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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE PADRE BENJAMIM SALGADO


2019/2020

Curso(s): CIENTÍFICO-HUMANÍSTICO
Professor
Disciplina: PORTUGUÊS Ano: 11.º
Manuel Seixas
Instrumento: TESTE ESCRITO Data: 06 MAR 2020 Turma: D

GRUPO I
Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
A
Lê o excerto de Os Maias, de Eça de Queirós

Do fim do Aterro aproximava-se, caminhando depressa, uma senhora — que ele reconheceu logo, por esse andar que lhe
parecia de uma deusa pisando a Terra, por aquele corpo maravilhoso onde vibrava, sob linhas ricas de mármore antigo, uma
graça quente, ondeante e nervosa. À maneira que ela se afastava, parecia-lhe maior, mais bela: e aquela imagem falsa e
literária de uma deusa marchando pela Terra prendia-se-lhe à imaginação. Sim, era bem uma deusa. (…)
5 Não era divertido o Aterro!... Carlos achara-o nessa tarde o mais delicioso lugar da Terra!
Ao outro dia, voltou mais cedo; e, apenas dera alguns passos entre as árvores, viu-a logo. Carlos encontrara outra vez os
seus olhos, profundos e sérios.
Voltou ainda três vezes ao Aterro, não a tornou a ver; e então envergonhou-se, sentiu-se humilhado com este interesse
romanesco que o trazia assim, numa inquietação de rafeiro perdido, farejando o Aterro, da Rampa de Santos ao Cais do
10 Sodré, à espera de uns olhos negros e de uns cabelos loiros de passagem em Lisboa, e que um paquete da Royal Mail levaria
uma dessas manhãs...
E pensar que toda essa semana deixara o seu trabalho abandonado sobre a mesa! E que todas as tardes, antes de sair,
se demorava ao espelho, estudando a gravata! Ah! miserável, miserável natureza...
Ao fim dessa semana, Carlos estava no consultório, já para sair, calçando as luvas, quando o criado entreabriu o
15 reposteiro, e murmurou com alvoroço:
— Uma senhora!
Apareceu um menino muito pálido, de caracóis loiros, vestido de veludo preto — e atrás uma mulher, toda de negro, com
um véu justo e espesso como uma máscara. Carlos reconheceu a Gouvarinho.
— Oh! senhora condessa!
20 — Venho trazer-lhe um doente — disse ela sem erguer o véu.
Carlos viu apenas uma pequena mancha cor-de-rosa desvanecendo- se; do caroço não havia vestígio; e então uma
ligeira vermelhidão subiu-lhe ao rosto, procurou vivamente os olhos da condessa, como compreendendo tudo, querendo ver
neles a confissão do sentimento que a trouxera ali com um pretexto pueril, sob aquela toilette negra, aqueles véus que a
mascaravam…
25 (…) Um cocheiro, ao aceno de Carlos, lançou logo a tipoia.
— E agora disse ela sorrindo — mande-o ir à Igreja da Graça.
— Que Deus a leve em Sua santa guarda, senhora condessa!
Ela agradeceu com um olhar, um movimento de cabeça — ambos tão doces como carícias. Carlos subiu: e, sem tirar o
chapéu, ficou ainda enrolando uma cigarette, passeando naquela sala sempre deserta, sempre fria, onde ela deixara agora
30 alguma coisa do seu calor e do seu aroma... Realmente gostava daquela audácia dela — ter vindo assim ao consultório, toda
escondida, quase mascarada numa grande toilette negra, inventando um caroço no pescocinho são de Charlie, para o ver,
para dar um nó brusco e mais apertado naquele leve fio de relações que ele tão negligentemente deixara cair e quebrar... O
Ega desta vez não fantasiara: aquele bonito corpo oferecia-se, tão claramente como se se despisse.
Ah! se ela fosse de sentimentos errantes e fáceis — que bela flor a colher, a respirar, a deitar fora depois! o que ele não
35 queria era achar-se envolvido numa paixão ciosa, uma dessas ternuras tumultuosas de mulher de trinta anos, de que depois se
desembaraçaria dificilmente... Nos braços dela o seu coração ficaria mudo: e apenas esgotada a primeira curiosidade,
começaria o tédio dos beijos que se não desejam, a horrível maçada do prazer a frio.
E, todavia, gostara daquela audácia! Havia ali uma pontinha de romantismo, muito irregular, e picante... E devia ser
deliciosamente bem feita... A sua imaginação despia-a, enrolava-se-lhe no cetim das formas, onde sentia ao mesmo tempo
40 alguma coisa de maduro e de virginal... E outra vez, como nas primeiras noites que os vira em S. Carlos, aqueles cabelos
tentavam-no, assim avermelhados, tão crespos e quentes...

1. Neste trecho, como ao longo da obra, a realidade é retratada com base na perceção sensorial.

2. Identifica três tipos de sensações diferentes no parágrafo constituído pelas linhas 28 a 34 e explica a sua
importância no contexto em que surgem. Ilustra a tua resposta com elementos pertinentes do texto. [23 pts]
2. Carlos, enquanto representante da sociedade em que se move, é também um dos alvos da crítica social da obra.
2.1. Apresenta, justificando, três aspetos da crítica social, subjacentes ao seu comportamento amoroso ao longo do
excerto, e aos seus pensamentos nas linhas 8 a 13 e nas linhas 35 a 38. [23 pts]
3. «E devia ser deliciosamente bem feita.» (linhas 40).
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3.1. No trecho que se segue, identifica o recurso estilístico relativo à expressão sublinhada e explica o seu valor
expressivo. [23 pts]
4. Seleciona a passagem do texto em discurso indireto livre. [15 pts]
(A) «Ah! se ela fosse de sentimentos errantes e fáceis — que bela flor a colher, a respirar, a deitar fora depois! o
que ele não queria era achar-se envolvido numa paixão ciosa». (linhas 35-36).
(B) «Ela agradeceu com um olhar, um movimento de cabeça». (linha 28).
(C) «— Uma senhora! » (linha 16).
(D) «— mande-o ir àApresenta,
Igreja da Graça...».
de forma (linha 26)
bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
Apresenta, de forma bem estruturada, asAtuas respostas aos itens que se seguem.
BA necessário, consulta o glossário.
Lê o excerto da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente. Se
Lê o excerto da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente. Se necessário, consulta o glossário.

(Vai-se Pero Marques e diz Inês Pereira.)

Inês Pessoa conheço eu


que levara outro caminho… 25 E saiba ele tanger viola,
Casai lá com um vilãozinho, e coma eu pão e cebola.
Siquer uma cantiguinha!3
5 mais cobarde que um judeu!
Discreto, feito em farinha,
Se fora outro homem agora,
porque isto me degola4.
e me topara a tal hora,
estando assi às escuras, 30 Mãe Sempre tu hás de bailar,
dissera-me mil doçuras, e sempre ele há de tanger?
10 ainda que mais não fora… Se não tiveres que comer,
o tanger te há de fartar?
(Vem a Mãe e diz:) Inês Cada louco com sua teima.
35 Com uma borda de boleima
Mãe Pero Marques foi-se já? e uma vez d’água fria,
Inês E pera que era ele aqui? não quero mais cada dia.
Mãe E não t’agrada ele a ti? Mãe Como às vezes isso queima!6
15 Inês Vá-se muitieramá!1 E que é desses escudeiros?
Que sempre disse e direi: 40 Inês Eu falei ontem ali
mãe, eu me não casarei que passaram por aqui
os Judeus casamenteiros
senão com homem discreto,
e hão de vir agora aqui.
e assi vo-lo prometo
20 ou antes o leixarei.

Que seja homem mal feito,


feio, pobre, sem feição,
como2 tiver discrição,
não lhe quero mais proveito.
Farsa de Inês Pereira, Gil Vicente
1-

2- Em má hora; 6- Pedacinho de bolo grosseiro


3- Desde que 7- A mãe refere-se ao ardor da fome
4- Pelo menos, haja música em casa, cante o marido 8- Nem um bocadinho
5- Sou doida por isto

1. Explica o sentido da passagem textual dos versos 21 a 29 e a sua relação com o encontro de Inês com Pêro. [16 (10+6) pts]
2. Atenta na fala da Mãe correspondente aos versos 30 a 34.
2.1. Identifica um dos recursos expressivos que aí ocorrem e explica o seu valor expressivo. [16 (10+6) pts]

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GRUPO II

Lê o texto que se segue e, se for necessário, consulta as notas.

Gil Vicente – A sátira social


O tipo mais insistentemente observado e satirizado por Gil Vicente é sem dúvida o clérigo, e especialmente o frade,
presente em todos os setores da vida portuguesa, na corte e no povo, na cidade e na aldeia. Gil Vicente censura nele a
desconformidade entre os atos e os ideais, pois, em lugar de praticar a austeridade, a pobreza e a renúncia ao mundo, busca
as riquezas e os prazeres, é espadachim, blasfema 1, tem mulher e prole2, ambiciona honras e cargos, procedendo como se a
5 ordenação sacerdotal o imunizasse contra os castigos que Deus tem reservados para os pecadores. (…)
Outro tipo insistente nos autos vicentinos é o Escudeiro, género de parasita ocioso e vadio (…). O Escudeiro imita os
padrões da nobreza, toca guitarra, verseja, faz serenatas às filhas dos «oficiais mecânicos», pavoneia-se de bravo e
cavaleiro, espera o seu «acrescentamento», que o instalará de vez na nobreza. Mas não trabalha, passa fome estreme 3, tem
medo, é corrido sob a chuva de insultos da mãe da pretendida, que o aconselha a aprender um ofício para não morrer à
10 míngua4. Esta parasitagem faminta, que tendia a multiplicar-se com a decadência da baixa nobreza e seus ramos
desqualificados, levantava protestos da parte de burgueses e artífices.
Também aqui Gil Vicente se faz eco de um sentimento popular, ao mesmo tempo que de um problema colocado ao nível
dos governantes. Mas cabe perguntar em que medida ele visa, através do Escudeiro, o próprio ideal de vida nobre. O facto é
que, embora relativamente raros, os fidalgos aparecem também duramente atacados nos autos. Na Barca do Inferno e na
15 Farsa dos Almocreves caracterizam-se por uma presunção balofa5 e por explorarem o trabalho dos servidores sem lhes pagar
(o que também sucede com os Escudeiros relativamente aos respetivos moços).
Não fica mais favorecido o grupo dos magistrados e dos administradores. Meirinhos 6, corregedores, juízes, insaciáveis
espoliadores7 do povo, são impiedosamente fustigados8 na Barca do Inferno, na Floresta de Enganos, na Frágua do Amor,
onde a Justiça é uma velha corcovada9 com as algibeiras repletas de galinhas, perdizes e bolsas, as mãos enormes,
20 habituadas a «apanhar». (…)
Quem suporta a carga desta hierarquia social de parasitas e ociosos? Segundo Gil Vicente, o «Lavrador». Este Lavrador,
que faz duas rápidas mas impressionantes entradas em cena (Barca do Purgatório, Romagem de Agravados), (…) é uma
personagem patética cuja voz acusadora tem acentos comoventes. Trabalha até à extenuação, sem tempo sequer para
limpar as gotas de suor. O produto do trabalho é-lhe arrancado pelos cobradores de rendas ou pelos frades. Na igreja
25 escorraçam-no como um cão. Até Deus, segundo João Murtinheira, parece comprazer-se em persegui-lo enviando-lhe o sol e
a chuva fora de tempo (…). Em resumo, segundo o Lavrador do Auto impropriamente dito da Barca do Purgatório:
Nós somos vida das gentes
e morte das nossas vidas.
E todavia, pondera o mesmo Lavrador, todos vimos do mesmo pai Adão.
30 Este sentimento da condição miserável do camponês, aliás sustentáculo dos privilégios senhoriais, tem um acento
profundamente sincero em Gil Vicente, e é a contrapartida grave do riso que ele prodigaliza 10 a propósito das outras camadas.

A. J. Saraiva e Óscar Lopes, História da literatura portuguesa, 17.a edição, Porto Editora, 1996, pp. 199-201.
Notas
1
profere insultos contra o sagrado; 2 filhos; 3 verdadeira; 4 de fome; 5 ridícula; 6 oficiais da justiça; 7 ladrões; 8 criticados; 9 corcunda; 10 oferece

1. O artigo de A. J. Saraiva e Óscar Lopes pode classificar-se como um texto [8 pts]


(A) expositivo.
(B) narrativo
(C) de apreciação crítica.
(D) argumentativo.

2. A frase que melhor sintetiza o último parágrafo do texto é [8 pts]


(A) Gil Vicente tanto critica o clero através da seriedade como através do riso.
(B) Gil Vicente tanto sabe criticar com seriedade como através do riso.
(C) Gil Vicente critica especialmente a exploração dos pobres pelos poderosos.
(D) Gil Vicente critica principalmente através do riso.

3. Classifica as orações que se seguem [16 (2x8) pts]


a) para não morrer à míngua (…)» (l.9).
b) «que Deus tem reservados para os pecadores (l. 5);

4. Indica as funções sintáticas das expressões destacadas nas frases: [24 (3x8) pts]
a) «E todavia, pondera o mesmo Lavrador, todos vimos do mesmo pai Adão.» (l. 29);
b) «a Justiça é uma velha corcovada com as algibeiras repletas de galinhas» (l. 19).
c) «Não fica mais favorecido o grupo dos magistrados e dos administradores» (l.17);
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5. Identifica o tipo de coesão assegurada [16 (2x8) pts]

a) pelo recurso às expressões sublinhadas em «O produto do trabalho é-lhe arrancado»; «Na igreja escorraçam-no
como um cão»; «parece comprazer-se em persegui-lo» (l. 25) .

b) pela ocorrência das expressões «Meirinhos, corregedores, juízes» subsequentes às expressões «magistrados e
dos administradores» (l. 17).

Grupo III [40 pts]

«Quando fui professora, deduzi que a maior parte dos alunos violentos eram aqueles que não tinham as palavras para falar.
Aqueles que se levantavam e saíam porta fora, que gritavam, que não aceitavam eram os que não tinham palavras para vir
argumentar. E dar palavras às pessoas, pôr as pessoas a argumentar, a encontrar as palavras necessárias para dizer o que
sentem é essencial. A escola tem de o fazer, até porque nós, em Portugal, corremos um risco maior porque vimos de uma
sociedade muito pouco letrada.»

Lídia Jorge – Jornal Público, 23 de Fevereiro de 2020

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras,
defende, partindo da afirmação acima apresentada, uma perspetiva pessoal sobre a violência e o papel da comunicação nas
relações interpessoais e na sociedade em geral.

No teu texto:
– explicita, de forma clara e pertinente, o teu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado
com um exemplo significativo;
– utiliza um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

Observações:

1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre
elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos algarismos que o
constituam (ex.: /2015).
2. Um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até cinco pontos) do texto produzido.
3. Um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

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