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Tipologias textuais: narração e descrição

Prof.ª Aline Saddi Chaves

Descrição Definição, explicação e exemplos de textos narrativos e descritivos.

Propósito Definir, explicar e exemplificar as tipologias textuais de narração e descrição para


ampliar a competência escritora.

Objetivos

Módulo 1 Módulo 2

Tipologia textual narrativa Tipologia textual descritiva


Reconhecer a tipologia textual de narração. Reconhecer a tipologia textual de descrição.
:
Introdução
Narrar acontecimentos, ações e experiências ou descrever objetos,
pessoas e procedimentos são atividades muito comuns no nosso
dia a dia, incluindo situações informais e formais.

Talvez você não encontre tanto problema ao fazer isso de modo


espontâneo e por meio da fala, mas é possível que a coisa se
complique quando você precisa narrar ou descrever por meio da
escrita.

Por isso, estudaremos acerca desses dois tipos de texto,


aprendendo sobre a elaboração de textos narrativos e descritivos.

1 - Tipologia textual narrativa


Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer a tipologia textual de narração.
:
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer a tipologia textual de narração.

Elementos centrais da narrativa

Atores, tempo e espaço nas


narrativas
A tipologia textual faz parte dos aspectos formais dos gêneros
discursivos, caracterizando-se por uma certa escolha dos recursos
estilísticos, isto é, linguísticos; e pela organização das partes do texto.
Dentre as tipologias textuais existentes desde os primórdios da
linguagem humana (inicialmente, falada; depois, escrita), encontramos
a narração, a descrição, a argumentação, a exposição, a injunção e o
diálogo.

Neste módulo, vamos conhecer a tipologia textual narrativa, partindo de


uma concepção de texto como atividade de linguagem, produto de um
dado gênero discursivo.

Tal concepção implica considerar


que os textos materializam
hábitos de linguagem socio-
historicamente constituídos,
manifestando-se por traços
funcionais (a esfera de atividade
humana) e formais (aspectos
linguísticos e textuais) mais ou
menos estáveis.

Dentre estes traços, a tipologia textual ocupa um lugar à parte, pois os


textos desenvolvem um ou mais tipos ou sequências textuais.

O tipo textual narrativo é prototípico dos gêneros de


:
O tipo textual narrativo é prototípico dos gêneros de
ficção literária, além de biografias, cartas, histórias em
quadrinhos, interações orais, canções, dentre muitos
outros.

Dentre as características da tipologia textual narrativa, encontramos


três principais elementos:

  
Atores Tempos Espaços
Esses elementos se conjugam de forma a assegurar a unidade
temática do texto, por meio de uma sucessão de acontecimentos e da
transformação de estados, em torno de um conflito e de sua resolução.

Vejamos cada um desses elementos centrais da narrativa.

Atores

Narrador e personagem
Os atores são assim definidos por se tratarem de diferentes instâncias
enunciativas, ou vozes, que ocupam diferentes posições na narrativa.
Desse modo, o texto narrativo é conduzido por um narrador, que delega
voz a outras instâncias, que podemos denominar de personagens.

Veja um primeiro exemplo.

Exemplo
:
Era uma vez um homem muito rico, cuja mulher adoeceu. Esta, quando sentiu o fim
aproximar-se, chamou a sua única filha à cabeceira e disse-lhe com muito amor:

— Amada filha, continua sempre boa e piedosa. O amor de Deus há de acompanhar-te


sempre. Lá do céu velarei sempre por ti.

E dito isto, fechou os olhos e morreu.

A menina ia todos os dias para junto do túmulo da mãe chorar e regar a terra com suas
lágrimas. E continuou boa e piedosa. Quando o inverno chegou, a neve fria e gelada da
Europa cobriu o túmulo com um manto branco de neve. Quando o sol da primavera o
derreteu, o seu pai casou-se com uma mulher ambiciosa e cruel que já tinha duas filhas
parecidas com ela em tudo.

GRIMM, J.; GRIMM, W. Contos de Grimm. Rio de Mouro/Portugal: Agrupamento de Escolas


de Rio de Mouro, 2013, p. 102.

Neste trecho que dá início ao conto de fadas Cinderela, a narrativa é


introduzida pela voz de um narrador, que se apresenta na terceira
pessoa do singular, criando o efeito de sentido de objetividade. Esta
instância delega voz à mãe da protagonista da história, que se dirige à
filha para aconselhá-la a continuar sempre boa e piedosa.

Como podemos observar, a posição das duas vozes é distinguida, no


texto, por recursos formais. Assim, a fala da personagem (mãe) é
introduzida pelo discurso direto, por meio do travessão, à diferença da
voz do narrador, que não apresenta ruptura sintática.

Notamos, além disso, Na sequência, o


que a voz da narrador retoma a
personagem é narrada palavra, para anunciar o
em primeira pessoa,  conflito desta célebre
criando um efeito de narrativa ficcional do
sentido de universo infanto-juvenil.
subjetividade.

Nos gêneros de ficção literária, é muito comum encontrar personagens


:
Nos gêneros de ficção literária, é muito comum encontrar personagens
não humanas, a exemplo de animais, plantas, objetos, entre outros,
ainda que sejam retratadas com características humanas.

Veja este exemplo.

Exemplo
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale
alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Por que lhe digo que está com um ar insuportável?
Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que
lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e
deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose,
senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu
e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos
babados.
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem
atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só
mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo,
ajunto...

(ASSIS, M. de. Para Gostar de Ler. Volume 9. Contos. São Paulo: Ática, 1984. p. 59. Grifos
nossos)

Neste conto de Machado de Assis, intitulado Um apólogo, as


:
Neste conto de Machado de Assis, intitulado Um apólogo, as
personagens principais são uma agulha e uma linha, que travam uma
longa discussão sobre sua função na tarefa de coser o vestido da
baronesa.

É interessante notar que, neste conto, a narrativa possui três tipos de


sequência:

  
Sequência textual Sequência textual Sequência textual
dialogal argumentativa narrativa
Embora haja um longo trecho de diálogo e até mesmo de
argumentação, o que predomina é a sequência textual narrativa. Isto
porque, em sua totalidade, o texto em questão coloca em cena
personagens, tempos e espaços em torno de um conflito, outra
característica indispensável dos gêneros de ficção literária.

Tempo

O tempo na narrativa
Além de atores, a tipologia narrativa também desenvolve um tipo
particular de temporalidade, em conformidade com as instâncias, ou
vozes, que enunciam.

No plano enunciativo do narrador, os tempos do pretérito são mais


frequentes, enquanto os tempos do presente e do futuro configuram a
instância enunciativa das personagens, a quem o narrador delega
vozes.

Em Cinderela, podemos notar que o narrador emprega tempos do


pretérito.

Exemplo
:
“Era uma vez” (Pretérito Imperfeito do Indicativo), “adoeceu” (Pretérito Perfeito do
Indicativo).

Por outro lado, na voz das personagens, há tempos verbais que criam o
efeito de presentificação, necessário para situar o leitor no “agora” da
narração.

Presentificação
Tornar presente o que se deu no passado.

Exemplo
O emprego do Presente do Indicativo, como em “há de acompanhar-te”, e uso do Futuro do
Indicativo, em “velarei”.

O jogo de tempos verbais na tipologia narrativa é


fundamental para a progressão e a unidade temática
do texto.

A esse respeito, observemos este trecho da novela Bola de sebo, do


romancista francês Guy de Maupassant, pela ótica do narrador:
:
O soalho do veículo Nesta passagem da
estava coberto de obra, observamos a
palha, onde os pés presença de variados
mergulhavam. As tempos do pretérito:
senhoras do fundo,
Pretérito Imperfeito
tendo trazido pequenos
do Indicativo
aquecedores de cobre,
(“estava”,
munidos de carvão
“mergulhavam”,
químico, acenderam os
“sabiam”);
aparelhos e, durante
Pretérito Perfeito
algum tempo, em voz
 do Indicativo
baixa, lhes enumeraram
(“enumeraram”);
as vantagens, repetindo
Gerúndio
coisas que de há muito
composto (“tendo
sabiam.
trazido”);
(MAUPASSANT, G. de. Particípio passado
Bola de sebo e outros (“munidos”).
contos de Guy de
Maupassant. Rio de
Janeiro: Globo, 2004. p.
6.)

Por meio deste manejo hábil e complexo dos tempos do pretérito, o


narrador é bem-sucedido em sua tarefa de narrar uma sucessão de
acontecimentos que contribuem para o avanço da narrativa, cujo
conflito tem início na viagem empreendida pela protagonista Bola de
Sebo, no veículo ocupado por diferentes classes e tipos sociais.

Espaço
:
O espaço na narrativa
Com relação ao espaço, terceiro elemento central da tipologia narrativa,
trata-se de uma dimensão importante para o desenrolar dos fatos.

Com efeito, além de atores e tempos, a narrativa também se


desenvolve em um contexto espacial, responsável por enquadrar os
acontecimentos, configurando, assim, uma simulação dos fatos, do
modo mais verossímil possível.

Veja este exemplo.

Exemplo
Fomos ao cemitério. Rita, apesar da alegria do motivo, não pôde reter algumas velhas
lágrimas de saudade pelo marido que lá está no jazigo, com meu pai e minha mãe. Ela
ainda agora o ama, como no dia em que o perdeu, lá se vão tantos anos. No caixão do
defunto mandou guardar um molho dos seus cabelos, então pretos, enquanto os mais
deles ficaram a embranquecer cá fora.

Não é feio o nosso jazigo [...] Rita orou diante dele alguns minutos, enquanto eu circulava
os olhos pelas sepulturas próximas. Em quase todas havia a mesma antiga súplica da
nossa: "Orai por ele! Orai por ela!" Rita me disse depois, em caminho, que é seu costume
atender ao pedido das outras, rezando uma prece por todos os que ali estão [...]

A impressão que me dava o total do cemitério é a que me deram sempre outros; tudo ali
estava parado. Os gestos das figuras, anjos e outras, eram diversos, mas imóveis. Só
alguns pássaros davam sinal de vida, buscando-se entre si e pousando nas ramagens,
pipilando ou gorjeando. Os arbustos viviam calados, na verdura e nas flores.

Já perto do portão, à saída, falei a mana Rita de uma senhora que eu vira ao pé de outra
sepultura, ao lado esquerdo do cruzeiro, enquanto ela rezava. Era moça, vestia de preto, e
parecia rezar também, com as mãos cruzadas e pendentes. A cara não me era estranha,
sem atinar quem fosse.

(ASSIS, M. de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994, p. 2-3. Grifos
nossos)

Este trecho foi extraído do último romance escrito por Machado de


:
Este trecho foi extraído do último romance escrito por Machado de
Assis, que narra episódios marcantes da vida de Aires, protagonista da
história e, também, seu narrador, sob a forma de um memorial. Nesta
cena, intitulada “10 de janeiro”, Aires acompanha a irmã, Rita, ao
cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, em visita ao túmulo de
seu cunhado.

A cena se passa no cemitério, sendo acompanhada por inúmeras


referências a outros locais no interior deste espaço, tal como grafados
em negrito: jazigo, caixão, sepulturas próximas, o caminho, as
ramagens, a verdura e as flores, o portão, a saída, outra sepultura e o
cruzeiro.

Assim como ocorre Dessa forma, apesar de


com o tempo na participar da cena
narrativa, o espaço como personagem,
também é regido pelo Aires narra e descreve
modo como as  os espaços pela ótica
instâncias (narrador, distanciada de uma
personagens) terceira pessoa.
enunciam.

Em outro texto, a canção Sampa, de Caetano Veloso, o espaço é


determinante para a unidade temática e os efeitos de sentido do texto.
Vejamos a primeira estrofe da canção:

Exemplo

Alguma coisa acontece no meu coração


Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

(VELOSO, C. Sampa. In: VELOSO, C. Muito: Dentro da estrela azulada. Rio de Janeiro:
Polygram 1978. Grifos nossos.)

Na canção que se tornou um hino à cidade de São Paulo, o narrador


:
Na canção que se tornou um hino à cidade de São Paulo, o narrador
expressa seu sentimento contraditório diante de uma metrópole que lhe
pareceu incompreensível à primeira vista, por sua “dureza” e
“deselegância”.

Na estrofe em destaque, aparecem referências espaciais ligadas à


capital paulista, mediante nomes de lugares e o advérbio de lugar
“aqui”.

As esquinas das avenidas Ipiranga e São João, no coração da cidade de São Paulo.

Tais espaços são físicos; podem ser vistos, visitados, ao passo que, no
primeiro verso da canção, o narrador põe em cena um espaço
psicológico: “no meu coração”.

Nos textos artísticos, como é o caso da canção, é possível encontrar


este tipo de representação, que tem por finalidade criar um efeito de
sentido de afetividade, aproximando o receptor do sentimento
vivenciado pelo narrador. Notemos, a este respeito, que se trata de um
narrador que participa da narrativa, ao enunciar na primeira pessoa
(“meu”, eu”, “entendi”). Cria-se, pois, um efeito de proximidade para com
o ouvinte da canção.

Neste cenário aparentemente hostil, o narrador descobre “poetas” e


“deuses”, em meio à opressão da vida urbana e ao paradoxo da pobreza
e da prosperidade financeira, como podemos notar nesta estrofe da
canção, em que também aparecem muitas referências espaciais:

Exemplo
:
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belasDa feia fumaça que sobe, apagando as
estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

(VELOSO, C. Sampa. In: VELOSO, C. Muito: Dentro da estrela azulada. Rio de Janeiro:
Polygram 1978. Grifos nossos)

Outros elementos do texto narrativo

Características fundamentais do
texto narrativo
Percorremos os elementos centrais do texto narrativo, ilustrando-os por
meio dos gêneros conto de fadas, conto literário e canção. Mas é
preciso se perguntar se estes elementos são suficientes para
caracterizar a tipologia textual narrativa. A seguir, vamos conhecer as
outras características fundamentais do texto narrativo.

Sucessão de acontecimentos

Para que um texto possa ser considerado predominantemente


narrativo, é necessário que ele apresente, ainda, uma sucessão de
acontecimentos, responsável pela progressão e pela unidade temática
do texto.

Exemplo
No gênero tirinha, a sucessão é estabelecida por cada quadro ou vinheta, segundo uma
ordem de leitura pré-estabelecida, da esquerda para a direita.

Assim sendo, para que a narrativa esteja completa, é preciso que o


:
Assim sendo, para que a narrativa esteja completa, é preciso que o
leitor leia o texto em sua totalidade, que percorra todos os quadros,
acionando os esquemas de leitura requeridos pelo gênero tirinha.
Fazendo desse modo, o leitor terá atingido a totalidade de sentido do
texto, compreendendo a possível sucessão de acontecimentos que se
apresenta em cada caso.

Nos textos exclusivamente verbais, a sucessão de acontecimentos é


uma tarefa delegada ao narrador. Cabe a esta instância indicar ao leitor
o desenrolar da narrativa, assegurando a progressão e a unidade
temáticas desta última.

Em um texto biográfico, podemos


encontrar o relato da vida de uma
personalidade ilustre, com a
progressão e a unidade temáticas
do texto asseguradas pela
sucessão dos acontecimentos
que marcam a vida dessa
personalidade: seu nascimento, a
vida em família, o início da
carreira, as realizações, as
dificuldades advindas de seus
posicionamentos e produção, e
sua morte.

O texto biográfico, assim, progride graças a uma sucessão de


acontecimentos, segundo uma ordem cronológica que permite ao leitor
se situar. É preciso saber, porém, que nem toda narrativa apresenta uma
sucessão cronológica de acontecimentos; na realidade, os textos
ficcionais gozam de uma liberdade em seu modo de narrar, pelo fato de
serem textos fundadores e originais.

Transformação de estados

Além de atores, tempos, espaços e uma sucessão de acontecimentos,


:
Além de atores, tempos, espaços e uma sucessão de acontecimentos,
um texto é considerado narrativo se apresentar uma transformação de
estados. Isto porque há textos que apresentam uma sucessão de
acontecimentos, mas não se configuram como narrativos, como é o
caso dos textos pertencentes aos gêneros notícia jornalística, relato de
viagem, testemunho, entre outros, cuja finalidade é relatar um fato.

Para haver narração, é preciso contar, ainda, com a


transformação de estados.

Você já sabe que podemos encontrar atores, elementos temporais,


aspectos relacionados ao espaço e uma sucessão de acontecimentos
numa narrativa. Mas a sucessão temporal não se limita a um relato de
eventos, pois passa por algumas transformações de estados, marcadas
por uma situação inicial (Si) e uma situação final (Sf), isto é, um antes e
um depois em relação a determinado fato ou evento.

Lembra-se da fábula A Cigarra e a Formiga? Nesta narrativa muito


antiga e popular, temos a seguinte seguência:

Antes

Antes do encontro da cigarra com a formiga, quando a cigarra se encontra em


dificuldades após ter passado o verão cantando

Após

Após o encontro com a formiga, quando a cigarra suplica alimento à formiga;


após a súplica, a cigarra vê seu pedido negado pela formiga, sob justificativa de
não ter trabalhado durante o verão.

A transformação de estados, nos textos de tipologia


:
A transformação de estados, nos textos de tipologia
predominantemente narrativa, como aqueles pertencentes aos gêneros
da ficção literária e muitos outros, contribui para o conflito e o
desenlace da história, outros elementos fundamentais da tipologia
narrativa.

Conflito e desenlace

Como explica o linguista Jean-Michel Adam (2019, p. 50):

“para passar da simples sequência linear e temporal


dos momentos à narração propriamente dita, é
necessário operar uma mise en intrigue, passar da
sucessão cronológica à lógica singular da narração,
que introduz uma problematização [...]”.

Pela expressão francesa mise en intrigue, o autor faz menção ao fato de


que toda narrativa apresenta um problema, também chamado “conflito”
ou “nó”, que será desatado ao término da história.

Na fábula de La Fontaine, A cigarra e a formiga, a intriga corresponde ao


estado de penúria da cigarra, que se vê sem alimento após passar o
verão inteiro cantando. A partir desse conflito, a narrativa prossegue na
direção do esforço empreendido pela cigarra para pedir alimento à
formiga. Trabalhadora incansável, mesmo durante o verão, a formiga
não atende ao pedido da cigarra, o que resulta no desfecho da narrativa
e, no caso da fábula, na moral da história: “Os preguiçosos colhem o
que merecem”.

Em outra narrativa, o conto O apólogo, de Machado de Assis, o conflito


se estabelece a partir da discussão entre uma linha e uma agulha. A
tensão está relacionada sobre qual das duas desempenha a função
mais importante na tarefa de costurar o vestido da baronesa. O
desfecho ou desenlace da história se dá da seguinte forma:

Exemplo
:
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a
agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o
vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando,
abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do
vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto
você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos,
diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor
experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida,
enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para
ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

(ASSIS, M. de. Para Gostar de Ler. Volume 9. Contos. São Paulo: Ática, 1984. p. 59)

Como podemos notar, o desfecho da história mostra que a agulha


ganhou a batalha, uma vez que é ela quem, finalmente, acompanha a
baronesa no baile, desfrutando de todos as vantagens de estar junto de
sua dona, enquanto o destino da linha é retornar à caixinha de costura.

Com base em todas essas reflexões, vamos resumir a tipologia textual


narrativa a partir do esquema a seguir:

Esquema tipologia textual narrativa.


:
A produção do texto narrativo

Cuidados e recomendações na
narração
Temos aprendido que no texto narrativo há uma sequência de fatos ou
eventos, e o texto é caracterizado pela mudança de situação, por uma
transformação.

Assim, a narrativa pode ser definida como “uma mudança de estado


operada pela ação de uma personagem”, mesmo “que essa
personagem não apareça no texto”, pois ela poderá estar implícita
(PLATÃO; FIORIN, 2011, p. 227).

 
Mas quais cuidados Que procedimentos
devemos ter ao ou estratégias são
elaborar um texto recomendados?
narrativo?
A resposta a essas perguntas depende da narrativa que você vai
escrever. Se é uma narrativa ficcional ou mesmo se trata-se de uma
narrativa técnica ou empresarial, como pode ocorrer num relatório.

De qualquer modo, o texto narrativo deve prender a


atenção do leitor.

Nas narrativas ficcionais, é recomendado que você dê atenção à


construção dos personagens e trabalhe muito bem o conflito da
história.
:
 Apresente ou introduza sua história oferecendo informações sobre o
personagem, aspectos do tempo e do espaço que podem informar e
despertar o interesse do leitor.

 Desenvolva a história a partir de uma situação conflitante, a partir de


um elemento que envolva as personagens em uma tensão que exija
algum tipo de clímax ou desfecho.

 Finalize sua narrativa oferecendo solução para o conflito proposto ou


mesmo deixando a situação conflitante em aberto, para que o leitor
imagine possíveis soluções.

A partir de Medeiros (2000, p. 240), poderíamos resumir esses


procedimentos da seguinte forma:
:
 Crie uma expectativa para a personagem ou para o leitor.

 Quebre essa expectativa, criando um conflito para a personagem.

 Apresente uma resolução ou tentativa de resolução do conflito.

 Elabore o desfecho a partir da busca da resolução do conflito,


considerando que o desfecho marca a narrativa como de sucesso ou
de fracasso.

 Proponha ou sugira uma avaliação, que pode ser na forma de uma


lição de moral, uma lição de vida, um ensinamento explícito ou
implícito.

Nas narrativas presentes em relatórios e outros textos mais técnicos,


:
Nas narrativas presentes em relatórios e outros textos mais técnicos,
há alguns procedimentos que podem ajudar a elaborar um bom texto
narrativo que capte a atenção do leitor:

Elabore parágrafos curtos e sem muitos pormenores.


Prefira orações coordenadas, em vez de subordinadas, para ser
mais claro e direto.
Trate somente do que você conhece bem.
Junte apenas o que é significativo.
Sugira soluções, mais do que explicar acontecimentos.
Mantenha o leitor interessado, apresentando os fatos em um
crescendo, até chegar ao clímax.
Divida as ações ou ocorrências em partes.
Tenha sempre em mente o objetivo da narração.

Além disso, procure evitar no seu texto narrativo que os


acontecimentos se amontoem, sem nenhum significado. Desse modo,
os fatos relevantes devem ser salientados, evitando-se, quando
possível, o uso exagerado de pormenores ou mesmo adjetivos para
caracterizar determinada personagem ou situação (MEDEIROS, 2000).

 O texto narrativo
Assista a explicações e exemplos sobre as características e os
elementos centrais do texto narrativo.

Falta pouco para atingir seus objetivos.


:
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

A narrativa deve ser reconhecida como tipologia textual a partir

da prevalência das narrações ficcionais, pois não cabe


A
narrar fatos ou eventos reais.

dos elementos relacionados com o narrador e a


B
personagem, suficientes para sustentar a narrativa.

C dos elementos centrais: atores, tempo(s) e espaço(s).

do uso de tempos verbais, preferencialmente, no


D
presente.

da apresentação de uma moral que finalize a


E
sequência de ações.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Os atores (narrador e personagens), os aspectos temporais e


espaciais constituem os elementos centrais do texto narrativo, que
pode ser ficcional ou não. No texto narrativo, os verbos,
preferencialmente, são empregados nos tempos do pretérito. Nem
todo texto narrativo apresenta uma moral. Esta é uma característica
somente de alguns gêneros discursivos, a exemplo da fábula.

Questão 2
:
Questão 2

Sobre as características da tipologia textual de narração, é correto


afirmar que

as personagens ocupam uma posição enunciativa


A
distinta do narrador.

o narrador sempre enuncia na terceira pessoa do


B
singular.

a transformação de estados não é uma característica


C
determinante dos textos narrativos.

D na narrativa, o conflito sempre é solucionado.

o espaço é o que assegura a unidade temática em


E
uma narrativa.

Parabéns! A alternativa A está correta.

Na tipologia textual de narração, os atores são elementos centrais, e


se distinguem segundo a posição enunciativa que ocupam. Assim
sendo, o narrador é responsável por conduzir a narrativa, delegando
voz às personagens.
:
2 - Tipologia textual descritiva
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer a tipologia textual de descrição.

Conceito de descrição

A tipologia textual descritiva:


definição
O objeto de nosso estudo neste módulo é a tipologia textual descritiva,
que raramente se encontra em estado puro, uma vez que sempre está
associada a outros tipos textuais. Com efeito, a descrição participa dos
mais variados gêneros discursivos, colaborando para enumerar e
qualificar as propriedades de um ser, objeto ou fenômeno, mediante um
recorte temporal e espacial.

Descrever é uma atividade inerente ao homem, assim


:
Descrever é uma atividade inerente ao homem, assim
como narrar, argumentar, expor, convencer, persuadir,
entre outras.

Essas atividades, chamadas de atos de fala, participam da


comunicação humana desde sempre, mas foram sistematizadas na da
tradição grega da poética (literatura) e da retórica (argumentação),
culminando, atualmente, na Linguística Textual. Assim, dizemos que
um texto pode apresentar um ou mais tipos textuais, sendo um deles
predominante, de acordo com o gênero discursivo que o manifesta. Daí
surge a distinção entre gêneros discursivos e tipos textuais.

O texto descritivo é aquele que, de forma predominante, apresenta uma


sequência de aspectos e tem como característica fundamental “a
inexistência de progressão temporal”, ou seja, “tudo que é descrito é
considerado como simultâneo, não podendo, portanto, um enunciado
ser considerado anterior ou posterior ao outro” do ponto de vista do
tempo (PLATÃO; FIORIN, 2011, p. 242).

A título de exemplo, vejamos este anúncio publicitário das canetinhas


coloridas Sylvapen, veiculado nos anos 1970. Com o slogan “Mude para
os 100mm”, o texto do anúncio trazia a seguinte mensagem:

Troque a sua caneta por uma


:
Troque a sua caneta por uma
Sylvapen 100 milímetros.
E lindas formas coloridas vão
aparecer diante de seus olhos.
Sylvapen vem num estojinho com
seis cores e noutro estojinho com
doze.
Qualquer um deles cabe no bolso
da sua camisa, porque é do
tamanho de um maço de
cigarros.
E 100 milímetros de carga dão
para você desenhar dois
quilômetros.
Avise seu pai que você também
vai mudar para os 100 milímetros.
Peça a ele para comprar um
estojo de Sylvapen.
É o tipo do vício que vai encher a
família inteira de orgulho.
Sylvapen 100mm
A caneta de fibra mais mordida na
América Latina.

(GARCIA, 2017, n.p.)

No texto, pertencente ao gênero discursivo anúncio publicitário, a


tipologia textual predominante é a injuntiva, aquela que tem por
finalidade provocar a adesão do leitor, destacando-se o emprego de
termos que o interpelam, como “mude”, “troque”, “seu pai”, entre outros.

Além da tipologia injuntiva, também aparece o tipo textual


argumentativo, seja para convencer o leitor a adquirir as canetinhas,
fazendo uso da razão (“cabe no bolso da sua camisa”), seja para
persuadi-lo a consumir o produto, neste caso argumentando por meio
da emoção, como em “vai encher a família inteira de orgulho”.

Mas, afinal, quais são as características do produto anunciado?

Neste ponto, aparece o tipo textual descritivo, que tem por finalidade
:
Neste ponto, aparece o tipo textual descritivo, que tem por finalidade
descrever, isto é, enumerar e até mesmo qualificar as propriedades do
produto.

No anúncio em Nesta sequência


questão, a sequência textual descritiva,
textual descritiva notamos algumas
aparece nos seguintes características físicas
enunciados: das canetinhas:

Sylvapen vem num sua embalagem


estojinho com seis (estojinho);
cores e noutro
sua quantidade
estojinho com doze.
(seis ou doze);

Qualquer um deles
seu tamanho
cabe no bolso da sua
(maço de cigarros);
camisa, porque é do
tamanho de um maço sua rentabilidade
de cigarros. (dois quilômetros).

E 100 milímetros de
carga dão para você
desenhar dois
quilômetros.

Observamos, ainda, que os verbos empregados estão no Presente do


Indicativo (vem, cabe, é, dão), fornecendo pistas sobre a temporalidade
característica da tipologia descritiva, ou seja, a simultaneidade
temporal.

Além dessa sequência, também encontramos vestígios de descrição


em outros enunciados do texto, que não são predominantemente
descritivos, na medida em que servem ao propósito de fazer o público-
alvo do anúncio, as crianças, desejar este objeto.

Veja:
:
E lindas formas coloridas vão A caneta de fibra mais mordida
aparecer diante de seus olhos. na América Latina.

Nesses dois enunciados, que não são descritivos em sua essência,


mas injuntivos e argumentativos, a descrição aparece sob a forma de
dois adjetivos (lindas, coloridas) e uma locução adjetiva (de fibra).
Esses atributos são expostos no texto de modo a qualificar o produto
positivamente, pelos atributos da beleza, da cor, bem como pelo
material (fibra).

Com este caso, podemos compreender que a descrição se manifesta,


nos textos, por meio de sequências textuais ou tipológicas, e raramente
em estado puro.

É o gênero discursivo, na realidade, que vai determinar,


de forma mais ou menos estável, a presença da
descrição.

Nos textos predominantemente narrativos, por exemplo, como no


gênero romance, a descrição não é uma sequência acessória ou
dispensável, pois, para que a narrativa se desenrole, é necessário
conhecer os detalhes da história: atributos das personagens, dos
espaços, das situações apresentadas, entre outros.

Já em outros gêneros, como o próprio anúncio publicitário, a descrição


se faz cada vez mais rara, sendo substituída por um discurso que
valoriza os valores sociais vigentes, como saúde, beleza, sucesso,
diversidade, dentre outros, a exemplo deste anúncio da marca de
higiene Dove, que não faz menção às propriedades do produto
anunciado, mas destaca um tema em pauta na atualidade: a beleza
real, conforme o slogan da marca.
:
Feitas estas considerações iniciais sobre a relativa autonomia dos
textos descritivos, é necessário conhecer o que realmente caracteriza a
sequência textual descritiva, como faremos a seguir, reconhecendo três
principais traços:

A enumeração e qualificação de A simultaneidade temporal. A organização vertical do texto.


propriedades.

Propriedades do texto descritivo

Enumeração e qualificação de
propriedades
Nos textos em que aparecem sequências textuais de descrição,
observa-se a presença, mais ou menos frequente, dos seguintes
recursos estilísticos: substantivos, adjetivos, advérbios de espaço,
locuções adjetivas e adverbiais, orações adjetivas, numerais, verbos de
estado no Presente e no Pretérito Imperfeito do modo Indicativo.

Vejamos um primeiro exemplo:

Exemplo
:
A mulher, uma dessas chamadas galantes, era célebre por sua gordura precoce, que lhe
valera o apelido de Bola de Sebo. Miúda, redondinha, gordinha com dedos rechonchudos
estrangulados nas falanges como fieira de curtas salsichas, com uma tez luzidia e tensa, o
seio enorme a rebentar a blusa, era no entanto apetitosa e desejada, de tal modo agradava
à vista o seu frescor. Seu rosto era uma maçã vermelha, um botão de peônia prestes a
florir; e ali se abriam, no alto, dois magníficos olhos negros, sombreados de grandes cílios
espessos, que mais escuros os tornavam; embaixo, uma boca encantadora, pequena,
úmida para o beijo, mobiliada de dentinhos brilhantes e microscópicos. De resto ela
possuía, pelo que diziam, inapreciáveis qualidades.

(MAUPASSANT, G. de. Bola de sebo e outros contos de Guy de Maupassant. Rio de Janeiro:
Globo, 2004. p. 15)

Neste trecho da novela naturalista Bola de Sebo, de Guy de


Maupassant, a protagonista é introduzida na narrativa pelo ponto de
vista de um narrador observador. A instância narradora é responsável
por contar a história, alternando trechos narrativos e descritivos. Neste
momento da narrativa, a cortesã Élisabeth Rousset é descrita em seus
mais finos atributos físicos, que lhe valiam o apelido de Bola de Sebo.

No trecho em questão, abundam os recursos estilísticos recorrentes na


sequência textual descritiva:

substantivos (mulher, gordura, dedos, tez, seio, rosto etc.);


adjetivos (galantes, precoce, rechonchudos, luzidia, tensa,
vermelha etc.);
tempo verbal do Imperfeito do Indicativo (era, agradava, abriam,
possuía etc.);
locuções adverbiais (prestes a florir);
advérbios de espaço (no alto; embaixo);
numerais (dois magníficos olhos).

Por se tratar de um texto literário, também se observa uma grande


riqueza de linguagem figurada:

“como fieira de curtas salsichas”;


“era uma maçã vermelha”;
“um botão de peônia prestes a florir”;
“mobiliada de dentinhos”.

Na descrição de Bola de Sebo, o narrador cria um efeito de surpresa, ao


:
Na descrição de Bola de Sebo, o narrador cria um efeito de surpresa, ao
revelar cada parte do corpo da personagem, oferecendo ao leitor a
descoberta de Bola de Sebo em sua intimidade, aproximando-o, assim,
daquela que será objeto da intriga da narrativa.

É interessante notar, nesse exemplo, que a descrição segue uma certa


ordem: o aspecto geral da personagem (miúda, redondinha, gordinha),
os dedos, a tez, o seio, o rosto, os olhos, a boca, os dentes.

Esta forma de descrever a protagonista da novela está intimamente


relacionada à intriga, uma vez que Bola de Sebo faz parte de uma
diligência (carruagem) composta por dez pessoas, dentre variados
tipos sociais (militar, comerciante, religiosa, nobre, democrático e uma
prostituta, Bola de Sebo), que, fugindo da cidade de Rouen, invadida
durante a guerra da Prússia, encontra no caminho um oficial prussiano,
que exige deitar-se com a moça para permitir à diligência prosseguir
viagem. A intriga gira em torno do esforço dos passageiros para
convencer Bola de Sebo a se deitar com o oficial, e assim salvá-los.

Com base nesse exemplo, podemos compreender que a descrição não


é uma etapa acessória ou desordenada da narrativa, mas indispensável
para enumerar e qualificar as personagens, os objetos, os lugares, as
situações.

Desse modo, a descrição contribui para que a narrativa avance, como


explicado nesta citação:
:
É importante ressaltar que uma
descrição não é algo supérfluo ou
ornamental num texto, mas tem uma
funcionalidade, pois fixa caracteres, dá
qualificações para personagens,
espaços, tempos. Esses elementos
presentes na descrição terão um papel
no desenvolvimento da trama narrativa.
Uma descrição não é algo neutro, pois, a
partir dos elementos selecionados e da
forma como são apresentados, revela
uma visão de mundo.
(PLATÃO; FIORIN, 2011, p. 346)

Além disso, como explica Adam (2019), esta enumeração das partes do
objeto descrito assume uma orientação argumentativa no texto como
um todo, uma vez que o narrador realiza escolhas sobre o modo como
irá descrever os seres, objetos, situações etc.

Foi o que pudemos compreender na descrição detalhada e intimista da


protagonista Bola de Sebo, que finalmente cedeu às investidas do
oficial prussiano, liberando a diligência, ainda que tal ação tenha-lhe
custado a desaprovação e o julgamento de seus companheiros de
viagem.
:
O tempo na descrição

Simultaneidade temporal
Vamos tratar das características temporais do texto descritivo, a partir
de Platão e Fiorin (2011).

Assim como o texto narrativo, o texto descritivo é figurativo. Contudo,


ao contrário do texto narrativo, na descrição não há relato propriamente
de mudanças de situação, pois o que ocorre é a simultaneidade dos
elementos descritos, considerados numa única situação.

Desse modo, não temos no texto descritivo “relação de anterioridade e


posterioridade entre seus enunciados” (PLATÃO; FIORIN, 2011, p. 343).

Uma vez que a simultaneidade caracteriza a descrição, predominam


nos textos descritivos os seguintes tempos verbais:

Presente

Expressando concomitância quanto ao momento da fala.

Pretérito imperfeito

Expressando concomitância quanto a determinado marco temporal pretérito


instalado no enunciado.

Assim, o texto não está organizado numa progressão temporal, o que


:
Assim, o texto não está organizado numa progressão temporal, o que
ocorre frequentemente na narrativa. No texto descritivo, a organização
é espacial, por isso a descrição se dá “de cima para baixo, da esquerda
para a direita, de dentro para fora, do conteúdo para o continente etc.”
(PLATÃO; FIORIN, 2011, p. 343).

As características temporais do tempo descritivo podem ser resumidas


em torno da ideia de simultaneidade temporal, em que as ações não
estão em movimento, como na tipologia textual narrativa, mas são
estáticas, podendo-se falar em um recorte temporal.

Nesse recorte, os recursos estilísticos relacionados ao


tempo são, preferencialmente, verbos de estado, no
Presente ou no Pretérito Imperfeito do Indicativo;
locuções adverbiais de tempo; conjunções temporais.

Temos um exemplo na famosa canção Águas de março, do compositor


Tom Jobim (1972). É um caso raro de texto exclusivamente
desenvolvido na tipologia textual descritiva. Como é característico
desta tipologia, os substantivos e adjetivos são abundantes na canção,
que introduz inúmeros e variados elementos que parecem se relacionar
ao tema maior das águas de março, título dessa produção musical.

 
:
 
Em termos de aspectos Em termos estilísticos, ao optar
temporais, o texto é inteiramente pelo Presente do Indicativo, o
construído no Presente, mais compositor realiza um recorte
especificamente o verbo “ser” na temporal, ilustrando sua relação
terceira pessoa do singular (é) e ao tema por meio de imagens
do plural (são). Por se tratar de estáticas e simultâneas, como em
um texto musical, o paralelismo e “é um caco de vidro, é a vida, é o
a repetição do verbo “é” marca o Sol”. Tal simultaneidade mostra,
ritmo da canção. ademais, que não há
anterioridade, nem posterioridade
entre as ações, que são descritas,
e não narradas.

Dentre as interpretações da canção, destaca-se aquela que a remete ao


momento em que Tom Jobim participava da construção de sua casa
em Poço Fundo. Outras interpretações relacionam a canção Águas de
março a um período difícil vivido pelo compositor, por motivos de saúde
e por um certo desânimo na carreira. O cenário das chuvas de verão é
marcante nesta canção que, hoje, é reconhecida como um dos
clássicos da bossa nova.

Analisemos uma estrofe da canção:

Exemplo
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto, o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

(JOBIM, A. C. Águas de março. Rio de Janeiro: Corcovado Music Corporation, 1972.)

Nesta estrofe, o tema da construção da casa (é um prego, é o tijolo


:
Nesta estrofe, o tema da construção da casa (é um prego, é o tijolo
chegando) e da angústia profissional (é o fundo do poço, é a garrafa de
cana) se entremeiam, em meio a uma linguagem que enriquece o texto
de imagens sonoras, como em “é um estrepe, é um prego, é uma ponta,
é um ponto/ É um pingo pingando, é uma conta, é um conto”.

Os elementos da canção são descritos de forma


simultânea, criando um efeito de sentido de
concomitância, típica dos textos descritivos.

Apesar do aparente caos da letra da canção, é necessário relacioná-la a


sua esfera de atividade humana, qual seja o universo artístico musical,
em que elementos como ritmo, harmonia e melodia podem predominar
sobre a letra da canção, ainda mais em se tratando do movimento da
bossa nova.

Assim, à diferença do que ocorre nos gêneros de ficção literária, a


canção apresenta um modo bastante particular de desenvolver a
tipologia textual descritiva, o que nos leva a insistir sobre a importância
de se considerar o texto como produto da atividade maior de
linguagem, relacionada aos gêneros discursivos em sua dimensão
histórica e social.

A organização do texto descritivo

Organização vertical do texto

Para finalizar nosso estudo sobre a tipologia textual descritiva, vamos


:
Para finalizar nosso estudo sobre a tipologia textual descritiva, vamos
abordar sua função na organização vertical do texto.

Como explica Adam (2019), a descrição não é, como acreditavam


alguns estudiosos, desordenada ou heterogênea. Para o linguista, a
descrição participa da organização vertical do texto, ao passo que a
narração opera em nível horizontal.

Narração Descrição

É estabelecida pela É definida pelo autor


sucessão de como um processo de
acontecimentos e pela  enumeração lexical
transformação de hierarquizada.
estados, seguindo uma
ordem linear.

Vejamos como se dá a organização vertical neste poema:

Exemplo
:
Mundo pequeno I

O mundo meu é pequeno, Senhor.


Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa.
Ele me rã.
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

BARROS, M. de. O livro das ignorãças. In: Poesia completa: Manoel de Barros. São Paulo:
Leya, 2010, p. 12-13.

No singelo poema de Manoel de Barros, observa-se a organização


vertical do texto pelo modo como o poeta descreve seu “mundo
pequeno”, tema da composição.

Assim, é retratado um espaço composto por:

elementos da paisagem (rio, árvores, roseira, horizonte, ocasos);


seres humanos (menino, avó, velho);
animais (formigas, aves, besouros, peixe, rã);
objetos (casa, quintal, latas, flauta).

Como podemos observar, apesar de não haver sucessão de


acontecimentos nem transformação de estados, elementos
característicos dos textos narrativos, é possível falar em progressão e
unidade temáticas na descrição das partes do mundo que compõe a
vida do eu-lírico do poema.

Ocorre, portanto, uma hierarquização dos elementos


:
Ocorre, portanto, uma hierarquização dos elementos
retratados, fornecendo ao texto uma organização
global, que permite ao leitor representar para si
mesmo este mundo particular do poeta.

Como explicam Platão e Fiorin (2011), os textos descritivos são


frequentemente construídos segundo uma organização espacial, o que
faz com que, neste poema de Barros, o leitor se situe no espaço
descrito.

Teríamos, então, a seguinte organização deste pequeno mundo, como


na cena de um filme:

Rio > Árvores


Casa > Formigas > Roseiras > Quintal > menino > latas
Horizonte enrubesce > besouros > tarde > ocaso

Já o trecho “Quando o rio está começando um peixe,/ Ele me coisa./


Ele me rã.; Ele me árvore.”, podemos considerar que se trata de uma
sequência textual narrativa, notadamente pelo emprego do advérbio
“quando”, que opera uma transformação de estado.

Vejamos um último exemplo.

Exemplo
:
A casa

Era uma casa muito engraçada


Não tinha teto, não tinha nada
Ninguém podia entrar nela não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede
Porque na casa não tinha parede
Ninguém podia fazer pipi
Porque pinico não tinha ali
Mas era feita com muito esmero
Na Rua dos Bobos, número zero
Mas era feita com muito esmero
Na Rua dos Bobos, número zero

MORAES, V. de. A casa. Rio de Janeiro: Universal Music, 1970.

Nesta canção de Vinicius de Moraes, observamos a organização


vertical do texto pela progressão espacial do lugar descrito:

Uma casa que supostamente deveria ter teto > chão > rede > parede
> pinico.

Esta canção é um exemplo original de um texto que pretende descrever


um local que, na realidade, não precisa existir concretamente, visto que
não possui os cômodos típicos de uma casa, e sequer um endereço.

Curiosidade
Há uma explicação para a letra da canção A casa que associa a inspiração poética da letra
a uma casa real construída pelo artista uruguaio Carlos Páez Vilaró, em Punta Ballena, no
litoral do Uruguai. A construção é conhecida como Casapueblo.
:
Casapueblo.

Ainda assim, trata-se de um texto predominantemente descritivo, com


emprego de:

substantivos (casa, parede, rede);


adjetivos (engraçada);
locução adverbial (na rede, com esmero);
verbo no Imperfeito do Indicativo (era, tinha);
numeral (zero);
advérbio de lugar (ali).

A produção de textos descritivos

Cuidados e recomendações na
descrição

Você já aprendeu que descrever implica representar por meio das


:
Você já aprendeu que descrever implica representar por meio das
palavras um objeto, uma pessoa ou um lugar, indicando aspectos
característicos ou elementos que individualizem o que é descrito
(MEDEIROS, 2000).

A partir de Medeiros (2000), apresentamos alguns cuidados e


procedimentos recomendados na descrição:

 Observar cuidadosamente o que será descrito a fim de oferecer uma


imagem ou modelo claro e preciso.

 Não se limitar a enumerar uma série de elementos, mas identificar e


representar os traços que contribuam para a transmissão de uma
impressão autêntica.

 Usar palavras específicas, exatas ou mesmo pertencentes ao


vocabulário técnico pertinente a fim de construir uma representação
fiel do que é descrito, no caso da descrição objetiva ou técnica.

 Valer-se da linguagem figurada e de recursos estilísticos para criar ou


recriar objetos, personagens e lugares na descrição ficcional ou
literária.
:
 Definir os objetivos que se quer alcançar com a descrição que será
elaborada.

 Pesquisar e selecionar dados e informações para a construção do


texto descritivo.

 Na redação do texto descritivo, elaborar uma primeira versão, que


deverá ser corrigida e reescrita para se chegar a uma versão final.

Em relação ao texto descritivo típico do contexto empresarial ou


comercial, devemos considerar que a descrição tem como objetivo
comunicar, informar ou esclarecer, contribuindo para o convencimento
por meio dos fatos estampado no que é descrito (MEDEIROS, 2000).
Este é o caso dos textos descritivos dos manuais de aparelhos
eletrônicos ou de relatórios técnicos.

Desse modo, a descrição objetiva se caracteriza como uma descrição


exata, que evita floreios e privilegia a função referencial da linguagem,
atendo-se à realidade que se quer descrever. Por isso mesmo, o foco na
descrição objetiva volta-se para a eficácia e a exatidão na
comunicação, com o uso de vocabulário preciso, pormenores exatos e
linguagem sóbria (MEDEIROS, 2000).

Os cuidados com a descrição objetiva seriam os seguintes:

 O estilo deve ser rápido, vivo, claro (ordem direta, voz ativa).
:
 As descrições não serão lentas nem morosas, mas rápidas e
carregadas de informação.

 Estilo floreado, com muitos adjetivos, será deixado de lado.

 Não se empregam muitas palavras quando uma é suficiente (sem


excesso de adjetivos e advérbios).

 Os circunlóquios não estarão presentes.

 A impressão deve ser direta, concisa.

 Convém captar a atenção do leitor desde a primeira linha e evitar


frases explicativas e débeis.

 Os parágrafos serão curtos, com uso sobretudo de orações


coordenadas. (MEDEIROS, 2000, p. 226)
:
Assim, seja a descrição em um texto literário, no contexto da
comunicação organizacional ou mesmo em uma situação de
comunicação do cotidiano, devemos levar em conta as características
do gênero textual que estamos usando e os objetivos que temos ao
elaborarmos uma descrição.

 O texto descritivo
Assista às explicações e aos exemplos sobre os principais traços do
texto descritivo.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

1. A respeito da tipologia textual descritiva, analise as afirmativas a


seguir:

I. Trata-se de um tipo de texto caracterizado pela sucessão de


acontecimentos.

II. Trata-se de uma tipologia textual desordenada em função da


:
sucessão temporal que a caracteriza.

III. Corresponde a uma sequência textual em que ocorre


simultaneidade temporal.

Está correto apenas o que se afirma em:

A I.

B II.

C III.

D I e II.

E II e III.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Na tipologia textual descritiva, os seres, objetos e situações são


retratados de um ponto de vista estático, ocorrendo uma
simultaneidade temporal, sem relação com qualquer ação anterior ou
posterior, ao contrário da tipologia textual narrativa.

Questão 2

Levando-se em conta as características do texto descritivo, é correto


afirmar que
:
os textos descritivos se caracterizam pela
A simultaneidade e predomínio de tempos verbais no
presente ou pretérito imperfeito do indicativo.

a tipologia textual descritiva promove a progressão


B temporal do texto, caracterizando a passagem de uma
situação para outra.

nos textos descritivos, por serem marcados pela


C sucessividade, predominam verbos de ação no
pretérito.

as sequências textuais descritivas se manifestam em


D
gêneros discursivos circunscritos ao texto literário.

a descrição é uma atividade de linguagem limitada


E
aos textos técnicos e objetivos.

Parabéns! A alternativa A está correta.

Nos textos descritivos, os verbos empregados referem-se a estados,


preferencialmente, no Presente e no Pretérito Imperfeito do Indicativo,
que servem ao propósito de descrever seres, objetos, situações, de
um ponto de vista estático.
:
Considerações finais
A tipologia textual é uma dimensão formal dos textos, e se caracteriza
pela presença de certos traços recorrentes, ligados à língua, mas
também ao tema, à estruturação, a sua relação com o tempo, o espaço,
e assim por diante. Dentre as tipologias textuais existentes, estudamos
a narração e a descrição.

A tipologia textual narrativa apresenta três elementos básicos: atores,


tempos e espaços. Estes elementos enquadram a narrativa, mas não
são suficientes para definir esta tipologia, sendo necessário relacioná-
los, ainda, a um conflito e a sua resolução, que pode ser bem-sucedida
ou não. Em todo caso, deve-se tomar a tipologia narrativa como o
agenciamento de atores (narrador e personagens), tempos (cronológico
ou psicológico, sucessão de acontecimentos e transformação de
estados) e espaços (físicos e psicológicos), em torno de uma intriga,
que será desfeita ao final da história. A tipologia textual narrativa é
predominante nos gêneros de ficção literária, mas também aparece em
biografias, histórias em quadrinhos, interações orais, dentre outros
gêneros discursivos que representam o desenrolar de fatos e
acontecimentos.

A tipologia descritiva pode ser definida como a enumeração ordenada


das propriedades de um ser, objeto, fenômeno ou situação. Esta
tipologia é de fácil reconhecimento, sendo frequente o emprego de
recursos estilísticos como adjetivos e verbos no Presente e no Pretérito
Imperfeito do Indicativo.

À diferença do texto narrativo, o texto descritivo raramente se encontra


em estado puro, uma vez que se apresenta como uma sequência
textual integrada a tipologias dominantes, como a narrativa, a injuntiva,
a expositiva, a argumentativa, entre outras. À diferença do que se
acredita, a tipologia textual descritiva apresenta uma ordem e contribui
para a progressão temática do texto, fornecendo informações e
avaliações sobre os atores, tempos, espaços, situações, dentre outros
elementos que caracterizam a forma básica dos textos produzidos em
sociedade.
:
 Podcast
Ouça agora as explicações e as recomendações sobre os principais
elementos ou aspectos que caracterizam os textos narrativo e
descritivo.

Explore +

Para saber mais sobre gêneros do discurso e tipos de textos, consulte


os artigos disponíveis na Internet:

Gêneros do discurso: unidade e diversidade, de Helena Hathsue


Nagamine Brandão;

Gêneros e tipos textuais: afinal, de contas, do que se trata?, de


Adriano Ribeiro da Costa.

Para conhecer propostas metodológicas para o ensino e aprendizagem


de textos, consulte a obra Gêneros orais e escritos na escola, de
Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e colaboradores.

Referências
ADAM, J. M. Textos: tipos e protótipos. São Paulo: Contexto, 2019.
:
GARCIA, R. As memoráveis canetinhas Sylvapen. In: Veja São Paulo.
Publicado em: 20 set. 2017.

JOBIM, A. C. Águas de março. Rio de Janeiro: Corcovado Music


Corporation, 1972.

MEDEIROS, J. B. Português instrumental. São Paulo: Atlas, 2000.

PLATÃO, F. S.; FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação. São


Paulo: Ática, 2011.

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