqueles bens — em
verdade, uma classe não muito importante — que são produ-
zidos por trabalho anormalmente mal pago. Por razões que
não precisam ser discutidas aqui, os salários permanecem

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 111


constantemente abaixo do mínimo de subsistência em certos ra-
mos de produção; por exemplo, em certas indústrias femininas,
como costura, bordado e tricô. Os produtos desses empregos
têm, portanto, um valor anormalmente baixo. Não é incomum,
e.g., que o produto de três dias de trabalho por parte de um
trabalhador de costura branca valha tanto quanto o produto de
dois dias de trabalho por parte de um trabalhador de fábrica.
Todas as exceções mencionadas até agora assumem a forma de
isentar certos grupos de bens completamente da lei do valor-traba-
lho, e, portanto, tendem a restringir a esfera de validade dessa lei. Os
únicos bens então deixados à ação da lei são aqueles bens que podem
ser produzidos à vontade, sem quaisquer limitações, e que ao mesmo
tempo não requerem nada além de trabalho não qualificado para sua
produção. Mas mesmo nesta esfera restrita, a lei do valor-trabalho não
rege absolutamente. Existem algumas outras exceções que são uma
ótima maneira de quebrar seu rigor.
4. Uma quarta exceção ao Princípio do Trabalho pode ser en-
contrada no fenômeno familiar e universalmente admitido de
que mesmo aqueles bens, nos quais o valor de troca corres-
ponde inteiramente aos custos do trabalho, não mostram essa
correspondência em todos os momentos. Pelas flutuações da
oferta e da demanda, seu valor de troca é colocado às vezes
acima, às vezes abaixo do nível correspondente à quantidade
de trabalho incorporado neles. A quantidade de trabalho in-
dica apenas o ponto em torno do qual o valor de troca gravita
— não qualquer ponto fixo de valor. Também a está exceção,
os adeptos socialistas do princípio do trabalho me parecem
fazer pouco caso.
Eles o mencionam, de fato, mas o tratam como uma pequena irre-
gularidade transitória, cuja existência não interfere com a grande “lei”
do valor de troca. No entanto, é inegável que essas irregularidades
sejam apenas um dos tantos casos em que o valor de troca é regulado
por outros determinantes que não a quantidade de custos do trabalho.
Eles poderiam, em todos os casos, ter sugerido a investigação se não

112 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
há talvez um princípio mais universal do valor de troca, ao qual po-
deria ser rastreável, não apenas as formações regulares de valor, mas
também aquelas formações que, a partir do ponto de vista da teoria do
trabalho, parecem ser “irregulares.” Todavia procuraríamos em vão
por qualquer investigação desse tipo entre os teóricos desta escola.
5. Além dessas flutuações momentâneas, é claro que, no caso a
seguir, o valor de troca dos bens diverge constantemente, e isso
não é desprezível, do nível indicado pela quantidade de traba-
lho incorporado neles. De dois bens que custam exatamente a
mesma quantidade de trabalho social médio para ser produ-
zido, aquele que mantém um valor de troca mais alto é aquele
cuja produção requer o maior avanço de trabalho “anterior”.
Ricardo, como vimos, em duas seções do primeiro capítulo de seus
Principles, falou em detalhes dessa exceção ao princípio do trabalho.
Rodbertus e Marx ignoram, sem negá-la expressamente; na verdade,
eles não poderiam fazê-lo muito bem; pois é de conhecimento geral
que um carvalho de cem anos possui um valor maior do que corres-
ponde ao meio minuto de trabalho necessário para plantar a semente.
Resumindo, a suposta “lei” de que o valor dos bens é regulado
pela quantidade de trabalho incorporado neles, não se aplica de for-
ma alguma no caso de uma proporção muito abrangente de bens; no
caso dos outros, não se aplica sempre, tampouco nunca se aplica exa-
tamente. Estes são os fatos da experiência com os quais os teóricos
do valor têm que lidar.
Que conclusões um teórico imparcial pode tirar de tais fatos?
Certamente não a conclusão de que a origem e a medida de todo o valor
devem ser atribuídas exclusivamente ao trabalho. Tal conclusão seria
muito parecida com o processo de deduzir a lei de que toda a eletricida-
de é causada por fricção, a partir da experiência de que a eletricidade é
produzida de muitas maneiras, e muitas vezes é produzida por fricção.
Por outro lado, pode-se muito bem concluir que o dispêndio de
trabalho é uma circunstância que exerce uma poderosa influência
sobre o valor de muitos bens; sempre lembrando que o trabalho não
é uma causa última — pois uma causa última precisa ser comum a

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 113


todos os fenômenos de valor — mas uma causa particular e interme-
diária. Não seria difícil encontrar uma prova dedutiva de tal influ-
ência, embora nenhuma prova dedutiva possa ser dada do princípio
mais abrangente. E, além disso, pode ser muito interessante e impor-
tante traçar com precisão a influência do labor no valor dos bens e
expressar os resultados na forma de leis. Porém, ao fazê-lo, devemos
ter em mente que estas serão apenas leis particulares de valor que
não afetam a natureza universal do mesmo. Usando uma compara-
ção: A lei que formula a influência do trabalho sobre o valor de troca
dos bens estará na mesma relação que a seguinte lei “O vento vindo
do oeste traz a chuva” está para uma teoria Universal da Chuva. O
vento oeste é uma causa intermediária muito geral da chuva, assim
como o dispêndio de trabalho é uma causa intermediária muito geral
do valor; mas a causa final da chuva não é o vento oeste, assim como
a causa do valor não é o trabalho gasto.
O próprio Ricardo apenas ultrapassou um pouco os limites ade-
quados. Como mostrei, ele sabia muito bem que sua lei do valor era
apenas uma lei particular; era de seu conhecimento, por exemplo, que
o valor dos bens escassos repousa sobre outro princípio. Ele apenas
errou ao superestimar em grande medida a extensão em que sua lei
é válida, e, na prática, atribuiu-lhe uma validade quase universal. A
consequência foi que, mais tarde, ele esqueceu quase inteiramente as
pequenas exceções que tinha justamente feito, e que tinha dado pouca
relevância no início de seu trabalho. E, com frequência, falou de sua
lei como se fosse realmente uma lei universal de valor.
Foram seus seguidores míopes que primeiro caíram no erro qua-
se inconcebível de representar deliberada e absolutamente o trabalho
como o princípio universal do valor. Digo, o erro quase concebível,
pois realmente não é fácil entender como homens treinados em pesqui-
sa teórica poderiam, após uma reflexão madura, sustentar um princípio
para o qual poderiam encontrar tão pouco suporte. Eles não poderiam
encontrar nenhum argumento para isso na natureza das coisas, pois
não há nenhuma conexão necessária entre valor e o trabalho; tampou-
co poderiam encontrar na experiência, pois a experiência mostra, pelo

114 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
contrário, que o valor na maior parte das vezes não corresponde ao
trabalho gasto; por fim, nem mesmo na autoridade, pois as autoridades
apeladas nunca sustentaram o princípio com essa pretensiosa univer-
salidade agora dada a ele.
E esse princípio, por mais infundado que seja, os adeptos socia-
listas da teoria da Exploração não sustentam como algo não essencial,
como um pedaço inocente de construção do sistema; eles o colocam
na vanguarda das reivindicações práticas da descrição mais agressiva.
Eles sustentam a lei de que o valor de todas as mercadorias repousa
sobre o tempo de trabalho incorporado neles, a fim de que no momen-
to seguinte eles possam atacar, como “oposto à lei”, “antinatural” e
“injusto”, todas as formações de valor que não se harmonizam com
esta “lei”, — como a diferença de valor que se torna o excedente para
o capitalista — e exigir sua abolição. Assim, eles primeiro ignoram as
exceções para proclamar sua lei do valor como universal.
E, depois de assim assumir sua universalidade, eles novamente
chamam a atenção para as exceções, a fim de rotulá-las como ofensas
contra tal lei. Esse tipo de argumentação é muito semelhante a se assu-
mir que existem muitas pessoas tolas no mundo e ignorar que também
existem muitas sábias; e, assim, chegando à “lei universalmente váli-
da” de que “todos os homens são tolos”, exigir a eliminação dos sábios
com base no fato de que sua existência é obviamente “contrária à lei”!
Critiquei a lei do Valor-Trabalho com toda a severidade que uma
doutrina tão completamente falsa me parecia merecer. Pode ser que
minha crítica também esteja aberta a muitas objeções. Mas uma coisa,
pelo menos, me parece certa: escritores sérios e preocupados em des-
cobrir a verdade não se aventurarão no futuro a se contentar em afir-
mar a lei do valor-trabalho da maneira que tem sido foi feito até agora.
No futuro, qualquer um que pense poder sustentar esta lei será
antes de tudo obrigado a fornecer o que seus antecessores omitiram —
uma prova que possa ser levada a sério. Não citações de autoridades,
nem frases de protesto e dogmatismo, mas uma prova que sincera e
conscientemente entra na essência da questão. Com tal base, ninguém
estará mais pronto e disposto a continuar a discussão do que eu.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 115


Voltando a Marx, compartilhando da ideia equivocada de
Rodbertus de que o valor de todos os bens repousa sobre o trabalho,
ele cai mais tarde em quase todos os erros dos quais acusei Rodbertus.
Fechado em sua teoria do trabalho, Marx também falha em entender
a ideia de que o tempo também exerce influência sobre o valor. Numa
dada ocasião, ele diz expressamente que, no que diz respeito ao va-
lor de uma mercadoria, tanto faz se uma parte do trabalho de sua fa-
bricação foi gasta muito antes ou não.86 Consequentemente, ele não
percebe que há toda a diferença do mundo se o trabalhador recebe o
valor final do produto ao final de todo o processo de produção, ou se
recebe alguns meses ou anos antes; e ele repete o erro de Rodbertus de
reivindicar agora, em nome da justiça, o valor do produto acabado tal
como ele então será.
Outro ponto a ser observado é que, no capital empresarial, Marx
distingue duas partes; das quais uma, em sua terminologia peculiar
chamada capital Variável, é adiantada para os salários do trabalho; a
outra, que ele chama de capital Constante, é adiantada para os meios
de produção. E Marx sustenta que apenas a quantidade do capital va-
riável tem alguma influência sobre a quantidade de mais-valia adqui-
rível,87 sendo a quantidade do capital constante, a este respeito, de
nenhuma importância.88
Mas nisto, tanto Marx como Rodbertus, antes dele, caem em con-
tradição com os fatos; pois os fatos mostram, pelo contrário, que, sob
o funcionamento da lei da assimilação dos lucros, a quantidade de
mais-valia obtida permanece, em todo o campo, em proporção direta à
quantidade do capital total — variável e constante ao mesmo tempo —
que foi gasto. É notável que o próprio Marx tenha tomado consciência

86
P. 175.
87
“A taxa de mais-valor e o valor da força de trabalho sendo dados, as quantidades de mais-valor produ-
zidas estão em proporção direta com as quantidades de capital variável adiantado. [...]
O valor e o grau de exploração da força de trabalho sendo iguais, as quantidades de valor e mais-valor
produzidas por vários capitais estão em proporção direta com as quantidades de constituintes variáveis
desses capitais; isto é, daqueles constituintes que são convertidos em força de trabalho viva” (p. 311, etc.).
“O valor desses meios de produção contributivos pode subir, cair, manter-se inalterado, ser pouco ou
88

muito. Permanece sem qualquer influência na produção de mais-valor” (p. 312).

116 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
do fato de que havia uma contradição aqui89, e achou necessário, em
prol de sua solução, prometer lidar com isso mais tarde.90 Mas a pro-
messa nunca foi nem não pôde ser cumprida.
Finalmente, a teoria de Marx, tomada como um todo, era tão im-
potente quanto a de Rodbertus para dar uma resposta sequer aproxima-
damente satisfatória a uma parte importante dos fenômenos dos juros.
A que hora do dia de trabalho o laboreiro começa a criar a mais-valia
que o vinho obtém, digamos, entre o quinto e o décimo ano de sua per-
manência na adega? Ou é, falando francamente, nada além de roubo
— nada além da exploração do trabalho não remunerado — quando o
operário que enterra a semente no chão não recebe a totalidade das £20
que o carvalho valerá algum dia, quando, sem mais trabalho exercido
pelo homem, tiver crescido e se transformado em uma árvore?
Talvez eu não precise ir mais longe. Se o que eu disse é verdade,
a teoria socialista da Exploração, tal como representada pelo seus dois
adeptos mais ilustres, não é apenas incorreta, mas, em valor teórico,
chega a ocupar um dos lugares mais baixos entre as teorias dos juros.
Por mais sérias que sejam as falácias que possamos encontrar entre os
representantes de algumas das outras teorias, dificilmente penso que
em qualquer outro lugar possamos encontrar juntas um número tão
grande das piores falácias — suposições sem provas, contradições e
cegueira quanto aos fatos. Os socialistas são críticos capazes, embora
teóricos extremamente fracos.
O mundo teria chegado há muito tempo a essa conclusão se o
partido oposto tivesse tido a seu serviço uma pena tão afiada e cortante
quanto a de Lassalle e tão contundente quanto a de Marx.
O fato de que, apesar de sua fraqueza inerente, a teoria da
Exploração tenha encontrado, e ainda encontra, tanta credibilidade,
é devido, na minha opinião, à coincidência de duas circunstâncias. A
primeira é a de ter conseguido deslocar a luta para uma esfera onde o
apelo é geralmente feito às paixões, bem como para a mente. Nesse

89
Pp 204, 312.
90
Pp. 312, 542 no final.

A Teo r ia da E x plo ração – L ivro VI 117


âmbito, seja lá o que queiramos acreditar, acreditamos prontamente. A
condição das classes trabalhadoras é realmente lamentável; todo ben-
feitor precisa desejar que ela fosse melhorada. Muitos lucros, de fato,
fluem de uma fonte impura; todo benfeitor precisa desejar que tais
fontes sequem. Ao considerar uma teoria cujas conclusões se inclinam
a elevar as reivindicações dos pobres e a preterir as reivindicações dos
ricos — uma teoria que concorda parcialmente, ou talvez inteiramen-
te, com os desejos do coração — muitos serão preconceituosos a seu
favor desde o início, e afrouxarão grande parte da severidade crítica
que, em outras circunstâncias, teriam mostrado ao examinar seus fun-
damentos científicos.
E dificilmente é preciso dizer que teorias como essas têm uma
forte atração pelas massas. Sua preocupação não é com a crítica; eles
simplesmente seguem a linha de seus próprios desejos. Eles acreditam
na teoria da Exploração porque é agradável para eles, embora seja
falsa; e eles acreditariam nela ainda que seu argumento teórico fosse
muito pior do que, de fato, é.
Uma segunda circunstância que ajudou a espalhar a teoria foi a
fraqueza de seus oponentes. Enquanto a oposição científica era lidera-
da principalmente por homens que aderiram à teoria da Abstinência,
à teoria da Produtividade ou à teoria do Trabalho de um Bastiat ou
M‘Culloch, de um Roscher ou Strasburger, a batalha não poderia ir mal
para os socialistas. A partir de posições tão mal escolhidas, esses ho-
mens não podiam atacar as verdadeiras fraquezas do socialismo; não era
muito difícil repelir seus ataques fracos e seguir os lutadores triunfante-
mente em seu próprio campo. Isso os socialistas eram fortes o suficiente
para conseguir fazer, tanto com sucesso quanto com habilidade.
Se muitos escritores socialistas conquistaram um lugar perma-
nente na história da ciência econômica, é devido à força e inteligência
com que conseguiram destruir tantas doutrinas errôneas florescentes e
profundamente enraizadas. Este é o serviço, e quase o único serviço,
que o socialismo prestou à nossa ciência. Colocar a verdade no lugar
do erro estava para além do poder dos teóricos da Exploração — ainda
mais além do que estava para seus oponentes muito insultados.

118 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
L I V R O VII

SISTEMAS MENORES
Capítulo I

OS ECLÉTICOS

A
s dificuldades que o problema dos juros apresentou à ciência
da economia política são refletidas, talvez, em nenhum lugar
de forma mais significativa do que no fato de que a maioria
dos escritores econômicos de nosso século não formou nenhuma opi-
nião definitiva sobre o assunto.
Esta indefinição assumiu uma forma diferente em algum lugar
por volta do ano de 1830. Antes dessa data, aqueles que estavam in-
decisos — e naquela época eram muitos — simplesmente evitavam
abordar o problema dos juros. Eles se enquadram naquela categoria
que eu denominei de escola Incolor. Mais tarde, quando o problema
se tornou um assunto comum de discussão científica, essa atitude não
era mais possível.
Os economistas eram obrigados a possuir uma opinião, e aqueles
que não podiam chegar a uma decisão própria se tornaram ecléticos.
As teorias dos juros foram apresentadas em abundância. Escritores
que nem podiam nem queriam elaborar uma teoria por si mesmos, e
tampouco decidir por adotar exclusivamente uma das já apresentadas,
escolheriam as partes que lhes servissem entre duas, três ou mais te-
orias heterogêneas, e as reuniriam naquilo que geralmente se provara
ser um todo bastante mal conectado. Ou, sem sequer tentar obter a
aparência de um todo, eles, no decorrer de seus escritos, empregariam
ora uma, ora outra teoria, como mais adequada para os propósitos que
poderiam ter em vista.
Não é preciso dizer que um ecletismo sobre o qual o dever carde-
al do teórico, a consistência lógica, sendo tão pouco valorizada, não
dá indício de qualquer grau muito alto de excelência teórica. Ainda
assim, aqui também, como já visto com os teóricos Incolores, entre
muitos homens de importância secundária, nós encontramos alguns
escritores de primeira linha. E isso não é de se admirar. O desenvolvi-
mento da teoria tinha sido tão peculiar que, especialmente para escri-
tores habilidosos, a tentação de se tornar eclético deve ter sido quase
avassaladora. Haviam tantas teorias heterogêneas à disposição que se
poderia perdoar aquele que pensasse ser impossível existirem ainda
mais. Uma mente crítica, de fato, não poderia aceitar nenhuma delas
como inteiramente satisfatórias.
No entanto não se poderia ignorar o fato de que em muitas delas
havia pelo menos um núcleo de verdade. A teoria da Produtividade
como um todo, por exemplo, era certamente insatisfatória, mas nin-
guém imparcial poderia deixar de sentir que a existência dos juros
deve ter algo a ver com o maior retorno obtido pela produção capita-
lista, ou, como era geralmente chamado, a produtividade do capital.
Ou, dado que uma explicação completa do juro não se encontrava na
“abstinência do capitalista”, dificilmente se poderia negar que a priva-
ção que a poupança geralmente exige não é uma coisa completamente
sem influência no fato e na quantidade dos juros.
Em tais circunstâncias, nada era mais natural do que os econo-
mistas tentarem juntar os fragmentos da verdade de diferentes teorias.
Essa tendência foi reforçada pelo fato de que a questão social e po-
lítica dos juros, bem como a teórica, estava agora diante do público;
e muitos escritores, em sua ânsia de justificar a existência dos juros,
preferiram desistir da unidade de sua teoria a deixar de amontoar argu-
mentos a seu favor. Como seria de esperar, os fragmentos de verdade
assim coletados permaneceram, nas mãos dos ecléticos, nada além de

122 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
fragmentos, suas bordas ásperas em atrito umas contra as outras e re-
sistindo obstinadamente a todas as tentativas de fazê-las funcionar em
um todo homogêneo.
Há muitas maneiras pelas quais o ecletismo combinou as várias
teorias dos juros. A maior preferência foi mostrada no sentido de uma
combinação daquelas duas teorias que chegaram mais perto da verdade,
a teoria da Produtividade e a teoria da Abstinência. Entre os numero-
sos escritores que seguem nesse sentido, Rossi merece ser mencionado
com alguma extensão; em parte porque sua interpretação da teoria da
Produtividade possui certa originalidade; em parte porque ele pode ser-
vir como um exemplo do método ilógico comum entre os ecléticos.
Em seu Cours d’Economie Politique,91 Rossi faz uso das teorias
da Produtividade e da Abstinência alternadamente, sem fazer qualquer
tentativa de soldar as duas em uma teoria orgânica. Em geral, nas oca-
siões em que ele faz menção geral do fenômeno dos juros e sua ori-
gem, ele segue a teoria da Abstinência; enquanto no que se refere aos
detalhes, particularmente na investigação sobre a taxa de juros, ele
prefere seguir a teoria da Produtividade. Para provar isso, posso dispor
em ordem as passagens mais importantes, sem me esforçar mais do
que o autor fez para torná-las consistentes umas com as outras.
Da maneira tradicional, Rossi reconhece o capital como um fa-
tor de produção ao lado do trabalho e da terra. E que em troca de sua
cooperação, exige uma compensação — lucro. À pergunta do motivo
pelo qual isso ocorre, a resposta é dada provisoriamente nas palavras
místicas, que parecem apontar, antes, para a teoria da Produtividade:
“pelos mesmos motivos e pelo mesmo título que o trabalho” (p. 93).
Mais claramente, e aqui peculiarmente de acordo com a teoria da
Abstinência, Rossi se expressa no resumo da terceira palestra do ter-
ceiro volume: “O capitalista exige a compensação devido à privação
que ele impõe a si mesmo” (iii. p. 32). No decorrer da palestra seguin-
te, ele desenvolve essa ideia com mais afinco. Em primeiro lugar, ele
culpa Malthus por colocar o lucro, que certamente não é uma despesa,

91
Quarta edição, Paris, 1865.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 123


mas uma renda do capitalista, entre os custos de produção — uma crí-
tica, no entanto, que ele poderia ter primeiro tomado para si mesmo,
uma vez que na sexta palestra do primeiro volume ele formalmente, e
da mais explícita forma, enumerou o lucro do capital entre os custos de
produção.92 O verdadeiro componente do custo que ele coloca no lugar
do lucro é a “poupança capitalizada” (l’épargne capitalisée), o não
consumo e o emprego produtivo de bens sobre os quais o capitalis-
ta tem o controle. Mais tarde também encontramos repetidas alusões
(e.g., iii. pp. 261, 291) à renúncia do capitalista ao desfrute como um
fator na originação do lucro.
Se até este ponto Rossi se mostrou, em sua maior parte, um teóri-
co da Abstinência, a partir da segunda metade do terceiro volume nos
deparamos com expressões, primeiro de forma pontual e depois com
mais frequência, que mostram que Rossi também esteve sob a influên-
cia popular da teoria da Produtividade. Ele começa em termos um tan-
to vagos, criando uma conexão entre o lucro e a circunstância de que
“os capitais contribuem para a produção” (iii. p. 258). Um pouco mais
tarde (p. 340), ele diz muito distintamente: “O lucro é a compensação
devida ao poder produtivo” — não mais, como podemos observar,
à privação. Finalmente, a taxa de juros é explicada longamente pela
produtividade do capital.
Ele considera como “natural” que o capitalista receba pela sua
parcela no produto tanto quanto seu capital produziu nele, e isso será
muito se o poder produtivo do capital for grande, e pouco se o poder
produtivo do capital for pequeno. Assim, Rossi chega à lei de que a
altura natural do lucro é proporcional ao poder produtivo do capital.
Ele desenvolve essa lei primeiro no caso em que a produção re-
quer apenas capital em suas operações, sendo o fator trabalho deixado
de fora da conta como incrivelmente pequeno, e apenas o valor de uso
do produto sendo levado em consideração.

92
“Os custos de produção são compostos de (1) a recompensa para os trabalhadores; (2) os lucros do
capitalista ”, etc. (p. 93)

124 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Sob esses pressupostos, ele acha evidente que, se, por exemplo,
o emprego de uma pá em um determinado lote de terra, depois de
substituir o capital estabelecido, adquire vinte alqueires de grãos como
lucro, o emprego de um capital mais eficiente, digamos, um arado, no
mesmo lote de terra, depois de substituir totalmente o capital, trará
mais lucro, digamos sessenta alqueires, “porque um capital de maior
poder produtivo foi empregado.”
Mas o mesmo princípio natural se obtém nas complicadas rela-
ções de nossa vida econômica real. Nela também é “natural” que o
capitalista compartilhe o produto com os laboreiros na proporção do
poder produtivo de seu capital com o poder produtivo dos laboreiros.
Se, em uma produção que até agora empregou uma centena de traba-
lhadores, uma máquina for introduzida num sistema que substitua o
poder de cinquenta trabalhadores, o capitalista tem direito natural à
metade do produto total, ou o salário de cinquenta laboreiros.
Essa relação natural só é perturbada por uma coisa: que o ca-
pitalista desempenha um duplo papel. Ele não só contribui com seu
capital para a cooperação comum, mas ele se conecta com esse se-
gundo negócio: a compra de labor. Em virtude do primeiro, ele sem-
pre receberia o lucro natural que corresponde ao poder produtivo
do capital, e somente isso. Mas, ao comprar mão-de-obra às vezes
barata, às vezes cara, ele pode aumentar seu lucro natural às custas
do salário natural do labor, ou pode desistir de uma parte de seu lucro
em benefício dos laboreiros.
Assim, se os cinquenta trabalhadores substituídos pela máquina
ao competir com os que ficaram no emprego, deprimirem os salários
do labor, pode ser que o capitalista compre o trabalho dos cinquenta
ainda empregados por uma parcela menor do retorno total do que lhes
seria atribuído naturalmente de acordo com a proporção entre seu po-
der produtivo e o poder produtivo do capital.
Digamos que ele compra o labor deles por 40% em vez de 50%
do produto total, um lucro de 10% é adicionado ao lucro natural so-
bre o capital.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 125


Mas isso, embora geralmente classificado com lucro sobre o capi-
tal, é, em sua natureza, inteiramente estranho a ele, e deve ser encara-
do como um lucro obtido pela compra do labor. Não é o lucro natural
sobre o capital, mas essa adição externa que causa um antagonismo
entre capital e labor, e é somente no caso dessa adição que o princípio
de salários caindo à medida que os lucros aumentam e vice-versa tem
alguma validade. O lucro natural e verdadeiro sobre o capital deixa os
salários intocados e depende totalmente do poder produtivo do capital
(palestra iii. pp. 21, 22).
Depois de tudo o que foi dito em capítulos anteriores sobre as te-
orias da Produtividade, podemos dispensar qualquer crítica completa
e detalhada de tais pontos de vista. Vou apenas apontar uma conclusão
monstruosa que segue logicamente da teoria de Rossi. Segundo ele,
todos os retornos excedentes obtidos pela introdução e aperfeiçoamen-
to de máquinas, ou pelo desenvolvimento do capital em geral, devem
fluir, por toda a eternidade, inteiramente para os bolsos dos capitalis-
tas, sem que o laboreiro receba qualquer participação nas vantagens
dessas melhorias; pois esses rendimentos excedentes são devidos ao
aumento do poder produtivo do capital e das resultantes formas da
parcela “natural” do capitalista!93
Na mesma linha de Rossi, e não contribuindo com nada de novo,
encontramos entre os escritores franceses Molinari94 e Leroy-Beaulieu95
e entre os alemães Roscher, com seus seguidores Schüz e Max Wirth.96

93
Veja também a crítica afiada, embora pertinente, de Pierstorff, Lehre vom Unternehmergewinn, p. 93, etc.
94
Cours d’Economie Politique, segunda edição, Paris, 1863. Sua teoria da Produtividade é semelhante à
de Say (e.g., “os juros são uma compensação pelo serviço produtivo do capital,” i. p. 302). Sua teoria da
Abstinência (1, 289, 293, 300) é particularmente insatisfatória por conta do significado peculiar que ele
dá ao conceito de “privação.” Ele se refere ao que o capitalista pode sofrer por conta do capital investido
na produção não estar disponível para a satisfação de necessidades urgentes que possam surgir nesse
meio-tempo. Certamente uma base muito inadequada para uma teoria universal dos juros!
95
Essai sur la Répartition des Richesses, segunda edição, Paris, 1885. Veja particularmente a pp. 236
(Teoria da Abstinência), 233, 238 (Teoria da Produtividade); veja também no vol. 1 desta obra, p. 172.
96
Sobre Roscher, veja anteriormente, p. 170 Schüz, Grundsätze der National-Oekonomie, Tübingen, 1843;
particularmente pp. 70, 285, 296, etc. Max Wirth, Grundzüge der National-Oekonomie, terceira edição, i.
p. 324; quinta edição, i. 327. Veja ainda Huhn, Allgemeine Volkswirtschaftslehre, Leipzig, 1862, p. 204; H.
Bischof, Grundzüge eines Systems der National-Oekonomik, Graz, 1876, p. 459, e particularmente a nota na
p. 465; Schülze-Delitzseh, Kapitel zu einem deutschen Arbeiterkatechismus, pp. 23, 27, 28, etc.

126 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Entre os economistas italianos que seguem a mesma linha ecléti-
ca, Cossa pode ser mencionado. Infelizmente, este admirável escritor,
em sua monografia sobre a concepção do capital97, não estendeu suas
pesquisas à questão dos juros, e temos que seguir as dicas muito es-
cassas que ocorrem em seu famoso Elementi di Economia Politica.98A
partir dele, poderia-se julgar Cossa como um eclético; mas a sua ma-
neira de falar, bem como sua forma de interpretar as doutrinas ordiná-
rias, parece-me, evidentemente, denotar que ele tem alguns escrúpulos
críticos sobre as mesmas.
Assim, ao olhar para os juros como compensação pelo “servi-
ço produtivo” do capital (p. 119), ele se recusa a reconhecer esse
serviço como um fator primário na produção, e apenas permite que
ele substitua um instrumento secundário ou derivado.99 Novamente,
como os teóricos da Abstinência, ele coloca “privações” entre os
custos de produção (p. 65), mas na teoria dos juros adota um tom
que parece implicar que isso não expressava sua própria convicção,
apenas a de outras pessoas.100
Considero ser o de Jevons, o mais interessante desses sistemas ec-
léticos que combinam as concepções de Abstinência e Produtividade,
com o qual terminarei a elucubração sobre esse grupo.101
Jevons começa dando uma declaração muito firme da função eco-
nômica do capital, na qual ele se afasta do misticismo de qualquer “po-
der produtivo” particular. Ele afirma que a função do capital é somente
a seguinte: permitir-nos despender labor antecipadamente. O capital
ajuda os homens a superar a dificuldade causada pelo tempo que de-
corre entre o início e o fim de uma obra. Isso possibilita um número
infinito de melhorias na produção desses bens cuja fabricação depende
necessariamente do alongamento do intervalo entre o momento em

97
La Noziane del Capitale, no Saggi di Economia Politica, Mailand, 1878, p. 155.
98
Sexta Edição, 1883.
99
P. 34, e mais longamente no Saggi.
100
“Os elementos dos juros são dois: primeiro, compensação pelo não uso do capital, ou, como alguns
dizem, pela sua formação, e pelo seu serviço produtivo” (p. 119).
101
Theory of Political Economy, segunda edição, Londres, 1879.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 127


que o labor é exercido e o momento em que o labor é concluído. Todas
essas melhorias são limitadas pelo uso do capital e, na função de tor-
ná-las possíveis, reside o grande e quase único uso do capital.102
Sendo este o fundamento, Jevons explica os juros da seguinte for-
ma. Ele assume que cada extensão de tempo entre o emprego do tra-
balho e o desfrute do resultado torna possível obter um produto maior
com a mesma quantidade de labor.
A diferença entre o produto que teria sido obtido no período mais
curto, e o maior produto que pode ser obtido quando o tempo é es-
tendido, forma o lucro desse capital por meio do investimento cujo
alongamento do intervalo foi possível. Se chamarmos o intervalo mais
curto de t, e o intervalo mais longo possibilitado por um investimento
adicional de capital de t + Δt e, além disso, o produto obtenível por
uma quantidade definida de labor no intervalo mais curto Ft, então,
por hipótese, o produto obtenível no intervalo mais longo será corres-
pondentemente maior; e será F(t+Δt). A diferença dessas duas quanti-
dades F(t+Δt) - Ft é o lucro.
Para determinar a taxa de juros representada por esse montante de
lucro, devemos calcular o lucro sobre o montante de capital pelo qual a
extensão do tempo foi possível. Se Ft é o capital investido, então esta
é a quantidade de produto que poderia ter sido obtida no vencimento
de t, sem qualquer investimento adicional. A duração do investimento
adicional é Δt. O montante total do investimento adicional é, portan-
to, representado no produto = (Ft. Δt). Dividindo o incremento acima
de produto pela última quantidade, a taxa de juros aparece assim —
103

Quanto mais abundantemente um país é abastecido com capi-


tal, maior é o produto Ft obtido sem qualquer novo investimento de
capital; maior também é o capital sobre o qual o lucro obtido por
extensão adicional de tempo é calculado, e menor é a taxa de juros

102
P. 243.
103
P. 266. Jevons expõe a mesma fórmula de outras maneiras que não precisam ser especificadas aqui.

128 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
correspondente a esse lucro. Daí a tendência de queda dos juros com
o avanço da prosperidade.
Uma vez que, além disso, todos os capitais tendem a receber uma
taxa de juros semelhante, todos eles devem se contentar em tomar essa
taxa mais baixa obtida pelo capital adicional investido pela última vez.
Assim, a vantagem conferida à produção pela última adição de capital
determina a altura da taxa de juros habitual no país.
A semelhança dessa linha de pensamento com a do alemão,
Thünen, é óbvia. Apresenta os mesmos pontos fracos às críticas.
Assim como Thünen, Jevons identifica muito levemente o “exceden-
te em produtos” com o “excedente em valor”. O que sua afirmação
realmente parece apontar é um “incremento de produção” devido à
assistência do último incremento de capital. Mas que esse excedente
na produção indica ao mesmo tempo um excedente em valor sobre o
capital consumido no investimento, Jevons não provou em nenhum
lugar. Para ilustrar isso, tomemos um caso concreto.
É fácil entender que um homem empregando máquinas imper-
feitas, embora feitas rapidamente, pode produzir no tempo de um ano
1000 peças de uma determinada classe de bens, e empregando má-
quinas mais perfeitas, com o ônus de levarem mais tempo para serem
feitas, pode produzir no mesmo tempo 1200 peças dos bens. Mas não
há nada aqui que mostre que a diferença de 200 peças deve ser um
excedente líquido em valor.
Duas coisas podem impedir que seja assim. (1) Pode ser que a
maquinaria mais perfeita, para qual o incremento de 200 peças se atri-
bua, deva obter um valor tão alto por conta dessa capacidade que o
incremento de 200 peças seja absorvido pelo valor reservado para a
depreciação. (2) É concebível que o novo método de produção, que
dá esses bons resultados, possa ser empregado tão extensivamente que
o aumento da oferta de produtos pressionaria o valor das 1200 peças
atuais para o mesmo nível que estavam as 1000 peças anteriores. Em
nenhum dos casos haveria valor excedente.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 129


Jevons, portanto, caiu aqui no velho erro dos teóricos da
Produtividade e traduziu mecanicamente o excedente em produtos,
que todos concordariam, em um excedente em valor. É claro que em
seu sistema há tentativas de explicar essa diferença de valor. Mas ele
não relacionou essas tentativas com sua teoria da Produtividade; elas
não completam essa teoria, mas cruzam-na.
Uma dessas tentativas de explicar a diferença de valor se dá quan-
do ele aceita partes da teoria da Abstinência. Jevons cita Senior com
aprovação; ele explica o que Senior chamou de “abstinência” como
aquele “sacrifício temporário de prazer que é essencial para a existên-
cia do capital”, ou como a “resistência do querer”; e ele dá fórmulas
para calcular a quantidade do sacrifício da abstinência (p. 253, etc.).
Ele calcula essa abstinência — às vezes, de fato, escrevendo livremen-
te, ele calcula até mesmo os juros — entre os custos de produção; e em
determinado lugar fala expressamente da renda do capitalista como “
compensação pela abstinência e risco” (p. 295).
Jevons tem algumas observações muito interessantes sobre o efei-
to do tempo na avaliação das necessidades e satisfações. Ele ressalta
que antecipamos prazeres e dores futuras, com a perspectiva de prazer
futuro já sendo sentida como prazer antecipado. Mas a intensidade do
prazer antecipado é sempre menor do que a do próprio prazer futuro,
e depende de dois fatores — a intensidade do prazer antecipado e o
tempo que intervém antes do surgimento do prazer. (p. 36, etc.)
Um tanto quanto estranho, Jevons sustenta que a distinção que fa-
zemos assim na avaliação imediata entre um presente e um desfrute fu-
turo é, corretamente considerada, injustificável. Isso apenas depende,
diz ele, de um erro intelectual, ou um erro de disposição natural; e, pro-
priamente falando, o tempo não deveria ter tal influência. Mesmo assim,
por causa da imperfeição da natureza humana, é um fato que “um sen-
timento futuro é sempre menos influente do que um presente“ (p. 78).
Agora, Jevons está bastante correto ao dizer que esse poder de
antecipação deve exercer uma influência de longo alcance na econo-
mia, pois, entre outras coisas, toda a acumulação de capital depende
disso (p. 37). Mas, infelizmente, ele está satisfeito em deixar de lado

130 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
sugestões da descrição mais geral, e aplicá-las de forma bastante frag-
mentada.104 Ele falha em desenvolver a ideia, ou em dar-lhe qualquer
aplicação frutífera à teoria da renda e do valor. Essa omissão é ainda
mais surpreendente, considerando que existem algumas características
em sua teoria dos juros sugeriram a possibilidade de fazer um bom uso
do elemento tempo na explicação dos juros. Com mais ênfase do que
qualquer um antes dele, ele afirmou o papel desempenhado pelo tempo
em função do capital.
O próximo passo, evidentemente, teria sido investigar se a diferen-
ça de tempo não poderia também exercer uma influência imediata sobre
a valorização do produto do capital, de tal forma que a diferença de va-
lor, sobre a qual os juros se baseiam, poderia ser explicada por ela. Em
vez disso, Jevons, como vimos, persiste no antigo método de explicar os
juros simplesmente pela diferença na quantidade do produto.
Ainda mais óbvio, provavelmente, teria sido conectar sua outra
concepção de “abstinência” com a diferença que fazemos na estima-
tiva dos prazeres presentes e futuros, e explicar o sacrifício que resi-
de no adiamento do desfrute por essa valoração menor da utilidade
futura. Mas Jevons não dá nenhuma expressão positiva a isso. De
fato, indiretamente, ele até o exclui; pois, como vimos, por um lado,
pronuncia a valoração menor como um simples erro causado pela
imperfeição de nossa natureza e, por outro lado, pronuncia a absti-
nência como um sacrifício real e verdadeiro, a saber, a continuação
no estado (doloroso) de necessidade.
Assim, não há frutificação recíproca entre as muitas interessan-
tes e sagazes ideias que Jevons deixa de lado em relação ao nosso
assunto; e o próprio Jevons permanece um eclético de gênio talvez,
mas ainda um eclético.
Um segundo grupo de ecléticos acrescenta ideias tiradas da teoria
do Trabalho em uma ou outra de suas variedades. Primeiro, pode-se

104
Assim, em uma ocasião, ele diz que, sob a influência desse elemento do tempo, no caso da distribuição
de um estoque de bens no presente e no futuro, “menos mercadoria será consignada aos dias futuros em
alguma proporção ao tempo decorrido” (p. 79).

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 131


mencionar Read,105 cujo trabalho, aparecendo como no período em
que a literatura econômica inglesa sobre o assunto dos juros era mais
confusa, mostra um acúmulo peculiarmente inconsistente de opiniões.
Ele começa colocando a maior ênfase no poder produtivo independen-
te do capital, considerando a existência desse poder como algo inques-
tionável. “Quão absurdo”, exclama ele em uma ocasião (p. 83), “deve
parecer afirmar que o trabalho produz tudo e é a única fonte de rique-
za, como se o capital não produzisse nada e não fosse uma fonte real e
distinta de riqueza também! E um pouco mais adiante ele termina uma
exposição do que o capital faz em certos ramos da produção dizendo,
bem no espírito da teoria da Produtividade, que tudo o que resta, após
o pagamento dos trabalhadores que cooperam no trabalho, “pode ser
reivindicado como produto e recompensa do capital.”
Mais tarde ainda, no entanto, ele vê o assunto sob um prisma es-
sencialmente diferente. Ele agora coloca em primeiro plano o fato de
que o próprio capital passa a existir através do labor e da poupança,
e constrói sobre isso uma explicação dos juros, metade no espírito da
teoria do trabalho de James Mill e metade na teoria da abstinência de
Senior. “A pessoa que trabalhou antes, e não consumiu, mas poupou
o produto de seu trabalho, e cujo produto agora é aplicado para ajudar
outro laboreiro no trabalho de produção, tem direito ao seu lucro ou ju-
ros (que é a recompensa pelo labor que ocorreu, e por poupar e preser-
var os frutos desse labor) tanto quanto o laboreiro atual tem direito ao
seu salário, que é a recompensa por seu labor mais recente” (p. 310).
É evidente que esse tipo de hesitação eclética deve resultar em
toda sorte de contradições. Assim, nesta última passagem, o próprio
Read reduz o capital ao labor anterior, embora anteriormente ele ti-
vesse protestado contra isso de forma obstinada.106 Assim também ele
explica que o lucro é um salário para o labor anterior, enquanto em
uma passagem107 anterior ele culpou M‘Culloch mais severamente por
apagar a distinção entre a concepção de lucro e a de salário.

105
An Inquiry into the Natural Grounds of Might to Vendible Property or Wealth, Edimburgo, 1829.
106
P. 131, e geralmente durante todo o argumento contra Godwin, e o tratado anônimo “Labour Defended.”
107
Nota à p. 247.

132 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Com Read pode ser apropriadamente classificado o economista
alemão Gerstner. À “questão familiar” de saber se o capital por si só,
e independentemente das outras duas fontes de bens, é produtivo, ele
responde afirmativamente. Ele acredita que o papel desempenhado
na produção do produto total pelo instrumento de produção que cha-
mamos de capital, pode ser determinado com exatidão matemática,
e sem mais delongas olha para essa parcela como a “renda no lucro
total que é devido ao capital.”108 Com essa franca e concisa teoria da
Produtividade, no entanto, Gerstner combina certos pontos de concor-
dância com a teoria do Trabalho de James Mill; como quando (p. 20)
ele define os instrumentos de produção como “uma espécie de anteci-
pação do trabalho” e, baseado nisso, denomina “o aluguel de capital
que cabe aos instrumentos de produção de salário suplementar pelo
labor previamente realizado” (p.23).
Mas, como Read, ele não pensa na questão que surge naturalmente,
se, nesse caso, o labor previamente realizado não recebeu anteriormente
seus salários a partir do valor de capital do capital e por qual motivo,
além disso, ele ainda recebe uma contribuição eterna na forma de juros.
À mesma divisão dos ecléticos pertencem os economistas france-
ses, Cauwes109 e Joseph Garnier.
Já pontuei110 como Cauwes, com alguma reserva, se mostra um
adepto da teoria do Trabalho de Courcelle-Seneuil. Embora, ao mes-
mo tempo, ele apresente uma série de pontos de vista que têm sua ori-
gem na teoria da Produtividade. Argumentando contra os socialistas,
ele atribui ao capital um “papel ativo” independente na produção ao
lado do trabalho (i. p. 235). Na “produtividade do capital” ele encontra
o que determina a taxa atual de juros dos empréstimos.111 Finalmente,
ele deriva a existência de “valor excedente” da produtividade do capi-
tal em uma passagem, onde ele baseia a explicação dos juros no fato

108
Beitrag zur Lehre vom Kapital, Erlangen, 1857, pp. 16, 22, etc.
109
Précis du Gours d’Economie Politique, segunda edição, Paris, 1881.
110
Veja anteriormente, p. 23.
111
“O princípio então é que a taxa de juros é uma consequência direta da produtividade do capital” (ii. p. 110).

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 133


de que estamos em dívida com o emprego produtivo do capital por um
“determinado valor excedente.”112
Em Joseph Gamier113 encontramos os elementos de nada menos
que três teorias diferentes ecleticamente combinadas. A base de seus
pontos de vista é a teoria da Produtividade de Say, da qual ele até re-
viveu e adotou o recurso há muito rejeitado pela crítica: o de calcular
os juros entre os custos de produção.114 Então, à imitação de Bastiat,
ele considera a “privação” que o credor do capital sofre por meio da
alheamento do mesmo, como a justificação dos juros. Finalmente, ele
declara que os juros convidam e compensam o “esforço de poupar”.115
Todos os ecléticos até agora mencionados combinam uma série
de teorias que, se não concordam no caráter de seus argumentos, pelo
menos concordam nos resultados práticos a que esses argumentos che-
gam. Ou seja, eles combinam teorias que são favoráveis aos juros.
Mas, estranhamente, há alguns escritores que, com uma ou mais teo-
rias favoráveis aos juros, combinam elementos da teoria hostil a ele, a
teoria da Exploração.
Assim, J. G. Hoffmann estabelece uma teoria peculiar que, por
um lado, é favorável aos juros e o explica como a remuneração de cer-
tos labores no serviço público realizados pelos capitalistas.116 Todavia,
por outro lado, ele rejeita distintamente a teoria da Produtividade, que
estava então na moda, falando dela como uma ilusão pensar “que na
massa morta de capital ou terra habitam forças de aquisição” (p. 588);
e em termos bruscos declara que, ao tomar juros, o capitalista toma
para si o fruto do labor de outras pessoas. “O capital”, diz ele, “pode
ser empregado para a promoção do próprio labor, ou para a promoção
do labor de outras pessoas. Neste último caso, um aluguel é devido ao

112
“Vimos que o valor real dos juros dependia do emprego produtivo dado ao capital; uma vez que um
certo valor excedente é devido ao capital, os juros são uma parte desse valor excedente presumivelmente
fixée à forfait (sem consideração de ganho ou perda) que o credor recebe pelo serviço prestado por ele”
(ii. p. 189).
113
Traité d’Economie Politique, oitava edição, Paris, 1880.
114
P. 47.
115
P. 522
116
Kleine Schriften staatswirthschaftlichen Inhalts, Berlim, 1843, p. 566. Veja acima, p. 32.

134 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
proprietário por isso, e este aluguel só pode ser pago a partir do fruto
do labor. Esse aluguel, esses juros, tem tanto a natureza da renda da
terra que, como ele, chega ao receptor a partir do fruto do labor de
outras pessoas” (p. 576).
Ainda mais impressionante é a combinação de opiniões opostas
em J. S. Mill. Esse fato tem frequentemente demarcado uma posição
intermediária de Mill entre duas tendências muito divergentes da eco-
nomia política — a chamada escola de Manchester, por um lado, e o
Socialismo, por outro. É fácil compreender que tal compromisso não
pode, via de regra, ser favorável à construção de um sistema completo
e orgânico — muito menos naquela esfera em que é travada a princi-
pal luta do socialismo e o capitalismo está sendo combatido, a teoria
dos juros. O fato é que a teoria dos juros de Mill entrou em tamanho
emaranhado que seria um grave erro se determinássemos a posição
científica deste distinto pensador na economia política por essa parte
muito malsucedida de sua obra.
Como Mill construiu seu sistema em geral sobre as visões econô-
micas de Ricardo, ele adotou, entre outros, o princípio de que o traba-
lho é a principal fonte de todo o valor. Mas esse princípio é atravessa-
do pela existência real dos juros. Consequentemente, Mill modificou-o
no sentido de tornar o valor dos bens determinado por seus custos de
produção, em vez de pelo trabalho em geral. Entre esses custos de
produção, além do trabalho que constitui “tanto o elemento principal
quanto aproximadamente o todo”, ele encontra espaço para o lucro, e o
dá uma posição independente. O lucro, de acordo com ele, é o segundo
elemento constante nos custos.117
É ainda mais surpreendente que Mill tenha caído no velho erro de
Malthus e descrito um excedente como um sacrifício, que na econo-
mia política inglesa já tenha sido criticado, severa e veementemente,
tanto por Torrens quanto por Senior.
Mas de onde vem o lucro?
Em vez de uma, Mill dá três respostas inconsistentes a essa pergunta.

117
Principles, livro iii. cap. iv. §§ 1, 4, 6; cap. vi. § 1, No. 8, etc.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 135


• Nelas, a teoria da Produtividade tem a menor parcela, e é apenas
em passagens isoladas, e com todo tipo de reservas, que Mill
tende nessa direção. Primeiro, ele explica com certa hesitação
que o capital é o terceiro fator independente na produção. Claro,
o próprio capital é, em si mesmo, produto do labor;
• sua eficiência na produção é, portanto, a do trabalho em forma
indireta. No entanto, ele acha que “requer ser especificado sepa-
radamente.”118 Em termos não menos complexos, ele se expres-
sa sobre a questão de saber se o capital possui produtividade
independente. “Fala-se muitas vezes das ‘forças produtivas do
capital’. Esta expressão não está literalmente correta. As únicas
forças produtivas são as do trabalho e as dos agentes naturais;
• ou se qualquer parte do capital pode, por um abuso da lingua-
gem, ser dito ter uma força produtiva própria, são apenas as
ferramentas e máquinas que, assim como o vento e a água, po-
dem ser ditas como cooperando com o trabalho. O alimento dos
laboreiros e os materiais de produção não têm poder produti-
vo.”119 Assim, as ferramentas são realmente produtivas, enquan-
to as matérias-primas não são – uma distinção tão surpreenden-
te quanto insustentável.
Muito mais decisiva é sua declaração sobre a teoria da
Abstinência de Senior. Ela forma, por assim dizer, a teoria oficial
de Mill sobre os juros. Ela aparece explícita e completamente no
capítulo dedicado ao lucro, e, posteriormente, muitas vezes recor-
re-se a ela no decorrer da obra. “Bem como os salários do laboreiro
são a remuneração do labor”, diz Mill no décimo quinto capítulo do
segundo livro de seu Principles, “assim os lucros do capitalista são
adequadamente, de acordo com a expressão bem escolhida do Sr.
Senior, a remuneração da abstinência. Eles são o que ele ganha ao
deixar de consumir seu capital para seu próprio uso e permitir que
ele seja consumido por laboreiros produtivos para seu uso. Por essa

118
Livro i. cap. vii. § 1.
119
Livro v. § 1.

136 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
indulgência, ele exige uma recompensa.” E afirma distintamente em
outro trecho: “Em nossa análise dos requisitos de produção, desco-
brimos que há outro elemento necessário nela além do trabalho. Há
também capital; e sendo este o resultado da abstinência, o produto ou
seu valor deve ser o suficiente para remunerar não apenas todo o tra-
balho necessário, mas a abstinência de todas as pessoas por quem a
remuneração das diferentes classes de trabalhadores foi antecipada.
O retorno da abstinência é o lucro.”120
Mas, além disso, no mesmo capítulo, sob o título de lucro, Mill
apresenta ainda uma terceira teoria: “A causa do lucro”, diz ele no
quinto parágrafo, “é que o labor produz mais do que o necessário para
seu sustento. A razão pela qual o capital agrícola produz lucro é porque
os seres humanos podem cultivar mais alimentos do que o necessário
para alimentá-los enquanto estão sendo cultivados, incluindo o tempo
ocupado na construção das ferramentas e realizando todas as outras
preparações necessárias; a partir das quais consequentemente, se um
capitalista se compromete a alimentar os trabalhadores na condição de
receber o produto, ele obtém disso uma parte restante para si mesmo
depois de substituir seus adiantamentos.
Para variar a forma do teorema: a razão pela qual o capital produz
lucro é porque alimentos, roupas, materiais e ferramentas duram mais
do que o tempo necessário para produzi-los; de modo que, se um capi-
talista abastece uma equipe de trabalhadores com coisas, na condição
de receberem tudo o que produzem, além de reproduzirem suas pró-
prias necessidades e instrumentos, eles terão uma parte de seu tempo
restante para trabalhar para o capitalista.”
Aqui a causa do lucro é encontrada, não em uma força produtiva
do capital, nem na necessidade de compensar a abstinência do capi-
talista como um sacrifício especial, mas simplesmente nisso, que “o
labor produz mais do que é necessário para seu sustento”; que “os
laboreiros têm uma parte de seu tempo restante para trabalhar para
o capitalista”: em uma palavra, o lucro é explicado de acordo com

120
Livro III. cap. iv. § 4.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 137


a teoria da Exploração, como uma apropriação pelo capitalista da
mais-valia criada pelo trabalho.
Um caminho semelhante, na linha de fronteira entre o Capitalismo
e o Socialismo, é tomado pelos Socialistas alemães de Cátedra. O re-
sultado neste caso também não raramente é um ecletismo, mas de um
tipo que termina mais de acordo com a teoria da Exploração do que foi
no caso de Mill. Vou apenas mencionar aqui o Socialista de Cátedra
que já encontramos repetidamente no decorrer deste trabalho, Schäffle.
Nos escritos de Schäffle, onde ele trata do nosso assunto, três
claras e distintas correntes de pensamento podem ser rastreadas. Na
primeira, Schäffle segue a teoria do Uso de Hermann, que ele enfra-
quece como teoria devido ao aspecto subjetivo que ele dá à concepção
de Uso — assim aproximando-a da segunda de suas teorias.
A primeira corrente predomina no e Gesellschaftliche System der
menschlichen Wirthschaft, e deixou vestígios evidentes mesmo no Bau
und Leben.121 A segunda corrente toma o sentido de tornar o juros um
tipo de renda profissional, uma renda que é obtida pelo capitalista por
certos serviços que ele presta. Essa concepção, que já havia aparecido
no Gesellschaftliche System, é explicitamente confirmada no Bau und
Leben122. Mas, finalmente, junto disso no Bau und Leben, aparecem
numerosas aproximações à teoria socialista da Exploração.
A principal delas é a redução de todos os custos de produção ao
trabalho. Enquanto no Gesellschaftliche System Schäffle123 ainda re-
conhecia os usos da riqueza como um fator independente e elementar
no custo além do trabalho, ele agora diz: “Os custos têm dois consti-
tuintes: dispêndio de bens pessoais através da produção de trabalho
e dispêndio de capital. Mas os últimos custos também podem ser
rastreados até os custos do labor, pois o gasto produtivo de bens reais
pode ser reduzido a uma soma de trabalhos despendidos em períodos

121
Veja no vol. 1 desta obra p. 247.
122
Veja acima na p. 26.
123
i. pp. 258, 268, 271, etc.

138 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
anteriores; todos os custos, portanto, podem ser considerados como
custos do trabalho.”124
Se, portanto, o trabalho que a produção de bens custa é o único
sacrifício econômico que precisa ser considerado, basta apenas um
passo para reivindicar todo o resultado da produção para aqueles que
fizeram esse sacrifício. Assim, Schäffle repetidamente nos dá a enten-
der (e.g., iii. p. 313, etc.) que ele considera a distribuição econômica
ideal de bens como a divisão aos membros da comunidade de acordo
com o trabalho realizado. Nos dias atuais, é claro, a realização desse
ideal ainda é impedida por todos os tipos de obstáculos; entre outros,
pelo fato de que a riqueza como capital serve como um instrumento
de apropriação — em parte uma apropriação ilegal e imoral, em parte
uma apropriação legal e moral do produto do trabalho.125
Schäffle não condena incondicionalmente essa apropriação da
mais-valia pelos capitalistas; ele a deixaria continuar como um ar-
ranjo temporário e artificial enquanto não formos capazes de subs-
tituir o “serviço econômico do capital privado por uma organização
pública mais perfeita, estabelecida por lei, e menos ‘gananciosa de
mais-valia’.”126
Porém, apesar dessa tolerância oportunista, Schäffle muitas vezes
apresenta em termos bruscos o dogma da teoria da Exploração, de
que os juros são um roubo do produto do trabalho de outras pessoas.
Assim, na continuação imediata dessas palavras, ele diz: “Mesmo as-
sim, a organização especulativa e individualista dos negócios não é o
non plus ultra da história das economias. Ela serve para um propósito
social apenas indiretamente. O seu direcionamento imediato não para
a mais alta utilidade líquida do todo, mas sim para a maior aquisição
dos meios de produção por proprietários privados, e para garantir às
famílias dos capitalistas a mais alta vida de prazer.

124
Bau und Leben, iii. p. 273, etc.
125
iii. p. 266, etc.
126
iii. p. 423. Veja também iii. pp. 330, 386, 428, etc.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 139


A posse dos meios de produção, móveis e imóveis, é usada para
se apropriar tanto quanto possível do produto do trabalho nacional.
Proudhon já expôs em plena evidência crítica que o capital impede
o trabalho em uma centena de formas diferentes. A única parte da
qual o trabalhador assalariado está assegurado é a parte que um ani-
mal de carga, dotado de razão e, portanto, incapaz de ser reduzido a
simples necessidades animais, considera necessária para sustentá-lo
na condição de vida em que ele foi colocado por circunstâncias que
são históricas — essa condição é em si necessária para permitir a
competição do capitalista.”

140 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
Capítulo II

A TEORIA DA FRUTIFICAÇÃO POSTERIOR

E
u apontei a ampla disseminação do ecletismo como um sinto-
ma da posição insatisfatória da doutrina econômica de juros.
Nossos economistas selecionam elementos de muitas teorias
quando e porque nenhuma das teorias existentes é suficiente.
Um segundo sintoma que aponta na mesma direção é o fato de
que, apesar do grande número de teorias existentes, não há verificação
da correção das mesmas na literatura sobre o assunto. Desde que o
Socialismo científico trouxe o ceticismo para a antiga escola de opini-
ões, não houve um quinquênio em que alguma nova teoria dos juros
tenha visto a luz do dia. No que respeita àquelas que mantiveram pelo
menos alguns princípios das explicações mais antigas, e as variaram
apenas na forma de aplicar os princípios originais de forma mais rigo-
rosa, tentei classificá-las de acordo com as tendências predominantes
que apresentam, e as incluí nas exposições dos capítulos anteriores.
Mas algumas tentativas recentes encontram um caminho pró-
prio,127 e uma delas parece ser notável o suficiente para exigir uma

127
Por desejo do autor, omito aqui, como de pouco interesse para os leitores ingleses, uma declaração e
crítica da teoria de Schellwien (Die Arbeit und ihr Recht, Berlim, 1882, p. 195, etc.), que ocupa as páginas
477-486 da edição alemã.—W. S.
observação mais completa — a do escritor americano, Henry George.
Pela sua semelhança em ideias fundamentais à teoria da Frutificação
de Turgot, ela pode ser apropriadamente chamada de teoria da
Frutificação Posterior.
A teoria dos juros de George128 ocorre no curso de uma polêmica
contra Bastiat e sua ilustração bem conhecida do empréstimo da plai-
na. O carpinteiro James fez uma plaina para seu próprio uso, mas a
empresta por um ano a outro carpinteiro, William. No final do ano,
ele não se contenta em receber de volta uma plaina igualmente boa,
porque isso não o compensaria pela perda da vantagem que poderia
ter obtido com o seu uso durante o ano e, por isso, ele pede, além dela,
uma nova prancha como juros. Bastiat explicou e justificou o paga-
mento da prancha mostrando que William obtém “o poder que existe
na ferramenta para aumentar a produtividade do trabalho.”129
Essa explicação dos juros a partir da produtividade do capital não é
considerada válida por George, por vários motivos que não nos interes-
sam aqui, e ele prossegue da seguinte forma: “E estou inclinado a pensar
que, se toda a riqueza consistisse em coisas como plainas, e toda a pro-
dução fosse como a dos carpinteiros — ou seja, se a riqueza consistisse
apenas da matéria inerte do universo, e a produção em transformar essa
matéria inerte em diferentes formas — os juros seriam apenas o roubo
da indústria, e não poderiam existir por muito tempo. [...]
Mas toda riqueza não é da natureza de plainas, pranchas ou di-
nheiro, nem toda produção consiste meramente na transformação em
outras coisas da matéria inerte do Universo. É verdade que, se eu guar-
dar dinheiro, ele não aumentará. Mas suponha que, em vez disso, eu
guarde vinho. No final de um ano terei um valor aumentado, pois o vi-
nho terá melhorado em qualidade. Ou suponha que, em um país adap-
tado a elas, eu crie abelhas; no final de um ano, eu terei mais enxames
e o mel que elas produziram. Ou supondo que, onde há uma área de
pastagem, eu crie ovelhas, porcos ou gado; no final do ano, em média,

128
Progress and Poverty. Kegan Paul, 1885.
129
Capital et Rente. Veja anteriormente, p. 338.

142 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
também terei um aumento. Agora, o que dá o aumento nesses casos
é algo que, embora geralmente exija trabalho para utilizá-lo, ainda é
dele distinto e separável — o poder ativo da natureza; o princípio do
crescimento, da reprodução, que em toda parte caracteriza as formas
dessa coisa ou condição misteriosa que chamamos de vida. E parece-
-me que é essa a causa dos juros, ou do aumento do capital para além
do que é devido ao trabalho.”
O fato de que, para a utilização das forças produtivas da natureza,
o trabalho também é necessário, e que, consequentemente, o produto
da agricultura, por exemplo, é, em certo sentido, um produto do tra-
balho, não é suficiente para obliterar a diferença essencial que existe,
de acordo com George, entre os diferentes modos de produção. Nos
modos de produção que consistem “meramente em mudar a forma ou
o lugar da matéria, como o aplainamento de tábuas ou a mineração de
carvão, o trabalho é a única causa eficiente. [...] Quando o trabalho
para, a produção cessa. Quando o carpinteiro larga sua plaina ao pôr
do Sol, o aumento de valor que com ela está produzindo cessa até
que ele recomece seu trabalho na manhã seguinte. Quando o sino da
fábrica toca para encerrar o expediente, quando a mina é fechada, a
produção termina até que o trabalho seja retomado.
O tempo decorrido, no que diz respeito à produção, poderia mui-
to bem ser apagado. O passar dos dias e a mudança de estações não
são elementos na produção que dependem unicamente da quantidade
de trabalho despendido.” Mas nos outros modos de produção “que se
valem das forças reprodutivas da natureza, o tempo é um fator com-
ponente. A semente no solo germina e cresce enquanto o agricultor
dorme ou ara os campos.”130
Até agora, George mostrou como certos tipos naturalmente fru-
tíferos de capital rendem juros. Mas, como todos sabem, todos os
tipos de capital, mesmo aqueles que são naturalmente infrutíferos,

130
Paralelamente às “forças vitais da natureza”, segundo George, funciona também “a utilização das va-
riações nas forças da natureza e do homem por meio de trocas.” Isso também leva a “um aumento que se
assemelha um pouco ao produzido pelas forças vitais da natureza” (p. 129). Mas não preciso aqui entrar
em uma exposição mais exata desse elemento um tanto obscuro, já que o próprio George atribui a ele
apenas um papel secundário na origem dos juros.

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 143


também rendem juros. George explica isso simplesmente com base
na eficiência da lei de equalização de lucros. “Ninguém manteria
o capital em uma forma quando ele poderia ser transformado em
outra mais vantajosa. [...] E assim, em qualquer círculo de troca, o
poder de aumento que a força reprodutiva ou vital da natureza dá a
algumas espécies de capital deve ser a média de todos; e aquele que
empresta ou usa em trocas o dinheiro, plainas, tijolos ou roupas não
é mais privado do poder de obter um aumento do que se ele tivesse
emprestado, ou colocado em um uso reprodutivo, o capital numa
forma capaz de fazê-lo aumentar.”
Voltando à ilustração de Bastiat: a razão pela qual William, no fi-
nal do ano, deve devolver a James mais do que uma plaina igualmente
boa, não está no aumento da potência “que a ferramenta proporciona
ao trabalho”, pois “isso não é um elemento […] mas decorre do ele-
mento tempo — a diferença de um ano entre o empréstimo e a devo-
lução da plaina. Agora, se a visão está confinada à ilustração, não há
nada que sugira como esse elemento deve operar, pois uma plaina no
final do ano não possui maior valor do que no início.
Mas se substituirmos a plaina por um bezerro, fica claro que, para
colocar James em uma posição tão boa quanto se ele não tivesse em-
prestado, William, no final do ano, deve devolver não um bezerro, mas
uma vaca. Ou, se supusermos que os dez dias de trabalho foram dedica-
dos ao plantio de milho, é evidente que James não teria sido totalmen-
te recompensado se, no final do ano, tivesse recebido apenas a mesma
quantidade de milho plantado, pois, durante o ano, o milho plantado
teria germinado, crescido e se multiplicado; portanto, se a plaina tivesse
sido dedicada à troca, poderia ter sido trocada várias vezes durante o
ano, e cada aumento geraria um aumento para James. [...] Em última
análise, a vantagem proporcionada pelo lapso de tempo decorre da força
geradora da natureza e dos poderes variáveis da natureza e do homem.”
A semelhança de tudo isso com a teoria da Frutificação de
Turgot é óbvia. Ambas começam com a ideia de que em certos ti-
pos de bens reside, como um dom natural, a capacidade de produzir
um incremento de valor; e ambas demonstram que, sob a influência

144 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
das transações de troca e dos esforços dos homens econômicos para
obter a posse dessa frutificação mais remuneradora, o dom deve se
tornar artificialmente a propriedade geral de todos os tipos de bens.
Elas diferem apenas no fato de que Turgot coloca a fonte do incre-
mento de valor completamente fora do capital, em terras rentáveis,
enquanto George a busca dentro da esfera do capital, em certos tipos
de bens naturalmente frutíferos.
Essa diferença evita a objeção mais pesada que tivemos de le-
vantar contra Turgot. Ele havia deixado sem explicação como é pos-
sível comprar, por uma soma relativamente pequena de capital, terras
que produzem sucessivamente uma soma infinita de renda, e garantir
a vantagem de uma frutificação duradoura para o capital infrutífero.
Com George, por outro lado, parece não ser necessário provar que
a riqueza infrutífera é trocada na mesma proporção que a frutífera.
Como a última pode ser produzida em qualquer quantidade à vontade,
a possibilidade de aumentar a oferta de tais bens não permitirá que eles
desfrutem de um nível de preço mais alto do que os bens infrutíferos
que custam tanto para ser produzidos.
Por outro lado, a teoria de George está aberta a duas outras críti-
cas, que são, penso eu, decisivas.
Primeiro, a separação da produção em dois grupos, em um dos
quais as forças vitais da natureza formam um elemento distinto além
do trabalho, enquanto no outro não, é totalmente insustentável. George
repete aqui, de forma um pouco alterada, o antigo erro dos fisiocratas,
que não admitiam que a natureza cooperasse no trabalho de produção,
exceto em um único ramo, o da agricultura. As ciências naturais já nos
disseram há muito tempo que a cooperação da natureza é universal.
Toda a nossa produção se baseia no fato de que, pela aplicação de for-
ças naturais, colocamos matéria imperecível em formas úteis.
O fato de o poder natural do qual nos valemos para isso ser vegetati-
vo ou inorgânico, mecânico ou químico, não faz diferença alguma na re-
lação que o poder natural tem com nosso trabalho. Não é nada científico
dizer que, na produção por meio de uma plaina, “somente o trabalho é a
causa eficiente.” O movimento muscular do homem que utiliza a plaina

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 145


seria de muito pouca utilidade caso os poderes naturais e as propriedades
de sua borda de aço não viessem em seu auxílio. É mesmo verdade que,
devido ao caráter do aplainamento da tábua como uma “simples mu-
dança de forma ou lugar do material”, a natureza, nesse caso, não pode
nada fazer sem trabalho? Não podemos fixar a plaina em uma máquina
automática e fazê-la ser impulsionada pela força de um fluxo; e a plaina,
incansável, não continuaria a produção mesmo enquanto o carpinteiro
dormisse? O que mais a natureza faz no cultivo de grãos?
Em segundo lugar, George não explicou aquele fenômeno pré-
vio dos juros pelo qual ele procura explicar todos os outros. Ele diz
que todos os tipos de bens devem render juros, porque eles podem ser
trocados por sementes de milho, gado ou vinho, e estes rendem juros.
Mas por que rendem?
Muitos leitores talvez pensem, à primeira vista, como o próprio
George evidentemente pensa, que isso é autoevidente. É evidente que
dos dez grãos de trigo, nos quais um único grão se multiplicou, vale
mais do que o único grão que foi semeado; que a vaca adulta vale mais
do que o bezerro do qual ela cresceu. Mas seria bom considerar que
não se trata de dez grãos simplesmente crescendo a partir de um. A
ação da terra cultivada e um certo dispêndio de trabalho tiveram uma
participação nisso. E o fato de dez grãos valerem mais do que um grão
+ a ação do solo e + o trabalho despendido, não é algo autoevidente.
Tampouco é autoevidente que a vaca vale mais do que o bezerro + a
forragem que ela consumiu durante seu crescimento + o trabalho que
sua criação exigiu. E, no entanto, é apenas sob essas condições que os
juros podem recair sobre o grão de trigo ou sobre o bezerro.
De fato, mesmo no caso do vinho que melhora com o passar do
tempo, não é de forma alguma autoevidente que o vinho que se tornou
melhor tenha mais valor do que o vinho inferior e imaturo. Pois em
nosso método de avaliar os bens que possuímos, seguimos sem hesita-
ção o princípio de antecipar o uso futuro.131 Não estimamos o valor de
nossos bens de acordo com o uso — pelo menos não os valorizamos

131
Veja minhas observações sobre o “Cálculo da riqueza “ em Rechte und Verhältnisse, p. 80, etc.

146 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
apenas de acordo com o uso — que eles nos trazem no momento, mas
também de acordo com o uso que eles nos trarão no futuro. Atribuímos
ao campo, que no momento está em pousio inútil, um valor em relação
à colheita que ele trará em breve. Damos um valor, mesmo agora, aos
tijolos, vigas, pregos, grampos, etc., que não nos trazem nenhuma uti-
lidade quando estão nessa condição, em consideração ao uso que nos
proporcionarão quando forem montados em algum momento futuro no
formato de uma casa.
Valorizamos o mosto em fermentação, que, como tal, não pode-
mos utilizar, pois sabemos que, em breve, ele se tornará um vinho
útil. Assim, também podemos valorizar o vinho imaturo, pois sabe-
mos que se tornará um excelente vinho depois de amadurecido, pela
quantidade de uso que ele nos proverá quando nesse estágio. Mas se
atribuirmos a ele aqui e agora um valor correspondente a esse uso
futuro, não haverá espaço para um aumento de valor nem para os
juros. E por que não deveríamos?
E se não atribuirmos esse valor, ou não concerdemos exatamente
este valor, a causa certamente não se encontra, como George imagina,
nos poderes produtivos da natureza que o vinho possui. Pois o fato
de haver forças vitais da natureza no mosto em fermentação, que por
si só é até prejudicial, ou no vinho não amadurecido, que por si só
é de pouca utilidade; e o fato dessas forças vitais tenderem a forne-
cer um produto valioso, pode, na natureza das coisas, apenas fornecer
uma base para avaliar os bens que contêm essas forças preciosas em
grandes quantidades. Se, no entanto, nós os avaliamos por um valor
relativamente baixo, não o fazemos por conterem forças naturais úteis,
mas apesar disso. O valor excedente dos produtos da natureza, ao qual
George recorre, não é, portanto, autoevidente.
George faz uma tentativa de explicar esse valor excedente, em-
bora ela deva ser considerada muito fraca. Ele diz que o tempo, assim
como o trabalho, constitui um elemento independente em sua produ-
ção. Mas isso é realmente uma explicação, ou é uma evasão da expli-
cação? Como a pessoa que joga uma semente de milho na terra pode
receber uma compensação, do valor do produto, não apenas por seu

Sist em a s Me no re s – L ivro VI I 147


trabalho, mas também pelo tempo em que a semente ficou no solo e
cresceu? O tempo é, então, o objeto de um monopólio? Tal argumento
quase leva a recordar as palavras ingênuas do velho canonista, de que
o tempo é um bem comum a todos, tanto ao devedor como ao credor,
da mesma forma que é para o produtor como é para o consumidor.
É claro que George não se referia ao tempo, mas aos poderes
vegetativos da natureza que de fato funcionam durante o tempo. Mas
como o produtor conseguiria ser pago por essas forças vegetativas da
natureza por meio de um valor excedente especial no produto? Esses
poderes naturais são, então, objetos de monopólio? Eles não são aces-
síveis a todo homem que possui uma semente de milho? E não pode
cada um se colocar na posse de uma semente de milho?
Uma vez que a produção de sementes de milho pode ser indefi-
nidamente aumentada pelo trabalho, a quantidade de milho não au-
mentaria constantemente enquanto o monopólio das forças naturais
imanentes ao grão fizesse com que sua posse parecesse peculiarmente
vantajosa? E, por essa razão, a oferta não aumentaria inevitavelmente
até que o lucro extra devido a esse monopólio fosse absorvido e a pro-
dução de milho não se tornasse mais remuneradora do que qualquer
outro tipo de produção?
O leitor cuidadoso notará que nesta discussão voltamos ao mes-
mo sulco de ideias em que fomos trazidos por nossa crítica à teoria da
Produtividade de Strasburger.132 Nesta parte do seu trabalho, George
subestimou o problema dos juros da mesma forma que fez Strasburger,
apenas em maior medida e com ainda mais ingenuidade. Ambos apres-
sadamente concluem que os poderes da natureza são a causa dos juros.
Mas, Strasburger pelo menos fez uma tentativa de investigar exata-
mente a suposta conexão causal entre os dois e segui-la em detalhes.
George, ao contrário, não nos dá nada além de afirmações que consi-
deram como certo que, em certas produções, o tempo é um “elemen-
to”. Certamente não é dessa maneira superficial que o grande proble-
ma deve ser resolvido.

132
Veja no vol. 1 desta obra, p. 220.

148 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
CONCLUSÃO
CONCLUSÃO

N OSSA atenção tem sido fixada por muito tempo em teorias in-
dividuais. Iremos, em conclusão, considerar o assunto como
um todo. Vimos o surgimento de uma variedade heterogênea
de teorias dos juros. Consideramos todas cuidadosamente e as testamos
minuciosamente. Nenhuma delas contém toda a verdade. Seriam, por
isso, completamente infrutíferas? Tomadas em conjunto, não formam
nada além de um caos de contradição e erro, que não nos deixa mais
perto da verdade do que quando começamos? Não é verdade que, em
meio ao emaranhado de teorias contraditórias, há uma linha de desen-
volvimento que, se não conduziu à verdade, pelo menos indicou o ca-
minho para encontrá-la? E como corre a linha desse desenvolvimento?
Não posso apresentar melhor a resposta a essa última pergunta do
que pedir aos meus leitores que, mais uma vez, coloquem claramente
em suas mentes a essência do nosso problema. Qual é, de fato, o pro-
blema dos juros?
O problema é descobrir e expor as causas que guiam para as mãos
dos capitalistas uma porção do fluxo de mercadorias que flui anual-
mente da produção nacional. Não pode haver dúvida, então, que o
problema dos juros é um problema de distribuição.
Mas em que parte do fluxo é que a corrente se ramifica em ramos
distintos? Nesse ponto, o desenvolvimento histórico da teoria trouxe à
luz três pontos de vista essencialmente diferentes, e esses pontos de vis-
ta levaram a três concepções fundamentais distintas de todo o problema.
Vamos nos ater por um momento à figura do curso de um rio: ela
servirá muito bem ilustrar o assunto. A fonte representa a produção de
bens; a foz, a divisão final em rendas, por meio da qual as necessida-
des humanas são satisfeitas; o curso do rio representa o estágio entre
a fonte e a divisão final, em que os bens passam de mão em mão nas
transações econômicas e recebem seu valor pela estimativa humana.
Agora, as três visões são as seguintes. Uma visão diz que a parte
do capitalista já está separada da primeira. Três fontes distintas—natu-
reza, trabalho e capital—cada uma em virtude de sua força produtiva
inerente produz uma quantidade definida de bens, com uma quantida-
de definida de valor, e exatamente a mesma quantidade de valor que
fluiu de cada fonte é descarregada na renda das pessoas que detentoras
da fonte. Não se trata tanto de um fluxo, porém, de três, que fluem jun-
tos por muito tempo no mesmo leito. Mas suas águas não se misturam,
e na foz eles se dividem novamente na mesma proporção de quando
saíram de suas fontes distintas. Essa visão transfere toda a explicação
para a fonte de riqueza; trata o problema dos juros como um problema
de produção. Essa é a visão das teorias Ingênuas da Produtividade.
A segunda visão é diretamente oposta à primeira. Ela encontra
a divisão primeiro e exclusivamente quando deságua. Só existe uma
fonte, o trabalho. Dele jorra todo o fluxo de riqueza, único e indivisí-
vel. Até mesmo o curso é indivisível; no valor dos bens não há nada
que prepare o caminho para uma divisão deles entre diferentes partici-
pantes, pois todo valor é medido simplesmente pelo trabalho. É apenas
na foz, exatamente onde o fluxo de riqueza está prestes a desaguar, e
deve desaguar na renda dos trabalhadores que a produzem, que, de
cada lado, os proprietários de terra e os proprietários de capital forçam
uma barragem ao rio e desviam à força uma parte do fluxo para sua
propriedade própria.
Esta é a visão da teoria socialista da Exploração. Nega-se aos
juros qualquer histórico anterior nos estágios iniciais da jornada de
riqueza. Ela vê nele simplesmente o resultado de uma apropriação
inorgânica, acidental e violenta. Trata o problema como puramente de
distribuição ou divisão no sentido mais ofensivo da palavra.

152 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
A terceira visão fica no meio do caminho entre as duas. De acordo
com ela, há duas, talvez até três, fontes das quais flui o fluxo indiviso
de riqueza. Mas, em seu curso, esse fluxo sofre as influências que criam
valor e, sob essas influências, ele imediatamente começa a se separar
novamente. Ou seja, em seu cálculo dos valores de uso (e dos valores de
troca baseados neles), os homens valorizam a importância que atribuem
a diversos bens e classes de bens, levando em consideração a quantida-
de e a intensidade de suas necessidades, por um lado, e a quantidade de
meios disponíveis para satisfazê-los por outro, e assim chegam a fazer a
divisão entre os bens; eles elevam um e rebaixam outro.
Assim, surgem complicadas diferenças de nível, complicadas
tensões e atrações, sob a influência das quais o fluxo de mercadorias
é gradualmente dividido em três ramos, cada um com sua foz especí-
fica. Uma foz despeja na renda dos proprietários da terra; a segunda
na dos trabalhadores; a terceira na dos capitalistas. Mas esses três
ramos não são idênticos às duas ou três fontes, nem mesmo corres-
pondem a elas em termos de força. O que determina a força de cada
ramo em sua foz não é a força de cada nascente em sua fonte, mas a
quantidade que a formação de valores forçou a partir do fluxo unido
em cada um dos três ramos.
Esta é, então, a visão em que todas as restantes teorias dos juros
concordam. Elas encontram a divisão final já sugerida no estágio de
formação de valores e, portanto, consideram seu dever levar sua teoria
de volta a essa esfera. Elas complementam e ampliam o problema de
distribuição de juros em um problema de valor.
Qual dessas três concepções fundamentais é a correta? Para
qualquer observador moderado e sincero, a resposta não pode per-
manecer duvidosa.
Certamente não é a primeira. Não apenas o capital não é uma
fonte original de riqueza — uma vez que é sempre fruto da natureza e
do trabalho — mas, como já provamos suficientemente, não há poder
algum em um fator de produção para produzir seus produtos físicos
com um valor definido associado a eles. Na produção de mercadorias,
nem o valor em geral, nem o valor excedente em particular, nem os

Co nclu s ão 153
juros sobre o capital vêm prontos para o mundo. O problema dos juros
não é um simples problema de produção.
Todavia, a segunda concepção também não pode ser a correta.
Os fatos estão contra ela. Não é pela primeira vez na distribuição de
mercadorias, mas antes disso, na formação de valor, que um elemento
estranho se intromete ao lado do trabalho. Um carvalho de cem anos,
que durante seu longo crescimento exigiu apenas o emprego de um
único dia de trabalho, possui um valor cem vezes mais elevado quando
comparado à cadeira que outro dia de trabalho produziu a partir um
par de tábuas. Neste caso, o tronco de carvalho, o produto do trabalho
de um dia, não se torna imediatamente cem vezes mais valioso do que
a cadeira que custa o trabalho de um dia. Mas, dia após dia, ano após
ano, o valor crescente do carvalho diverge do valor da cadeira. E como
acontece com o valor do carvalho, assim o é com o valor de todos
esses produtos cuja produção custa, não apenas trabalho, mas tempo.
Agora, são as mesmas forças de trabalho silenciosas e obstinadas
que, passo a passo, separaram o valor do carvalho do valor da cadeira
que, ao mesmo tempo, produziram juros sobre o capital. Essas forças,
que entram em vigor muito antes das mercadorias serem distribuídas,
definiram a futura linha de limite entre o salário do trabalho e os juros
sobre o capital. Pois, o trabalho não pode ser pago com base em outro
princípio que não seja “salário igual para trabalho igual.” Mas, se o
valor dos bens produzidos por trabalho semelhante se tornar diferente
devido à ação dessas forças, o nível semelhante de salários não poderá
ser mantido em todos os lugares e coincidir com o aumento desigual
no valor dos bens.
Somente o valor dos bens não favorecidos dessa forma diminui de
nível e é apropriado pela taxa geral de salários que ele determina. Todos
os bens favorecidos sobem acima desse nível na proporção em que fo-
ram favorecidos pela formação de valor e não puderam ser apropriados
pela taxa geral de salários. Portanto, quando chega a divisão final, de-
pois que todos os trabalhadores tiverem recebido salários iguais por tra-
balho igual, esses bens favorecidos devem, por si mesmos, deixar algo
sobre o qual o capitalista pode e tem permissão para se apropriar. Eles

154 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
deixam esse algo a mais, não porque no último momento o capitalista,
por meio de sua súbita captura do espólio, força artificialmente a redu-
ção do nível dos salários abaixo do nível do valor das mercadorias, mas
porque, muito antes, as tendências da formação de valor haviam elevado
o valor das mercadorias que custam trabalho e tempo acima do valor das
outras mercadorias que custam apenas trabalho, produzindo seu resulta-
do de uma só vez; — o valor do qual o trabalho posterior, uma vez que
deve ser suficiente para satisfazer o trabalho de sua produção, forma, ao
mesmo tempo, o padrão para a taxa geral de salários.
Assim falam os fatos. As conclusões às quais eles nos obrigam
a chegar são claras. O problema dos juros é um problema de distri-
buição. Porém, a distribuição possui uma história anterior e deve ser
explicada por ela. As somas de riqueza não se distanciam umas das
outras de repente; as linhas divergentes que elas seguem foram silen-
ciosa e gradualmente cortadas em estágios anteriores de sua trajetória.
Quem quiser realmente entender a distribuição e explicá-la de fato,
deve voltar à origem do sulco silencioso, mas distinto, dessas linhas
de divisão, e isso o levará à esfera do valor.
É aqui que o esforço principal deve ser feito na explicação dos
juros. Quem quer que trate o problema como um simples problema de
produção interrompe sua explicação antes de chegar ao ponto princi-
pal. Quem quer que o trate como um problema de distribuição, e de
distribuição apenas, inicia depois que o ponto principal é ultrapassado.
É somente o economista que se compromete a esclarecer esses notá-
veis aumentos e quedas de valor, onde os aumentos são os valores
excedentes, que pode esperar, ao explaná-los, explicar os juros de uma
forma realmente científica. O problema dos juros, em última instância,
é um problema de valor.
Se mantivermos isso em mente, encontraremos facilmente a ordem
de mérito em que esses diferentes grupos de teorias se enquadram, e deter-
minaremos para onde se estende a linha ascendente do desenvolvimento.
Duas teorias erraram completamente o caráter do problema dos
juros; juntas — uma formando a contrapartida da outra — elas consti-
tuem a etapa mais baixa do desenvolvimento. São elas a teoria Ingênua

Co nclu s ão 155
da Produtividade e a teoria socialista da Exploração. Pode parecer es-
tranho mencionar essas duas ao mesmo tempo. Quão amplamente di-
vergem nos resultados que chegam! Quão superiores os adeptos da
teoria da Exploração consideram seus argumentos aos pressupostos
ingênuos dos teóricos da Produtividade! Quão orgulhosamente eles
proclamam sua própria atitude crítica avançada! A associação, no en-
tanto, é justificada. Em primeiro lugar, as duas teorias concordam no
que não fazem. Nenhuma delas toca no problema distinto.
Nenhuma delas gasta palavras tentando explicar essas oscilações
peculiares geradas pelo valor das mercadorias e das quais surge o va-
lor excedente. A teoria da Produtividade se contenta em dizer, em em
relação a essas oscilações de valor, que foram produzidas. A teoria
da Exploração, quase de forma ainda mais culposa, nem sequer as
nota; para ela, não existem; para ela, por mais que os fatos do mundo
econômico possam ser contrários, o nível do valor dos bens concorda
simplesmente com o nível do trabalho empregado neles.
Não apenas as negações, mas as ideias positivas unem essas
duas teorias mais estreitamente do que se poderia acreditar. Na ver-
dade, elas são o fruto de um mesmo ramo; filhas de uma mesma
suposição ingênua de que o valor cresce a partir da produção, assim
como folha no campo.
Essa suposição possui uma importante história própria na literatu-
ra econômica. Em formas que mudam constantemente, tem governado
nossa ciência por cento e trinta anos e, ao forçar a explicação do fe-
nômeno fundamental em uma direção errada, tem impedido seu pro-
gresso. Primeiro, aparece na doutrina fisiocrata que a terra cria todo
o excedente de valor por sua própria fecundidade. Se Adam Smith
retirou a força dessa suposição, Ricardo a eliminou completamente.
Mas, antes que a primeira forma fenomênica tivesse desapareci-
do completamente, Say a introduziu pela segunda vez na ciência em
uma forma nova e ampliada. Em vez do único poder produtivo dos
fisiocratas, aparecem três poderes produtivos, que produzem valores
e excedentes de valor exatamente da mesma forma que os fisiocratas
produziam anteriormente a produit net. Sob essa forma, a suposição

156 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I
manteve a ciência sob sua influência por dez longas décadas. Por fim,
o feitiço foi quebrado, em grande parte através da crítica apaixonada,
mas louvável, dos teóricos socialistas. Mas, ainda assim, sua vitali-
dade se impôs. Abandonando a forma, mas não a substância, ela con-
seguiu se salvar sob um novo disfarce e, por uma capricho estranho
do destino, encontrou seu novo lar nos escritos daqueles que mais se
opuseram a ela, os Socialistas.
Os poderes de criação de valor haviam desaparecido; o poder de
criação de valor do trabalho permanecia e, com ele, a velha fragilidade
fatal de que, em vez das sínteses sutis da formação de valor que deve-
riam ser o trabalho e o orgulho de nossa ciência desvendar, não havia
nada além de uma forte suposição ou, na medida em que uma suposi-
ção não fosse suficiente, uma negação ainda mais robusta.
Assim, a teoria Ingênua da Produtividade do capital e a teoria
emancipada dos socialistas são sistemas gêmeos. Na medida em que
esta última aspira a ser uma teoria crítica, tudo bem; realmente é,
mas também é obviamente uma doutrina ingênua. Critica um ex-
tremo ingênuo apenas para cair em um extremo oposto não menos
ingênuo. Ela nada mais é do que a contraparte há muito atrasada da
teoria Ingênua da Produtividade.
Em comparação com ela, as demais teorias dos juros podem re-
ceber crédito por estarem um degrau acima. Elas buscam a solução do
problema dos juros nos fundamentos em que a solução deve ser real-
mente encontrada, os fundamentos do valor. Os respectivos méritos
dessas teorias, no entanto, são diferentes.
Aqueles que procuram explicar os juros por meio do mecanismo
externo da teoria dos custos precisam arcar com uma pesada desvan-
tagem na suposição de que o valor surge a partir da produção. Sua
explicação sempre deixa algo a mais por esclarecer. Tão certo quanto o
fato de que as forças fundamentais que colocam em movimento todos
os esforços econômicos dos homens são seus interesses, egoístas ou al-
truístas, também é certo que nenhuma explicação dos fenômenos eco-
nômicos pode ser satisfatória quando os fios da explicação não se es-
tendem ininterruptamente até essas forças fundamentais e indubitáveis.

Co nclu s ão 157
É por isso que as teorias de custo fracassam. Ao pensarem que encon-
tram o princípio do valor — desse motivador intermediário universal e
orientador dos assuntos econômicos humanos — não em uma relação
ao bem-estar humano, mas em um fato seco da história externa da fa-
bricação de bens, nas condições técnicas de sua produção, eles seguem
o fio da explicação para um cul-de-sac [beco sem saída], do qual é im-
possível encontrar um caminho para o interesse psicológico — motivo
para o qual toda explicação satisfatória deve retornar. Essa condenação
se aplica à maioria das teorias de juros que estamos considerando, por
mais diferentes que sejam quando individualmente consideradas.
Por fim, um degrau acima na classificação estão as teorias que
se afastaram completamente da antiga superstição de que o valor dos
bens vem de seu passado, em vez de seu futuro. Essas teorias sabem o
que desejam explicar e em que direção a explicação deve ser buscada.
Se elas, não obstante, não descobriram toda a verdade, foi antes o re-
sultado de um acidente; enquanto suas antecessoras, separadas do ca-
minho correto de sua busca pelo bloqueio da suposição, buscaram-na
em uma direção errada e, portanto, procuraram em vão.
A etapa mais alta do desenvolvimento é indicada em certas for-
mulações individuais da teoria da Abstinência, mas principalmente
nas teorias do Uso posteriores; e aqui é a teoria de Menger que, em
minha opinião, parece ser o ponto mais alto do desenvolvimento até
agora. E isso não porque sua solução positiva seja a mais completa,
mas porque sua formulação do problema o é — duas coisas das quais,
como frequentemente ocorre, a segunda talvez seja mais importante e
mais difícil do que a primeira.
Sobre os alicerces assim assentados procurarei encontrar para o
incômodo problema uma solução que nada invente e nada pressupo-
nha, mas que tente simples e verdadeiramente deduzir os fenômenos
da formação dos juros a partir dos mais simples princípios naturais e
psicológicos de nossa ciência.
Devo apenas mencionar o elemento que me parece envolver toda
a verdade. É a influência do Tempo na valorização humana dos bens.
Expandir essa proposição deve ser a tarefa da segunda e positiva parte
de meu trabalho: Teoria Positiva do capital.

158 C a pi ta l e Ju ro s – Vo lu m e I I

Você também pode gostar